Você está na página 1de 104

FACULDADE ÚNICA EDUCAÇÃO A

DISTÂNCIA

FILOSOFIA DA RELIGIÃO

WALLISON A. BRANDÃO

1
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
WALLISON A. BRANDÃO

1
Wallison A. Brandão

Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2012), mestre
em Ciências Sociais (2019) e doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais - PUC-MINAS (2019-). Atua como professor de Educação Básica na
Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais desde 2017 até o presente momento,
lecionando os conteúdos de Filosofia, Sociologia e História. Foi Diretor de Políticas Edu-
cacionais da União Nacional dos Estudantes (2009-2011). Possui grande experiência em
relações institucionais e governamentais tendo atuado: Assessoria Parlamentar na Assem-
bleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (2011-2014); Câmara dos Deputados (2016-2019).
Também exerceu a mesma função de Assessoria Parlamentar no Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (2015-16). Tem experiência nas áreas de Filosofia, Sociologia, Ciência Política,
Partidos, Movimentos Sociais e Parlamento.

1
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
1° edição

Ipatinga, MG
Faculdade Única
2021
2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL

Diretor Geral:Valdir Henrique Valério

Diretor Executivo:William José Ferreira

Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos

Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira

Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa

Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luíza mendes Leite


Carla Jordânia G. de Souza
Guilherme Prado

Design: Aline De Paiva Alves
Bárbara Carla Amorim O. Silva
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Taisser Gustavo Soares Duarte
© 2021, Faculdade Única.

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-
ção escrita do Editor.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.

NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA


Rua Salermo, 299
Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG
Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300
www.faculdadeunica.com.br

3
LEGENDA DE

Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do
conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones
ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado
trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a
seguir:

FIQUE ATENTO
Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas
quais você precisa ficar atento.

BUSQUE POR MAIS


São opções de links de vídeos, artigos, sites ou livros da biblioteca
virtual, relacionados ao conteúdo apresentado no livro.

VAMOS PENSAR?
Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,
associando-os a suas ações.

FIXANDO O CONTEÚDO
Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos
conteúdos abordados no livro.

GLOSSÁRIO
Apresentação dos significados de um determinado termo ou
palavras mostradas no decorrer do livro.

4
SUMÁRIO UNIDADE 1
BREVE INTRODUÇÃO SOBRE FILOSOFIA A RELIGIÃO
1.1 Afinal o que é filosofia? ............................................................................................................................................................8
1.2 O que é Religião? .........................................................................................................................................................................9
1.3 O que é Filosofia da Religião? Por quê? ....................................................................................................................12
1.4 Quais são as tarefas da Filosofia da Religião? ......................................................................................................14
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................16

UNIDADE 2
O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - COMO DEMONSTRAR
RACIONALMENTE SUA EXISTENCIA

2.1 É possível demonstrar a existencia de Deus racionalmente? Três pensadores a favor da


existência de Deus: Aristóteles, Santo Anselmo de Aosta be Descartes ...................................................22
2.2 Aristóteles e o primeiro motor: o onus como enteléquia ou ato puro ...............................................22
2.3 Santo Anselmo de Aosta e prrova ontológica da existência de Deus ................................................25
2.4 Descartes e a filosofia moderna: três argumentos a favor da existência de Deus ....................28
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................31

UNIDADE 3
RELIGIÃO E ÉTICA - A CENTRALIDADE DO PROBLEMA DO MAL
3.1 Platão e a origem do mal como confusão entre ser e não ser ..................................................................38
3.2 Santo Agostinho e o mal como privação de ser ...............................................................................................40
FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................44

UNIDADE 4
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA PARTE 1 - FILOSOFIA MODERNA
4.1 Benedictus de Spinoza- Deus como causa imanente de todas as coisas ......................................48
4.2 John Locke- Empirismo e existência de Deus como dado da intuição .............................................52
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................58

UNIDADE 5
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA PARTE 2 - O SÉCULO XIX
5.1 Georg Wilhelm Friedrich Hegel - Arte, religião e filosofia como manisfestações superiores
do espirito absoluto .......................................................................................................................................................................66
5.2 A filosofia da existência: introdução Sören Kierkegaard ..............................................................................70
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................74

UNIDADE 6
A FILOSOFIA DA RELIGIÃO NA CONTEMPORANEIDADE
6.1 Martin Heiddeger: Deus além da consição de ser e tempo .....................................................................82
6.2. Jean-Paul Sartre - Liberdade incondicional entre o ser e o nada .......................................................86
FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................................................................................93

RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO...................................................................................................................98


REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................................................99

5
UNIDADE 1
Apresentação dos principais conceitos que norteiam e delimitam a temática da
filosofia da religião. O que entendemos pela palavra e atividade teórica compreendida
como filosofia? O que é filosofia da religião? Quais são as principais diferenças entre
CONFIRA NO LIVRO

filosofia da religião e ciência da religião.

UNIDADE 2
Neste capítulo é dedicado á exploração do principal tema da filosofia da religião: a
centralidade da ideia de Deus. O principal problema relacionado à temática Deus
é a tentativa de demonstrar sua existência em bases racionais. Apresentamos os
argumentos clássicos de Aristóteles, Santo Anselmo e Descartes para que o estudante
compreenda como esse problema foi pensado filosoficamente por autores de
trajetórias e períodos distintos na história da filosofia.

UNIDADE 3
Como continuidade lógica do capítulo anterior, neste exploramos outro grande
problema vinculado à temática de Deus: a existência do mal no mundo. Novamente,
nossa proposta de abordagem privilegiou o pensamento e a construção teórica de
dois filósofos clássicos que discutiram esse tema: Platão e Santo Agostinho.

UNIDADE 4
Há um deslocamento claro e intencional para uma navegação em torno da História
da Filosofia a partir da Modernidade compreendendo os capítulos 4 e 5. Queremos
apresentar ou relembrar alguns temas e alguns dos mais eminentes filósofos. O tema
por excelência da Modernidade é o conhecimento e seus limites. Quais são ou seriam
os limites da Razão humana na busca pelo conhecimento? Podemos conhecer o em-
si? O transcendente?

UNIDADE 5
Na Filosofia, o século XIX é o contexto de triunfo das grandes sistematizações:
inicia-se com Hegel, com o positivismo de August Comte, e a filosofia de Marx,
do desenvolvimento da ciência, da Biologia, da evolução das espécies de Charles
Darwin. Por outro lado, é também o espaço contraditório de dois contestadores
diametralmente opostos: Friedrich Nietzche e o anúncio da morte de Deus; e por
outro lado, do nascimento do existencialismo pelas mãos de um fervoroso cristão,
Soren Kierkegaard.

UNIDADE 6
Neste capítulo apresentaremos de forma introdutória parte dos principais debates
feitos no campo da filosofia Contemporânea, especialmente o pensamento que
emerge como consequência e após a Segunda Guerra Mundial. Daremos destaque
para a principal corrente filosófica emergente no pós guerra: o Existencialismo em
Heidegger e Sartre. Mas antes de avançarmos até os dois principais pensadores do
Existencialismo.

6
01
BREVE INTRODUÇÃO SOBRE UNIDADE
FILOSOFIA DA RELIGIÃO

7
1.1 AFINAL O QUE É FILOSOFIA?

Figura 1: A Escola de Atenas (Rafael Sanzio)


Disponível em: https://bit.ly/3bAjaav. Acesso em: 20 jan. 2021

Escrever um texto, uma obra, ou melhor, um livro sobre Filosofia sempre será moti-
vo de grandes desafios e questões. Esses desafios aparecem no momento da escrita e se
estabelecem através dos temas e referências que selecionamos para essa empreitada. Eu
confesso que quando fui convidado para escrever sobre Filosofia da Religião, o desafio me
pareceu ainda maior. Primeiro, por se tratar de uma obra filosófica e sempre necessária ca-
pacidade do rigor com os termos e conceitos tão próprios da nossa Filosofia. Depois, pela
necessidade de produzirmos um texto que seja ao mesmo tempo simples e didático para
leitura e compreensão (eu diria que não há nada mais chato do que lermos algo que não
compreendemos).
Foram com esses dois cuidados acima que mergulhei na tarefa de escrever uma
obra introdutória sobre Filosofia da Religião. São dois temas apaixonantes, porque mexem
e estão vinculados diretamente com toda a trajetória da humanidade. A filosofia, diria Pla-
tão, começa no assombro, no espanto, no questionamento sobre o que existe, sobre o que
algo é.
Segundo Reale e Anteseri (2003) o termo filosofia tem como origem o pensamento
do filósofo e matemático grego Pitágoras por volta do final do século VI.a.C. O termo ex-
pressa em sua origem um forte teor religioso, já que via na sophía (sabedoria dos deuses)
um ideal de vida, de posse, mas que o julgavam inalcançável. Dessa forma, a busca pela
sabedoria seria um dos traços marcantes da condição humana. Por isso filosofia ou o amor
pela sabedoria. Também desde seu nascimento, a filosofia será definida invariavelmente
por três elementos: seu conteúdo, sua forma e seu método.
Na obra referencial Dicionário de Filosofia, Abbagnano (2007) aponta para a existên-
cia de vários significados e sentidos para o termo Filosofia ao longo da História. Mas apesar
dos diferentes sentidos, podemos identificar algumas constâncias nessas definições: o ide-
al da posse de um conhecimento do mundo e das coisas o mais amplo possível; a necessi-
dade de que este conhecimento esteja à serviço da transformação da vida e da condição
humana.

A disparidade das Filosofias. tem por reflexo, obviamente, a


disparidade de significações de “Filosofias.”, o que não im-
pede reconhecer nelas algumas constantes. Destas, a que
mais se presta a relacionar e articular os diferentes signifi-
cados desse termo é a definição contida no Eutidemo de

8
Platão: F. é o uso do saber em proveito do homem. Pla-
tão observa que de nada serviria possuir a capacidade
de transformar pedras em ouro a quem não soubesse
utilizar o ouro, de nada serviria uma ciência que tornas-
se imortal a quem não soubesse utilizar a imortalidade,
e assim por diante. É necessária, portanto, uma ciência
em que coincidam fazer e saber utilizar o que é feito, e
esta ciência é a Filosofia. Segundo esse conceito, a Filo-
sofia. implica: 1º posse ou aquisição de um conhecimen-
to que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais am-
plo possível; 2º uso desse conhecimento em benefício do
homem. Esses dois elementos recorrem frequentemen-
te nas definições de Filosofia em épocas diversas e sob
diferentes pontos de vista (ABBAGNANO, 2007, p. 442).

FIQUE ATENTO
a Filosofia é uma humana de relação e busca com e do conhecimento. Ao contrário das mo-
dernas ciências caracterizada pela presença e recorte de um âmbito do saber, a filosofia per-
manece sendo uma atividade racional, instigadora, questionadora a todo e qualquer âmbito
do conhecimento. Apesar de não possuir um objeto deter-minado, podemos apontar alguns
temas como prioritários à reflexão filosófica: o homem, a ética, a política, o conhecimento, o
ser, a existência, entre outros. Na imagem 1 que abre este texto temos uma cópia da lendária
obra do pintor renascentista Rafael Sanzio, Escola de Atenas. Uma justa e bela homenagem
aos mestres e sábios da Antiguidade Clássica. Ao centro, as figuras simbólicas e sistemáticas
de Platão e Aristóteles.

BUSQUE POR MAIS


Para maiores aprofundamentos sobre a filosofia e a História da Filosofia, veja na
Biblioteca da Faculdade Única o livro do prof. Antônio Rezende, Curso de Filosofia.
Disponível em: https://bit.ly/3qRm94X. Acesso em: 19 fev. 2021.

1.2 O QUE É RELIGIÃO ?

9
Figura 2: Vaticano, Capela Sistina (Michelangelo e outros)
Disponível em: https://bit.ly/3qMiZ2e. Acesso em: 20 jan. 2021

Podemos responder a essa questão inicial de diversas maneiras. Certamente todos


aqueles que leem nosso texto neste momento já teve algum tipo de experiência religiosa
na vida: indo a igrejas ou outros centros religiosos de diversas denominações. O que nos
interessa para definirmos o que a religião é ou qual seria a essência religiosa não é tanto
saber se o Papa Francisco reza missa na Basílica de São Pedro aos domingos; ou o Pastor
João prega nos seus cultos numa quinta à noite; ou mesmo um Pai de Santo realização
suas sessões num certo terreiro. A questão posta para nós é entender o porquê de dife-
rentes manifestações e processos serem compreendidos todos como religião. Para res-
pondermos à questão inicial o que é religião, apresentaremos a visão de três importantes
pensadores da temática, vejamos.
A primeira definição é dada por Cornelis Petrus Tiele (1830-1902) ainda no final do
século XIX, em 1897. Tiele (nominado a partir deste momento apenas por seu último so-
brenome) é apontado internacionalmente como um dos pioneiros do projeto, formação e
constituição desse campo como objeto de estudo com rigor científico em cátedras univer-
sitárias. Tendo sido fundador da cátedra de Ciência da Religião na Universidade de Leiden
(Holanda). Tendo sua definição e classificação das religiões em naturais e éticas; as éticas
variando entre universais e nacionais.
Para Tiele (2018), a religião é um fenômeno social, histórico-psicológico presente na
trajetória da humanidade e que se diferencia de outros fenômenos sociais, como a ética,
a estética, a política por exemplo. O que caracterizaria a essência da religião são “as mani-
festações da mente humana por palavras, atos, costumes e instituições que testemunham
a crença do homem no sobre-humano, e servem para conduzi-lo na relação com ele. Tiele
prossegue e aponta como objetivo da ciência da religião não a investigação sobre a natu-
reza do sobre-humano, do transcendente, mas a investigação da crença nesse sobre-hu-
mano. Isso é o que ofereceria o escopo e o espaço de investigação do fenômeno histórico-
-psicológico da religião.
Tiele (2018) aponta a origem da religião como algo ontológico, parte constituinte da
natureza humana. Mas determinar o que é religião, de onde veio, só é possível verificar e
compreender a partir da análise das manifestações fenomênicas da religião. “O que a re-
ligião é, e de onde ela surge, só podemos verificar a partir de fenômenos religiosos. Nosso
ser mais íntimo só pode ser conhecido por suas manifestações externas. Vagar em nossas
especulações longe do que foi descoberto e estabelecido pela pesquisa antropológica e
histórica, é entrar em um caminho falso.” (TIELE, 2018)
Já para Wach (2018), o objetivo geral da ciência da religião é estudar de forma siste-
mática e empírica as religiões em todos os tempos e lugares. Por essa exigência, há uma
distinção metodológica entre os estudos empíricos e os estudos sistemáticos da religião. O
estudo empírico da religião tem como mote o fazer (das Werden em alemão), a prática, o
cotidiano das religiões. Tendo por isso, a finalidade de apresentar o desenvolvimento delas.
“De qualquer modo, a principal tarefa do cientista da religião não é estudar ou reconstruirá
história da alma do religioso; é estudar o desenvolvimento de religiões particulares e das
formas religiosas”. (WACH, 2018, p. 237).
Dessa forma, está fora do campo de investigação da ciência da religião a hipótese
de uma evolução sistemática da religião do ponto de vista de uma única religião empírica
tomada como absoluto, tais como defenderam os filósofos românticos, como Schleierma-

10
cher e Hegel. A questão do progresso em religião não pode ou deve ser posta como um
problema para investigação da ciência da religião. Devendo cada religião ser pensada de
forma única e inigualável. E conclui Wach (2018, p. 240): “Posto isso, a tarefa mais importan-
te do estudo empírico das religiões deve continuar sendo entender o “tornar-se” das religi-
ões particulares, entender seu desenvolvimento como o desdobramento dos princípios a
elas inerentes.
O estudo empírico da religião obedeceria a cinco critérios: a) classificação formal e
empírico-sistemática ou o estudo das religiões particulares ou de comunidades religio-
sas particulares (igrejas, seitas, escolas) segundo formas objetivas e particulares de orga-
nização (dogmas, doutrinas, cultos), personalidades particulares (como os líderes e per-
sonalidades); b) classificação por localização (segundo os pontos de vista geográficos,
antropológicos, etnológicos e genealógicos: continentes, nacionalidades, raças e etnias); c)
classificação temporal ou a investigação da religião segundo épocas e períodos históricos,
como história da religião da antiguidade clássica, do mundo antigo, do Oriente, do Império
Romano ou ainda religiões dos povos originários das Américas, como os Incas, Maias ou
Astecas; d) classificação por julgamentos de valor, apesar de muito discutível seus funda-
mentos, mas esses tipos de classificações desempenharam relevantes papeis ao longo da
história. As religiões já foram classificadas como “verdadeiras” e “falsas”, “naturais” e “reve-
ladas” teológicas e dogmáticas; religiões naturais e “éticas”; e) classificação descritiva: são
vistas como mais importantes e fundamentadas por (WACH, 2018).
A classificação descritiva abrange: 1) formalmente objetiva: incluindo as distinções
entre as religiões mitológicas e dogmáticas, nacionais e globais, baseadas em escrituras
e orais; 2) formalmente subjetiva: baseada na predominância de uma função psicológi-
ca, por exemplo, religiões de sentimento e religiões de vontade; 3) objetiva com relação
ao conteúdo: descrever as religiões como ascéticas-soteriológicas ou proféticas-reveladas
aponta para a distinção do conteúdo, centralidade da doutrina, adoração e instituições; 4)
subjetiva em relação ao conteúdo: distinção esta que obedece entre tipos de piedade (ale-
gre, melancólica).
Já os estudos sistemáticos da religião são menos utilizados no atual contexto. Os
estudos sistemáticos pressupõem um amplo esforço especulativo, mas que desembocava
geralmente numa forte perspectiva teológica cristã da salvação. São construções com for-
te teor universalista baseado em filosofias especulativas, sistemáticas como a de Hegel. A
principal característica dessa abordagem sistemática é constituição e elaboração de sínte-
ses universais para identificar ideias e princípios fundamentais, a busca por um espírito ou
princípio unificador e totalizante da realidade.
Por fim, uma questão ainda levantada por Wach (2018) é ampla relação de depen-
dência entre religião e cultura. É claro e notório a mútua influência entre religião, fatores
econômicos (vide a Ética Protestante de Max Weber), fatores políticos, sociais, arte, literatu-
ra, direto e sociedade e outros. É impossível analisar e discutir os fundamentos e origens do
judaísmo e do cristianismo, sem se ater aos contextos histórico-culturais do Novo e Antigo
Testamentos.
Para o escritor e teólogo brasileiro Rubem Alves (2003), a religião é a experiência do
sagrado. E essas marcas do sagrado não está imanente as coisas. A religião nasce com o
poder dos homens de nominar as coisas; de discriminar as coisas que têm importância
primordial e as coisas que têm importância secundária. A religião seria um discurso articu-
lado de falas, símbolos, objetos, tempos e espaços do sagrado. A finalidade dessa rede de

11
símbolos e objetos é contribuir para que haja sentido, significado e finalidade no mundo
para o homem. “Talvez porque, sem ela, o mundo seja por demais frio e escuro. Com seus
símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos.” (ALVES,
2003, p. 24). Sendo a grande hipótese e aposta da religião a tese de que todo o universo
teria uma face humana.

FIQUE ATENTO
A religião é um fenômeno social, histórico-psicológico presente na trajetória da humanida-
de e que se diferencia de outros fenômenos sociais, como a ética, a estética, a política por
exemplo. O que caracteriza a essência da religião é a crença do humano no transcendente.
Nas forças sobrenaturais e divinas que, por meio de símbolos, objetos e tempos instituem o
sagrado como experiência primordial da condição humana. Na imagem 2 – temos uma re-
presentação da famosa pintura do artista Michelangelo e outros renascentistas no Vaticano.
O nome da Capela Sistina, escrito em italiano como Cappella Sistina, é uma homenagem ao
Papa Sisto IV que, entre 1477-1480, iniciou o processo de demolição e restauração da antiga
Capela Magna, de origem medieval, que originou a nova capela.

1.3 O QUE É FILOSOFIA DA RELIGIÃO? POR QUÊ ?

Figura 3: Julgamento Galileu Galilei pelo Tribunal Romano do Santo Ofício da Igreja Ca-
tólica (Cristiano Branti)
Disponível em: https://bit.ly/2ZKbmh5 Acesso em: 20 jan. 2021

Discutimos até aqui os conceitos de Filosofia e Religião, aproxima-se o momento de


pensarmos numa definição mínima e coerente de uma filosofia da religião. Como todo ob-
jeto filosófico, é necessário começarmos fazendo uma pergunta ao mesmo tempo óbvia
e básica: o que é Filosofia da Religião? Para responder a essa pergunta, vamos recorrer ao
pensamento do professor (ZILLES, 2004). Para ele, a Filosofia da Religião tenta esclarecer
a possibilidade e a essência formal da religião na existência humana. Em outros termos,
a filosofia da religião tem como foco a consciência humana e a capacidade de autocom-
preensão do sobre-humano, do transcendente enquanto atingível pela inteligência. Como
toda atividade filosófica, a razão é a guia e condutora dessa empreitada.

12
Da mesma maneira que o ato filosófico não fundamenta a
existência humana, mas tenta esclarecê-la, assim também
a filosofia da religião não fundamenta, nem inventa a re-
ligião, mas tenta esclarecê-la, servindo-se das exigências
propriamente filosóficas. A filosofia da religião tematiza a
abertura do homem para o mistério que o envolve de ma-
neira positiva, aceitando-o, ou de maneira negativa, rejei-
tando-o. Tematiza, pois, a relação do homem com o santo
ou numinoso no horizonte da autocompreensão humana.
(ZILLES, 2004, p. 5)

A filosofia da religião é diferente da Teologia. Nesta, a relação entre homem e o trans-


cendente pode ser pensada, a partir da ação do divino no plano terreno, por meio da cha-
mada “revelação”, para tomarmos o exemplo das religiões reveladas. Filosofia da religião é
filosofia da mesma forma que dizemos em filosofia da linguagem, filosofia moral ou filo-
sofia política. O que caracteriza o pensamento filosófico é a capacidade de pensar o mun-
do de forma objetiva. O conceito de objetivo é usado para dizer tão somente do mundo
como matéria de nossa investigação, como objeto de nosso pensamento; não está sendo
usado como oposto de subjetividade.
O processo de fundação da Nova Ciência da Modernidade com pensadores do calibre
de Kepler, Galileu, Descartes e Newton; a constituição e formação dos Estados Nacionais; e
as ditas revoluções burguesas Inglesa (sec XVII), americana e francesa (séc XVIII) represen-
tam os pontos culminantes do período do Iluminismo. Dessa crença da humanidade de
superar a si mesma, de saída da minoridade, para deixar no passado, as superstições, mitos
e crenças da religião, além do dogmatismo típico da Metafísica. Esse processo, do ponto
de vista da relação do homem com a religião no Ocidente, dará origem a três posturas
distintas: a) negação total da religião; b) aceitação total da religião; c) descrição empírica e
análise fenomênica da religião.
A postura de negação total da religião parece estar muito presente no século XIX e
nos grandes movimentos filosóficos e científicos desse período como o marxismo, o posi-
tivismo, as Ciências Biológicas surgidas na esteira de Darwin, Hebert Spencer, a Psicanálise
de Freud e outros. Para tal, a crença na razão e na capacidade de desencantar o mundo
é chave central desse processo. A religião é vista como uma consciência falsa, como pura
ideologia para massacrar e esconder a opressão e a divisão da sociedade capitalista entre
proprietários dos meios de produção e proletários.

Os representantes dessa crítica esperam, com recurso à


natureza e com o desmascaramento da alienação religio-
sa, obter a transformação da consciência humana. Veem a
causa dessa alienação na falta de conhecimento científico
e na falta de domínio do inconsciente. Enfim, esperam a
superação ou o fim da religião com base no domínio tecno-
lógico sobre as forças da natureza (ZILLES, 2004, p. 14).

13
Já aqueles que defendem uma aceitação total da religião, encontram é claro no lon-
go histórico da tradição judaico-cristã, na filosofia Antiga e Medieval, na Metafísica e au-
tores sistemáticos, como Kant, Hegel, no século XX, a obra do cardeal Newman, Marcel
Blondel, Jacques Maritain, Karl Rhaner e outros. São pensadores que entendem a religião
como elemento constitutivo e natural da essência e da condição humana. “Por sua aber-
tura ao ser, a razão conduz necessariamente à religião como expressão de uma dimensão
transcendente da existência humana” (ZILLES, 2004, p. 16).
A terceira postura ou vertente filosófica-científica sobre a religião, a chamada descri-
ção empírica e análise das religiões tem nas obras de Max Weber, E. Durkheim, Lévy-Bruhl,
Levi Strauss e de forma geral na disciplina dos estudos Antropológicos e etnográficos são
as principais representantes dessa postura. Aliás, neste texto inclusive, quando na seção
anterior apresentemos definições do que é religião, fizemos a opção metodológica de utili-
zarmos o pensamento de dois autores que são cientistas da religião Tiele e Joaquim Wach.

BUSQUE POR MAIS


Para outras informações sobre a definição e objeto da filosofia da religião, leia
na Biblioteca virtual Pearson a obra do prof. Adriano Antônio Faria, “Filosofia da
Religião” (2017). Disponível em: https://bit.ly/3khgyCu. Acesso em: 20 jan. 2021.

FIQUE ATENTO
A filosofia da religião tenta esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na exis-
tência humana. Em outros termos, a filosofia da religião tem como foco a consciência hu-
mana e a capacidade de autocompreensão do sobre-humano, do transcendente enquanto
atingível pela inteligência. Como toda atividade filosófica, a razão é a guia e condutora dessa
empreitada. A filosofia da religião é diferente da Teologia. Nesta, a relação entre homem e
o transcendente pode ser pensada, a partir da ação do divino no plano terreno, por meio da
chamada “revelação”, para tomarmos o exemplo das religiões reveladas. A Filosofia da reli-
gião é tão filosófica quanto o são filosofia da linguagem, filosofia moral ou filosofia política.
O que caracteriza o pensamento filosófico é a capacidade de pensar o mundo de forma ob-
jetiva
Na imagem 3, temos um dos grandes conflitos entre Ciência e Religião representada pela
pintura do artista italiano Cristiano Banti, o julgamento de Galileu Galilei na primeira metade
do século XVII pelo Tribunal católico do Santo Ofício. Ali foram condenadas as teses principais
do sistema filosófico-científico de Galileu.

1.4 QUAIS SÃO AS TAREFAS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO?


O processo de secularização do mundo moderno, tal como apresentado na seção
anterior, com fatores oriundas de fatores científicos, culturais e filosóficos como Iluminis-
mo; no campo da política a formação dos Estados modernos, as chamadas revoluções bur-
guesas; além é claro do triunfo do capitalismo como sistema hegemônico, no campo da
economia, são fatores que tensionam e pressionam o espaço e o escopo da filosofia da

14
religião na atualidade. Ainda assim, parece haver a necessidade de uma filosofia da reli-
gião para fortalecer racionalmente os fundamentos da crença no sobre-humano, oferecer
novos sentidos e outros argumentos como “provas” da existência de Deus. Mas outros ob-
jetivos e questões se colocam como tarefas da filosofia da religião, Zilles (2004) enxerga
três desafios:

a. Repensar o abismo profundo existente atualmente, fruto da tensão entre tradição reli-
giosa e as experiências intersubjetivas. A religião está cada vez mais questionada pela
proximidade e sancionamento a regimes e instituições políticas indefensáveis do ponto
de vista dos direitos humanos.
b. A relação entre igrejas monoteístas ocidentais, como o Cristianismo e o Judaísmo, com
outas religiões no Ocidente e no Oriente. Em função do processo de secularização da
vida moderna, a religião perde sua centralidade no processo de integração do indivíduo
à sociedade. Esses desafios de convivência e respeito entre diferentes tradições de fé
apresenta muitos desafios políticos, pelas crescentes e milenares tensões entre judeus
e os vários grupos seguidores do Corão no Oriente Médio. Além é claro do respeito e
convivência entre Cristianismo e religiões de matrizes africanas e indígenas na América
Latina.
c. O lugar e a função da religião e das igrejas no contexto político-social e cultural atuais.
Como as religiões e as igrejas sobreviveram nesse contexto? Se o iluminismo fez triunfar
a exigência de uma ética universal com princípios seculares, como as liberdades civis
(como a de crença e opinião), políticas e de acesso aos direitos sociais e a afirmação
da identidade gênero, étnica, racial, ambiental e outras; a emergência e o domínio das
contemporâneas tecnologias da informação apresentam outros desafios, como as cha-
madas fake news, triunfo de uma cultura imediatista e individualista. O que do ponto
de vista político tem sido aproveitado para ascensão política de extremistas na Europa,
nos Estados Unidos e na América Latina.
d. Por fim, cabe apresentar também a importância de uma filosofia da religião para pen-
sar e discutir as implicações éticas cada vez maiores de um mundo marcado pela pro-
dução e sofisticação de armas com capacidade mortíferas inimagináveis, ou a chamada
crise ambiental, com mudanças climáticas, falta de água, excesso de chuvas ou ondas
de calor e frio; além também das implicações éticas das pesquisas com células-troncos
embrionárias; direitos reprodutivos, o chamado campo da Bioética.

VAMOS PENSAR?
As atuais sociedades contemporâneas marcadas pelo imediatismo, pela busca constante e
desenfreada pelo sucesso e reconhecimento através de sinais exteriores de riquezas, provoca-
do e intensificado a presença de novas doenças como as diversas e cada vez maiores e diver-
sas doenças mentais. Destas a depressão e a ansiedade são talvez as patologias que atingem
um maior contingente em todo o mundo. Qual será o papel do conhecimento e da fé diante
dessas novas patologias? O que poderia ser feito a partir desses campos do saber?

15
FIXANDO O CONTEÚDO
1. “O que a religião realmente é na sua essência só pode ser determinado como o resultado
de toda a nossa investigação. Por religião, queremos dizer, para o presente, nada diferente
do que geralmente é entendido por esse termo - isto é, o agregado de todos os fenômenos
invariavelmente chamados religiosos, em contraposição a ética, estética, política e outros.
Falo daquelas manifestações da mente humana em palavras, atos, costumes e instituições
que testemunham a crença do homem no sobre-humano, e servem para conduzi-lo na
relação com ele.”
(TIELE, Cornelis. Concepção, objetivo e método da Ciência da Religião. REVER, v. 18, n 3, p. 227-238, set-dez. 2018)

Conforme a leitura do trecho acima e outras informações sobre o tema, é correto afirmar
que a Filosofia da Religião

a) é um conhecimento ilógico e irracional pautado na mística e na crença das forças


mágicas.
b) é um fenômeno social de mesma origem e natureza que a ética, a estética, a política e
a arte.
c) surge como manifestação da mente humana e é marcada essencialmente pela crença
na transcendência.
d) é conhecimento puramente racional, expresso através da investigação lógica e científica.
e) é um fenômeno social que tem origem comum apenas com a ética.

2. “A filosofia da religião toma como objeto de estudo questões relacionadas com a


transcendência e a existência de Deus, a espiritualidade e o fenômeno religioso do ponto
de vista filosófico. O que significa dizer que não podemos confundi-la com a teologia, a
apologética ou a fenomenologia da religião, como veremos a seguir. Também não deve
ser tomada como uma forma de visão propriamente religiosa, visto que a filosofia da
religião busca suas respostas por meio de uma metodologia racional e argumentativa,
sempre com caráter especulativo e não confessional. Podemos afirmar que a filosofia da
religião, dotada de uma racionalidade crítica, investiga a crença humana em divindades
e o comportamento das pessoas religiosas, ou seja, daquelas que seguem determinada
crença. Está centrada, em muitos de seus aspectos, na epistemologia religiosa.
(FARIA, Adriano. Filosofia da Religião, 2017, p. 31).

Com base na citação acima de Faria (2017) é correto afirmar sobre a filosofia da religião

a) tem como objeto a política, a ética, a estética e a arte enquanto manifestações da


transcendência.
b) tem como objetivo investigar e conhecer os fenômenos religiosos a partir da fé e da
Bíblia.
c) não possui o objetivo de investigar os fenômenos religiosos por meio da razão e do senso
crítico filosófico.
d) tem como objeto investigar as questões relacionadas à transcendência, ao divino e a
existência de Deus por meio da razão.

16
e) tem como objetivo divulgar e impulsionar a crença na fé e nas forças divinas.

3. De acordo com Ferrater Mora (1964), a filosofia e a religião podem se relacionar de três
maneiras distintas: em primeiro lugar, a filosofia e a religião se aproximam mutuamente,
podendo acontecer que a segunda seja substituída pela primeira; no segundo caso,
a filosofia se situa à frente da religião, de modo crítico ou, em alguns casos, analítico; e,
finalmente, a filosofia procede descrevendo o fato religioso como tal, independentemente
de seu conteúdo específico. No primeiro caso, há uma fusão entre as duas concepções;
no segundo, a filosofia tenta esclarecer de forma racional e objetiva o conteúdo de uma
determinada religião; no terceiro caso, se pede o auxílio das diversas ciências para clarificar
os fenômenos religiosos. Segundo o autor, só nos dois últimos casos, e de um modo
específico no terceiro caso, é que se pode falar propriamente em filosofia da religião.
(FARIA, Adriano. Filosofia da Religião, 2017, p.32)

Sobre a aproximação entre filosofia e religião, podemos assinalar:

a) A filosofia e a religião se aproximam mutuamente, podendo a primeira ser substituída


pela segunda.
b) A filosofia e a religião não há aproximação possível entre ambas, já que cada uma tem
por objeto temas e questões distintas.
c) Filosofia e religião se aproximam de duas formas segundo o trecho acima havendo fusão
entre ambas nos dois casos de proximidade.
d) Filosofia e religião se relacionam de três formas, mas apenas na situação em que a
filosofia pode ser substituída pela religião é válido.
e) Filosofia e religião se relacionam de três formas: no primeiro caso há fusão entre os
dois campos de saber; no segundo a filosofia explica e explicita o conteúdo da religião; no
terceiro, outras ciências colaboram no processo de compreensão do fenômeno religioso.

4. O objetivo geral da ciência da religião é estudar sistematicamente e empiricamente as


religiões de todos os tempos e lugares. Primeiro vamos ver como o estudo empírico das
religiões se estrutura. Seu mote é o fazer (das Werden) das religiões. Seu objetivo é estudar
e apresentar o desenvolvimento delas. Esse propósito deve estar nitidamente identificado.
O que é verdadeiro para a cultura como um todo também é verdadeiro para os sistemas
culturais particulares, para as inter-relações (Wirkungszusammenhange), utilizando o termo
de Dilthey. Toda religião está intimamente relacionada à lei, à arte e à ordem econômica
das quais é contemporânea. O estudo empírico das religiões deve desvendar essas relações,
com base em estudos históricos, e o método sistemático formulará conclusões disso. Mais
uma vez devo advertir contra a confusão: a filosofia da religião também investiga as inter-
relações entre religião e direito, arte, e economia, mas suas questões são diferentes das da
ciência da religião. A filosofia da religião investiga o que deveria ser, nesse caso, a relação
ideal entre esses vários domínios.
Adaptado de (WACH, Joachim Ernst Adolphe Felix. Os Ramos da Ciência da Religião
. Tradução de Fábio L. Stern. REVER, v. 18, n. 2, p. 233-253, mai/ago 2018).

O texto acima de Joachim Wach (2018) procura reforçar as distinções entre o que o autor
chama de estudo empírico das religiões e o estudo sistemático da religião. Sobre essa

17
distinção feita por Joachim Wach é correto afirmar:

a) A distinção entre estudo empírico e sistemático da religião é apenas teórico-formal, sem


quaisquer implicações práticas.
b) A distinção entre estudo empírico e sistemático da religião tem como fundamento
a diferença de objetos e abordagens típicas da ciência no primeiro caso e à filosofia no
segundo.
c) A distinção entre estudo empírico e sistemático da religião tem como fundamento
a diferença de objetos e abordagens típicas da filosofia no primeiro caso e à ciência no
segundo.
d) A distinção entre estudo empírico e sistemático da religião tem como fundamento a
diferença de objetos e abordagens da ciência e da filosofia. Em que a ciência se preocupa
com o dever ser e a filosofia com a investigação histórico-empírica.
e) A distinção entre estudo empírico e sistemático da religião tem como fundamento a
diferença de objetos e abordagens da religião e da filosofia. Em que a religião se preocupa
com o dever ser e a filosofia com a investigação histórico-empírica.

5. “A filosofia da religião atualmente se encontra em situação precária dentro do conjunto.


Não deve ser identificada simplesmente com a religião filosófica ou com filosofia religiosa.
Trata-se de indagação filosófica que usa métodos filosóficos com objetivos filosóficos. Mas
não é qualquer filosofia capaz de criticar corretamente o mundo humano da fé e da religião.
As filosofias que pretendem simplesmente explicar a religião ou reduzi-la a elemento não
religioso como libido ou situação econômica alienada não servem. Da mesma maneira,
não servem para estabelecer corretamente o sentido da religião hoje, as filosofias que se
põem diretamente a serviço da fé (São Boaventura, Santo Tomás de Aquino) pois não se
trata da simples recuperação de certos dogmas, p. ex, transcendência do Absoluto, pela
filosofia. Cabe investigar se o fenômeno religioso é originário e irredutível no homem, e se
leva, por sua natureza, a um termo supremo chamado Deus.”
(ZILLES, Urbano, Filosofia da Religião, 5ed. São Paulo 2004, p.17)

Com base na leitura do trecho acima, Zilles (2004) entende que seja tarefa da filosofia da
religião na atualidade:

a) Repensar a relação entre filosofia da religião e sociedade pós iluminista, de modo


dialético para afastar certas doutrinas e dogmas filosóficos e religiosos, mas que possa
fundamentalmente recuperar e revalorizar a centralidade da ideia de Deus.
b) Abrir espaço para concepções filosóficas de inspiração materialista, em função da
situação socioeconômica e da divisão de classes sociais.
c) Abrir espaço para concepções filosóficas centradas no indivíduo e no seu inconsciente,
valorizando assim o papel da libido na vida humana, como demonstrado pela Psicanálise.
d) Recuperar e valorizar modelos teóricos que estão historicamente vinculadas à fé, como
as filosofias dos Santos Padres.
e) Repensar a relação entre filosofia da religião e sociedade pós-iluminista, de modo
dialético para afastar certas doutrinas e dogmas filosóficos e religiosos, mas que possa
fundamentalmente não recuperar a centralidade da ideia de Deus.

6. “Muitos perguntam: ‘Afinal, para que filosofia?’ É uma pergunta interessante. Não vemos

18
nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, ‘Para que Matemática ou Física?’, ‘Para
que Geografia ou Geologia?” “Para que Biologia ou Psicologia?’ Mas todo mundo acha
muito natural perguntar: “Para que filosofia?’. Essa pergunta tem sua razão de ser. Em
nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o
direito de existir se tiver alguma finalidade prática muito visível e de utilidade imediata. Eis
porque ninguém pergunta ‘Para que as ciências’, pois todo mundo imagina ver a utilidade
das ciências em produtos da técnica. A pergunta ‘para que filosofia’ costuma receber uma
resposta irônica, conhecida dos estudantes de filosofia: ‘A filosofia é uma
ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual’. Ou seja, a filosofia não
serviria para nada”.
Adaptado de: CHAUÍ, Marilena. Iniciação À filosofia: volume único, 3.ed. São Paulo: Ática, 2016, p. 22).

Com base na leitura do trecho acima e outros conhecimentos sobre à temática, é correto
afirmar que

a) um saber deve ser avaliado conforme sua utilidade prática socialmente.


b) ‘a filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual’. Ou
seja, a filosofia não serviria para nada”.
c) em nossas sociedades, não existe confusão entre ciência e tecnologia, uma vez que os
resultados científicos estão identificados com a capacidade de gerar novos bens e serviços.
d) a autora critica a visão imediatista e alienada em que um campo do saber é medido por
sua utilidade e capacidade de produção de bens e serviços sociais.
e) para a autora é lícito indagar “para que serve a filosofia”, já que o saber deve ser avaliado
por sua utilidade social.

7. “A filosofia não é ciência: é uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é,


sobre procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão sobre os
fundamentos da religião, isto é, sobre as causas, origens e formas das crenças religiosas.
Não é arte: é uma reflexão sobre os fundamentos da arte, isto é, sobre os conteúdos, as
formas, as significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem
Psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da Sociologia e
da Psicologia. Não é política, mas a interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem,
a natureza e as formas do poder e suas mudanças. Não é história, mas a reflexão sobre
o sentido dos acontecimentos inseridos no tempo e compreensão do que seja o próprio
tempo. A atividade filosófica é, portanto, uma análise, uma reflexão e uma crítica. Essas três
atividades são orientadas pela elaboração filosófica de ideias gerais sobre a realidade e os
seres humanos.
Adaptado de: CHAUÍ, Marilena. Iniciação À filosofia: volume único, 3.ed. São Paulo: Ática, 2016, p.28)

Com base na leitura do trecho acima e outros conhecimentos sobre o tema, é correto
afirmar sobre a filosofia.

a) É uma ciência, já que se trata de uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é,
sobre procedimentos e conceitos científicos.
b) É religião, uma vez que opera sobre os fundamentos da religião, isto é, sobre as causas,
origens e formas das crenças religiosas.
c) Está na fronteira entre a Sociologia e a Psicologia, porque é interpretação crítica de

19
ambos os campos.
d) A atividade filosófica é pautada pela análise, reflexão crítica, orientadas pela elaboração
filosófica de ideias gerais sobre a realidade e os seres humanos.
e) É História, uma vez que a reflexão não se dar sobre o sentido dos acontecimentos inseridos
no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo.

8. “O estudo da filosofia em cursos de graduação deve revestir-se de algum valor especial


que o diferencie das atividades educacionais praticadas em muitas outras disciplinas. Ele
tem de ser mais do que uma simples história intelectual ou cultural ou um mero panorama
dos grandes livros. Na realidade, cumpre-lhe fazer várias coisas. Ele tem de treinar os alunos
para ler obras sérias de modo atento e cuidadoso, levando em conta várias perguntas: 1)
qual o problema ou questão que o autor aborda, e por que é um problema? 2) qual é a
estratégia do autor para resolver o problema ou a pergunta? 3) Que conclusão é defendida?
4) As conclusões são verdadeiras ou satisfatórias de alguma outra maneira? 5) Não será
possível que a questão que deu início a tudo isso tenha sido concebida de maneira errônea?
É de enorme importância ensinar os alunos a separar o joio do trigo, o verdadeiro do falso,
o que tem sentido do incompreensível, o valioso do imprestável, em termos intelectuais.
Se o ponto central do curso de graduação deve ser a leitura das obras originais, para que
um manual? Este livro não pretende ser um substituto da leitura de Santo Anselmo, Santo
Tomás, David Hume etc. Seu propósito é, na verdade, ser um auxílio e um guia na leitura
dos autores e na identificação dos problemas; ele deve ser usado em conjunto com os
textos originais.
Adaptado de: TILGHMAN, Benjamin. Introdução à Filosofia da Religião. São Paulo: Loyola, 1996, p.9-10.

Com base na leitura do trecho acima e outras referências sobre o tema, é correto afirmar
que o objetivo de Tilghman (1996) é

a) demonstrar a utilidade dos compêndios e manuais filosóficos como meio de substituição


dos autores clássicos.
b) identificar um papel relevante para manuais e outros materiais didáticos para a formação
de estudantes e profissionais da filosofia.
c) identificar como problema para a formação de estudantes nos cursos de graduação em
filosofia o uso excessivo de manuais.
d) demonstrar a importância do esquecimento e superação das obras clássicas, já que
foram escritas em contextos culturais muito distintos dos atuais.
e) o estudo da filosofia não deve ser diferenciado em termos educacionais a outros campos
do saber.

20
02
O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA UNIDADE
DE DEUS - COMO DEMOSTRAR
RACIONALMENTE SUA EXISTENCIA

21
2.1 É POSSÍVEL DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE DEUS RACIONAL-
MENTE? TRÊS PENSADORES A FAVOR DA EXISTÊNCIA DE DEUS:
ARISTÓTELES, SANTO ANSELM DE AOSTA ,DESCARTES

Um dos grandes problemas da História da Filosofia é sem dúvida alguma a tentativa


de demonstrar racionalmente a existência de um ser ou inteligência superior, originária do
mundo físico, natural e humano. Desde a Antiguidade grega, dos primeiros filósofos natu-
ralistas, passando por Sócrates e as grandes sistematizações do mundo helênico, de Platão
e Aristóteles, essa questão se faz presente. Com o advento do Cristianismo, a questão da
existência de Deus, ganhou novos contornos especialmente pela relação entre fé e Razão.
Após esse período, a questão de Deus será novamente recolocada na esteira do desenvol-
vimento da nova ciência na Modernidade assumindo por um lado caráter metafísico, des-
de as grandes construções teóricas de Descartes a Hegel; ou negação a partir das reflexões
das correntes filosóficas do séc XIX, como o Marxismo e o Positivismo.
Caso tomemos a iniciativa de interrogar à um indivíduo que frequenta alguma de-
nominação religiosa, como as diversas igrejas cristãs, ele certamente dirá que Deus existe
porque fez isso ou aquilo em sua vida. Ou porque estava na Igreja e sentiu a presença de
Deus em seu coração, em sua mente, no irmão que estava ao seu lado. Também mobili-
zando a favor de sua argumentação a presença de incontáveis igrejas ao redor de todo
mundo para louvar e celebrar a Palavra de Deus. Afinal, temos no caso do Cristianismo, a
própria palavra de Deus, instruída e revelada na Bíblia como prova dessa demonstração.

E o que dizer da existência de Deus? Adão, se tivesse fei-


to um curso de filosofia da religião, poderia ter dito que a
questão da existência de Iahweh é uma questão empírica;
afinal, ele O viu e falou com Ele. Todavia, dados os pressu-
postos da concepção pós-exílica de Deus, a afirmação de
Adão teria de ser objeto de uma contestação. Deus, na épo-
ca, era concebido como transcendente, não fazendo parte
do mundo físico; Ele não tem propriedades físicas. Como
as únicas coisas que os nossos sentidos podem observar
são coisas do mundo físico, segue-se que não podemos ob-
servar Deus. Se é esse o caso, a questão da existência de
Deus não é empírica, ao menos em um sentido evidente
(TILGHMAN, 1996, p. 48-49).

2.2 ARISTÓTELES E O PRIMEIRO MOTOR: O NOUS COMO


ENTELÉQUIA OU ATO PURO

22
Figura 4: Aristóteles (384 a.C – 322 a.C)
Disponível em: https://glo.bo/3aRVkIl Acesso em: 22 jan. 2021.

Dentre os pensadores que apresentam construção teórica a favor da existência de


Deus, vejamos como o Estagirita Aristóteles o fez. Em primeiro lugar, será necessário avan-
çarmos na compreensão de alguns conceitos fundamentais da doutrina filosófica aristoté-
lica. Aristóteles inicia sua exposição sobre a natureza do divino apresentando uma impor-
tante definição e distinção entre as ciências. No interior do arcabouço do saber, as ciências
podem ser divididas em três grandes ramos: a) as ciências teoréticas, que tem por finalida-
de a busca do saber por si e em si; b) as ciências práticas, que buscam o saber com vista a
um fim prático, moral ou ético; c) as ciências poiéticas ou produtivas, aquelas que buscam
o saber para fazer algo, produzir objetos, bens e serviços.
Não é muito difícil localizar quais disciplinas estariam em cada campo: no último
campo, as ciências produtivas abarcam todo o saber prático relacionados as necessidades
imediatas, como alimentação, moradia, transporte, comunicação etc. O segundo nível é
o domínio da ética e da moral. E por fim, no primeiro nível está propriamente aquele tipo
de saber por excelência, desinteressado voltado para a compreensão e contemplação do
saber e do ser enquanto ser, a Filosofia Primeira ou teologia. Conhecida também desde o
século I a.C como Metafísica. São quatros as definições dadas pelo Estagirita para o termo.
Vejamos inicialmente um trecho da própria Metafísica.

Portanto, é preciso adquirir a ciências das causas primei-


ras. Com efeito, dizemos conhecer algo quando pensamos
conhecer a causa primeira. Ora, as causas são entendidas
em quatro diferentes sentidos. (1) Num primeiro sentido, di-
zemos que a causa é a substância e a essência. De fato, o
porquê das coisas se reduz, em última análise, à forma e o
primeiro porquê é, justamente, uma causa e um princípio;
(2) num segundo sentido, dizemos que causa é a matéria e
o substrato; (3) num terceiro sentido, dizemos que causa é
o princípio do movimento; (4) num quarto sentido, dizemos
que causa é o oposto do último sentido, ou seja, é o fim e o
bem: de fato, este é o fim da geração e de todo movimento
(ARISTÓTELES, 2002, p. 15).

23
Como bem ressaltou Reale (2003), quem busca as causas primeiras necessariamen-
te está em busca e deve encontrar Deus. Porque Deus é a causa e o princípio primeiro de
todo movimento. Logo, aquele que pensa metafisicamente, faz uma teologia. Aquele que
pergunta se há apenas substâncias sensíveis ou existem também substâncias imateriais,
remete outra vez a questão do divino.
A Metafísica é por excelência a ciência do divino ou Teologia porque só e tão somen-
te tem como objeto de investigação o ser enquanto ser e suas propriedades constitutivas.
Ela não está identificada com nenhuma das ciências particulares, já que nenhuma dessas
outras ciências considera o ser universalmente. Ao contrário da física e da Matemática que,
apesar de fazerem parte do campo do saber teorético, não podem ser primazes, já que a in-
vestigação destas se realizam sobre o ser resultante da forma e da matéria, como homens
por exemplo. O divino é eterno, imóvel e separado, cabendo à filosofia primeira estudá-lo
de forma adequada.

Ora, se não existisse outra substância além das que cons-


tituem a natureza, a física seria a ciência primeira; se, ao
contrário, existe uma substância imóvel, a ciência desta
será anterior [ as outras ciências] e será a filosofia primeira,
e desse modo, ou seja, enquanto primeira, ela será universal
e caberá a ela a tarefa de estudar o ser enquanto ser, vale
dizer, o que é o ser e os atributos que lhe pertencem en-
quanto ser (ARISTÓTELES, 2002, p. 273).

Pensar o ser enquanto ser necessariamente implica diz o que este ser é. Para Aristó-
teles, o ser se diz de várias formas e jeitos, podemos agrupá-los em quatro grandes grupos:
a) o ser como categorias (ou em si), num total de dez; b) o ser como ato e potência: trata-se
de dois pares de fundamentais em Aristóteles, cabendo à potência definição de possibili-
dade de algo; e o ato a efetivação dessa possibilidade; c) o ser como acidente: não neces-
sário, fortuito, ex: é uma acidente eu estar deitado ou sentado; d) o ser como verdadeiro ou
não-ser como falso, ou seja, o âmbito das proposições lógicas. Mas um único é essencial
como já antevisto até aqui, o ser substancial. É ele que nos interessa entender e definir.
Mas então, o que é a substância? Quantas e quais tipos de substâncias existem? Se-
gundo Reale (2003) a substância pode ser entendida tanto como a união de forma e maté-
ria , formando um indivíduo concreto por exemplo, este aqui João Pedro; quanto também
apenas a forma no sentido essencial ou em seu mais alto grau. Se consideramos apenas
de forma substancial a junção de forma e matéria, seria, portanto, impossível advogar a
existência de substâncias suprassensíveis. O que afastaria a possibilidade da existência de
Deus e do imaterial.
Em seu significado mais forte, o ser é a substância; a subs-
tância em um sentido (impróprio) é a matéria; em segundo
sentido (mais próprio é o “sínolo ” e em terceiro sentido (e
por excelência) é a forma. O ser, portanto, é a matéria; em
grau mais elevado, o ser é o sínolo; e, no sentido mais forte,
o ser é a forma. Desse modo, pode-se compreender por que
Aristóteles chegou a chama a forma até mesmo de “causa
primeira do ser” (precisamente porque ela “informa” a ma-
téria e funda o sínolo) (REALE; ANTISERI, 2003, p. 200).

24
Então de que maneira é possível demonstrar a existência de Deus ou da Substância
primeira? Aristóteles o faz misturando elementos da Física e da Metafísica. As substâncias
são realidades primazes, mas se todas elas fossem corruptíveis (morrer ou deixar de existir)
não poderia também existir o divino. Portanto, há do ponto de vista físico duas forças que
não foram geradas, nem podem estar sujeitas à corrupção, que são tempo e o movimento.
O tempo precisa ser eterno, caso não fosse, cairíamos no paroxismo de pressupor um “an-
tes” e um depois do “tempo”. Mas admitir que haja um “antes e um depois” outra coisa não
é do que repor a própria noção de tempo.
E Aristóteles também estende a mesma justificativa para o movimento, ou seja, algo
só se move como consequência ou causa de outro ser ou substância. Se se pressupor que
há uma substância que move todas as outras, essa primeira substância precisa necessa-
riamente ser causa de si mesma, movendo outras substâncias, mas estando parada. Po-
demos exemplificar esse ponto até mesmo na Ciência Contemporânea e a Teoria do Big
Bang (ou Grande Expansão em português). Se essa grande explosão de energia deu ori-
gem a todas as coisas, uma pergunta básica repõe e fortalece a argumentação aristotélica:
o que está antes do Big Bang?
Por fim, retomando aqui as definições dadas de alguns conceitos fundamentais aris-
totélico de ato e potência, forma e matéria, Deus deve ser inteiramente privado de poten-
cialidade, ou seja, precisa ser ato puro ou enteléquia. Caso possuísse potencialidade, pode-
ria e estaria sujeito a corrupção, ou seja, não seria perfeito, já que lhe faltaria algo, o que é
absurdo.

FIQUE ATENTO
O conceito de substância é um dos principais conceitos legados por Aristóteles para à cultura.
A substância, tal como compreendida pelo Estagirita, é a união de forma e matéria. A subs-
tância é o ser de forma essencial. As substâncias podem ser divididas entre aquelas que são
formadas pela união de forma e matéria, e as substâncias divinas e espirituais, compostas
essencialmente pela forma.

BUSQUE POR MAIS


Para aprofundar seu conhecimento sobre a metafísica aristotélica, confira na Biblioteca
Pearson a obra Textos clássicos de filosofia antiga: uma introdução a Platão e Aristóteles,
de Renata Tavares e Samon. Disponível em: (TAVARES; NOYAMAN, 2017)

2.3 SANTO ANSELMO DE AOSTA E A PROVA ONTOLÓGICA


DA EXISTÊNCIA DE DEUS

25
Figura 5: Santo Anselmo (1033-1109)
Disponível em: https://bit.ly/2NU8M5s Acesso em: 24 jan. 2021.

Anselmo de Aosta, da Cantuária ou simplesmente Santo Anselmo é o considerado o


filósofo de maior influência no século XI. Além de representar e singularizar como poucos o
espírito típico da Idade Média em termos culturais, a tentativa de síntese e harmonia entre
fé e razão. “Eu não tento, Senhor, mergulhar em teus mistérios, porque minha inteligência
não é adequada; desejo, porém, entender um pouco da tua verdade, que o meu coração já
crê e ama. Não procuro compreender-te para crer, mas creio para poder te compreender. “
frase atribuída à Santo Anselmo sintetizadora desse espírito.
A importância de Santo Anselmo para a discussão que apresentamos neste capítulo
está relacionada com sua primazia como autor de uma longa e profícua trilha filosófica
para argumentar a favor da existência de Deus: o chamado argumento ontológico. A força
é de tal magnitude que ele reaparecerá em outros autores medievais como São Boaventu-
ra e São Tomás de Aquino; ou nos modernos como Descartes, Leibiniz, Kant e Hegel.
Comecei a perguntar a mim próprio se, por acaso, poderia
encontrar-se um único argumento que não necessitasse
de nenhum outro para se demonstrar, e que bastasse por
si mesmo para garantir que Deus existe verdadeiramente,
que ele é o Sumo Bern, sem nada de outra coisa precisar,
do qual todas as coisas têm necessidade para existir, e bern
existir, em suma, tudo o que nós acreditamos da substância
divina. Inúmeras vezes, ardorosamente, voltei meu pensa-
mento para isto [...] E o que procurava, às vezes, parecia-me
poder ser já captado, outras vezes fugia completamente ao
olhar da mente. Desesperando, enfim, quis desistir como
se [se tratasse] de investigar algo impossível de alcançar.
Mas então que eu queria absolutamente excluir de mim
este pensamento, receando que ele ocupasse futilmente
a minha mente, impedindo-me de outras ocupações onde
pudesse progredir, eis que ele começou com alguma im-
portunidade, a impor-se a mim cada vez mais, mau grado
a minha rejeição e interdição. E, certo dia, enquanto me
cansava em resistir com veemência a sua importunidade,
aquilo de que eu desesperara ofereceu-se a mim de tal for-
ma no próprio conflito dos meus pensamentos, que abra-
cei com ardor o pensamento que antes, perturbado, repelia
(SANTO ANSELMO, 1997, p. 12).

26
O longo trecho acima sintetiza nas próprias palavras do filósofo o caminho do nas-
cimento do argumento ontológico da existência de Deus. Podendo guardada as devidas
proporções compará-lo com a conversão de Paulo ao Cristianismo. Foi com incredulidade
e hesitação que emergiu a prova a priori da existência de Deus. Ela é chamada de ontológi-
ca simplesmente porque a existência é algo dado ou é consequência natural e necessária
do se segue na exposição.
Dentre os argumentos apresentados por Santo Anselmo em favor da existência de
Deus, podemos dividi-los segundo a ordem da sua própria obra: os argumentos a pos-
teriori presentes no Monologion e o argumento ontológico propriamente do Proslogion.
Vejamos de forma sintética os quatros argumentos a posteriori do Monologion, ou como o
próprio qualifica, dos efeitos para a causa. A primeira deriva da consideração da existência
das coisas boas. A segunda prova derivada da ideia de grandeza entre as coisas. A terceira
da deriva do simples fato de que nada pode se originar do nada. E a última na constatação
dos graus de perfeição existentes.
A primeira prova originária da existência do bem e do bom nas coisas pressupõem
o problema da multiplicidade ou unicidade do bem. Para Anselmo, seguindo Santo Agos-
tinho e os neoplatônicos, o bem é um só, da qual deriva a bondade de todas as coisas. A
segunda prova possui semelhança com a primeira, já que ao identificar a presença de
diferentes grandezas, pressupõe uma infinita. A terceira prova tem um caráter mais meta-
físico, já que indaga e procura demonstrar a impossibilidade de algo derivar do nada. Ou
em termos filosóficos, o ser não pode originar do não-ser. A última prova também seme-
lhante a demais parte da noção de hierarquia ou graus de perfeição que cada um observa
no mundo para chegar até o ser perfeito por excelência.

Mesmo o insensato está, pois, convicto de que «alguma


coisa maior do que a qual nada pode ser pensado» exis-
te pelo menos no intelecto: ele compreende-o quando
ouve, e tudo o que é compreendido existe no intelecto.
Mas, sem dúvida, «aquilo maior do que o qual nada pode
ser pensado» não pode existir unicamente no intelec-
to. Se, na verdade. Existe pelo menos no intelecto, pode
pensar-se que exista tambern na realidade. O que é ser
maior. Como tal, se «aquilo maior do que a qual nada
pode ser pensado» existe apenas no intelecto, então
«aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pen-
sado», é algo maior do que o qual algo pode ser pensado.
Ora, [como e óbvio, isto é, c1aramente impossível. Existe,
pois, sem a menor dúvida, «alguma coisa maior do que a
qual nada pode ser pensado»>, tanto no intelecto como
na realidade (SANTO ANSELMO, 1997, p. 16).

O trecho acima expõe nas palavras do próprio Santo Anselmo o famoso argumento
ontológico a favor da existência de Deus. Apesar da aparente simplicidade da argumenta-
ção, trata-se de uma prova forte e de grande envergadura e influência da História da Filoso-
fia, como visto aqui. O centro do argumento é sua universalidade, porque está presente em
qualquer indivíduo. Mesmos os ateus ou não-crentes na existência de Deus tem na mente
a ideia de um ser ou algo sumamente perfeito, em bondade, qualidade, grandeza ou qual-

27
quer outro atributo. Se este ser é tão perfeito, que qualquer um consegue concebê-lo em
sua mente, como não poderia existir na realidade? É uma contradição absurda pressupor
um ser perfeito do qual careça o atributo da existência.

FIQUE ATENTO
O principal argumento teórico a favor da existência de Deus exposto por Santo Anselmo na
obra Proslogion recebeu o nome de prova ontológica. De simples assimi-lação, mas de pro-
funda agudez, o fundamento dessa demonstração está no estabelecimento da identidade
entre essência e pensamento em Deus.

VAMOS PENSAR?
O argumento ontológico tal como aqui apresentado e formulado por Santo Anselmo é a prova
teórica mais utilizada por diferentes filósofos ao longo da História da Filosofia, para demons-
trar a existência de Deus. Havendo uma longa tradição que iniciada por Santo Anselmo chega
até os românticos alemães no século XIX.

2.4 DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA: TRÊS ARGUMENTOS


A FAVOR DA EXISTENCIA DE DEUS

Figura 6: René Descartes (1596-1650).


Disponível em: https://bit.ly/2P9OjKv Acesso em: 24 jan. 2021

Dentre os diversos pensadores que discutem e tentam provar racionalmente a exis-


tência de Deus, Descartes é sem dúvida alguma um dos mais proeminentes. Não é difícil
entender toda a relevância que Descartes assumirá na História da Filosofia: gênio matemá-
tico, um dos principais expoentes e promotor da Ciência na Modernidade tal como conhe-
cemos atualmente.
É interessante destacar que, as demonstrações feitas por Descartes para a existência
de Deus, não atendem aos mesmos objetivos dos pensadores medievais e escolásticos.
Descartes procura inserir a Metafísica dentro do contexto da Nova Ciência, dando-lhe um
papel nobríssimo: o de alicerce ou fundamento do novo saber. Demonstrar a existência de
Deus não tem como fim o atendimento de objetivos e interesses religiosos. A demonstra-
ção de Deus é fundamental para a construção e edificação do novo saber. Descartes apre-

28
senta três argumentos ou provas da existência de Deus. Vejamos em detalhe.
A primeira demonstração é conhecida como o argumento da ideia inata de Deus.
Essa prova é elaborada e discutida na Terceira Meditação à Filosofia Primeira. O caminho
para se chegar até a prova, tem como fio condutor o Eu que se apercebe como ser pen-
sante. Tendo vencido nesse caminhada um certo gênio maligno que poderia tentar nos
enganar nessa busca para do saber verdadeiro. A certeza representada pelo cogito é esten-
dida também para a investigação sobre Deus. O Eu que se apercebe como ser pensante,
que entende a si mesmo como um ser essencialmente espiritual, procura reconhecer e
conhecer pelo mesmo exame metódico e minucioso se haveria outras ideias presentes na
própria mente. Esse Eu descobre outas duas ideias inatas: a das coisas (res) ou mundo, e a
ideia de Deus, do ser perfeito.
Ora pois, Eu que acabei a pouco de me aperceber como um ser finito e imperfeito, ao
examinar novamente minha mente, percebo que há em mim uma ideia distinta da minha
natureza. Ou seja, trata-se de uma ideia de que Eu mesmo não posso ser autor, porque
difere de mim em termos essenciais. Como um ser finito e imperfeito, pode ser causador
da ideia de um ser infinito e perfeito? Logicamente é impossível. Tendo-se assim o próprio
Deus o autor dessa ideia. Se quisermos esmiuçar ainda mais este argumento, podemos
pensar nas espécies animais como exemplo. Do cruzamento entre dois cachorros, é im-
possível nascer um gato; do cruzamento entre dois gatos é impossível nascer um pato;
e sucessivamente. Sendo assim, como eu que sou um ser reconhecidamente imperfeito,
poderia originar a ideia de um ser perfeito?

E assim, a ideia de Deus permanece a única em que se


deve considerar se há algo que não poderia provir de
mim. Entendo pelo nome Deus certa substância infinita,
independente, eterna, imutável, sumamente inteligente
e sumamente poderosa e pela qual eu mesmo fui criado
e tudo o que mais existente, se existe alguma outra coi-
sa. Todas essas coisas são tais que, quanto mais cuidado-
samente lhes presto atenção, tanto menos parece que
elas possam provir somente de mim. Por isso, do que foi
dito deve-se concluir que Deus existe necessariamente.
Pois, embora haja em mim certa ideia de substância pelo
fato mesmo de que sou substância, não seria, por isso, no
entanto, a ideia de substância que fosse deveras infinita
(DESCARTES, 2004, p. 45).

A segunda prova da existência de Deus surge como consequência ou extensão di-


reta da primeira prova. Vamos nominá-la como o argumento da inseparabilidade entre
essência e existência em Deus. Se o Eu pensante é capaz de aperceber uma ideia distinta,
clara, evidente e perfeita como Deus em seu interior, esse Eu não pode ser origem dessa
ideia. Essa ideia, como já discutido aqui, é uma ideia perfeita, portanto, a causa dessa ideia
precisa ser de mesma natureza. Ou seja, a causa da ideia perfeita precisa ter origem um ser
de igual natureza, um ser perfeito.
Passamos assim a terceira e última prova da existência de Deus apresentada por
Descartes nas Meditações. Este argumento é conhecido como a prova ontológica da exis-
tência de Deus. Como já visto aqui nesta obra, um dos primeiros a formulá-la tal como

29
discutimos no interior da História da Filosofia, foi Santo Anselmo de Aosta durante a Ida-
de Média. A força desse argumento é impressiona porque volta e meia, ele reaparece e é
reformulado por algum filósofo na discussão desse tema. Apresentemos nas palavras do
próprio Descartes o núcleo central desse argumento.

Pois, de que não posso pensar um monte sem vale não


se segue que monte e vale existam em algum lugar, mas
apenas que, quer exista, quer não, monte e vale não po-
dem dissociar-se um do outro. Ao passo que, por eu não
poder pensar Deus senão existente segue-se que a exis-
tência é inseparável de Deus e que, por conseguinte, ele
existe verdadeiramente. Não que meu pensamento te-
nha tal efeito ou imponha alguma necessidade a coisa
alguma, mas, ao contrário, é a necessidade da própria
coisa, isto é, a existência de Deus que determina meu
pensamento: tenho a liberdade de imaginar um cavalo
com asas ou sem asas, mas não a de pensar um Deus
sem existência (isto é, um ente sumamente perfeito sem
a suprema perfeição) (DESCARTES, 2004, p. 139-141).

O argumento ontológico da existência de Deus tem a mesma essência desde Santo


Anselmo na filosofia Escolástica. A tese central da inseparabilidade entre essência e exis-
tência no ser de Deus. Pensar na separação entre essência e existência em Deus seria tão
contraditório quanto pensar num triângulo que não tenha três lados. Descartes aponta
para a necessidade da existência de Deus, como uma consequência lógica dos atributos
de perfeição que a ele atribuímos ou julgamos este possuir.

FIQUE ATENTO
Descartes é conhecido como um pensador dualista, já que o filósofo faz a distinção e a defesa
da existência de duas realidades separadas e fundamentais: a res cogitans (o EU pensante)
e a res extensa (o mundo). A realidade pensante tem primazia sobre a realidade extensa, já
que o conhecimento é percebido essencialmente por um sujeito capaz de conceber as coisas
como claras, distintas e evidentes.

BUSQUE POR MAIS

Para aprofundar seu conhecimento sobre a filosofia cartesiana, confira na Bi-


blioteca da Faculdade Única a obra Descartes, (GOMBAY, 2009). Disponível em:
https://bit.ly/3pMha4d

30
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Aristóteles afirma em sua teoria do conhecimento, que cada ser ou objeto tem sua própria
substância e seus acidentes. Para este filósofo, a substância
Adaptado de Provas - Prova e Gabarito - Professor de Filosofia - Prefeitura Municipal de
Itumbiara - Goiás - Universidade Estadual de Goiás – 2008.

a) consiste nos elementos físicos que constituem a coisa.


b) é o propósito, o objetivo, a finalidade do ser específico.
c) é aquela que não altera a essência daquilo que um ser ou objeto é.
d) é o conjunto de todas as características fundamentais, como dimensão, qualidade,
matéria etc.
e) é formada apenas por matéria e potência.

2. Adaptado de (UEM PR) “É, pois, com direito que a filosofia é também chamada a ciência
da verdade: o fim da [ciência] especulativa é, com efeito, a verdade, e o da [ciência] prática,
a ação; porque, se os práticos consideram o como, não consideram o eterno, mas o relativo
e o presente. E nós não conhecemos o verdadeiro sem [conhecer] a causa.”
ARISTÓTELES, Metafísica (L. II, cap. 1). Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1979, p. 39-40.

A partir do texto citado, assinale o que for correto.

(1) Para Aristóteles, a verdade deve ser eterna e imutável.


(2) Segundo Aristóteles, a filosofia é a única ciência verdadeira.
(4) Conhecer a causa de uma ação é conhecer a sua verdade.
(8) Para Aristóteles, a verdade de algo se conhece por meio das causas desse algo.
(16) Para Aristóteles, a ciência prática volta suas atenções para como as coisas estão
dispostas e não para as causas destas.

A soma correta é

a) 01.
b) 02.
c) 05.
d) 16.
e) 25.

3. (UEM PR) “É, pois, manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras (pois dizemos
que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa);
ora, causa diz-se em quatro sentidos: no primeiro, entendemos por causa a substância e a
quididade (essência) (o ‘porquê’ reconduz-se pois a noção última, e o primeiro ‘porquê’ é
causa e princípio); a segunda [causa] é a matéria e o sujeito; a terceira é a de onde [vem] o
início do movimento; a quarta [causa], que se opõe à precedente, é o ‘fim para que’ e o bem
(porque este é, com efeito, o fim de toda a geração e movimento).” (ARISTÓTELES. Metafísica,

31
livro I, cap. III. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 16).

A partir do trecho citado e com base nos conhecimentos da filosofia de Aristóteles, assinale
o que for correto.

(1) As causas são os princípios dos seres.


(2) Conforme o texto, só há uma única causa de todos os seres.
(4) A terceira causa, também conhecida como gênese ou origem, opõe-se à quarta
causa, que é a finalidade ou o fim de algo.
(8) A matéria de algo é causa na medida em que não pode existir ser ou substância sem
matéria.
(16) O conhecimento verdadeiro de algo implica o conhecimento de suas causas.

A Soma correta é
a) 4 .
b) 6.
c) 8.
d) 24.
e) 29.

4. “Isto [que «alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado» existe tanto no
intelecto como na realidade], em todo a caso, e tão verdadeiro que nem se pode pensar
que não exista. Porque pode-se pensar que exista alguma coisa, a qual não se possa pensar
que não existe; o que é ser maior do que aquela que se pode pensar que não existe. Daí
que, se se pode pensar que «alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensada»
não existe, [então] aquilo mesmo «maior do que o qual nada pode ser pensado» não é
«aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado»; o que não pode convir. Deste modo,
«alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado» existe tão verdadeiramente
que não se pode pensar que não existe.”
(SANTO ANSELMO, Proslogion, 1997, p.17)

No trecho acima, Santo Anselmo faz a descrição de uma importante prova filosófica-
teológica desenvolvida por um filósofo medieval para atestar a existência de Deus. Assinale
a alternativa correta com o nome do filósofo e do argumento.

a) Santo Tomás de Aquino e o argumento da eternidade de Deus.


b) Santo Agostinho e o argumento da eternidade de Deus.
c) Santo Anselmo e o argumento ontológico.
d) São Boaventura e o argumento da imutabilidade de Deus.
e) São Benedito e o argumento da bondade eterna.

5. “São quatro as provas com as quais Anselmo mostra como, a partir do mundo, se chega
a Deus. A primeira deriva da consideração de que cada qual tende a se apoderar das
coisas que julga boas. Mas os bens são múltiplos não espacial, mas qualitativa. A variedade
dessa grandeza, por nós constatada, exige a suma grandeza, da qual todas as outras são
participação gradual. A terceira não deriva de um aspecto particular da realidade (bondade
ou grandeza), mas do ser simplesmente. Eis a formulação de Anselmo: ‘Tudo aquilo que

32
existe, existe em virtude de alguma coisa ou em virtude de nada. Mas nada existe em
virtude de nada, isto é, do nada não provem nada. Assim, ou se admite a existência do ser
em virtude do qual as coisas existem ou nada existe.’ A quarta deriva da constatação dos
graus de perfeição, apoia-se sobre a hierarquia dos seres e exige que exista uma perfeição
primeira e absoluta.”
(REALE, 2003, p. 149-151)

O trecho acima apresenta sinteticamente um resumo das quatros primeiras provas sobre
a natureza de Deus apresentada por Santo Anselmo no Monologion. É correto afirmar que
o objetivo de Santo Anselmo nessa obra foi

a) demonstrar a existência de Deus de forma prática ou a posterior.


b) demonstrar a existência de Deus de forma prática e metafísica.
c) demonstrar a existência de Deus a partir da leitura do livro bíblico do Gênesis.
d) demonstrar a existência de Deus de forma prática e a priori.
e) demonstrar a existência de Deus através da fé.

6. Nas Meditações à Filosofia Primeira, o filósofo René Descartes afirma que a essência
do homem está plenamente expressa em sua capacidade de pensar através do celebre
enunciado “cogito, ergo, sum”. Diz o filósofo “para fazer conhecer que o eu que pensa é
uma substância imaterial e não tem nada de corpóreo e são duas coisas muito diferentes.
De resto, é uma coisa tão simples e tão natural inferir que se existe do fato de duvidar, que
poderia ter saído da caneta de qualquer um”. Dessa forma, para Descartes o homem é um
ser que possui duas naturezas extremamente distintas entre si, já que uma é imaterial e a
outra não o é.

Tendo por base essas e outras informações, identifique a alternativa correta que caracteriza
as duas realidades do ser humano segundo Descartes.

a) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res cogitans e a res extensa ou
seja, a realidade pensante e a realidade corporal.
b) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res matéria e a res animale, ou
seja, a realidade corporal e a realidade material.
c) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res cogitans e a res anima, ou
seja, a realidade pensante e a realidade da alma.
d) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res extensa e a res universal,
ou seja, a realidade corporal e a realidade universal.
e) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res cogitans e res universal,
realidade da alma e do universo.

7. “E assim, a ideia de Deus permanece a única em que se deve considerar se há algo que não
poderia provir de mim. Entendo pelo nome Deus certa substância infinita, independente,
eterna, imutável, sumamente inteligente e sumamente poderosa e pela qual eu mesmo
fui criado e tudo o que mais existente, se existe alguma outra coisa. Todas essas coisas são
tais que, quanto mais cuidadosamente lhes presto atenção, tanto menos parece que elas
possam provir somente de mim. Por isso, do que foi dito deve-se concluir que Deus existe
necessariamente. Pois, embora haja em mim certa ideia de substância pelo fato mesmo de

33
que sou substância, não seria, por isso, no entanto, a ideia de substância que fosse deveras
infinita.”
(DESCARTES, Meditações, 2004, p.45)

A partir da leitura do trecho acima, extraído das Meditações à Filosofia Primeira, é correto
afirmar que Descartes tenta demonstrar a existência porque

a) Deus existe porque é uma ideia criada pela Res Cogitans.


b) Deus existe porque é uma ideia derivada da Res Extensa.
c) Deus existe é uma ideia extraída da Revelação e da autoridade de filósofos eminentes
como Aristóteles.
d) Deus existe, sua ideia está presente no homem como marca do próprio criador, e
possuindo natureza distinta da Res Cogitans.
e) Deus existe, sua ideia está presente no homem, porque foi extraída da experiência do
mundo.

8. Leia os trechos abaixo:


“Mesmo o insensato está, pois, convicto de que «alguma coisa maior do que a qual nada
pode ser pensado» existe pelo menos no intelecto: ele compreende-o quando ouve, e tudo
o que é compreendido existe no intelecto. Mas, sem dúvida, «aquilo maior do que o qual
nada pode ser pensado» não pode existir unicamente no intelecto. Se, na verdade. Existe
pelo menos no intelecto, pode pensar-se que exista também na realidade. O que é ser
maior. Como tal, se «aquilo maior do que a qual nada pode ser pensado» existe apenas no
intelecto, então «aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado», é algo maior
do que que algo pode ser pensado. Ora, [como e óbvio, isto e c1aramente impossível! Existe,
pois, sem a menor dúvida, «alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado»>,
tanto no intelecto como na realidade.”
(SANTO ANSELMO, Proslogion, 1997, p.16).

“Embora, à primeira vista, isto não seja de todo manifesto e tenha, ao contrário, alguma
aparência de sofisma. Pois, como me habituei a distinguir em todas as outras coisas a
existência da essência, facilmente me persuado de que posso separar também em Deus
a existência da essência e, assim, pensar Deus como não-existente. A uma atenção mais
cuidadosa, porém, fica manifesto que a existência de Deus não pode ser separada de sua
essência, tanto quanto não pode ser separado da essência do triângulo que a grandeza
de seus três ângulos é igual à de dois retos, ou da ideia de monte a ideia de vale. E não é
menos contraditório pensar Deus (isto é, o ente sumamente perfeito) falto da existência
(isto é, ao qual falta uma perfeição) do que pensar um monte ao qual falte o vale.”
(DESCARTES, Meditações, 2004, p.66).

A respeito dos trechos acima é correto afirmar que:

a) O trecho de Santo Anselmo é uma prova da existência de Deus a partir do texto bíblico;
o trecho cartesiano é um texto científico.
b) O trecho da obra de Santo Anselmo deu origem à prova ontológica da existência de
Deus; o trecho cartesiano discorda da possibilidade de demonstração da existência de
Deus por via racional.

34
c) Os trechos de Santo Anselmo e de Descartes têm um mesmo objetivo demonstrar a
existência de Deus, por meio da chamada prova ontológica, em que o segundo influenciou
o primeiro.
d) Os trechos de Santo Anselmo e de Descartes têm um mesmo objetivo demonstrar a
existência de Deus, por meio da chamada prova ontológica, em que o primeiro influenciou
o segundo.
e) Os trechos de Santo Anselmo e de Descartes têm um mesmo objetivo demonstrar a
existência de Deus, mas Santo Anselmo o faz por meio da Bíblia; enquanto Descartes o faz
por meio da matemática.

35
03
RELIGIÃO E ÉTICA- A CENTRALIDADE UNIDADE
DO PROBLEMA DO MAL

36
Figura 7: A expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden (Benjamin West)
Disponível em: https://bit.ly/3pMnzwh Acesso em: 25 jan.2021

Um tema muito importante para explorarmos ao longo dessa unidade será as


relações entre Ética e Religião. Antes de tratarmos propriamente do tema central da relação
entre Ética e Religião, que imediatamente podemos apontar como sendo o problema do
mal, recuperemos brevemente uma definição da palavra Ética. Termo grego que significa
reflexão sobre o costume, mexe e move a ação humana. Mais uma vez utilizaremos o
Dicionário de Abbagnano (2007) para tal definição. Vejamos:

Em geral, ciência da conduta. Existem duas concepções


fundamentais dessa ciência: 1- a que a considera como
ciência do/para o Fim qual a conduta dos homens deve
ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzin-
do tanto o fim quanto os meios da natureza do homem;
2- a que a considera como a ciência do móvel da con-
duta humana e procura determinar tal móvel com vis-
tas a dirigir ou disciplinar essa conduta. Essas duas con-
cepções, que se entre mesclaram de várias maneiras na
Antiguidade e no mundo moderno, são profundamente
diferentes e falam duas línguas diversas. A primeira fala
a língua do ideal para o qual o homem se dirige por sua
natureza e, por conseguinte, da "natureza", "essência" ou
"substância" do homem. Já a segunda fala dos "motivos"
ou "causas" da conduta humana, ou das "forças" que a
determinam, pretendendo ater-se ao conhecimento dos
fatos (ABBAGNANO, 2007).

Como apontado por Abbagnano (2007), a Ética implica considerá-la sobre dois prismas
diferentes: o prisma da conduta humana que deve ser orientada com vistas a atingir um
fim determinado, segundo a natureza, segundo o que se supõe ser próprio da natureza
humana. E uma segunda vertente que preza pela análise da conduta segundo a busca de
um fim; segundo a necessidade de determiná-la para o alcance de um fim. Pois bem, o
que nenhuma dessas duas concepções nos diz é qual é a origem do mal. A necessidade
de normatização e rotinização da ação humana se estabelece única e exclusivamente pela
possibilidade ou mais que isso, pela realidade efetiva daquilo que consideramos o mal.
Soa como evidente ou extremamente óbvio a importância desse tema. Se olharmos
para os lados, para a conjuntura política e social posta em 2020, perceberemos o quanto

37
o tema do mal polariza seja do ponto de vista político, ético, teológico e tantos outros na
atualidade. Um mundo marcado pela violência física contra crianças (trabalho infantil,
pedofilia, exploração sexual), mulheres (estupros, feminicídio), contra o outro étnica ou
racialmente diferente de mim (o racismo e a xenofobia), da forte e cada vez maior e mais
visível degradação ambiental (vide queimadas e destruição de biodiversidades, fauna
e flora, como no caso brasileiro em relação à Amazônia), mais do que nunca o tema e
centralidade do mal ganha novos e decisivos contornos.
Desde já é importante dizer que esta, a origem e efetividade real do mal, é um dos
maiores e mais complexos problemas posto seja do ponto de vista teórico, seja ético,
político, estético e societário e por que não, ambiental, dentre várias outras dimensões
importantes da vida. Escolhemos neste pequeno espaço apresentar duas respostas
clássicas à problemática da origem do mal em nosso contexto.

3.1 PLATÃO E A ORIGEM DO MAL COMO CONFUSÃO


ENTRE SER E NÃO SER

Sem dúvida alguma é uma das passagens mais bela de toda a obra platônica. O mito
do nascimento do Amor como fruto da união entre dois deuses, o ilimitado e o ilimitado,
Recurso e Pobreza, ajuda-nos a pensar plenamente a condição humana. Uma condição
marcada pelo misto entre o tudo e o nada, entre a grandeza e a pequenez, entre o belo
e o feio, entre o bem o mal. A teoria do conhecimento platônica pressupõe a existência
de duas ordens de realidade no âmbito humano: uma suprassensível composta pelas
realidades ideais ou formas puras. Neste a eidos (forma) do Bem é soberana e condição de
inteligibilidade e verdade para todas as outas. Outro plano, inferior, composto pelo plano
da percepção e das sensações, é o reino do sentido.

Figura 8: Platão (428-347 a.C)


Disponível em: https://bit.ly/3qTcJWn Acesso em: 25 jan. 2021

É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te di-


rei. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deu-
ses, e entre os demais se encontrava também o filho de
Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio
para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora,
Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda não
havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu.

38
Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engen-
drar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto
concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo
de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo
tempo que por natureza amante do belo, porque tam-
bém Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e
de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primei-
ramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado
e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descal-
ço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao
desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natu-
reza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segun-
do o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom,
e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre
a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele re-
cursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro,
sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no
mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora
morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e
o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem
empobrece o Amor nem enriquece, assim como tam-
bém está no meio da sabedoria e da ignorância (PLATÃO,
1972, p. 41).

O que são as ideias para Platão? Segundo Chauí (2002), as ideias em Platão possuem
cinco graus ou naturezas: a) noção lógica; b) paradigma epistemológico; c) entidade
real ou ontológica; d) causa eficiente; e) causa final. Enquanto noção lógica, os eidos
são conceitos que permitem formular juízos verdadeiros sobre alguma coisa. Enquanto
entidade real ou ontológica, os eidos são as formas ou essências reais que subjaz o mundo
sensível; sendo totalmente essências ou naturezas primeiras do existente. Podem também
ser compreendidas pela noção de paradigma epistemológico: um modelo ou arquétipo
ideal, imitado pelas coisas sensíveis, que só podem ser cognoscíveis ser conhecermos de
antemão o paradigma que as circunda.
Enquanto causa eficiente, as ideias são realidades que criam e produzem outras
realidades, além de ensejar em nós o desejo do conhecimento e da virtude. A razão é parte
da mesma natureza que o intelecto humano. Por fim, as ideias são também causa final
porque agindo a distância causa nos homens o desejo de conhecer as ideias de Bem,
Bondade e Justiça. Dessa forma, podemos dizer que o erro é algo humano, é uma falha do
conhecimento, da identidade e da composição de uma essência. Isso nada mais é do que a
ignorância, quando o erro é involuntário, ou mentira e falsidade quando o erro é voluntário.
A questão fundamental do erro é que envolve a atribuição de uma essência, predicado ou
qualidades que não pertencem à um determinado objeto.

39
A sensação e a opinião são fontes de erro porque nelas
não sabemos o que predicar a alguma coisa, pois falta-lhe
o conhecimento verdadeiro da participação das ideias,
que permite conhecer a composição dos predicados das
coisas sensíveis. Na sensação e na opinião, confundimos
predicados ou qualidades porque a mobilidade incessan-
te das coisas e as alterações contínuas de nosso corpo
nos fazem confundir o que sentimos e o que pensamos.
Na opinião, somos acostumados de tal maneira com as
aparências das coisas e com o que os outros nos dizem
que continuamente confundimos uma essência com
seus “parentes” e “rivais”, isto é, não encontramos a deli-
mitação ou determinação para o campo indeterminado
das coisas que são semelhantes à coisa percebida ou dita,
nem que são diferentes delas (CHAUÍ, 2002, p. 287-288).

Por isso, podemos apontar como origem do mal para Platão a mistura entre inteligível
e não-inteligível, ilimitado e limitado, finitude e infinitude, ser e não-ser decorrente da
própria natureza humana imperfeita, já que tem como pais o “Recurso e a Pobreza”. O mal
é sempre resultado da decisão voluntária ou involuntária pelo não-ser presentes nas coisas
do mundo sensível.

FIQUE ATENTO
As Ideias formam e representam o centro da teoria do conhecimento e da metafísica pla-
tônica. Podemos afirmar que as ideias possuem cinco naturezas ou sentidos na filosofia de
Platão: a) noção lógica; b) paradigma epistemológico; c) entidade real ou ontológica; d) cau-
sa eficiente; e) causa final.

BUSQUE POR MAIS


Para aprofundar seu conhecimento sobre a filosofia platônica, confira na Bibliote-
ca Pearson a obra “Textos clássicos de filosofia antiga: uma introdução a Platão
e Aristóteles” (2017), de Renata Tavares e Noyaman Samon.
Disponível em: https://bit.ly/3usK3G0. Acesso em: 25 jan. 2021.

3.2 SANTO AGOSTINHO E O MAL COMO PRIVAÇÃO DE SER

Em Introdução à Filosofia da Religião, Tilghman (1996) apresenta de forma sintética e


muito precisa toda a problemática imposta pela questão do mal do ponto de vista teórico
em quatros pequenas e intrigantes proposições. O problema por excelência do mal do
ponto de vista da Filosofia da Religião é como entendê-lo e justificá-lo teoricamente, já
que Deus é o criador do mundo e do homem e que sendo um ser perfeito, não pode ser

40
Deus a origem do mal.

Deus é onipotente (Ele é todo-poderoso)


Deus é onisciente (Ele é todo sapiente)
Deus é infinitamente benevolente (Ele só deseja o bem).
O mal existe. (TILGHMAN, 1996, p. 161)

O problema enunciado acima por Tilghman (1996) encontra na filosofia de Santo


Agostinho um dos principais e celebres debatedores dessa temática. Um dos chamados
santos padres da Igreja Católica enfrentou a questão do mal ao longo da sua vida na
condição de pagão (sujeito não convertido à fé cristã nesse contexto), mas também como
cristão e um dos principais pensadores da Antiguidade
Santo Agostinho analisa o mal em três perspectivas: a) ontológico-metafísico; b)
ético-moral; c) físico. Do ponto de vista ontológico, o mal não existe no cosmo, sendo
apenas graus inferiores de ser em relação à Deus, dependentes da finitude da coisa criada
e dos diferentes níveis dessa finitude. Mas quando visto do ponto de vista do universo, o
mal desaparece quando visto no conjunto ou no todo do universo. Esses graus inferiores
de ser e as coisas finitas revelam-se como momentos articulados de um grande conjunto
harmônico do universo. “Quando, por exemplo, julgamos que a existência de certos animais
nocivos seja um "mal", na realidade nos estamos medindo com a régua da nossa utilidade
e da nossa vantagem contingente e, portanto, numa ótica errada. Medida com o metro do
todo, cada coisa, mesmo aquela aparentemente mais insignificante, tem seu sentido e sua
razão de ser e, portanto, constitui algo positivo.” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 98).
Já o mal moral é compreendido como o pecado. O pecado é dependente da má
vontade. Santo Agostinho não identifica uma causa eficiente para o mal moral, inicialmente,
ele aponta justamente a existência de uma “causa deficiente” para a existência no mal.
A vontade, conforme a natureza humana, deveria tender para o bem supremo. Mas há
existência de diversos e diferentes bens criados e finitos, podem atrapalhar e permitir que
a vontade subverta sua ordem hierárquica e prefira os bens inferiores em detrimento dos
bens superiores. Como aponta com muita clareza (REALE; ANTISERI, 2003, p. 98).
“Sendo assim, o mal deriva do fato de que não há um único Bem, mas muitos bens,
consistindo, precisamente, em urna escolha incorreta entre esses bens. O mal moral,
portanto, é uma aversio a Deo e uma conversio ad creaturam, é a escolha de um ser inferior
ao invés do ser supremo. O fato de ter recebido de Deus urna vontade livre é um grande
bem. O mal é o uso equivocado desse grande bem, que se dá do modo que vimos. Por isso,
Agostinho pode dizer: "O bem que está em mim é obra tua, e teu dom; o mal em mim é
meu pecado.” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 98).

41
Figura 9: Santo Agostinho (354-430 d.C)
Disponível em: https://bit.ly/3krSBZ9 Acesso em: 25 jan. 2021

Por fim, o mal físico é identificado com as doenças, sofrimentos, tormentos do


espírito e a morte tem como origem o pecado original. O mal físico, nesta perspectiva é
consequência do mal moral. Mas analisando de forma externa e geral, os males físicos, do
ponto de vista da história da salvação, também possuem significado positivo.
Um ponto muito e favorável à filosofia agostiniana é a forma como resolve o
paradoxo socrático-platônico de que, uma vez conhecido o bem, seria impossível fazer o
mal. Santo Agostinho aponta para a dimensão e centralidade da vontade no agir humano.
Isso, portanto, torna possível que eu conheça o bem, mas que com a faculdade da minha
vontade eu possa rejeitá-lo. Santo Agostinho aponta para a vontade como um elemento
explicativo no homem e que o torna suscetível a escolher os bens inferiores em detrimento
dos bens superiores.

O pecado original foi um pecado de soberba, sendo o pri-


meiro desvio da vontade. O arbítrio da vontade é verda-
deiramente livre, em sentido pleno, quando não faz o mal.
Esta é, precisamente, a sua condição natural: assim ele foi
dado ao homem originalmente. Mas, depois do pecado ori-
ginal, a verdade se corrompeu e se enfraqueceu, tornan-
do-se necessitada da graça divina. Consequentemente, o
homem não pode ser "autárquico" em sua vida moral: ele
necessita de tal ajuda divina. Portanto, quando o homem
procura viver retamente valendo-se unicamente de suas
próprias forças, sem ajuda da graça divina libertadora, en-
tão ele é vencido pelo pecado; liberta- se do ma1 com o
poder de crer na graça que o salva, e com a livre escolha
dessa graça (REALE; ANTISERI, 2003, p. 98).
Dessa forma, é justo e necessário apontar a inexistência do mal enquanto entidade
ontológica-metafísica na filosofia agostiana. O mal é antes de tudo um não-ser. O mal
é resultado da limitação e da perversão da natureza humana que, as vezes é capaz de
subverter a própria vontade e escolher os bens inferiores em detrimento dos superiores.

FIQUE ATENTO
O problema do mal é um dos grandes temas enfrentados por Santo Agostinho tanto na vida
pessoal como na trajetória como pensador cristão. Para Agostinho, o mal não existe enquan-
to ente ou ser substancial, sendo qualificado como ausência ou privação de ser. Do ponto de
vista temporal, o mal se apresenta em três naturezas: metafísica-ontológica; ética-moral; e
físico.

42
VAMOS PENSAR?
O desafio filosófico e teológico para tentar resolver o problema da Trindade (como Deus pode
ser ao mesmo tempo Pai, Filho e Espírito Santo), esteve presente em toda trajetória da vida
de Agostinho. Sua solução para o problema da Trindade é paradigmática: Deus é Pai, Filho e
Espírito Santo a partir da relação como pessoa. Não como substâncias distintas e separadas.
Deus é substância única, mas possui relação distinta e pessoal como Pai, Filho e Espírito Santo.
Outro elemento interessante, presente na Imagem 9, é nossa tentativa de reproduzir a ima-
gem física de Santo Agostinho de forma mais realística. Como se sabe, Agostinho nasceu no
Norte da África. É muito provável que Agostinho fosse um homem negro. Esse fato histórico
contrasta plenamente com as várias representações de sua imagem feitas ao longo da histó-
ria como um homem branco.

BUSQUE POR MAIS


Para aprofundar seu conhecimento sobre a vida e filosofia de Santo Agostinho,
confira na Biblioteca da Faculdade Única a obra Santo Agostinho: a vida e as
ideias de um filósofo adiante de seu tempo, de Gareth. B, Matthews.
Disponível em: https://bit.ly/3bBCVyr. Acesso em: 25 jan. 2021.

43
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (CEPERJ/SEDUC-RJ 2015) Para Platão, a filosofia é uma forma de saber que possui um
caráter essencialmente

a) Político.
b) reflexivo e contemplativo.
c) ético-político.
d) Verdadeiro.
e) Mitológico.

2. (CEPERJ/SEDUC-RJ 2015) Em sua obra “O Banquete”, Platão, por meio do discurso de


Fedro, o primeiro a falar, conclui que de “todos os deuses o mais antigo, o mais augusto de
todos, capaz de tornar o homem virtuoso e feliz durante a vida e após a morte”, é o deus

a) do amor.
b) do trovão.
c) da felicidade.
d) da beleza.
e) da força.

3. (CEPERJ/SEDUC-RJ 2015) Santo Agostinho desenvolve sua teoria para o processo do


conhecimento a partir de

a) interioridade e iluminação.
b) reminiscência e inatismo.
c) especulação e razão.
d) razão e sentido.
e) revelação e conhecimento.

4. (Modificada) CONSUPLAN–SEDUC-PA 2018 - “Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho de


Hipona, foi um importante bispo, cristão e teólogo. Nasceu na região Norte da África em
354. Era filho de mãe que seguia o cristianismo, porém seu pai era pagão. Logo, em sua
formação, teve importante influência do maniqueísmo.”
(Reale, 1990. V 1. P. 428-34.)

Sobre Santo Agostinho e seu pensamento, analise as afirmativas a seguir, marque V para
as verdadeiras e F para as falsas.

( ) Apesar de Agostinho ter vivido uma experiência de conversão ao cristianismo, a fé


sempre foi questão secundária em seu pensamento.
( ) O mal não é um ser, mas deficiência e privação do ser. Se o mal fosse uma substância,
seria um bem.
( ) Agostinho organiza o mundo e a sociedade em uma unidade coletiva denominada
Cidade de Deus, desconsiderando qualquer outra forma metafísica.

44
( ) Os bens finitos devem ser usados como meios e não serem transformados em objetos
de fruição e deleite, como se fossem fins.

A sequência está correta em:

a) F, V, F, V.
b) V, F, V, F.
c) F, V, V, F.
d) V, V, F, F.
e) F,F,V,V.

5. (Modificada)- (IF-MT-2018) Para Platão, a ideia de Bem torna-se o escopo do que seja
verdadeiro e belo, podemos afirmar sobre o pensamento do filósofo:

a) A ideia de Bem origina todas as outras ideias no mundo das ideias.


b) O mundo das ideias não determina o mundo real, sendo o primeiro cópia do segundo.
c) A alma humana é constituída de quatro partes, sendo elas representadas por um cocheiro
e dois cavalos, na obra Fedro de Platão, a justiça seria cada uma cumprir a sua parte.
d) Platão não retoma e aprofunda os ideais gregos de Beleza, Bondade e Verdade,
preconizados harmonicamente segundo Sócrates.
e) O filósofo não deveria estudar matemática para chegar ao nível de abstração necessário
ao entendimento do mundo das ideias.

6. (SEDUC-PI-2017) - Sobre a existência de Deus, há uma intensa discussão filosófica em


torno da tese de que o conceito de Deus corresponde a uma realidade independente do
discurso. Os principais argumentos na história da filosofia são os seguintes:

I. O argumento ontológico, em favor da tese da


II. existência de Deus.
III. O argumento cosmológico, também em favor
IV. da tese da existência de Deus;
V. O argumento teleológico, também em favor da
VI. tese da existência de Deus.
VII. O problema do mal, é a principal perspectiva contrária à tese da existência de Deus.

Marque a alternativa CORRETA no tocante a serem considerados efetivamente argumentos


em torno do problema da existência de Deus:

a) Somente os itens I, II e III são considerados argumentos em torno do problema da


existência de Deus.
b) Somente os itens I e II podem ser considerados argumentos em torno do problema da
existência de Deus.
c) Somente os itens II e III podem ser considerados argumentos em torno do problema da
existência de Deus.
d) Todos os itens são considerados argumentos em torno do problema da existência de
Deus.

45
e) Nenhum dos itens acima podem ser considerados argumentos em torno do problema
da existência de Deus.

7. (ENEM 2018) Não é verdade que estão ainda cheios de velhice espiritual aqueles que nos
dizem: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? Se estava ocioso e nada realizava”,
dizem eles, “por que não ficou sempre assim no decurso dos séculos, abstendo-se, como
antes, de toda ação? Se existiu em Deus um novo movimento, uma vontade nova para dar
o ser a criaturas que nunca antes criara, como pode haver verdadeira eternidade, se n’Ele
aparece uma vontade que antes não existia?”
AGOSTINHO. Confissões, São Paulo: Abril Cultural, 1984.

A questão da eternidade, tal como abordada pelo autor, é um exemplo de reflexão filosófica
sobre a(s)

a) essência da ética cristã.


b) natureza universal da tradição.
c) certezas inabaláveis da experiência.
d) abrangência da compreensão humana.
e) interpretações da realidade circundante.

8. (ENEM 2015) Se os nossos adversários, que admitem a existência de uma natureza não
criada por Deus, o Sumo Bem, quisessem admitir que essas considerações estão certas,
deixariam de proferir tantas blasfêmias, como a de atribuir a Deus tanto a autoria dosbens
quanto dos males. pois sendo Ele fonte suprema de Bondade, nunca poderia ter criado
aquilo que é contrário à sua natureza.
AGOSTINHO. A natureza do Bem. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005 (adaptado).

Para Agostinho, não se deve atribuir a Deus a origem do mal porque

a) o surgimento do mal é anterior à existência de Deus.


b) o mal, enquanto princípio ontológico, independe de Deus.
c) Deus apenas transforma a matéria, que é, por natureza, má.
d) por ser bom, Deus não pode criar o que lhe é oposto, o mal.
e) Deus se limita a administrar a dialética existente entre o bem e o mal.

46
04
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIDADE
PARTE 1 - FILOSOFIA MODERNA

47
Nestes próximos capítulos teremos como ponto central de análise a temática do
conhecimento e da possibilidade de a Razão humana acessar ou possuir os meios para
conhecer o em si, o transcendente. O conhecimento na Modernidade se desenvolve
rapidamente estimulado por eventos históricos, políticos, sociais e econômicos. Esse
rápido desenvolvimento impulsionará a emancipação das diversas ramos e campos do
saber científico em relação à Filosofia. Apesar de não ser o foco dessa obra tratar de temas
políticos e sociais, não podemos e nem devemos negligenciar o peso de eventos como
a chegada dos europeus ao continente americano em 1492 e as novas rotas coloniais,
comerciais e todo impacto que esse processo terá na imagem do planeta Terra e do próprio
homem; o desenvolvimento da Teoria Heliocêntrica desde Kepler em 1543; a condenação
de Galileu pelo Tribunal do Santo Ofício durante a década de 30 do século XVII; as chamadas
Revoluções Burguesas da Modernidade (Inglesa, Americana e Francesa).
Enfim, esses eventos e vários outros fazem parte e estão presentes em toda discussão
que faremos sobre Deus na Filosofia Moderna. O embate entre racionalistas e empiristas, as
resoluções de Kant e Hegel, apenas demonstram o quão decisivo representou esse período
para a formação do mundo atual e da imagem ou crença que se tem na transcendência.

4.1 BENEDICTUS DE SPINOZA - DEUS COMO CAUSA IMANENTE DE


TODAS AS COISAS
Dentre os diversos pensadores modernos a teorizar sobre a natureza de Deus na
Modernidade, a concepção de Spinoza é aquela que apresenta maior originalidade,
diferença e radicalidade. A concepção é original porque Deus não é pensado como um
ser transcendente e distante do mundo e dos homens. Deus é pensado e entendido
como parte constitutiva de tudo o que existe. Essa concepção é diferente das que foram
apresentadas pelos filósofos antigos e medievais, mesmo Descartes. De forma geral, aquele
que antecedem Spinoza, pensam Deus, ainda que racionalmente, dentro de um pano de
fundo muito cristão. Por fim, a concepção spinoziana é radical porque coloca Deus como
parte constitutiva e imanente, intrínseca ao próprio universo e todas as coisas que nele
existem.
A respeito do que dizemos acima, a filósofa
Marilena Chauí aponta a originalidade e a própria obra
em si de Spinoza como responsáveis pela entrada da
Filosofia na Modernidade. Sua principal obra, “Ética
demonstrada em ordem geométrica” , representa
esse marco.

Figura 10: Benedictus de Spinoza (1632-1677)


Disponível em: https://bit.ly/3qQu9D6 Acesso em: 26 jan.2021

48
De fato, a Ética é a verdadeira entrada da filosofia na mo-
dernidade, pois se oferece liberada do peso de suas tradi-
ções: a da transcendência teológico-religiosa ameaçado-
ra, fundada na ideia da culpa originária e na imagem de
Deus juiz; e da normatividade repressiva da moral, funda-
da na heteronomia do agente porque submetido a fins e
valores externos não definidos por ele. A primeira tradi-
ção coloca a ética sob a teologia do pecado, imaginando
a liberdade como livre-arbítrio e transgressão aos man-
damentos divinos. A segunda, submete a ética as ideias
imaginativas de bom e mau, isto é, a modelos externos
da conduta virtuosa (conforme ao bem) e viciosa (confor-
me ao mal), identificando a liberdade com o poder para
escolher entre valores postos como regras e normas para
o agente moral. (CHAUÍ, 2002, p. 13).

A obra-prima espinosana, a ‘Ética’, está dividida em cinco partes dedicadas


respectivamente à Deus, ao espírito ou intelecto humano, as paixões, à força das paixões
e afetos, da potência do intelecto, ou da servidão humana. Uma importante menção a ser
feita é sobre parte do título, uma ética demonstrada em ordem geométrica. A esse respeito,
a filósofa e historiadora da filosofia, Vanni Rovighi (2015) esclarece que, Spinoza toma de
empréstimo de Descartes a diferenciação entre ordem geométrica e modo geométrico
de demonstrar. “A primeira consiste em não dar por demonstrado aquilo que não o é
verdadeiramente, ou seja, aquilo que não pode ser inferido pelas verdades imediatamente
evidentes; o segundo é o ‘método sintético’: o que parte de definições, axiomas e daí deduz
as verdades a demonstrar.”
Isso posto, reproduziremos algumas proposições da Parte 1 da Ética. A primeira parte
é compreendida por 36 proposições relativas à natureza e ação de Deus. Nos interessa
numa obra sobre filosofia da religião entender como o pensador em questão enfrentou
a questão do divino. Segue então a reprodução de algumas Definições importantes e de
algumas Proposições, extraídas da tradução de Chauí (2016).

Parte Primeira – Definições – De Deus:


I. Por causa de si entendo aquilo cuja essência envolve
existência, ou seja, aquilo cuja natureza não pode ser
concebida senão existente.
II. É dita finita em seu gênero aquela coisa que pode ser
delimitada por outra de mesma natureza. [...]
III. Por substância entendo aquilo que é em si e é con-
cebido por si, isto é, aquilo cujo conceito não precisa do
conceito de outra coisa a partir do qual deva ser formado.
IV. Por atributo entendo afecções da substância, ou seja,
aquilo que é em outro, pelo qual também é concebido.
VI. Por Deus entendo o ente absolutamente infinito, isto
é, a substância que consiste em infinitos atributos, cada
um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.
VII. É dita livre aquela coisa que existe a partir da só ne-

49
cessidade de sua natureza e determina-se por si só
a agir. [...]
VIII. Por eternidade entendo a própria existência
enquanto concebida seguir necessariamente da só
definição da coisa eterna. (SPINOZA, Ética, Parte 1)

Essas oito definições já nos apresentam claramente as principais características que


Spinoza enxerga em Deus. Para ele, Deus é a única substância existente e originária no
universo, ela não depende, não dependeu e não dependerá de nada para ser tal como é.
O oposto daquilo que é finito já que está limitado por outra coisa semelhante. Em Deus, a
essência está posta também a existência; Deus é a substância infinita, eterna e que possui
infinitos atributos. Os atributos são partes essenciais de uma substância. Dos infinitos
atributos divinos, a mente humana conhece apenas dois: a extensão e o pensamento. Os
modos são características atribuídas aos infinitos atributos.
Vejamos agora algumas Proposições sobre a natureza de Deus:

Proposição VII – À natureza da substância pertence exis-


tir.
Proposição VIII – Toda substância é necessariamente in-
finita.
Proposição XI – Deus, ou seja, a substância que consiste
em infinitos atributos, dos quais cada um exprime uma
essência eterna e infinita, existe necessariamente.
Proposição XIII – A substância absolutamente infinita é
indivisível.
Proposição XIV – Além de Deus nenhuma substância
pode ser dada nem concebida.
Proposição XV – Tudo o que é, é em Deus, e nada sem
Deus pode ser nem ser concebido.
Proposição XVI – Da necessidade da natureza divina de-
vem seguir infinitas coisas em infinitos modos (isto é,
tudo que pode cair sob o intelecto infinito).
Proposição XVII – Deus age somente pelas leis de sua na-
tureza e por ninguém é coagido.
Proposição XVIII – Deus é causa imanente de todas as coi-
sas, mas não transitiva.
Proposição XIX – Deus, ou seja, todos atributos de Deus
são eternos.
Proposição XX – A existência de Deus e sua essência são
um só e o mesmo.
Proposição XXV – Deus é causa eficiente não apenas da
existência das coisas, mas também da essência.
Proposição XXVIII – Qualquer singular, ou seja, qualquer
coisa que é finita e tem existência determinada, não
pode existir nem ser determinado a existir e operar por
outra causa, que também seja finita e tenha existência
determinada, e por sua vez esta causa também não pode

50
existir nem ser determinada a operar a não ser que seja
determinada a existir e operar por outra que também seja
finita e tenha existência determinada, e assim ao infinito.
Proposição XXXI – O intelecto em ato, seja ele infinito, as-
sim como a vontade, o desejo, o amor, etc., devem ser refe-
ridos à Natureza naturada e não à naturante.
Proposição XXXIV – A potência de Deus é sua própria es-
sência. (SPINOZA, Ética, Parte 1)
De forma geral, as proposições espinosanas sobre a natureza de Deus são bastante
claras, podendo dizer delas, que chegam a ser auto evidentes em seus significados. Por isso,
as Proposições VII, VIII, XI, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XIX e XX explicitam as principais características
da natureza do divino. Deus, como aqui dito, é um ser substancial, único, infinito, eterno,
indivisível e cuja existência pertence de forma necessária à sua essência. Possui infinitos
atributos, dos quais cada um revela ou exprime uma essência eterna e infinita. Assim como
revela também infinitos modos dos atributos eternos. Além disso, Deus é livre de forma
soberana e age apenas pelo o que ele se autodetermina, como já expresso na Def 7 “É dita
livre aquela coisa que existe a partir da só necessidade de sua natureza e determina-se por
si só a agir.”
Por outro lado, um passo muito importante e original da concepção de Spinoza é a
tese de Deus como ser imanente a todas as coisas. O que significa pensar em Deus como
sendo parte constitutiva e originária de todas as coisas, ainda que não de forma direta ou
transitiva, como definido na Prop. XVIII. Algo existe porque é consequência dos atributos
e modos divinos. Segue-se daí naturalmente a consequência expressa na Prop XXV. “Deus
é causa eficiente da essência e da existência de todas as coisas”. Como única substância
originária e autoprodutora, Deus é o causador da existência e da essência de tudo o que
existe, seja através dos seus atributos ou através de seus modos. A potência divina confunde
com sua própria essência, ou o famoso, Deus pode tudo.
De todas as proposições selecionadas, a que nos parece ter maiores problemas é a
Prop XXVIII. Ela é importantíssima porque descreve a natureza das coisas finitas e como
são criadas e originadas. A dificuldade desta proposição é que ela não explica de que
forma uma causa ou modos infinitos ocorre a passagem para as causas finitas. Prop XXVIII
“Qualquer singular, ou seja, qualquer coisa que é finita e tem existência determinada, não
pode existir nem ser determinado a existir e operar por outra causa, que também seja
finita e tenha existência determinada, e por sua vez esta causa também não pode existir
nem ser determinada a operar a não ser que seja determinada a existir e operar por outra
que também seja finita e tenha existência determinada, e assim ao infinito.” Deus também
é chamado de natura naturans, ou seja, a causa de todas as coisas. Ao passo que os efeitos
de Deus, como o mundo, são conhecidos como natura naturante. A esse respeito assinala
Reale (2005),

Spinoza sustenta que aquilo que segue a natureza


de um atributo de Deus, que é infinito, só pode ser
um modo também infinito e que, portanto, aquilo
que é finito só pode ser determinado por "um atri-
buto, enquanto é modificado por uma modificação
que é finita e tem existência determinada". O infi-

51
nito só gera o infinito e o finito é gerado pelo fini-
to. Mas uma coisa fica inexplicada: o modo como
nasceu um finito, no âmbito da infinitude da subs-
tância divina, que se explicita em atributos infinitos,
modificados por modificações infinitas. [...] Spinoza
também chama Deus de natura naturans, o mundo
de natura naturata. Natura naturans é a causa, ao
passo que natura naturata é o efeito daquela causa,
que, portanto, não está fora da causa, mas é tal que
mantém a causa dentro de si. Pode-se dizer que a
causa é imanente ao objeto e, vice-versa, que o ob-
jeto é imanente a sua causa, com base no princípio
de que "tudo esté em Deus" (REALE; ANTISERI, 2005,
p. 19).

FIQUE ATENTO
Sem dúvida alguma, o principal conceito motriz da Ética de Spinoza é sua formulação sobre
a essência de Deus. Por Deus, Spinoza define como um substância existente, única, infinita,
indivisível, incriada, eterna, detentora de infinitos atributos e de infinitos modos. Deus é um
ser imanente, ou seja, que está no interior de cada objeto como parte constitutiva.

BUSQUE POR MAIS


Para aprofundar seu conhecimento sobre a vida e filosofia de Benedictus Spinoza, confira
algumas obras clássicas do filósofo:

Ética (2015). Disponível em: https://bit.ly/3pSYf7A Acesso em: 26 jan.2021.

Princípios da Filosofia cartesiana e pensamentos metafísicos (2015).


Disponível em: https://bityl.co/5kuZA Acesso em: 26 jan.2021.

Breve Tratado de Deus, do Homem e do seu bem-estar (2014).


Disponível em: https://bit.ly/3svHIIr Acesso em: 26 jan.2021.

4.2 JOHN LOCKE - EMPRISMO E EXISTÊNCIA DE DEUS COMO


DADO DA INTUIÇÃO

Nossa proposta nesta obra tem sido discutir a filosofia da religião no interior da
História da Filosofia. Por isso, temos, ainda que de forma introdutória, trabalhado sempre
na perspectiva do confronto e da apresentação de teses e experiências diferentes de
filosofar e tematizar o problema da existência de Deus. Iniciamos esta quarta unidade de

52
nossa obra apresentando a filosofia de Spinoza. Passaremos neste momento, a exposição
de um filósofo que está diametralmente oposto à Spinoza e o conjunto dos racionalistas,
Jonh Locke. Interessante a destacar que, ambos os autores que escolhemos para discutir a
temática da existência de Deus neste capítulo, nasceram coincidentemente em 1632. Se do
ponto de vista ontológico, Spinoza e Locke assumem posições opostas, eles se aproximam
quando em termos da defesa da Nova Ciência e do conhecimento. Outro ponto de grande
aproximação entre Locke e Spinoza é o compromissos teórico e de vida com a democracia
e valores universais e libertário.

Figura 11: John Locke (1632-1704)


Disponível em: https://bityl.co/5kke. Acesso em: 26 jan.2021.

A filosofia de Locke (1999) inicia com um programa bem delimitado e definido:


entender qual é a capacidade humana para conhecer o mundo, Deus e a totalidade das
coisas que existem. Temos condições, em termos de razão e método, para tal empreitada?
Assim como Francis Bacon (1561-1626), denominado pai do método indutivo já havia
enunciado, o conhecimento humano está sujeito à experiência, sendo esta intransponível.

Pensei que o primeiro passo para satisfazer a várias


indagações, as quais a mente do homem estava bem
apta para tender, seria o de investigar nossos próprios
entendimentos, examinar nossos próprios poderes e
ver para que coisas eles estão adaptados. Até que isso
fosse feito, suspeitava que começava pelo lado errado,
e em vão procurava satisfação numa tranquila e segu-
ra posse das verdades que mais nos dizem respeito, se
deixássemos nossos pensamentos soltos num vasto
oceano do ser como se todas estas extensões ilimita-
das fossem de posse natural e indubitável de nossos
entendimentos, em que não haveria nada que não
dependesse de suas decisões, ou que escapasse à sua
compreensão (LOCKE, 1999, p. 3).

53
O passo seguinte da análise de Locke (1999) é a definição do termo ideia. Pode parecer
simples e talvez sem sentido para nós, compreendermos a importância dessa definição
para os objetivos filosóficos do britânico. Ocorre que, no período inicial de afirmação da
Nova Ciência, havia muita discussão no uso desse conceito. Essas discussões remontam
aos clássicos gregos de Platão e Aristóteles, passando por toda a Idade Média no debate dos
universais. Por isso, de antemão Locke está de acordo com a filosofia cartesiana quando da
definição de ideia como um conteúdo presente atualmente na mente.
A concordância entre Locke e Descartes termina na definição do termo ideia. Como
já visto por nós nesta obra na Unidade 2, Descartes afirmar existir três ideias inatas: EU,
Deus e o mundo. Elas são inatas porque todo o indivíduo goza da percepção intelectual
dessas ideias sem a necessidade de determinar se algo além disso exista. A ideia de Deus
por exemplo, é inata já que enquanto a pressuposição de um ser sumamente perfeito,
portanto diferente de mim que sou imperfeito, Deus necessariamente precisa existir.
A discordância de Locke está fundamentada na crítica de que, crianças e pessoas
com alguma deficiência físicas, não seriam capazes ou não estariam conscientes dessas
ideias. O que seria contraditório um individuo possuir ideias sem estar delas conscientes.
Alias, a existência de povos e comunidades sociais em outros continentes que diferem
do comportamento europeu é clara demonstração que o inatismo não é universal, muito
menos inato.

Ideia é o objeto do pensamento. Todo homem tem


consciência de que pensa, e que quando está pensan-
do sua mente se ocupa de ideias. Por conseguinte, é
indubitável que as mentes humanas têm várias ideias
expressas, entre outros, pelos termos brancura, dureza,
doçura, pensamento, movimento, homem, elefante,
exército, embriaguez. Disso decorre a primeira ques-
tão a ser investigada: como elas são apreendidas? [...]
Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão. Su-
ponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um
papel em branco, desprovida de todos os caracteres,
sem nenhuma ideia; como ela será suprida? De onde
lhe provem este vasto estoque, que a ativa e ilimitada
fantasia do homem pintou nela com variedade qua-
se infinita? De onde apreende todos os materiais da
razão e do conhecimento? A isso respondo, numa pa-
lavra: da experiência. Todo nosso conhecimento está
nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o pró-
prio conhecimento. Empregada tanto nos objetos sen-
síveis externos como nas operações internas de nossas
mentes, que são por nós mesmos percebidas e refle-
tidas, nossa observação supre nossos entendimentos
com todos os materiais do pensamento. Dessas duas
fontes de conhecimento jorram todas as nossas ideias,
ou as que possivelmente teremos (LOCKE, 1999, p. 57).

54
O trecho acima é bastante claro na forma como Locke entende ser a origem do
conhecimento. Todo conhecimento é conhecimento de ideias e se origina na experiência.
Sobre a experiência, esta pode ser de dois tipos: externa, da qual origina-se as ideias simples
como figura, extensão movimento); ou interna, da qual são originadas as ideias simples de
reflexão, prazer, dor e etc. A ação das coisas sobre nosso entendimento ou da forma como
as coisas agem em nós, produzindo as ideias, é classificado por Locke como qualidades.
As qualidades estão divididas em dois modos: as qualidades primárias e a qualidades
secundárias. As qualidades primárias que são ditas como cópias ou correspondentes reais
e efetivos das coisas, por exemplo, figura, cor, sabor, extensão, movimento. Já as qualidades
secundárias são originárias da combinação pela mente de diversas qualidades primárias.
Nesse sentido, as qualidades secundárias têm um caráter mais subjetivo.
Outra capacidade já antevista do entendimento humano é o de produzir ideias de
ideias, ou ideias complexas. Em Locke (1999), a razão humana está totalmente passiva diante
das ideias simples, vistas como resultado da ação da experiência sobre nossos sentidos.
Mas uma vez, a mente tendo recebido tais ideias, atua de forma a combinar e produzir
outros tipos de ideias, as complexas. Ou mesmo de separar ideias que estão unidas entre si,
criando assim as ideias gerais. As ideias complexas são divididas em três grupos: a) ideias de
modo – como os objetos da sensação, espaço, número; das ações de reflexão, julgamento;
b) das ideias de substância – corpóreas, espirituais e Deus; c) das ideias de relação – como
grandeza, causalidade, identidade, moralidade e etc.
A conclusão de toda essa exposição é que para Locke (1999), o conhecimento
é simplesmente o acordo ou desacordo entre as ideias e a origem dessas ideias na
experiência ou na mente. A concordância ou discordância pode ser atestada por intuição
ou demonstração. De modo que, o conhecimento que temos do mundo e das coisas nele
são imediatos, dados pela sensação; ao passo que o conhecimento que possuímos de nós
é auto evidente, sendo, portanto, intuitivo. Já o conhecimento de Deus, Locke aponta como
sendo demonstrativo, ou seja, é feito a partir de inferências.

Digo, pois, que temos o conhecimento de nossa pró-


pria existência pela intuição; da existência de Deus
pela demonstração; e de outras coisas pela sensação.
Nosso conhecimento de nossa própria existência é in-
tuitivo. Com respeito à nossa própria existência, perce-
bemos isto tão clara e tão certamente que não neces-
sita nem é capaz de nenhuma prova. Pois nada pode
nos ser mais evidente que nossa própria existência.
Penso, raciocínio, sinto prazer e dor: pode qualquer
uma dessas ser mais evidente para mim que minha
própria existência? Se duvido de todas as outas coisas,
a própria dúvida faz com que eu perceba minha pró-
pria existência, e não me causará sofrimento duvidar
disso. (LOCKE, Ensaio sobre o Entendimento Humano,
1999, p. 265).

55
Já o conhecimento demonstrativo de Deus é dado de forma diferente ao caminho
cartesiano. Locke (1999) faz questão demarcar a inexistência de ideias inatas de qualquer
natureza, dentre elas a do próprio Deus. “Embora Deus não nos tenha dado ideias inatas
de si próprio e não tenha estampado caracteres originais em nossas mentes, pelos quais
pudéssemos ler seu ser, tendo, não obstante, nos fornecido estas faculdades de que nossas
mentes são dotadas”. Na ausência de ideias inatas e de intuições objetivas do próprio Deus,
Locke aponta para um raciocínio dedutivo de tão forte e grande certeza quando seriam as
construções da matemática. Deus existe porque o nada não pode originar algo real. Em
outras palavras, o ser, aquilo que é, portanto, existente, não pode ter como origem o vazio
de ser, o inexistente.

Ele sabe que igualmente que nada pode produzir


um ser: portanto, algo deve ser eterno. Além disso, o
homem sabe, mediante certeza intuitiva, que o puro
nada não pode produzir mais nenhum ser real, do que
pode se igualar a dois ângulos retos. Se um homem
não sabe que a não-existência, ou a ausência de todo
ser, não pode ser igual a dois ângulos retos, é impossí-
vel que deva saber qualquer demonstração em Eucli-
des. [...] E, portanto, Deus. Deste modo, da consideração
de nós mesmos e do que infalivelmente encontramos
em nossas constituições, nossa razão nos conduz ao
conhecimento desta verdade certa e evidente: que há
um eterno, mais poderoso e mais cognoscente Ser,
que, se alguém tiver o prazer de denominar Deus, não
importa. A coisa é evidente, e, desta ideia devidamente
considerada, facilmente deduziremos todos os atribu-
tos que devemos destinar a este Ser eterno (LOCKE,
1999, p. 267-268).
São apontados também outras características de Deus, como a eternidade, já que
aquilo que é o começo de todas as coisas, possui mais ser e realidade que as coisas que dele
são dependentes. Daí a conclusão da eternidade de Deus. Um outro caminho também para
demonstrar a existência de Deus está na consideração sobre os tipos de seres existentes no
mundo e que o homem é capaz de conhecer, sendo dois: a) os seres não-cogitativos, são
entes puramente materiais, sem sentido, percepção ou pensamento; b) seres cogitativos,
são entes sensíveis, pensantes e perceptíveis, como nós nos revelamos ser. Portanto, é
impossível supor que um ser não-cogitativo seja origem de um ser cogitativo. Fica patente
evidente que só um ser eterno e infinitamente cogitativo pode ser origem de todos os
entes.

FIQUE ATENTO
Para John Locke, o conhecimento de Deus é algo certo e indubitável, sendo até mais evidente
do que os conhecimentos que obtemos pelos nossos sentidos. A demonstração da existência
de Deus obedece em Locke, uma lógica intuitiva. Se há algo, e todos nós sabemos que algo
existe, já que podemos percebê-los pelos nos-sos sentidos, então necessariamente existe o

56
ser criado de algo. Esse ser deve ser perfeito e eterno, uma vez que o nada não pode ser ori-
gem de algo.

BUSQUE POR MAIS


Para aprofundar seu conhecimento sobre a vida e filosofia de John Locke, especialmente sua
filosofia política-liberal, considerada um dos marcos teóricos das modernas democracias,
confira nas Bibliotecas da Faculdade Única e da Pearson, algumas obras clássicas do filósofo:

Dois tratados sobre o Governo Civil (2015). Disponível em: https://bit.ly/2ZPfOem


Data de acesso: 25 jan.2021.

Carta sobre a Tolerância (2014): Disponível em: https://bityl.co/5klL


Data de acesso: 25 jan.2021.

Compreender Locke (2013) – Disponível em: https://bit.ly/3bCEMTD


Data de acesso: 25 jan.2021.

VAMOS PENSAR?
John Locke é celebrado como um dos grandes teóricos e idealizador das modernas demo-
cracias que emergiram nas sociedades ocidentais a partir das revoluções científicas, políti-
cas, econômicas, sociais e culturais deflagradas entre os séculos XVII e XIX. A obra de Locke
foi diretamente influenciada pela Guerra Civil Inglesa (dos séculos XVI e XVII), que opôs os
defensores da Monarquia absolutista e os defensores da soberania do Parlamento, como
legítimo representante dos homens. Locke esteve ao lado das forças parlamentares que, em
1688, com a chamada Revolução Gloriosa, limitam o poder do monarca, através de um regi-
me político conhecido como Monarquia parlamentarista. Mais do que isso, a obra de Locke
desmantelou os fundamentos do chamado Antigo Regime, baseado na soberania externa
e divina do poder. Defendendo a comunidade dos homens como fonte originária do poder.
Nesse sentido, Locke reforça um jeito de pensar a política que emergir na Modernidade com
Maquiavel, ao deslocar a soberania da exterioridade para a interioridade da comunidade
humana, além de reforçar os fundamentos do regime democrático e da soberania popular.

57
FIXANDO O CONTEÚDO
1. A filosofia na Modernidade foi marcada pela presença, convergência e oposição de duas
correntes filosóficas que, dentre outras coisas, estão na origem e na difusão da Nova Ciência.
Racionalistas e Empiristas, como Descartes e Bacon, são parte de um mesmo processo
histórico que encontrarão no Iluminismo ou o Século das Luzes, seu ápice e desfecho em
termos filosóficos, científicos, tecnológicos, políticos, econômicos, culturais, e por quê não
dizer, civilizacional.

Além de Descartes e Bacon, podemos apontar como pensadores representativos das duas
principais correntes filosóficas da Modernidade mencionadas acima:

a) Leibiniz, Kant, Platão e Aristóteles.


b) Descartes, Bacon, Giordano Bruno e Maquiavel.
c) Hobbes, Locke, Berkeley, Santo Agostinho.
d) Pascal, Hobbes, Hegel e Sartre.
e) Descartes, Spinoza, Hobbes e Locke.

2. Benedictus de Spinoza e Jonh Locke são dois pensadores representativos do que melhor
o espírito de revolução científica e social produziram no século XVII e coincidentemente
nasceram no ano de 1632. Se do ponto de vista ontológico, Spinoza e Locke assumem
posições opostas, há forte aproximação quando o assunto é a defesa da Nova Ciência, do
conhecimento e da reforma no saber que ambos pavimentaram e contribuíram para sua
êxito. Outro ponto de aproximação entre Locke e Spinoza são os compromissos teórico e
de vida com mudanças nas estruturas políticas da sociedades de então.

A respeito das mudanças políticas e sociais que aproximaram Spinoza e Locke, aponte a
alternativa correta.

a) Spinoza e Locke defendiam a manutenção e os privilégios da nobreza do Antigo Regime.


b) Spinoza e Locke não estavam comprometidos com grandes transformações socias.
c) Spinoza e Locke estavam comprometidos com a queda do Antigo Regime e ascensão de
forças e valores liberais-democráticos.
d) Spinoza e Locke defendiam posições antagônicas no campo político: o primeiro defendia
a monarquia e o segundo a democracia.
e) Spinoza e Locke defendiam posições antagônicas no campo político: o primeiro era
liberal; o segundo defensor do Antigo Regime.

Leia o texto a seguir de Marilena Chauí para responder as questões 3, 4 e 5 sobre a


filosofia de Spinoza.

Como já observamos, a tradição teológico-metafísica, que fundamenta a tradição


da filosofia política, ergueu-se sobre uma imagem de Deus, forjando a divindade como
pessoa transcendente (isto é, separada do mundo), dotada de vontade onipotente e
entendimento onisciente, eterna (a eternidade imaginada como tempo sem começo e sem

58
fim), criadora de todas as coisas a partir do nada (confundindo Deus e a ação dos artífices
e artesãos), legisladora e monarca do universo, que pode, à maneira de um príncipe que
governa segundo seu bel-prazer, suspender as leis naturais por atos extraordinários de sua
vontade (os milagres) e que pune ou recompensa o homem, criado por Ele à Sua imagem
e semelhança, dotado de livre-arbítrio e destinatário preferencial de toda a obra divina da
criação. Essa imagem faz de Deus um super-homem que cria e governa todos os seres de
acordo com os desígnios ocultos de Sua vontade a qual opera segundo fins inalcançáveis
por nosso entendimento. Incompreensível, Deus se apresenta com qualidades humanas
superlativas: bom, justo, misericordioso, colérico, amoroso, vingador. Ininteligível, oferece-
se por meio de imagens da Natureza, tida como artefato divino ou criatura harmoniosa,
bela, boa, destinada a suprir todas as necessidades e carências humanas e regida por leis
que a organizam como ordem jurídica natural.
Espinosa parte de um conceito muito preciso, o de substância, isto é, de um ser que
existe em si e por si mesmo, que pode ser concebido em si e por si mesmo e sem o qual nada
existe nem pode ser concebido. Toda substância é substância por ser causa de si mesma
(causa de sua essência, de sua existência e da inteligibilidade de ambas) e, ao causar-se
a si mesma, causa a existência e a essência de todos os seres do universo. Causa de si, a
substância existe e age por sua própria natureza e por isso mesmo é incondicionada. Ela
é o absoluto. Ou, como demonstra Espinosa, é o ser absolutamente infinito, pois o infinito
não é o sem começo e sem fim (mero infinito negativo) e sim o que causa a si mesmo e
produz a si mesmo incondicionadamente (infinito positivo). Causa de si inteligível em si
e por si mesma, a essência da substância absoluta é constituída por infinitos atributos
infinitos em seu gênero, isto é, por infinitas qualidades infinitas, sendo por isso uma
essência infinitamente complexa e internamente diferenciada em infinitas qualidades
infinitas. Existente em si e por si, essência absolutamente complexa, a substância absoluta
é potência absoluta de autoprodução e de produção de todas as coisas. A existência e a
essência da substância são idênticas à sua potência ou força infinita para existir em si e por
si, para ser internamente complexa e para fazer existir todas as coisas.
A identidade da existência, da essência e da potência substanciais é o que chamamos
de eternidade: eterno, escreve Espinosa, é o ser no qual a essência, a existência e a potência
são idênticos. A eternidade, portanto, não é um tempo sem começo e sem fim (mera
eternidade negativa) e sim a identidade do ser e do agir (eternidade positiva que nada tem
a ver com o tempo). Ora, se uma substância é o que existe por si e em si pela força de sua
própria potência a qual é idêntica à sua essência, e se esta é a complexidade infinita de
infinitas qualidades infinitas, torna-se evidente que só pode haver uma única substância,
caso contrário teríamos que admitir um ser infinito limitado por outro ser infinito, o que é
absurdo. Há, portanto, uma única e mesma substância absolutamente infinita constituindo
o universo inteiro, e essa substância é eterna porque nela ser e agir são uma só e mesma
coisa. Essa substância é Deus.
À substância e seus atributos, enquanto atividade infinita que produz a totalidade do
real, Espinosa dá o nome de Natureza Naturante. À totalidade dos modos produzidos pelos
atributos, designa com o nome de Natureza Naturada. Graças à causalidade imanente,
a totalidade constituída pela Natureza Naturante e pela Natureza Naturada é a unidade
eterna e infinita cujo nome é Deus. A imanência está concentrada na expressão célebre:
Deus sive Natura. Deus, ou seja, a Natureza. Da imanência decorre que a potência ou o
poder de Deus não é senão a potência ou o poder da Natureza inteira. A ordem natural não

59
é uma ordem jurídica decretada por Deus, e sim a conexão necessária de causas e efeitos
produzidos pela potência imanente da substância.
Compreende-se, então, porque, em lugar das distinções tradicionais entre “por
natureza/por vontade” e “por necessidade/por liberdade”, a única distinção verdadeira
admitida por Espinosa é a que existe no interior da própria necessidade: necessário pela
essência e necessário pela causa. Há um ser necessário por sua própria natureza ou por sua
essência –Deus– e há seres necessários pela causa –os seres singulares, efeitos imanentes
da potência necessária de Deus. Necessidade e liberdade não são ideias opostas, mas
concordantes e complementares, pois a liberdade não é a indeterminação que precede uma
escolha contingente nem é a indeterminação dessa escolha. A liberdade é a manifestação
espontânea e necessária da força ou potência interna da essência da substância (no caso
de Deus) e da potência interna da essência dos modos finitos (no caso dos humanos).
Dizemos que um ser é livre quando, pela necessidade interna de sua essência e de
sua potência, nele se identifica sua maneira de existir, de ser e de agir. A liberdade não é,
pois, escolha voluntária nem ausência de causa (ou uma ação sem causa), e a necessidade
não é mandamento, lei ou decreto externos que forçariam um ser a existir e agir de maneira
contrária à sua essência. Isto significa que uma política conforme à natureza humana só
pode ser uma política que propicie o exercício da liberdade e, dessa maneira, possuímos,
desde já, um critério seguro para avaliar os regimes políticos segundo realizem ou impeçam
o exercício da liberdade.
Extraído de: CHAUI, Marilena. Espinosa: poder e liberdade. En publicacion:
Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO,
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH,
Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de FilosofiaLetras e Ciencias Humanas,
USP, Universidade de Sao Paulo. 2006. Disponível em: https://bityl.co/5knF Acesso em: 26 jan.2021.

3. “A filosofia espinosana é a demolição do edifício filosófico-político erguido sobre o


fundamento da transcendência de Deus, da Natureza e da Razão, voltando-se também
contra o voluntarismo finalista que sustenta o imaginário da contingência nas ações
divinas, naturais e humanas. A filosofia de Espinosa demonstra que a imagem de Deus
como intelecto e vontade livre e a do homem como animal racional e livre-arbítrio, agindo
segundo fins são imagens nascidas do desconhecimento das verdadeiras causas e ações
de todas as coisas. Essas noções formam um sistema de crenças e de preconceitos gerado
pelo medo e pela esperança, sentimentos que dão origem à superstição, alimentando-a
com a religião e conservando-a com a teologia, de um lado, e o moralismo normativo dos
filósofos, de outro.”
Extraído de: CHAUI, Marilena. Espinosa: poder e liberdade.
En publicacion: Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron,
Atilio A. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales;
DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Políticas, Faculdade de Filosofia Letras e
Ciencias Humanas, USP, Universidade de São Paulo.2006.
Disponível em: https://bityl.co/5knb Acesso em: 26 jan.2021.

A partir da leitura acima do trecho de Chauí, é correto afirmar que a crítica espinosana ao
Antigo Regime tem como fundamento sua ontologia sobre Deus e o ser, para qual Deus é

a) um ser transcendente, completamente separado e alheio ao mundo criado por ele.

60
b) um ser transcendente, vingativo e que pune os homens segundo suas ações tidas como
boas ou ruins.
c) um ser imanente que tem no conceito de substância, concebida como um ser em si e
por si, da qual todas as coisas existentes são dependentes porque dela são manifestações,
seu fundamento último em termos metafísicos.
d) um ser imanente que tem no conceito de divindade, que age segundo desígnios
humanos de bondade, livre-arbítrio, cólera, justiça e tantos outros, seu modo de ser.
e) um ser imanente, completamente separado e alheio ao mundo e ao ser.

4. Um conceito amplamente explorado ao longo do texto de Chauí é o conceito de substância.


Segundo a autora, por substância, Espinosa entende: “Toda substância é substância por
ser causa de si mesma (causa de sua essência, de sua existência e da inteligibilidade de
ambas) e, ao causar-se a si mesma, causa a existência e a essência de todos os seres do
universo. Causa de si, a substância existe e age por sua própria natureza e por isso mesmo
é incondicionada. Ela é o absoluto”.

Dessa forma, sobre o conceito de substância em Espinoza é correto afirmar:

a) A substância é algo limitado, estando presente apenas nos atributos e modos.


b) A substância, apesar de ser causa de si, não é causa das coisas existentes no mundo.
c) A substância é incondicionada, portanto, absoluta em sentido negativo, já que é infinita
porque não tem começo nem fim.
d) A substância é incondicionada, portanto, absoluta em sentido positivo, já que é infinita,
porque é causa e produtora de si.
e) A substância não é nem incondicionada e nem infinita.

5. A respeito do conceito de liberdade, Spinoza rompe com a dicotomia tradicional ação


por natureza/vontade ou necessidade/liberdade. Deus é ser infinito, absoluto e necessário
essencialmente. Homem não é livre porque possui livre-arbítrio ou qualquer outra faculdade
dessa natureza. Portanto, a liberdade não pode ser entendida como um simples oposto ao
necessário do divino ou natural. A liberdade deve ser vista como parte desse processo.

A partir da leitura do enunciado da questão e de outras informações contida no texto de


Chauí, podemos afirmar que o homem é livre quando

a) segue sua capacidade interna de julgar e escolher o bem, o livre arbítrio.


b) segue sua natureza.
c) segue a vontade divina.
d) segue os mandamentos da Lei Revelada de Deus.
e) compreende que a liberdade é fruto da manifestação espontânea e necessária da
potência criadora do divino; que se reflete na potência interna da essência ou modo de ser
finito humano.

Leia o texto abaixo extraído do Ensaio sobre Entendimento de John Locke para
responder as questões 6, 7 e 8.

Nosso conhecimento da existência de um Deus. 1. Somos capazes de conhecer com

61
certeza que há um Deus. Embora Deus não nos tenha dado ideias inatas de si próprio e não
tenha estampado caracteres originais em nossas mentes, pelos quais pudéssemos ler seu
ser, tendo, não obstante, nos fornecido estas faculdades de que nossas mentes são dotadas,
ele não deixou a si mesmo sem testemunha, deste que temos sentidos, percepção e razão,
e não podemos carecer de uma prova clara dele enquanto nos ocuparmos de nós próprios.
Nem podemos com justeza reclamar de nossa ignorância acerca desta questão importante,
desde que ele nos proveu plenamente dos meios para descobri-lo e conhecê-lo, na medida
em que é necessário ao objetivo de nosso ser e é a grande preocupação de nossa felicidade.
Mas, embora isto seja a verdade mais óbvia que a razão descobriu, e embora sua evidência
seja (se não estou enganado) igual à certeza matemática, apesar disso exige pensamento e
atenção. E a mente deve se aplicar para efetuar uma dedução regular disto, de certa parte
de seu conhecimento intuitivo, ou então ficaremos tão incertos e ignorantes disto como
das outras proposições, que são em si mesmas capazes de demonstração. Para mostrar,
portanto, que somos capazes de conhecer, isto é, estaremos seguros que há um Deus, e
como alcançamos esta certeza, penso que não devemos ir além de nós mesmos e deste
conhecimento indubitável que temos de nossa própria existência. 3. Ele sabe igualmente
que nada pode produzir um ser: portanto, algo deve ser eterno. Além disso, o homem sabe,
mediante certeza intuitiva, que o puro nada não pode produzir mais nenhum ser real, do
que pode se igualar a dois ângulos retos. Se um homem não sabe que a não-existência, ou
a ausência de todo ser, não pode ser igual a dois ângulos retos, é impossível que deva saber
qualquer demonstração em Euclides. Se, portanto, sabemos que há certo ser real, e que a
não-existência não pode produzir nenhum ser real, consiste numa demonstração evidente:
desde a eternidade tem sido algo, desde que o que não existiu desde a eternidade teve um
começo, e o que teve um começo deve ter sido produzido por algo. 4. Que o ser eterno
deve ser o mais poderoso. A seguir, é evidente que o que tinha seu ser e começo de outro
deve também ter tudo que existe e pertence a este ser de outro. Todos os poderes que
têm devem ser devidos e recebidos da mesma fonte. Esta fonte eterna, pois, de todo ser
deve igualmente ser a fonte e origem de todo poder; e, deste modo, este Ser eterno deve
igualmente ser o mais poderoso.
E, portanto, Deus. Deste modo, da consideração de nós mesmos e do que infalivelmente
encontramos em nossas constituições, nossa razão nos conduz ao conhecimento desta
verdade certa e evidente: que há um eterno, mais poderoso e mais cognoscente Ser, que,
se alguém tiver o prazer de denominar Deus, não importa. A coisa é evidente, e, desta ideia
devidamente considerada, facilmente deduziremos todos os outros atributos que devemos
destinar a este Ser eterno. Se, contudo, alguém for descoberto como insensatamente
arrogante, a ponto de supor que unicamente o homem é cognoscente e sábio, embora o
produto de mera ignorância e acaso, e que todo o resto do universo produziu-se apenas
por este cego e puro acaso, deixarei com ele esta muito racional e enfática censura de
Tully (1. II, De Legibus — Das Leis) para ser considerada à vontade: "O que pode ser mais
totalmente arrogante e inconveniente que um homem pensar que tem uma mente e
um entendimento nele, embora em todo o universo fora dele não haja tal coisa? Ou estas
outras coisas, que com o máximo esforço de sua razão pode escassamente compreender,
poderiam ser movidas e dirigidas por nenhuma razão?" 9. Dois tipos de seres: cogitativo
e não-cogitativo. Há apenas dois tipos de seres no mundo que o homem conhece ou
concebe. Primeiro, os puramente materiais, sem sentido, percepção ou pensamento, como
a tosquia de nossa barba e as aparas de nossas unhas. Segundo, seres sensíveis, pensantes
e perceptíveis, como nos revelamos ser. Os quais, se quiserdes, chamaremos daqui em

62
diante de seres cogitativos e não-cogitativos; que, para o nosso presente propósito, se para
nada mais, são talvez melhores termos que material e imaterial. 10. 0 ser não-cogitativo
não pode produzir um cogitativo. Se, então, deve existir algo eterno, vejamos qual o tipo
desse ser. E com respeito a isto é muito óbvio à razão que deve ser necessariamente um ser
cogitativo. Pois é impossível conceber que jamais uma pura matéria não-cogitativa possa
produzir um ser pensante e inteligente, como se o nada pudesse por si mesmo produzir a
matéria.
Extraído de: LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano.
Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 267-269.

6. Com base na leitura do trecho acima, é possível afirmar que, para Locke o conhecimento
que temos da existência de Deus é demonstrativo, sendo impossível a concordância com
ideias inatas. Sobre a possibilidade das ideias inatas, é correto afirmar que

a) é impossível a existência de ideias inatas, já que o conhecimento humano está limitado


a dimensão da experiência, sendo esta intransponível.
b) a existência de ideias inatas é possível, como atesta Descartes, portanto, é provável que
a ideia que tenho de Deus, seja originária do próprio Deus.
c) a existência de ideias inatas não pode ser provada nem negada.
d) é impossível afirmar a existência de ideias inatas, já que alguns percebem e outros não
as perceberiam.
e) a impossibilidade das ideias inatas é consequência da Revelação divina.

7. Acerca da demonstração da existência de Deus, Locke afirma:

“Portanto, algo deve ser eterno. Além disso, o homem sabe, mediante certeza intuitiva,
que o puro nada não pode produzir mais nenhum ser real, do que pode se igualar a dois
ângulos retos. Se um homem não sabe que a não-existência, ou a ausência de todo ser, não
pode ser igual a dois ângulos retos, é impossível que deva saber qualquer demonstração
em Euclides.”
Com base na leitura desse trecho e de outros fragmentos do texto, podemos afirmar que

a) Deus existe porque está demonstrado na Bíblia.


b) Deus existe porque eu o sinto quando estou na Igreja.
c) Deus existe porque sou capaz de intui-lo em minhas orações.
d) Deus existe porque eu acredito na sua existência.
e) Deus existe porque sou capaz de intuir e demonstrar que o nada não pode produzir algo.

8. Outra forma de demonstrar a existência de Deus usada por Locke, é a partir da distinção
entre seres cogitativos e não-cogitativos. Os primeiros são seres sensíveis, pensantes e
perceptíveis; os segundos, são seres puramente materiais, sem sentido, percepção ou
pensamento.

Com base nesta informação e de outras presentes no texto acima, Locke demonstra a
existência de Deus a partir da comparação entre seres cogitativos e não-cogitativos por

a) seres cogitativos e não cogitativos não possuem diferenças significativas entre si.

63
b) um ser não-cogitativo não pode ser causa ou origem de um ser cogitativo.
c) um ser cogitativo pode ter origem em um ser não-cogitativo.
d) Deus é um ser-não cogitativo, portanto, é origem de ambos os seres.
e) Deus é um ser cogitativo, portanto, só pode ser origem dos seres cogitativos.

64
05
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIDADE
PARTE 2- O SÉC XIX

65
O século XIX inicia-se pressionado pela onda revolucionário em favor de mudança nos
sistemas políticos e econômicos das antigas monarquias europeias. É claramente inegável
o peso e impulso que as revoluções burguesas da Era Moderna exercem quase em todo
mundo. O fascínio de viver e respirar sobre ares democráticos, em que valores liberais da
igualdade perante a lei, a liberdade para agir e produzir, além do direito a representação
política pouco a pouco vão exercendo e transformando as feições do mundo ocidental.
Pari passu a essas mudanças políticas, sociais e culturais, há é claro o impulso dado pela
industrialização e o rápido processo de urbanização das cidades.
Na Filosofia, o século XIX é o contexto de triunfo das grandes sistematizações: inicia-se
com Hegel, com o positivismo de August Comte, e a filosofia de Marx, do desenvolvimento
da ciência, da Biologia, da evolução das espécies de Charles Darwin. Por outro lado, é
também o espaço contraditório de dois contestadores diametralmente opostos: Friedrich
Nietzche e o anúncio da morte de Deus; e por outro lado, do nascimento do existencialismo
pelas mãos de um fervoroso cristão, Soren Kierkegaard.
Vejamos então como a ideia de Deus foi manejada, sendo rejeitada por razões
distintas, na maior parte deste século por grandes filósofos. Começaremos essa trajetória
pelo Idealismo de Hegel, ponto referencial de qualquer discussão sobre filosofia da religião.

5.1 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL - ARTE, RELIGIÃO E


FILOSOFIA COMO MENIFESTAÇÕES SUPERIORES
DO ESPÍRITO ABSOLUTO

Pode parecer ser lugar comum apontar a importância da filosofia de Hegel para o
campo da filosofia da religião. Mais do que importante, a filosofia hegeliana opera uma
mudança estratégica na discussão do transcendental, do supra-humano. Ele deixa de ser
algo externo, distante e exterior ao homem, para ser algo imanente, próprio e constitutivo
do ser na História. A imanência em Hegel é radicalmente diferente da imanência em
Spinoza, tal como expusemos aqui. Em Hegel, o transcendente, chamado por ele de
Absoluto, é parte constitutivo da história do homem. Em Spinoza, o transcendente, Deus, é
parte constitutiva apenas das coisas, podemos assim assinalar a diferença. Para falar sobre
Hegel, contamos com o valioso auxílio das obras do grande filósofo e religioso brasileiro
Lima Vaz (2002).
No discurso fenomenológico, o ético aparece sob a for-
ma de momentos dialéticos no processo da formação da
consciência, aos quais correspondem figuras históricas
que encarnam, em atitude éticas típicas, a lógica daque-
le processo. Na verdade, o discurso fenomenológico, na
estrutura final com que Hegel o redigiu, exprime já – e aí
reside o fundamento de sua natureza lógico-dialética – a
manifestação progressiva do Absoluto como Espírito in-
finito na consciência do sujeito ou do espírito finito e as-
segura assim ao sujeito, uma vez elevado ao nível do Sa-
ber Absoluto, a possibilidade de dizer essa manifestação
segundo a necessidade objetiva do discurso sistemático
(LIMA VAZ, 2002, p. 381-382).

66
A grande novidade hegeliana, em face da revolução filosófica produzida pela obra
de Kant no auge do Iluminismo, é apresentar um caminho para superar a profunda aporia
ou cisão legada pela Crítica da Razão Pura: o conhecimento do Entendimento ou Razão
reduzido à esfera fenomênica, contrastando com o ideal e a inacessibilidade para a busca
e acesso ao absoluto, ao em si ou transcendente por via racional. O absoluto só se torna
atingível como pressuposto e fundamento da ética e da ação humana. Como ressalta
Lima Vaz (2020), com a Fenomenologia, Hegel procura se situar para além dessa aporia
kantiana. E o faz a partir da inscrição da filosofia kantiana como um momento abstrato
desse caminhar do Espírito em direção ao saber absoluto.

Figura 12: George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1830)


Disponível em: https://bityl.co/5koi. Acesso em: 27 jan. 2021.

A Fenomenologia apresenta, pois, três significações fun-


damentais.
Uma significação propriamente filosófica definida pela
pergunta que situa Hegel em face de Kant: o que signifi-
ca para a consciência experimentar-se a si mesma atra-
vés de sucessivas formas de saber que são assumidas e
julgadas por essa forma suprema que chamamos ciência
ou filosofia? Uma significação cultural definida pela in-
terrogação que habita e impele o "espírito do tempo" na
hora da reflexão hegeliana: o que significa, para o homem
ocidental moderno, experimentar o seu destino como ta-
refa de decifração do enigma de uma história que se em-
penha na luta pelo Sentido através da aparente sem-ra-
zão dos conflitos, ou que vê florescer "a rosa da Razão na
cruz do presente?". Finalmente, uma significação históri-
ca, definida pela questão que assinala a originalidade do
propósito hegeliano: o que significa para a consciência a
necessidade de percorrer a história da formação do seu
mundo de cultura como caminho que designa os mo-
mentos do seu próprio formar-se para a Ciência? (LIMA
VAZ, 2011, p. 12).

67
Percorrer o caminho formativo da consciência até ao Saber Absoluto implica nesse
processo de transformação da própria consciência em objeto. Nessa conjunção do Eu, que
se torna objeto e campo de experimentação e investigação da própria consciência. Mas
não é uma consciência histórica ou simplesmente fenomênica como em Kant. Trata-se de
uma consciência que é história e história em movimento e contradição.
Por meio da dialética, que representa o caminho metodológico, o espirito se move e
se auto-realiza no mundo. Essa auto-realização acontece em três momentos distintos do
caminhar do espírito: o primeiro momento do “em si”, também identificado como tese;
o segundo momento que constitui o “ser outro ou o ser fora de si”, o espaço da negação;
e o terceiro momento, o da superação ou síntese, do “ser que retorna a si” ou do “ser em
si e para si”. Para facilitar nossa compreensão, podemos aplicar a dialética hegeliana ao
ciclo de vida de uma pessoa, por exemplo. O primeiro estágio da vida de cada homem é a
infância; em seguida, juventude, depois fase adulta, por fim a velhice. Para o jovem emergir,
é necessário que a infância seja superada; da mesma forma com o adulto e a velhice.
O itinerário fenomelógico do espírito enquanto consciência individual abrange seis
momentos: Consciência, Autoconsciência, Razão, Espírito, Religião e Saber Absoluto. Cada
uma dessas etapas é constituída por momentos e figuras que representam e implicam na
determinação e superação dessa figura em direção progressiva até o Saber Absoluto. O
Saber Absoluto, como ápice e culminância do sistema hegeliano, representada o momento
em que a oposição Sujeito e objeto é superada.
No Absoluto, os três momentos dialéticos são determinados por: “ideia”, “natureza”
e “espírito”. Em que a ideia tem em si todo o potencial de se engendrar e realizar no
mundo objetivo como natureza. Esse realizar no mundo objetivo é chamado de alienação.
Ao alienar-se como natureza, a ideia supera esse momento e retorna a si mesma, num
estágio superior como espírito; como síntese entre ideia e natureza, entre o ideal, também
chamado de racional, e o real, que podemos nominá-lo de natureza ou mundo. Do ponto
de vista filosófico, a ideia é objeto de estudo da Lógica; a natureza é objeto da Ciência ou
filosofia da natureza; e o espírito é o objeto da Filosofia do Espírito.
O Espírito para Hegel (2011) é na filosofia o conceito de Deus na Religião. O conceito
de espírito é o fio condutor de todo o processo. O que é “espírito” para Hegel? Apesar
da discussão realizada ao longo da Fenomenologia pressupor já a noção de “espírito”,
esse conceito é plenamente desenvolvido no capítulo VI da Fenomenologia. O espírito
representa o momento em que a razão assimila e assume ser ela plenamente realidade
consciente de si mesma. O espirito é totalmente eticidade, no sentido de se contrapor
à razão como objetiva, como fenômeno. O espírito é eticidade porque é o espaço da
finalidade, do sentido, da essência e da substância e liberdade do agir humano
No horizonte do saber absoluto, Hegel (2011) aponta a presença dos três últimos
momentos: as Artes ou cultura, a Religião e a Filosofia. Dizemos que a Religião está a
um passo do Saber Absoluto porque ela é autoconsciência do Absoluto, mas de forma
representativa, portanto imperfeita, não conceitual. Para Hegel, a religião que melhor
exemplifica os momentos do Espírito Absoluto é o Cristianismo. O chamado mistério da
Santíssima Trindade, a encarnação e a comunidade do espírito santo são paradigmáticas
da dialética e do caminhar do Espírito Absoluto. No Cristianismo, Deus é uno, porque é
único, mas se apresenta como momentos distintos. Deus, é o logos, ideia criadora que
se engendra e se autorealiza na natureza, no mundo. A negação desse momento, é dada
pela encarnação de Deus como Cristo. Nesse engendrar e autosuperar, o espírito santo
representa o reencontro, o retorno a si do logos criador.

68
O Saber Absoluto é o momento mais elevado, representado pelo conhecimento da
Filosofia do Espírito, pois é na filosofia que há a superação da autoconsciência do Absoluto
de forma perfeita, como conceito, como Filosofia do Espírito. O Espírito Absoluto possui
três momentos: o espírito subjetivo, como ideia ou aparência do finito no absoluto. É o
momento do espirito como lógica. A lógica é representada pelas ciências da antropologia
(estudo da alma); da fenomenologia (o saber fenomênico da consciência); e a psicologia
(o espírito teórico, o saber do espírito como alteridade). O segundo momento é o espirito
objetivo, aquele que se realiza no mundo e nas organizações civis, na moralidade e nas
instituições de coesão social. O espirito objetivo, autorrealização na natureza ou mundo,
abrange a família, os costumes morais, a organização do Estado em termos político-jurídico.
Por fim, o Espírito Absoluto, autorrealizado e consolidado na história humana por meio
dos diversos eventos históricos, em que a racionalidade e a liberdade foram ampliadas do
Oriente, das civilizações antigas ao civilização greco-romana, e desta para o mundo cristã-
germânico; se realizará e se conhecerá em três ciências: Arte, na Religião e na Filosofia. Na
Arte, Deus se conhece por meio da intuição estética e do sentimento do belo. Na Religião,
o Absoluto se realiza como representação subjetiva e interior de cada sujeito. E a Filosofia
é o momento da superação e reconciliação entre Arte, conhecimento objetivo por via da
intuição estética, e da Religião, conhecimento subjetivo e interior do Absoluto. A Filosofia é
saber Absoluto do próprio Deus.

FIQUE ATENTO
A filosofia de Hegel é uma filosofia extremamente densa, como pudemos ver aqui ainda que
de forma introdutória. O principal conceito que destacamos nesta exposição é o de Espírito. O
Espírito é o movimento, é ponto culminante de toda uma trajetória fenomenológica iniciada
com a Consciência até o Saber Absoluto. Por meio da Dialética (considerada como método e
motor desse caminhar do Espírito, e do movimento na História), o Espírito se desdobra, aliena
e se supera até alcançar o Saber Absoluto. Nessa dimensão, o Espírito está compreendido
em três momentos: subjetivo, como objetividade artística; na religião, como interioridade, na
filosofia, como reconciliação e síntese última e absoluta.

VAMOS PENSAR?
O conjunto da obra hegeliana exerceu e ainda exerce grande influência nos campos da filo-
sofia, do direito, da estética e das artes, da religião e da cultura, além da política. No campo
da política, a obra de Hegel é origem de movimentos à direita liderados por Karl Friedrich
Goschel (1781-1861), Kasimir Conradi (1784-1849) e Georg Andreas Gabler (1786-1853) defenso-
res da compatibilidade entre a filosofia hegeliana e o Cristianismo. Na política, a exaltação
das instituições do Estado prussiano, que resultará na unificação alemã no terceiro quarto
do século XIX. Além é claro da já sempre propalada influência de Hegel sobre alguns dos
principais teóricos das esquerdas no mundo: Ludwig Feuerbach e Karl Marx. Para estes, a
religião está na dimensão mítica, é reflexo e produto da própria ação do homem, não o in-
verso.

69
BUSQUE POR MAIS
Para aprofundar seu conhecimento sobre a vida e filosofia de (HEGEL, 2016), veja nas Biblio-
tecas digitais da Faculdade Única e da Pearson, as seguintes obras:

Enciclopédia das Ciências Filosóficas (2018).


Disponível em: https://bit.ly/3pTcnxT Acesso em: 27 jan.2021.

O Sistema da vida Ética (2014).


Disponível em: https://bit.ly/3byGWDS Acesso em: 27 jan.2021.

A Razão na História (2013).


Disponível em: https://bit.ly/3spJhI2 Acesso em: 27 jan.2021.

Ciência da Lógica – A doutrina do ser (2016).


Disponível em: https://bit.ly/2ZSbRFC Acesso em: 27 jan. 2021

5.2 A FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA: INTRODUÇÃO


SÖREN KEIERKEGAARD
Falar na filosofia da existência ou Existencialismo implica quase que necessariamente
fazer uma visita, ainda que breve, a um de seus precursores, o dinamarquês Kierkegaard.
Filósofo e poeta cristão, de pensamento simples, arguto, mas de grande profundidade,
tem sua vida como grande fonte de inspiração e motivação para análise filosófica em
meados do século XIX. Os grandes temas da filosofia de Kierkegaard são o indivíduo e sua
irredutibilidade ao sistema e a espécie; a relação do indivíduo com Deus, enquanto autêntica
transcendência; e do homem com o mundo, com a vida, com sua própria existência.

Seu pensamento é um pensamento essencialmen-


te religioso: fé a defesa da existência do indivíduo,
existência que só se torna autêntica diante da trans-
cendência de Deus. O indivíduo e Deus, e a relação
do indivíduo com Deus, eis os temas de fundo da
filosofia de Kierkegaard, que, desse modo, se con-
figura como verdadeira autobiografia teológica.
Como observa Kierkegaard em seu Diário, ‘o cristia-
nismo não existe mais, mas, para que se possa falar
em reavê-lo, era preciso despedaçar o coração de
um poeta - e esse poeta sou eu’ (REALE; ANTISERI,
2005, p. 228).

70
A tese central da filosofia existencialista é a da existência humana tem como essência
na a cultura como apontara Hegel (2018), mas a possibilidade aberta, múltipla e infinitas de
ser. Antes do indivíduo ser alguma coisa, ou seja, ter uma essência, é preciso que ele exista.
E diante da existência, ou como seres existentes, somos indivíduos em plena e constante
angústia diante da vida e na relação com o mundo.

A angústia é a possibilidade da liberdade: apenas


esta angústia tem, mediante a fé, a capacidade de
formar absolutamente, enquanto destrói todas as
finitudes, descobrindo todas as suas ilusões. E ne-
nhum grande inquisidor tem preparadas torturas
tão terríveis como a angústia; nenhum espírito sabe
atacar com tanta astúcia a pessoa suspeita, exata-
mente no momento em que ela está mais fraca,
nem sobe preparar tão bem os laces para enredá-la
como a angústia; nenhum juiz, por mais sútil que
seja, sabe examinar tão a fundo o acusado como a
angústia que jamais o deixa escapar, nem no diver-
timento, nem no ruido, nem sob o trabalho, nem de
dia, nem de noite (KIERKEGAARD, 2005, p. 241).

Em favor de uma filosofia que tenha como centralidade a vida, a existência e a fé


na transcendência, Kierkegaard recupera e valoriza o conceito concreto de indivíduo.
Chamamos aqui de conceito concreto de indivíduo, mais do que valorizar e filosofar em
torno desse conceito, o que importa efetivamente é a realidade e existência concreta de
cada pessoa, de cada indivíduo. Por isso, um dos alicerces da filosofia do indivíduo é a
oposição radical à filosofia sistemática e totalizante de Hegel. Para Kierkegaard (2005), a
filosofia hegeliana é ridícula, cômica e repugnante, porque é fruto da arrogância de um
espírito que se coloca na posição de Deus. Um espírito sistemático que se arroga o direito
e a capacidade de tudo ver, mas que se esquece do principal: da existência do indivíduo
concreto.

Com esta categoria ‘o indivíduo’, quando aqui tudo


era sistema sobre sistema, eu tomei polemicamen-
te em mira o sistema, e agora não se fala mais de
sistema. A esta categoria encontra-se ligada abso-
lutamente minha possível importância histórica.
Meus escritos serão talvez logo esquecidos, como
os de muitos outros. Mas se esta categoria era justa,
se esta categoria estava em seu lugar, se aqui atingi
o alvo, se compreendi bem que esta era minha tare-
fa, em nada alegre, cômoda e encorajadora, se me
for concedido isto, mesmo a preço de inenarráveis
sofrimentos interiores, mesmo a preço de indizíveis
sacrifícios exteriores, então eu permaneço e meus
escritos comigo (KIERKEGAARD, 2005, p. 240).

71
A principal característica do homem enquanto ser espiritual é ter consciência de
sua superioridade em relação à espécie humana. Eu, que me reconheço como indivíduo
existente, cuja individualidade é dada pelo nome que cada um recebe ao nascer, possuo
um passado, uma história. E a medida que me reconheço como indivíduo, posso também
identificar outros iguais a mim, e também perceber que faço parte de uma comunidade
maior, a espécie humana. O interessante dessa constatação é que, comparativamente aos
animais, a essência de cada animal está determinada desde seu nascimento, assim como
de uma determinada espécie de vegetal. A natureza, seja a fauna ou a flora, é por excelência
o campo da ciência porque é o reino do necessário. A vida humana, ao contrário, é o reino
da possibilidade, da liberdade, da existência.

Figura 13: Sören Kierkegaard (1813-1855)


Disponível em: https://bit.ly/2NF22Zh Acesso em: 27 jan. 2021.

O conceito de angústia representa também outro momento forte e decisivo na


obra de Kierkegaard (2005). A angústia é o elemento caracterizador da condição humana
porque é o signo da possibilidade. A possibilidade de escolher, de não escolher, de ficar
paralisado; de se perder; de não se encontrar. A angústia caracteriza a relação do homem
com o mundo, o desespero é a forma própria da relação do homem consigo mesmo. O
desespero é entendido como a culpa que cada homem carrega por não aceitar a si mesmo
em sua profundidade. O desespero coloca em relevo a expectativa da “morte ou destruição
do eu”. O desespero nasce da incapacidade humana de aceitar que sua vida está nas mãos
de Deus. A negação de Deus, representa o auto aniquilamento. Dessa forma, a existência
assume autenticidade quando estar aberta para o amor e acolhimento à Deus.
Por fim, Kierkegaard (2005) termina criticando a ciência, especialmente o positivismo
e sua tentativa também arrogante de conhecer e desvendar os mistérios insolúveis da
transcendência de Deus. Esse erro gravíssimo da ciência decorre da tentativa da própria
ciência em compreender e solucionar os problemas éticos e religiosos. As questões éticas
e religiosas devem ser pensadas a partir da relação do indivíduo com Deus. E sobre isso, a
ciência nada tem a dizer.
Dessa forma, a crítica de Kierkegaard (2005) à ciência também se estende até a
Teologia, enquanto tentativa de ser uma ciência de Deus. A ciência teológica é fruto da
cobiça de um tipo de saber que não é possível ou acessível ao homem, diante da infinitude
e de toda potência de Deus. Por isso, a Teologia é incrédula, carece de franqueza diante de
Deus e age com má-fé em relação às Sagradas Escrituras. Não faria sentido uma ciência
teológica assim como não faria também o menor sentido uma teologia sistemática.

72
Para concluir, a objeção principal que Kierkegaard
esgrima contra as ciências naturais (na realidade,
contra o cientificismo positivista) é a seguinte: "Não
se pode absolutamente pensar que um homem, que
tenha refletido sobre si mesmo como espirito, pos-
sa ter a ideia de escolher as ciências naturais (com
matéria empírica) como tarefa de sua aspiração".
Quando se trata de homem de talento, o naturalista
tem faro e é engenhoso, mas não compreende a si
mesmo. Se a ciência se torna modo de viver, então
esse ‘é o modo mais terrível de viver: o de encantar
todo mundo e se extasiar com as descobertas e a
genialidade, sem, no entanto, compreender-se a si
mesmo’ (REALE; ANTISERI, 2005, p. 236).

FIQUE ATENTO
Uma das principais formulações da obra de Kierkegaard e da filosofia da existência é o con-
ceito de angústia. Para nosso filósofo dinamarquês, o conceito de angústia não tem apenas
uma dimensão teórica, mas é antes de tudo um processo de imersão, de dor, sofrimento e de
muita expectativa com o mundo. Alias, a obra de Kierkegaard está diretamente relacionado
à sua vida. Não é exagero algum dizer que sua filosofia é o espelho de sua vida. O sentimento
da angústia é resultado do mergulhar, do compreender que a existência é liberdade e possi-
bilidade de uma infinidade de projetos de vida. Diante do medo de escolher e fracassar nessa
escolha, o indivíduo vive em profunda angústia com o mundo, com o que pode ser enquanto
projeto de vida. Se a angústia é o sentimento típico do homem com o mundo, o desespero é
seu par inverso, sendo o sentimento essencial do homem consigo mesmo. O desespero ofere-
ce essa dimensão de profundidade do erro, das escolhas do ponto de vista pessoal, de uma
existência inautêntica, já que estaria afastada daquele que tudo pode e tudo pode fazer, in-
clusive dar a graça para uma vida autêntica, Deus.

BUSQUE POR MAIS


Para aprofundar seu conhecimento sobre a vida e filosofia de Soren Aayabe Kierkegaard,
veja as seguintes obras:

O conceito de Angústia (2005).


Disponível em: https://bit.ly/3bGCfrA. Acesso em: 27 jan.2021.

História da Filosofia Contemporânea (2015) (capítulo 3, o Existencialismo).


Disponível em: https://bit.ly/2ZWEsJT. Acesso em: 27 jan.2021.

73
FIXANDO O CONTEÚDO
1. O século XIX inicia-se pressionado pela onda revolucionário em favor de mudança nos
sistemas políticos e econômicos das antigas monarquias europeias. É claramente inegável
o peso e impulso que as revoluções burguesas da Era Moderna exercem quase em todo
mundo. O fascínio de viver e respirar sobre ares democráticos, em que valores liberais da
igualdade perante a lei, a liberdade para agir e produzir, além do direito a representação
política pouco a pouco vão exercendo e transformando as feições do mundo ocidental. Na
Filosofia, o século XIX é o contexto de triunfo das grandes sistematizações: inicia-se com
Hegel, com o positivismo de August Comte, e a filosofia de Marx, do desenvolvimento da
ciência, da Biologia, da evolução das espécies de Charles Darwin. Por outro lado, é também
o espaço contraditório de dois contestadores diametralmente opostos: Friedrich Nietzche
e o anúncio da morte de Deus; e por outro lado, do nascimento do existencialismo pelas
mãos de um fervoroso cristão, Soren Kierkegaard.

Com base na leitura do enunciado e outras informações desse período, a respeito do


contexto histórico, filosófico e cultural do século XIX, podemos afirmar que

a) foi marcado pelo triunfo das filosofias individualizantes, como as de Marx e Hegel.
b) foi marcado por um conjunto enorme de mudanças políticas, tecnológicas e culturais,
em que a filosofia foi uma das representações dessas mudanças, com seus sistemas
totalizantes e universalizantes.
c) foi marcado pelo pessimismo e descrença, baixa transformações políticas, econômicas,
culturais e filosóficas.
d) foi marcado pela ascensão dos regimes totalitários, como nazismo e o fascismo.
e) foi marcado pela ascensão de forças conservadoras e extremistas em toda a Europa.

2. Leia a seguir trecho da obra Fenomenologia do Espírito de Hegel (2011). “O botão


desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo
que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar
da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis
entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade
orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. E essa
igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um
sistema filosófico não costuma conceber-se desse modo; além disso, a consciência que
apreende essa contradição não sabe geralmente libertá-la - ou mantê-la livre - de sua
unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradição
contra si mesmo, momentos mutuamente necessários.”
(HEGEL, Friedrich. Fenomenologia do Espírito, 2011, §2).

O trecho acima apresenta claramente o método de exposição e de construção do sistema


filosófico de Hegel. Essa metodologia é historicamente conhecida também por

a) Método Dialético.
b) Método Indutivo.

74
c) Método Analítico.
d) Método Dedutivo.
e) Método Experimental.

Para responder as questões 3, 4 e 5, leia atentamente trecho da Apresentação da


Fenomenologia do Espírito de Hegel, escrito por Lima Vaz (2011).

A Fenomenologia do Espírito é uma obra, por tantos títulos original e mesmo única
dentro da tradição do escrito filosófico, e que assinala em 1807 (o autor contava então 37
anos) a aparição de Hegel no primeiro plano de cena filosófica alemã. A intenção de Hegel
na Fenomenologia é articular com o fio de um discurso científico - ou com a necessidade
de uma lógica - as figuras do sujeito ou da consciência que se desenham no horizonte do
seu afrontamento com o mundo objetivo. "Ciência da experiência da consciência": esse foi
o primeiro título escolhido por Hegel para a sua obra. Na verdade, essas figuras têm uma
dupla face. Uma face histórica, porque as experiências aqui recolhidas são experiências
de cultura, de uma cultura que se desenvolveu no tempo sob a injunção do pensar-se a si
mesma e de justificar-se ante o tribunal da Razão. Uma face dialética, porque a sucessão das
figuras da experiência não obedece à ordem cronológica dos eventos mas à necessidade
imposta ao discurso de mostrar na sequência das experiências o desdobramento de uma
lógica que deve conduzir ao momento fundador da Ciência: ao Saber absoluto como
adequação da certeza do sujeito com a verdade do objeto.

Baste-nos dizer aqui que o propósito de Hegel deve ser entendido dentro da resposta
original que a Fenomenologia pretende ser à grande aporia transmitida pela Crítica da
Razão pura ao Idealismo alemão. Esta aporia se formula como cisão entre a ciência do
mundo como fenômeno, obra do Entendimento, e o conhecimento do absoluto ou do
incondicionado - da coisa-em-si - que permanece como ideal da Razão. O absoluto só
se apresenta para Kant no domínio da Razão prática como postulado de uma liberdade
transempírica, fora do alcance de uma ciência do mundo. Com a Fenomenologia do Espírito
Hegel pretende situar-se para além dos termos da aporia kantiana, designando- a como
momento abstrato de um processo histórico-dialético desencadeado pela própria situação
de um sujeito que é fenômeno para si mesmo ou portador de uma ciência que aparece a
si mesma no próprio ato em que faz face ao aparecimento de um objeto no horizonte do
seu saber. Em outras palavras, Hegel intenta mostrar que a fundamentação absoluta do
saber é resultado de uma gênese ou de uma história cujas adversidades são assinaladas,
no plano da aparição ou do fenómeno ao qual tem acesso o olhar do Filósofo (o para-nós
na terminologia hegeliana) pelas oposições sucessivas e dialeticamente articuladas entre
a certeza do sujeito e a verdade do objeto.

Dois fios nos conduzem através do longo e difícil itinerário da Fenomenologia. Um


deles é a linha das figuras que traça o processo de formação do sujeito para o saber, unindo
dialeticamente as experiências da consciência que encontram expressões exemplares
na história da cultura ocidental. As figuras delineiam portanto, no desenvolvimento da
Fenomenologia, o relevo de um tempo histórico que se ordena segundo uma sucessão
de paradigmas e não segundo a cronologia empírica dos eventos. Mas vimos como essa
referência à história é essencial para Hegel porque, segundo ele, a Fenomenologia somente
poderia ter sido escrita no tempo histórico que era o seu e que assistira à revolução kantiana

75
na filosofia e à revolução francesa na política. O segundo fio une entre si os momentos dessa
imensa demonstração ou exposição da necessidade imposta à consciência de percorrer a
série das suas figuras - ou das experiências da sua "formação" - até atingir a altitude do
Saber absoluto.
A Fenomenologia apresenta, pois, três significações fundamentais. Uma significação
propriamente filosófica definida pela pergunta que situa Hegel em face de Kant: o que
significa para a consciência experimentar-se a si mesma através de sucessivas formas
de saber que são assumidas e julgadas por essa forma suprema que chamamos ciência
ou filosofia? Uma significação cultural definida pela interrogação que habita e impele o
"espírito do tempo" na hora da reflexão hegeliana: o que significa, para o homem ocidental
moderno, experimentar o seu destino como tarefa de decifração do enigma de uma história
que se empenha na luta pelo Sentido através da aparente sem-razão dos conflitos, ou que
vê florescer "a rosa da Razão na cruz do presente?". Finalmente, uma significação histórica,
definida pela questão que assinala a originalidade do propósito hegeliano: o que significa
para a consciência a necessidade de percorrer a história da formação do seu mundo de
cultura como caminho que designa os momentos do seu próprio formar-se para a Ciência?
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Apresentação. In: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses et.al. 6 ed. Petrópolis, RJ:
Ed Vozes; Bragança Paulista, SP: Ed Universitária São Francisco, 2011.

3. Um dos principais objetivos da Fenomenologia do Espírito para Hegel, segundo Lima


Vaz, seria o de superar uma aporia ou cisão deixada como legada por Kant, após a Crítica
da Razão Pura. Nesta, Kant procura estabelecer os limites do horizonte de manejo e
de conhecimento que a razão está inscrita. Esse horizonte impede-a de superar toda e
qualquer ilusão para além da experiência e das condições da realidade fenomênica, de
espaço e tempo.

Com base nas informações acima e na leitura do trecho, assinale a alternativa correta a
respeito da superação da aporia kantiana pela Fenomenologia de Hegel.

a) Hegel supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, com o fim da divisão entre objeto e consciência. O que na
prática significa transformar a etapa do conhecimento fenomênico em uma das etapas do
processo de conhecimento e de acesso ao Absoluto.
b) Hegel não supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, com o fim da cisão entre objeto e consciência.
c) Hegel supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, com a retomada da filosofia dos gregos.
d) Hegel supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, reafirmando a fé e a revelação da Bíblia.
e) Não existe interesse na filosofia de Hegel em superar a aporia kantiana. Portanto, isso
não se constitui em um problema para a Filosofia da Religião.

4. Lima Vaz aponta para a importância de dois fios condutores para o desenvolvimento
e articulação da fenomenologia do Espírito: um histórico, outro teórico-filosófico. Esses
fios são responsáveis por um lado por traçar o processo de formação do sujeito para o
saber, unindo dialeticamente as experiências da consciência que encontram expressões

76
exemplares na história da cultura ocidental. E por outro lado, unir entre si os momentos da
demonstração e da exposição da série das figuras colocadas à Consciência, até que esta,
possa progressivamente, alcançar o Absoluto.

A respeito dos dois fios condutores apontados por Lima Vaz no texto, é correto afirmar que

a) trata-se da experiência da Revolução Inglesa na política e obra de Leibiniz na filosofia.


b) trata-se da experiência da Revolução Americana (1776) na política e da obra de Descartes
na filosofia.
c) trata-se da experiência da Revolução Francesa na política e da obra de Hume na filosofia.
d) trata-se da experiência da Revolução Francesa na política e da obra de Kant na filosofia.
e) trata-se da experiência da Revolução Inglesa na política e da obra de Kant na filosofia.

5. Dentre as diversas significações e importância assumidas pela fenomenologia de Hegel,


Lima Vaz aponta no texto a existência de três motivações principais. A partir da leitura
do texto, aponte a alternativa que assinala corretamente quais são essas significações
fundamentais.

a) Motivações filosófica, econômica e cultural.


b) Motivações econômica, política e cultural.
c) Motivações histórica, cultural e econômica.
d) Motivações cultural, filosófica e econômica.
e) Motivações filosófica, cultural e histórica.

6. Leia atentamente o seguinte trecho de uma obra de Kierkegaard:


“Se eu tivesse de pedir um epitáfio para minha sepultura, só pediria: "aquele individuo",
mesmo que agora esta categoria não seja entendida. Ela o será depois. Com esta categoria
"o indivíduo”, quando aqui tudo era sistema sobre sistema, eu tomei polemicamente em
mira o sistema, e agora não se fala mais de sistema. A esta categoria encontra-se ligada
absolutamente minha possível importância histórica. Meus escritos serão talvez logo
esquecidos, como os de muitos outros. Mas se esta categoria era justa, se esta categoria
estava em seu lugar, se eu aqui atingi o alvo, se compreendi bem que esta era minha
tarefa, em nada alegre, cômoda e encorajadora, se me for concedido isto, mesmo a preço
de inenarráveis sofrimentos interiores, mesmo a preço de indizíveis sacrifícios exteriores,
então eu permaneço e meus escritos comigo.”

KIERKEGAARD, Sören. Diário de um sedutor. In: REALE, Giovanni; ANTISERI,


Dario. História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo – vol 5.
Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005, p. 239-240.

Com base na leitura do trecho acima, é possível identificar um dos objetivos principais da
obra Kierkegaard, por um lado; e uma pesada crítica ao pensamento de um importante
filosofo, por outro lado. Assinale a alternativa correta.

a) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a


construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Kant.
b) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a

77
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Hegel.
c) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Marx.
d) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Descartes.
e) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Sipinoza.

7. Leia o seguinte trecho de uma obra de Kierkegaard:

"A possibilidade é a mais pesada de todas as categorias. Verdadeiramente ouve-se dizer


frequentemente o contrário, que a possibilidade é tão leve e a realidade, o contrário, tão
pesada. Mas de quem ouvimos tais discursos? De alguns homens miseráveis que jamais
souberam o que seja a possibilidade, e tendo demonstrado a realidade que estes não
são bons para nada e que não serão jamais bons para nada, refizeram para si, a custo de
mentiras, uma possibilidade que foi tão bela, todo fascinante; na base desta possibilidade
está muito mais um pouco de presunção juvenil da qual seria melhor envergonhar-se.
Em geral a possibilidade da qual se diz que ser tão leve, entende-se como possibilidade
de felicidade, de fortuna etc. Mas esta não é de fato a possibilidade; esta é uma invenção
falaz que os homens, em sua corrupção, enfeitam para ter ao menos um pretexto para se
lamentar da vida e da Providência, e para ter uma ocasião de se tornarem importantes
a seus próprios olhos. Não, na possibilidade tudo é igualmente possível, e quem foi
realmente educado mediante a possiblidade compreendeu tanto o lado terrível como o
agradável."
KIERKEGAARD, Sören. O conceito da angústia. In: REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario.
História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo – vol 5.
Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005, p.240

O trecho acima descreve com muita clareza um importante conceito da filosofia de


Kierkegaard e de todo o existencialismo, o conceito de angustia. De acordo com a leitura
do trecho, podemos apontar como principal característica da angústia:

a) O medo diante da vida.


b) O medo e o temor a Deus.
c) A miséria humana fruto do apego aos bens materiais.
d) A possibilidade como abertura e indeterminação do projeto humano.
e) A corrupção, inerente a condição humana.

8. “Em outros termos, o crente não pode filosofar como se a Revelação não houvesse
ocorrido. Com Cristo, tivemos a irrupção do eterno no tempo. E, para o ‘conhecimento Cristo’,
esse é um fato absoluto, que, enquanto tal, não precisa ser demonstrado, pela simples
razão de que os fatos não existem para serem demonstrados, e sim para serem aceitos ou
rejeitados, bem como pelo outro motivo de que, quanto ao absoluto, "não podemos dar
razões: no máximo, podemos dar razões de que não existem razões". O que Kierkegaard
contesta é a "consideração especulativa do cristianismo", ou seja, a tentativa de justificá-
lo com a filosofia. Não se trata de justificar, mas de crer. E, para crer, não é necessário ser
contemporâneo de Jesus. A verdade é que ver um homem não é suficiente para fazer-me

78
crer que aquele homem é Deus. E a fé que me faz ver em um fato histórico algo de eterno:
e, no que se refere ao eterno, ‘qualquer época está igualmente próxima’. A fé é sempre
salto, tanto para quem é contemporâneo de Cristo como para quem não é.”
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo – vol 5.
Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005, p.231.

Com base na leitura do trecho acima de Reale e Antiseri, da relação de Kierkegaard com o
Cristianismo e a filosofia, assinale a alternativa correta.

a) Kierkegaard defende o Cristianismo enquanto religião e critica aqueles que tentaram


transformá-lo em construção sistemática filosófica.
b) Kierkegaard defende o Cristianismo enquanto religião mas não critica aqueles que
tentaram transformá-lo em construção sistemática filosófica.
c) Kierkegaard não defende o Cristianismo enquanto religião, mas critica aqueles que
tentaram transformá-lo em construção sistemática filosófica.
d) Kierkegaard defende o Cristianismo enquanto religião, já que a fé dependeria de fatos
históricos contemporâneos.
e) Kierkegaard defende o Cristianismo enquanto religião, porque a fé em Cristo só se
justifica por fatos históricos.

79
06
FILOSOFIA DA RELIGIÃO NA UNIDADE
CONTEMPORANEIDADE

80
Figura 14: Pastor Martin Luther King Jr. (Discurso na Marcha sobre Washington, 1963)
Disponível em: https://bit.ly/3aRuVKG Acesso em: 30 jan.2021.

A foto escolhida para ilustrar esse capítulo é de muitas formas expressão do espírito
do tempo do século XX. A Marcha sobre Washington liderada, dentre outros, pelo Pastor
ativista negro, Martin Luther King, revela o espírito de rápidas mudanças e transformações
políticas, econômicas, sociais, culturais e religiosas nesse período. O historiador inglês, Eric
Hobsbawm, definiu o século passado, como o breve século XX, em A Era dos Extremos
(2010). Em sua visão, o mundo Contemporâneo que emergiu desse período foi marcado
por três grandes transformações.
A primeira é que o mundo havia se tornado um lugar menos eurocêntrico, com a
perda e o declínio político, econômico e populacional na Europa. Esses fatores estão sem
dúvida alguma na raiz da construção da União Europeia. Além é claro da consolidação de
Estados Unidos, num primeiro momento, e nos últimos 30 anos da China como potência
global. Uma segunda transformação foi o avanço e integração inédito das economias
em todo mundo. Do ponto de vista econômico, há uma grande unidade operacional de
complementariedade, dependência e múltiplas conexões dos mercados globais. Esse
processo é resultado dos enormes avançados no campo tecnológico, da comunicação e
de transportes e logística.
Mas houve e cada vez fica mais patente, a face mais perturbadora de todas essas
transformações: a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano,
e com ela, a quebra entre as gerações, da vinculação entre o passado e o presente. Isso
está cada vez mais evidente com o triunfo dos valores como o individualismo associal,
tem produzido uma sociedade formada por indivíduos egocentrados, desconectado
entre si, em busca da satisfação e prazeres imediatos. Para nós que vivemos na dita era da
conectividade global com a intensificação dada pelo uso contínuo das redes sociais, chega
ser uma constatação terrivelmente desconcertante!
É com esse enorme e multifacetado pano de fundo histórico-cultural, que
apresentamos de forma introdutória parte dos principais debates feitos no campo da
filosofia Contemporânea, especialmente o pensamento que emerge como consequência
e após a Segunda Guerra Mundial. Daremos destaque para a principal corrente filosófica
emergente no pós-guerra: o Existencialismo. Explorando o pensamento de seus dois, dos
mais conhecidos existencialistas, Heidegger e Sartre. Nosso caminho para o mergulho na
filosofia da existência, foi devidamente preparada a partir da apresentação da filosofia de
Kierkegaard.

81
6.1 MARTIN HEIDDEGER - DEUS ALÉM DA CONDIÇÃO
DE SER E TEMPO

Figura 15: Martin Heidegger (1888-1889).


Disponível em: https://bit.ly/3qPNCE1 Acesso em: 30 jan.2021.

Um dos grandes nomes da Filosofia Contemporânea, Martin Heiddeger é um dos


principais pensadores da corrente filosófica de maior influência após a Segunda Guerra,
o existencialismo. Sua principal obra Ser e Tempo (2012) tem por objetivo compreender
e determinar o sentido do ser. A pergunta sobre o sentido do ser dar origem à filosofia
e a ciência na Grécia Antiga. O grande mérito da filosofia de Heiddeger foi recolocar na
Contemporaneidade o desafio de pensar a questão do ser como problema ontológico em
sentido forte. Retomando e atualizando a principal linha de investigativa da História da
Filosofia.
A questão do ser visa, portanto, às condições a priori
de possibilidade não apenas das ciências que pes-
quisam os entes em suas entidades e que, ao fazê-
-lo, sempre já se movem numa compreensão de ser.
A questão do ser visa às condições de possibilidade
das próprias ontologias que antecedem e fundam
as ciências ônticas . Por mais rico e estruturado que
possar ser o seu sistema de categorias, toda ontolo-
gia permanece, no fundo, cega e uma distorção de
seu propósito mais autêntico se, previamente, não
houver esclarecido, de maneira suficiente, o sentido
de ser e não tiver compreendido esse esclarecimen-
to como sua tarefa fundamental (HEIDEGGER, 2012,
p. 47).

Ao longo da exposição de Heidegger (2012), fica claro que o ente que se propõe a
pergunta sobre o sentido do ser é o próprio homem. É uma pergunta que só faz sentido
para quem entende que, como ente, o homem não pode ser visto ou compreendido como
os outros objetos que estão aí no mundo. Ou seja, Heidegger (2012) mostra que a situação
ontológica que marca e determina a vida humana é sua presença no mundo. Mas é uma
presença diferente dos objetos e mesmos das outras pessoas que no mundo estão comigo.
Essa presença é diferente porque o ser ou a “essência” do homem, do ente que se coloca a
questão do sentido do ser, ela é existencial.

82
Dizer que a essência do homem é sua existência, significa que este homem é
liberdade, é possibilidade de estar no mundo. “A presença é um sendo, que em seu ser
relaciona-se com esse ser numa compreensão. Com isso, indica-se o conceito formal de
existência. A presença existe. A presença é ademais um sendo, que sempre eu mesmo sou.
Ser sempre minha pertence à existência da presença como condição de possibilidade de
propriedade e impropriedade.” (HEIDEGGER, 2012, p. 53).
A analítica ontológica do ser é dividida grosso modo por Heidegger em três grandes
momentos: o ser-no-mundo, o ser com os outros; o ser-para-a morte. O primeiro momento,
o ser-no-mundo é caracterizado, podemos dizer, por duas formas de ser ou de estar presente
no mundo. O conceito de mundo é descrito fenomenologicamente por Heidegger como
sendo os entes no interior do mundo. Esses entes dentro do mundo são as coisas, as coisas
naturais e as coisas “dotadas de valor”. Uma primeira forma é constitutiva do ser das coisas,
o ser dos entes materiais e não-racionais. Estes estão no mundo da mesma forma que um
quantidade de água está num copo ou bancos e carteiras escolares dentro de uma sala de
aula. É uma presença no mundo que é um simples estar, dado de forma gratuitamente.
A presença do homem dentro do mundo, ou no mundo, ou em um mundo ela
é radicalmente diferente do estar aí no mundo dos objetos. Essa diferença consiste na
presença do homem no mundo, ser uma presença existencial. Como já destacado, o estar
no mundo dos objetos é algo dado, gratuito e possui essência determinada. A presença do
homem é essencialmente existência, possibilidade de ser, liberdade. É um projeto aberto,
uma folha em branco, diria Locke. O mundo é o espaço de exercício da essência do homem.
Essa essência como já determinado é pura existência e liberdade.

O ente, ao qual pertence o ser-em, neste sentido,


é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão
‘sou’ conecta-se a ‘junto’; ‘eu sou’ diz, por sua vez: eu
moro, detenho-me junto... ao mundo, como alguma
coisa que, deste ou daquele modo, me é familiar.
Como infinitivo de ‘eu sou’, isto é, como existencial,
ser significa morar junto a, ser familiar com. O ser-
-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser
da presença que possui a constituição essencial de
ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2012, p. 100).

Dizer que o ser do homem no mundo é existencial, é afirmar que sua essência é
um projeto em aberto, indeterminado, portanto, livre. Mas esse projetar-se no mundo
constitui em transcendência, em ir-além. O homem é o ser que se projeta continuamente
para frente, para o futuro, para ser algo. Portanto, o homem é ou pode ser algo que ele se
determinar. Mas é também tempo, ou projetar-se, transcender para o futuro. Para realizar
esse projeto, os objetos materiais do mundo, as coisas de forma ampla, estão numa relação
utilitária ou nos servem como utensílios para nosso fim. O homem deixa de ser um mero
espectador ou analista do mundo para ser e fazer o mundo. Nos parece, neste ponto, a
importância do trabalho e da cultura como espaços para transformar e criar um mundo de
sentido para o homem.
O segundo momento da analítica ontológica é o ser-com-outros. Este momento
tem como determinante assinalar a existência e a presença em igualdade de outros

83
entes conscientes que estão ‘no’, ‘com’ e ‘também’ comigo no mundo. A relação entre os
entes cuja essência é a existência é a igualdade. “Com’ e ‘também’ devem ser entendidos
existencialmente e não categoricamente. À base desse ser-no-mundo determinado pelo
‘com’, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença
é mundo compartilhado. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses
outros é copresença.” (HEIDEGGER, 2012, p. 175).
O encontro com outros não é algo “dado”, numa simples apreensão em que um
determinado sujeito encontra outros sujeitos no mundo porque é capaz de ver, ouvir e
sentir a presença dos outros. O ser-com outros implica necessariamente a presença e a
transcendência do mundo. E no mundo que eu exerço o cuidado, crio e transformo a partir
do trabalho que gera cultura no sentido amplo. O ser-com implica também a dimensão
da corresponsabilidade e do cuidado uns com os outros. Esses cuidados abrangem atos
simples como alimentação, vestuário. Mas o ser-com é diferente do ser com as coisas
objetivas, já que a relação ser-com pressupõe a presença de indivíduos conscientes, livres
e cuja essência é a existência.

Do ponto de vista ontológico, o ser para os outros


é diferente do ser para coisas simplesmente dadas.
O “outro” ente possui, ele mesmo, o modo de ser
da presença. No ser-com e para os outros, subsiste,
portanto, uma relação ontológica entre presenças.
Essa relação, pode-se dizer, já é cada vez constituti-
va da própria presença, a qual possui por si mesma
uma compreensão de ser e, assim, relaciona-se com
a presença. A relação ontológica com os outros tor-
na-se, pois, projeção do próprio ser para si mesmo
“num outro”. O outro é um duplo de si mesmo (HEI-
DEGGER, 2012, p. 181).

Por fim, o terceiro momento da analítica ontológica é o ser-para-a-morte, ou seja, o


ser que se abre para a transcendência do fim da existência, o fim inescapável de todo ser, a
morte. Nesse sentido, a morte é parte da vida porque é um fenômeno que se realiza ao ser
vivente. Do ponto de vista metodológico, a fenomenologia de Heidegger, não tem como
explicar ou apontar o que haveria após a morte pensada ontologicamente. Porque a morte
é transcendência e supera a condição fenomênica em certo sentido. A dimensão da morte
tem relevância enorme na análise de Heidegger já que a partir dela a vida e as escolhas
humanas são definidas de forma autêntica ou inautêntica.
A existência inautêntica, por seu turno, é dada por aqueles que se prendem, se
colocam e se confundem com a existência das coisas no mundo, prisão na dimensão
factual das coisas. Heidegger qualifica este momento da existência inautêntica marcada
pela fatualidade como dejeção. A dejeção esvazia o sentido existencial e transcendental de
nosso projeto de vida. Ela nos torna objeto em meios a outros objetos.
Três elementos caracterizam a dejeção ou existência inautêntica: a) uma subversão
no uso da linguagem. A linguagem aqui como logos, como razão, como expressão do
nosso projeto existencial, dar lugar à um palavrório sem fim e sem objetivo. É o famoso
“falar demais porque não tem nada a dizer”; b) um segundo elemento é a busca incessante
pelo novo, pela curiosidade. O novo precisa preencher ou ocupar o vazio resultante do

84
perder-se nas coisas; c) o terceiro e último elemento é o equívoco. A existência marcada
pelo palavrório e curiosidade resulta no erro e no equívoco com nosso projeto existencial.
O sentimento da angústia é a forma como o homem pode e deve compreender sua
condição de ser finito, de ser-para-a-morte. A angustia não é o medo ou a passividade diante
da espera da morte. Precisa compreender que a morte é a nulidade da vida em sentido
existencial, como projeto. Ou é o nada de qualquer projeto possível. Ao abraçar sua finitude
existencial, o homem consegue existir e viver de forma autêntica. A existência autêntica
pressupõe a tomada de consciência da vida como ser essencialmente existencial e livre. O
homem ao nascer, não nasce determinado a nada previamente. Aquilo que o homem será,
seu projeto de vida ou essência só pode ser dado na existência. Uma existência autêntica
abraça essa condição e vive de forma serena e sem temor da transcendência do ser-para o
fim.

A morte é uma possibilidade ontológica que a pró-


pria presença sempre tem de assumir. Com a morte,
a própria presença é impendente em seu poder-ser
mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em
jogo para a presença é pura e simplesmente se ser-
-np-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder
não mais ser presença. Se, enquanto essa possibi-
lidade, a presença é, para si mesma, impendente, é
porque depende plenamente de seu poder-ser mais
próprio (...) Enquanto poder ser, a presença não é ca-
paz de superar a possibilidade da morte. A morte é,
em última instância, a possibilidade da impossibili-
dade pura e simples da presença (HEIDEGGER, 2012,
p. 326).

Dessa forma, como conclusão da analítica existencial de Ser e o Tempo, Penzo (1998)
nos lembra que, para Heidegger (2012), Deus é algo não dito no pensamento filosófico. O
que não significa que não se admita sua existência, mas sim que sua presença ou existência,
do ponto de vista filosófico e fenomenológico, é impossível demonstrar.

FIQUE ATENTO
O conceito de ser é o principal elemento da obra de Heidegger. Na analítica ontológica, o ser
é dividido em três grandes partes: o ser-no-mundo, o ser com os outros; o ser-para-a morte.
O primeiro momento, o ser-no-mundo é caracterizado pela presença do homem dentro do
mundo, ou no mundo, ou em um mundo. O mundo é o espaço de exercício da essência do ho-
mem. Essa essência como já determinado é pura existência e liberdade. É um projeto aberto,
uma folha em branco, diria Locke. o conceito de mundo é descrito fenomenologicamente por
Heidegger como sendo os entes no interior do mundo. Esses entes dentro do mundo são as
coisas, as coisas naturais e as coisas “dotadas de valor”.

85
VAMOS PENSAR?
Heidegger entrou para a história da filosofia por dois motivos relevantes e radicalmente
opostos: o primeiro é sua obra existencial que exerce e continua exercendo influência sobre
diversos campos da filosofia, da psicologia, da psicanalise, da arte e outros. Mas também
por sua posição política de adesão ao regime nazista na Alemanha no século XX. Sua ade-
são ao nazismo fora justificada pelo mesmo como forma de frear o avanço do comunismo
e de reerguer uma Alemanha ainda arrasada após os desdobramento da Primeira Guerra.
Em 1933, tornou-se homem de confiança do regime e alçado à posição de Reitor da Univer-
sidade de Freiburg. No ano seguinte, percebendo os rumos e os contornos que regime to-
maria, Heidegger deixa a chefia da Universidade. Apesar de sua adesão ao regime nazista,
Heidegger nunca concordou com a ideia da supremacia da raça ariana sobre as demais
raças. Com a derrota do regime nazista, após o final da Segunda Guerra, Heidegger enfren-
tará um longo ostracismo sendo aposentado e afastado da vida universitária, em função de
sua colaboração ao regime.

BUSQUE POR MAIS


Para conhecer um pouco mais da vida, obra e dos conceitos de Heidegger que apresenta-
mos neste texto, sugerimos algumas obras disponíveis em nossas duas bibliotecas, Bibliote-
ca Única e da Pearson:

Heidegger (GREAVES, 2002).


Disponível em: https://bit.ly/37MWEua Acesso em: 30 jan.2021.

15 filósofos – vida e obra, (ARAÚJO, 2020).


Disponível em: https://bit.ly/3aWpb2l Acesso em: 30 jan.2021.

História da Filosofia Contemporânea (capítulo 3, o Existencialismo) (MONTEIRO,


2015). Disponível em: https://bit.ly/3pQnk33 Acesso em: 30 jan.2021.

Filosofia Hermenêutica (capítulo 4 – Hermenêutica filosófica de Heidegger) (COS-


TA; CAMARGO, 2017).
Disponível em: https://bit.ly/2Mw7UDK Acesso em: 30 jan.2021.

6.2 JEAN-PAUL SARTRE – LIBERDADE INCONDICIONAL


ENTRE O SER E O NADA

A escolha por Heidegger e Sartre como os autores selecionados para fechar nossa
discussão introdutória sobre filosofia da religião, tem como justificativa a trajetória
filosófica e a importância que ambos possuem na Filosofia Contemporânea. Existem
alguns pontos interessantes de convergência e diferenças entre ambos que gostaria de
explorar. Heidegger e Sartre são autores reconhecidos mundialmente por fazerem parte

86
do mesmo campo de pensamento filosófico no século XX, o Existencialismo. Aliás, ao
lado das filósofas Hannah Arendt e Judith Steiner, além do precursor Edmund Husserl
são os pensadores mais proeminentes, da mais influente corrente filosófica deste período.
As obras sobre ontologias de ambos são verdadeiros clássicos da filosofia exploradas em
diversas áreas do saber, da antropologia à psicanalise.
Mas há um elemento de divergência e profunda separação entre eles: o espaço da
política. Enquanto Heidegger, como visto acima, aderiu ao regime nazista na Alemanha
de Hitler, ocupando inclusive postos importantes na universidade alemã, Heitor da
Universidade de Freiburg; Sartre assumiu um outro caminho. O espaço da contestação
e da revolução, a partir da sua adesão e defesa dos movimentos socialistas pelo Mundo.
Como francês, a participação ativa de Sartre nos movimentos da Resistência Francesa à
ocupação alemã, marca positivamente sua trajetória. Ao lado de Merleau-Ponty, funda,
durante a Segunda Guerra, um grupo de intelectuais militantes, Socialismo e Liberdade.
Sartre também é reconhecido por seu enorme talento para a literatura e artes.

Figura 16: Jean-Paul Sartre (1905-1980)


Disponível em: https://bit.ly/3bFfILR Acesso em: 25 jan. 2021.

A análise empreendida por Sartre em “O Ser e o Nada” é dividida em dois grandes


momentos ontológicos essenciais: o fenômeno das coisas no mundo, denominado
de “em si”. Mesma denominação dada por Hegel, Heidegger e os demais pensadores
existencialistas. O segundo momento é análise da consciência do próprio homem, o “para
si” e seus desdobramentos: a intencionalidade ou a ideia da consciência como consciência
de alguma coisa, se revela como o próprio nada; e por último, a relação do homem ou do
“para si” com outras consciências, outros homens no mundo; nominada de “ser para com
outro”.
O Em-si não tem segredo: é maciço. Em certo sen-
tido, podemos designá-lo como síntese. Mas a mais
indissolúvel de todas: síntese de si consigo mesmo.
Resulta, evidentemente, que o ser está isolado em
seu ser e não mantém relação alguma com o que
não é. Os trânsitos, os vir-a-ser, tudo que permite di-
zer que o ser não é ainda o que será e já é o que não
é, tudo é negado por princípio. Porque o ser é ser do
devir e, por isso, acha-se para-além do devir. É o que
é; isso significa que, por si mesmo, sequer poderia
não ser o que é; vimos, com efeito, que não implica-
va nenhuma negação. É plena positividade. Desco-

87
nhece, pois, a alteridade; não se coloca jamais como
outro a não ser si mesmo; não pode manter relação
alguma com o outro (SARTRE, 2013, p. 39).

Para Sartre (2013), o “ser em si” deve ser definido a partir de três caracteres básicos:
“O ser é. O ser é em si. O ser é o que é. Eis as três características que o exame provisório do
fenômeno de ser nos permite designar no ser dos fenômenos.” O mundo é chamado de
“em si”, porque é pura objetividade. Tudo o que existe no mundo é “em si”, coisas, objetos,
realidade. Esse sentido de ser só é válido para o fenômeno do “em si”. O ser do homem
ou da nossa consciência tem uma dimensão estrutural diferente desta. O mundo é uma
totalidade de objetos dado gratuitamente. Sendo possível determinar sua criação por um
ser ou ente anterior ao próprio mundo.
Não há uma determinação externa ou interna ao “em si”. Ele simplesmente é, uma
espécie de síntese consigo mesmo. Por isso, a dimensão temporal não faz sentido para o
“em si”, para as coisas ou objetos. O “em si” não possui relação com negação ou com os
vir-a-ser da vida porque simplesmente as coisas não foram e muito menos poderão ser.
Ou seja, as coisas, o mundo apenas são em sentido forte e positivo e presente. Não há um
passado ou um futuro. Exemplo disso é que uma laranja é sempre laranja, seja neste ano
ou seja daqui a um ano.
Uma terceira dimensão do “ser em si” é que não pode ser deduzido ou originado
do necessário nem do possível. A necessidade é algo de proposições ideias, não de seres
reais e existentes. Tampouco podemos afirmar que o ‘em si” seja derivado do possível. A
possibilidade pertence ao homem, ao chamado “ser para si”. Resulta daí que o “ser em si”
é incriado, sem relação alguma com outro ser, sendo apenas o que é.
Por paradoxal que seja, e não é, a análise do ser implica de forma necessária pensar
ou conceber o nada. O Nada é a negação, é o espaço daquilo que não é. O Nada, enquanto
estrutura, não pode se dar no interior do “ser-em si”, como visto acima. “O ser em si” apenas
é, não comporta um passado ou presente. “Daí a questão que agora se apresenta com
particular urgência: se o Nada não pode ser concebido nem fora do Ser nem a partir do Ser,
e, por outro lado, sendo não ser, não pode tirar de si a força necessária para "nadificar-se ",
de onde vem o Nada?” (SARTRE, 2013, p. 64).
A resposta à questão acima implica que o Nada seja uma aparência de ser. O Nada
precisa está ancorado em alguma outro ser, em algum outro existente para nadificar-
se. O Nada é algo a partir de um ser que tenha a transcendência ou vazio de ser como
essência. O Nada é uma dimensão fundamental da estrutura ontológica porque ele
implica a possibilidade da negação. O ser que se coloca a possibilidade da negatividade, da
“nadificação” é o próprio homem. O homem é o ser que origina o nada. A origem do nada
no homem só é possível porque o homem é um ser livre.
O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve nadi-
ficar o Nada em seu Ser, e, assim mesmo, correndo
o risco de estabelecer o Nada como transcendente
no bojo da imanência, caso não nadifique o Nada
em seu ser a propósito de seu ser. O Ser pelo qual o
Nada vem ao mundo é um ser para o qual, em seu
Ser, está em questão o Nada de seu ser: o ser pelo

88
qual o Nada vem ao mundo deve ser seu próprio
Nada. E por isso deve-se entender não um ato na-
dificador, que requeresse por sua vez um funda-
mento no Ser, e sim uma característica ontológica
do Ser requerido. Falta averiguar em que delicada
e estranha região do Ser encontraremos o Ser que
é seu próprio Nada (SARTRE, 2013, p. 65).
A descoberta do Nada como um elemento ontológico e imanente da consciência
humana, revela para Sartre outra faceta essencial da consciência, a presença da angústia.
O homem é o ente que carrega o nada em sua estrutura ontológica. Ao contrário das
coisas e objetos que simplesmente são, no homem é o inverso diríamos. É necessário
que o homem exista para ser alguma coisa. Portanto, ser livre é a essência desse homem,
dessa consciência. Essa consciência da liberdade como fruto do vazio ou do Nada da nossa
consciência é realizada pela experiência da angústia.
A experiência da angústia tem papel decisivo no processo de compreensão do
homem e de sua consciência e do mundo. A angústia é diferente do medo. Este é medo das
coisas, objetos ou situações no mundo. A angustia é experiência ontológica fundamental
diante de mim mesmo. Para Sartre, o mundo só existe ou só faz sentido, se nós enquanto
homens, seres conscientes, percebemos, damos sentido a esse mundo. Dar sentido ao
mundo, significa ter um projeto de vida, de ser algo. O mundo é visto como um conjunto de
utensílios à mão do homem. Mas nossa consciência, não pode ser vista como abertura para
conhecer e se apropriar desse mundo. A consciência é parte constitutiva deste mundo. O
ser de nossa consciência é nossa existência.

Trata-se de uma angústia simples, que todos aque-


les que um dia tiveram responsabilidades conhe-
cem bem. Falando, por exemplo, um chefe mili-
tar assume a responsabilidade de uma ofensiva e
envia para a morte certo número de homens, ele
escolhe fazê-lo, e, no fundo, escolhe sozinho. Cer-
tamente, algumas ordens vêm de cima, porém
são abertas demais e exigem uma interpretação:
é dessa interpretação – responsabilidade sua – que
depende a vida de dez, catorze ou vinte homens.
Não é possível que não exista certa angústia na
decisão tomada. Todos os chefes conhecem essa
angústia. Mas isso não os impede de agir, muito
pelo contrário: é a própria angústia que constitui a
condição de sua ação, pois ela pressupõe que eles
encarem a pluralidade dos possíveis e que, ao es-
colher um caminho, eles se deem conta de que ele
não tem nenhum valor a não ser o de ter sido
escolhido. Veremos que esse tipo de angústia – a
que o existencialismo descreve – se explica tam-
bém por uma responsabilidade direta para com os

89
outros homens engajados pela escolha. Não se trata
de uma cortina entreposta entre nós e a ação, mas
parte constitutiva da própria ação (SARTRE, 1987, p.
15-16).

Mas este ser que percebeu a negatividade como indicativo de um elemento ontológico
importante de si mesmo, porque descortinou a existência do Nada como fundamentado
na própria consciência; além própria angústia como fundamento da liberdade, é o capaz
também de agir ou tomar decisões negativas a si próprio. A tomada de decisões negativas
contra si própria, é definida por Sartre como má-fé. A má-fé é atentado contra mim mesmo,
porque põe em xeque minha estrutura e consciência ontológica daquilo que sou. Ela não
se refere à elementos externos como a mentira é. A má-fé expõe e nega meu próprio ser.
A má-fé difere radicalmente da mentira. “Aceitemos que má-fé seja mentir a si mesmo,
desde que imediatamente se faça distinção entre mentir a si mesmo e simplesmente
mentir. Admitimos que a mentira é uma atitude negativa. Mas esta negação não recai
sobre a consciência, aponta só para o transcendente” (SARTRE, 2013, p. 93). A mentira é
caracterizada pelo fato de o mentiroso ter pleno conhecimento da verdade que esconde.
Não se mente quando não se sabe da verdade; não se mente quando se é vítima de uma
mentira ou quando se está equivocado. A mentira é conduta de transcendência a medida
que pressupõe minha existência, a existência do outro, minha existência para o outro e a
existência do outro para mim. Todo esse processo é obra e concepção de um mentiroso.
Diante do “em si” representado pelo mundo, está o homem. Nominado pelos
existencialistas como o “para-si”, em oposição ao “em si”. O “para-si’ é a consciência que
nós temos de nossa presença e da presença das coisas no mundo. Aliás, o “para-si” está
no mundo, não está fora dele, mas é radicalmente diferente do “em si”. O ser “em si” é
tipicamente um ser essencial, aquilo que é. Por exemplo, um pé de banana está desde o
início destinado a ser um bananeira. O homem, o “para-si” é justamente o oposto do ‘em-
si” porque é liberdade, é vazio de ser, é o nada diante do ser do mundo. Quando dizemos
que a consciência humana é “para-si”, significa que há uma identidade estabelecida
comigo mesmo. Eu que sou, percebo a mim mesmo. É um retorno de alguma maneira ao
cogito, ergo sum cartesiano. O homem é, portanto, liberdade incondicionada, seu projeto
fundamental está aberto e pode ser mudado.

Se a liberdade é o ser da consciência, a consciência


deve existir como consciência de liberdade. Qual a
forma desta consciência? Na liberdade, o ser huma-
no é seu próprio passado (bem como seu próprio
devir) sob a forma de nadificação. Se nossa análise
está no rumo certo, deve haver para o ser humano,
na medida que é consciente de ser, determinada
maneira de situar-se frente a seu passado e seu fu-
turo como sendo esse passado e esse futuro e, ao
mesmo tempo, como não os sendo. Podemos dar
uma resposta imediata: é na angústia que o homem
toma consciência de sua liberdade, ou, se se prefere,
a angústia é o modo de ser da liberdade como cons-

90
ciência de ser; é na angústia que a liberdade está
em seu ser colocando-se a si mesma em questão
(SARTRE, 2013, p. 72).
O homem não é uma consciência que está sozinha no mundo. No convívio e na
experiência, percebemos também que somos, além de consciência de nós mesmos, o
“para-si”, somos consciência para outros, o chamado “ser-para-outros”. Esse outro não faz
parte mim, porque não se encontra em minha estrutura ontológica. Diante do outro, eu
estou na mesma condição que os objetos inanimados estão para comigo, eu me torno
“em-si”, sou objeto em alguma dimensão. Estou na posição de “em-si”, ou de objeto porque
o “outro” assim o faz com seu olhar. A captação que tenho do outro é empírica mediata
pelo “em-si” que cada um de nós nos tornamos para o outro. Este “em-si” é dado pelo nosso
corpo. “O que encaro constantemente através de minhas experiências são os sentimentos
do Outro, as ideias do Outro, as volições do Outro, o caráter do Outro. É porque, com efeito,
o Outro não é somente aquele que vejo, mas aquele que me vê. Encaro o Outro enquanto
sistema conexo de experiências fora de alcance, no qual figuro como um objeto entre
outros” (SARTRE, 2013, p. 297).
Apesar disso, é justo e necessário ressaltar a dimensão da liberdade e da
incondicionalidade desta. No histórico debate filosófico se existência ou essência tem
precedência, para Sartre e os existencialistas é muito claro: o homem é antes de mais nada
existência. Essa existência é liberdade, porque não há determinação de um projeto de vida
ou de ser para qualquer um de nós. Eu estou obrigado a querer a minha liberdade e a
liberdade do outro, porque estamos juntos no mundo e somos corresponsáveis um pelo
outro.
Mas minha liberdade e a do outro não está determinada apenas pelo nosso projeto ou
desígnios. Nesse aspecto, Sartre recupera e relaciona sua filosofia ao chamado materialismo
histórico. Meu projeto de vida pode e é determinado pelas condições objetivas de vida,
em termos econômicos e socias. Por isso, é necessário que o homem atue no campo
da ação política para tornar possível a realização de seu projeto de vida. Ou em outros
termos, para que ele não seja atrapalhado ou condicionado pela falta de oportunidades
de emprego, saúde, moradia, educação, cultura, cuidado com o meio ambiente e tantos
outras dimensões fundamentais para garantir a vida em abundância e plenitude.
Por fim, encerramos essa obra recuperando algumas importantes palavras proferidas
por Sartre, na Conferência “Existencialismo é um Humanismo”, em 1945, numa França
recém-saída da Segunda Guerra Mundial, em que o projeto existencialista é destacado
como uma grande construção a favor do homem, da responsabilidade com a sua vida e de
seus semelhantes, e da transformação necessária para tornar o mundo um ambiente mais
propício para o florescimento do que melhor somos capazes de produzir e entregar como
seres humanos. O Existencialismo nos lembra que somos aquilo que queremos e podemos
ser. Não há determinação prévia à nossa existência porque não somos determinados a ser
nada de antemão. Nossa vida aponta para um projetar-se continuamente em direção ao
futuro em busca da realização de nosso projeto.

91
Porém, se realmente a existência precede a es-
sência, o homem é responsável pelo que é. Desse
modo, o primeiro passo do existencialismo é o de
pôr todo homem na posse do que ele é de subme-
tê-lo à responsabilidade total de sua existência. As-
sim, quando dizemos que o homem é responsável
por si mesmo, não queremos dizer que o homem é
apenas responsável pela sua estrita individualidade,
mas que ele é responsável por todos os homens. Ao
afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo,
queremos dizer que cada um de nós se escolhe,
mas queremos dizer também que, escolhendo-se,
ele escolhe todos os homens. De fato, não há um
único de nossos atos que, criando o homem que
queremos ser, não esteja criando, simultaneamen-
te, uma imagem do homem tal como julgamos que
ele deva ser. Assim, não teremos nem atrás de nós,
nem na nossa frente, no reino luminoso dos valo-
res, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa.
Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expres-
sar dizendo que o homem está condenado a ser li-
vre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e
como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado
no mundo, é responsável por tudo o que faz (SAR-
TRE, 1987, p. 11-18).

BUSQUE POR MAIS


Para conhecer um pouco mais da vida, obra e dos conceitos de Jean-Paul Sartre que apre-
sentamos neste texto, sugerimos algumas obras disponíveis em nossa Biblioteca Pearson:

A Transcendência do Ego (2015).


Disponível em: https://bit.ly/2NEsaUa Acesso em: 30 jan.2021.

Dossiê: Os vinte anos da morte do filósofo Jean-Paul Sartre (CULT, 2000).


Disponível em: https://bit.ly/3aRu4tp Acesso em: 30 jan.2021.

92
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Unioeste/2017) Martin Heidegger (1889-1976) afirmou: “ser homem já significa filosofar”.
Sua tese é a seguinte: O homem se caracteriza pela distinção entre o “é” e as características
de qualquer coisa, ou seja, de qualquer ente; com isso, no encontro cotidiano com os entes,
antecipadamente (antes de encontrá-los e conhecê-los) sabemos (a) que eles são e (b) que
eles não são o “ser”, que são diferentes de sua “existência”. Eis por que todos podemos, a
qualquer instante, nos lançar às perguntas pelo ser dos entes e pelo sentido do ser em
geral, ou seja, às perguntas filosóficas. Independente de filosofarmos expressamente, as
questões e a força para a investigação, portanto, estariam na raiz mesma de nosso ser, e
precedem todo conhecimento e pensamento aplicado.

De modo análogo, a primeira frase da Metafísica de Aristóteles afirma: “Todos os seres


humanos tendem essencialmente ao Saber”. Essa tendência essencial significa que uma
propensão para o Saber está presente, ainda que inexplorada, em todos os seres humanos.
Como Aristóteles escolheu, para o Saber, uma palavra grega que se assemelha ao “Ver”
imediato (eidénai), pode-se compreender que se trata tanto do conhecimento em geral
quanto (e principalmente) do Saber metafísico, sobre o princípio essencial ou estrutura
metafísica da realidade. Em suma, Aristóteles já estaria dizendo que ser homem significa
filosofar.
Disponível em: https://bit.ly/3uwpAA8

Com base no que foi dito, marque a alternativa CORRETA.

a) Uma contradição total reina entre as teses contemporâneas e gregas, em filosofia.


b) Não tem importância central a atenção nem a interpretação das formulações e termos
filosóficos.
c) Segundo Heidegger, a distinção entre o ente e o ser torna possível o pensamento.
d) Aristóteles afirma a tendência essencial do ser humano a ficar preso ao sentido da visão,
nas sombras.
e) Heidegger e Aristóteles têm como tese que filosofar expressamente é um destino
humano comum.

2. Por reconhecer que o Dasein não é nem espírito, nem substância, Heidegger explica a
estrutura e a constituição do homem como um ser-aí, um ser-no-mundo, por se tratar de
(da):

a) uma posição irredutível da existência.


b) precedência da essência em relação à existência.
c) um relacionamento por contiguidade com os demais entes.
d) um ente determinado por fatores biológicos, psíquicos e físicos.
e) uma posição de defesa da transcendência.
(Modificada) Concurso: Secretaria de Estado de Educação do Pará -
PA (SEDUC/PA) 2008/ 163403 - Cargo: Professor - Área: Filosofia - Banca:
Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP)
Nível: Superior. Extraída de Gran Cursos online Disponível em:chttps://bityl.co/5l5h

93
3. A concepção que Heidegger apresentava sobre a Ontologia/Metafísica leva a pensar
que:

a) a investigação Metafísica busca fundamentalmente a contemplação da natureza do ser


primordial, Deus ou o primeiro motor imóvel.
b) a Metafísica é uma ferramenta que pode ser utilizada como um mecanismo ontológico
de ascensão contemplativa, da opinião em direção ao conhecimento teorético de todas as
coisas.
c) a Metafísica se preocupa com as causas fundamentais dos entes particulares, de maneira
a fornecer uma visão sistemática sobre cada um dos entes, classificados taxionomicamente
a partir dessas mesmas causas do Ser.
d) aquele que questiona, na investigação metafísica, está envolvido com a questão de
modo que pode ser surpreendido, pois ele é um ente em meio aos entes e implicitamente
transcende os entes como um todo.
e) a investigação Metafísica busca fundamentalmente a contemplação da natureza da
ideia do Bem.
(Modificada de IFRN) Concurso Público – Grupo Magistério edital nº. 36/2011-Reitoria/IFRN.
Disponível em: https://bityl.co/5l5e

4. Leia atentamente o trecho extraído da obra Ser e Tempo de Martin Heidegger.


“O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e
cada vez meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um
ente deste ser, o Dasein se entrega à responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser
é o que neste ente está sempre em jogo. Desta caracterização do dasein resultam duas
coisas: 1. A “essência” deste ente está em ter de ser. A essência deste ente, na medida em
que se possa falar dela, há de ser concebida a partir de seu ser (existência). A essência do
dasein (ser-aí) está em sua existência. 2. O ser, que está em jogo no ser deste ente, é sempre
meu. Nesse sentido, o dasein nunca poderá ser apreendido ontologicamente como caso
ou exemplar de um gênero de entes simplesmente dados. A interpretação do dasein deve
dizer sempre também o pronome pessoal, devido a seu caráter de ser sempre minha: “eu
sou”, “ tu es”.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback.
7.ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Ed Universitária São Francisco, 2012.

Com base na leitura do trecho acima da caracterização do ser-ai (dasein)/presença, assinale


a alternativa correta.

a) Para Heidegger, a essência do homem está determinado desde seu nascimento, sendo
seu dasein
b) Para Heidegger, a essência do homem é sua existência, ou seja, para o homem ser algo,
ele precisa existir.
c) Para Heidegger, a essência do homem precede sua existência.
d) Para Heidegger, a essência do homem nunca estará em jogo, já que ela precede sua
existência.
e) Para Heidegger, a essência do homem está determinado da mesma forma que também
estará determinada a essência de uma planta.

94
5. (ENEM) Leia com atenção a citação do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre: [...]
o existencialismo afirma é que o covarde se faz covarde, que o herói se faz herói; existe
sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser covarde, e para o herói, de
deixar de o ser.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método.


Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes,
Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 14.
Extraído de Colégio Práxis, disponível em: https://bit.ly/3dOh2ia

De acordo com o texto anterior, o homem é:

a) fruto da sociedade e não pode fugir das limitações naturais dadas por ela, uma vez que
é político por natureza.
b) livre de qualquer determinação, seja de ordem natural ou cultural, pois, apesar de
existirem forças contrárias, o homem é capaz de superar tais limites em um movimento de
autoconstrução.
c) relativamente livre, uma vez que existem determinações de ordem natural que impedem
que o homem faça o que quiser de si.
d) absolutamente livre, uma vez que ele é o único responsável pelo que faz de si mesmo,
tendo em mente que sua vida é resultado de fatores externos e internos.
e) totalmente livre na medida em que segue seus instintos, sendo que liberdade é
possibilidade de escolha de acordo com a natureza própria e anterior que constitui o que
o sujeito é.
Concurso CLDF Consultor Legislativo - Área Redação Parlamentar 2018 - CONCURSO – 1009775
Fundação Carlos Chagas (FCC) Nível Superior. Extraído de Gran Cursos Questões.
Disponível em: https://bit.ly/2ZQpwx1

6. O existencialismo é um dos movimentos filosóficos mais importantes da modernidade.


E o tema da liberdade humana é uma das questões centrais tratadas pelos filósofos
existencialistas. Sobre a liberdade, o filósofo francês Jean-Paul Sartre sustenta que o
homem está condenado a ser livre. Assim sendo, para Sartre:

a) a ideia de liberdade nas ações humanas é ilusória, já que toda ação humana está
condenada.
b) toda ação humana é livre, porque estamos fadados a ser os únicos responsáveis por
aquilo que somos.
c) a liberdade possível para as ações humanas depende das circunstâncias da existência,
não de escolha livre.
d) qualquer ação humana tem sua escolha determinada pelas convenções sociais, e assim
não há escolha livre.
e) a liberdade de escolha nas ações humanas é relativa e cada um tem seu próprio conceito
de liberdade.

7. A recusa da concepção tradicional, segundo a qual o homem possuiria uma essência


dada a priori (animal racional, por exemplo), implica a aceitação de que o ser humano
primeiramente surge na sua radical espontaneidade e depois se define, se faz aquilo que

95
vem a ser. O primado da existência significa precisamente esse ato de projetar-se, de lançar-
se à frente de si mesmo, de fazer-se e de assumir-se no mundo por via da realização de
alguma possibilidade. Tudo isso está contido na acepção de liberdade originária, espécie
de grau zero da realidade humana entendida fundamentalmente como existência. Não
se trata, como se pensava na tradição filosófica, de compreender a liberdade como uma
faculdade humana, disposição ou capacidade para agir livremente. O caráter absolutamente
originário da liberdade nos leva a entender que ela não é algo que o homem tenha, e sim
algo que ele é. Ora, sendo antes de tudo liberdade, o homem não é propriamente nada
além das possibilidades de ser. É isso que o distingue das coisas e dos animais: não poder
ser concebido na sua integridade essencial antes que o processo contingente de existir o
leve a assumir por si mesmo um projeto de existência que tentará realizar como um modo
de ser no mundo.”
(LEOPOLDO, Franklin Leopoldo e. Sartre: Liberdade e compromisso.
São Paulo: Revista Cult, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3bFfILR

Com base na leitura do trecho acima de Silva, podemos afirmar sobre a filosofia de Sartre
que:

a) o homem é essencialmente existência, portanto, liberdade, já que seu projeto de vida


não é determinado a priori por nada.
b) a liberdade humana é capacidade de agir e tomar decisões livres.
c) não existe diferença entre a essência humana e dos animais, já que ambas estão
determinadas desde sua origem.
d) o homem não é um ser de possibilidades.
e)o homem possui uma essência dada a priori, porque é determinada por Deus.

8. “Por isso, O ser e o nada, o tratado de ontologia fenomenológica que Sartre publica
em 1943, elucida principalmente três noções centrais na filosofia da existência:
possibilidade, projeto e contingência. Dizer que o homem é o ser dos possíveis significa
pensá-lo a princípio unicamente como abertura a todas as possibilidades, já que não traz
em si antecipadamente nenhuma determinação. Assumir livremente alguma dessas
possibilidades significa projetar um modo de existir e projetar-se na existência, num
tipo de experiência em que a realidade humana se define muito mais como futuro do
que como passado ou presente. Essa projeção antecipatória de si mesmo implica que o
homem vive, sobretudo, fora de si, à frente de si, vindo a ser aquilo que poderá fazer de si
mesmo a partir de um projeto de existência. Ora, como o homem pode assumir qualquer
possibilidade, já que não está determinado para alguma em particular, isso significa que
todas são igualmente contingentes, isto é, nenhuma o atrai mais do que outra, não está
necessariamente determinado a assumir alguma dentre elas.”
(LEOPOLDO, Franklin Leopoldo e. Sartre: Liberdade e compromisso.
São Paulo: Revista Cult, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3bFfILR

Segundo Silva, a obra ontológica de Sartre, Ser e o Nada, procura elucidar três questões
fundamentais. Assinale a alternativa correta que contenha ambas:

a) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de possibilidade, projeto e contingência.
b) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de possibilidade, projeto e

96
racionalidade.
c) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de possibilidade, felicidade e
objetividade.
d) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de projeto, contingência e felicidade.
e) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de contingência, projeto e objetividade.

97
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 1 UNIDADE 2
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 A

UNIDADE 3 UNIDADE 4
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 A

UNIDADE 5 UNIDADE 6
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 D
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 A

98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.

ALVES, R. O que é Religião? São Paulo: Loyola, 2003.

ARAÚJO, I. L. 15 filósofos: vida e obra. 1. ed. Barueri: Minha Editora, 2020.

ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Giovan-ni Reale, Marcelo Perine. São Paulo: Loyola,
v. 2, 2002.

CHAUÍ, M. Introdução à História da Filosofia dos Pré-socráticos à Aristóteles. 2. ed. São


Paulo: Companhia das Letras, 2002.

CHAUÍ, M. A nervura do real II: Imanência e liberdade em Espinosa. 1. ed. Companhia das
Letras: São Paulo, 2016.

COSTA, L. S.; CAMARGO, L. N. Filosofia Hermenêutica. 1. ed. Curitiba: Intersaberes, 2017.

CULT. Dossiê: os vinte anos da morte do filósofo Jean-Paul Sartre. CULT - Revista Brasileira
de Literatura, São Paulo, n. 34, Maio 2000. Acesso em: 30 Janeiro 2021.

DESCARTES, R. Meditações sobre Filosofia Primeira. Tradução de Fausto Castilho. 2. ed.


Campinas: Editora da Universidade de Campinas, 2004.

FARIA, A. A. Filosofia da religião. 1. ed. Curitiba: Intersaberes, 2017. 232 p.

GOMBAY, A. Descartes. Tradução de Lia Levy. Porto Alegre: Artmed, 2009.

GREAVES, T. Heidegger. Porto Alegre: Penso, 2002.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 6. ed. Petrópolis:


Vozes, 2011.

HEGEL, G. W. F. A razão na história. Lisboa: 70, 2013.

HEGEL, G. W. F. O sistema da vida ética. Lisboa: Edições 70, 2014.

HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica: A doutrina do ser. Digital. ed. Petrópolis: Vozes, 2016.

HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas em epítome. Lisboa: 70, 2018.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. 7. ed. Petrópolis:


Vozes, 2012.

99
HOBSBAWN, E. Era dos extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.

INVITTO, G. Jean-Paul Sartre (1905-1980): ‘Deus não existe’: a indemonstrabilidade de uma


certeza. In: PENZO, G.; GIBELLINI, R. (Org.) Deus na Filosofia do século XX. Tradução de
Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Edições Loyola, 1998. p. 409-420.

KIERKEGAARD, S. O conceito da Angústia. In: REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia:


do Romantismo ao Empiriocriticismo. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 5,
2005. p. 240-241.

KIERKEGAARD, S. Tremor e temor. In: REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do


Romantismo ao Empiriocriticismo. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 5, 2005.
p. 239-240.

LIMA VAZ, H. C. D. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

LIMA VAZ, H. C. D. Ética e Direito. Ipiranga: Landy Livraria, 2002.

LIMA VAZ, H. C. D. Introdução ao pensamento de Hegel. 1. ed. Ipiranga: Loyola, 2020.

LIMA VAZ, H. C. D.. 7. E. S. P. E. L. 2. Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética filosófica 1. 7.


ed. São Paulo: Loyola, 2015.

LOCKE, J. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução de Anaor Aiex. São Paulo:
Nova Cultural Ltda, 1999.

LOCKE, J. Cartas sobre a tolerância. Lisboa: 70, 2014.

LOCKE, J. Dois tratados sobre o Governo Civil. Lisboa: 70, 2015.

MONTEIRO, I. L. História da filosofia contemporânea. 1. ed. Curitiba: Intersaberes, 2015.

PENZO, G. Martin Heiddeger (1889-1951): o divino como não dito. In: PENZO, G.; GIBELLINI,
R. (. ). Deus na Filosofia do século XX. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Loyola,
1998. p. 297-312.

PLATÃO. O Banquete. In: ______ Diálogos: Banquete – Fédon – Sofista – Político. Tradução
de Jorge Paleikat e João Cruz Costa José Cavalcante de Souza. São Paulo: Editora Abril
Cultural, 1972. p. 7-60. (Coleção Os Pensadores).

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: filosofia Pagã Antiga. Tradução de Ivo
Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 1, 2003.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: Patrística e Escolástica. Tradução de Ivo


Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 2, 2003.

100
REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo.
Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 5, 2005.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. Tradução


de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 6, 2006.

REALE, G.; ANTISERI, D. D. História da Filosofia: Spinoza a Kant. Tradução de Ivo Storniolo.
São Paulo: Paulus, v. 4, 2005.

SANTO ANSELMO. Proslogion. Tradução de Jose Silva e Rosa Maria Helena Reis Pereira. 2.
ed. Lisboa: Texto Editora Ltda, 1997. (Biblioteca da Universidade da Beira Interior, Portugal).

SARTRE, J.-P. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Correia Guedes. São Paulo:


Abril Cultural, 1987.

SARTRE, J.-P. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo


Perdigão. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

SARTRE, J.-P. A transcedência do Ego: esboço de uma descrição fenomenológica. 2. ed.


Petrópolis: Vozes, 2015.

SHERIDAN, P. Compreender Locke. Petrópolis: Vozes, 2013.

SPINOZA, B. Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar. 1. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2014.

SPINOZA, B. Princípios da filosofia cartesiana e Pensamentos metafísicos. 1. ed. BELO


HORIZONTE: AUTÊNTICA, 2015.

SPINOZA, B. D. Ética: demonstrada em ordem geométrica. Tradução de Grupo de Estudos


Espinosanos (coord. Marilena Chauí). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015.
TAVARES, R.; NOYAMAN, S. Textos clássicos de filosofia antiga: Uma introdução a Platão e
Aristóteles. 1. ed. Curitiba: Intersaberes, 2017.

TIELE, C. P. Concepção, objetivo e método da Ciência da Religião. Rever, Online, v. 18, p.


217-228, set. /dez. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3aOklE8. Acesso em: 24 fev. 2021.

TILGHMAN, B. R. Introdução à Filosofia da Religião. Tradução de Ubirajara Sobral e Maria


Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1996.

VANNI ROVIGHI, S. História da Filosofia Moderna: da Revolução Científica a Hegel.


Tradução de Marcos Bagno, Silvana Cobucci Leite. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2015.

WACH, J. E. A. F. Os ramos da Ciência da Religião. Rever, Online, v. 18, p. 233-253, maio/ago.


2018. Disponível em: https://bit.ly/2ZL3JXt. Acesso em: 24 fev. 2021.

ZILLES, U. Filosofia da Religião. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2004.

101
graduacaoead.faculdadeunica.com.br

102

Você também pode gostar