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DISTÂNCIA
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
WALLISON A. BRANDÃO
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FILOSOFIA DA RELIGIÃO
WALLISON A. BRANDÃO
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Wallison A. Brandão
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2012), mestre
em Ciências Sociais (2019) e doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais - PUC-MINAS (2019-). Atua como professor de Educação Básica na
Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais desde 2017 até o presente momento,
lecionando os conteúdos de Filosofia, Sociologia e História. Foi Diretor de Políticas Edu-
cacionais da União Nacional dos Estudantes (2009-2011). Possui grande experiência em
relações institucionais e governamentais tendo atuado: Assessoria Parlamentar na Assem-
bleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (2011-2014); Câmara dos Deputados (2016-2019).
Também exerceu a mesma função de Assessoria Parlamentar no Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (2015-16). Tem experiência nas áreas de Filosofia, Sociologia, Ciência Política,
Partidos, Movimentos Sociais e Parlamento.
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FILOSOFIA DA RELIGIÃO
1° edição
Ipatinga, MG
Faculdade Única
2021
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FACULDADE ÚNICA EDITORIAL
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.
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LEGENDA DE
Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do
conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones
ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado
trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a
seguir:
FIQUE ATENTO
Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas
quais você precisa ficar atento.
VAMOS PENSAR?
Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,
associando-os a suas ações.
FIXANDO O CONTEÚDO
Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos
conteúdos abordados no livro.
GLOSSÁRIO
Apresentação dos significados de um determinado termo ou
palavras mostradas no decorrer do livro.
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SUMÁRIO UNIDADE 1
BREVE INTRODUÇÃO SOBRE FILOSOFIA A RELIGIÃO
1.1 Afinal o que é filosofia? ............................................................................................................................................................8
1.2 O que é Religião? .........................................................................................................................................................................9
1.3 O que é Filosofia da Religião? Por quê? ....................................................................................................................12
1.4 Quais são as tarefas da Filosofia da Religião? ......................................................................................................14
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................16
UNIDADE 2
O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - COMO DEMONSTRAR
RACIONALMENTE SUA EXISTENCIA
UNIDADE 3
RELIGIÃO E ÉTICA - A CENTRALIDADE DO PROBLEMA DO MAL
3.1 Platão e a origem do mal como confusão entre ser e não ser ..................................................................38
3.2 Santo Agostinho e o mal como privação de ser ...............................................................................................40
FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................44
UNIDADE 4
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA PARTE 1 - FILOSOFIA MODERNA
4.1 Benedictus de Spinoza- Deus como causa imanente de todas as coisas ......................................48
4.2 John Locke- Empirismo e existência de Deus como dado da intuição .............................................52
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................58
UNIDADE 5
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA PARTE 2 - O SÉCULO XIX
5.1 Georg Wilhelm Friedrich Hegel - Arte, religião e filosofia como manisfestações superiores
do espirito absoluto .......................................................................................................................................................................66
5.2 A filosofia da existência: introdução Sören Kierkegaard ..............................................................................70
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................74
UNIDADE 6
A FILOSOFIA DA RELIGIÃO NA CONTEMPORANEIDADE
6.1 Martin Heiddeger: Deus além da consição de ser e tempo .....................................................................82
6.2. Jean-Paul Sartre - Liberdade incondicional entre o ser e o nada .......................................................86
FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................................................................................93
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UNIDADE 1
Apresentação dos principais conceitos que norteiam e delimitam a temática da
filosofia da religião. O que entendemos pela palavra e atividade teórica compreendida
como filosofia? O que é filosofia da religião? Quais são as principais diferenças entre
CONFIRA NO LIVRO
UNIDADE 2
Neste capítulo é dedicado á exploração do principal tema da filosofia da religião: a
centralidade da ideia de Deus. O principal problema relacionado à temática Deus
é a tentativa de demonstrar sua existência em bases racionais. Apresentamos os
argumentos clássicos de Aristóteles, Santo Anselmo e Descartes para que o estudante
compreenda como esse problema foi pensado filosoficamente por autores de
trajetórias e períodos distintos na história da filosofia.
UNIDADE 3
Como continuidade lógica do capítulo anterior, neste exploramos outro grande
problema vinculado à temática de Deus: a existência do mal no mundo. Novamente,
nossa proposta de abordagem privilegiou o pensamento e a construção teórica de
dois filósofos clássicos que discutiram esse tema: Platão e Santo Agostinho.
UNIDADE 4
Há um deslocamento claro e intencional para uma navegação em torno da História
da Filosofia a partir da Modernidade compreendendo os capítulos 4 e 5. Queremos
apresentar ou relembrar alguns temas e alguns dos mais eminentes filósofos. O tema
por excelência da Modernidade é o conhecimento e seus limites. Quais são ou seriam
os limites da Razão humana na busca pelo conhecimento? Podemos conhecer o em-
si? O transcendente?
UNIDADE 5
Na Filosofia, o século XIX é o contexto de triunfo das grandes sistematizações:
inicia-se com Hegel, com o positivismo de August Comte, e a filosofia de Marx,
do desenvolvimento da ciência, da Biologia, da evolução das espécies de Charles
Darwin. Por outro lado, é também o espaço contraditório de dois contestadores
diametralmente opostos: Friedrich Nietzche e o anúncio da morte de Deus; e por
outro lado, do nascimento do existencialismo pelas mãos de um fervoroso cristão,
Soren Kierkegaard.
UNIDADE 6
Neste capítulo apresentaremos de forma introdutória parte dos principais debates
feitos no campo da filosofia Contemporânea, especialmente o pensamento que
emerge como consequência e após a Segunda Guerra Mundial. Daremos destaque
para a principal corrente filosófica emergente no pós guerra: o Existencialismo em
Heidegger e Sartre. Mas antes de avançarmos até os dois principais pensadores do
Existencialismo.
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01
BREVE INTRODUÇÃO SOBRE UNIDADE
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
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1.1 AFINAL O QUE É FILOSOFIA?
Escrever um texto, uma obra, ou melhor, um livro sobre Filosofia sempre será moti-
vo de grandes desafios e questões. Esses desafios aparecem no momento da escrita e se
estabelecem através dos temas e referências que selecionamos para essa empreitada. Eu
confesso que quando fui convidado para escrever sobre Filosofia da Religião, o desafio me
pareceu ainda maior. Primeiro, por se tratar de uma obra filosófica e sempre necessária ca-
pacidade do rigor com os termos e conceitos tão próprios da nossa Filosofia. Depois, pela
necessidade de produzirmos um texto que seja ao mesmo tempo simples e didático para
leitura e compreensão (eu diria que não há nada mais chato do que lermos algo que não
compreendemos).
Foram com esses dois cuidados acima que mergulhei na tarefa de escrever uma
obra introdutória sobre Filosofia da Religião. São dois temas apaixonantes, porque mexem
e estão vinculados diretamente com toda a trajetória da humanidade. A filosofia, diria Pla-
tão, começa no assombro, no espanto, no questionamento sobre o que existe, sobre o que
algo é.
Segundo Reale e Anteseri (2003) o termo filosofia tem como origem o pensamento
do filósofo e matemático grego Pitágoras por volta do final do século VI.a.C. O termo ex-
pressa em sua origem um forte teor religioso, já que via na sophía (sabedoria dos deuses)
um ideal de vida, de posse, mas que o julgavam inalcançável. Dessa forma, a busca pela
sabedoria seria um dos traços marcantes da condição humana. Por isso filosofia ou o amor
pela sabedoria. Também desde seu nascimento, a filosofia será definida invariavelmente
por três elementos: seu conteúdo, sua forma e seu método.
Na obra referencial Dicionário de Filosofia, Abbagnano (2007) aponta para a existên-
cia de vários significados e sentidos para o termo Filosofia ao longo da História. Mas apesar
dos diferentes sentidos, podemos identificar algumas constâncias nessas definições: o ide-
al da posse de um conhecimento do mundo e das coisas o mais amplo possível; a necessi-
dade de que este conhecimento esteja à serviço da transformação da vida e da condição
humana.
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Platão: F. é o uso do saber em proveito do homem. Pla-
tão observa que de nada serviria possuir a capacidade
de transformar pedras em ouro a quem não soubesse
utilizar o ouro, de nada serviria uma ciência que tornas-
se imortal a quem não soubesse utilizar a imortalidade,
e assim por diante. É necessária, portanto, uma ciência
em que coincidam fazer e saber utilizar o que é feito, e
esta ciência é a Filosofia. Segundo esse conceito, a Filo-
sofia. implica: 1º posse ou aquisição de um conhecimen-
to que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais am-
plo possível; 2º uso desse conhecimento em benefício do
homem. Esses dois elementos recorrem frequentemen-
te nas definições de Filosofia em épocas diversas e sob
diferentes pontos de vista (ABBAGNANO, 2007, p. 442).
FIQUE ATENTO
a Filosofia é uma humana de relação e busca com e do conhecimento. Ao contrário das mo-
dernas ciências caracterizada pela presença e recorte de um âmbito do saber, a filosofia per-
manece sendo uma atividade racional, instigadora, questionadora a todo e qualquer âmbito
do conhecimento. Apesar de não possuir um objeto deter-minado, podemos apontar alguns
temas como prioritários à reflexão filosófica: o homem, a ética, a política, o conhecimento, o
ser, a existência, entre outros. Na imagem 1 que abre este texto temos uma cópia da lendária
obra do pintor renascentista Rafael Sanzio, Escola de Atenas. Uma justa e bela homenagem
aos mestres e sábios da Antiguidade Clássica. Ao centro, as figuras simbólicas e sistemáticas
de Platão e Aristóteles.
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Figura 2: Vaticano, Capela Sistina (Michelangelo e outros)
Disponível em: https://bit.ly/3qMiZ2e. Acesso em: 20 jan. 2021
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cher e Hegel. A questão do progresso em religião não pode ou deve ser posta como um
problema para investigação da ciência da religião. Devendo cada religião ser pensada de
forma única e inigualável. E conclui Wach (2018, p. 240): “Posto isso, a tarefa mais importan-
te do estudo empírico das religiões deve continuar sendo entender o “tornar-se” das religi-
ões particulares, entender seu desenvolvimento como o desdobramento dos princípios a
elas inerentes.
O estudo empírico da religião obedeceria a cinco critérios: a) classificação formal e
empírico-sistemática ou o estudo das religiões particulares ou de comunidades religio-
sas particulares (igrejas, seitas, escolas) segundo formas objetivas e particulares de orga-
nização (dogmas, doutrinas, cultos), personalidades particulares (como os líderes e per-
sonalidades); b) classificação por localização (segundo os pontos de vista geográficos,
antropológicos, etnológicos e genealógicos: continentes, nacionalidades, raças e etnias); c)
classificação temporal ou a investigação da religião segundo épocas e períodos históricos,
como história da religião da antiguidade clássica, do mundo antigo, do Oriente, do Império
Romano ou ainda religiões dos povos originários das Américas, como os Incas, Maias ou
Astecas; d) classificação por julgamentos de valor, apesar de muito discutível seus funda-
mentos, mas esses tipos de classificações desempenharam relevantes papeis ao longo da
história. As religiões já foram classificadas como “verdadeiras” e “falsas”, “naturais” e “reve-
ladas” teológicas e dogmáticas; religiões naturais e “éticas”; e) classificação descritiva: são
vistas como mais importantes e fundamentadas por (WACH, 2018).
A classificação descritiva abrange: 1) formalmente objetiva: incluindo as distinções
entre as religiões mitológicas e dogmáticas, nacionais e globais, baseadas em escrituras
e orais; 2) formalmente subjetiva: baseada na predominância de uma função psicológi-
ca, por exemplo, religiões de sentimento e religiões de vontade; 3) objetiva com relação
ao conteúdo: descrever as religiões como ascéticas-soteriológicas ou proféticas-reveladas
aponta para a distinção do conteúdo, centralidade da doutrina, adoração e instituições; 4)
subjetiva em relação ao conteúdo: distinção esta que obedece entre tipos de piedade (ale-
gre, melancólica).
Já os estudos sistemáticos da religião são menos utilizados no atual contexto. Os
estudos sistemáticos pressupõem um amplo esforço especulativo, mas que desembocava
geralmente numa forte perspectiva teológica cristã da salvação. São construções com for-
te teor universalista baseado em filosofias especulativas, sistemáticas como a de Hegel. A
principal característica dessa abordagem sistemática é constituição e elaboração de sínte-
ses universais para identificar ideias e princípios fundamentais, a busca por um espírito ou
princípio unificador e totalizante da realidade.
Por fim, uma questão ainda levantada por Wach (2018) é ampla relação de depen-
dência entre religião e cultura. É claro e notório a mútua influência entre religião, fatores
econômicos (vide a Ética Protestante de Max Weber), fatores políticos, sociais, arte, literatu-
ra, direto e sociedade e outros. É impossível analisar e discutir os fundamentos e origens do
judaísmo e do cristianismo, sem se ater aos contextos histórico-culturais do Novo e Antigo
Testamentos.
Para o escritor e teólogo brasileiro Rubem Alves (2003), a religião é a experiência do
sagrado. E essas marcas do sagrado não está imanente as coisas. A religião nasce com o
poder dos homens de nominar as coisas; de discriminar as coisas que têm importância
primordial e as coisas que têm importância secundária. A religião seria um discurso articu-
lado de falas, símbolos, objetos, tempos e espaços do sagrado. A finalidade dessa rede de
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símbolos e objetos é contribuir para que haja sentido, significado e finalidade no mundo
para o homem. “Talvez porque, sem ela, o mundo seja por demais frio e escuro. Com seus
símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos.” (ALVES,
2003, p. 24). Sendo a grande hipótese e aposta da religião a tese de que todo o universo
teria uma face humana.
FIQUE ATENTO
A religião é um fenômeno social, histórico-psicológico presente na trajetória da humanida-
de e que se diferencia de outros fenômenos sociais, como a ética, a estética, a política por
exemplo. O que caracteriza a essência da religião é a crença do humano no transcendente.
Nas forças sobrenaturais e divinas que, por meio de símbolos, objetos e tempos instituem o
sagrado como experiência primordial da condição humana. Na imagem 2 – temos uma re-
presentação da famosa pintura do artista Michelangelo e outros renascentistas no Vaticano.
O nome da Capela Sistina, escrito em italiano como Cappella Sistina, é uma homenagem ao
Papa Sisto IV que, entre 1477-1480, iniciou o processo de demolição e restauração da antiga
Capela Magna, de origem medieval, que originou a nova capela.
Figura 3: Julgamento Galileu Galilei pelo Tribunal Romano do Santo Ofício da Igreja Ca-
tólica (Cristiano Branti)
Disponível em: https://bit.ly/2ZKbmh5 Acesso em: 20 jan. 2021
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Da mesma maneira que o ato filosófico não fundamenta a
existência humana, mas tenta esclarecê-la, assim também
a filosofia da religião não fundamenta, nem inventa a re-
ligião, mas tenta esclarecê-la, servindo-se das exigências
propriamente filosóficas. A filosofia da religião tematiza a
abertura do homem para o mistério que o envolve de ma-
neira positiva, aceitando-o, ou de maneira negativa, rejei-
tando-o. Tematiza, pois, a relação do homem com o santo
ou numinoso no horizonte da autocompreensão humana.
(ZILLES, 2004, p. 5)
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Já aqueles que defendem uma aceitação total da religião, encontram é claro no lon-
go histórico da tradição judaico-cristã, na filosofia Antiga e Medieval, na Metafísica e au-
tores sistemáticos, como Kant, Hegel, no século XX, a obra do cardeal Newman, Marcel
Blondel, Jacques Maritain, Karl Rhaner e outros. São pensadores que entendem a religião
como elemento constitutivo e natural da essência e da condição humana. “Por sua aber-
tura ao ser, a razão conduz necessariamente à religião como expressão de uma dimensão
transcendente da existência humana” (ZILLES, 2004, p. 16).
A terceira postura ou vertente filosófica-científica sobre a religião, a chamada descri-
ção empírica e análise das religiões tem nas obras de Max Weber, E. Durkheim, Lévy-Bruhl,
Levi Strauss e de forma geral na disciplina dos estudos Antropológicos e etnográficos são
as principais representantes dessa postura. Aliás, neste texto inclusive, quando na seção
anterior apresentemos definições do que é religião, fizemos a opção metodológica de utili-
zarmos o pensamento de dois autores que são cientistas da religião Tiele e Joaquim Wach.
FIQUE ATENTO
A filosofia da religião tenta esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na exis-
tência humana. Em outros termos, a filosofia da religião tem como foco a consciência hu-
mana e a capacidade de autocompreensão do sobre-humano, do transcendente enquanto
atingível pela inteligência. Como toda atividade filosófica, a razão é a guia e condutora dessa
empreitada. A filosofia da religião é diferente da Teologia. Nesta, a relação entre homem e
o transcendente pode ser pensada, a partir da ação do divino no plano terreno, por meio da
chamada “revelação”, para tomarmos o exemplo das religiões reveladas. A Filosofia da reli-
gião é tão filosófica quanto o são filosofia da linguagem, filosofia moral ou filosofia política.
O que caracteriza o pensamento filosófico é a capacidade de pensar o mundo de forma ob-
jetiva
Na imagem 3, temos um dos grandes conflitos entre Ciência e Religião representada pela
pintura do artista italiano Cristiano Banti, o julgamento de Galileu Galilei na primeira metade
do século XVII pelo Tribunal católico do Santo Ofício. Ali foram condenadas as teses principais
do sistema filosófico-científico de Galileu.
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religião na atualidade. Ainda assim, parece haver a necessidade de uma filosofia da reli-
gião para fortalecer racionalmente os fundamentos da crença no sobre-humano, oferecer
novos sentidos e outros argumentos como “provas” da existência de Deus. Mas outros ob-
jetivos e questões se colocam como tarefas da filosofia da religião, Zilles (2004) enxerga
três desafios:
a. Repensar o abismo profundo existente atualmente, fruto da tensão entre tradição reli-
giosa e as experiências intersubjetivas. A religião está cada vez mais questionada pela
proximidade e sancionamento a regimes e instituições políticas indefensáveis do ponto
de vista dos direitos humanos.
b. A relação entre igrejas monoteístas ocidentais, como o Cristianismo e o Judaísmo, com
outas religiões no Ocidente e no Oriente. Em função do processo de secularização da
vida moderna, a religião perde sua centralidade no processo de integração do indivíduo
à sociedade. Esses desafios de convivência e respeito entre diferentes tradições de fé
apresenta muitos desafios políticos, pelas crescentes e milenares tensões entre judeus
e os vários grupos seguidores do Corão no Oriente Médio. Além é claro do respeito e
convivência entre Cristianismo e religiões de matrizes africanas e indígenas na América
Latina.
c. O lugar e a função da religião e das igrejas no contexto político-social e cultural atuais.
Como as religiões e as igrejas sobreviveram nesse contexto? Se o iluminismo fez triunfar
a exigência de uma ética universal com princípios seculares, como as liberdades civis
(como a de crença e opinião), políticas e de acesso aos direitos sociais e a afirmação
da identidade gênero, étnica, racial, ambiental e outras; a emergência e o domínio das
contemporâneas tecnologias da informação apresentam outros desafios, como as cha-
madas fake news, triunfo de uma cultura imediatista e individualista. O que do ponto
de vista político tem sido aproveitado para ascensão política de extremistas na Europa,
nos Estados Unidos e na América Latina.
d. Por fim, cabe apresentar também a importância de uma filosofia da religião para pen-
sar e discutir as implicações éticas cada vez maiores de um mundo marcado pela pro-
dução e sofisticação de armas com capacidade mortíferas inimagináveis, ou a chamada
crise ambiental, com mudanças climáticas, falta de água, excesso de chuvas ou ondas
de calor e frio; além também das implicações éticas das pesquisas com células-troncos
embrionárias; direitos reprodutivos, o chamado campo da Bioética.
VAMOS PENSAR?
As atuais sociedades contemporâneas marcadas pelo imediatismo, pela busca constante e
desenfreada pelo sucesso e reconhecimento através de sinais exteriores de riquezas, provoca-
do e intensificado a presença de novas doenças como as diversas e cada vez maiores e diver-
sas doenças mentais. Destas a depressão e a ansiedade são talvez as patologias que atingem
um maior contingente em todo o mundo. Qual será o papel do conhecimento e da fé diante
dessas novas patologias? O que poderia ser feito a partir desses campos do saber?
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FIXANDO O CONTEÚDO
1. “O que a religião realmente é na sua essência só pode ser determinado como o resultado
de toda a nossa investigação. Por religião, queremos dizer, para o presente, nada diferente
do que geralmente é entendido por esse termo - isto é, o agregado de todos os fenômenos
invariavelmente chamados religiosos, em contraposição a ética, estética, política e outros.
Falo daquelas manifestações da mente humana em palavras, atos, costumes e instituições
que testemunham a crença do homem no sobre-humano, e servem para conduzi-lo na
relação com ele.”
(TIELE, Cornelis. Concepção, objetivo e método da Ciência da Religião. REVER, v. 18, n 3, p. 227-238, set-dez. 2018)
Conforme a leitura do trecho acima e outras informações sobre o tema, é correto afirmar
que a Filosofia da Religião
Com base na citação acima de Faria (2017) é correto afirmar sobre a filosofia da religião
16
e) tem como objetivo divulgar e impulsionar a crença na fé e nas forças divinas.
3. De acordo com Ferrater Mora (1964), a filosofia e a religião podem se relacionar de três
maneiras distintas: em primeiro lugar, a filosofia e a religião se aproximam mutuamente,
podendo acontecer que a segunda seja substituída pela primeira; no segundo caso,
a filosofia se situa à frente da religião, de modo crítico ou, em alguns casos, analítico; e,
finalmente, a filosofia procede descrevendo o fato religioso como tal, independentemente
de seu conteúdo específico. No primeiro caso, há uma fusão entre as duas concepções;
no segundo, a filosofia tenta esclarecer de forma racional e objetiva o conteúdo de uma
determinada religião; no terceiro caso, se pede o auxílio das diversas ciências para clarificar
os fenômenos religiosos. Segundo o autor, só nos dois últimos casos, e de um modo
específico no terceiro caso, é que se pode falar propriamente em filosofia da religião.
(FARIA, Adriano. Filosofia da Religião, 2017, p.32)
O texto acima de Joachim Wach (2018) procura reforçar as distinções entre o que o autor
chama de estudo empírico das religiões e o estudo sistemático da religião. Sobre essa
17
distinção feita por Joachim Wach é correto afirmar:
Com base na leitura do trecho acima, Zilles (2004) entende que seja tarefa da filosofia da
religião na atualidade:
6. “Muitos perguntam: ‘Afinal, para que filosofia?’ É uma pergunta interessante. Não vemos
18
nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, ‘Para que Matemática ou Física?’, ‘Para
que Geografia ou Geologia?” “Para que Biologia ou Psicologia?’ Mas todo mundo acha
muito natural perguntar: “Para que filosofia?’. Essa pergunta tem sua razão de ser. Em
nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o
direito de existir se tiver alguma finalidade prática muito visível e de utilidade imediata. Eis
porque ninguém pergunta ‘Para que as ciências’, pois todo mundo imagina ver a utilidade
das ciências em produtos da técnica. A pergunta ‘para que filosofia’ costuma receber uma
resposta irônica, conhecida dos estudantes de filosofia: ‘A filosofia é uma
ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual’. Ou seja, a filosofia não
serviria para nada”.
Adaptado de: CHAUÍ, Marilena. Iniciação À filosofia: volume único, 3.ed. São Paulo: Ática, 2016, p. 22).
Com base na leitura do trecho acima e outros conhecimentos sobre à temática, é correto
afirmar que
Com base na leitura do trecho acima e outros conhecimentos sobre o tema, é correto
afirmar sobre a filosofia.
a) É uma ciência, já que se trata de uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é,
sobre procedimentos e conceitos científicos.
b) É religião, uma vez que opera sobre os fundamentos da religião, isto é, sobre as causas,
origens e formas das crenças religiosas.
c) Está na fronteira entre a Sociologia e a Psicologia, porque é interpretação crítica de
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ambos os campos.
d) A atividade filosófica é pautada pela análise, reflexão crítica, orientadas pela elaboração
filosófica de ideias gerais sobre a realidade e os seres humanos.
e) É História, uma vez que a reflexão não se dar sobre o sentido dos acontecimentos inseridos
no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo.
Com base na leitura do trecho acima e outras referências sobre o tema, é correto afirmar
que o objetivo de Tilghman (1996) é
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02
O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA UNIDADE
DE DEUS - COMO DEMOSTRAR
RACIONALMENTE SUA EXISTENCIA
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2.1 É POSSÍVEL DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE DEUS RACIONAL-
MENTE? TRÊS PENSADORES A FAVOR DA EXISTÊNCIA DE DEUS:
ARISTÓTELES, SANTO ANSELM DE AOSTA ,DESCARTES
22
Figura 4: Aristóteles (384 a.C – 322 a.C)
Disponível em: https://glo.bo/3aRVkIl Acesso em: 22 jan. 2021.
23
Como bem ressaltou Reale (2003), quem busca as causas primeiras necessariamen-
te está em busca e deve encontrar Deus. Porque Deus é a causa e o princípio primeiro de
todo movimento. Logo, aquele que pensa metafisicamente, faz uma teologia. Aquele que
pergunta se há apenas substâncias sensíveis ou existem também substâncias imateriais,
remete outra vez a questão do divino.
A Metafísica é por excelência a ciência do divino ou Teologia porque só e tão somen-
te tem como objeto de investigação o ser enquanto ser e suas propriedades constitutivas.
Ela não está identificada com nenhuma das ciências particulares, já que nenhuma dessas
outras ciências considera o ser universalmente. Ao contrário da física e da Matemática que,
apesar de fazerem parte do campo do saber teorético, não podem ser primazes, já que a in-
vestigação destas se realizam sobre o ser resultante da forma e da matéria, como homens
por exemplo. O divino é eterno, imóvel e separado, cabendo à filosofia primeira estudá-lo
de forma adequada.
Pensar o ser enquanto ser necessariamente implica diz o que este ser é. Para Aristó-
teles, o ser se diz de várias formas e jeitos, podemos agrupá-los em quatro grandes grupos:
a) o ser como categorias (ou em si), num total de dez; b) o ser como ato e potência: trata-se
de dois pares de fundamentais em Aristóteles, cabendo à potência definição de possibili-
dade de algo; e o ato a efetivação dessa possibilidade; c) o ser como acidente: não neces-
sário, fortuito, ex: é uma acidente eu estar deitado ou sentado; d) o ser como verdadeiro ou
não-ser como falso, ou seja, o âmbito das proposições lógicas. Mas um único é essencial
como já antevisto até aqui, o ser substancial. É ele que nos interessa entender e definir.
Mas então, o que é a substância? Quantas e quais tipos de substâncias existem? Se-
gundo Reale (2003) a substância pode ser entendida tanto como a união de forma e maté-
ria , formando um indivíduo concreto por exemplo, este aqui João Pedro; quanto também
apenas a forma no sentido essencial ou em seu mais alto grau. Se consideramos apenas
de forma substancial a junção de forma e matéria, seria, portanto, impossível advogar a
existência de substâncias suprassensíveis. O que afastaria a possibilidade da existência de
Deus e do imaterial.
Em seu significado mais forte, o ser é a substância; a subs-
tância em um sentido (impróprio) é a matéria; em segundo
sentido (mais próprio é o “sínolo ” e em terceiro sentido (e
por excelência) é a forma. O ser, portanto, é a matéria; em
grau mais elevado, o ser é o sínolo; e, no sentido mais forte,
o ser é a forma. Desse modo, pode-se compreender por que
Aristóteles chegou a chama a forma até mesmo de “causa
primeira do ser” (precisamente porque ela “informa” a ma-
téria e funda o sínolo) (REALE; ANTISERI, 2003, p. 200).
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Então de que maneira é possível demonstrar a existência de Deus ou da Substância
primeira? Aristóteles o faz misturando elementos da Física e da Metafísica. As substâncias
são realidades primazes, mas se todas elas fossem corruptíveis (morrer ou deixar de existir)
não poderia também existir o divino. Portanto, há do ponto de vista físico duas forças que
não foram geradas, nem podem estar sujeitas à corrupção, que são tempo e o movimento.
O tempo precisa ser eterno, caso não fosse, cairíamos no paroxismo de pressupor um “an-
tes” e um depois do “tempo”. Mas admitir que haja um “antes e um depois” outra coisa não
é do que repor a própria noção de tempo.
E Aristóteles também estende a mesma justificativa para o movimento, ou seja, algo
só se move como consequência ou causa de outro ser ou substância. Se se pressupor que
há uma substância que move todas as outras, essa primeira substância precisa necessa-
riamente ser causa de si mesma, movendo outras substâncias, mas estando parada. Po-
demos exemplificar esse ponto até mesmo na Ciência Contemporânea e a Teoria do Big
Bang (ou Grande Expansão em português). Se essa grande explosão de energia deu ori-
gem a todas as coisas, uma pergunta básica repõe e fortalece a argumentação aristotélica:
o que está antes do Big Bang?
Por fim, retomando aqui as definições dadas de alguns conceitos fundamentais aris-
totélico de ato e potência, forma e matéria, Deus deve ser inteiramente privado de poten-
cialidade, ou seja, precisa ser ato puro ou enteléquia. Caso possuísse potencialidade, pode-
ria e estaria sujeito a corrupção, ou seja, não seria perfeito, já que lhe faltaria algo, o que é
absurdo.
FIQUE ATENTO
O conceito de substância é um dos principais conceitos legados por Aristóteles para à cultura.
A substância, tal como compreendida pelo Estagirita, é a união de forma e matéria. A subs-
tância é o ser de forma essencial. As substâncias podem ser divididas entre aquelas que são
formadas pela união de forma e matéria, e as substâncias divinas e espirituais, compostas
essencialmente pela forma.
25
Figura 5: Santo Anselmo (1033-1109)
Disponível em: https://bit.ly/2NU8M5s Acesso em: 24 jan. 2021.
26
O longo trecho acima sintetiza nas próprias palavras do filósofo o caminho do nas-
cimento do argumento ontológico da existência de Deus. Podendo guardada as devidas
proporções compará-lo com a conversão de Paulo ao Cristianismo. Foi com incredulidade
e hesitação que emergiu a prova a priori da existência de Deus. Ela é chamada de ontológi-
ca simplesmente porque a existência é algo dado ou é consequência natural e necessária
do se segue na exposição.
Dentre os argumentos apresentados por Santo Anselmo em favor da existência de
Deus, podemos dividi-los segundo a ordem da sua própria obra: os argumentos a pos-
teriori presentes no Monologion e o argumento ontológico propriamente do Proslogion.
Vejamos de forma sintética os quatros argumentos a posteriori do Monologion, ou como o
próprio qualifica, dos efeitos para a causa. A primeira deriva da consideração da existência
das coisas boas. A segunda prova derivada da ideia de grandeza entre as coisas. A terceira
da deriva do simples fato de que nada pode se originar do nada. E a última na constatação
dos graus de perfeição existentes.
A primeira prova originária da existência do bem e do bom nas coisas pressupõem
o problema da multiplicidade ou unicidade do bem. Para Anselmo, seguindo Santo Agos-
tinho e os neoplatônicos, o bem é um só, da qual deriva a bondade de todas as coisas. A
segunda prova possui semelhança com a primeira, já que ao identificar a presença de
diferentes grandezas, pressupõe uma infinita. A terceira prova tem um caráter mais meta-
físico, já que indaga e procura demonstrar a impossibilidade de algo derivar do nada. Ou
em termos filosóficos, o ser não pode originar do não-ser. A última prova também seme-
lhante a demais parte da noção de hierarquia ou graus de perfeição que cada um observa
no mundo para chegar até o ser perfeito por excelência.
O trecho acima expõe nas palavras do próprio Santo Anselmo o famoso argumento
ontológico a favor da existência de Deus. Apesar da aparente simplicidade da argumenta-
ção, trata-se de uma prova forte e de grande envergadura e influência da História da Filoso-
fia, como visto aqui. O centro do argumento é sua universalidade, porque está presente em
qualquer indivíduo. Mesmos os ateus ou não-crentes na existência de Deus tem na mente
a ideia de um ser ou algo sumamente perfeito, em bondade, qualidade, grandeza ou qual-
27
quer outro atributo. Se este ser é tão perfeito, que qualquer um consegue concebê-lo em
sua mente, como não poderia existir na realidade? É uma contradição absurda pressupor
um ser perfeito do qual careça o atributo da existência.
FIQUE ATENTO
O principal argumento teórico a favor da existência de Deus exposto por Santo Anselmo na
obra Proslogion recebeu o nome de prova ontológica. De simples assimi-lação, mas de pro-
funda agudez, o fundamento dessa demonstração está no estabelecimento da identidade
entre essência e pensamento em Deus.
VAMOS PENSAR?
O argumento ontológico tal como aqui apresentado e formulado por Santo Anselmo é a prova
teórica mais utilizada por diferentes filósofos ao longo da História da Filosofia, para demons-
trar a existência de Deus. Havendo uma longa tradição que iniciada por Santo Anselmo chega
até os românticos alemães no século XIX.
28
senta três argumentos ou provas da existência de Deus. Vejamos em detalhe.
A primeira demonstração é conhecida como o argumento da ideia inata de Deus.
Essa prova é elaborada e discutida na Terceira Meditação à Filosofia Primeira. O caminho
para se chegar até a prova, tem como fio condutor o Eu que se apercebe como ser pen-
sante. Tendo vencido nesse caminhada um certo gênio maligno que poderia tentar nos
enganar nessa busca para do saber verdadeiro. A certeza representada pelo cogito é esten-
dida também para a investigação sobre Deus. O Eu que se apercebe como ser pensante,
que entende a si mesmo como um ser essencialmente espiritual, procura reconhecer e
conhecer pelo mesmo exame metódico e minucioso se haveria outras ideias presentes na
própria mente. Esse Eu descobre outas duas ideias inatas: a das coisas (res) ou mundo, e a
ideia de Deus, do ser perfeito.
Ora pois, Eu que acabei a pouco de me aperceber como um ser finito e imperfeito, ao
examinar novamente minha mente, percebo que há em mim uma ideia distinta da minha
natureza. Ou seja, trata-se de uma ideia de que Eu mesmo não posso ser autor, porque
difere de mim em termos essenciais. Como um ser finito e imperfeito, pode ser causador
da ideia de um ser infinito e perfeito? Logicamente é impossível. Tendo-se assim o próprio
Deus o autor dessa ideia. Se quisermos esmiuçar ainda mais este argumento, podemos
pensar nas espécies animais como exemplo. Do cruzamento entre dois cachorros, é im-
possível nascer um gato; do cruzamento entre dois gatos é impossível nascer um pato;
e sucessivamente. Sendo assim, como eu que sou um ser reconhecidamente imperfeito,
poderia originar a ideia de um ser perfeito?
29
discutimos no interior da História da Filosofia, foi Santo Anselmo de Aosta durante a Ida-
de Média. A força desse argumento é impressiona porque volta e meia, ele reaparece e é
reformulado por algum filósofo na discussão desse tema. Apresentemos nas palavras do
próprio Descartes o núcleo central desse argumento.
FIQUE ATENTO
Descartes é conhecido como um pensador dualista, já que o filósofo faz a distinção e a defesa
da existência de duas realidades separadas e fundamentais: a res cogitans (o EU pensante)
e a res extensa (o mundo). A realidade pensante tem primazia sobre a realidade extensa, já
que o conhecimento é percebido essencialmente por um sujeito capaz de conceber as coisas
como claras, distintas e evidentes.
30
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Aristóteles afirma em sua teoria do conhecimento, que cada ser ou objeto tem sua própria
substância e seus acidentes. Para este filósofo, a substância
Adaptado de Provas - Prova e Gabarito - Professor de Filosofia - Prefeitura Municipal de
Itumbiara - Goiás - Universidade Estadual de Goiás – 2008.
2. Adaptado de (UEM PR) “É, pois, com direito que a filosofia é também chamada a ciência
da verdade: o fim da [ciência] especulativa é, com efeito, a verdade, e o da [ciência] prática,
a ação; porque, se os práticos consideram o como, não consideram o eterno, mas o relativo
e o presente. E nós não conhecemos o verdadeiro sem [conhecer] a causa.”
ARISTÓTELES, Metafísica (L. II, cap. 1). Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1979, p. 39-40.
A soma correta é
a) 01.
b) 02.
c) 05.
d) 16.
e) 25.
3. (UEM PR) “É, pois, manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras (pois dizemos
que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa);
ora, causa diz-se em quatro sentidos: no primeiro, entendemos por causa a substância e a
quididade (essência) (o ‘porquê’ reconduz-se pois a noção última, e o primeiro ‘porquê’ é
causa e princípio); a segunda [causa] é a matéria e o sujeito; a terceira é a de onde [vem] o
início do movimento; a quarta [causa], que se opõe à precedente, é o ‘fim para que’ e o bem
(porque este é, com efeito, o fim de toda a geração e movimento).” (ARISTÓTELES. Metafísica,
31
livro I, cap. III. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 16).
A partir do trecho citado e com base nos conhecimentos da filosofia de Aristóteles, assinale
o que for correto.
A Soma correta é
a) 4 .
b) 6.
c) 8.
d) 24.
e) 29.
4. “Isto [que «alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado» existe tanto no
intelecto como na realidade], em todo a caso, e tão verdadeiro que nem se pode pensar
que não exista. Porque pode-se pensar que exista alguma coisa, a qual não se possa pensar
que não existe; o que é ser maior do que aquela que se pode pensar que não existe. Daí
que, se se pode pensar que «alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensada»
não existe, [então] aquilo mesmo «maior do que o qual nada pode ser pensado» não é
«aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado»; o que não pode convir. Deste modo,
«alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado» existe tão verdadeiramente
que não se pode pensar que não existe.”
(SANTO ANSELMO, Proslogion, 1997, p.17)
No trecho acima, Santo Anselmo faz a descrição de uma importante prova filosófica-
teológica desenvolvida por um filósofo medieval para atestar a existência de Deus. Assinale
a alternativa correta com o nome do filósofo e do argumento.
5. “São quatro as provas com as quais Anselmo mostra como, a partir do mundo, se chega
a Deus. A primeira deriva da consideração de que cada qual tende a se apoderar das
coisas que julga boas. Mas os bens são múltiplos não espacial, mas qualitativa. A variedade
dessa grandeza, por nós constatada, exige a suma grandeza, da qual todas as outras são
participação gradual. A terceira não deriva de um aspecto particular da realidade (bondade
ou grandeza), mas do ser simplesmente. Eis a formulação de Anselmo: ‘Tudo aquilo que
32
existe, existe em virtude de alguma coisa ou em virtude de nada. Mas nada existe em
virtude de nada, isto é, do nada não provem nada. Assim, ou se admite a existência do ser
em virtude do qual as coisas existem ou nada existe.’ A quarta deriva da constatação dos
graus de perfeição, apoia-se sobre a hierarquia dos seres e exige que exista uma perfeição
primeira e absoluta.”
(REALE, 2003, p. 149-151)
O trecho acima apresenta sinteticamente um resumo das quatros primeiras provas sobre
a natureza de Deus apresentada por Santo Anselmo no Monologion. É correto afirmar que
o objetivo de Santo Anselmo nessa obra foi
6. Nas Meditações à Filosofia Primeira, o filósofo René Descartes afirma que a essência
do homem está plenamente expressa em sua capacidade de pensar através do celebre
enunciado “cogito, ergo, sum”. Diz o filósofo “para fazer conhecer que o eu que pensa é
uma substância imaterial e não tem nada de corpóreo e são duas coisas muito diferentes.
De resto, é uma coisa tão simples e tão natural inferir que se existe do fato de duvidar, que
poderia ter saído da caneta de qualquer um”. Dessa forma, para Descartes o homem é um
ser que possui duas naturezas extremamente distintas entre si, já que uma é imaterial e a
outra não o é.
Tendo por base essas e outras informações, identifique a alternativa correta que caracteriza
as duas realidades do ser humano segundo Descartes.
a) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res cogitans e a res extensa ou
seja, a realidade pensante e a realidade corporal.
b) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res matéria e a res animale, ou
seja, a realidade corporal e a realidade material.
c) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res cogitans e a res anima, ou
seja, a realidade pensante e a realidade da alma.
d) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res extensa e a res universal,
ou seja, a realidade corporal e a realidade universal.
e) Segundo Descartes, o homem possui duas substâncias: a res cogitans e res universal,
realidade da alma e do universo.
7. “E assim, a ideia de Deus permanece a única em que se deve considerar se há algo que não
poderia provir de mim. Entendo pelo nome Deus certa substância infinita, independente,
eterna, imutável, sumamente inteligente e sumamente poderosa e pela qual eu mesmo
fui criado e tudo o que mais existente, se existe alguma outra coisa. Todas essas coisas são
tais que, quanto mais cuidadosamente lhes presto atenção, tanto menos parece que elas
possam provir somente de mim. Por isso, do que foi dito deve-se concluir que Deus existe
necessariamente. Pois, embora haja em mim certa ideia de substância pelo fato mesmo de
33
que sou substância, não seria, por isso, no entanto, a ideia de substância que fosse deveras
infinita.”
(DESCARTES, Meditações, 2004, p.45)
A partir da leitura do trecho acima, extraído das Meditações à Filosofia Primeira, é correto
afirmar que Descartes tenta demonstrar a existência porque
“Embora, à primeira vista, isto não seja de todo manifesto e tenha, ao contrário, alguma
aparência de sofisma. Pois, como me habituei a distinguir em todas as outras coisas a
existência da essência, facilmente me persuado de que posso separar também em Deus
a existência da essência e, assim, pensar Deus como não-existente. A uma atenção mais
cuidadosa, porém, fica manifesto que a existência de Deus não pode ser separada de sua
essência, tanto quanto não pode ser separado da essência do triângulo que a grandeza
de seus três ângulos é igual à de dois retos, ou da ideia de monte a ideia de vale. E não é
menos contraditório pensar Deus (isto é, o ente sumamente perfeito) falto da existência
(isto é, ao qual falta uma perfeição) do que pensar um monte ao qual falte o vale.”
(DESCARTES, Meditações, 2004, p.66).
a) O trecho de Santo Anselmo é uma prova da existência de Deus a partir do texto bíblico;
o trecho cartesiano é um texto científico.
b) O trecho da obra de Santo Anselmo deu origem à prova ontológica da existência de
Deus; o trecho cartesiano discorda da possibilidade de demonstração da existência de
Deus por via racional.
34
c) Os trechos de Santo Anselmo e de Descartes têm um mesmo objetivo demonstrar a
existência de Deus, por meio da chamada prova ontológica, em que o segundo influenciou
o primeiro.
d) Os trechos de Santo Anselmo e de Descartes têm um mesmo objetivo demonstrar a
existência de Deus, por meio da chamada prova ontológica, em que o primeiro influenciou
o segundo.
e) Os trechos de Santo Anselmo e de Descartes têm um mesmo objetivo demonstrar a
existência de Deus, mas Santo Anselmo o faz por meio da Bíblia; enquanto Descartes o faz
por meio da matemática.
35
03
RELIGIÃO E ÉTICA- A CENTRALIDADE UNIDADE
DO PROBLEMA DO MAL
36
Figura 7: A expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden (Benjamin West)
Disponível em: https://bit.ly/3pMnzwh Acesso em: 25 jan.2021
Como apontado por Abbagnano (2007), a Ética implica considerá-la sobre dois prismas
diferentes: o prisma da conduta humana que deve ser orientada com vistas a atingir um
fim determinado, segundo a natureza, segundo o que se supõe ser próprio da natureza
humana. E uma segunda vertente que preza pela análise da conduta segundo a busca de
um fim; segundo a necessidade de determiná-la para o alcance de um fim. Pois bem, o
que nenhuma dessas duas concepções nos diz é qual é a origem do mal. A necessidade
de normatização e rotinização da ação humana se estabelece única e exclusivamente pela
possibilidade ou mais que isso, pela realidade efetiva daquilo que consideramos o mal.
Soa como evidente ou extremamente óbvio a importância desse tema. Se olharmos
para os lados, para a conjuntura política e social posta em 2020, perceberemos o quanto
37
o tema do mal polariza seja do ponto de vista político, ético, teológico e tantos outros na
atualidade. Um mundo marcado pela violência física contra crianças (trabalho infantil,
pedofilia, exploração sexual), mulheres (estupros, feminicídio), contra o outro étnica ou
racialmente diferente de mim (o racismo e a xenofobia), da forte e cada vez maior e mais
visível degradação ambiental (vide queimadas e destruição de biodiversidades, fauna
e flora, como no caso brasileiro em relação à Amazônia), mais do que nunca o tema e
centralidade do mal ganha novos e decisivos contornos.
Desde já é importante dizer que esta, a origem e efetividade real do mal, é um dos
maiores e mais complexos problemas posto seja do ponto de vista teórico, seja ético,
político, estético e societário e por que não, ambiental, dentre várias outras dimensões
importantes da vida. Escolhemos neste pequeno espaço apresentar duas respostas
clássicas à problemática da origem do mal em nosso contexto.
Sem dúvida alguma é uma das passagens mais bela de toda a obra platônica. O mito
do nascimento do Amor como fruto da união entre dois deuses, o ilimitado e o ilimitado,
Recurso e Pobreza, ajuda-nos a pensar plenamente a condição humana. Uma condição
marcada pelo misto entre o tudo e o nada, entre a grandeza e a pequenez, entre o belo
e o feio, entre o bem o mal. A teoria do conhecimento platônica pressupõe a existência
de duas ordens de realidade no âmbito humano: uma suprassensível composta pelas
realidades ideais ou formas puras. Neste a eidos (forma) do Bem é soberana e condição de
inteligibilidade e verdade para todas as outas. Outro plano, inferior, composto pelo plano
da percepção e das sensações, é o reino do sentido.
38
Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engen-
drar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto
concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo
de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo
tempo que por natureza amante do belo, porque tam-
bém Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e
de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primei-
ramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado
e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descal-
ço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao
desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natu-
reza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segun-
do o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom,
e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre
a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele re-
cursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro,
sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no
mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora
morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e
o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem
empobrece o Amor nem enriquece, assim como tam-
bém está no meio da sabedoria e da ignorância (PLATÃO,
1972, p. 41).
O que são as ideias para Platão? Segundo Chauí (2002), as ideias em Platão possuem
cinco graus ou naturezas: a) noção lógica; b) paradigma epistemológico; c) entidade
real ou ontológica; d) causa eficiente; e) causa final. Enquanto noção lógica, os eidos
são conceitos que permitem formular juízos verdadeiros sobre alguma coisa. Enquanto
entidade real ou ontológica, os eidos são as formas ou essências reais que subjaz o mundo
sensível; sendo totalmente essências ou naturezas primeiras do existente. Podem também
ser compreendidas pela noção de paradigma epistemológico: um modelo ou arquétipo
ideal, imitado pelas coisas sensíveis, que só podem ser cognoscíveis ser conhecermos de
antemão o paradigma que as circunda.
Enquanto causa eficiente, as ideias são realidades que criam e produzem outras
realidades, além de ensejar em nós o desejo do conhecimento e da virtude. A razão é parte
da mesma natureza que o intelecto humano. Por fim, as ideias são também causa final
porque agindo a distância causa nos homens o desejo de conhecer as ideias de Bem,
Bondade e Justiça. Dessa forma, podemos dizer que o erro é algo humano, é uma falha do
conhecimento, da identidade e da composição de uma essência. Isso nada mais é do que a
ignorância, quando o erro é involuntário, ou mentira e falsidade quando o erro é voluntário.
A questão fundamental do erro é que envolve a atribuição de uma essência, predicado ou
qualidades que não pertencem à um determinado objeto.
39
A sensação e a opinião são fontes de erro porque nelas
não sabemos o que predicar a alguma coisa, pois falta-lhe
o conhecimento verdadeiro da participação das ideias,
que permite conhecer a composição dos predicados das
coisas sensíveis. Na sensação e na opinião, confundimos
predicados ou qualidades porque a mobilidade incessan-
te das coisas e as alterações contínuas de nosso corpo
nos fazem confundir o que sentimos e o que pensamos.
Na opinião, somos acostumados de tal maneira com as
aparências das coisas e com o que os outros nos dizem
que continuamente confundimos uma essência com
seus “parentes” e “rivais”, isto é, não encontramos a deli-
mitação ou determinação para o campo indeterminado
das coisas que são semelhantes à coisa percebida ou dita,
nem que são diferentes delas (CHAUÍ, 2002, p. 287-288).
Por isso, podemos apontar como origem do mal para Platão a mistura entre inteligível
e não-inteligível, ilimitado e limitado, finitude e infinitude, ser e não-ser decorrente da
própria natureza humana imperfeita, já que tem como pais o “Recurso e a Pobreza”. O mal
é sempre resultado da decisão voluntária ou involuntária pelo não-ser presentes nas coisas
do mundo sensível.
FIQUE ATENTO
As Ideias formam e representam o centro da teoria do conhecimento e da metafísica pla-
tônica. Podemos afirmar que as ideias possuem cinco naturezas ou sentidos na filosofia de
Platão: a) noção lógica; b) paradigma epistemológico; c) entidade real ou ontológica; d) cau-
sa eficiente; e) causa final.
40
Deus a origem do mal.
41
Figura 9: Santo Agostinho (354-430 d.C)
Disponível em: https://bit.ly/3krSBZ9 Acesso em: 25 jan. 2021
FIQUE ATENTO
O problema do mal é um dos grandes temas enfrentados por Santo Agostinho tanto na vida
pessoal como na trajetória como pensador cristão. Para Agostinho, o mal não existe enquan-
to ente ou ser substancial, sendo qualificado como ausência ou privação de ser. Do ponto de
vista temporal, o mal se apresenta em três naturezas: metafísica-ontológica; ética-moral; e
físico.
42
VAMOS PENSAR?
O desafio filosófico e teológico para tentar resolver o problema da Trindade (como Deus pode
ser ao mesmo tempo Pai, Filho e Espírito Santo), esteve presente em toda trajetória da vida
de Agostinho. Sua solução para o problema da Trindade é paradigmática: Deus é Pai, Filho e
Espírito Santo a partir da relação como pessoa. Não como substâncias distintas e separadas.
Deus é substância única, mas possui relação distinta e pessoal como Pai, Filho e Espírito Santo.
Outro elemento interessante, presente na Imagem 9, é nossa tentativa de reproduzir a ima-
gem física de Santo Agostinho de forma mais realística. Como se sabe, Agostinho nasceu no
Norte da África. É muito provável que Agostinho fosse um homem negro. Esse fato histórico
contrasta plenamente com as várias representações de sua imagem feitas ao longo da histó-
ria como um homem branco.
43
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (CEPERJ/SEDUC-RJ 2015) Para Platão, a filosofia é uma forma de saber que possui um
caráter essencialmente
a) Político.
b) reflexivo e contemplativo.
c) ético-político.
d) Verdadeiro.
e) Mitológico.
a) do amor.
b) do trovão.
c) da felicidade.
d) da beleza.
e) da força.
a) interioridade e iluminação.
b) reminiscência e inatismo.
c) especulação e razão.
d) razão e sentido.
e) revelação e conhecimento.
Sobre Santo Agostinho e seu pensamento, analise as afirmativas a seguir, marque V para
as verdadeiras e F para as falsas.
44
( ) Os bens finitos devem ser usados como meios e não serem transformados em objetos
de fruição e deleite, como se fossem fins.
a) F, V, F, V.
b) V, F, V, F.
c) F, V, V, F.
d) V, V, F, F.
e) F,F,V,V.
5. (Modificada)- (IF-MT-2018) Para Platão, a ideia de Bem torna-se o escopo do que seja
verdadeiro e belo, podemos afirmar sobre o pensamento do filósofo:
45
e) Nenhum dos itens acima podem ser considerados argumentos em torno do problema
da existência de Deus.
7. (ENEM 2018) Não é verdade que estão ainda cheios de velhice espiritual aqueles que nos
dizem: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? Se estava ocioso e nada realizava”,
dizem eles, “por que não ficou sempre assim no decurso dos séculos, abstendo-se, como
antes, de toda ação? Se existiu em Deus um novo movimento, uma vontade nova para dar
o ser a criaturas que nunca antes criara, como pode haver verdadeira eternidade, se n’Ele
aparece uma vontade que antes não existia?”
AGOSTINHO. Confissões, São Paulo: Abril Cultural, 1984.
A questão da eternidade, tal como abordada pelo autor, é um exemplo de reflexão filosófica
sobre a(s)
8. (ENEM 2015) Se os nossos adversários, que admitem a existência de uma natureza não
criada por Deus, o Sumo Bem, quisessem admitir que essas considerações estão certas,
deixariam de proferir tantas blasfêmias, como a de atribuir a Deus tanto a autoria dosbens
quanto dos males. pois sendo Ele fonte suprema de Bondade, nunca poderia ter criado
aquilo que é contrário à sua natureza.
AGOSTINHO. A natureza do Bem. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005 (adaptado).
46
04
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIDADE
PARTE 1 - FILOSOFIA MODERNA
47
Nestes próximos capítulos teremos como ponto central de análise a temática do
conhecimento e da possibilidade de a Razão humana acessar ou possuir os meios para
conhecer o em si, o transcendente. O conhecimento na Modernidade se desenvolve
rapidamente estimulado por eventos históricos, políticos, sociais e econômicos. Esse
rápido desenvolvimento impulsionará a emancipação das diversas ramos e campos do
saber científico em relação à Filosofia. Apesar de não ser o foco dessa obra tratar de temas
políticos e sociais, não podemos e nem devemos negligenciar o peso de eventos como
a chegada dos europeus ao continente americano em 1492 e as novas rotas coloniais,
comerciais e todo impacto que esse processo terá na imagem do planeta Terra e do próprio
homem; o desenvolvimento da Teoria Heliocêntrica desde Kepler em 1543; a condenação
de Galileu pelo Tribunal do Santo Ofício durante a década de 30 do século XVII; as chamadas
Revoluções Burguesas da Modernidade (Inglesa, Americana e Francesa).
Enfim, esses eventos e vários outros fazem parte e estão presentes em toda discussão
que faremos sobre Deus na Filosofia Moderna. O embate entre racionalistas e empiristas, as
resoluções de Kant e Hegel, apenas demonstram o quão decisivo representou esse período
para a formação do mundo atual e da imagem ou crença que se tem na transcendência.
48
De fato, a Ética é a verdadeira entrada da filosofia na mo-
dernidade, pois se oferece liberada do peso de suas tradi-
ções: a da transcendência teológico-religiosa ameaçado-
ra, fundada na ideia da culpa originária e na imagem de
Deus juiz; e da normatividade repressiva da moral, funda-
da na heteronomia do agente porque submetido a fins e
valores externos não definidos por ele. A primeira tradi-
ção coloca a ética sob a teologia do pecado, imaginando
a liberdade como livre-arbítrio e transgressão aos man-
damentos divinos. A segunda, submete a ética as ideias
imaginativas de bom e mau, isto é, a modelos externos
da conduta virtuosa (conforme ao bem) e viciosa (confor-
me ao mal), identificando a liberdade com o poder para
escolher entre valores postos como regras e normas para
o agente moral. (CHAUÍ, 2002, p. 13).
49
cessidade de sua natureza e determina-se por si só
a agir. [...]
VIII. Por eternidade entendo a própria existência
enquanto concebida seguir necessariamente da só
definição da coisa eterna. (SPINOZA, Ética, Parte 1)
50
existir nem ser determinada a operar a não ser que seja
determinada a existir e operar por outra que também seja
finita e tenha existência determinada, e assim ao infinito.
Proposição XXXI – O intelecto em ato, seja ele infinito, as-
sim como a vontade, o desejo, o amor, etc., devem ser refe-
ridos à Natureza naturada e não à naturante.
Proposição XXXIV – A potência de Deus é sua própria es-
sência. (SPINOZA, Ética, Parte 1)
De forma geral, as proposições espinosanas sobre a natureza de Deus são bastante
claras, podendo dizer delas, que chegam a ser auto evidentes em seus significados. Por isso,
as Proposições VII, VIII, XI, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XIX e XX explicitam as principais características
da natureza do divino. Deus, como aqui dito, é um ser substancial, único, infinito, eterno,
indivisível e cuja existência pertence de forma necessária à sua essência. Possui infinitos
atributos, dos quais cada um revela ou exprime uma essência eterna e infinita. Assim como
revela também infinitos modos dos atributos eternos. Além disso, Deus é livre de forma
soberana e age apenas pelo o que ele se autodetermina, como já expresso na Def 7 “É dita
livre aquela coisa que existe a partir da só necessidade de sua natureza e determina-se por
si só a agir.”
Por outro lado, um passo muito importante e original da concepção de Spinoza é a
tese de Deus como ser imanente a todas as coisas. O que significa pensar em Deus como
sendo parte constitutiva e originária de todas as coisas, ainda que não de forma direta ou
transitiva, como definido na Prop. XVIII. Algo existe porque é consequência dos atributos
e modos divinos. Segue-se daí naturalmente a consequência expressa na Prop XXV. “Deus
é causa eficiente da essência e da existência de todas as coisas”. Como única substância
originária e autoprodutora, Deus é o causador da existência e da essência de tudo o que
existe, seja através dos seus atributos ou através de seus modos. A potência divina confunde
com sua própria essência, ou o famoso, Deus pode tudo.
De todas as proposições selecionadas, a que nos parece ter maiores problemas é a
Prop XXVIII. Ela é importantíssima porque descreve a natureza das coisas finitas e como
são criadas e originadas. A dificuldade desta proposição é que ela não explica de que
forma uma causa ou modos infinitos ocorre a passagem para as causas finitas. Prop XXVIII
“Qualquer singular, ou seja, qualquer coisa que é finita e tem existência determinada, não
pode existir nem ser determinado a existir e operar por outra causa, que também seja
finita e tenha existência determinada, e por sua vez esta causa também não pode existir
nem ser determinada a operar a não ser que seja determinada a existir e operar por outra
que também seja finita e tenha existência determinada, e assim ao infinito.” Deus também
é chamado de natura naturans, ou seja, a causa de todas as coisas. Ao passo que os efeitos
de Deus, como o mundo, são conhecidos como natura naturante. A esse respeito assinala
Reale (2005),
51
nito só gera o infinito e o finito é gerado pelo fini-
to. Mas uma coisa fica inexplicada: o modo como
nasceu um finito, no âmbito da infinitude da subs-
tância divina, que se explicita em atributos infinitos,
modificados por modificações infinitas. [...] Spinoza
também chama Deus de natura naturans, o mundo
de natura naturata. Natura naturans é a causa, ao
passo que natura naturata é o efeito daquela causa,
que, portanto, não está fora da causa, mas é tal que
mantém a causa dentro de si. Pode-se dizer que a
causa é imanente ao objeto e, vice-versa, que o ob-
jeto é imanente a sua causa, com base no princípio
de que "tudo esté em Deus" (REALE; ANTISERI, 2005,
p. 19).
FIQUE ATENTO
Sem dúvida alguma, o principal conceito motriz da Ética de Spinoza é sua formulação sobre
a essência de Deus. Por Deus, Spinoza define como um substância existente, única, infinita,
indivisível, incriada, eterna, detentora de infinitos atributos e de infinitos modos. Deus é um
ser imanente, ou seja, que está no interior de cada objeto como parte constitutiva.
Nossa proposta nesta obra tem sido discutir a filosofia da religião no interior da
História da Filosofia. Por isso, temos, ainda que de forma introdutória, trabalhado sempre
na perspectiva do confronto e da apresentação de teses e experiências diferentes de
filosofar e tematizar o problema da existência de Deus. Iniciamos esta quarta unidade de
52
nossa obra apresentando a filosofia de Spinoza. Passaremos neste momento, a exposição
de um filósofo que está diametralmente oposto à Spinoza e o conjunto dos racionalistas,
Jonh Locke. Interessante a destacar que, ambos os autores que escolhemos para discutir a
temática da existência de Deus neste capítulo, nasceram coincidentemente em 1632. Se do
ponto de vista ontológico, Spinoza e Locke assumem posições opostas, eles se aproximam
quando em termos da defesa da Nova Ciência e do conhecimento. Outro ponto de grande
aproximação entre Locke e Spinoza é o compromissos teórico e de vida com a democracia
e valores universais e libertário.
53
O passo seguinte da análise de Locke (1999) é a definição do termo ideia. Pode parecer
simples e talvez sem sentido para nós, compreendermos a importância dessa definição
para os objetivos filosóficos do britânico. Ocorre que, no período inicial de afirmação da
Nova Ciência, havia muita discussão no uso desse conceito. Essas discussões remontam
aos clássicos gregos de Platão e Aristóteles, passando por toda a Idade Média no debate dos
universais. Por isso, de antemão Locke está de acordo com a filosofia cartesiana quando da
definição de ideia como um conteúdo presente atualmente na mente.
A concordância entre Locke e Descartes termina na definição do termo ideia. Como
já visto por nós nesta obra na Unidade 2, Descartes afirmar existir três ideias inatas: EU,
Deus e o mundo. Elas são inatas porque todo o indivíduo goza da percepção intelectual
dessas ideias sem a necessidade de determinar se algo além disso exista. A ideia de Deus
por exemplo, é inata já que enquanto a pressuposição de um ser sumamente perfeito,
portanto diferente de mim que sou imperfeito, Deus necessariamente precisa existir.
A discordância de Locke está fundamentada na crítica de que, crianças e pessoas
com alguma deficiência físicas, não seriam capazes ou não estariam conscientes dessas
ideias. O que seria contraditório um individuo possuir ideias sem estar delas conscientes.
Alias, a existência de povos e comunidades sociais em outros continentes que diferem
do comportamento europeu é clara demonstração que o inatismo não é universal, muito
menos inato.
54
O trecho acima é bastante claro na forma como Locke entende ser a origem do
conhecimento. Todo conhecimento é conhecimento de ideias e se origina na experiência.
Sobre a experiência, esta pode ser de dois tipos: externa, da qual origina-se as ideias simples
como figura, extensão movimento); ou interna, da qual são originadas as ideias simples de
reflexão, prazer, dor e etc. A ação das coisas sobre nosso entendimento ou da forma como
as coisas agem em nós, produzindo as ideias, é classificado por Locke como qualidades.
As qualidades estão divididas em dois modos: as qualidades primárias e a qualidades
secundárias. As qualidades primárias que são ditas como cópias ou correspondentes reais
e efetivos das coisas, por exemplo, figura, cor, sabor, extensão, movimento. Já as qualidades
secundárias são originárias da combinação pela mente de diversas qualidades primárias.
Nesse sentido, as qualidades secundárias têm um caráter mais subjetivo.
Outra capacidade já antevista do entendimento humano é o de produzir ideias de
ideias, ou ideias complexas. Em Locke (1999), a razão humana está totalmente passiva diante
das ideias simples, vistas como resultado da ação da experiência sobre nossos sentidos.
Mas uma vez, a mente tendo recebido tais ideias, atua de forma a combinar e produzir
outros tipos de ideias, as complexas. Ou mesmo de separar ideias que estão unidas entre si,
criando assim as ideias gerais. As ideias complexas são divididas em três grupos: a) ideias de
modo – como os objetos da sensação, espaço, número; das ações de reflexão, julgamento;
b) das ideias de substância – corpóreas, espirituais e Deus; c) das ideias de relação – como
grandeza, causalidade, identidade, moralidade e etc.
A conclusão de toda essa exposição é que para Locke (1999), o conhecimento
é simplesmente o acordo ou desacordo entre as ideias e a origem dessas ideias na
experiência ou na mente. A concordância ou discordância pode ser atestada por intuição
ou demonstração. De modo que, o conhecimento que temos do mundo e das coisas nele
são imediatos, dados pela sensação; ao passo que o conhecimento que possuímos de nós
é auto evidente, sendo, portanto, intuitivo. Já o conhecimento de Deus, Locke aponta como
sendo demonstrativo, ou seja, é feito a partir de inferências.
55
Já o conhecimento demonstrativo de Deus é dado de forma diferente ao caminho
cartesiano. Locke (1999) faz questão demarcar a inexistência de ideias inatas de qualquer
natureza, dentre elas a do próprio Deus. “Embora Deus não nos tenha dado ideias inatas
de si próprio e não tenha estampado caracteres originais em nossas mentes, pelos quais
pudéssemos ler seu ser, tendo, não obstante, nos fornecido estas faculdades de que nossas
mentes são dotadas”. Na ausência de ideias inatas e de intuições objetivas do próprio Deus,
Locke aponta para um raciocínio dedutivo de tão forte e grande certeza quando seriam as
construções da matemática. Deus existe porque o nada não pode originar algo real. Em
outras palavras, o ser, aquilo que é, portanto, existente, não pode ter como origem o vazio
de ser, o inexistente.
FIQUE ATENTO
Para John Locke, o conhecimento de Deus é algo certo e indubitável, sendo até mais evidente
do que os conhecimentos que obtemos pelos nossos sentidos. A demonstração da existência
de Deus obedece em Locke, uma lógica intuitiva. Se há algo, e todos nós sabemos que algo
existe, já que podemos percebê-los pelos nos-sos sentidos, então necessariamente existe o
56
ser criado de algo. Esse ser deve ser perfeito e eterno, uma vez que o nada não pode ser ori-
gem de algo.
VAMOS PENSAR?
John Locke é celebrado como um dos grandes teóricos e idealizador das modernas demo-
cracias que emergiram nas sociedades ocidentais a partir das revoluções científicas, políti-
cas, econômicas, sociais e culturais deflagradas entre os séculos XVII e XIX. A obra de Locke
foi diretamente influenciada pela Guerra Civil Inglesa (dos séculos XVI e XVII), que opôs os
defensores da Monarquia absolutista e os defensores da soberania do Parlamento, como
legítimo representante dos homens. Locke esteve ao lado das forças parlamentares que, em
1688, com a chamada Revolução Gloriosa, limitam o poder do monarca, através de um regi-
me político conhecido como Monarquia parlamentarista. Mais do que isso, a obra de Locke
desmantelou os fundamentos do chamado Antigo Regime, baseado na soberania externa
e divina do poder. Defendendo a comunidade dos homens como fonte originária do poder.
Nesse sentido, Locke reforça um jeito de pensar a política que emergir na Modernidade com
Maquiavel, ao deslocar a soberania da exterioridade para a interioridade da comunidade
humana, além de reforçar os fundamentos do regime democrático e da soberania popular.
57
FIXANDO O CONTEÚDO
1. A filosofia na Modernidade foi marcada pela presença, convergência e oposição de duas
correntes filosóficas que, dentre outras coisas, estão na origem e na difusão da Nova Ciência.
Racionalistas e Empiristas, como Descartes e Bacon, são parte de um mesmo processo
histórico que encontrarão no Iluminismo ou o Século das Luzes, seu ápice e desfecho em
termos filosóficos, científicos, tecnológicos, políticos, econômicos, culturais, e por quê não
dizer, civilizacional.
Além de Descartes e Bacon, podemos apontar como pensadores representativos das duas
principais correntes filosóficas da Modernidade mencionadas acima:
2. Benedictus de Spinoza e Jonh Locke são dois pensadores representativos do que melhor
o espírito de revolução científica e social produziram no século XVII e coincidentemente
nasceram no ano de 1632. Se do ponto de vista ontológico, Spinoza e Locke assumem
posições opostas, há forte aproximação quando o assunto é a defesa da Nova Ciência, do
conhecimento e da reforma no saber que ambos pavimentaram e contribuíram para sua
êxito. Outro ponto de aproximação entre Locke e Spinoza são os compromissos teórico e
de vida com mudanças nas estruturas políticas da sociedades de então.
A respeito das mudanças políticas e sociais que aproximaram Spinoza e Locke, aponte a
alternativa correta.
58
fim), criadora de todas as coisas a partir do nada (confundindo Deus e a ação dos artífices
e artesãos), legisladora e monarca do universo, que pode, à maneira de um príncipe que
governa segundo seu bel-prazer, suspender as leis naturais por atos extraordinários de sua
vontade (os milagres) e que pune ou recompensa o homem, criado por Ele à Sua imagem
e semelhança, dotado de livre-arbítrio e destinatário preferencial de toda a obra divina da
criação. Essa imagem faz de Deus um super-homem que cria e governa todos os seres de
acordo com os desígnios ocultos de Sua vontade a qual opera segundo fins inalcançáveis
por nosso entendimento. Incompreensível, Deus se apresenta com qualidades humanas
superlativas: bom, justo, misericordioso, colérico, amoroso, vingador. Ininteligível, oferece-
se por meio de imagens da Natureza, tida como artefato divino ou criatura harmoniosa,
bela, boa, destinada a suprir todas as necessidades e carências humanas e regida por leis
que a organizam como ordem jurídica natural.
Espinosa parte de um conceito muito preciso, o de substância, isto é, de um ser que
existe em si e por si mesmo, que pode ser concebido em si e por si mesmo e sem o qual nada
existe nem pode ser concebido. Toda substância é substância por ser causa de si mesma
(causa de sua essência, de sua existência e da inteligibilidade de ambas) e, ao causar-se
a si mesma, causa a existência e a essência de todos os seres do universo. Causa de si, a
substância existe e age por sua própria natureza e por isso mesmo é incondicionada. Ela
é o absoluto. Ou, como demonstra Espinosa, é o ser absolutamente infinito, pois o infinito
não é o sem começo e sem fim (mero infinito negativo) e sim o que causa a si mesmo e
produz a si mesmo incondicionadamente (infinito positivo). Causa de si inteligível em si
e por si mesma, a essência da substância absoluta é constituída por infinitos atributos
infinitos em seu gênero, isto é, por infinitas qualidades infinitas, sendo por isso uma
essência infinitamente complexa e internamente diferenciada em infinitas qualidades
infinitas. Existente em si e por si, essência absolutamente complexa, a substância absoluta
é potência absoluta de autoprodução e de produção de todas as coisas. A existência e a
essência da substância são idênticas à sua potência ou força infinita para existir em si e por
si, para ser internamente complexa e para fazer existir todas as coisas.
A identidade da existência, da essência e da potência substanciais é o que chamamos
de eternidade: eterno, escreve Espinosa, é o ser no qual a essência, a existência e a potência
são idênticos. A eternidade, portanto, não é um tempo sem começo e sem fim (mera
eternidade negativa) e sim a identidade do ser e do agir (eternidade positiva que nada tem
a ver com o tempo). Ora, se uma substância é o que existe por si e em si pela força de sua
própria potência a qual é idêntica à sua essência, e se esta é a complexidade infinita de
infinitas qualidades infinitas, torna-se evidente que só pode haver uma única substância,
caso contrário teríamos que admitir um ser infinito limitado por outro ser infinito, o que é
absurdo. Há, portanto, uma única e mesma substância absolutamente infinita constituindo
o universo inteiro, e essa substância é eterna porque nela ser e agir são uma só e mesma
coisa. Essa substância é Deus.
À substância e seus atributos, enquanto atividade infinita que produz a totalidade do
real, Espinosa dá o nome de Natureza Naturante. À totalidade dos modos produzidos pelos
atributos, designa com o nome de Natureza Naturada. Graças à causalidade imanente,
a totalidade constituída pela Natureza Naturante e pela Natureza Naturada é a unidade
eterna e infinita cujo nome é Deus. A imanência está concentrada na expressão célebre:
Deus sive Natura. Deus, ou seja, a Natureza. Da imanência decorre que a potência ou o
poder de Deus não é senão a potência ou o poder da Natureza inteira. A ordem natural não
59
é uma ordem jurídica decretada por Deus, e sim a conexão necessária de causas e efeitos
produzidos pela potência imanente da substância.
Compreende-se, então, porque, em lugar das distinções tradicionais entre “por
natureza/por vontade” e “por necessidade/por liberdade”, a única distinção verdadeira
admitida por Espinosa é a que existe no interior da própria necessidade: necessário pela
essência e necessário pela causa. Há um ser necessário por sua própria natureza ou por sua
essência –Deus– e há seres necessários pela causa –os seres singulares, efeitos imanentes
da potência necessária de Deus. Necessidade e liberdade não são ideias opostas, mas
concordantes e complementares, pois a liberdade não é a indeterminação que precede uma
escolha contingente nem é a indeterminação dessa escolha. A liberdade é a manifestação
espontânea e necessária da força ou potência interna da essência da substância (no caso
de Deus) e da potência interna da essência dos modos finitos (no caso dos humanos).
Dizemos que um ser é livre quando, pela necessidade interna de sua essência e de
sua potência, nele se identifica sua maneira de existir, de ser e de agir. A liberdade não é,
pois, escolha voluntária nem ausência de causa (ou uma ação sem causa), e a necessidade
não é mandamento, lei ou decreto externos que forçariam um ser a existir e agir de maneira
contrária à sua essência. Isto significa que uma política conforme à natureza humana só
pode ser uma política que propicie o exercício da liberdade e, dessa maneira, possuímos,
desde já, um critério seguro para avaliar os regimes políticos segundo realizem ou impeçam
o exercício da liberdade.
Extraído de: CHAUI, Marilena. Espinosa: poder e liberdade. En publicacion:
Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO,
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH,
Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de FilosofiaLetras e Ciencias Humanas,
USP, Universidade de Sao Paulo. 2006. Disponível em: https://bityl.co/5knF Acesso em: 26 jan.2021.
A partir da leitura acima do trecho de Chauí, é correto afirmar que a crítica espinosana ao
Antigo Regime tem como fundamento sua ontologia sobre Deus e o ser, para qual Deus é
60
b) um ser transcendente, vingativo e que pune os homens segundo suas ações tidas como
boas ou ruins.
c) um ser imanente que tem no conceito de substância, concebida como um ser em si e
por si, da qual todas as coisas existentes são dependentes porque dela são manifestações,
seu fundamento último em termos metafísicos.
d) um ser imanente que tem no conceito de divindade, que age segundo desígnios
humanos de bondade, livre-arbítrio, cólera, justiça e tantos outros, seu modo de ser.
e) um ser imanente, completamente separado e alheio ao mundo e ao ser.
Leia o texto abaixo extraído do Ensaio sobre Entendimento de John Locke para
responder as questões 6, 7 e 8.
61
certeza que há um Deus. Embora Deus não nos tenha dado ideias inatas de si próprio e não
tenha estampado caracteres originais em nossas mentes, pelos quais pudéssemos ler seu
ser, tendo, não obstante, nos fornecido estas faculdades de que nossas mentes são dotadas,
ele não deixou a si mesmo sem testemunha, deste que temos sentidos, percepção e razão,
e não podemos carecer de uma prova clara dele enquanto nos ocuparmos de nós próprios.
Nem podemos com justeza reclamar de nossa ignorância acerca desta questão importante,
desde que ele nos proveu plenamente dos meios para descobri-lo e conhecê-lo, na medida
em que é necessário ao objetivo de nosso ser e é a grande preocupação de nossa felicidade.
Mas, embora isto seja a verdade mais óbvia que a razão descobriu, e embora sua evidência
seja (se não estou enganado) igual à certeza matemática, apesar disso exige pensamento e
atenção. E a mente deve se aplicar para efetuar uma dedução regular disto, de certa parte
de seu conhecimento intuitivo, ou então ficaremos tão incertos e ignorantes disto como
das outras proposições, que são em si mesmas capazes de demonstração. Para mostrar,
portanto, que somos capazes de conhecer, isto é, estaremos seguros que há um Deus, e
como alcançamos esta certeza, penso que não devemos ir além de nós mesmos e deste
conhecimento indubitável que temos de nossa própria existência. 3. Ele sabe igualmente
que nada pode produzir um ser: portanto, algo deve ser eterno. Além disso, o homem sabe,
mediante certeza intuitiva, que o puro nada não pode produzir mais nenhum ser real, do
que pode se igualar a dois ângulos retos. Se um homem não sabe que a não-existência, ou
a ausência de todo ser, não pode ser igual a dois ângulos retos, é impossível que deva saber
qualquer demonstração em Euclides. Se, portanto, sabemos que há certo ser real, e que a
não-existência não pode produzir nenhum ser real, consiste numa demonstração evidente:
desde a eternidade tem sido algo, desde que o que não existiu desde a eternidade teve um
começo, e o que teve um começo deve ter sido produzido por algo. 4. Que o ser eterno
deve ser o mais poderoso. A seguir, é evidente que o que tinha seu ser e começo de outro
deve também ter tudo que existe e pertence a este ser de outro. Todos os poderes que
têm devem ser devidos e recebidos da mesma fonte. Esta fonte eterna, pois, de todo ser
deve igualmente ser a fonte e origem de todo poder; e, deste modo, este Ser eterno deve
igualmente ser o mais poderoso.
E, portanto, Deus. Deste modo, da consideração de nós mesmos e do que infalivelmente
encontramos em nossas constituições, nossa razão nos conduz ao conhecimento desta
verdade certa e evidente: que há um eterno, mais poderoso e mais cognoscente Ser, que,
se alguém tiver o prazer de denominar Deus, não importa. A coisa é evidente, e, desta ideia
devidamente considerada, facilmente deduziremos todos os outros atributos que devemos
destinar a este Ser eterno. Se, contudo, alguém for descoberto como insensatamente
arrogante, a ponto de supor que unicamente o homem é cognoscente e sábio, embora o
produto de mera ignorância e acaso, e que todo o resto do universo produziu-se apenas
por este cego e puro acaso, deixarei com ele esta muito racional e enfática censura de
Tully (1. II, De Legibus — Das Leis) para ser considerada à vontade: "O que pode ser mais
totalmente arrogante e inconveniente que um homem pensar que tem uma mente e
um entendimento nele, embora em todo o universo fora dele não haja tal coisa? Ou estas
outras coisas, que com o máximo esforço de sua razão pode escassamente compreender,
poderiam ser movidas e dirigidas por nenhuma razão?" 9. Dois tipos de seres: cogitativo
e não-cogitativo. Há apenas dois tipos de seres no mundo que o homem conhece ou
concebe. Primeiro, os puramente materiais, sem sentido, percepção ou pensamento, como
a tosquia de nossa barba e as aparas de nossas unhas. Segundo, seres sensíveis, pensantes
e perceptíveis, como nos revelamos ser. Os quais, se quiserdes, chamaremos daqui em
62
diante de seres cogitativos e não-cogitativos; que, para o nosso presente propósito, se para
nada mais, são talvez melhores termos que material e imaterial. 10. 0 ser não-cogitativo
não pode produzir um cogitativo. Se, então, deve existir algo eterno, vejamos qual o tipo
desse ser. E com respeito a isto é muito óbvio à razão que deve ser necessariamente um ser
cogitativo. Pois é impossível conceber que jamais uma pura matéria não-cogitativa possa
produzir um ser pensante e inteligente, como se o nada pudesse por si mesmo produzir a
matéria.
Extraído de: LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano.
Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 267-269.
6. Com base na leitura do trecho acima, é possível afirmar que, para Locke o conhecimento
que temos da existência de Deus é demonstrativo, sendo impossível a concordância com
ideias inatas. Sobre a possibilidade das ideias inatas, é correto afirmar que
“Portanto, algo deve ser eterno. Além disso, o homem sabe, mediante certeza intuitiva,
que o puro nada não pode produzir mais nenhum ser real, do que pode se igualar a dois
ângulos retos. Se um homem não sabe que a não-existência, ou a ausência de todo ser, não
pode ser igual a dois ângulos retos, é impossível que deva saber qualquer demonstração
em Euclides.”
Com base na leitura desse trecho e de outros fragmentos do texto, podemos afirmar que
8. Outra forma de demonstrar a existência de Deus usada por Locke, é a partir da distinção
entre seres cogitativos e não-cogitativos. Os primeiros são seres sensíveis, pensantes e
perceptíveis; os segundos, são seres puramente materiais, sem sentido, percepção ou
pensamento.
Com base nesta informação e de outras presentes no texto acima, Locke demonstra a
existência de Deus a partir da comparação entre seres cogitativos e não-cogitativos por
a) seres cogitativos e não cogitativos não possuem diferenças significativas entre si.
63
b) um ser não-cogitativo não pode ser causa ou origem de um ser cogitativo.
c) um ser cogitativo pode ter origem em um ser não-cogitativo.
d) Deus é um ser-não cogitativo, portanto, é origem de ambos os seres.
e) Deus é um ser cogitativo, portanto, só pode ser origem dos seres cogitativos.
64
05
DEUS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA UNIDADE
PARTE 2- O SÉC XIX
65
O século XIX inicia-se pressionado pela onda revolucionário em favor de mudança nos
sistemas políticos e econômicos das antigas monarquias europeias. É claramente inegável
o peso e impulso que as revoluções burguesas da Era Moderna exercem quase em todo
mundo. O fascínio de viver e respirar sobre ares democráticos, em que valores liberais da
igualdade perante a lei, a liberdade para agir e produzir, além do direito a representação
política pouco a pouco vão exercendo e transformando as feições do mundo ocidental.
Pari passu a essas mudanças políticas, sociais e culturais, há é claro o impulso dado pela
industrialização e o rápido processo de urbanização das cidades.
Na Filosofia, o século XIX é o contexto de triunfo das grandes sistematizações: inicia-se
com Hegel, com o positivismo de August Comte, e a filosofia de Marx, do desenvolvimento
da ciência, da Biologia, da evolução das espécies de Charles Darwin. Por outro lado, é
também o espaço contraditório de dois contestadores diametralmente opostos: Friedrich
Nietzche e o anúncio da morte de Deus; e por outro lado, do nascimento do existencialismo
pelas mãos de um fervoroso cristão, Soren Kierkegaard.
Vejamos então como a ideia de Deus foi manejada, sendo rejeitada por razões
distintas, na maior parte deste século por grandes filósofos. Começaremos essa trajetória
pelo Idealismo de Hegel, ponto referencial de qualquer discussão sobre filosofia da religião.
Pode parecer ser lugar comum apontar a importância da filosofia de Hegel para o
campo da filosofia da religião. Mais do que importante, a filosofia hegeliana opera uma
mudança estratégica na discussão do transcendental, do supra-humano. Ele deixa de ser
algo externo, distante e exterior ao homem, para ser algo imanente, próprio e constitutivo
do ser na História. A imanência em Hegel é radicalmente diferente da imanência em
Spinoza, tal como expusemos aqui. Em Hegel, o transcendente, chamado por ele de
Absoluto, é parte constitutivo da história do homem. Em Spinoza, o transcendente, Deus, é
parte constitutiva apenas das coisas, podemos assim assinalar a diferença. Para falar sobre
Hegel, contamos com o valioso auxílio das obras do grande filósofo e religioso brasileiro
Lima Vaz (2002).
No discurso fenomenológico, o ético aparece sob a for-
ma de momentos dialéticos no processo da formação da
consciência, aos quais correspondem figuras históricas
que encarnam, em atitude éticas típicas, a lógica daque-
le processo. Na verdade, o discurso fenomenológico, na
estrutura final com que Hegel o redigiu, exprime já – e aí
reside o fundamento de sua natureza lógico-dialética – a
manifestação progressiva do Absoluto como Espírito in-
finito na consciência do sujeito ou do espírito finito e as-
segura assim ao sujeito, uma vez elevado ao nível do Sa-
ber Absoluto, a possibilidade de dizer essa manifestação
segundo a necessidade objetiva do discurso sistemático
(LIMA VAZ, 2002, p. 381-382).
66
A grande novidade hegeliana, em face da revolução filosófica produzida pela obra
de Kant no auge do Iluminismo, é apresentar um caminho para superar a profunda aporia
ou cisão legada pela Crítica da Razão Pura: o conhecimento do Entendimento ou Razão
reduzido à esfera fenomênica, contrastando com o ideal e a inacessibilidade para a busca
e acesso ao absoluto, ao em si ou transcendente por via racional. O absoluto só se torna
atingível como pressuposto e fundamento da ética e da ação humana. Como ressalta
Lima Vaz (2020), com a Fenomenologia, Hegel procura se situar para além dessa aporia
kantiana. E o faz a partir da inscrição da filosofia kantiana como um momento abstrato
desse caminhar do Espírito em direção ao saber absoluto.
67
Percorrer o caminho formativo da consciência até ao Saber Absoluto implica nesse
processo de transformação da própria consciência em objeto. Nessa conjunção do Eu, que
se torna objeto e campo de experimentação e investigação da própria consciência. Mas
não é uma consciência histórica ou simplesmente fenomênica como em Kant. Trata-se de
uma consciência que é história e história em movimento e contradição.
Por meio da dialética, que representa o caminho metodológico, o espirito se move e
se auto-realiza no mundo. Essa auto-realização acontece em três momentos distintos do
caminhar do espírito: o primeiro momento do “em si”, também identificado como tese;
o segundo momento que constitui o “ser outro ou o ser fora de si”, o espaço da negação;
e o terceiro momento, o da superação ou síntese, do “ser que retorna a si” ou do “ser em
si e para si”. Para facilitar nossa compreensão, podemos aplicar a dialética hegeliana ao
ciclo de vida de uma pessoa, por exemplo. O primeiro estágio da vida de cada homem é a
infância; em seguida, juventude, depois fase adulta, por fim a velhice. Para o jovem emergir,
é necessário que a infância seja superada; da mesma forma com o adulto e a velhice.
O itinerário fenomelógico do espírito enquanto consciência individual abrange seis
momentos: Consciência, Autoconsciência, Razão, Espírito, Religião e Saber Absoluto. Cada
uma dessas etapas é constituída por momentos e figuras que representam e implicam na
determinação e superação dessa figura em direção progressiva até o Saber Absoluto. O
Saber Absoluto, como ápice e culminância do sistema hegeliano, representada o momento
em que a oposição Sujeito e objeto é superada.
No Absoluto, os três momentos dialéticos são determinados por: “ideia”, “natureza”
e “espírito”. Em que a ideia tem em si todo o potencial de se engendrar e realizar no
mundo objetivo como natureza. Esse realizar no mundo objetivo é chamado de alienação.
Ao alienar-se como natureza, a ideia supera esse momento e retorna a si mesma, num
estágio superior como espírito; como síntese entre ideia e natureza, entre o ideal, também
chamado de racional, e o real, que podemos nominá-lo de natureza ou mundo. Do ponto
de vista filosófico, a ideia é objeto de estudo da Lógica; a natureza é objeto da Ciência ou
filosofia da natureza; e o espírito é o objeto da Filosofia do Espírito.
O Espírito para Hegel (2011) é na filosofia o conceito de Deus na Religião. O conceito
de espírito é o fio condutor de todo o processo. O que é “espírito” para Hegel? Apesar
da discussão realizada ao longo da Fenomenologia pressupor já a noção de “espírito”,
esse conceito é plenamente desenvolvido no capítulo VI da Fenomenologia. O espírito
representa o momento em que a razão assimila e assume ser ela plenamente realidade
consciente de si mesma. O espirito é totalmente eticidade, no sentido de se contrapor
à razão como objetiva, como fenômeno. O espírito é eticidade porque é o espaço da
finalidade, do sentido, da essência e da substância e liberdade do agir humano
No horizonte do saber absoluto, Hegel (2011) aponta a presença dos três últimos
momentos: as Artes ou cultura, a Religião e a Filosofia. Dizemos que a Religião está a
um passo do Saber Absoluto porque ela é autoconsciência do Absoluto, mas de forma
representativa, portanto imperfeita, não conceitual. Para Hegel, a religião que melhor
exemplifica os momentos do Espírito Absoluto é o Cristianismo. O chamado mistério da
Santíssima Trindade, a encarnação e a comunidade do espírito santo são paradigmáticas
da dialética e do caminhar do Espírito Absoluto. No Cristianismo, Deus é uno, porque é
único, mas se apresenta como momentos distintos. Deus, é o logos, ideia criadora que
se engendra e se autorealiza na natureza, no mundo. A negação desse momento, é dada
pela encarnação de Deus como Cristo. Nesse engendrar e autosuperar, o espírito santo
representa o reencontro, o retorno a si do logos criador.
68
O Saber Absoluto é o momento mais elevado, representado pelo conhecimento da
Filosofia do Espírito, pois é na filosofia que há a superação da autoconsciência do Absoluto
de forma perfeita, como conceito, como Filosofia do Espírito. O Espírito Absoluto possui
três momentos: o espírito subjetivo, como ideia ou aparência do finito no absoluto. É o
momento do espirito como lógica. A lógica é representada pelas ciências da antropologia
(estudo da alma); da fenomenologia (o saber fenomênico da consciência); e a psicologia
(o espírito teórico, o saber do espírito como alteridade). O segundo momento é o espirito
objetivo, aquele que se realiza no mundo e nas organizações civis, na moralidade e nas
instituições de coesão social. O espirito objetivo, autorrealização na natureza ou mundo,
abrange a família, os costumes morais, a organização do Estado em termos político-jurídico.
Por fim, o Espírito Absoluto, autorrealizado e consolidado na história humana por meio
dos diversos eventos históricos, em que a racionalidade e a liberdade foram ampliadas do
Oriente, das civilizações antigas ao civilização greco-romana, e desta para o mundo cristã-
germânico; se realizará e se conhecerá em três ciências: Arte, na Religião e na Filosofia. Na
Arte, Deus se conhece por meio da intuição estética e do sentimento do belo. Na Religião,
o Absoluto se realiza como representação subjetiva e interior de cada sujeito. E a Filosofia
é o momento da superação e reconciliação entre Arte, conhecimento objetivo por via da
intuição estética, e da Religião, conhecimento subjetivo e interior do Absoluto. A Filosofia é
saber Absoluto do próprio Deus.
FIQUE ATENTO
A filosofia de Hegel é uma filosofia extremamente densa, como pudemos ver aqui ainda que
de forma introdutória. O principal conceito que destacamos nesta exposição é o de Espírito. O
Espírito é o movimento, é ponto culminante de toda uma trajetória fenomenológica iniciada
com a Consciência até o Saber Absoluto. Por meio da Dialética (considerada como método e
motor desse caminhar do Espírito, e do movimento na História), o Espírito se desdobra, aliena
e se supera até alcançar o Saber Absoluto. Nessa dimensão, o Espírito está compreendido
em três momentos: subjetivo, como objetividade artística; na religião, como interioridade, na
filosofia, como reconciliação e síntese última e absoluta.
VAMOS PENSAR?
O conjunto da obra hegeliana exerceu e ainda exerce grande influência nos campos da filo-
sofia, do direito, da estética e das artes, da religião e da cultura, além da política. No campo
da política, a obra de Hegel é origem de movimentos à direita liderados por Karl Friedrich
Goschel (1781-1861), Kasimir Conradi (1784-1849) e Georg Andreas Gabler (1786-1853) defenso-
res da compatibilidade entre a filosofia hegeliana e o Cristianismo. Na política, a exaltação
das instituições do Estado prussiano, que resultará na unificação alemã no terceiro quarto
do século XIX. Além é claro da já sempre propalada influência de Hegel sobre alguns dos
principais teóricos das esquerdas no mundo: Ludwig Feuerbach e Karl Marx. Para estes, a
religião está na dimensão mítica, é reflexo e produto da própria ação do homem, não o in-
verso.
69
BUSQUE POR MAIS
Para aprofundar seu conhecimento sobre a vida e filosofia de (HEGEL, 2016), veja nas Biblio-
tecas digitais da Faculdade Única e da Pearson, as seguintes obras:
70
A tese central da filosofia existencialista é a da existência humana tem como essência
na a cultura como apontara Hegel (2018), mas a possibilidade aberta, múltipla e infinitas de
ser. Antes do indivíduo ser alguma coisa, ou seja, ter uma essência, é preciso que ele exista.
E diante da existência, ou como seres existentes, somos indivíduos em plena e constante
angústia diante da vida e na relação com o mundo.
71
A principal característica do homem enquanto ser espiritual é ter consciência de
sua superioridade em relação à espécie humana. Eu, que me reconheço como indivíduo
existente, cuja individualidade é dada pelo nome que cada um recebe ao nascer, possuo
um passado, uma história. E a medida que me reconheço como indivíduo, posso também
identificar outros iguais a mim, e também perceber que faço parte de uma comunidade
maior, a espécie humana. O interessante dessa constatação é que, comparativamente aos
animais, a essência de cada animal está determinada desde seu nascimento, assim como
de uma determinada espécie de vegetal. A natureza, seja a fauna ou a flora, é por excelência
o campo da ciência porque é o reino do necessário. A vida humana, ao contrário, é o reino
da possibilidade, da liberdade, da existência.
72
Para concluir, a objeção principal que Kierkegaard
esgrima contra as ciências naturais (na realidade,
contra o cientificismo positivista) é a seguinte: "Não
se pode absolutamente pensar que um homem, que
tenha refletido sobre si mesmo como espirito, pos-
sa ter a ideia de escolher as ciências naturais (com
matéria empírica) como tarefa de sua aspiração".
Quando se trata de homem de talento, o naturalista
tem faro e é engenhoso, mas não compreende a si
mesmo. Se a ciência se torna modo de viver, então
esse ‘é o modo mais terrível de viver: o de encantar
todo mundo e se extasiar com as descobertas e a
genialidade, sem, no entanto, compreender-se a si
mesmo’ (REALE; ANTISERI, 2005, p. 236).
FIQUE ATENTO
Uma das principais formulações da obra de Kierkegaard e da filosofia da existência é o con-
ceito de angústia. Para nosso filósofo dinamarquês, o conceito de angústia não tem apenas
uma dimensão teórica, mas é antes de tudo um processo de imersão, de dor, sofrimento e de
muita expectativa com o mundo. Alias, a obra de Kierkegaard está diretamente relacionado
à sua vida. Não é exagero algum dizer que sua filosofia é o espelho de sua vida. O sentimento
da angústia é resultado do mergulhar, do compreender que a existência é liberdade e possi-
bilidade de uma infinidade de projetos de vida. Diante do medo de escolher e fracassar nessa
escolha, o indivíduo vive em profunda angústia com o mundo, com o que pode ser enquanto
projeto de vida. Se a angústia é o sentimento típico do homem com o mundo, o desespero é
seu par inverso, sendo o sentimento essencial do homem consigo mesmo. O desespero ofere-
ce essa dimensão de profundidade do erro, das escolhas do ponto de vista pessoal, de uma
existência inautêntica, já que estaria afastada daquele que tudo pode e tudo pode fazer, in-
clusive dar a graça para uma vida autêntica, Deus.
73
FIXANDO O CONTEÚDO
1. O século XIX inicia-se pressionado pela onda revolucionário em favor de mudança nos
sistemas políticos e econômicos das antigas monarquias europeias. É claramente inegável
o peso e impulso que as revoluções burguesas da Era Moderna exercem quase em todo
mundo. O fascínio de viver e respirar sobre ares democráticos, em que valores liberais da
igualdade perante a lei, a liberdade para agir e produzir, além do direito a representação
política pouco a pouco vão exercendo e transformando as feições do mundo ocidental. Na
Filosofia, o século XIX é o contexto de triunfo das grandes sistematizações: inicia-se com
Hegel, com o positivismo de August Comte, e a filosofia de Marx, do desenvolvimento da
ciência, da Biologia, da evolução das espécies de Charles Darwin. Por outro lado, é também
o espaço contraditório de dois contestadores diametralmente opostos: Friedrich Nietzche
e o anúncio da morte de Deus; e por outro lado, do nascimento do existencialismo pelas
mãos de um fervoroso cristão, Soren Kierkegaard.
a) foi marcado pelo triunfo das filosofias individualizantes, como as de Marx e Hegel.
b) foi marcado por um conjunto enorme de mudanças políticas, tecnológicas e culturais,
em que a filosofia foi uma das representações dessas mudanças, com seus sistemas
totalizantes e universalizantes.
c) foi marcado pelo pessimismo e descrença, baixa transformações políticas, econômicas,
culturais e filosóficas.
d) foi marcado pela ascensão dos regimes totalitários, como nazismo e o fascismo.
e) foi marcado pela ascensão de forças conservadoras e extremistas em toda a Europa.
a) Método Dialético.
b) Método Indutivo.
74
c) Método Analítico.
d) Método Dedutivo.
e) Método Experimental.
A Fenomenologia do Espírito é uma obra, por tantos títulos original e mesmo única
dentro da tradição do escrito filosófico, e que assinala em 1807 (o autor contava então 37
anos) a aparição de Hegel no primeiro plano de cena filosófica alemã. A intenção de Hegel
na Fenomenologia é articular com o fio de um discurso científico - ou com a necessidade
de uma lógica - as figuras do sujeito ou da consciência que se desenham no horizonte do
seu afrontamento com o mundo objetivo. "Ciência da experiência da consciência": esse foi
o primeiro título escolhido por Hegel para a sua obra. Na verdade, essas figuras têm uma
dupla face. Uma face histórica, porque as experiências aqui recolhidas são experiências
de cultura, de uma cultura que se desenvolveu no tempo sob a injunção do pensar-se a si
mesma e de justificar-se ante o tribunal da Razão. Uma face dialética, porque a sucessão das
figuras da experiência não obedece à ordem cronológica dos eventos mas à necessidade
imposta ao discurso de mostrar na sequência das experiências o desdobramento de uma
lógica que deve conduzir ao momento fundador da Ciência: ao Saber absoluto como
adequação da certeza do sujeito com a verdade do objeto.
Baste-nos dizer aqui que o propósito de Hegel deve ser entendido dentro da resposta
original que a Fenomenologia pretende ser à grande aporia transmitida pela Crítica da
Razão pura ao Idealismo alemão. Esta aporia se formula como cisão entre a ciência do
mundo como fenômeno, obra do Entendimento, e o conhecimento do absoluto ou do
incondicionado - da coisa-em-si - que permanece como ideal da Razão. O absoluto só
se apresenta para Kant no domínio da Razão prática como postulado de uma liberdade
transempírica, fora do alcance de uma ciência do mundo. Com a Fenomenologia do Espírito
Hegel pretende situar-se para além dos termos da aporia kantiana, designando- a como
momento abstrato de um processo histórico-dialético desencadeado pela própria situação
de um sujeito que é fenômeno para si mesmo ou portador de uma ciência que aparece a
si mesma no próprio ato em que faz face ao aparecimento de um objeto no horizonte do
seu saber. Em outras palavras, Hegel intenta mostrar que a fundamentação absoluta do
saber é resultado de uma gênese ou de uma história cujas adversidades são assinaladas,
no plano da aparição ou do fenómeno ao qual tem acesso o olhar do Filósofo (o para-nós
na terminologia hegeliana) pelas oposições sucessivas e dialeticamente articuladas entre
a certeza do sujeito e a verdade do objeto.
75
na filosofia e à revolução francesa na política. O segundo fio une entre si os momentos dessa
imensa demonstração ou exposição da necessidade imposta à consciência de percorrer a
série das suas figuras - ou das experiências da sua "formação" - até atingir a altitude do
Saber absoluto.
A Fenomenologia apresenta, pois, três significações fundamentais. Uma significação
propriamente filosófica definida pela pergunta que situa Hegel em face de Kant: o que
significa para a consciência experimentar-se a si mesma através de sucessivas formas
de saber que são assumidas e julgadas por essa forma suprema que chamamos ciência
ou filosofia? Uma significação cultural definida pela interrogação que habita e impele o
"espírito do tempo" na hora da reflexão hegeliana: o que significa, para o homem ocidental
moderno, experimentar o seu destino como tarefa de decifração do enigma de uma história
que se empenha na luta pelo Sentido através da aparente sem-razão dos conflitos, ou que
vê florescer "a rosa da Razão na cruz do presente?". Finalmente, uma significação histórica,
definida pela questão que assinala a originalidade do propósito hegeliano: o que significa
para a consciência a necessidade de percorrer a história da formação do seu mundo de
cultura como caminho que designa os momentos do seu próprio formar-se para a Ciência?
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Apresentação. In: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses et.al. 6 ed. Petrópolis, RJ:
Ed Vozes; Bragança Paulista, SP: Ed Universitária São Francisco, 2011.
Com base nas informações acima e na leitura do trecho, assinale a alternativa correta a
respeito da superação da aporia kantiana pela Fenomenologia de Hegel.
a) Hegel supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, com o fim da divisão entre objeto e consciência. O que na
prática significa transformar a etapa do conhecimento fenomênico em uma das etapas do
processo de conhecimento e de acesso ao Absoluto.
b) Hegel não supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, com o fim da cisão entre objeto e consciência.
c) Hegel supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, com a retomada da filosofia dos gregos.
d) Hegel supera a aporia kantiana, que nada mais é do que a negação da Razão para
alcançar o Saber Absoluto, reafirmando a fé e a revelação da Bíblia.
e) Não existe interesse na filosofia de Hegel em superar a aporia kantiana. Portanto, isso
não se constitui em um problema para a Filosofia da Religião.
4. Lima Vaz aponta para a importância de dois fios condutores para o desenvolvimento
e articulação da fenomenologia do Espírito: um histórico, outro teórico-filosófico. Esses
fios são responsáveis por um lado por traçar o processo de formação do sujeito para o
saber, unindo dialeticamente as experiências da consciência que encontram expressões
76
exemplares na história da cultura ocidental. E por outro lado, unir entre si os momentos da
demonstração e da exposição da série das figuras colocadas à Consciência, até que esta,
possa progressivamente, alcançar o Absoluto.
A respeito dos dois fios condutores apontados por Lima Vaz no texto, é correto afirmar que
Com base na leitura do trecho acima, é possível identificar um dos objetivos principais da
obra Kierkegaard, por um lado; e uma pesada crítica ao pensamento de um importante
filosofo, por outro lado. Assinale a alternativa correta.
77
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Hegel.
c) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Marx.
d) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Descartes.
e) O objetivo de Kierkegaard é defender a categoria do indivíduo como importante para a
construção filosófica. Por isso, critica fortemente a filosofia sistemática de Sipinoza.
8. “Em outros termos, o crente não pode filosofar como se a Revelação não houvesse
ocorrido. Com Cristo, tivemos a irrupção do eterno no tempo. E, para o ‘conhecimento Cristo’,
esse é um fato absoluto, que, enquanto tal, não precisa ser demonstrado, pela simples
razão de que os fatos não existem para serem demonstrados, e sim para serem aceitos ou
rejeitados, bem como pelo outro motivo de que, quanto ao absoluto, "não podemos dar
razões: no máximo, podemos dar razões de que não existem razões". O que Kierkegaard
contesta é a "consideração especulativa do cristianismo", ou seja, a tentativa de justificá-
lo com a filosofia. Não se trata de justificar, mas de crer. E, para crer, não é necessário ser
contemporâneo de Jesus. A verdade é que ver um homem não é suficiente para fazer-me
78
crer que aquele homem é Deus. E a fé que me faz ver em um fato histórico algo de eterno:
e, no que se refere ao eterno, ‘qualquer época está igualmente próxima’. A fé é sempre
salto, tanto para quem é contemporâneo de Cristo como para quem não é.”
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo – vol 5.
Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005, p.231.
Com base na leitura do trecho acima de Reale e Antiseri, da relação de Kierkegaard com o
Cristianismo e a filosofia, assinale a alternativa correta.
79
06
FILOSOFIA DA RELIGIÃO NA UNIDADE
CONTEMPORANEIDADE
80
Figura 14: Pastor Martin Luther King Jr. (Discurso na Marcha sobre Washington, 1963)
Disponível em: https://bit.ly/3aRuVKG Acesso em: 30 jan.2021.
A foto escolhida para ilustrar esse capítulo é de muitas formas expressão do espírito
do tempo do século XX. A Marcha sobre Washington liderada, dentre outros, pelo Pastor
ativista negro, Martin Luther King, revela o espírito de rápidas mudanças e transformações
políticas, econômicas, sociais, culturais e religiosas nesse período. O historiador inglês, Eric
Hobsbawm, definiu o século passado, como o breve século XX, em A Era dos Extremos
(2010). Em sua visão, o mundo Contemporâneo que emergiu desse período foi marcado
por três grandes transformações.
A primeira é que o mundo havia se tornado um lugar menos eurocêntrico, com a
perda e o declínio político, econômico e populacional na Europa. Esses fatores estão sem
dúvida alguma na raiz da construção da União Europeia. Além é claro da consolidação de
Estados Unidos, num primeiro momento, e nos últimos 30 anos da China como potência
global. Uma segunda transformação foi o avanço e integração inédito das economias
em todo mundo. Do ponto de vista econômico, há uma grande unidade operacional de
complementariedade, dependência e múltiplas conexões dos mercados globais. Esse
processo é resultado dos enormes avançados no campo tecnológico, da comunicação e
de transportes e logística.
Mas houve e cada vez fica mais patente, a face mais perturbadora de todas essas
transformações: a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano,
e com ela, a quebra entre as gerações, da vinculação entre o passado e o presente. Isso
está cada vez mais evidente com o triunfo dos valores como o individualismo associal,
tem produzido uma sociedade formada por indivíduos egocentrados, desconectado
entre si, em busca da satisfação e prazeres imediatos. Para nós que vivemos na dita era da
conectividade global com a intensificação dada pelo uso contínuo das redes sociais, chega
ser uma constatação terrivelmente desconcertante!
É com esse enorme e multifacetado pano de fundo histórico-cultural, que
apresentamos de forma introdutória parte dos principais debates feitos no campo da
filosofia Contemporânea, especialmente o pensamento que emerge como consequência
e após a Segunda Guerra Mundial. Daremos destaque para a principal corrente filosófica
emergente no pós-guerra: o Existencialismo. Explorando o pensamento de seus dois, dos
mais conhecidos existencialistas, Heidegger e Sartre. Nosso caminho para o mergulho na
filosofia da existência, foi devidamente preparada a partir da apresentação da filosofia de
Kierkegaard.
81
6.1 MARTIN HEIDDEGER - DEUS ALÉM DA CONDIÇÃO
DE SER E TEMPO
Ao longo da exposição de Heidegger (2012), fica claro que o ente que se propõe a
pergunta sobre o sentido do ser é o próprio homem. É uma pergunta que só faz sentido
para quem entende que, como ente, o homem não pode ser visto ou compreendido como
os outros objetos que estão aí no mundo. Ou seja, Heidegger (2012) mostra que a situação
ontológica que marca e determina a vida humana é sua presença no mundo. Mas é uma
presença diferente dos objetos e mesmos das outras pessoas que no mundo estão comigo.
Essa presença é diferente porque o ser ou a “essência” do homem, do ente que se coloca a
questão do sentido do ser, ela é existencial.
82
Dizer que a essência do homem é sua existência, significa que este homem é
liberdade, é possibilidade de estar no mundo. “A presença é um sendo, que em seu ser
relaciona-se com esse ser numa compreensão. Com isso, indica-se o conceito formal de
existência. A presença existe. A presença é ademais um sendo, que sempre eu mesmo sou.
Ser sempre minha pertence à existência da presença como condição de possibilidade de
propriedade e impropriedade.” (HEIDEGGER, 2012, p. 53).
A analítica ontológica do ser é dividida grosso modo por Heidegger em três grandes
momentos: o ser-no-mundo, o ser com os outros; o ser-para-a morte. O primeiro momento,
o ser-no-mundo é caracterizado, podemos dizer, por duas formas de ser ou de estar presente
no mundo. O conceito de mundo é descrito fenomenologicamente por Heidegger como
sendo os entes no interior do mundo. Esses entes dentro do mundo são as coisas, as coisas
naturais e as coisas “dotadas de valor”. Uma primeira forma é constitutiva do ser das coisas,
o ser dos entes materiais e não-racionais. Estes estão no mundo da mesma forma que um
quantidade de água está num copo ou bancos e carteiras escolares dentro de uma sala de
aula. É uma presença no mundo que é um simples estar, dado de forma gratuitamente.
A presença do homem dentro do mundo, ou no mundo, ou em um mundo ela
é radicalmente diferente do estar aí no mundo dos objetos. Essa diferença consiste na
presença do homem no mundo, ser uma presença existencial. Como já destacado, o estar
no mundo dos objetos é algo dado, gratuito e possui essência determinada. A presença do
homem é essencialmente existência, possibilidade de ser, liberdade. É um projeto aberto,
uma folha em branco, diria Locke. O mundo é o espaço de exercício da essência do homem.
Essa essência como já determinado é pura existência e liberdade.
Dizer que o ser do homem no mundo é existencial, é afirmar que sua essência é
um projeto em aberto, indeterminado, portanto, livre. Mas esse projetar-se no mundo
constitui em transcendência, em ir-além. O homem é o ser que se projeta continuamente
para frente, para o futuro, para ser algo. Portanto, o homem é ou pode ser algo que ele se
determinar. Mas é também tempo, ou projetar-se, transcender para o futuro. Para realizar
esse projeto, os objetos materiais do mundo, as coisas de forma ampla, estão numa relação
utilitária ou nos servem como utensílios para nosso fim. O homem deixa de ser um mero
espectador ou analista do mundo para ser e fazer o mundo. Nos parece, neste ponto, a
importância do trabalho e da cultura como espaços para transformar e criar um mundo de
sentido para o homem.
O segundo momento da analítica ontológica é o ser-com-outros. Este momento
tem como determinante assinalar a existência e a presença em igualdade de outros
83
entes conscientes que estão ‘no’, ‘com’ e ‘também’ comigo no mundo. A relação entre os
entes cuja essência é a existência é a igualdade. “Com’ e ‘também’ devem ser entendidos
existencialmente e não categoricamente. À base desse ser-no-mundo determinado pelo
‘com’, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença
é mundo compartilhado. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses
outros é copresença.” (HEIDEGGER, 2012, p. 175).
O encontro com outros não é algo “dado”, numa simples apreensão em que um
determinado sujeito encontra outros sujeitos no mundo porque é capaz de ver, ouvir e
sentir a presença dos outros. O ser-com outros implica necessariamente a presença e a
transcendência do mundo. E no mundo que eu exerço o cuidado, crio e transformo a partir
do trabalho que gera cultura no sentido amplo. O ser-com implica também a dimensão
da corresponsabilidade e do cuidado uns com os outros. Esses cuidados abrangem atos
simples como alimentação, vestuário. Mas o ser-com é diferente do ser com as coisas
objetivas, já que a relação ser-com pressupõe a presença de indivíduos conscientes, livres
e cuja essência é a existência.
84
perder-se nas coisas; c) o terceiro e último elemento é o equívoco. A existência marcada
pelo palavrório e curiosidade resulta no erro e no equívoco com nosso projeto existencial.
O sentimento da angústia é a forma como o homem pode e deve compreender sua
condição de ser finito, de ser-para-a-morte. A angustia não é o medo ou a passividade diante
da espera da morte. Precisa compreender que a morte é a nulidade da vida em sentido
existencial, como projeto. Ou é o nada de qualquer projeto possível. Ao abraçar sua finitude
existencial, o homem consegue existir e viver de forma autêntica. A existência autêntica
pressupõe a tomada de consciência da vida como ser essencialmente existencial e livre. O
homem ao nascer, não nasce determinado a nada previamente. Aquilo que o homem será,
seu projeto de vida ou essência só pode ser dado na existência. Uma existência autêntica
abraça essa condição e vive de forma serena e sem temor da transcendência do ser-para o
fim.
Dessa forma, como conclusão da analítica existencial de Ser e o Tempo, Penzo (1998)
nos lembra que, para Heidegger (2012), Deus é algo não dito no pensamento filosófico. O
que não significa que não se admita sua existência, mas sim que sua presença ou existência,
do ponto de vista filosófico e fenomenológico, é impossível demonstrar.
FIQUE ATENTO
O conceito de ser é o principal elemento da obra de Heidegger. Na analítica ontológica, o ser
é dividido em três grandes partes: o ser-no-mundo, o ser com os outros; o ser-para-a morte.
O primeiro momento, o ser-no-mundo é caracterizado pela presença do homem dentro do
mundo, ou no mundo, ou em um mundo. O mundo é o espaço de exercício da essência do ho-
mem. Essa essência como já determinado é pura existência e liberdade. É um projeto aberto,
uma folha em branco, diria Locke. o conceito de mundo é descrito fenomenologicamente por
Heidegger como sendo os entes no interior do mundo. Esses entes dentro do mundo são as
coisas, as coisas naturais e as coisas “dotadas de valor”.
85
VAMOS PENSAR?
Heidegger entrou para a história da filosofia por dois motivos relevantes e radicalmente
opostos: o primeiro é sua obra existencial que exerce e continua exercendo influência sobre
diversos campos da filosofia, da psicologia, da psicanalise, da arte e outros. Mas também
por sua posição política de adesão ao regime nazista na Alemanha no século XX. Sua ade-
são ao nazismo fora justificada pelo mesmo como forma de frear o avanço do comunismo
e de reerguer uma Alemanha ainda arrasada após os desdobramento da Primeira Guerra.
Em 1933, tornou-se homem de confiança do regime e alçado à posição de Reitor da Univer-
sidade de Freiburg. No ano seguinte, percebendo os rumos e os contornos que regime to-
maria, Heidegger deixa a chefia da Universidade. Apesar de sua adesão ao regime nazista,
Heidegger nunca concordou com a ideia da supremacia da raça ariana sobre as demais
raças. Com a derrota do regime nazista, após o final da Segunda Guerra, Heidegger enfren-
tará um longo ostracismo sendo aposentado e afastado da vida universitária, em função de
sua colaboração ao regime.
A escolha por Heidegger e Sartre como os autores selecionados para fechar nossa
discussão introdutória sobre filosofia da religião, tem como justificativa a trajetória
filosófica e a importância que ambos possuem na Filosofia Contemporânea. Existem
alguns pontos interessantes de convergência e diferenças entre ambos que gostaria de
explorar. Heidegger e Sartre são autores reconhecidos mundialmente por fazerem parte
86
do mesmo campo de pensamento filosófico no século XX, o Existencialismo. Aliás, ao
lado das filósofas Hannah Arendt e Judith Steiner, além do precursor Edmund Husserl
são os pensadores mais proeminentes, da mais influente corrente filosófica deste período.
As obras sobre ontologias de ambos são verdadeiros clássicos da filosofia exploradas em
diversas áreas do saber, da antropologia à psicanalise.
Mas há um elemento de divergência e profunda separação entre eles: o espaço da
política. Enquanto Heidegger, como visto acima, aderiu ao regime nazista na Alemanha
de Hitler, ocupando inclusive postos importantes na universidade alemã, Heitor da
Universidade de Freiburg; Sartre assumiu um outro caminho. O espaço da contestação
e da revolução, a partir da sua adesão e defesa dos movimentos socialistas pelo Mundo.
Como francês, a participação ativa de Sartre nos movimentos da Resistência Francesa à
ocupação alemã, marca positivamente sua trajetória. Ao lado de Merleau-Ponty, funda,
durante a Segunda Guerra, um grupo de intelectuais militantes, Socialismo e Liberdade.
Sartre também é reconhecido por seu enorme talento para a literatura e artes.
87
nhece, pois, a alteridade; não se coloca jamais como
outro a não ser si mesmo; não pode manter relação
alguma com o outro (SARTRE, 2013, p. 39).
Para Sartre (2013), o “ser em si” deve ser definido a partir de três caracteres básicos:
“O ser é. O ser é em si. O ser é o que é. Eis as três características que o exame provisório do
fenômeno de ser nos permite designar no ser dos fenômenos.” O mundo é chamado de
“em si”, porque é pura objetividade. Tudo o que existe no mundo é “em si”, coisas, objetos,
realidade. Esse sentido de ser só é válido para o fenômeno do “em si”. O ser do homem
ou da nossa consciência tem uma dimensão estrutural diferente desta. O mundo é uma
totalidade de objetos dado gratuitamente. Sendo possível determinar sua criação por um
ser ou ente anterior ao próprio mundo.
Não há uma determinação externa ou interna ao “em si”. Ele simplesmente é, uma
espécie de síntese consigo mesmo. Por isso, a dimensão temporal não faz sentido para o
“em si”, para as coisas ou objetos. O “em si” não possui relação com negação ou com os
vir-a-ser da vida porque simplesmente as coisas não foram e muito menos poderão ser.
Ou seja, as coisas, o mundo apenas são em sentido forte e positivo e presente. Não há um
passado ou um futuro. Exemplo disso é que uma laranja é sempre laranja, seja neste ano
ou seja daqui a um ano.
Uma terceira dimensão do “ser em si” é que não pode ser deduzido ou originado
do necessário nem do possível. A necessidade é algo de proposições ideias, não de seres
reais e existentes. Tampouco podemos afirmar que o ‘em si” seja derivado do possível. A
possibilidade pertence ao homem, ao chamado “ser para si”. Resulta daí que o “ser em si”
é incriado, sem relação alguma com outro ser, sendo apenas o que é.
Por paradoxal que seja, e não é, a análise do ser implica de forma necessária pensar
ou conceber o nada. O Nada é a negação, é o espaço daquilo que não é. O Nada, enquanto
estrutura, não pode se dar no interior do “ser-em si”, como visto acima. “O ser em si” apenas
é, não comporta um passado ou presente. “Daí a questão que agora se apresenta com
particular urgência: se o Nada não pode ser concebido nem fora do Ser nem a partir do Ser,
e, por outro lado, sendo não ser, não pode tirar de si a força necessária para "nadificar-se ",
de onde vem o Nada?” (SARTRE, 2013, p. 64).
A resposta à questão acima implica que o Nada seja uma aparência de ser. O Nada
precisa está ancorado em alguma outro ser, em algum outro existente para nadificar-
se. O Nada é algo a partir de um ser que tenha a transcendência ou vazio de ser como
essência. O Nada é uma dimensão fundamental da estrutura ontológica porque ele
implica a possibilidade da negação. O ser que se coloca a possibilidade da negatividade, da
“nadificação” é o próprio homem. O homem é o ser que origina o nada. A origem do nada
no homem só é possível porque o homem é um ser livre.
O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve nadi-
ficar o Nada em seu Ser, e, assim mesmo, correndo
o risco de estabelecer o Nada como transcendente
no bojo da imanência, caso não nadifique o Nada
em seu ser a propósito de seu ser. O Ser pelo qual o
Nada vem ao mundo é um ser para o qual, em seu
Ser, está em questão o Nada de seu ser: o ser pelo
88
qual o Nada vem ao mundo deve ser seu próprio
Nada. E por isso deve-se entender não um ato na-
dificador, que requeresse por sua vez um funda-
mento no Ser, e sim uma característica ontológica
do Ser requerido. Falta averiguar em que delicada
e estranha região do Ser encontraremos o Ser que
é seu próprio Nada (SARTRE, 2013, p. 65).
A descoberta do Nada como um elemento ontológico e imanente da consciência
humana, revela para Sartre outra faceta essencial da consciência, a presença da angústia.
O homem é o ente que carrega o nada em sua estrutura ontológica. Ao contrário das
coisas e objetos que simplesmente são, no homem é o inverso diríamos. É necessário
que o homem exista para ser alguma coisa. Portanto, ser livre é a essência desse homem,
dessa consciência. Essa consciência da liberdade como fruto do vazio ou do Nada da nossa
consciência é realizada pela experiência da angústia.
A experiência da angústia tem papel decisivo no processo de compreensão do
homem e de sua consciência e do mundo. A angústia é diferente do medo. Este é medo das
coisas, objetos ou situações no mundo. A angustia é experiência ontológica fundamental
diante de mim mesmo. Para Sartre, o mundo só existe ou só faz sentido, se nós enquanto
homens, seres conscientes, percebemos, damos sentido a esse mundo. Dar sentido ao
mundo, significa ter um projeto de vida, de ser algo. O mundo é visto como um conjunto de
utensílios à mão do homem. Mas nossa consciência, não pode ser vista como abertura para
conhecer e se apropriar desse mundo. A consciência é parte constitutiva deste mundo. O
ser de nossa consciência é nossa existência.
89
outros homens engajados pela escolha. Não se trata
de uma cortina entreposta entre nós e a ação, mas
parte constitutiva da própria ação (SARTRE, 1987, p.
15-16).
Mas este ser que percebeu a negatividade como indicativo de um elemento ontológico
importante de si mesmo, porque descortinou a existência do Nada como fundamentado
na própria consciência; além própria angústia como fundamento da liberdade, é o capaz
também de agir ou tomar decisões negativas a si próprio. A tomada de decisões negativas
contra si própria, é definida por Sartre como má-fé. A má-fé é atentado contra mim mesmo,
porque põe em xeque minha estrutura e consciência ontológica daquilo que sou. Ela não
se refere à elementos externos como a mentira é. A má-fé expõe e nega meu próprio ser.
A má-fé difere radicalmente da mentira. “Aceitemos que má-fé seja mentir a si mesmo,
desde que imediatamente se faça distinção entre mentir a si mesmo e simplesmente
mentir. Admitimos que a mentira é uma atitude negativa. Mas esta negação não recai
sobre a consciência, aponta só para o transcendente” (SARTRE, 2013, p. 93). A mentira é
caracterizada pelo fato de o mentiroso ter pleno conhecimento da verdade que esconde.
Não se mente quando não se sabe da verdade; não se mente quando se é vítima de uma
mentira ou quando se está equivocado. A mentira é conduta de transcendência a medida
que pressupõe minha existência, a existência do outro, minha existência para o outro e a
existência do outro para mim. Todo esse processo é obra e concepção de um mentiroso.
Diante do “em si” representado pelo mundo, está o homem. Nominado pelos
existencialistas como o “para-si”, em oposição ao “em si”. O “para-si’ é a consciência que
nós temos de nossa presença e da presença das coisas no mundo. Aliás, o “para-si” está
no mundo, não está fora dele, mas é radicalmente diferente do “em si”. O ser “em si” é
tipicamente um ser essencial, aquilo que é. Por exemplo, um pé de banana está desde o
início destinado a ser um bananeira. O homem, o “para-si” é justamente o oposto do ‘em-
si” porque é liberdade, é vazio de ser, é o nada diante do ser do mundo. Quando dizemos
que a consciência humana é “para-si”, significa que há uma identidade estabelecida
comigo mesmo. Eu que sou, percebo a mim mesmo. É um retorno de alguma maneira ao
cogito, ergo sum cartesiano. O homem é, portanto, liberdade incondicionada, seu projeto
fundamental está aberto e pode ser mudado.
90
ciência de ser; é na angústia que a liberdade está
em seu ser colocando-se a si mesma em questão
(SARTRE, 2013, p. 72).
O homem não é uma consciência que está sozinha no mundo. No convívio e na
experiência, percebemos também que somos, além de consciência de nós mesmos, o
“para-si”, somos consciência para outros, o chamado “ser-para-outros”. Esse outro não faz
parte mim, porque não se encontra em minha estrutura ontológica. Diante do outro, eu
estou na mesma condição que os objetos inanimados estão para comigo, eu me torno
“em-si”, sou objeto em alguma dimensão. Estou na posição de “em-si”, ou de objeto porque
o “outro” assim o faz com seu olhar. A captação que tenho do outro é empírica mediata
pelo “em-si” que cada um de nós nos tornamos para o outro. Este “em-si” é dado pelo nosso
corpo. “O que encaro constantemente através de minhas experiências são os sentimentos
do Outro, as ideias do Outro, as volições do Outro, o caráter do Outro. É porque, com efeito,
o Outro não é somente aquele que vejo, mas aquele que me vê. Encaro o Outro enquanto
sistema conexo de experiências fora de alcance, no qual figuro como um objeto entre
outros” (SARTRE, 2013, p. 297).
Apesar disso, é justo e necessário ressaltar a dimensão da liberdade e da
incondicionalidade desta. No histórico debate filosófico se existência ou essência tem
precedência, para Sartre e os existencialistas é muito claro: o homem é antes de mais nada
existência. Essa existência é liberdade, porque não há determinação de um projeto de vida
ou de ser para qualquer um de nós. Eu estou obrigado a querer a minha liberdade e a
liberdade do outro, porque estamos juntos no mundo e somos corresponsáveis um pelo
outro.
Mas minha liberdade e a do outro não está determinada apenas pelo nosso projeto ou
desígnios. Nesse aspecto, Sartre recupera e relaciona sua filosofia ao chamado materialismo
histórico. Meu projeto de vida pode e é determinado pelas condições objetivas de vida,
em termos econômicos e socias. Por isso, é necessário que o homem atue no campo
da ação política para tornar possível a realização de seu projeto de vida. Ou em outros
termos, para que ele não seja atrapalhado ou condicionado pela falta de oportunidades
de emprego, saúde, moradia, educação, cultura, cuidado com o meio ambiente e tantos
outras dimensões fundamentais para garantir a vida em abundância e plenitude.
Por fim, encerramos essa obra recuperando algumas importantes palavras proferidas
por Sartre, na Conferência “Existencialismo é um Humanismo”, em 1945, numa França
recém-saída da Segunda Guerra Mundial, em que o projeto existencialista é destacado
como uma grande construção a favor do homem, da responsabilidade com a sua vida e de
seus semelhantes, e da transformação necessária para tornar o mundo um ambiente mais
propício para o florescimento do que melhor somos capazes de produzir e entregar como
seres humanos. O Existencialismo nos lembra que somos aquilo que queremos e podemos
ser. Não há determinação prévia à nossa existência porque não somos determinados a ser
nada de antemão. Nossa vida aponta para um projetar-se continuamente em direção ao
futuro em busca da realização de nosso projeto.
91
Porém, se realmente a existência precede a es-
sência, o homem é responsável pelo que é. Desse
modo, o primeiro passo do existencialismo é o de
pôr todo homem na posse do que ele é de subme-
tê-lo à responsabilidade total de sua existência. As-
sim, quando dizemos que o homem é responsável
por si mesmo, não queremos dizer que o homem é
apenas responsável pela sua estrita individualidade,
mas que ele é responsável por todos os homens. Ao
afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo,
queremos dizer que cada um de nós se escolhe,
mas queremos dizer também que, escolhendo-se,
ele escolhe todos os homens. De fato, não há um
único de nossos atos que, criando o homem que
queremos ser, não esteja criando, simultaneamen-
te, uma imagem do homem tal como julgamos que
ele deva ser. Assim, não teremos nem atrás de nós,
nem na nossa frente, no reino luminoso dos valo-
res, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa.
Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expres-
sar dizendo que o homem está condenado a ser li-
vre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e
como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado
no mundo, é responsável por tudo o que faz (SAR-
TRE, 1987, p. 11-18).
92
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Unioeste/2017) Martin Heidegger (1889-1976) afirmou: “ser homem já significa filosofar”.
Sua tese é a seguinte: O homem se caracteriza pela distinção entre o “é” e as características
de qualquer coisa, ou seja, de qualquer ente; com isso, no encontro cotidiano com os entes,
antecipadamente (antes de encontrá-los e conhecê-los) sabemos (a) que eles são e (b) que
eles não são o “ser”, que são diferentes de sua “existência”. Eis por que todos podemos, a
qualquer instante, nos lançar às perguntas pelo ser dos entes e pelo sentido do ser em
geral, ou seja, às perguntas filosóficas. Independente de filosofarmos expressamente, as
questões e a força para a investigação, portanto, estariam na raiz mesma de nosso ser, e
precedem todo conhecimento e pensamento aplicado.
2. Por reconhecer que o Dasein não é nem espírito, nem substância, Heidegger explica a
estrutura e a constituição do homem como um ser-aí, um ser-no-mundo, por se tratar de
(da):
93
3. A concepção que Heidegger apresentava sobre a Ontologia/Metafísica leva a pensar
que:
a) Para Heidegger, a essência do homem está determinado desde seu nascimento, sendo
seu dasein
b) Para Heidegger, a essência do homem é sua existência, ou seja, para o homem ser algo,
ele precisa existir.
c) Para Heidegger, a essência do homem precede sua existência.
d) Para Heidegger, a essência do homem nunca estará em jogo, já que ela precede sua
existência.
e) Para Heidegger, a essência do homem está determinado da mesma forma que também
estará determinada a essência de uma planta.
94
5. (ENEM) Leia com atenção a citação do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre: [...]
o existencialismo afirma é que o covarde se faz covarde, que o herói se faz herói; existe
sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser covarde, e para o herói, de
deixar de o ser.
a) fruto da sociedade e não pode fugir das limitações naturais dadas por ela, uma vez que
é político por natureza.
b) livre de qualquer determinação, seja de ordem natural ou cultural, pois, apesar de
existirem forças contrárias, o homem é capaz de superar tais limites em um movimento de
autoconstrução.
c) relativamente livre, uma vez que existem determinações de ordem natural que impedem
que o homem faça o que quiser de si.
d) absolutamente livre, uma vez que ele é o único responsável pelo que faz de si mesmo,
tendo em mente que sua vida é resultado de fatores externos e internos.
e) totalmente livre na medida em que segue seus instintos, sendo que liberdade é
possibilidade de escolha de acordo com a natureza própria e anterior que constitui o que
o sujeito é.
Concurso CLDF Consultor Legislativo - Área Redação Parlamentar 2018 - CONCURSO – 1009775
Fundação Carlos Chagas (FCC) Nível Superior. Extraído de Gran Cursos Questões.
Disponível em: https://bit.ly/2ZQpwx1
a) a ideia de liberdade nas ações humanas é ilusória, já que toda ação humana está
condenada.
b) toda ação humana é livre, porque estamos fadados a ser os únicos responsáveis por
aquilo que somos.
c) a liberdade possível para as ações humanas depende das circunstâncias da existência,
não de escolha livre.
d) qualquer ação humana tem sua escolha determinada pelas convenções sociais, e assim
não há escolha livre.
e) a liberdade de escolha nas ações humanas é relativa e cada um tem seu próprio conceito
de liberdade.
95
vem a ser. O primado da existência significa precisamente esse ato de projetar-se, de lançar-
se à frente de si mesmo, de fazer-se e de assumir-se no mundo por via da realização de
alguma possibilidade. Tudo isso está contido na acepção de liberdade originária, espécie
de grau zero da realidade humana entendida fundamentalmente como existência. Não
se trata, como se pensava na tradição filosófica, de compreender a liberdade como uma
faculdade humana, disposição ou capacidade para agir livremente. O caráter absolutamente
originário da liberdade nos leva a entender que ela não é algo que o homem tenha, e sim
algo que ele é. Ora, sendo antes de tudo liberdade, o homem não é propriamente nada
além das possibilidades de ser. É isso que o distingue das coisas e dos animais: não poder
ser concebido na sua integridade essencial antes que o processo contingente de existir o
leve a assumir por si mesmo um projeto de existência que tentará realizar como um modo
de ser no mundo.”
(LEOPOLDO, Franklin Leopoldo e. Sartre: Liberdade e compromisso.
São Paulo: Revista Cult, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3bFfILR
Com base na leitura do trecho acima de Silva, podemos afirmar sobre a filosofia de Sartre
que:
8. “Por isso, O ser e o nada, o tratado de ontologia fenomenológica que Sartre publica
em 1943, elucida principalmente três noções centrais na filosofia da existência:
possibilidade, projeto e contingência. Dizer que o homem é o ser dos possíveis significa
pensá-lo a princípio unicamente como abertura a todas as possibilidades, já que não traz
em si antecipadamente nenhuma determinação. Assumir livremente alguma dessas
possibilidades significa projetar um modo de existir e projetar-se na existência, num
tipo de experiência em que a realidade humana se define muito mais como futuro do
que como passado ou presente. Essa projeção antecipatória de si mesmo implica que o
homem vive, sobretudo, fora de si, à frente de si, vindo a ser aquilo que poderá fazer de si
mesmo a partir de um projeto de existência. Ora, como o homem pode assumir qualquer
possibilidade, já que não está determinado para alguma em particular, isso significa que
todas são igualmente contingentes, isto é, nenhuma o atrai mais do que outra, não está
necessariamente determinado a assumir alguma dentre elas.”
(LEOPOLDO, Franklin Leopoldo e. Sartre: Liberdade e compromisso.
São Paulo: Revista Cult, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3bFfILR
Segundo Silva, a obra ontológica de Sartre, Ser e o Nada, procura elucidar três questões
fundamentais. Assinale a alternativa correta que contenha ambas:
a) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de possibilidade, projeto e contingência.
b) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de possibilidade, projeto e
96
racionalidade.
c) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de possibilidade, felicidade e
objetividade.
d) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de projeto, contingência e felicidade.
e) Ser e o Nada tem como objetivo elucidar as noções de contingência, projeto e objetividade.
97
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 1 UNIDADE 2
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 A
UNIDADE 3 UNIDADE 4
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 A
UNIDADE 5 UNIDADE 6
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 D
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 A
98
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