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Introdução ao

controle de
qualidade em
análises clínicas
Karina Pires Reis

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Definir os tipos de erros e indicadores de qualidade em análises clínicas.


> Diferenciar calibradores e controles em exames analíticos.
> Relacionar os tipos de água utilizados em análises clínicas com suas apli-
cações.

Introdução
Conforme Santos e Zanusso Junior (2015), os laboratórios clínicos têm a missão
de produzir resultados confiáveis de exames, pois uma análise laboratorial bem
realizada contribui para a preservação e/ou a restauração da saúde do paciente
e agrega valor à assistência médica, otimizando a qualidade do serviço prestado.
Para que seja possível monitorar e controlar fontes de erros, os laboratórios devem
realizar o controle absoluto sobre todas as etapas do processo, desde o primeiro
contato com o paciente até a emissão do laudo.
Portanto, a realização do controle de qualidade é imprescindível na rotina
laboratorial. Controle de qualidade são técnicas e atividades operacionais em-
pregadas para monitorar a execução dos requisitos da qualidade especificada,
de acordo com Santos e Zanusso Junior (2015). Para desenvolver um sistema
2 Introdução ao controle de qualidade em análises clínicas

analítico de qualidade, deve-se conhecer quais são os indicadores de qualidade


dos testes analíticos, identificar os erros aleatórios e sistemáticos, realizar a
calibração adequada dos equipamentos, definir os materiais de controle e utilizar
os reagentes específicos para cada análise.
Neste capítulo, você vai conhecer os indicadores de qualidade dos testes labo-
ratoriais e os tipos de erros que podem ser encontrados na rotina do laboratório.
Além disso, vai estudar as diferenças entre calibradores e controles, essenciais
na manutenção da qualidade analítica. Por fim, vai ver os tipos de água, principal
reagente usado nas análises clínicas.

Indicadores de qualidade e tipos de erros


em análises clínicas

Indicadores de qualidade
Os fatores que demonstram o desempenho das análises realizadas no la-
boratório devem ser conhecidos, monitorados e avaliados constantemente.
Veja a seguir os quatro principais indicadores utilizados para determinar a
confiabilidade de um teste laboratorial.

Especificidade — A especificidade diagnóstica de uma análise laboratorial


refere-se à probabilidade de que um resultado seja negativo dado que o
indivíduo não tem a doença para qual o teste foi aplicado (OLIVEIRA; MEN-
DES, 2010). Um teste com alta especificidade indica que há uma quantidade
pequena de falsos positivos, ou seja, o teste é bem específico para a doença
em questão. Geralmente, a especificidade é expressa como a porcentagem de
indivíduos sadios que apresentam testes com resultados negativos (BASQUES,
2016b). A especificidade metodológica refere-se à propriedade do método
analítico de medir somente o analito que se propõe a medir (BASQUES, 2016b).

Sensibilidade — A sensibilidade diagnóstica de uma análise laboratorial


refere-se à probabilidade de que um resultado seja positivo dado que o
indivíduo tem a patologia para qual o teste deve ser aplicado (ANDRIOLO
et al., 2013). Um teste com alta sensibilidade indica que há uma quantidade
pequena de falsos negativos. É geralmente expressa como a porcentagem de
indivíduos com uma doença que apresentam testes positivos (BASQUES, 2016b).
A sensibilidade química refere-se à capacidade de um sistema de medição
em detectar a menor quantidade possível de um analito (BASQUES, 2016b).
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O teste diagnóstico ideal seria aquele com 100% de sensibilidade e


de especificidade. Assim, haveria apenas dois resultados: negativo,
se a pessoa não está doente, ou positivo, se está. Não haveria o falso negativo
ou o falso positivo.
Contudo, isso raramente ocorre. A sensibilidade e a especificidade são
como pratos em uma balança: se ocorre melhora na sensibilidade de um teste,
frequentemente, há a diminuição na especificidade. Em algumas situações, ter
uma sensibilidade de 100% é muito importante, como nas triagens sorológicas
em bancos de sangue, em que os testes são realizados para a prevenção da
transmissão de infecções, conforme a matéria “Sensibilidade e especificidade”,
da Fleury Medicina e Saúde.

O paciente APB, 24 anos, sexo feminino, natural de Porto Alegre,


compareceu, no dia 2 de janeiro de 2021, ao centro médico, logo
após ter contato, na festa de fim de ano, com um familiar diagnosticado com
covid-19. Para verificar se a paciente estava contaminada pelo novo coronavírus,
o médico solicitou a realização do exame RT-PCR. APB, imediatamente após
a consulta, foi até um laboratório de análises clínicas e realizou a coleta da
amostra da nasofaringe.
No dia 5 de janeiro de 2021, APB recebeu o resultado do teste negativo e
continuou com suas atividades cotidianas, sem realizar o isolamento social.
No dia 10 de janeiro de 2021, APB retornou ao centro médico queixando-se de
cefaleia e ausência de olfato há cerca de três dias. Considerando o histórico
de contato da paciente com um familiar diagnosticado com covid-19, o médico
solicitou um novo teste RT-PCR. APB realizou uma nova coleta e, dessa vez,
o resultado do exame foi positivo para a covid-19. Sabendo que o RT-PCR é o
teste padrão-ouro no diagnóstico da doença em razão da sua alta sensibilidade
e especificidade, por qual razão o primeiro teste foi negativo?
Nesse caso, mesmo um teste altamente específico e sensível pode levar a
um resultado falso negativo. Isso aconteceu em função do período em que foi
realizada a coleta do material biológico. O teste RT-PCR apresenta uma espe-
cificidade próxima a 100%, mas a sensibilidade depende da amostra coletada
e do período da doença em que o paciente se encontra, variando entre 63 e
92% (SBPT, 2020). Em geral, recomenda-se que a coleta do swab da nasofaringe
seja realizada a partir do terceiro dia após o início dos sintomas. Quando o
paciente APB realizou o primeiro teste de RT-PCR, ele ainda não apresentava
qualquer sintoma, e a sua exposição ao vírus era recente. No entanto, no mo-
mento do segundo teste, APB estava com cefaleia e ausência de olfato há três
dias. Portanto, mesmo quando um teste possui especificidade e sensibilidade
elevadas, deve-se observar outras variáveis capazes de influenciar no resultado.
Nesse caso, o período da coleta da amostra foi crucial para a entrega de um
resultado confiável.
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Exatidão (acuidade) — A exatidão descreve o quanto um valor encontrado


em uma análise se aproxima do valor verdadeiro do analito (MOTTA; CORRÊA;
MOTTA, 2001). Portanto, ela descreve a capacidade do teste em fornecer um
resultado correto. Quanto mais próximo do valor real do analito for o resul-
tado, mais exata essa análise será considerada. A exatidão pode ser avaliada
e mantida por meio da calibração do instrumento (DAGNINO et al., 2019).

Precisão (reprodutibilidade) — Descreve a habilidade de um método em


produzir resultados próximos entre si quando realizadas determinações
repetidas na mesma amostra com as mesmas condições (DAGNINO et al.,
2019). Portanto, demonstra o quanto um resultado encontrado é reprodutível,
ou seja, o quanto esse resultado se reproduz ao longo de diversas análises
independentes com a mesma amostra. Se um mesmo teste laboratorial for
repetido várias vezes e os resultados encontrados forem iguais ou próxi-
mos uns dos outros, essa medida é considerada precisa. No entanto, se os
resultados variarem muito, é considerada imprecisa. A precisão é expressa
pelo desvio padrão (DP) ou coeficiente de variação (CV) dos resultados num
conjunto de medições replicadas (PNCQ, 2017). Portanto, a precisão pode ser
estimada após uma série de medições de um mesmo material, tendo o seu
DP ou CV calculados (OLIVEIRA; MENDES, 2010). Quanto maior for o DP, menor
é a precisão e vice-versa.

Principais tipos de erros


Segundo a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial,
SBPC/ML (2010, p. 10):

Erro de laboratório: é a falha de uma ação planejada que não se completou como
foi proposta, ou o uso de um plano incorreto para alcançar uma meta, que pode
ocorrer em qualquer parte do ciclo de laboratório (desde o pedido da análise até
o laudo de resultados e sua interpretação) e a reação aos erros.

Erro aleatório — O erro aleatório é aquele que ocorre de forma esporádica em


razão da imprecisão do método. Esse erro pode ser mensurado por meio do
coeficiente de variação (CV), que é expresso na forma percentual, resultando
da razão entre a média dividida pelo desvio padrão multiplicado por 100
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(ANDRIOLO et al., 2013). Os erros aleatórios não podem ser previstos nem
evitados, segundo Xavier, Dora e Barros (2016), pois ocorrem ao acaso e,
portanto, não podem ser corrigidos. Em geral, acontecem durante a fase de
processamento e manipulação da amostra. A magnitude do erro aleatório,
também denominado imprecisão, pode ser caracterizada por meio de medidas
sucessivas de uma mesma amostra para um mesmo parâmetro (ANDRIOLO
et al., 2013).

Erro sistemático — Os erros sistemáticos, ou bias, são aqueles que ocorrem


de maneira regular e constante, como efeito da inexatidão (diferença entre o
valor medido e o valor verdadeiro) do método. Nesse tipo de erro, os valores
dos resultados são deslocados em conjunto e passam a variar em torno de um
valor diferente do real. O erro sistemático pode ser praticamente eliminado
por meio da utilização de métodos otimizados insensíveis ao efeito da matriz
associados ao uso de calibradores aferidos por métodos definitivos ou de
referência (BASQUES, 2016b).
Veja, no Quadro 1, algumas causas dos erros aleatórios e sistemáticos.

Quadro 1. Exemplos de causas de erros aleatórios e sistemáticos

Causas de erros aleatórios Causas de erros sistemáticos

„ Bolhas (em reagentes, tubulações, „ Mudança nos lotes dos reagentes


seringas) e/ou calibradores
„ Reagentes mal homogeneizados „ Reagentes incorretamente
„ Coágulos ou microcoágulos no preparados
pipetador ou na amostra „ Armazenagem inadequada
„ Temperatura instável „ Problemas metodológicos, como
„ Obstruções casuais do efeito matriz
equipamento „ Diluição inadequada de controles
„ Engano (erro que não se repete „ Manutenção ineficiente de
sistematicamente) equipamentos

Fonte: Adaptado de Xavier, Dora e Barros (2016).

Erro total — O erro total corresponde à soma do erro aleatório com o erro
sistemático. A Figura 1 demonstra graficamente os tipos de erros descritos.
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Figura 1. Erros encontrados em análises clínicas. À esquerda, está o valor real. A diferença
entre a média dos valores encontrados e o valor real reflete a inexatidão (erro sistemático),
enquanto a variação dos valores em torno do valor médio reflete a imprecisão (erro aleatório).
A soma dos erros sistemático e aleatório resulta no erro total.
Fonte: Adaptada de Xavier, Dora e Barros (2016).

Calibradores e controles

Calibradores
Calibradores são soluções com concentrações definidas e conhecidas utili-
zadas na calibração dos equipamentos do laboratório. Durante a calibração,
o profissional responsável programa o instrumento com a concentração de
cada analito, de acordo com as informações fornecidas no folheto do kit
fornecido com o calibrador. O equipamento então mede o calibrador e ajusta
a leitura para corresponder aos valores fornecidos e passa a utilizá-los como
referência (LABNETWORK, 2019). Todos os equipamentos e instrumentos de
medição requerem calibração, pois a exatidão pode ser avaliada e mantida
por meio da calibração do equipamento (DAGNINO et al., 2019).
Podem ser utilizados para realizar a calibração:

„ padrão primário: produzidos a partir da substância pura e dissolvidos


em água, geralmente usado em métodos manuais;
„ calibrador único: semelhante ao padrão primário, é utilizado para a
calibração de um único analito;
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„ multicalibradores: usados na calibração de sistemas automatizados,


pois são produzidos a partir de uma matriz proteica e apresentam
viscosidade muito semelhante às amostras humanas. A partir de um
só material, é possível realizar a calibração de vários procedimentos
(BASQUES, 2016b).

O padrão primário e o calibrador único têm aplicação limitada em sistemas


automáticos de análise, pois, em razão das diferenças de viscosidade em
relação às amostras de pacientes, introduzem problemas de repetitividade e
reprodutibilidade. Eles também não são adequados para transferir exatidão
às calibrações dos instrumentos.
A calibração deve ser realizada na aquisição de um equipamento, após as
manutenções, em mudanças de ambiente físico, quando houver a troca de
lotes de reagentes ou conforme a recomendação do manual do fabricante.

A matriz é o meio físico-químico no qual o analito está disperso.


Pode ser, por exemplo, um meio aquoso ou proteico. Efeito matriz
refere-se às interferências causadas pelas substâncias que compõem a matriz
da amostra.

Controles
Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 302 da Anvisa, Brasil
(2005, documento on-line), a amostra controle é o “Material usado com a
finalidade principal de monitorar a estabilidade e a reprodutibilidade de um
sistema analítico nas condições de uso na rotina.” As amostras controle são
utilizadas exclusivamente para fins de controle da qualidade e não devem
ser usadas na calibração. Elas não têm uma concentração exata como os cali-
bradores, e apresentam um valor médio de concentração e faixa de variação
permitida. As amostras controle servem para monitorar a precisão por meio
da reprodutibilidade das leituras. Também são utilizadas na verificação da
integridade da calibração dos equipamentos.
Os controles são testados ao mesmo tempo e da mesma forma que as
amostras dos pacientes (WHO, 2011). Recomenda-se que a passagem dos con-
troles seja periódica, pelo menos uma vez ao dia ou conforme a recomendação
do fabricante, a fim de mensurar a precisão e a exatidão dos analisadores.
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As amostras controle são comercializadas na forma liofilizada e/ou prontas


para uso. Os erros durante a sua preparação e armazenamento devem ser
minimizados pelo uso de água reagente, pipetas calibradas e armazenamento
adequado, para a obtenção dos parâmetros com maior exatidão (LABTEST,
2019).
É fundamental que os laboratórios utilizem, no mínimo, dois controles
com níveis diferentes de concentração, para que as informações tenham
validade na verificação da manutenção dos níveis desejáveis de controle.
Essa recomendação é parte das Boas Práticas de Laboratórios Clínicos (BPLC),
implementadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
(Inmetro) (BASQUES, 2016b). Os controles positivos e negativos também podem
ser usados, especialmente nos setores de microbiologia e de imunologia.
O controle positivo é uma amostra sabidamente positiva, enquanto o controle
negativo é uma amostra sabidamente negativa.
As diferenças entre calibradores e controles estão associadas a suas apli-
cações, e todos os materiais devem ser apropriados para o método analítico
a ser adotado. Veja, no Quadro 2, as principais diferenças entre calibradores
e controles.

Quadro 2. Diferenças entre calibradores e controles

Calibradores Controles

Objetivo Calibrar os Verificar a calibração


equipamentos, e mensurar a precisão
indicando um valor de e a exatidão dos
referência analisadores

Frequência de utilização Na aquisição dos Em geral, diariamente,


equipamentos, após no início da rotina
manutenções, na troca
de lotes de reagentes

Concentração Concentração Concentração


específica e conhecida conhecida com um valor
médio e desvio padrão

Matriz Aquosa em Matriz semelhante à das


procedimentos manuais amostras dos pacientes
e proteica em sistemas
automáticos
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Na aquisição de um equipamento de bioquímica, é necessário realizar


a calibração desse aparelho antes de começar a utilizá-lo. Geral-
mente, é usado um multicalibrador, ou seja, a partir de um só material, é possível
realizar as calibrações de vários analitos, como glicose, ureia, cálcio, colesterol,
fosfato, entre outros. Como o calibrador possui um valor de concentração exato
e conhecido para cada analito, essa quantidade é informada ao equipamento
para que ele a use como referência. O aparelho armazenará na memória essa
referência e a utilizará para calcular os resultados das amostras dos pacientes.
Durante a rotina de uso do equipamento, utiliza-se uma amostra controle
para fins de controle da qualidade, exclusivamente. A amostra controle é ana-
lisada, em geral, uma vez ao dia, junto às amostras dos pacientes. O resultado
da medição dessa amostra deve ser anotado e monitorado continuamente.
Como o controle possui um valor médio conhecido, qualquer alteração fora
dos valores esperados servirá como um alerta para que seja verificado o que
levou a essa variação.

Tipos de água utilizados em análises


clínicas e suas aplicações
A água é um dos principais reagentes utilizados nos laboratórios de análises
clínicas. Ela pode ser usada na reconstituição de reagentes, em diluições,
em soluções brancas ou padrões, na preparação de soluções de enxágue e de
tampões, na confecção de meios de cultura, na alimentação de analisadores
automatizados, na lavagem e na sanitização (MENDES et al., 2011). Entretanto,
a água considerada potável não é indicada para esses usos, pois contém
contaminantes que podem interferir nas análises, como íons inorgânicos,
microrganismos, gases e partículas (BASQUES, 2016a; MENDES et al., 2011).
Por exemplo, o cloro utilizado na água servida à população pode introduzir
erros na determinação de cloretos, interferindo em vários procedimentos
em bacteriologia e enzimologia. Traços de metais aceleram ou inibem várias
reações e podem introduzir erros significativos nas medições de atividades
enzimáticas ou em procedimentos que utilizam enzimas como reagentes
(BASQUES, 2016a).
Segundo Mendes et al. (2011), nos laboratórios clínicos do Brasil, os padrões
estabelecidos pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) são os
mais comumente empregados para determinar os parâmetros para cada tipo
de água. De acordo com a necessidade de cada ensaio, é selecionado o tipo
de água que será utilizado.
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A classificação da água em tipos 1, 2 e 3 está em desuso, embora


ainda seja citada em alguns materiais, conforme Maria Elizabete
Mendes e outros, no artigo “A importância da qualidade da água reagente no
laboratório clínico”, e Caio Pestana Barbosa Lorenzo e outros, no artigo “Métodos
de purificação da água para laboratório”.
Veja a seguir como era a classificação dos tipos de água.
„ Tipo 1: indicada para análises em que é exigida maior precisão e exatidão,
para o preparo de soluções padrão e tampão e para procedimentos em que
a presença de microrganismos seja a menor possível.
„ Tipo 2: indicada para processos em que a presença de bactérias é tolerada.
„ Tipo 3: indicada para a limpeza de vidrarias, para a produção de água de
maiores graus de pureza e para o preparo de culturas bacteriológicas.

A classificação em água reagente tipo 1, 2 e 3 foi ampliada de acordo com


a sua utilização. Veja a seguir como é a classificação pelo CLSI atualmente.

Água reagente para laboratório clínico (clinical laboratory reagent water,


CLRW) — Equivale às águas tipo I e II da antiga classificação. É utilizada em
laboratórios de análises clínicas na reconstituição de reagentes, padrões,
calibradores, branco de reações, lavagem de cubetas e probes (MILLER et al.
2010). A contagem de unidades formadoras de colônias bacterianas (UFCs/
ml) deve ser inferior a 10. Quanto ao material particulado, o filtro no final da
purificação deve remover partículas com diâmetro superior a 0,22 µm. Para
o carbono orgânico total, o nível aceito deve ser inferior a 500 g/g (MENDES
et al., 2011).

Água reagente especial (special reagent water, SRW) — É a água livre de DNA-
ses e RNAses. Por isso, é indicada para utilização nas técnicas moleculares.
As especificações de pureza da SRW são semelhantes às da CLRW. A contagem
de unidades formadoras de colônias bacterianas (UFCs/ml) deve ser inferior a
10. Quanto ao material particulado, o filtro no final da purificação deve remover
partículas com diâmetro superior a 0,22 µm. Para o carbono orgânico total,
o nível aceito deve ser inferior a 50 ng/g (MENDES et al., 2011).

Água para equipamentos (instrumental feed water, IFW) — Água adequada


para a alimentação direta de analisadores automatizados, pois eles podem
ter especificações de diversos parâmetros, de acordo com o fabricante, para
que haja melhor funcionamento com menor número de interferentes (MENDES
et al., 2011).
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O CLSI inclui algumas classificações adicionais; veja a seguir.

„ Água para autoclave e lavagem: a água deve ser purificada e conter


baixos níveis de compostos orgânicos, inorgânicos e material par-
ticulado, que poderiam contaminar soluções e meios de cultura no
processo de autoclavagem.
„ Água fornecida pelo fabricante do método: como diluente ou como
reagente, deve ser empregada apenas com o conjunto diagnóstico e
em nenhuma outra aplicação. Esse tipo de água não substitui as águas
dos tipos CLRW ou SRW.
„ Água purificada fornecida envasada comercialmente: o usuário deve
tomar cuidado com a degradação da água quando estocada e validar
os parâmetros da CLRW ao longo do tempo de utilização dessa água.
Cada novo lote de água envasada deve ser validado antes de seu uso.

Há diversos processos para a produção da água reagente. O laboratório


pode escolher qual método ou combinação de processos de purificação deve
ser utilizado, desde que o produto final atenda às especificações requeridas
pelas normas internacionais. Veja a seguir os métodos mais utilizados para
a purificação da água, de acordo com Mendes et al. (2011).

„ Filtração: filtros de carvão ativado ou de celulose removem partículas


contaminantes da água. Não há eliminação de íons e bactérias.
„ Destilação: utilizada para separar misturas homogêneas do tipo sólido-
-líquido, nas quais os componentes têm pontos de ebulição diferentes.
O vapor da água aquecida é condensado, coletado e armazenado,
removendo grande parte dos contaminantes.
„ Desinfecção por sistema ultravioleta (UV): a água circula no reator de
esterilização. Em contato com a luz, os microrganismos são inativados
pela luz UV.
„ Deionização: é utilizada para remoção de substâncias inorgânicas,
empregando-se colunas com resinas carregadas eletricamente que
permitem a troca seletiva de íons por compostos inorgânicos dissol-
vidos na água.
„ Eletrodeionização: processo contínuo em que a água passa por canais.
Ela migra para o canal de eletrodo, segue por meio de membranas
permeáveis a ânions e cátions (canais de purificação) e, por fim, passa
pelo canal de concentração. O campo elétrico criado faz com que os íons
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removidos transitem por canais, onde ficam concentrados, enquanto


o produto transita por outro canal e é estocado.
„ Microfiltração e ultrafiltração: a membrana, colocada na saída do
sistema de purificação, não permite que qualquer partícula acima de
0,22 µm a atravesse, promovendo uma filtração esterilizante, como a
microfiltração. Mais recentemente, a ultrafiltração foi proposta como
uma forma de eliminar outros contaminantes que a microfiltração não
conseguia eliminar.
„ Osmose reversa: processo de passagem de água através de uma mem-
brana semipermeável em um sistema de alta pressão. Esse sistema
força a passagem da água pela membrana, retendo partículas, com-
postos orgânicos e bactérias. Remove grande porcentagem de todos
os tipos de contaminantes.

Além dos processos de purificação da água, é necessário que haja atenção


ao armazenamento e à distribuição da água no laboratório. Os processos
devem garantir que os parâmetros especificados sejam atendidos e manti-
dos, a fim de evitar possíveis interferentes (ANDRIOLO et al., 2018). A água
reagente não deve ser estocada, mas utilizada quando é produzida, em ra-
zão da contaminação por gases do ambiente e do crescimento microbiano
(MENDES et al., 2011).
Os controles de qualidade da água incluem a determinação da resisti-
vidade e condutividade, a determinação de carbono total (TOC), o controle
microbiológico e a dosagem de endotoxinas (MENDES et al. 2011).

Referências
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14 Introdução ao controle de qualidade em análises clínicas

Leituras recomendadas
FLEURY. Sensibilidade e especificidade. Fleury Medicina e Saúde, 2020. Disponível
em: https://www.fleury.com.br/noticias/precisao-diagnostica. Acesso em: 3 fev. 2021.
LORENZO, C. P. B. et al. Métodos de purificação da água para laboratório. Enciclopédia
Biosfera, v. 15, n. 28, p. 1077-1092, 2018. Disponível em: http://www.conhecer.org.br/
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MENEZES, M. E. Diagnóstico laboratorial do coronavírus (SARS-CoV-2) causador
da COVID-19. SBAC: Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, 2020. Disponível em:
https://www.sbac.org.br/blog/2020/03/30/diagnostico-laboratorial-do-coronavirus-
-sars-cov-2-causador-da-covid-19/#:~:text=Um%20%C3%BAnico%20resultado%20
n%C3%A3o%20detectado,influenciar%20o%20resultado%20do%20exame. Acesso
em: 3 fev. 2021.
SANTOS, C. S. S. et al. Controle de qualidade no Laboratório de Análises Clínicas na
Fase Analítica: a segurança dos resultados. Brazilian Journal Health Review, v. 3, n. 4,
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