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P ROG RAM A D E G RAD U AÇÃO EM L ET RAS

SATIRICON
(TITUS PETRONIUS NIGER, 27-66 EC)

Trabalho apresentado ao Professor


Doutor ANDERSON MARTINS ESTEVES,
como requisito para aprovação na
disciplina Literatura Romana para o
Programa de Graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por
WISLEY DO CARMO VILELA
Letras Português-Inglês
wisley@wisley.net

Rio de Janeiro, RJ – 2013/ 2


SATIRICON (Petrônio)

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 3
2 PETRÔNIO .......................................................................................................................... 4
3 SATIRICON ......................................................................................................................... 4
3.1 PERSONAGENS ......................................................................................................... 5
3.2 CENÁRIO..................................................................................................................... 5
3.3 SUMÁRIO DA TRAMA .............................................................................................. 5
4 OS NOVOS RICOS NO SATIRICON ................................................................................ 7
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 9

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SATIRICON (Petrônio)

1 INTRODUÇÃO

Acredita-se, mas não se sabe ao certo, que a obra Satiricon tenha sido
escrita por volta do ano 60 EC, por Titus Petronius Niger (c. 27-66 EC). O
historiador romano Tácito descreve Petrônio (Anais 16.17) como elegantiae
arbiter, dada sua presença na corte romana como juiz do que é refinado e de
bom gosto, ao ponto de se tornar íntimo do imperador Nero, que julgava suas
avaliações imprescindíveis (Fisher, 1906).
Do ponto de vista literário, trata-se de uma obra da maior importância
para a compreensão do romance, por ter raízes ligadas ao desenvolvimento
deste. De acordo com Bakhtin (2010, p. 413), a sátira minipeia (incluindo-se o
Satiricon de Petrônio) exerceu enorme papel na história do romance. Em
seguida, o autor aponta que há para a ciência um vasto campo ainda não
estudado de apreciação da importância da sátira minipeia para o
desenvolvimento do romance.
Dentre todos os gêneros literários, parece pairar sobre o romance o maior
número de controvérsias no que diz respeito à descrição do gênero. Bakhtin
denuncia “a total incapacidade” da teoria da literatura em relação ao romance e
explica a razão disso. Segundo ele, a teoria utiliza para classificar o romance os
mesmos parâmetros de classificação aplicados a outros gêneros. O problema é
que, diferente dos demais gêneros antigos, o romance não tem uma estrutura
pronta, acabada. Tanto são estáveis e acabados os demais gêneros, afirma o
autor, que “a teoria (…) não conseguiu, até os nossos dias, adicionar quase nada
de substancial àquilo que já fora feito por Aristóteles” (Op. Cit. p. 399)
Tantas são as regras de classificação do romance, quantas são as exceções
às regras, de modo que bem se poderia atribuir ao romance o epíteto de gênero
das exceções. Ao passo que denuncia a inaptidão da teoria em classificar o
romance como gênero, Bakhtin declara que as “definições normativas do
romance dadas pelos próprios romancistas” são mais interessantes e mais
lógicas. O autor prossegue listando quatro características defendidas pelos
romancistas como essenciais ao romance. Primeiro, o romance não deve ser
poético; segundo, o personagem do romance não deve ser heroico, em oposição
ao herói da tragédia ou da epopeia; a terceira característica diz respeito à
apresentação do personagem como alguém que evolui à medida em que vive;
por fim, a quarta característica dá conta do papel do romance em relação à

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SATIRICON (Petrônio)

sociedade, a saber, que o romance tem de ‘ser para o mundo contemporâneo o


que a epopeia foi para o mundo antigo’ (Op. Cit. pp. 402-3).
Um exame do Satiricon à luz dessas características distintivas defendidas
pelos romancistas revela pontos de concordância entre a estrutura dessa sátira
minipeia e o romance. Por exemplo, embora o Satiricon contenha poemas, não é
uma obra essencialmente poética. No que diz respeito ao personagem, não há
nada de heroico (herói da tragédia e da epopeia) nos personagens de Petrônio.
São homens e mulheres comuns, sujeitos às vicissitudes a que todos os demais
estão. Um terceiro ponto de convergência é a evolução dos personagens, que
não têm um caráter estático durante toda a extensão dos eventos narrados, mas
que experimentam sentimentos e sensações diferentes ao passo que agem,
reagem e interagem com a trama.
Justifica-se, portanto, a declaração de Bakhtin a respeito da importância
do Satiricon para a compreensão do romance como gênero.

2 PETRÔNIO

A tradição dos manuscritos apresenta Petrônio Árbitro como o autor do


Satiricon, mas nenhum autor antigo explica quem ele era. O mistério acerca do
autor é solucionado a partir de registros encontrados no livro 16 dos Anais
(Tácito), embora não haja menção do Satiricon por parte de Tácito. O
historiador descreve de modo notável um cortesão da corte de Nero chamado
Petrônio, que era reconhecido como árbitro de elegância, como mencionado
acima. A maioria dos críticos aceita a identificação desse Petrônio como tendo
sido o mesmo Petrônio Árbitro, autor do Satiricon, dadas as similaridades entre
a atmosfera do romance e a da descrição, feita por Tácito, dos eventos em torno
na morte suicida do cortesão (Conte 1994, pp. 454-5).
É digno de nota que, além de Tácito, Plutarco e Plínio, o Velho, também
descrevem Petrônio como o árbitro de elegância da corte de Nero.

3 SATIRICON

O Satiricon é uma obra fragmentária, da qual a parte mais íntegra é o


Banquete de Trimalquião. Deste modo, quem hoje lê as traduções do Satiricon
se depara com cortes e suspensão de continuidade, possíveis interpolações e
sessões transpostas.

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SATIRICON (Petrônio)

3.1 PERSONAGENS

Encólpio ................................... narrador e protagonista


Gitão.......................... o belo jovem amante de Encólpio
Ascilto ........................ ex-gladiador, amigo de Encólpio
Trimalquião .................................... liberto rico e vulgar
Eumolpo ......................................... poeta idoso e pobre
Licas ............................................... inimigo de Encólpio
Trifena............................. mulher apaixonada por Gitão
Corax ............................ um barbeiro, servo de Eumolpo
Circe .................................. mulher atraída por Encólpio
Crisis .............. serva de Circe, apaixonada por Encólpio

3.2 CENÁRIO

A narrativa se desenvolve em diferentes cenários, à medida que os


personagens passam por diferentes lugares desde que deixam Massilia, ao
Norte, em direção ao Sul da Itália. Os primeiros dez livros se passam em
Massilia; os livros onze e doze se passam em viagem para o Sul e estadia em
Báias; do livro treze ao quinze, de Báias a Puteoli; o livro dezesseis tem como
cenário a viagem de Puteoli a Crotona; o livro dezessete se passa em Crotona; os
livros dezoito e dezenove se passam em viagem avançando em direção ao Sul da
Itália; e, por fim, os livros vinte a vinte e quatro tem como cenário Lâmpsaco.

3.3 SUMÁRIO DA TRAMA

A trama se desenvolve ao longo de pelo menos cinco sessões principais. O


narrador, Encólpio, é um homem jovem bem educado que, no início da trama,
se encontra com Agamenon, um professor de retórica. Os dois discutem a
questão do declínio da oratória.
Encólpio viaja junto Ascilto, outro aventureiro que saíra das arenas de
gladiadores, e com um belo jovem de dezesseis anos chamado Gitão. Esses três
personagens formam um triângulo amoroso. A seguir, surge Quartila, uma
mulher que envolve os três em um rito em honra do deus Príapo. Este, por sua
vez, simboliza o sexo masculino e parece ter papel importante em todas as
histórias contadas por Encólpio. Quartila se aproveita do rito a Príapo como
pretexto para sujeitar os três jovens aos seus próprios desejos de luxúria.

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SATIRICON (Petrônio)

Uma vez tendo-se desvencilhado de Quartila, os três são convidados para


um banquete na casa de Trimalquião, um liberto que se tornara extremamente
rico, e continuara extremamente rude e grotesco. O banquete se resume a uma
exibição teatral de riquezas e de mau gosto. Encólpio é novamente submetido a
um papel sexual passivo até que a ocorrência de um acidente põe fim ao jantar e
liberta os três convidados.
A rivalidade homossexual entre Encólpio e Ascilto, na disputa pelo amor
de Gitão, desencadeia uma violenta discussão e Ascilto toma consigo o garoto e
foge. Encólpio sai à procura deles e encontra Eumolpo, por acaso, idoso poeta
vagabundo, escritor insaciável e ansioso por aventuras. Mal servido com as
recitações poéticas de Eumolpo, Encólpio tenta o rejeitar, sem êxito.
Finalmente, Encólpio encontra Gitão, ao passo que Ascilto se afasta (e
aparentemente some da história). Um triângulo amoroso se desfaz, outro se
forma, porque o velho demonstra crescente interesse homossexual no garoto.
Encólpio, Eumolpo e Gitão se apressam para embarcar num navio
mercante desconhecido e, quando já em viagem, descobrem que o navio
pertence Licas, pior inimigo de Encólpio, e que aquele leva consigo Trifena. Eles
tentam se disfarçar, mas isso é em vão: caem nas mãos de Licas, que tem razões
para querer vingança por algo não especificado nos fragmentos preservados da
obra. Eumolpo tenta interceder e conciliar, o que funciona por um pouco de
tempo, até que uma tempestade violenta derruba Licas no mar, onde este
morre, e faz naufragar o navio. Trifena se salva num bote e os três aventureiros
alcançam a praia.
Nesse ponto tem início uma nova aventura. Eumolpo descobre que estão
próximos de Crotona, cidade cujo passado havia sido glorioso, mas que então
havia perdido seu esplendor devido à proliferação de caçadores de heranças.
Nesse cenário, Eumolpo traça o plano de fingir-se rico e sem herdeiros, usando
Encólpio e Gitão para compor a farsa atuando como seus escravos. Em caminho
para Crotona tem lugar uma longa preleção dada por Eumolpo a seus
companheiros sobre poesia épica e uma declamação do chamado Bellum Civile,
um longo poema sobre a guerra de César e Pompeia, uma das mais belas partes
da obra.
A última parte da história é marcada por muitas lacunas no texto de
Petrônio e é, portanto, difícil de ser entendida. Eles chegam a Crotona e, com o

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SATIRICON (Petrônio)

plano de Eumolpo em ação, conseguem o favor dos habitantes locais, que lhes
concedem uma estadia confortável. Encólpio tem uma aventura sexual com uma
mulher chamada Circe, mas inesperada e inexplicavelmente perde sua potência
sexual. Ele acredita ser vítima de perseguição por parte do deus Príapo e se
submete a inúteis e humilhantes práticas mágicas. Subitamente, Encólpio
recupera sua virilidade. A encenação de Eumolpo está prestes a ser descoberta
pelos moradores de Crotona. Na última cena Eumolpo tenta mais um
estratagema peculiar. Lê-se o testamento em que o velho poeta estabelece a
condição de que quem queira herdar suas propriedades terá de comer seu
cadáver.
Assim termina a obra, fragmentária que é, sem desfecho.
(Conte 1994, pp. 457-8).

4 OS NOVOS RICOS NO SATIRICON

A cena do Banquete de Trimalquião retrata a ascensão econômica de


escravos libertos aos patamares da riqueza, mesmo extrema riqueza, como no
caso do anfitrião do banquete. Isso revela uma movimentação social curiosa na
obra de Petrônio. Comentando essa intensa movimentação, Erich Auerbach
(2013 pp. 23-4) observa que na parte do banquete em que um dos comensais
descreve os demais convivas em resposta a uma pergunta de Encólpio, aquele
faz também uma descrição de si mesmo. Seus modos rudes representados num
“jargão ordinário” (Op. Cit.) são indícios de que aquele homem, ainda que
possuidor de recursos financeiros, continuava muito pobre.
Auerbach argumenta que “este processo [de descrição feita pelo
convidado] leva a uma ilusão mais sensível e concreta da vida”. (Op. Cit.) Em
outras palavras, é como se o convidado tentasse com essa estratégia reforçar
uma imagem de si mesmo de sucesso e riquezas numa tentativa de reter o que
poderia ser muito transitório. O autor explica que dinheiro era tudo o que
possuíam, e que a mudança imprevisível da fortuna, num mundo em que nada é
seguro, poderia fazê-los voltar à estaca zero inadvertidamente (Op. Cit.).
É curioso notar o paralelo entre os novos ricos de outrora e os ricos em
ascendência do mundo moderno. Assim como aqueles foram retratados por
Petrônio no Banquete de Trimalquião, estes o são muitas vezes como pessoas de
gosto questionável e sem classe. O dinheiro abre portas e é desejado por todos.

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No entanto, nem todos que o conseguem adquirem a riqueza mais desejável, a


saber, o conjunto de qualidades composto de bom senso, compostura, bons
modos e respeito pelo próximo.
Observa-se ao longo da história da humanidade uma inversão de valores
que postula que coisas são mais preciosas do que pessoas. Essa supervalorização
das riquezas coloca num plano inferior a preocupação com a educação. Ao que
parece, Petrônio se dava conta de algo similar em seu tempo, pois escreveu no
trecho que narra o encontro de Encólpio com Eumolpo:

“Quem confia no acaso do mar amontoa lucro imenso;


Quem segue as armas e a guerra pode cingir-se de ouro;
O adulador barato deita-se bêbedo e em leito de púrpura;
O devasso ganha dinheiro com o adultério.
Só a eloquência treme esfarrapada no inverno,
E desvalida invoca as artes desprezadas.”

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BIBLIOGRAFIA
FISHER, C.D. Oxford, 1906 (Tradução Anderson Martins).

CONTE, G. B. Latin Literature – A History. (1994, pp. 453-465).

AUERBACH, E. Mimesis: A Representação da Realidade na Literatura Ocidental.


6ª Ed. Perspectiva. São Paulo 2013.

BAKHTIN, M.Questões de Literatura e Estética: A Teoria do Romance. 6ª Ed.


Huatec. São Paulo 2010.

PETRÔNIO. Satiricon (c. 60 EC). Tradução da versão francesa por Marcos


Santarrita.

Web sites consultados (em dezembro/2013):


http://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B4nio
http://en.wikipedia.org/wiki/Petronius
http://press.princeton.edu/titles/50.html

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