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POLÍTICA

Prof. Marcelo Sevaybricker Moreira

22/11/2011

NOTAS DE AULA

Sabei escutar, e podeis ter a certeza de que o silêncio


produz, muitas vezes, o mesmo efeito que a ciência.
Napoleão Bonaparte

O silêncio é um amigo que nunca trai. Confúcio

A palavra é prata, o silêncio é ouro. Provérbio chinês

Quando um burro fala, os outros abaixam as orelhas.


Proverbio Português

SUMÁRIO

Apresentações: turma e professor. .................................... 2


PROGRAMA........................................................................ 1
POLÍTICA - BOBBIO, Norberto. Dicionário de
UNID. 1 - POLÍTICA E PODER..................................................1 Política. Vol. 2 (págs. 954-962) ............................................... 2

Bibliografia ........................................................................ 1 I. O SIGNIFICADO CLÁSSICO E MODERNO DE

Músicas.............................................................................. 1 POLÍTICA .......................................................................... 2

Filme .................................................................................. 1 II. A TIPOLOGIA CLÁSSICA DAS FORMAS DE


PODER .............................................................................. 2
UNID. 2 - PROJETOS POLÍTICOS DA
MODERNIDADE ...............................................................................1 III. A TIPOLOGIA MODERNA DAS FORMAS DE
PODER .............................................................................. 3
Bibliografia: ....................................................................... 1
IV. O PODER POLÍTICO................................................. 4
Filmes: ............................................................................... 1
V. O FIM DA POLÍTICA ................................................... 5
Poesias: ............................................................................. 1
VI. A POLÍTICA COMO RELAÇÃO
UNID. 3 - CRISES E DILEMAS DO MUNDO
AMIGOINIMIGO ............................................................... 6
CONTEMPORÂNEO .......................................................................1
VII. O POLÍTICO E O SOCIAL ....................................... 6
Bibliografia: ....................................................................... 1
VIII. POLÍTICA E MORAL ............................................... 7
Fimes: ................................................................................ 1
IX. A POLÍTICA COMO ÉTICA DO GRUPO ................ 8
LEITURAS OBRIGATÓRIAS .....................................................1

LEITURAS OPCIONAL .................................................................1 03/08/2011 .......................................................................... 9

Sobre Aristóteles .............................................................. 1 A política de Aristóteles............................................................. 9

Sobre Max Weber ............................................................ 1


09/08/2011 .......................................................................... 9

02/08/2011 .......................................................................... 2 Trabalho em grupo de 5 ............................................................. 9


ii SUMÁRIO – POLÍTICA

10/08/2011 ........................................................................ 11 13/09/2011 ........................................................................ 24

Roteiro de Aula: o Conceito de Política – Parte 1 .....11 Roteiro de aula: Jean-Jacques Rousseau e o
republicanismo democrático ................................................ 24
16/08/2011 ........................................................................ 12
1 A vida e a trajetória intelectual .................................. 24
Distinção das formas de governo - Aristóteles .......... 12
2 Contexto histórico-discursivo .................................... 24

17/08/2011 ........................................................................ 13 3 A natureza humana e a crítica da moral e dos


costumes ......................................................................... 24
Roteiro de aula: o conceito de Política – Parte 2A ...13
5 Desigualdade e liberdade .......................................... 25
Conceito de Política - ARISTÓTELES ...............................13
4 O contrato social ......................................................... 25
Conceito de Política – WEBER e BOBBIO .....................14
5 A vontade geral e o princípio da soberania
Questionário para estudo individual - não- popular ............................................................................. 25
avaliativo - unid. 1 ........................................................................14
14/09/2011 ........................................................................ 26
23/08/2011 ........................................................................ 14
Roteiro de aula: Hobbes .......................................................... 26
Filme: Notícias de uma Guerra Particular ......................14 1. A vida intelectual ........................................................ 26

Entrega da avaliação ..................................................................14 2. Contexto científico ..................................................... 26

Roteiro de aula: o conceito de Política – Parte 2B ...14 3. Conceitos fundamentais: .......................................... 26


3.1. Estado de natureza ............................................ 26
24/08/2011 ........................................................................ 15 3.2. Direitos e leis naturais ........................................ 27

Quadro comparativo: dois conceitos de política.......15 3.3. O contrato .......................................................... 27


3.4. Estado civil: ........................................................ 27
Da Liberdade dos Antigos Comparada à dos
Modernos ..........................................................................................16
20/09/2011 ........................................................................ 28

30/08/2011 ........................................................................ 22 Filme: Ônibus 174........................................................................ 28

Roteiro de aula: Maquiavel (1469-1527) e o


21/09/2011 ........................................................................ 28
Republicanismo Moderno .......................................................22
Roteiro de aula: Locke e a Tradição Liberal ................ 29
1 Qual é o lugar de Maquiavel na filosofia
Vida e obra ...................................................................... 29
política? ........................................................................... 22
Estado de Natureza ....................................................... 29
2. Vida de Maquiavel. .................................................... 22
A teoria da propriedade ................................................. 29
31/08/2011 ........................................................................ 22
O contrato social............................................................. 29
3. Para ler Maquiavel ..................................................... 22
27/09/2011 ........................................................................ 30
06/09/2011 ........................................................................ 23
Questionário - 2ª unidade ....................................................... 30
4 Ética e política em Maquiavel ................................... 23

5 O tema da República em Maquiavel ........................ 23 28/09/2011 ........................................................................ 32

6 O tema da fundação contínua da liberdade ............ 23 Apresentação de Trabalho ..................................................... 32

Trab. 01: Hobbes - Racionais Mc's .............................. 32


07/09/2011 ........................................................................ 23
Trab. 02: John Locke – Violência e UPPs .................. 32
Feriado da Independência .......................................................23
Trab. 03: Maquiavel e Rousseau - Corrupção ........... 32
SUMÁRIO – POLÍTICA iii

04/10/2011 ........................................................................ 32 25/10/2011 ........................................................................ 40

Apresentação de Trabalho – Finalização .......................32 Prova em dupla – com consulta – 24 pontos .............. 40

Roteiro de aula: John Stuart Mill (1806-1873) e o


26/10/2011 ........................................................................ 40
liberalismo democrático...........................................................32
Correção da Prova ...................................................................... 40
Contexto .......................................................................... 32

Vida .................................................................................. 32 01/11/2011 ........................................................................ 40


Sobre a liberdade ........................................................... 32
Roteiro: Democracia dos antigos e dos modernos . 40
Considerações sobre o governo representativo ........ 33
Bibliografia:...................................................................... 40
A sujeição das mulheres ............................................... 33
"Da liberdade dos antigos comparada à dos
modernos" ....................................................................... 40
05/10/2011 ........................................................................ 33
Modelos de democracia, David Held........................... 41
Capítulos sobre o socialismo........................................ 33

02/11/2011 ........................................................................ 41
11/10/2011 ........................................................................ 34
Feriado de Finados ..................................................................... 41
12/10/2011 ........................................................................ 34
08/11/2011 ........................................................................ 42
Recesso do Dia das Crianças ...............................................34
AS METAMORFOSES DO GOVERNO
18/10/2011 ........................................................................ 34 REPRESENTATIVO ..................................................................... 42

Roteiro de aula - Mary Wollstonecraft ..............................34 Os princípios do governo representativo .................... 43


1) Os representantes são eleitos pelos governados . 43
Contexto .......................................................................... 34
2) Os representantes conservam uma independência
Síntese biográfica .......................................................... 34
parcial diante das preferências dos eleitores ............ 43
A Obra - Vindication of the Rights of Woman ............ 35 3) A opinião pública sobre assuntos políticos pode se

QUADRO COMPARATIVO LIBERALISMO, manifestar independentemente do controle do

SOCIALISMO, FEMINISMO E REPUBLICANISMO .....36 governo ..................................................................... 44

4) As decisões políticas são tomadas após debate... 45


19/10/2011 ........................................................................ 37
O governo representativo de tipo parlamentar........... 46

Roteiro Karl Marx e a Tradição Socialista ......................37 1) Eleição dos representantes pelos governados...... 46
2) Independência parcial dos representantes ........... 46
1 Contexto ....................................................................... 37
3) A liberdade da opinião pública .............................. 46
2 Caráter secundário ou derivado da esfera da
4) Decisões políticas tomadas após debates ............ 47
política. ............................................................................ 37
A democracia de partido ............................................... 47
3 Formação intelectual .................................................. 37
1) Os representantes são eleitos pelos governados . 47
4 O enigma da política................................................... 37
2) A independência parcial dos representantes ........ 48
5 Capitalismo .................................................................. 37 3) A liberdade da opinião pública .............................. 48

6 O Estado ...................................................................... 37 4) Decisões políticas tomadas após debates ............ 49

7 A utopia da emancipação .......................................... 37 A democracia do público ............................................... 49


1) Os representantes são eleitos pelos governados . 49
Capitalismo, Classes Sociais, Conflito Social e
A personalização da escolha eleitoral .................... 49
Trabalho: a Contribuição de Marx ......................................37
Os termos gerais da escolha eleitoral .................... 50
Operário em construção (Vinícius de Moraes)............39 2) A independência parcial dos representantes ........ 51
iv SUMÁRIO – POLÍTICA

3) A liberdade da opinião pública .............................. 51 22/11/2011 ........................................................................ 68


4) As decisões políticas são tomadas após debates . 52
Prova Global ................................................................................... 68
NOTAS ............................................................................ 52

MINIMALISMO SCHUMPETER MINIMALISMO


SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA
DEMOCRACIA E ESCOLHA RACIONAL ..........................54

Roteiro Governo representativo ..........................................63

Distinto de democracia: ................................................. 63

Os quatro princípios do governo representativo ........ 63

Manin destaca três formas de governo


representativo ................................................................. 63

09/11/2011 ........................................................................ 64

Roteiro Modelos de democracia ..........................................64

Elistismo democrático ou competivo: Max Weber,


Joseph Schumpeter e Robert Michels ........................ 64
Concepção minimalista ............................................. 64

Weber ....................................................................... 64

Schumpeter .............................................................. 64
Michels...................................................................... 64

Escolha racional: Teoria econômica da


democracia...................................................................... 65
Definição de racionalidade ........................................ 65

Democracia............................................................... 65
O problema da aquisição de informações ................. 65
Premissa ................................................................... 65
Paradoxo entre os níveis micro e macro ................... 66
O custo da comunicação........................................... 66
A abstenção eleitoral ................................................ 66

Quatro possibilidades do voto: .................................. 66

Pluralismo: Poliarquia .................................................... 67

Reação acadêmica ao elitismo democrático ............. 67


Ideias básicas ........................................................... 67

15/11/2011 ........................................................................ 67

Feriado – República ....................................................................67

16/11/2011 ........................................................................ 68

22/11/2011 ........................................................................ 68

Trabalho em grupo: A democracia no Brasil e a


reforma política (20 pontos) ...................................................68
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 1

PROGRAMA Filmes:

UNID. 1 - POLÍTICA E PODER 1. Germinal


2. Danton
02/08: APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
03/08: O QUE É POLÍTICA? (ARISTÓTELES E HANNAH ARENDT)
Poesias:
09/08: ATIVIDADE EM EQUIPE (2 PTOS)
1. "O operário em construção" (Vinícius de Moraes).
10/08: O QUE É POLÍTICA? (ARISTÓTELES E HANNAH ARENDT)
2. "Nosso tempo" (Carlos Drummond de Andrade).
16/08: O QUE É POLÍTICA? (ARISTÓTELES E HANNAH ARENDT)
17/08: PODER E POLÍTICA (MAX WEBER E NORBERTO BOBBIO)
23/08: PODER E POLÍTICA (MAX WEBER E NORBERTO BOBBIO)
UNID. 3 - CRISES E DILEMAS DO MUNDO CONTEMPO-
24/08: AVALIAÇÃO INDIVIDUAL (16 PTOS)
RÂNEO
08/11: DEMOCRACIA NO BRASIL E REFORMA POLÍTICA
Bibliografia 09/11: DEMOCRACIA NO BRASIL E REFORMA POLÍTICA: TRA-
Verbete de "Política" no Dicionário de Política (vol. 2), de Norberto BALHO EM EQUIPE (20 PONTOS)
Bobbio (org.) 16/11: SOCIAL-DEMOCRACIA E NEOLIBERALISMO
22/11: CRISE DO CAPITALISMO
Músicas 23/11: AVALIAÇÃO INDIVIDUAL FINAL (30 PTOS)
"Carcará" (João do Vale) E "Vozes da seca" (Luiz Gonzaga) 29/11: ENTREGA DAS NOTAS E AVALIAÇÃO CONJUNTA DA
DISCIPLINA

Filme
Notícias de uma guerra particular Bibliografia:
1. Problemas estruturais do capitalismo, Claüs Offe (cap. seleciona-
dos).

UNID. 2 - PROJETOS POLÍTICOS DA MODERNIDADE


30/08: REPUBLICANISMO (MAQUIAVEL) Fimes:
31/08: REPUBLICANISMO (MAQUIAVEL ROUSSEAU) 1. Adeus, Lênin.
06/09: REPUBLICANISMO (ROUSSEAU) 2. Trabalho interno
13/09: LIBERALISMO (ROUSSEAU)
3. Capitalismo: uma história de amor
14/09: LIBERALISMO (HOBBES)
20/09: LIBERALISMO (HOBBES)
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
21/09: LIBERALISMO (LOCKE)
27/09: ATIVIDADE EM EQUIPE (8 PTOS) BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia (todo o livro)

28/09: ATIVIDADE EM EQUIPE (CONT.) HELD, David. Modelos de democracia (capítulos selecionados)
04/10: LIBERALISMO (JOHN STUART MILL) OFFE, Claüs. Problemas estruturais do capitalismo (capítulos sele-
05/10: FEMINISMO (MARY WOLLSTONECRAFT) cionados)

18/10: SOCIALISMO (KARL MARX) SARTORI, Giovanni. Teoria democrática revisitada (capítulos sele-
19/10: AVALIAÇÃO INDIVIDUAL (24 PTOS) cionados)

25/10: DEMOCRACIA ANTIGA E MODERNA (HELD E BENJAMIN WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política (vol 1) (todo o livro).
CONSTANT)
26/10: DEMOCRACIA LIBERAL ELITISTA (WEBER, SCHUMPE- LEITURAS OPCIONAL
TER, DOWNS)/ DEMOCRACIA LIBERAL PLURALISTA (DAHL) Sobre Aristóteles
01/11: DEMOCRACIA DELIBERATIVA (HABERMAS)/ DEMOCRA-
História da Filosofia, vol. 1, Giovannie Reale (capítulo sobre Aristó-
CIA PARTICIPATIVA teles, seção sobre ética e política);
História da Filosofia Antiga, vol. 2, Giovannie Reale (capítulo sobre
Aristóteles, seção sobre ética e política).
Bibliografia:
1. Liberalismo e democracia, Norberto Bobbio (todo o livro)
Sobre Max Weber
2. Os clássicos da política (vol.1), Francisco Weffort (org.) (todo o
livro) Ensaios de sociologia ("A política como vocação), Weber.

3. Modelos de democracia, David Held (cap. selecionados) Ciência e política ("A política como vocação), Weber.

4. Teoria democrática revisitada, Giovanni Sartori (cap. seleciona- Capitalismo e moderna teoria social, A. Giddens (capítulo sobre
dos). Weber).

Toque de clássicos, Tânia Quintaneiro, (capítulo sobre Weber).


2 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

cado de reflexão sobre a atividade política, equivalendo, por isso, a


02/08/2011 "elementos de filosofia política".
Apresentações: turma e professor. Uma prova mais recente é a que se pode deduzir do uso enraizado
A política é o espaço de opinião, onde o cidadão comum manifesta nas línguas mais difundidas de chamar história das doutrinas ou das
sua opinião. ideias políticas ou, mais genericamente, história do pensamento
político à história que, se houvesse permanecido invariável o signifi-
Soberba  Arrogância  Movimento totalitário. cado transmitido pelos clássicos, teria de se chamar história da
Política, por analogia com outras expressões, como história da
física, ou da estética, ou da ética: uso também aceito
POLÍTICA - BOBBIO, Norberto. por Croce que, na pequena obra citada, intitula Para
Dicionário de Política. Vol. 2 a história da filosofia da política o capítulo dedicado a
(págs. 954-962) um breve excursus histórico pelas políticas moder-
I. O SIGNIFICADO CLÁSSICO E MO- nas.
DERNO DE POLÍTICA
Derivado do adjetivo originado de pólis II. A TIPOLOGIA CLÁSSICA DAS FORMAS
(politikós), que significa tudo o que se refere
DE PODER
à cidade e, conseqüentemente, o que é
urbano, civil, público, e até mesmo sociável O conceito de Política, entendida como forma de
e social, o termo Política se expandiu gra- atividade ou de práxis humana, está estreitamente
ças à influência da grande obra de Aristóte- ligado ao de poder.
les, intitulada Política, que deve ser consi-
derada como o primeiro tratado sobre a Este tem sido tradicionalmente definido como "con-
natureza, funções e divisão do Estado, e sistente nos meios adequados à obtenção de qual-
sobre as várias formas de Governo, com a quer vantagem" (Hobbes) ou, analogamente, como
significação mais comum de arte ou ciência do Governo, isto é, de "conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados"
reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou (Russell).
também normativas, dois aspectos dificilmente discrimináveis, sobre
Sendo um destes meios, além do domínio da natureza, o domínio
as coisas da cidade.
sobre os outros homens, o poder é definido por vezes como uma
Ocorreu assim desde a origem uma transposição de significado, do relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe ao outro a própria
conjunto das coisas qualificadas de um certo modo pelo adjetivo vontade e lhe determina, malgrado seu, o comportamento.
"político", para a forma de saber mais ou menos organizado sobre
esse mesmo conjunto de coisas: uma transposição não diversa Mas, como o domínio sobre os homens não é geralmente fim em si
daquela que deu origem a termos como física, estética, ética e, por mesmo, mas um meio para obter "qualquer vantagem" ou, mais
último, •cibernética. exatamente, "os efeitos desejados", como acontece com o domínio
da natureza, a definição do poder como tipo de relação entre sujei-
O termo Política foi usado durante séculos para designar principal-
tos tem de ser completada com a definição do poder como posse
mente obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades
dos meios (entre os quais se contam como principais o domínio
humanas que se refere de algum modo às coisas do Estado: Políti-
sobre os outros e sobre a natureza) que permitem alcançar justa-
ca methodice digesta, só para apresentar um exemplo célebre, é o
mente uma "vantagem qualquer" ou os "efeitos desejados".
título da obra com que Johannes Althusius (1603) expôs uma das
teorias da consociatio publica (o Estado no sentido moderno da O poder político pertence à categoria do poder do homem sobre
palavra), abrangente em seu seio várias formas de consociationes outro homem, não à do poder do homem sobre a natureza.
menores.
Esta relação de poder é expressa de mil maneiras, onde se reco-
Na época moderna, o termo perdeu seu significado original, substi- nhecem fórmulas típicas da linguagem política: como relação entre
tuído pouco a pouco por outras expressões como "ciência do Esta- governantes e governados, entre soberano e súditos, entre Estado
do", "doutrina do Estado", "ciência política", "filosofia política", etc, e cidadãos, entre autoridade e obediência, etc.
passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou con-
junto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de Há várias formas de poder do homem sobre o homem; o poder
referência a pólis, ou seja, o Estado. político é apenas uma delas. Na tradição clássica que remonta
especificamente a Aristóteles, eram consideradas três formas prin-
Dessa atividade a pólis é, por vezes, o sujeito, quando referidos à
cipais de poder:
esfera da Política atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com
efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado • o poder paterno,
grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um deter-
minado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o • o poder despótico e
tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc; • o poder político.
outras vezes ela é objeto, quando são referidas à esfera da Política
ações como a conquista, a manutenção, a defesa, a ampliação, o Os critérios de distinção têm sido vários com o variar dos tempos.
robustecimento, a derrubada, a destruição do poder estatal, etc
Em Aristóteles se entrevê a distinção baseada no interesse daquele
Prova disso é que obras que continuam a tradição do tratado aristo-
em benefício de quem se exerce o poder:
télico se intitulam no século XIX Filosofia do direito (Hegel, 1821),
Sistema da ciência do listado (Lorenz von Stein, 1852-1856), Ele- • o paterno se exerce pelo interesse dos filhos;
mentos de ciência política (Mosca, 1896), Doutrina geral do Estado
(Georg Jellinek, 1900). • o despótico, pelo interesse do senhor;

Conserva parcialmente a significação tradicional a pequena obra de • o político, pelo interesse de quem governa e de quem é gover-
Croce, Elementos de política (1925), onde Política mantém o signifi- nado, o que ocorre apenas nas formas corretas de Governo, pois,
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 3

nas viciadas, o característico é que o poder seja exercido em be- deste tipo de condicionamento nasce a importância social que
nefício dos governantes. atinge, nos grupos organizados, aqueles que sabem, os sábios,
sejam eles os sacerdotes das sociedades arcaicas, sejam os inte-
Mas o critério que acabou por prevalecer nos tratados jusnaturalis-
lectuais ou cientistas das sociedades evoluídas, pois é por eles,
tas foi o do fundamento ou do princípio de legitimação, que encon-
pelos valores que difundem ou pelos conhecimentos que comuni-
tramos claramente formulado no cap. XV do Segundo tratado sobre
cam, que se consuma o processo de socialização necessário à
o governo de Locke: o fundamento do poder paterno é a natureza,
coesão e integração do grupo.
do poder despótico o castigo por um delito cometido (a única
hipótese neste caso é a do prisioneiro de guerra que perdeu uma Finalmente, o poder político se baseia na posse dos instrumentos
guerra injusta), do poder civil o consenso. mediante os quais se exerce a força física (as armas de toda a
espécie e potência): é o poder coator no sentido mais estrito da
A estes três motivos de justificação do poder correspondem as
palavra.
três fórmulas clássicas do fundamento da obrigação:
Todas estas três formas de poder fundamentam e mantêm uma
• ex natura,
sociedade de desiguais, isto é, dividida em ricos e pobres:
• ex delicio,
• com base no primeiro (poder econômico), em sábios e ignoran-
• ex contractu. tes

Nenhum dos dois critérios permite, não obstante, distinguir o caráter • com base no segundo (poder ideológico), em fortes e fracos,
específico do poder político. Na verdade, o fato de o poder políti-
• com base no terceiro (poder político): genericamente, em supe-
co se diferenciar do poder paterno e do poder despótico por estar
riores e inferiores.
voltado para o interesse dos governantes ou por se basear no con-
senso, não constitui caráter distintivo de qualquer Governo, mas só Como poder cujo meio específico é a força, de longe o meio mais
do bom Governo: não é uma conotação da relação política como tal, eficaz para condicionar os comportamentos, o poder político é, em
mas da relação política referente ao Governo tal qual deveria ser. toda a sociedade de desiguais, o poder supremo, ou seja, o poder
ao qual todos os demais estão de algum modo subordinados: o
Na realidade, os escritores políticos não cessaram nunca de identifi-
poder coativo é, de fato, aquele a que recorrem todos os grupos
car seja Governos paternalistas, seja Governos despóticos, ou
sociais (a classe dominante), em última instância, ou como extrema
então Governos em que a relação entre Governo e súditos se as-
ratio, para se defenderem dos ataques externos, ou para impedirem,
semelhava ora à relação entre pai e filhos, ora à entre senhor e
com a desagregação do grupo, de ser eliminados.
escravos, os quais nem por isso deixavam de ser Governos tanto
quanto os que agiam pelo bem público e se fundavam no consenso. Nas relações entre os membros de um mesmo grupo social, não
obstante o estado de subordinação que a expropriação dos meios
de produção cria nos expropriados para com os expropriadores, não
III. A TIPOLOGIA MODERNA DAS FORMAS DE PODER obstante a adesão passiva aos valores do grupo por parte da maio-
ria dos destinatários das mensagens ideológicas emitidas pela
Para acharmos o elemento específico do poder político, parece
classe dominante, só o uso da força física serve, pelo menos em
mais apropriado o critério de classificação das várias formas de
casos extremos, para impedir a insubordinação ou a desobediência
poder que se baseia nos meios de que se serve o sujeito ativo da
dos subordinados, como o demonstra à saciedade a experiência
relação para determinar o comportamento do sujeito passivo.
histórica.
Com base neste critério, podemos distinguir três grandes classes no
Nas relações entre grupos sociais diversos, malgrado a importância
âmbito de um conceito amplíssimo do poder. Estas classes são:
que possam ter a ameaça ou a execução de sanções econômicas
• o poder econômico, para levar o grupo hostil a desistir de um determinado comporta-
mento (nas relações entre grupos é de somenos importância o
• o poder ideológico e
condicionamento de natureza ideológica), o instrumento decisivo
• o poder político. para impor a própria vontade é o uso da força, a guerra.

O poder econômico é o que se vale da posse de certos bens, Esta distinção entre três tipos principais de poder social se encontra,
necessários ou considerados como tais, numa situação de escas- se bem que expressa de diferentes maneiras, na maior parte das
sez, para induzir aqueles que não os possuem a manter um certo teorias sociais contemporâneas, onde o sistema social global apa-
comportamento, consistente sobretudo na realização de um certo rece direta ou indiretamente articulado em três subsistemas funda-
tipo de trabalho. mentais, que são a organização das forças produtivas, a organiza-
ção do consenso e a organização da coação.
Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de
poder para aqueles que os têm em relação àqueles que os não têm: A teoria marxista também pode ser interpretada do mesmo modo: a
o poder do chefe de uma empresa deriva da possibilidade que a base real, ou estrutura, compreende o sistema econômico; a supra-
posse ou disponibilidade dos meios de produção lhe oferece de estrutura, cindindo-se em dois momentos distintos, compreende o
poder vender a força de trabalho a troco de um salário. sistema ideológico e aquele que é mais propriamente jurídico-
político.
Em geral, todo aquele que possui abundância de bens é capaz de
determinar o comportamento de quem se encontra em condições de Gramsci distingue claramente na esfera supra-estrutural o momento
penúria, mediante a promessa e concessão de vantagens. do consenso (que chama sociedade civil) e o momento do domínio
(que chama sociedade política ou Estado).
O poder ideológico se baseia na influência que as ideias formula-
das de um certo modo, expressas em certas circunstâncias, por Os escritores políticos distinguiram durante séculos o poder espiri-
uma pessoa investida de certa autoridade e difundidas mediante tual (que hoje chamaríamos ideológico) do poder temporal, haven-
certos processos, exercem sobre a conduta dos consociados: do sempre interpretado este como união do dominium (que hoje
4 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

chamaríamos poder econômico) e do imperium (que hoje desig- mo predominante, de usar a coerção e de impor a obediên-
naríamos mais propriamente como poder político). cia apoiados nela... Quando falamos de sistema político, re-
ferimo-nos também a todas as interações respeitantes ao
Tanto na dicotomia tradicional (poder espiritual e poder temporal) uso ou à ameaça de uso de coerção física legítima" (p. 55).
quanto na marxista (estrutura e supraestrutura), se encontram as
três formas de poder, desde que se entenda corretamente o segun- A supremacia da força física como instrumento de poder em relação
do termo em um e outro caso como composto de dois momentos. a todas as outras formas (das quais as mais importantes, afora a
força física, são o domínio dos bens, que dá lugar ao poder eco-
A diferença está no fato de que, na teoria tradicional, o momento nômico, e o domínio das ideias, que dá lugar ao poder ideológico)
principal é o ideológico, já que o econômico-política é concebido fica demonstrada ao considerarmos que, embora na maior parte dos
como direta ou indiretamente dependente do espiritual, enquanto Estados históricos o monopólio do poder coativo tenha buscado e
que, na teoria marxista, o momento principal é o econômico, pois o encontrado seu apoio na imposição das ideias ("as ideias dominan-
poder ideológico e o político refletem, mais ou menos imediata- tes", segundo a bem conhecida afirmação de Marx, "são as ideias
da classe dominante"), dos deuses pátrios à religião civil, do Estado
mente, a estrutura das relações de produção.
confessional à religião de Estado, e na concentração e na direção
das atividades econômicas principais, há todavia grupos políticos
organizados que consentiram a desmonopolização do poder ideo-
IV. O PODER POLÍTICO lógico e do poder econômico; um exemplo disso está no Estado
Embora a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que liberal-democrático, caracterizado pela liberdade de opinião, se bem
distingue o poder político das outras formas de poder, isso não que dentro de certos limites, e pela pluralidade dos centros de
significa que ele se resolva no uso da força; tal uso é uma condição poder econômico.
necessária, mas não suficiente para a existência do poder político.
Não há grupo social organizado que tenha podido até hoje consentir
Não é qualquer grupo social, em condições de usar a força, mesmo a desmonopolização do poder coativo, o que significaria nada
com certa continuidade (uma associação de delinqüência, uma mais nada menos que o fim do Estado e que, como tal, constituiria
chusma de piratas, um grupo subversivo, etc), que exerce um poder um verdadeiro e autêntico salto qualitativo, à margem da história,
político. para o reino sem tempo da utopia.

O que caracteriza o poder político é a exclusividade do uso da Conseqüência direta da monopolização da força no âmbito de um
determinado território e relativas a um determinado grupo social,
força em relação à totalidade dos grupos que atuam num determi-
assim hão de ser consideradas algumas características comumente
nado contexto social, exclusividade que e o resultado de um pro-
atribuídas ao poder político e que o diferenciam de toda e qualquer
cesso que se desenvolve em toda a sociedade organizada, no
outra forma de poder:
sentido da monopolização da posse e uso dos meios com que se
pode exercer a coação física. • a exclusividade,

Este processo de monopolização acompanha pari passu o proces- • a universalidade e


so de incriminação e punição de todos os atos de violência que não
• a inclusividade.
sejam executados por pessoas autorizadas pelos detentores e
beneficiários de tal monopólio. Por exclusividade se entende a tendência revelada pelos detento-
res do poder político ao não permitirem, no âmbito de seu domínio,
Na hipótese hobbesiana que serve de fundamento à teoria moder- a formação de grupos armados independentes e ao debelarem ou
na do Estado, a passagem do Estado de natureza ao Estado civil, dispersarem os que porventura se vierem formando, assim como ao
ou da anarchía à archia, do Estado apolítico ao Estado político, iludirem as infiltrações, as ingerências ou as agressões de grupos
ocorre quando os indivíduos renunciam ao direito de usar cada um a políticos do exterior. Esta característica distingue um grupo político
própria força, que os tornava iguais no estado de natureza, para o organizado da "societas" de "latrones" (o "latrocinium" de que falava
confiar a uma única pessoa, ou a um único corpo, que doravante Agostinho).
será o único autorizado a usar a força contra eles.
Por universalidade se entende a capacidade que têm os detento-
Esta hipótese abstrata adquire profundidade histórica na teoria do res do poder político, e eles sós, de tomar decisões legítimas e
Estado de Marx e de Engels, segundo a qual, numa sociedade verdadeiramente eficazes para toda a coletividade, no concernente
dividida em classes antagônicas, as instituições políticas têm a à distribuição e destinação dos recursos (não apenas econômicos).
função primordial de permitir à classe dominante manter seu domí- Por inclusividade se entende a possibilidade de intervir, de modo
nio, alvo que não pode ser alcançado, por via do antagonismo de imperativo, em todas as esferas possíveis da atividade dos mem-
classes, senão mediante a organização sistemática e eficaz do bros do grupo e de encaminhar tal atividade ao fim desejado ou de
monopólio da força; é por isso que cada Estado é, e não pode a desviar de um fim não desejado, por meio de instrumentos de
deixar de ser, uma ditadura. ordenamento jurídico, isto é, de um conjunto de normas primárias
destinadas aos membros do grupo e de normas secundárias desti-
Neste sentido tornou-se já clássica a definição de Max Weber: "Por nadas a funcionários especializados, com autoridade para intervir
Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter em caso de violação daquelas.
político onde o aparelho administrativo leva avante, em certa
medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima Isto não quer dizer que o poder político não se imponha limites.
coerção física, com vistas ao cumprimento das leis" (I, 53). Esta Mas são limites que variam de uma formação política para outra: um
definição tornou-se quase um lugar-comum da ciência política con- Estado autocrático estende o seu poder até à própria esfera reli-
temporânea. Escreveram G. A. Almond e G. B. Powell num dos giosa, enquanto que o Estado laico (secular – separa-se estado da
manuais de ciência política mais acreditados: religião) pára diante dela; um Estado coletivista estenderá o pró-
"Estamos de acordo com Max Weber em que e a força física prio poder à esfera econômica, enquanto que o Estado liberal
legítima que constitui o fio condutor da ação do sistema polí- clássico dela se retrairá. O Estado todo-abrangente, ou seja, o
tico, ou seja, lhe confere sua particular qualidade e impor- Estado a que nenhuma esfera da atividade humana escapa, é o
tância, assim como sua coerência como sistema. As autori- Estado totalitário, que constitui, na sua natureza de caso-limite, a
dades políticas, e somente elas, possuem o direito, tido co- sublimação da Política, a politização integral das relações sociais.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 5

V. O FIM DA POLÍTICA obscuras) da definição aqui apresentada.

Uma vez identificado o elemento específico da Política no meio de Toda história da filosofia política está repleta de definições normati-
que se serve, caem as definições teleológicas tradicionais que vas, a começar pela aristotélica: como é bem conhecido, Aristóte-
tentam definir a Política pelo fim ou fins que ela persegue. les afirma que o fim da Política não é viver, mas viver bem {Polí-
tica, 1278b).
A respeito do fim da Política, a única coisa que se pode dizer é que,
se o poder político, justamente em virtude do monopólio da força, Mas em que consiste uma vida boa?
constitui o poder supremo num determinado grupo social, os fins
Como é que ela se distingue de uma vida má?
que se pretende alcançar pela ação dos políticos são aqueles que,
em cada situação, são considerados prioritários para o grupo (ou E, se uma classe política oprime os seus súditos, condenando-os a
para a classe nele dominante): uma vida sofrida e infeliz, será que não faz Política, será que o
poder que ela exerce não é um poder político?
• em épocas de lutas sociais e civis, por exemplo, será a unidade
do Estado, a concórdia, a paz, a ordem pública, etc; O próprio Aristóteles distingue as formas puras de Governo das
formas deturpadas, coisa que já antes dele fizera Platão e haviam
• em tempos de paz interna e externa, será o bem-estar, a pros-
de fazer, durante vinte séculos, muitos outros escritores políticos:
peridade ou a potência;
conquanto o que distingue as formas deturpadas das formas puras,
• em tempos de opressão por parte de um Governo despótico, seja que nestas a vida não é boa, nem Aristóteles, nem todos os
será a conquista dos direitos civis e políticos; escritores que lhe sucederam, lhes negaram nunca o caráter de
constituições políticas.
• em tempos de dependência de uma potência estrangeira, a
independência nacional. Não nos iludam outras teorias tradicionais que atribuem à Política
fins diversos do da ordem, como o bem comum (o mesmo Aristóte-
Isto quer dizer que a Política não tem fins perpetuamente estabe-
les e, depois dele, o aristotelismo medieval) ou a justiça (Platão):
lecidos, e muito menos um fim que os compreenda a todos e que
um conceito como o de bem comum, quando o quisermos desemba-
possa ser considerado como o seu verdadeiro fim: os fins da Polí-
raçar da sua extrema generalidade, pela qual pode significar tudo
tica são tantos quantas são as metas que um grupo organizado
ou nada, e lhe quisermos atribuir um significado plausível, ele nada
se propõe, de acordo com os tempos e circunstâncias.
mais poderá designar senão aquele bem que todos os membros de
Esta insistência sobre o meio, e não sobre o fim, corresponde, aliás, um grupo partilham e que não é mais que a convivência ordenada,
à communis opinio dos teóricos do Estado, que excluem o fim dos numa palavra, a ordem; pelo que toca à justiça platônica, se a en-
chamados elementos constitutivos do mesmo. tendermos, desvanecidos todos os fumos retóricos, como o princípio
segundo o qual é bom que cada um faça o que lhe incumbe dentro
Fale mais uma vez por todos Max Weber: "Não é possível definir da sociedade como um todo (República, 433a), justiça e ordem são
um grupo político, nem tampouco o Estado, indicando o alvo da sua a mesma coisa.
ação de grupo. Não há nenhum escopo que os grupos políticos não
se hajam alguma vez proposto ... Só se pode, portanto, definir o Outras noções de fim, como felicidade, liberdade, igualdade, são
caráter político de um grupo social pelo meio ... que não lhe é cer- demasiado controversas e interpretáveis dos modos mais díspares,
tamente exclusivo, mas é, em todo o caso, específico e indispensá- para delas se poderem tirar indicações úteis para a identificação do
vel à sua essência: o uso da força" (I, 54). fim específico da política.

Esta rejeição do critério teleológico não impede, contudo, que se Outro modo de fugir às dificuldades de uma definição teleológica de
possa falar corretamente, quando menos, de um fim mínimo na Política é o de a definir como uma forma de poder que não tem
Política: a ordem pública nas relações internas e a defesa da inte- outro fim senão o próprio poder (onde o poder é, ao mesmo tempo,
gridade nacional nas relações de um Estado com os outros Estados. meio e fim, ou, como se diz, fim em si mesmo).

Este fim é o mínimo, porque é a conditio sitie qua non para a "O caráter político da ação humana, escreve Mário Albertini, torna-
consecução de todos os demais fins, conciliável, portanto, com eles. se patente, quando o poder se converte em fim, é buscado, em
certo sentido, por si mesmo, e constitui o objeto de uma atividade
Até mesmo o partido que quer a desordem, a deseja, não como específica" (p. 9), diversamente do que acontece com o médico, que
objetivo final, mas como fator necessário para a mudança da ordem exerce o próprio poder sobre o doente para o curar, ou com o rapaz
existente e criação de uma nova ordem. que impõe seu jogo preferido aos companheiros, não pelo prazer de
Além disso, é lícito falar da ordem como fim mínimo da Política, exercer o poder, mas de jogar.
porque ela é, ou deveria ser, o resultado imediato da organização A este modo de definir a Política se poderá objetar que ele não
do poder coativo, porque, por outras palavras, esse fim, a ordem, define tanto uma forma específica de poder quanto uma maneira
está totalmente unido ao meio, o monopólio da força: numa socie- específica de o exercer, ajustando-se, por isso, igualmente bem a
dade complexa, fundamentada na divisão do trabalho, na estratifi- qualquer forma de poder, seja o poder econômico, seja o poder
cação de categorias e classes, e em alguns casos também na ideológico, seja qualquer outro poder.
justaposição de gentes e raças diversas, só o recurso à força impe-
de, em última instância, a desagregação do grupo, o regresso, como O poder pelo poder é um modo deturpado do exercício de qualquer
diriam os antigos, ao Estado de natureza. forma de poder, que pode ter como sujeito tanto quem exerce o
grande poder, qual o político, quanto quem exerce o pequeno, como
Tanto é assim que, no dia em que fosse possível uma ordem espon- o do pai de família ou o do chefe de seção que supervisiona uma
tânea, como a imaginaram várias escolas econômicas e políticas, dezena de operários.
dos fisiocratas aos anarquistas, ou os próprios Marx e Engels na
fase do comunismo plenamente realizado, não haveria mais políti- A razão pela qual pode parecer que o poder como fim em si mesmo
ca propriamente falando. seja característico da Política (mas seria mais exato dizer de um
certo homem político, do homem maquiavélico), reside no fato de
Quem examinar as definições teleológicas tradicionais de Política, que não existe um fim tão específico na Política como o que existe
não tardará a observar que algumas delas não são definições des- no poder que o médico exerce sobre o doente ou no do rapaz que
critivas, mas prescritivas, pois não definem o que é concreta e impõe o jogo aos seus companheiros.
normalmente a Política, mas indicam como é que ela deveria ser
Se o fim da Política, e não do homem político maquiavélico, fosse
para ser uma boa Política; outras diferem apenas nas palavras (as
realmente o poder pelo poder, a Política não serviria para nada.
palavras da linguagem filosófica são não raro intencionadamente
6 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

É provável que a definição da Política como poder pelo poder derive Como se vê pelas passagens citadas, o que têm em mente estes
da confusão entre o conceito de poder e o de potência: não há autores, quando definem a Política baseados na dicotomia amigo-
dúvida de que entre os fins da Política está também o da potência inimigo, é que existem conflitos entre os homens e entre os grupos
do Estado, quando se considera a relação do próprio Estado com os sociais, e que entre esses conflitos há alguns diferentes de todos os
outros Estados. Mas uma coisa é uma Política de potência e outra o outros pela sua particular intensidade; é a esses que eles dão o
poder pelo poder. Além disso, a potência não é senão um dos fins nome de conflitos políticos.
possíveis da Política, um fim que só alguns Estados podem razoa-
Mas, quando se procura compreender em que é que consiste essa
velmente perseguir.
particular intensidade e, por conseguinte, em que é que a relação
amigo-inimigo se distingue de todas as outras relações conflitantes
de intensidade não igual, logo se nota que o elemento distintivo está
VI. A POLÍTICA COMO RELAÇÃO AMIGOINIMIGO
em que se trata de conflitos que, em última instância, só podem ser
Entre as mais conhecidas e discutidas definições de Política, conta- resolvidos pela força ou justificam, pelo menos, o uso da força pelos
se a de Carl Schmitt (retomada e desenvolvida por Julien Freund), contendores para pôr fim à luta.
segundo a qual a esfera da Política coincide com a da relação
O conflito por excelência de que tanto Schmitt como Freund extra-
amigo-inimigo.
polaram sua definição de Política, é a guerra, cujo conceito compre-
Com base nesta definição, o campo de origem e de aplicação da ende tanto a guerra externa quanto a interna.
Política seria o antagonismo e a sua função consistiria na atividade
Ora, se uma coisa é certa, é que a guerra constitui uma espécie de
de associar e defender os amigos e de desagregar e combater os
conflito eminentemente caracterizado pelo uso da força. Mas, se
inimigos.
isso é verdade, a definição de Política em termos de amigo-inimigo
Para dar maior força à sua definição, baseada numa oposição não é de modo algum incompatível com a definição antes apresen-
fundamental, amigo-inimigo, Schmitt a compara às definições de tada, que se refere ao monopólio da força.
moral, de arte. etc, fundadas também em oposições fundamentais,
Não só não é incompatível, como é uma especificação da mesma e,
como bom-mau, belo-feio, etc. "A distinção política específica a
em última análise, sua confirmação. É justamente na medida em
que é possível referir as ações e os motivos políticos, é a distinção
que o poder político se distingue do instrumento de que se serve
de amigo e inimigo... Na medida em que não for derivável de outros
para atingir os próprios fins e em que tal instrumento é a força física,
critérios, ela corresponderá, para a Política, aos critérios relativa-
que ele é o poder a que se recorre para resolver os conflitos cuja
mente autônomos das demais oposições: bom e mau para a moral,
não solução acarretaria a decomposição do Estado e da ordem
belo e feio para a estética, e por aí afora" (p. 105).
internacional: são os conflitos em que, confrontados os contendores
Freund se expressa enfaticamente nestes termos: "Enquanto como inimigos, a vita mea é a mors tua.
houver política, ela dividirá a coletividade em amigos e inimi-
gos" (p. 448).
VII. O POLÍTICO E O SOCIAL
E explica: "Quanto mais uma oposição se desenvolver no sentido da
distinção amigo-inimigo, tanto mais ela se tornará política. É carac- Contrastando com a tradição clássica, segundo a qual a esfera da
terístico do Estado eliminar, dentro dos limites da sua competência, Política, entendida como esfera do que diz respeito à vida da pólis,
a divisão dos seus membros ou grupos internos em amigos e inimi- compreende toda a sorte de relações sociais, tanto que o "político"
gos, não tolerando senão as simples rivalidades agonísticas ou as vem a coincidir com o "social", a doutrina exposta sobre a categoria
lutas dos partidos, e reservando ao Governo o direito de indicar o da Política é certamente limitativa: reduzir, como se fez, a categoria

inimigo externo... É, pois, claro que a oposição amigo-inimigo é da Política à atividade direta ou indiretamente relacionada com a

politicamente fundamental" (p 445). organização do poder coativo é restringir o âmbito do "político"


quanto ao "social", é rejeitar a plena coincidência de um com o
Não obstante pretender servir de definição global do fenômeno outro.
político, a definição de Schmitt considera a Política de uma pers-
pectiva unilateral, se bem que importante, que é a daquele tipo Esta limitação baseia-se numa razão histórica bem definida.
particular de conflito que caracterizaria a esfera das ações políticas.
De um lado, o cristianismo subtraiu à esfera da Política o domínio
Por outras palavras, Schmitt e Freund parecem estar de acordo da vida religiosa, dando origem à contraposição do poder espiritu-
nestes pontos: a Política tem que avir-se com os conflitos humanos; al ao poder temporal, o que era desconhecido do mundo antigo.
há vários tipos de conflitos, há principalmente conflitos agonísti-
De outro, com o surgir da economia mercantil burguesa, foi subtraí-
cos e antagonísticos; a Política cobre a área em que se desenro-
do à esfera da Política o domínio das relações econômicas, origi-
lam os conflitos antagonísticos. Que esta seja a perspectiva dos
nando-se a contraposição (para usarmos a terminologia hegeliana,
autores citados parece não caber dúvida.
herdada de Marx e hoje de uso comum) da sociedade civil à socie-
Escreve Schmitt: "A oposição política é a mais intensa e extrema dade política, da esfera privada ou do burguês à esfera pública ou
de todas e qualquer outra oposição concreta será tanto mais política do cidadão, coisa que também era ignorada do mundo antigo.
quanto mais se aproximar do ponto extremo, o do agrupamento
baseado nos conceitos , amigo-inimigo" (p. 112). Enquanto a filosofia política clássica se baseia no estudo da estrutu-
ra da pólis e das suas variadas formas históricas ou ideais, a filoso-
De igual modo Freund: "Todo o desencontro de interesses... pode,
fia política pós-clássica se caracteriza pela contínua busca de uma
em qualquer momento, transformar-se em rivalidade ou em conflito,
delimitação do que é político (o reino de César) do que não é políti-
e tal conflito, desde o momento que assuma o aspecto de uma
co (quer seja o reino de Deus, quer seja o de Mammona), por uma
prova de força entre os grupos que representam esses interesses,
contínua reflexão sobre o que distingue a esfera da Política da
ou seja, desde o momento que se afirme como uma luta de poder,
esfera da não-Política.
tornar-se-á político" (p. 479).
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 7

O Estado do não-Estado, onde por esfera da não- Política ou do


não-Estado se entende, conforme as circunstâncias, ora a socieda-
VIII. POLÍTICA E MORAL
de religiosa (a ecclesia contraposta à civitas), ora a sociedade
natural (o mercado como lugar em que os indivíduos se encontram Ao problema da relação entre Política e não-Política, está vinculado
independentemente de qualquer imposição, contraposto ao orde- um dos problemas fundamentais da filosofia política, o problema da
namento coativo do Estado). relação entre Política e moral.

A Política e a moral estendem-se pelo mesmo domínio comum, o da


O tema fundamental da filosofia política moderna é o tema dos
ação ou da práxis humana.
limites, umas vezes mais restritos, outras vezes mais amplos con-
forme os autores e as escolas, do Estado como organização da Pensa-se que se distinguem entre si em virtude de um princípio ou
esfera política, seja em relação à sociedade religiosa, seja em critério diverso de justificação e avaliação das respectivas ações, e
relação à sociedade civil (entendida como sociedade burguesa ou que, em conseqüência disso, o que é obrigatório em moral, não se
dos privados). pode dizer que o seja em Política, e o que é lícito em Política, não
se pode dizer que o seja em moral; pode haver ações morais que
É exemplar também sob este aspecto a teoria política de Hobbes,
são impolíticas (ou apolíticas) e ações políticas que são imorais (ou
articulada em torno de três conceitos fundamentais que constituem amorais).
as três partes em que se divide a matéria do De Cive.
A descoberta da distinção que é atribuída, injustificada ou justifica-
Estas partes são assim denominadas: damente a Maquiavel (daí o nome de maquiavelismo dado a toda a
teoria política que sustenta e defende a separação da Política da
• libertas,
moral), é geralmente apresentada como problema da autonomia da
• potestas, Política.

• religio. Este problema acompanha pari passu a formação do Estado mo-


derno e sua gradual emancipação da Igreja, que chegou até, em
O problema fundamental do Estado e, por conseguinte, da Política
casos extremos, à subordinação desta ao Estado e, conseqüente-
é, para Hobbes, o problema das relações entre a potestas simboli-
mente, à absoluta supremacia da Política.
zada no grande Leviatã, por um lado, e a libertas e a religio, por
outro: Na realidade, o que se chama autonomia da Política não é outra
coisa senão o reconhecimento de que o critério segundo o qual se
• a libertas designa o espaço das relações naturais, onde se de- julga boa ou má uma ação política (não se esqueça que, por ação
senvolve a atividade econômica dos indivíduos, estimulada pela política, se entende, em concordância com o que se disse até aqui,
incessante disputa pela posse dos bens materiais, o Estado de uma ação que tem por sujeito ou objeto a pólis) é diferente do crité-
natureza (interpretado recentemente como prefiguração da socie- rio segundo o qual se considera boa ou má uma ação moral.
dade de mercado);
Enquanto o critério segundo o qual se julga uma ação moralmente
• a religio indica o espaço reservado à formação e expansão da boa ou má é o do respeito a uma norma cuja preceituação é tida por
vida espiritual, cuja concretização histórica se dá na instituição da categórica, independentemente do resultado da ação ("faz o que
Igreja, isto é, duma sociedade que, por sua natureza, se distingue deves, aconteça o que acontecer"), o critério segundo o qual se
da sociedade política e não pode ser com ela confundida. julga uma ação politicamente boa ou má é pura e simplesmente o
do resultado ("faz o que deves, a fim de que aconteça o que dese-
Relacionados com esta dupla delimitação dos confins da Política,
jas").
surgem na filosofia política moderna dois tipos ideais de Estado:
Ambos os critérios são incomensuráveis. Esta incomensurabilidade
• o Estado absoluto e está expressa na afirmação de que, em Política, o que vale é a
• o Estado liberal, máxima de que "o fim justifica os meios", máxima que encontrou em
Maquiavel uma das suas mais fortes expressões: "... e nas ações de
Aquele (Estado absoluto) com tendência a estender, este (Estado todos os homens, e máxime dos príncipes, quando não há indica-
liberal) com tendência a limitar a própria ingerência em relação à ção à qual apelar, se olha ao fim. Faça, pois, o príncipe por vencer e
sociedade econômica e à sociedade religiosa. defender o Estado: os meios serão sempre considerados honrosos
e por todos louvados" (Príncipe, XVIII).
Na filosofia política do século passado, o processo de emancipação
da sociedade quanto ao Estado avançou tanto que, por primeira Mas, em moral, a máxima maquiavélica não vale, já que uma ação,
vez, foi por muitos aventada a hipótese da desaparição do Estado para ser julgada moralmente boa, há de ser praticada não com outro
num futuro mais ou menos remoto e da conseqüente absorção do fim senão o de cumprir o próprio dever.
político pelo social, ou seja, do fim da Política. Uma das mais convincentes interpretações desta oposição é a
Conforme o que se disse até aqui sobre o significado restritivo de distinção weberiana entre ética da convicção e ética da responsabi-
Política (restritivo em relação ao conceito mais amplo de "social"), lidade: "... há uma diferença insuperável entre o agir segundo a
máxima da ética da convicção, que em termos religiosos soa assim:
fim da Política significa exatamente fim de uma sociedade para cuja
'O cristão age como justo e deixa o resultado nas mãos de Deus', e
coesão sejam indispensáveis as relações de poder político, isto é,
o agir segundo a máxima da ética da responsabilidade, conforme a
relações de domínio fundadas, em última instância, no uso da força.
qual é preciso responder pelas conseqüências previsíveis das pró-
Fim da Política não significa, bem entendido, fim de toda a forma de prias ações" (La política come professione, in Il lavoro intellettuale
organização social. come professione, Torino, 1948, p.142).

Significa, pura e simplesmente, fim daquela forma de organização O universo da moral e o da Política movem-se no âmbito de dois
social que se rege pelo uso exclusivo do poder coativo. sistemas éticos diferentes e até mesmo contrapostos.
8 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

Mais que de imoralidade da Política e de impoliticidade da moral se Esta diferença tem a sua explicação no fato de que, no caso de
deveria mais corretamente falar de dois universos éticos que se violência individual, não se pode recorrer quase nunca ao critério de
movem segundo princípios diversos, de acordo com as diversas justificação da extrema ratio (salvo quando em legítima defesa), ao
situações em que os homens se encontram e agem.
passo que, nas relações entre grupos, o recurso à justificação da
Destes dois universos éticos são representantes outros tantos violência como extrema ratio é usual.
personagens diferentes que atuam no mundo seguindo caminhos
Ora, a razão por que a violência individual não se justifica funda-se
quase sempre destinados a não se encontrarem:
precisamente-no fato de que ela está, por assim dizer, protegida
• de um lado está o homem de fé, o profeta, o pedagogo, o sábio pela violência coletiva, tanto que é cada vez mais raro, quase im-
que tem os olhos postos na cidade celeste,
possível, que o indivíduo se venha a encontrar na situação de ter de
• do outro, o homem de Estado, o condutor de homens, o criador recorrer à violência como extrema ratio.
da cidade terrena.
Se isto é verdadeiro, resultará daqui uma conseqüência importante:
O que conta para o primeiro (homem de fé) é a pureza de inten- a não justificação da violência individual assenta, em última instân-
ções e a coerência da ação com a intenção; para o segundo (ho- cia, no fato de ser aceita, porque justificada, a violência coletiva.
mem de Estado) o que importa é a certeza e fecundidade dos
resultados. Por outras palavras, não há necessidade da violência individual,
porque basta a violência coletiva: a moral pode resolver ser tão
A chamada imoralidade da Política assenta, bem vistas as coisas,
severa com a violência individual, porque se fundamenta na aceita-
numa moral diferente da do dever pelo dever: é a moral pela qual
devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para realizar o fim ção de uma convivência que se rege pela prática contínua da vio-
que nos propusemos, pois sabemos, desde início, que seremos lência coletiva.
julgados com base no sucesso.
O contraste entre moral e Política, entendido como contraste entre
Entram aqui dois conceitos de virtude: ética individual e ética de grupo, serve também para ilustrar e expli-
car a secular disputa existente em torno à "razão de Estado".
• o clássico, para o qual "virtude" significa disposição para o bem
moral (contraposto ao útil), e Por "razão de Estado" se entende aquele conjunto de princípios e
• o maquiavélico, para o qual a virtude é a capacidade do príncipe máximas segundo os quais ações que não seriam justificadas, se
forte e sagaz que, usando conjuntamente das artes da raposa e praticadas só pelo indivíduo, são não só justificadas como também
do leão, triunfa no intento de manter e consolidar o próprio domí- por vezes exaltadas e glorificadas se praticadas pelo príncipe ou por
nio. quem quer que exerça o poder em nome do Estado.

Que o Estado tenha razões que o indivíduo não tem ou não pode
IX. A POLÍTICA COMO ÉTICA DO GRUPO fazer valer é outro dos modos de evidenciar a diferença entre Políti-
ca e moral, quando tal diferença se refere aos diversos critérios
Quem não quiser ficar apenas na constatação da incomensurabili-
segundo os quais se consideram boas ou más as ações desses dois
dade destas duas éticas e queira procurar entender a razão pela
campos.
qual o que é justificado num certo contexto não o é em outro, deve
perguntar ainda onde é que reside a diferença entre esses dois A afirmação de que a Política é a razão do Estado encontra perfeita
contextos. correspondência na afirmação de que a moral é a razão do indiví-
A resposta é a seguinte: duo.

• o critério da ética da convicção é geralmente usado para julgar São duas razões que quase nunca se encontram: é até desse con-
as ações individuais, enquanto, traste que se tem valido a história secular do conflito entre moral e
Política.
• o critério da ética da responsabilidade se usa ordinariamente
para julgar ações de grupo, ou praticadas por um indivíduo, mas O que ainda é necessário acrescentar é que a razão de Estado não
em nome e por conta do próprio grupo, seja ele o povo, a nação, é senão um aspecto da ética de grupo, conquanto o mais evidente,
a Igreja, a classe, o partido, etc. quando menos porque o Estado é a coletividade em seu mais alto
Poder-se- á também dizer, por outras palavras, que, à diferença grau de expressão e de potência.
entre moral e Política, ou entre ética da convicção e ética da res-
Sempre que um grupo social age em própria defesa contra outro
ponsabilidade, corresponde também a diferença entre ética indivi-
grupo; se apela a uma ética diversa da geralmente válida para os
dual e ética de grupo.
indivíduos, uma ética que responde à mesma lógica da razão de
A proposição de que o que é obrigatório em moral não se pode dizer Estado.
que o seja em Política, poderá ser traduzida por esta outra fórmula:
o que é obrigatório para o indivíduo não se pode dizer que o Assim, ao lado da razão de Estado, a história nos aponta, consoan-
seja para o grupo de que o indivíduo faz parte. te as circunstâncias de tempo e lugar, ora uma razão de partido, ora
uma razão de classe ou de nação, que representam, sob outro
Pensemos quão profunda é a diferença de juízo dos filósofos, teólo-
nome, mas com a mesma força e as mesmas conseqüências, o
gos e moralistas acerca da violência, quando o ato violento é prati-
cado só pelo indivíduo ou pelo grupo social de que ele faz parte, ou, princípio da autonomia da Política, entendida como autonomia dos
por outras palavras, quando se trata de violência pessoal que, afora princípios e regras de ação que valem para o grupo como totalida-
os casos excepcionais, é geralmente condenada, e quando se trata de, em confronto com as que valem para o indivíduo dentro do
de violência das instituições que, afora os casos excepcionais, é grupo.
geralmente justificada.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 9

03/08/2011 09/08/2011

A política de Aristóteles Trabalho em grupo de 5


Política: termo polissêmico de significado ATIVIDADE AVALIATIVA (2 Pontos)
naturalmente contestável. Disputa política
em torno da linguagem. (disputa discursiva, Exército egípcio dispersa manifes-
sem gerar violência. Tem conflito, mas não tantes da praça Tahrir
tem eliminação do outro).
(Redação Carta Capital 1 de agosto de
Para Aristóteles viver politicamente é viver
2011 às 17:08h)
livre, ser governado de forma livre. Se o
governo é tirano, não existe política. A praça Tahrir, palco de uma das mais
emblemáticas manifestações que ocorre-
Política: O que é? A que se refere? Esta-
do? Sociedade? Diz respeito a quem? ram no mundo árabe neste ano, é nova-
Todos? Os melhores? mente o centro das atenções dos gover-
nantes egípcios. Em protestos contra o
Diferentes definições remetem a diferentes
governo inte-rino, sob o comando do exér-
tradições de pensamento e prática política
(republicanismo, liberalismo, socialismo, cito desde a queda do ditador Hosni Muba-
feminismo, autoritarismo). rak , há três semanas ativistas acampados
reclamam da demora da instalação de um
governo democrático no país. Nesta se-
“A Política”, ARISTÓTELES gunda-feira 1º, as tropas do exército dis-
Contexto: Decadência da “Pólis” (cidade- persaram algumas centenas de manifes-
estado) tantes disparando tiros para o alto. Apesar
da repressão, alguns continuam por lá. O grupo 6 de abril, um dos
Argumentos Principais:
principais movimentos contra o antigo regime, reagiu no mesmo dia,
1. Toda associação visa um bem condenando a dispersão com uso da força. A dispersão acontece
2. A associação mais abrangente visa ao bem mais abrangente dois dias antes do julgamento de Mubarak, que renunciou em feve-
(totalidade) reiro após uma série de protestos na praça. No último domingo 31

• Família – associação originária (mais básica), visa a reprodu- alguns manifestantes anunciaram que os protestos seriam suspen-
ção – marcada pela dominação patriarcal. sos para a comemoração do Ramadã, mês sagrado para os muçul-
manos; outros garantiram presença na praça. Ao fim do Ramadã,
• Vila ou tribo – reunião de famílias, casas – visa a segurança
porém, a praça deverá ser tomada por mais ativistas já prometeram
(esfera da satisfação das necessidades básicas)
voltar ao local com pedidos de reforma do governo.
• Estado – engloba as duas formas anteriores de sociabilidade.
Visa a “vida boa” (autonomia ou liberdade)

3. Todo Estado é natural (corresponde a natureza humana) e é 43% das mulheres já foram vítimas de violência do-
também a finalidade de todas as associações. méstica

4. A liberdade é o bem político supremo e significa o auto-governo, 04/07/2011 - 19h06 (DA AGÊNCIA BRASIL)
participar da vida pública.
Quatro em cada dez mulheres brasileiras já foram vítimas de violên-
5. Para ser livre é preciso ser cidadão, isto é não estar submetido a
cia doméstica. O número consta do Anuário das Mulheres Brasilei-
um particular (senhor-escravo, homem-mulher) nem a um ente
público (tirano). ras 2011, divulgado nesta segunda-feira pela Secretaria de Políticas
para as Mulheres do governo federal e Dieese (Departamento Inter-
6. O homem é um animal político, mais do que um ser gregário
sindical de Estatística e Estudos Socioeconômi-cos). O anuário
(necessidades sociais).
reúne dados referentes à situação das mulheres no país. Os núme-
• Animais > voz > “prazer e dor” ros sobre a violência doméstica, por exemplo, são da Pnad (Pesqui-
• Homens > fala > “o certo e o errado” sa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009, feita pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De acordo com a
7. - É por meio da linguagem que o homem vive politicamente.
Pnad, 43,1% das mulheres já foram vítimas de violência em sua
8. – Cidadania própria residência. Entre os homens, esse percentual é de 12,3%.
• Isonomia (lei) – igualdade perante a lei Ainda se-gundo os números da Pnad de 2009 incluídos no anuário,
de todas as mulheres agredidas no país, dentro e fora de casa,
• Isegoria (direito a fala e ao voto) – direito de todo cidadão
25,9% foram vítimas de seus cônjuges ou ex-cônjuges. Dados da
de expressar publicamente opinião sobre o governo e ain-
Secretaria de Políticas para as Mulheres apontam ainda que o
da deliberar.
número de atendimentos feitos pela Central de Atendimento à Mu-
Política é o espaço da disputa/conflito discursivo. Sem violência lher Ligue 180 cresceu 16 vezes de 2006 para 2010. Em 2006,
A definição de política é difícil/instável porque os interesses são foram feitos 46 mil atendimentos. Já no ano passado, foram 734 mil.
diferentes entre os grupos. Desse total, 108 mil atendimentos foram denúncias de crimes contra

“O silêncio embeleza a mulher” Aristóteles. a mulher. Mais da metade desses crimes eram casos de violência.
10 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

Em greve, professores de MG querem pagamento do greve, professores de MG querem pagamento do piso nacional” diz
piso nacional dos poderes econômicos, políticos e ideológico.

12/07/2011 - 16h20 (PAULO PEIXOTO de BELO HORIZONTE) O poder político apesar de recorrer à força, ela não é condição
suficiente para a existência do poder político, também não é qual-
A nova greve dos professores da rede estadual de ensino de Minas
quer grupo social que tem a capacidade de exercê-lo. Ele é caracte-
Gerais completa hoje 36 dias e não há negociação. No item princi-
rizado pelo uso da força contra grupos dentro de uma sociedade.
pal da pauta de reivindicações está o pagamento do piso salarial
Ele apresenta três características que o distingue das demais for-
nacional, instituído por lei federal, composto pelo vencimento bási-
mas de poder são elas, a exclusividade, a universalidade e a inclu-
co. E é isso o que dificulta o acordo. Enquanto o governo Antonio
sividade.
Anastasia (PSDB) diz que, proporcionalmente, paga até mais do
que o piso nacional, porque a carga horária em Minas é menor, os Ele pode ser identificado na primeira reportagem, principalmente
professores alegam que o Executivo inclui ao valor básico os bene- pela imposição da força (exército) contra os que ousaram desafiar o
fícios adicionais. A Secretaria da Educação informou que o menor governo (grupo 6 de Abril).
salário pago em Minas é R$ 1.122 por 24 horas semanais, contra os
Na terceira reportagem, existe a atuação do poder político no
R$ 1.187 estabelecidos pela lei federal para 40 horas. Em abril
confronto entre os grevistas e o governo.
último, o Supremo Tribunal Federal, ao considerar constitucional a
lei que estabeleceu o piso nacional, entendeu que esse piso deve O poder ideológico se caracteriza pela capacidade de influência
ser composto apenas pelo vencimento básico, sem levar em consi- intelectual de alguns membros sobre determinado grupo que resul-
deração os benefícios adicionais, como vale-refeição e gratifica- tará na coesão e integração do grupo em prol de um objetivo.
ções. Ocorre que em Minas havia uma reivindicação dos profes-
Na primeira reportagem, existe esse poder na atuação dos manifes-
sores para que todos os abonos fossem incorporados ao salário, de
forma que isso pudesse ser considerado quando houvesse reajuste tantes contra o governo ditador em busca da instalação da demo-

de salários e também para efeito de aposentadorias. Após uma cracia.


greve no ano passado, o governo enviou lei nesse sentido para o Na segunda reportagem, o poder ideológico acorre de forma
Legislativo, que aprovou as incor-porações. Só que as gratificações, negativa, pois muitos homens acreditam que na nossa sociedade
como quinquênios, também foram incorporadas. 'Na prática, o ainda patriarcal, podem agir com agressões físicas ou verbais con-
governo acabou com todas as gratificações. Quinquênio não é tra as mulheres para que essas venham a agir conforme os seus
penduricalho, é direito', disse Beatriz Cerqueira, coordenadora do desejos.
sindicato que representa os trabalhadores da Educação em Minas.
Para o sindicato, o vencimento básico segue sendo de R$ 369. Já o Na terceira reportagem, esse poder se manifesta na ideologia de um
governo, por meio da assessoria da Secretaria da Educação, con- grupo de professores que através do sindicato conseguiu uma
firma as incorporações das gratificações em um único subsídio, adesão dessa classe para lutar por melhores salários.
considerando ser agora o vencimento básico. Por conta disso, não
O poder despótico é caracterizado por estar concentrado apenas
há nem mais negociação. O governo alega que havia entendimento
em uma pessoa que tende a tratar os que estão sob o seu poder
sobre 12 dos 61 pontos da pauta, mas que com a greve as conver-
como escravos. O indivíduo praticamente sofre injustiças e não
sas pararam. Disse ainda que permanece a busca de melhoria das
consegue se defender e dessa forma apenas o detentor do poder
remunerações, embora neste momento não contemple nenhum
(déspota) governa do seu modo sem leis ou regras específicas. No
índice de reajuste. O sindicato diz que a adesão é de 50% das
poder está a razão e o detentor dele age, governa de forma opres-
escolas, e o governo diz ser 2% de adesão total e 19%, parcial. Não
sora, arbitrária.
há números sobre quantos dos 2,3 milhões de alunos estão prejudi-
cados. Na primeira reportagem é identificado pela forma de governo do
País (ditadura).

Na segunda reportagem é identificado pela atuação do agressor


Questão: a respeito das três reportagens acima transcritas, disserte
como forma de controle sobre a vítima (mulher).
sobre os tipos de poder discutidos no verbete “Política” do Dicioná-
rio de Política, organizado por N. Bobbio. O poder econômico utiliza-se da posse dos bens e meios de pro-
dução para se fazer prevalecer sobre aqueles que não os possuem.
De modo geral, todo aquele que não possui poder econômico é
DISSERTAÇÃO: condicionado a seguir as regras impostas por aqueles que o possu-
em, principalmente, vendendo sua força de trabalho.
A partir da análise das reportagens foi possível uma comparação
com o verbete “Política” do Dicionário de Política organizado por N. Na primeira reportagem esse poder se manifesta no controle eco-
Bobbio e identificamos uma correlação entre os poderes políticos, nômico do Governo na economia do seu povo, utilizando grande
despótico, econômico e ideológico. parte para o poderio militar para se proteger contra aqueles que se
rebelam a sua ditadura e manter a ordem que eles julgam necessá-
Na reportagem “Exército egípcio dispersa manifestantes da Praça
ria.
Tahrir” correlaciona sobre poder político, ideológico, despótico e
econômico, já o texto “43% das mulheres já foram vítimas de violên- Na terceira reportagem, o poder econômico é exercido pelo gover-
cia doméstica” trata do poder despótico e ideológico com uma no de Minas que detém a posse dos bens e meios de produção,
visão negativa do termo ideologia, enquanto que a reportagem “Em contra a classe de professores que vendem a sua força de trabalho.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 11

10/08/2011 causa motriz: fundador ou legislador).


Assim como a felicidade é o bem supremo do indivíduo virtuo-
Política é o espaço da disputa/conflito discursivo. so - no plano da ética - a autonomia ou liberdade é o bem su-

premo da política garantida ao membro do corpo político (o ci-


Sem violência.
dadão) no e pelo o Estado, a partir de sua participação.
Se o Estado é a causa final das associações anteriores, sua
finalidade (bem comum) deve prevalecer sobre os bens parti-

Roteiro de Aula: o Conceito de Política – Parte 1 culares. (o bem de todos é mais importante que o bem particu-
lar)
Conceito polissêmico, da natureza instrínsecamente contestável.
Disputa em torno do discurso político hegermônico. Cidadão não eram todos, exclusão das mulheres, escravos,

Política: a que se refere? etc.

Ao Estado?
4. Ser livre é, por conseguinte, participar dos negócios públicos,
O que ele compreende?
governar e ser governado.
À sociedade?
Somente os cidadãos são livres (sociedade patriarcal e escra-
Diz respeito a quem?
vocrata).
A todos?
Mulheres, pobres, crianças?
5. O homem é naturalmente um animal político. Mais do que me-
Ou apenas os "melhores"?
ramente social, ou gregário (abelhas), o ser humano não se
limita a se organizar para satisfação das necessidades imedia-
Diferentes definições remontam a diferentes tradições de pensa-
tas (que podem ser atendidas mesmo numa tirania), mas or-
mento e prática política.
ganiza sua vida social para viver livremente.
Cada uma dessas tradições contém ou assume determinados va-
Os animais possuem apenas a voz, que serve para designar o
lores, projetos políticos, conformando uma visão de mundo espe-
prazer e a dor; os humanos, a fala que, além disso, designa o
cífica.
certo e o errado.

O termo é ambíguo (refere-se ora ao objeto de estudo, ora á A política é constituída pela linguagem; fora da cidade, o ho-

própria ciência) e seu significado cambiante, histórica e cultural- mem assemelha-se a uma besta.

mente.

A política de Aristóteles 6. Se o bem particular está submetido ao bem comum, então a


ciência do bem comum, do Estado, a Ciência Política é a ciên-
contexto: decadência da pólis (cidade-Estado). cia que deve prevalecer sobre as demais.
Ex: a educação infantil deve se orientar pelo sentido da consti-
tuição (politeia).
Principais argumentos:

7. A política (politiké) refere-se à vida comum (koinon), comparti-


1. toda associação é natural e visa um determinado fim; a asso-
lhada por uma comunidade (cidadãos), por oposição à esfera
ciação mais ampla visa o fim mais amplo;
particular de cada um (casa ou oikós); a primeira é marcada
pela igualdade e pela palavra; a segunda, pela dominação e
2. Família (composta pelo casal, serve à reprodução da espécie
pela violência (patriarca).
humana);
A vida do cidadão é a mais feliz (não está sujeito a uma parti-
Vila ou tribo (serve à proteção das famílias).
cular [escravo e mulher], nem a um governo arbitrário [tirano]).
Ambas limitam-se, portanto, à esfera das necessidades de so-

breviência.
Se a casa é um espaço privado, como o estado intervêm no
Estado: comporta em si as demais associações e visa a "vida
caso de agressão em casa?
boa", isto é, a autossuficiência ou autonomia.

3. O Estado, destarte, é o fim último (causa final) de todas asso-


ciações (causa material: famílias; causa formal: constituição;
12 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

16/08/2011 humanos e do meio-ambiente. É da natureza da prática crematística


recorrer a diversas estratégias de ação nocivas, como especulação
8. A Política pode se organizar de diferentes formas. Aristóteles
financeira, degradação sócio-ambiental etc, sem preocupação com
distingue três formas, segundo o número dos governantes,
as conseqüências.
que visam o bem comum (monarquia, aristocracia e república);
quando se corrompem, sendo apropriadas por interesses de
particulares devem ser chamadas, respectivamente de tirania,
oligarquia e democracia. Vê-se, portanto, que o autor não é http://www.youtube.com/watch?v=4L0DInKUnzc&feature=related
um democrata radical; de fato, defende uma forma mista de
governo entre democracia e aristocracia (república) que é Carcará - Lá no sertão - É um bicho que avoa

marcada pela mediania ou moderação e pela liberdade dos ci- que nem avião - É um pássaro malvado - Tem o
bico volteado que nem gavião - Carcará - Quan-
dadãos (todo regime deve visar a moderação). A república é
do vê roça queimada - Sai voando, cantando, -
superior as demais (por levar em consideração a opinião do
Carcará - Vai fazer sua caçada - Carcará come
maior número e por ser mais estável), mas o tipo de regime
inté cobra queimada - Quando chega o tempo da
político deve considerar as condições de cada lugar.
invernada - O sertão não tem mais roça queima-
(Para evitar extremos, errar por excesso ou falta. Na Repúbli- da - Carcará mesmo assim num passa fome - Os
ca não deve reinar grandes desigualdades sociais). burrego que nasce na baixada - Carcará - Pega,
mata e come - Carcará - Num vai morrer de fome
- Carcará - Mais coragem do que home - Carca-
Distinção das formas de governo - Aristóteles rá - Pega, mata e come - Carcará é malvado, é
valentão - É a águia de lá do meu sertão - Os

FORMAS PURAS  FORMAS CORROMPIDAS burrego novinho num pode andá - Ele puxa o
umbigo inté matá - Carcará - Pega, mata e come

Monarquia (um)  Tirania - Carcará - Num vai morrer de fome - Carcará -


Mais coragem do que home - Carcará

Aristocracia (poucos)  Oligarquia

República (Muitos)  Democracia


9. A política não é uma arte onde reina a competência, como a
“Res publica” (coisa
medicina, mas "uma arte como a arquitetura ou a culinária, na
pública) – pouca desi-
qual é o ponto de vista do usuário (do “destinatário”) que deve
gualdade – classe
prevalecer sobre aquela do produtor (do “destinado”)" (Wolff,
média com grande
1999, p. 142-143).
percentual

Promovem a liberdade Não promovem a liberdade – o Não existe conhecimento técnico sobre política que prevaleça

bem privado ou particular preva- sobre os demais).


lece sobre o público (comum)
10.As democracias prezam, sobretudo, a igualdade, a ponto de
Corrupção: quando o privado tem mais importância que o público, adotar a prática do ostracismo (expulsão temporária por 10
ou seja, o privado se sobrepõe ao público. anos dos mais ricos, populares ou sábios; perda da cidada-

Livro de artistóteles: Ética a Micômacos nia). Importância histórica relativa e risco da partidarização
dessa prática.
Paideia: “processo de educação em sua forma verdadeira, a forma
natural e genuinamente humana” Educação ampla – exemplo:
11.Papel fundamental das camadas ou classes médias que com-
ensinar a não furar fila.
põem a cidade: neutralizar (precisamente por conter nela
Ostracismo = exclusão mesma) as aspirações das classes extremas e opostas, funci-
onando como um fator de estabilidade constitucional.
Falta Meio-termo Excesso
Vício Virtude Vício 12.Necessidade de diminuição ou contenção das desigualdades
sociais entre os indivíduos de uma cidade: apaziguar os confli-
Bulimia, Mediania, nem erra por falta, nem por
Gula tos e impedir o domínio (econômico) de uns sobre os outros.
anorexia excesso.

13.Política é o espaço da justiça (é a ciência política que define o


Crematística: é um conceito aristotélico que advém das ideias de
khréma e atos - busca incessante da produção e do açambarca- que é justiça e quais são os seus procedimentos) Justiça dis-

mento das riquezas por prazer. Foi mencionado no livro Ética a tributiva (riqueza) e participativa (poder político).
Nicômaco.
14.Política como espaço onde reinam a isegoria (direito a livre
A prática crematística consiste em colocar a procura da maximiza-
opinião e ao voto na assembléia) e a isonomia (igualdade de
ção da rentabilidade financeira (acumulação de numerário) antes de
tratamento perante a lei).
qualquer outra coisa, em detrimento, se necessário, dos seres
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 13

17/08/2011 o Carismática (excepcionalidade; líder religioso ou popular),

o Racional-legal (crença na validade do estatuto legal e da


competência do burocrata).

o Modernidade: Burocratização das relações sociais


(dominação impessoal vs. cidadão).

13. Estado: formado por corpo permanente de funcionários


administrativos (burocracia não-eleitos, competência e mérito,
dedicação imparcial) e por políticos profissionais ("vivem para e
da política": eleitos, convicções pessoais e partidárias).

14. Características do poder político:

o Exclusividade (proibição de grupos armados independentes);

Roteiro de aula: o conceito de Política – Parte 2A o Universalidade (qualquer um pode sofrer coação pelo
Estado);
1. Verbete "política", Dicionário de Política, Norberto Bobbio (org.).
o Inclusividade (qualquer esfera da vida pode, a princípio, ser
2. Poder como categoria central da política. O que é poder?
regulada ou sofrer algum tipo de interferência do Estado).
Capacidade de imposição da vontade de um sobre outrem.
15. Para Norberto Bobbio, assim como para Weber, a política não é
3. Distinções clássicas de poder: 1) Aristóteles: tipologia baseada
uma atividade teleológica, que tenha uma finalidade
no critério da finalidade: poder paterno (benefício dos filhos),
determinada a ser realizada (utopia), mas simplesmente um
despótico (senhor), civil (cidade, caso da monarquia, aristocracia
conjunto de meios (violência estatal). Racionalização do mundo
e república); Locke: baseada no fundamento do poder (paterno:
vis-a-vis (diz se de duas posições diferentes) resignação e
natureza; despótico: guerra; civil: consenso ou contrato).
pessimismo.
4. Distinção moderna (meio utilizado): econômico (escassez e
16. Separação entre Política e Moral: na primeira o que importa são
desigualdades materiais), ideológico (religião, ciência, mídia,
os resultados das ações (ética da responsabilidade) e na
etc.), político.
segunda os princípios ("pureza das convicções", ética da
5. Poder político na era moderna (a partir do século XV no convicção). "Razões de Estado": ética de grupo que ultrapassa
Ocidente): exercido pelo Estado que detém o MONOPÓLIO do as razões e interesses dos indivíduos.
uso LEGÍTIMO da VIOLÊNCIA sobre os indivíduos de um
determinado território.
Conceito de Política - ARISTÓTELES
6. Poder obtido mediante a expropriação dos poderes particulares.
Estado: ator político mais importante na modernidade (cidadãos? Política: Espaço da Liberdade, igualdade (cidadão)
associações da sociedade civil?). Política passa a se referir Ligada a comunidade social, baseada em valores comportamentais
principalmente ao Estado e suas instituições. Pode haver outros
focos de poder econômico (multinacionais, oligopólios, etc.), Republicanismo
ideológico (mídia, Igrejas, etc.), mas não é tolerado outros República = moderação, virtude, civismo
grupos dotados de poder político (traficantes, milícias,
Teleológica – com objetivo
terroristas, grupos armados, etc.).
Retórica e oratória é importante na assembleia
7. O Estado não é um todo homogêneo; luta e disputa interna
(burocracia, partidos e parlamentares, etc.) pelos cargos de Professores => sofistas – ensinavam aos gregos a falar bem
poder no Estado. Democracia: institucionalização do conflito
intra-estatal.
Aristóteles Locke
8. Se o Estado é o ator político que usa de modo exclusivo da força Poder
Sec. V a.c. Sec. XVII
física (meio), para que ele serve (fim)? Função do Estado?
para beneficiar os
9. Thomas Hobbes: segurança e paz (esperança). Estado de Paterno natural
filhos
natureza (medo, "guerra de todos contra todos"), leva os homens
a delegarem seu poder natural (de violência) para o Estado legítimo na medida da
("Leviatã) que garante a ordem e a obediência à lei. ação: Guerra para
senhor sobre o escra- escravizar, para pou-
Despótico
10. John Locke: vida, liberdade individual e propriedade privada vo par a vida – por cri-
(direitos naturais). mes cometidos (pe-
nas)
11. Karl Marx: dominação política das classes economicamente
dominantes (propriedade privada e exploração). beneficiar todo o artificial – contrato
Civil
corpo social social/pacto
12. Por que obedecer? Weber: três formas de dominação:
Critério de
Finalidade Fundamento
o Tradicional (conformismo aos costumes; patriarca), distinção
14 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

Conceito de Política – WEBER e BOBBIO 23/08/2011

Esfera de atuação do estado (estado-nação)


Filme:
Burocracia – instrumento – burocratização (dominação racional- Notícias de
legal) - procedimentos impessoais uma Guer-
ra Particu-
Políticos profissionais lar

Monopólio do uso legítimo da violência/coação: Exclusividade,

Inclusividade, Universalidade

Poder (weber)

Paterno = Pai

Carismático = Collor

Racional-Legal = Burocracia

Critério de distinção = meio (a violência do estado-monopólio)

Liberdade Negativa Privativa – gozar privadamente dos seus bens.

Questionário para estudo individual - não-avaliativo -


unid. 1

1. Apresente duas razões que justificam a seguinte assertiva: "o

conceito de política é polissêmico, pois é de natureza

intrinsicamente contestável". Entrega da avaliação

2. Utilizando a classificação aristotélica das formas de associação

humana, disserte sobre a especifidade da comunidade política, o Roteiro de aula: o conceito de Política – Parte 2B
Estado, em relação às demais.
1. Principais ideias políticas de Weber (1864-1920):
3. De que modo Aristóteles define a liberdade e qual a relação
a) Política se refere ao Estado, não aos cidadãos;
desse conceito com o de cidadania?
b) Estado é o órgão que monopoliza o uso legítimo da violência,
4. Qual é a relação entre desigualdades e liberdade na teoria
não o promotor do bem comum ou da liberdade;
política de Aristóteles?
c) O elemento definidor do Estado não é o consenso ou o
5. Relacione, dissertativamente, os seguintes conceitos: política,
contrato, mas a coerção. Os consensos simplesmente servem
esfera pública, esfera privada, igualdade e liberdade.
à legitimação do Estado (razão instrumental). Sociologia da

6. Diferencie, exemplificando, formas de poder econômico, Dominação.

ideológico e político na era moderna. 2. Legitimidade: disposição generalizada de aceitação do Estado


não importando as bases dessa legitimidade (tradicional [direito
7. Por que, para Weber, na modernidade a política se refere não
divino dos reis], carismática [frequente em momentos de
mais aos cidadãos e à sua participação nos negócios públicos,
transição; excepcionalidade do mando do líder carismático;
mas à esfera de atuação do Estado. Como esse autor
potencialmente autoritário; mando personalista, dispensa as
caracteriza o poder político?
instituições formais, como o partido), racional-legal).

8. Compare a definição weberiana de política à aristotélica,

dissertando acerca das noções de moralidade, ética e finalidade.


NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 15

24/08/2011
Quadro comparativo: dois conceitos de política
3. "Liberalismo desencantado": "civilização sem deus", "politeísmo
moral", laicização da política. Vislumbra apenas uma sociedade
forjada a partir de laços fracos de solidariedade e de interesses,
mas que não compartilha de valores comuns. O mercado é a
única forma de organização social que pode permitir a
coexistência de um pluralismo tão intenso.

4. No mundo moderno, quem quer liberdade, deve vivê-la


subjetivamente. É um mundo avesso à vida do cidadão; não
existem virtudes públicas, apenas interesses. Não é o lugar da
ARISTÓTELES MAX WEBER
construção de consensos públicos, mas da dominação.

5. A soberania popular é uma quimera; a polis, um sonho Teleológica (finalidade


Tipo de (Fins indeterminados).
irrealizável. A democracia parlamentar não é uma comunidade da política é a liberda-
definição Meios: violência
de valores, mas um acordo sobre procedimentos para formar de)

maiorias.
Referência
Vida associativa Estado
6. A política torna-se, por conseguinte, espaço de profissionais que Conceitual

querem maximizar seus votos, seus interesses; é também o


Comunidade de valores Violência, Politeísmo
espaço da burocracia. Premissas
(virtude) Moral

Antes os homens de posse viviam para a política; na


Coletivo, criado a partir
Modernidade, quando se separa a administração do poder de Coletivo, criado a partir
Poder do monopólio do uso
sua propriedade (povo), vive-se da política (meio de ganho de de consenso
legítimo da violência
vida)

Negativa e subjetiva:
7. Crítico do marxismo: a criação de um Estado socialista levaria à Positiva e objetiva:
gozo dos bens particu-
criação de um Estado ainda mais autocrático. Liberdade participação política e
lares (limitada pela
Opositor do PSD (Partido Social-democrata alemão), maior autogoverno
liberdade do outro)
partido operário do mundo nas primeiras décadas do século XX.

Esfera privada e públi-


8. Favorável à uma monarquia constitucional. Weber é um Esfera privada (senhor-
ca: coerção dos indiví-
antagonista do Estado prussiano de sua época, altamente Dominação escravo, homem-
duos em respeito à
burocratizado: mulher)
ordem (burocracias)
propõe o Parlamento como experimento de formação de
lideranças carismáticas que serviriam como contrapeso à
Cidade-Estado (polis): Estado-nação (grandes
burocratização excessiva do mundo moderno. Referência
pequenas comunidades território e população),
Histórica
homogêneas sociedade de massas
9. A modernização (racionalização da vida, burocratização,
desumanização, politeísmo moral, etc.) não é, com efeito, uma
Monarquia Constitucio-
teleologia, mas um horizonte intransponível ("jaula de ferro").
República (politeia): nal, Parlamento (con-

10. Política "como vocação": Ideal classe média, regime da trapeso às burocracias)

a ação política deve consultar as duas éticas, a da Normativo moderação, busca do e Mercado (sociedade

responsabilidade (efeitos da ação - cínico) e da convicção bem comum individualista e capitalis-

(convicção pessoal - fanático) ta)

Corrupção dos valores


Marxismo e ao Estado
(privatismo) e aos
Crítica comunista (maior buro-
Política – efeito da ação  Ética Responsabilidade excessos da democra-
cratização)
cia
Ação Moral  convicções pessoais
16 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

contra a tirania, tornava-se, as vezes, ela própria uma tirania insu-


portável.
Da Liberdade dos Antigos Comparada à dos Modernos
O regime dos gauleses, que se parecia bastante com aquele que
Revista Filosofia Política nº 2, 1985
um certo partido desejaria nos devolver, era ao mesmo tempo teo-
Benjamin Constant crático e guerreiro. Os padres gozavam de um poder sem limites. A
classe militar, ou a nobreza, possuía privilégios insolentes e opres-
sivos. O povo não tinha direitos nem garantias.

Em Roma, os tribunos tinham até certo ponto uma missão represen-


tativa. Eles eram os porta-vozes dos plebeus que a oligarquia, que é
a mesma em todos os séculos, havia submetido, derrubando os
reis, a uma escravidão duríssima. No entanto, o povo exercia dire-
tamente uma grande parte dos direitos políticos. Ele se reunia para
votar as leis, para julgar os patrícios acusados de delito: só havia,
portanto, em Roma, fracos traços do sistema representativo.

Este sistema é uma descoberta dos modernos e vós vereis, Senho-


res, que a condição da espécie humana na antiguidade não permitia
que uma instituição desta natureza ali se introduzisse ou instalasse.
Os povos antigos não podiam nem sentir a necessidade nem apre-
ciar as vantagens desse sistema. A organização social desses
povos os levava a desejar uma liberdade bem diferente da que este
sistema nos assegura.

É a demonstrar-vos esta verdade que a leitura desta noite será


consagrada.

Perguntai-vos primeiro, Senhores, o que em nossos dias um inglês,


um francês, um habitante dos Estados Unidos da América enten-
dem pela palavra liberdade.

É para cada um o direito de não se submeter senão às leis, de não


poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de
Senhores, nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de
vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de
Proponho-me submeter a vosso julgamento algumas distinções,
escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade,
ainda bastante novas, entre duas formas de liberdade, cujas dife-
até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem
renças até hoje não foram percebidas ou que, pelo menos, foram
ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para
muito pouco observadas. Uma é a liberdade cujo exercício era tão
cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir
caro aos povos antigos; a outra, aquela cujo uso é particularmente
sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus
útil para as nações modernas. Esta análise será interessante, salvo
associados preferem, seja simplesmente para preencher seus dias
engano, sob um duplo aspecto.
e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações,
Primeiro, a confusão destas duas espécies de liberdade foi, entre com suas fantasias. Enfim, é o direito, para cada um, de influir sobre
nós, durante épocas por demais conhecidas de nossa revolução, a a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de
causa de muitos males. A França viu-se molestada por experiências certos funcionários, seja por representações, petições, reivindica-
inúteis cujos autores, irritados pelo pouco êxito que alcançaram, ções, às quais a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em
tentaram forçá-la a usufruir de um bem que ela não desejava e consideração. Comparai agora a esta a liberdade dos antigos.
contestaram-lhe o bem que ela queria.
Esta última consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias
Em segundo lugar, levados por nossa feliz revolução (eu a chamo partes da soberania inteira, em deliberar na praça pública sobre a
feliz, apesar de seus excessos; porque atento para seus resultados) guerra e a paz, em concluir com os estrangeiros tratados de aliança,
a desfrutar os benefícios de um governo representativo, é interes- em votar as leis, em pronunciar julgamentos, em examinar as con-
sante e útil saber por que este governo, o único sob o qual podemos tas, os atos, a gestão dos magistrados; em fazê-los comparecer
hoje encontrar alguma liberdade e tranqüilidade, foi inteiramente diante de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los
desconhecido para as nações livres da antiguidade. ou em absolvê-los; mas, ao mesmo tempo que consistia nisso o que
os antigos chamavam liberdade, eles admitiam, como compatível
Sei que pretendem-se descobrir marcas desse governo em alguns
com ela, a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo.
povos antigos, na república da Lacedemônia por exemplo, e em
Não encontrareis entre eles quase nenhum dos privilégios que
nossos ancestrais, os gauleses; mas é um engano.
vemos fazer parte da liberdade entre os modernos. Todas as ações
O governo da Lacedemônia era uma aristocracia monacal, de modo privadas estão sujeitas a severa vigilância. Nada é concedido à
nenhum um governo representativo. O poder dos reis era limitado, independência individual, nem mesmo no que se refere à religião. A
mas o era pelos Éforos e não por homens investidos de uma missão faculdade de escolher seu culto, faculdade que consideramos como
semelhante à que a eleição confere em nossos dias aos defensores um de nossos mais preciosos direitos, teria parecido um crime e um
de nossas liberdades. Sem dúvida, os Éforos, depois de terem sido sacrilégio para os antigos. Nas coisas que nos parecem mais insig-
instituídos pelos reis, foram nomeados pelo povo. Mas eram apenas nificantes, a autoridade do corpo social interpunha-se e restringia a
cinco. Sua autoridade era religiosa tanto quanto política; participa- vontade dos indivíduos. Em Esparta, Terpandro não pode acrescen-
vam do próprio governo, quer dizer, do poder executivo; por isso, tar uma corda à sua lira sem ofender os Éforos. Mesmo nas rela-
sua prerrogativa, como a de quase todos os magistrados populares ções domésticas a autoridade intervinha. O jovem lacedemônio não
nas antigas repúblicas, longe de ser simplesmente uma barreira pode livremente visitar sua jovem esposa. Em Roma, os censores
vigiam até no interior das famílias. As leis regulamentavam os cos-
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 17

tumes e, como tudo dependia dos costumes, não havia nada que as possuidor pelo aspirante à posse. É uma tentativa de obter por
leis não regulamentassem. acordo aquilo que não se deseja mais conquistar pela violência. Um
homem que fosse sempre o mais forte nunca teria a idéia do comér-
Assim, entre os antigos, o indivíduo, quase sempre soberano nas
cio. É a experiência - provando que a guerra, isto é, o emprego da
questões públicas, é escravo em todos seus assuntos privados.
força contra a força de outrem, o expõe a resistências e malogros
Como cidadão, ele decide sobre a paz e a guerra; como particular,
diversos - que o leva a recorrer ao comércio, ou seja, a um meio
permanece limitado, observado, reprimido em todos seus movimen-
mais brando e mais seguro de interessar o adversário em consentir
tos; como porção do corpo coletivo, ele interroga, destituí, condena,
no que convém à sua causa. A guerra é o impulso, o comércio é o
despoja, exila, atinge mortalmente seus magistrados ou seus supe-
cálculo. Mas, por isso mesmo, devo haver um momento em que o
riores; como sujeito ao corpo coletivo, ele pode, por sua vez, ser
comércio substitui a guerra. Nós chegamos a esse momento.
privado de sua posição, despojado de suas honrarias, banido, con-
denado, pela vontade arbitrária do todo ao qual pertence. Não quero dizer que não tenha havido povos comerciantes entre os
antigos. Mas esses povos de certa maneira oram exceção à regra
Entre os modernos, ao contrário, o indivíduo, independente na vida
geral. As limitações do uma leitura não me permitem apontar-vos
privada, mesmo nos Estados mais livres, só é soberano em aparên-
todos os obstáculos que se opunham então ao progresso do comér-
cia. Sua soberania é restrita, quase sempre interrompida; e, se, em
cio; aliás vós os conheceis tanto quanto eu; falarei apenas do um
épocas determinadas, mas raras, durante as quais ainda é cercado
deles. O desconhecimento da bússola obrigava os marinheiros da
de precauções e impedimentos, ele exerce essa soberania, é sem-
antiguidade a não perder de vista as costas; Atravessar as colunas
pre para abdicar a ela.
de Hércules, ou seja, passar o estreito de Gibraltar, era considerado
Devo aqui, Senhores, deter-me um instante para prevenir uma o mais ousado dos empreendimentos. Os fenícios e os cartagine-
objeção que me poderia ser feita. Há na antiguidade uma república ses, os mais hábeis dos navegadores, só o ousaram muito mais
na qual a escravização da existência individual ao corpo coletivo tarde e seu exemplo permaneceu longo tempo sem ser imitado. Em
não é tão completa como acabo de descrevê-la. Esta república é a Atenas, da qual talaremos mais tarde, o juro marítimo era aproxima-
mais célebre de todas; podeis deduzir que desejo falar de Atenas. damente de sessenta por cento; o juro habitual era apenas de doze
Voltarei a este ponto mais tarde e, admitindo a verdade do fato, por cento, tanto a idéia de navegação distante implicava em idéia de
expor-vos-ei a causa. Veremos por que, de todos os Estados anti- perigo.
gos, Atenas é o que mais se pareceu com os modernos. Em qual-
Além disso, se pudesse entregar-me a uma digressão, que infeliz-
quer outro lugar a jurisdição social era ilimitada. Os antigos, como
mente seria longa demais, eu vos demonstraria, Senhores, pelo
diz Condorcet não tinham nenhuma noção dos direitos individuais.
detalhe dos costumes, dos hábitos, do modo de traficar dos povos
Os homens não eram, por assim dizer, mais que máquinas das
comerciantes da antiguidade com os outros povos, que esse comér-
quais a lei regulava as molas o dirigia as engrenagens. A mesma
cio era, por assim dizer, impregnado do espírito da época, da at-
submissão caracterizava os belos séculos da república romana; o
mosfera de guerra e de hostilidade que os cercava. O comércio era
indivíduo estava, de certa forma, perdido na nação, o cidadão, na
então um acidente feliz: é hoje a condição normal, o fim único, a
cidade.
tendência universal, a verdadeira vida das nações. Aliás, elas que-
Vamos agora retornar à origem dessa diferença essencial entre os rem o descanso; com o descanso, a fartura; e, como fonte da fartu-
antigos e nós. ra, a indústria. A guerra é cada dia um meio menos eficaz de reali-
zar seus desejos. Suas chances não oferecem mais, nem aos indi-
Todas as repúblicas antigas eram fechadas em limites estreitos. A
víduos, nem às nações, benefícios que igualem os resultados do
mais populosa, a mais poderosa, a mais importante delas não era
trabalho pacífico o dos negócios regulares. Para os antigos, uma
igual em extensão ao menor dos Estados modernos. Como conse-
guerra feliz acrescentava escravos, tributos, terras, à riqueza públi-
qüência inevitável de sua pouca extensão, o espírito dessas repúbli-
ca ou particular. Para os modernos, uma guerra feliz custa infalivel-
cas era belicoso; cada povo incomodava continuamente seus vizi-
mente mais do que vale.
nhos ou era incomodado por eles. Impelidos assim pela necessida-
de uns contra os outros, esses povos combatiam-se ou ameaça- Enfim, graças ao comércio, à religião, aos progressos intelectuais e
vam-se sem cessar. Os que não desejavam ser conquistadores não morais da espécie humana, não há mais escravos nas nações
podiam depor armas sob pena do serem conquistados. Todos com- européias. Homens livres devem exercer todas as profissões, aten-
pravam a segurança, a independência, a existência inteira ao preço der a todas as necessidades da sociedade.
da guerra. Ela era o interesse constante, a ocupação quase habitual
Pode-se prever facilmente, Senhores, o resultado necessário des-
dos Estados livres da antiguidade. Finalmente, e como resultado
sas diferenças.
necessário dessa maneira de ser, todos os Estados tinham escra-
vos. As profissões mecânicas e mesmo, em algumas nações, as Primeiro, a extensão de um país diminui muito a importância política
profissões industriais eram confiadas a mãos acorrentadas. que toca, distributivamente, a cada indivíduo. O republicano mais
obscuro do Roma e de Esparta era uma autoridade. Não acontece o
O mundo moderno oferece-nos um espetáculo totalmente oposto.
mesmo com o simples cidadão da Grã-Bretanha ou dos Estados
Os menores estados atualmente são incomparavelmente mais
Unidos. Sua influência pessoal é um elemento imperceptível da
vastos que Esparta ou Roma durante cinco séculos. Mesmo a divi-
vontade social que imprime ao governo sua direção.
são da Europa em vários Estados e, graças ao progresso do saber,
mais aparente do que real. Enquanto antigamente cada povo forma- Em segundo lugar, a abolição da escravatura privou a população
va uma família isolada, inimiga nata das outras famílias, uma massa livre de todo o lazer que o trabalho dos escravos lhe permitia. Sem a
de homens existe agora sob diferentes nomes, sob diversos modos população escrava de Atenas, vinte mil atenienses não teriam podi-
de organização social, mas essencialmente homogênea. Ela é do deliberar cada dia na praça pública.
suficientemente forte para não temer hordas bárbaras. É suficiente-
Em terceiro lugar, o comércio não deixa, como a guerra, intervalos
mente esclarecida para não querer fazer a guerra. Sua tendência é
de inatividade na vida do homem. O exercício continuo dos direitos
a paz.
políticos, a discussão diária dos negócios de Estado, as discussões,
Essa diferença acarreta uma outra. A guerra é anterior ao comércio; os conciliábulos, todo o cortejo e movimento das facções, a agitação
pois a guerra e o comércio nada mais são do que dois meios dife- necessárias, recheio indispensável, se ouso empregar esta expres-
rentes de atingir o mesmo fim: o de possuir o que se deseja. O são na vida dos povos livres da antiguidade, que se teriam entedia-
comércio não é mais que uma homenagem prestada à força do do, sem esse recurso, sob o peso de uma ociosidade dolorosa,
18 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

acarretariam apenas perturbações e cansaço às nações modernas, de não marca o conjunto; nada prova, a seus olhos, sua coopera-
onde cada indivíduo, ocupado por suas especulações, por seus ção. O exercício dos direitos políticos somente nos proporciona
empreendimentos, pelos resultados que obtém ou espera, quer ser pequena parte das satisfações que os antigos nela encontravam e,
desviado disso o menos possível. ao mesmo tempo, os progressos da civilização, a tendência comer-
cial da época, a comunicação entre os povos multiplicaram e varia-
Finalmente, o comércio inspira aos homens um forte amor pela
ram ao infinito as formas de felicidade particular.
independência individual. O comércio atende a suas necessidades,
satisfaz seus desejos, sem a intervenção da autoridade. Esta inter- Concluí-se que devemos ser bem mais apegados que os antigos à
venção é quase sempre, e não sei por que digo quase, esta inter- nossa independência individual. Pois os antigos, quando sacrifica-
venção é sempre incômoda. Todas as vezes que o poder coletivo vam essa independência aos direitos políticos, sacrificavam menos
quer intrometer-se nas especulações particulares, ele atrapalha os para obter mais; enquanto que, fazendo o mesmo sacrifício, nós
especuladores. Todas as vezes que os governos pretendem realizar daríamos mais para obter menos.
negócios, eles o fazem menos bem e com menos vantagens do que
O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os
nós.
cidadãos de uma mesma pátria. Era isso o que eles denominavam
Disse, Senhores, que vos falaria de Atenas, cujo exemplo poderia liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios
opor-se a algumas de minhas assertivas, mas que, ao contrário, vai privados; e eles chamam liberdade as garantias concedidas pelas
confirmar todas elas. instituições a esses privilégios.

Atenas, como já reconheci, era a mais comerciante de todas as Eu disse no inicio que, por não terem percebido essas diferenças,
repúblicas gregas; assim sendo, concedia a seus cidadãos muito homens bem intencionados tinham causado grandes males durante
mais liberdade individual do que Roma ou Esparta. Se pudesse nossa longa e tempestuosa revolução. De forma nenhuma desejo
entrar em detalhes históricos, eu vos faria ver que o comércio tinha dirigir-lhes críticas demasiado severas: mesmo o erro deles era
feito desaparecer, entre os atenienses, varias das diferenças que desculpável. Não se consegue ler as belas páginas da antiguidade,
distinguem os povos antigos dos povos modernos. O espírito dos não se revivem as ações desses grandes homens sem experimen-
comerciantes de Atenas era semelhante ao dos comerciantes de tar uma emoção muito especial que nada do que é moderno nos faz
nossos dias. Xenofonte nos diz que, durante a guerra do Pelopone- sentir. Os velhos elementos de uma natureza, anterior à nossa por
so, eles tiravam seus capitais do continente da Ática e os enviavam assim dizer, parecem despertar dentro de nós face a essas lem-
para as ilhas do Arquipélago. O comércio havia criado entre eles a branças. É difícil não sentirmos nostalgia desses tempos em que as
circulação. Encontramos em Isócrates sinais do uso das letras de faculdades do homem desenvolviam-se numa direção traçada
câmbio. Observai, pois, quanto seus costumes pareciam-se com os antecipadamente, mas em um destino tão amplo, tão forte pela sua
nossos. Em suas relações com as mulheres, vereis (cito ainda própria força e com tanto sentimento de energia e de dignidade; e,
Xenofonte) os esposos, satisfeitos quando a paz e uma amizade quando nos carregamos a essas reminiscências, é impossível não
discreta reina entre o casal, fechar os olhos ao irresistível poder das desejarmos imitar o que invejamos.
paixões, perdoar a primeira fraqueza e esquecer a segunda. Em
Essa impressão era profunda, principalmente quando vivíamos sob
suas relações com os estrangeiros, vê-losemos estender os privilé-
governos abusivos que sem serem fortes, eram vexatórios, absur-
gios a todo aquele que, transportando-se com a família para seu
dos nos princípios, miseráveis na ação; governos que tinham por
território, instala um trabalho ou uma fábrica; por fim, ficaremos
móvel, o arbitrário; por meta, o aviltamento da espécie humana e
impressionados com seu amor excessivo pela independência indivi-
que, ainda hoje, certos homens ousam louvar como se pudéssemos
dual. Na Lacedemônia, diz um filósofo, os cidadãos acorrem quando
jamais esquecer que fomos testemunhas e vítimas de sua obstina-
um magistrado os chama; mas um ateniense não se conformaria
ção, de sua impotência e de sua derrocada. O objetivo de nossos
que o considerassem dependente de um magistrado.
reformadores foi nobre e generoso. Quem de nós não sentiu o
No entanto, como várias outras circunstâncias que determinavam o coração bater de esperança no começo da estrada que eles pensa-
caráter das nações antigas existiam também em Atenas; como vam abrir? E ai daqueles que ainda hoje não sentem a necessidade
havia uma população escrava e como o território era muito limitado, de declarar que reconhecer alguns erros cometidos por nossos
encontramos ai vestígios da liberdade dos antigos. O povo faz as primeiros guias não significa denegrir sua memória, nem negar
leis, examina a conduta dos magistrados, intima Péricles a prestar opiniões que os amigos da humanidade professaram de geração
contas, condena generais à morte. Ao mesmo tempo, o ostracismo, em geração!
ato legal e louvado por todos os legisladores da época, o ostracis-
Mas esses homens tinham ido buscar várias de suas teorias nas
mo, que nos parece uma revoltante iniqüidade, prova que o indiví-
obras de dois filósofos, que eles próprios não tinham se dado conta
duo era ainda subordinado à supremacia do corpo social em Ate-
das modificações transmitidas por dois mil anos às tendências do
nas, mais do que em qualquer Estado social livre da Europa do
gênero humano. Examinarei, pois, o sistema do mais ilustre desses
nossos dias.
filósofos, J. J. Rousseau, e mostrarei que, transportando para os
Conclui-se do que acabo de expor que não podemos mais desfrutar tempos modernos um volume de poder social, de soberania coletiva
da liberdade dos antigos a qual se compunha da participação ativa e que pertencia a outros séculos, este gênio sublime, que era anima-
constante do poder coletivo. Nossa liberdade deve compor-se do do pelo amor mais puro à liberdade, forneceu, todavia, desastrosos
exercício pacifico da independência privada. A participação que, na pretextos a mais de um tipo de tirania. Evidentemente, salientando o
antiguidade, cada um tinha na soberania nacional não era, como em que considero como um engano importante a revelar, serei ponde-
nossos dias, uma suposição abstrata. A vontade de cada um tinha rado em minha refutação e respeitoso em minha crítica. Evitarei, é
uma influência real; o exercício dessa vontade era um prazer forte e claro, juntar-me aos detratores de um grande homem. Quando o
repetido. Em conseqüência, os antigos estavam dispostos a fazer acaso me faz aparentemente concordar com eles em um único
muitos sacrifícios pela conservação de seus direitos políticos e de ponto, desconfio de mim mesmo; e, para consolar-me de parecer,
sua parte na administração do Estado. Cada um, sentindo com por um instante, de sua opinião, sobre uma única e parcial questão,
orgulho o que valia seu voto, experimentava uma enorme compen- preciso desautorizar e descolorir quanto posso a esses supostos
sação na consciência de sua importância social. auxiliares.

Essa compensação já não existe para nós. Perdido na multidão, o No entanto, o interesse pela verdade deve superar considerações
indivíduo quase nunca percebe a influência que exerce. Sua vonta- que tornam tão poderosos o brilho de um talento prodigioso e a
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 19

autoridade de uma imensa reputação. Aliás, não é a Rousseau, todas as paixões humanas, sua ânsia de escravizá-las todas, seus
como veremos, que se deve principalmente atribuir o erro que vou princípios exagerados sobre a competência da lei, a diferença entre
combater: ele pertence muito mais a um, de seus sucessores, me- o que ele recomendava e o que existia, a verve com que atacava as
nos eloqüente, mas não menos austero; e mil vezes mais exagera- riquezas e até a propriedade - todas essas coisas deviam encantar
do. Este, o abade de Mably, pode ser considerado o representante homens exaltados por uma vitória recente e que conquistadores do
do sistema que, conforme as máximas da liberdade antiga, quer que poder legal, estavam desejosos de estender esse poder em todas
os cidadãos sejam completamente dominados para que a nação as direções. Para eles era uma autoridade preciosa a desses dois
seja soberana, e que o indivíduo seja escravo para que o povo seja escritores que, desinteressadamente e lançando anátema contra o
livre. despotismo dos homens, haviam posto em axiomas o texto da lei.
Quiseram, pois, exercer a forca pública, segundo tinham aprendido
O abade de Mably, como Rousseau e como muitos outros, tinha,
com seus guias, tal como fora exercida antigamente nos Estados
conforme os antigos, tomado a autoridade do corpo social pela
livres. Acreditaram que tudo ainda devia ceder frente a vontade
liberdade e todos os meios pareciam-lhe bons para estender a ação
coletiva e que todas as restrições aos direitos individuais seriam
dessa autoridade sobre a parte recalcitrante da existência humana,
largamente compensadas pela participação no poder social.
da qual ele deplorava a independência. A queixa que ele expressa
em todas as suas obras é que a lei só possa atingir as ações. Ele Sabeis, Senhores, o que resultou disso. Instituições livres, apoiadas
teria desejado que ela atingisse os pensamentos, as impressões no conhecimento do espírito do século, teriam conseguido subsistir.
mais passageiras, que ela perseguisse o homem sem trégua e sem O edifício renovado dos antigos desmoronou, apesar de esforços e
deixar-lhe nenhum refúgio onde pudesse escapar a seu poder. Mal de muitos atos heróicos que merecem admiração. É que o poder
percebia, em qualquer povo, uma medida vexatória, já pensava ter social feria em todos os sentidos a independência individual sem,
feito uma descoberta e a propunha como modelo; ele detestava a contudo, destruir-lhe a necessidade. A nação não pensava que uma
liberdade individual como se detesta um inimigo pessoal; e, quando parte ideal em uma soberania abstrata valesse os sacrifícios que lhe
encontrava na história uma nação que estivesse completamente pediam. Em vão repetiam-lhe com Rousseau: as leis da liberdade
privada dela, embora tampouco tivesse ela liberdade política algu- são mil vezes mais austeras do que é duro o jugo dos tiranos. Ela
ma, não podia deixar de admirá-la. Extasiava-se com os egípcios não aceitava essas leis austeras e, em seu descontentamento,
porque, dizia ele, tudo era organizado entre eles pela lei, desde o pensava às vezes que o jugo dos tiranos seria preferível. A experi-
repouso até as necessidades; tudo era submetido ao poder do ência a desenganou. Ela viu que a arbitrariedade dos homens era
legislador; todos os momentos do dia eram preenchidos por algum pior ainda que as piores leis. Mas as leis também devem ter limites.
dever. Mesmo o amor estava sujeito a essa intervenção respeitada
Se consegui, Senhores, fazer-vos aceitar a opinião que, em minha
e era a lei que, alternadamente, abria e fechava o leito nupcial.
convicção, esses fatos produzem, reconhecereis comigo a verdade
Esparta, que reunia formas republicanas à submissão dos indiví- dos princípios seguintes:
duos, despertava no espírito desse filósofo um entusiasmo mais
A independência individual é a primeira das necessidades moder-
forte ainda. Esse grande convento parecia o ideal da perfeita repú-
nas. Conseqüentemente, não se deve nunca pedir seu sacrifício
blica. Tinha por Atenas um profundo desprezo e teria dito com
para estabelecer a liberdade política.
prazer sobre essa nação, a primeira da Grécia, o que um fidalgo
acadêmico dizia sobre a Academia francesa: "Que despotismo Concluí-se daí que nenhuma das numerosas instituições, tão aplau-
espantoso! Todo mundo faz aí o que quer". Devo acrescentar que didas, que, nas repúblicas antigas, impediam a liberdade individual
esse fidalgo falava da Academia como ela era há trinta anos. é aceitável nos tempos modernos.

Montesquieu, dotado de espírito observador, porque tinha a cabeça Provar essa verdade, Senhores, parece inútil num primeiro momen-
menos ardente, não caiu inteiramente nos mesmos erros. Impressi- to. Muitos governos de nosso tempo não parecem inclinados a
onou-se com as diferenças que referi, mas não distinguiu a verda- imitar as repúblicas da antiguidade. No entanto, por menos gosto
deira causa delas. que tenham pelas instituições republicanas, há certos costumes
republicanos pelos quais esses governos sentem certa afeição. E
"Os políticos gregos, diz ele, que viviam sob o governo popular, não
lamentável que sejam precisamente aqueles que permitem banir,
reconheciam outra força que não fosse a da virtude. Os de hoje só
exilar, privar. Lembro-me que em 1802 foi introduzido, numa lei
nos falam de manufaturas, de comércio, de finanças, de riquezas e
sobre os tribunais especiais, um artigo que adotava na França o
até de luxo”.
ostracismo grego, e só Deus sabe quantos eloqüentes oradores
Ele atribui essa diferença à república e à monarquia; é preciso falaram-nos da liberdade de Atenas e de todos os sacrifícios que os
atribuí-la ao espírito oposto dos tempos antigos e dos tempos mo- indivíduos deviam fazer para conservar essa liberdade a fim de que
dernos. Cidadãos das repúblicas, vassalos das monarquias, todos este artigo fosse aceito, o que, contudo, não aconteceu. Da mesma
querem privilégios e ninguém pode, no estado atual das sociedades, forma, em época bem mais recente, quando autoridades temerosas
deixar de querer isso. O povo mais afeito à liberdade em nossos tentavam timidamente dirigir as eleições a seu modo, um jornal, que
dias antes da emancipação da França, era também o povo mais não é tachado, no entanto, de republicano, propôs restabelecer a
afeito a todos os prazeres da vida; e queria sua liberdade principal- censura romana para afastar os candidatos perigosos.
mente porque via nela a garantia dos prazeres que venerava. Anti-
Creio, pois, não me empenhar em uma digressão inútil se, para
gamente, onde havia liberdade, podia-se suportar as privações;
apoiar minha afirmação, disser algumas palavras sobre essas insti-
agora, onde há privação, é preciso a escravidão para que alguém se
tuições tão elogiadas.
resigne a ela. Seria mais fácil hoje fazer um povo de espartanos do
que educar espartanos para a liberdade. O ostracismo de Atenas repousava na hipótese de que a sociedade
tem toda a autoridade sobre seus membros. Nesta hipótese, ele
Os homens que foram levados pela onda dos acontecimentos a
podia justificar-se; e, num pequeno Estado, onde a influência de um
liderar nossa revolução estavam, em conseqüência da educação
indivíduo, pelo seu crédito, sua clientela, sua glória, balançava
que haviam recebido, imbuídos das opiniões antiquadas e absurdas
muitas vezes o poder da massa, o ostracismo podia ter aparência
que os filósofos de que falei haviam posto em realce. A metafísica
de utilidade. Mas, para nós, os indivíduos tem direitos que a socie-
de Rousseau, no interior da qual apareciam de repente, como re-
dade deve respeitar e a influência individual, como já observei, está
lâmpagos, verdades sublimes e passagens de uma eloqüência
tão perdida numa quantidade de influências, iguais ou superiores,
arrebatadora; a austeridade de Mably, sua intolerância, seu ódio a
que toda a opressão, motivada na necessidade de diminuir essa
20 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

influência, é inútil e, conseqüentemente, injusta. Ninguém tem o liberdade que convêm aos tempos modernos; se vivemos sob mo-
direito de exilar um cidadão se ele não for condenado por um tribu- narquias, suplico humildemente a essas monarquias de não tornar
nal regular, segundo lei formal que atribui a pena de exílio à ação da emprestados às repúblicas antigas meios de oprimir-nos.
qual é culpado. Ninguém tem o direito de arrancar o cidadão de sua
A liberdade individual, repito, é a verdadeira liberdade moderna. A
pátria, o proprietário de suas terras, o comerciante de seu negócio,
liberdade política é a sua garantia e é, portanto, indispensável. Mas
o esposo de sua esposa, o pai de seus filhos, o escritor de suas
pedir aos povos de hoje para sacrificar, como os de antigamente, a
meditações intelectuais, o ancião de seus hábitos. Todo exílio políti-
totalidade de sua liberdade individual à liberdade política é o meio
co é um atentado político. Todo exílio, infligido por uma assembléia
mais seguro de afastá-los da primeira, com a conseqüência de que,
com base em pretensos motivos de segurança pública, é um crime
feito isso, a segunda não tardará a lhe ser arrebatada.
dessa assembléia contra a própria segurança pública, que não
existe senão no respeito às leis, na observância das regras e na Vede, Senhores, que minhas observações não tendem absoluta-
manutenção das garantias. mente a diminuir a importância da liberdade política. Não extraio dos
fatos que vos expus as conseqüências que certos homens deles
A censura romana supunha, como o ostracismo, um poder ilimitado.
extraem. Porque os antigos foram livres e porque não podemos
Numa república em que todos os cidadãos, mantidos pela pobreza
mais ser livres como os antigos, eles concluem que estamos desti-
numa simplicidade extrema de costumes, não exerciam nenhuma
nados a ser escravos. Gostariam de constituir o novo estágio social
profissão que desviasse sua atenção dos negócios do Estado e
com um pequeno número de elementos que dizem ser os únicos
eram, assim, constantemente espectadores e juizes do poder públi-
apropriados à situação atual. Esses elementos são preconceito para
co, a censura podia, por um lado, ter mais influência e, por outro, a
atormentar os homens, egoísmo para corrompê-los, frivolidade para
arbitrariedade dos censores era contida por uma espécie de vigilân-
aturdi-los, prazeres grosseiros para degradá-los, despotismo para
cia moral exercida contra eles. Mas logo que a extensão da repúbli-
conduzi-los; e também conhecimentos positivos e ciências exatas
ca, a complicação das relações sociais e os refinamentos da civili-
para melhor servir ao despotismo. Seria estranho que esse fosse o
zação tiraram dessa instituição o que lhe servia ao mesmo tempo de
resultado de quarenta séculos durante os quais o espírito humano
base e de limite a censura degenerou, mesmo em Roma. Não fora,
conquistou tantos recursos morais e físicos; não posso admitir isso.
pois, a censura que criara os bons costumes; era a simplicidade dos
costumes que assegurava o poder e a eficácia da censura. Retiro das diferenças que nos distinguem da antiguidade conse-
qüências bem opostas. Não é a segurança que é preciso enfraque-
Na França, uma instituição tão arbitrária como a censura seria ao
cer, é a regalia que é preciso aumentar. Não é à liberdade política
mesmo tempo ineficaz e intolerável. No estágio atual da sociedade,
que desejo renunciar; é a liberdade civil que reclamo junto com
os costumes compõem-se de matizes tênues, vagos, imperceptí-
outras formas de liberdade política. Os governos não têm hoje,
veis, que se desnaturariam de mil maneiras se tentássemos dar-
como não tinham antigamente, o direito de atribuir-se um poder
lhes mais precisão. Somente a opinião pode atingi-los; só ela pode
ilegítimo. Mas os governos que brotam de fonte legítima têm ainda
julgá-los porque são da mesma essência. Ela se sublevaria contra
menos do que os de antanho o direito de exercer sobre os indiví-
toda autoridade positiva que quisesse lhe dar mais rigor. Se o go-
duos uma supremacia arbitraria. Possuímos ainda hoje os direitos
verno de um povo pretendesse, como os censores de Roma, deson-
que tivemos sempre, os direitos eternos de aceitar as leis, de delibe-
rar um cidadão por uma decisão discriminatória, a nação inteira
rar sobre nossos interesses, de ser parte integrante do corpo social
reclamaria contra essa sentença, não ratificando as determinações
do qual somos membros. Mas os governos têm novos deveres. Os
da autoridade.
progressos da civilização, as transformações operadas através dos
O que acabo de dizer sobre a transplantação da censura para os séculos pedem à autoridade mais respeito pelos hábitos, pelos
tempos modernos aplica-se a muitos outros aspectos da organiza- afetos, pela independência dos indivíduos. Ela deve dirigir esses
ção social, sobre os quais citam-nos a antiguidade ainda com mais assuntos com mão mais prudente e mais leve.
freqüência e com muito mais ênfase: a educação, por exemplo. O
Essa contenção da autoridade, que se mantém em seus estritos
que não dizem sobre a necessidade de permitir ao governo de
deveres, atém-se também a seus interesses bem entendidos; pois
apoderar-se das novas gerações para educá-las a seu modo, e em
se a liberdade que convém aos modernos é diferente da que convi-
quantas citações eruditas não apóiam essa teoria? Os persas, os
nha aos antigos, o despotismo que era possível entre estes não é
egípcios, e a Galia, e a Grécia, e a Itália vêm alternadamente figurar
mais possível entre os modernos. Do fato de que estamos muitas
aos nossos olhos! Pois bem, Senhores, não somos nem persas,
vezes mais descuidados com a liberdade política do que eles podi-
submissos a um déspota, nem egípcios, subjugados por sacerdotes,
am estar, e, em nossa condição costumeira, menos apaixonados
nem gauleses, que podem ser sacrificados por druidas, nem enfim
por ela, pode-se concluir que negligenciamos demais às vezes, e
gregos ou romanos, cuja participação na autoridade social consola-
sempre sem motivos, as garantias que ela nos assegura; mas ao
va da servidão privada. Somos modernos que queremos desfrutar,
mesmo tempo, como buscamos muito mais a liberdade individual do
cada qual, de nossos direitos; desenvolver nossas faculdades como
que os antigos, nós a defenderemos, se for atacada, com muito
bem entendermos, sem prejudicar a ninguém; vigiar o desenvolvi-
mais ímpeto e persistência; e possuímos para a defesa meios que
mento dessas faculdades nas crianças que a natureza confia à
os antigos não possuíam.
nossa afeição, tão esclarecida quanto forte, não necessitando da
autoridade a não ser para obter dela os meios gerais de instrução O comércio torna a ação da arbitrariedade sobre nossa existência
que pode reunir; como os viajantes aceitam dela os longos cami- mais vexatória do que antigamente, porque, sendo nossas especu-
nhos, sem serem dirigidos na estrada que desejam seguir. A religião lações mais variadas, o arbítrio deve multiplicar-se para atingi-las;
também está exposta às lembranças do passado. Defensores da mas o comércio também torna a ação da arbitrariedade mais fácil de
unidade de doutrina citam-nos as leis dos antigos contra os deuses enganar, porque ele modifica a natureza da propriedade, que se
estrangeiros e apóiam os direitos da igreja católica com o exemplo torna, por esta modificação, quase inapreensível.
dos atenienses que sacrificaram Sócrates por ter abalado o polite-
O comércio dá à propriedade uma qualidade nova: a circulação;
ísmo; e o de Augusto que desejava que se permanecesse fiel ao
sem circulação, a propriedade não é mais que usufruto; a autorida-
culto de seus ancestrais, o que fez com que, pouco tempo depois,
de pode sempre influir no usufruto, pois pode impedir o gozo dele;
se entregassem os primeiros cristãos às feras.
mas a circulação põe um obstáculo invisível e invencível a essa
Devemos desconfiar, Senhores, dessa admiração por certas remi- ação do poder social.
niscências antigas. Se vivemos nos tempos modernos, quero a
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 21

Os efeitos do comércio estendem-se ainda mais longe; não somente bem, essa felicidade, aceitai e nós nos encarregaremos dela." Não,
ele emancipa os indivíduos, mas, criando o crédito, torna a autori- Senhores, não aceitemos. Por mais tocante que seja um interesse
dade dependente. tão delicado, rogai à autoridade de permanecer em seus limites.
Que ela se limite a ser justa; nós nos encarregaremos de ser felizes.
O dinheiro, diz um autor francês, é a arma mais perigosa do despo-
tismo; mas é ao mesmo tempo seu freio mais poderoso; o crédito Poderíamos ser felizes através de regalias, se essas regalias fos-
está submetido à opinião; a força é inútil, o dinheiro esconde-se ou sem separadas das garantias? Ou encontraríamos essas garantias
foge; todas as operações do Estado ficam suspensas. O crédito não se renunciássemos à liberdade política? Renunciar a ela, Senhores,
tinha a mesma influência entre os antigos; seus governos eram mais seria uma loucura semelhante a do homem que, sob pretexto de
fortes que os particulares; em nossos dias estes são mais fortes que habitar no primeiro andar, pretendesse construir sobre a areia um
os poderes políticos; a riqueza é uma força mais disponível em edifício sem fundações.
todos os momentos, mais aplicável a todos os interesses e, em
De resto, Senhores, será mesmo verdade que a felicidade, de qual-
conseqüência, muito mais real e mais bem obedecida; o poder
quer espécie que ela possa ser, seja o único objetivo do gênero
ameaça, a riqueza recompensa; escapa-se ao poder enganando-o;
humano? Nesse caso, nossa meta seria muito estreita e nosso
para obter os favores da riqueza, é preciso servi-la.
destino muito pouco nobre. Não haveria nenhum de nós que - se
Em conseqüência das mesmas causas, a existência individual é quisesse rebaixar-se, restringir suas faculdades morais, aviltar seus
menos englobada na existência política. Os indivíduos transportam desejos, renunciar à atividade, à glória, às emoções generosas
para longe seus tesouros; levam com eles todos os bens da vida profundas - conseguisse embrutecer-se e ser feliz. Não, Senhores -
privada; o comércio aproximou as nações e lhes deu hábitos e e eu invoco como prova a parte melhor de nossa natureza, a nobre
costumes mais ou menos semelhantes; os chefes podem ser inimi- inquietude que nos persegue e nos atormenta, a paixão em alargar
gos; os povos são compatriotas. nossas luzes e desenvolver nossas faculdades -, não é só à felici-
dade, é ao aperfeiçoamento que nosso destino nos chama; e a
Que o poder se resigne, pois, a isso; precisamos da liberdade e a
liberdade política é o mais poderoso, o mais enérgico modo de
teremos; mas, como a liberdade que precisamos é diferente da dos
aperfeiçoamento que o céu nos concedeu.
antigos, essa liberdade necessita uma organização diferente da que
poderia convir à liberdade antiga. Nesta, quanto mais tempo e A liberdade política, submetendo a todos os cidadãos, sem exce-
forças o homem consagrava ao exercício de seus direitos políticos, ção, o exame e o estudo de seus interesses mais sagrados, en-
mais ele se considerava livre; na espécie de liberdade a qual somos grandece o espírito, enobrece os pensamentos, estabelece entre
suscetíveis, quanto mais o exercício de nossos direitos políticos nos eles uma espécie de igualdade intelectual que faz a glória e o poder
deixar tempo para nossos interesses privados, mais a liberdade nos de um povo.
será preciosa.
Assim, vede como uma nação cresce com a primeira instituição que
Daí vem, Senhores, a necessidade do sistema representativo. O lhe devolve o exercício regular da liberdade política. Vede nossos
sistema representativo não é mais que uma organização com a cidadãos de todas as classes, de todas as profissões, saindo do
ajuda da qual uma nação confia a alguns indivíduos o que ela não círculo de seus trabalhos habituais, de sua indústria privada, encon-
pode ou não quer fazer. Os pobres fazem eles mesmos seus negó- trar-se de repente do nível das funções importantes que a constitui-
cios; os homens ricos contratam administradores. É a história das ção lhes confia, escolher com discernimento, resistir com energia,
nações antigas e das nações modernas. O sistema representativo é confundir a astúcia, desafiar a ameaça, resistir nobremente à sedu-
uma procuração dada a um certo número de homens pela massa do ção. Vede o patriotismo puro, profundo e sincero triunfando em
povo que deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no nossas cidades, animando até nossos povoados, atravessando
entanto, tempo para defendêlos sozinho. Mas, salvo se forem in- nossas oficinas, reanimando nossos campos, impregnando do
sensatos, os homens ricos que têm administradores examinam, com sentimento de nossos direitos e da necessidade de garantias o
atenção e severidade, se esses administradores cumprem seu espírito justo e reto do agricultor útil e do negociante hábil, que,
dever, se não são negligentes, corruptos ou incapazes; e, para conhecedores através da história dos males que sofreram, e não
julgar a gestão de seus mandatários, os constituintes que são pru- menos esclarecidos sobre os remédios que esses males exigem,
dentes mantém-se a par dos negócios cuja administrado lhes confi- abrangem com o olhar a França inteira e, distribuidores do reconhe-
am. Assim também os povos que, para desfrutar da liberdade que cimento nacional, recompensam pelos votos, há trinta anos, a fideli-
lhes é útil, decorrem ao sistema representativo, devem exercer uma dade aos princípios, na pessoa do mais ilustre dos defensores da
vigilância ativa e constante sobre seus representantes e reservar-se liberdade.
o direito de, em momentos que não sejam demasiado distanciados,
Longe, pois, Senhores, de renunciar a alguma das duas espécies
afastá-los, caso tenham traído suas promessas, assim como o de
de liberdade de que vos falei, é preciso aprender a combiná-las. As
revogar os poderes dos quais eles tenham eventualmente abusado.
instituições, como diz o célebre autor da história das repúblicas na
Eis por que, tendo em vista que a liberdade moderna difere da
Idade Média, devem realizar os destinos do gênero humano; elas
antiga, conclui-se que ela está ameaçada também por um perigo de
cumprem tanto mais esse objetivo quanto mais elevam o maior
espécie diferente.
número possíveis de cidadãos à mais alta dignidade moral.
O perigo da liberdade antiga estava em que, atentos unicamente à
A obra do legislador não é completa quando apenas tornou o povo
necessidade de garantir a participação no poder social, os homens
tranqüilo. Mesmo quando esse povo está contente, ainda resta
não se preocupassem com os direitos e garantias individuais.
muita coisa a fazer. É preciso que as instituições terminem a educa-
O perigo da liberdade moderna está em que, absorvidos pelo gozo ção moral dos cidadãos. Respeitando seus direitos individuais,
da independência privada e na busca de interesses particulares, protegendo sua independência, não perturbando suas ocupações,
renunciemos demasiado facilmente a nosso direito de participar do devem, no entanto, consagrar a influência deles sobre a coisa públi-
poder político. ca, chamá-los a participar do exercício do poder, através de deci-
sões e de votos, garantir-lhes o direito de controle e de vigilância
Os depositários da autoridade não deixam de exortar-nos a isso.
pela manifestação de suas opiniões e, preparando-os desse modo,
Estão sempre dispostos a poupar-nos de toda espécie de cuidados,
pela prática, para essas funções elevadas, dar-lhes ao mesmo
exceto os de obedecer e de pagar! Eles nos dirão; "Qual é, no
tempo o desejo e a faculdade de executá-las.
fundo, o objetivo de todos os vossos esforços, o motivo de vosso
trabalho, o objeto de vossas esperanças? Não é a felicidade? Pois
22 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

30/08/2011 • Tempo e política: variação e permanências. Fundação,


conquista e conservação. Tempo, cíclico, como fator de
Plutocracia – governo daqueles que detêm a riqueza (elite). corrupção.

Oclocracia - governo em que o poder reside nas multidões ou na • O poder como Centauro: coerção e consenso.
população – pobres no poder!
• O corpo político como intrinsecamente cindido entre o desejo
Esmola gera dependência (o melhor e ensinar a pescar e não só dar de dominar dos Grandes e o desejo de não ser oprimido do
o peixe) povo.

“Os clássicos da Política” • Política e imaginário simbólico: “É, pois, uma condição
fundamental da política se desenrolar na aparência”.
Francisco Weffort – Vol. I - “O príncipe”

Maquiavel – Bajulador

As vezes, “os fins justificam os meios”!?

Roteiro de aula: Maquiavel (1469-1527) e


o Republicanismo Moderno

1 Qual é o lugar de Maquiavel na filosofia


política?

• Separação ética/política, ética consequencialista


ou dos fins? um anti-cristão ou anti-Cristo?(Old
Nick), Baixo maquiavelismo no senso comum.

• Autonomia da reflexão sobre a política como um


continente próprio dotado de relações próprias:
Aristóteles ou Maquiavel?
Maquiavel: contexto histórico – Discursivo (Sec. XV-XVI)
• Fundação da ciência política moderna: Maquiavel ou Hobbes?
Interlocutores: Quentin Skinner e Newton Bignotto
Realismo? Anacronismo?

• Fundador de uma das vias de ruptura com o pensamento


político-teológico na aurora da modernidade?

2. Vida de Maquiavel.

• Vida intelectual após exílio e intensa prática política como


secretário Fiorentino; O príncipe (1513),

• Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1513-17),


Mandrágora (1518), A arte da guerra (1520), História de
Florença (1520-25).

• Humanismo cívico: dedicação à vida pública (homem de letras


e político).

31/08/2011

3. Para ler Maquiavel

• “Verdade efetiva das coisas”: sentido normativo versus


Pico de La Miranda – O discurso
positivação da política;
VIRTUDE:
• A indeterminação e a contingência (efeitos aleatórios) como
fundamentos fortes da política. Os temas da Fortuna e virtù.
• Boas Leis

Fortuna = sorte  fluxo dos acontecimentos – pró-ativo


• Boas Armas
(tsunami = prudência/preparo para evitar maiores danos)

• Bons Costumes
Virtù = Virtude  ação eficaz – bem comum
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 23

06/09/2011 a chave, por excelência, do sucesso do príncipe que se


expressa pela manutenção da conquista.
Conservação do Poder

Desconsiderar a moral (necessidade) • O poder se funda na força, mas é necessário virtú para mantê-
lo (principalmente nos novos governos).
Fim da Política: conservação do poder público, que visa buscar o
bem comum.
• O político não deve, necessariamente, ser bom (no sentido
Principado  Respeito às leis cristão do termo); não deve se guiar pela moralidade vigente,
República  Respeito às leis/Liberade mas pela sua sabedoria de agir conforme as circunstâncias.
Contudo, deve aparentar possuir as qualidades valorizadas
Ambos precisam preocupar-se com o bem público.
pelos governados. O que conta em última instância é o triunfo
sobre as dificuldades, a manutenção do Estado, sua
Natureza Humana. Ponto de vista útil na política, os governantes estabilidade e a liberdade. A política tem uma lógica própria;
estarão mais precavidos diante dos problemas.
não se enquadra no moralismo piedoso.
Virtude – Eficácia da ação.

Para obedecer, é necessários o poder legitimado, consentido.

É fácil conquistar pela força, mas o difícil é manter o poder. Para 5 O tema da República em Maquiavel
isso é preciso a virtude.
• Há duas soluções para a anarquia, decorrente da natureza
Um político deve considerar as convicções éticas e responsabilida-
humana: o principado e a república; A decisão sobre as formas
de. O bom político não tenta alterar a natureza do homem, mas de
explorá-las. de governo depende sempre da situação concreta vivida, e não
pode ser postulada a priori. Quando há ameaça de dissolução
O comportamento privatismo, particular dificulta as relações sociais,
interfere na liberdade dos outros. da nação e quando a corrupção se alastrou pela cidade, a
melhor forma de governo é o principado, governo forte e
Privatismo: conceito republicano de corrupção dos valores – não é
centralizador. O príncipe não é um tirano, mas sim o fundador
só um problema político, mas social.
do Estado, o elemento de contenção da desordem. Quando a
sociedade vive uma situação de equilíbrio, ela está preparada

4 Ética e política em Maquiavel para a república. Neste regime, o povo é virtuoso e há


liberdade, instituições estáveis que contemplam a dinâmica das
• Conflito inexorável? "O governante deve aprender a poder a relações sociais. Neste caso, os conflitos são benéficos, pois
não ser bom quando necessário". estimulam a cidadania ativa. Por que República ? As vantagens
do povo em relação ao príncipe (sentido não elitista da sua
• Natureza humana: antropologia pessimista ou uma filosofia política): maiores guardiões da liberdade.
condicionalidade histórica? "Os homens são ingratos, volúveis,
simulados, dissimulados, fogem dos perigos, são ávidos de
ganhar e, enquanto lhes fizerem bem, pertencem inteiramente
6 O tema da fundação contínua da liberdade
a ti, te oferecem o sangue, o patrimônio, a vida e os filhos [...]
desde que o perigo esteja distante, mas quando precisa deles, • Fundação: o tema do Legislador: boas leis não suficientes.
revoltam-se” (O Príncipe, cap. XVII). Líderes exemplares. O estudo da história ("retorno aos
antigos") é um instrumento eficaz para saber as causas e os
• Duas gramáticas da relação entre ética e política: cristianismo
remédios contra a anarquia e a tirania; Necessidade do eterno
(cultivo da vida eterna) e republicanismo (cultivo do mundo
retorno aos valores da fundação.
presente).

• O sentido da virtù: negação da Fortuna? Fortuna não é uma


força maligna, inexorável, o destino cego. É uma deusa que 07/09/2011
precisa ser seduzida, para se poder colher os seus favores
Feriado da Independência
(riqueza, fama, glória, honra, etc.).Virtú não significa bondade,
mas sim poder; não a força bruta, mas a utilização virtuosa e
estratégica da força.

• O bom governante não é sempre o mais forte, mas aquele que


demonstra possuir virtude, isto é, que sabe manter o domínio
adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos
governados. Um governante virtuoso procurará criar
instituições que facilitem o domínio. Sem excelência, sem boas
leis, boas instituições, um poder rival com certeza irá surgir.A
força explica o fundamento do poder, porém é a posse da virtú
24 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

13/09/2011 sobre a origem das desigualdades, Contrato Social, Emílio e Nova


Heloísa. Críticas dos enciclopedistas e condenação pela Igreja.
Leitura obrigatória: Livro:
Os clássicos da Política – Vol Reapropriação de seu pensamento político posteriormente a 1789.
I
Polêmicas interpretativas: "liberal contraditório", fundador do "indivi-
dualismo moderno", "socialista insuficiente", fundador do socialismo
de estado ou "proto-totalitário", "jusnaturalista". Recuperado por

Leitura complementar: Kant ("Newton da moral"). Pensador "camaleônico" e deliberada-


mente não-sistemático.
História da Filosofia – Gio-
vanni Reale

Rousseau e o republicanismo 2 Contexto histórico-discursivo


democrático.
Filosofia da Ilustração (Diderot, D'Alembert, Voltaire): crítica aos
dogmas e preconceitos religiosos, aposta na razão como luz contra
as trevas da fé; crítica ao Antigo Regime, aos regimes políticos
REPUBLICANISMO baseados no nascimento e na religião; crise da monarquia absoluta
assentada numa sociedade de estamentos decadente que, ainda
⇒ Valorização da vida pública
cultivava o modo de vida aristocrático (cultura cortesã). Arauto da
Revolução?
Educação e cultura cívica

Recupera Maquiavel e os humanistas cívicos, mas acrescentando o


⇒ Diferenciação entre bens particulares e o bem público (comum)
conceito de soberania popular, como valor, ao republicanismo.

⇒ Corrupção: “Morte do corpo político”: Privatismo e degeneração


moral da sociedade (Mercantilização da vida)

3 A natureza humana e a crítica da moral e dos cos-


⇒ Estado: promotor da liberdade.
tumes

Crítico das ciências como ornamento à nobreza. "A restauração das


ciências e das artes ajudou a depurar a moral?" Não. Condena as
DEMOCRACIA
ciências de seu tempo não por terem se afastado de deus, mas por
não contribuir para a integração do indivíduo na comunidade políti-
⇒ Princípio da soberania popular = “povo soberano”
ca. Crise de civilização.

⇒ Todos são iguais (cidadania), condenação radical da escravidão.


Separação entre ética e ciência, entre virtude e razão. Corrupção:
degeneração dos costumes, antítese ser-parecer: ausência de boa-
⇒ Ideal de democracia direta x democracia representativa e contro-
fé, sinceridade, autenticidade e confiança nas pessoas.
le popular (cidadão-ativo, participativo)

A "queda" do homem é um evento histórico que, portanto, pode ser


revertido. Seu conhecimento se dá pelo auto-
conhecimento, não pelo conhecimento histórico.
Roteiro de aula: Jean-Jacques
Rousseau e o republicanismo Estado de natureza: estado hipotético (não existe,
democrático talvez nunca tenha existido nem nunca existirá) que,
assim como a infância, situa-se nos primórdios da
1 A vida e a trajetória intelectual humanidade e caracteriza-se pela felicidade, virtude
e transparência. Ideal-regulador, medida de avalia-
Músico, romancista e filósofo político, ção de nossa condição atual.
nascido em 1712 em Genebra, Suíça,
("cidadão Rousseau"), morto em Erme- A natureza humana apenas foi encoberta por nossa

nonville, França, em 1778. Obras: Discur- sociabilidade corrompida. Crítica à mercantilização


da vida: o mal identifica-se com a paixão humana
so sobre as artes e as ciências, Discurso
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 25

pelo que é exterior (prestígio, bens materiais, o parecer, etc.). 4 O contrato social

A sociabilidade natural do homem produz estima e benevolência, ao Não se deve estabelecer o Direito dos fatos. Necessidade de se
passo que os laços pessoais passaram na atualidade a serem pensar a normatividade da política (dever-ser).
mediados por coisas.
Refundação do corpo político que considera a igualdade e liberdade
"O eu do homem social não se reconhece mais em si mesmo, mas de todos como seu fundamento, distingue esse Estado daquele que
se busca no exterior, entre as coisas". Inventa novos desejos que serve ao domínio dos ricos sobre os pobres. Pensar a ordem social
não pode satisfazer por si mesmo. "Bom selvagem"? a partir do consentimento livre.

Destituído de moralidade, de reflexão, vive, como a criança, num Contrato: "o ato pelo qual o povo é povo". Ordem social se constitui
mundo amoral de sensações puras; foi, todavia, corrompido pela de um pacto de indivíduos nascidos livres e iguais.
sociedade na medida em que, para vencer os desafios naturais,
desenvolveu o trabalho e o pensamento, distanciando-se da nature- Exclusão das mulheres do pacto: naturalização ou despolitização

za (surge o orgulho); o amor-próprio (sobrevivência) perverte o amor das relações de poder entre homens e mulheres; a essas cumpre se
de si (vaidade e sede de poder). encarregar da criação dos filhos.

Se os interesses corromperam a sociedade, pode (e como) a moral Mas se a ordem social é igualitária ela pode, legitimamente, excluir
educar os interesses? as mulheres? (questão postas pelas pioneiras do feminismo, Olym-
pe de Gouge e Mary Wollstoneccraft).

Revolução (Engels) ou educação (Kant, Cassirer)? Não é um revo-


5 Desigualdade e liberdade lucionário. Educação: Emílio, formação de uma moralidade pública
que forma o cidadão para a vida.
As desigualdades entre os homens nascem, não da diferença natu-
ral entre eles (talento, força), mas com a criação da propriedade Ela é condição de razoabilidade do pacto social e instrumento que
privada. permitiria a construção de uma nova ordem social.

O Estado existe para manter o reino da desigualdade ("a conspira- O Estado deve educar o cidadão, isto é, um indivíduo moralmente
ção dos ricos contra os pobres"). autônomo (autocontrole).

Direito de propriedade não é natural, mas contratual. Diferentemente de Hobbes e Locke (para os quais o contrato cria
um Estado), o contrato rousseauniano refunda o Estado tendo como
No estado de natureza só há posse, não Direito. fundamento a liberdade de todos.

No estado civil, o soberano, isto é, o povo é o proprietário. Incompa- Não há transferência de poder, de liberdade: o povo continua sobe-
tibilidade absoluta entre Direito e escravidão (primeiro filósofo a rano. A política livre (democrática) poderá eliminar a corrupção
condenar qualquer forma de escravidão, ainda que tenha consenti- moral.
do com o domínio sob as mulheres).

Toda escravidão se baseia na força e a força não cria o Direito. a


liberdade só pode existir mediante a participação na política e não é 5 A vontade geral e o princípio da soberania popular
compatível com a desigualdade.
Não se realiza mediante a supressão das particularidades, mas da
A liberdade não é um direito natural, mas criação do contrato. Liber- sua compatibilização com o interesse público, determinado pela
dade está associada a governo do povo (soberania popular). vontade geral; convergência do que há de interesse comum entre
os cidadãos.
Não é licenciosidade (corrupção), ou arbitrariedade, mas a elimina-
ção desta; agir de acordo com a lei formulada pela vontade geral (a A Vontade Geral não delibera sobre aquilo que é particular, especí-
lei é complementar à liberdade, e não antagônica). fico, mas tão-somente acerca daquilo que é comum a todos cida-
dãos.
A lei governa a todos; todo particularismo em relação a ela deve ser
evitado. As desigualdades físicas entre os homens (inclusive de A Vontade Geral constitui a moralidade (pública e democrática).
propriedade) são compensadas pela igualdade legal e moral. Dimensão teórico-normativa: não se pode representar a soberania;
Dimensão prática-normativa: a soberania pode ser representada
Não é a diferença de bens ou a pobreza um mal em si, mas a priva- (Constituição da Polônia), mas precisa ser controlada pelo povo.
ção de direitos delas decorrentes, o domínio dos ricos e poderosos.
26 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

14/09/2011 Roteiro de aula:


Hobbes

1. A vida intelectual
Leitura obrigatória: Livro: Os clássicos da Política – Vol I – Fran-

cisco Weffort origem humilde, o “merca-

do do humanismo”, tutor e
Leitura complementar:
preceptor, Oxford, Conde

História da Filosofia – Gionni Reale – Vol. II de Devonshire, tradução

de “Guerra do Pelopone-
Reforma política e cidadania – Renato J. Ribeiro
so”( Tucídides), secretário

de Bacon( 1621 a 1626), crítica às Meditações de Descartes, e

encontro com Galileu (método galilaico). Elementos da lei natural e


HOBBES E O ESTADO SOBERANO política (1640), De cive ( 1642), quase morte, Leviatã (no exílio na

França, 1651), Sobre o corpo (1654) e Sobre o homem (1658),


POLÍTICA
Behemoth ou o Parlamento Longo (1670), processos de ateísmo e
Psicologia longa vida criativa.

A primeira e maior obra de filosofia política em língua inglesa. "A

ciência política começa com minha obra (De Cive)".


NATUREZA HUMANA OU CONDIÇÃO NATURAL

- Igualdade (violência)

2. Contexto científico
- Opacidade

Método demonstrativo ou dedutivo: a partir de definições inequívo-


- Auto-interesse
cas dos termos chegar-se-ia a axiomas e postulados indubitáveis.
- Competição (riquezas, glória)
Pretensão de elaborar um continuum que vai da geometria (“única

ciência que até agora Deus quis presentear o gênero humano”) à

fisica, à psicologia e à política: rompimento com o princípio aristoté-


ESTADO DE NATUREZA
lico e humanista (ciências práticas e teoréticas).

Pré e apolítico (condição)


Dedução lógica e conceitual: não empirismo (Bacon) ou experimen-

- Guerra civil – “Behemont” talismo.

- Sociedade “Primitiva” Há essa possibilidade, pois assim como os entes matemáticos, o

Estado é uma criação da mente humana e, por isso, pode ser co-
- Relações internacionais – “Anárquicas” – Escola realista.
nhecido por pura dedução; Os erros em ciência moral levam não

são apenas engano, mas a ruína dos homens.

ESTADO CIVIL – “Leviatã”

Soberania – absoluta e indivisiva 3. Conceitos fundamentais:

- Segurança individual 3.1. Estado de natureza

“Fiador do Contrato Social (submissão) "guerra de todos contra todos". Em função de três causas funda-

mentais (opacidade de todo ser humano, igualdade natural e au-

sência de um poder universalmente coercitivo), a ação racional é


NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 27

violentar primeiro os outros, antes que o façam comigo ("homem nada do que este faça pode ser considerado injúria para qualquer

lobo do homem"). de seus súditos, e que nenhum deles pode acusá-lo de injustiça.

Machpherson: Ética possessiva (burguesa) Hipótese conceitual ou 3.3.5 Aquele que detém o poder de soberano não pode ser morto,

ameaça real? nem de qualquer outra maneira pode ser punido por seus súditos.

Três situações:

• guerra civil (anti-estatal, Behemot), 3.4. Estado civil:

• sociedades primitivas (pré-estatal), 3.4.1 O Leviatã não

aterroriza. Terror existe no


• ordem internacional (interestatal).
estado de natureza.

O poder do soberano

3.2. Direitos e leis naturais apenas mantém os súditos

temerosos, já que agora


Vida (autopreservação), paz (esperança), renúncia ao poder natural.
eles conhecem o modo de
Influência das paixões (ganância, medo e esperança). Mas para
como devem seguir para
Hobbes não adianta a lei se não há maneira de se fazer valer sua
não despertar a ira do
aplicação. Por isso é necessário o uso da força.
soberano.

“Não basta o fundamento jurídico. É preciso que exista um Estado


3.4.2 O indivíduo mantém
dotado de espada, armado, para forçar os homens ao respeito (...).
“uma” liberdade: a de não obedecer, caso tenha sua vida

Mas para isso, o poder do Estado tem que ser pleno, absolutamente ameaçada.

soberano". (Ribeiro, Clássicos da política, p. 55)


Esse é o único direito que o indivíduo não abdica na criação do

contrato (Leviatã, cap. XXI).

3.3. O contrato

3.3.1 Na medida em que pactuam devem entender-se que não se Liberdade negativa e polêmica com os republicanos (Skinner):

encontram obrigados por um pacto anterior ou qualquer coisa que ausência de impedimento (não de dependência, poder arbitrário).

contradiga o atual.
3.4.3 O Estado tem poder ilimitado: essa é a condição para que ele

3.3.2 Dado que o direito de representar a pessoa de todos é se permaneça “sólido”.

conferido ao que é tornado soberano mediante um pacto celebrado


Defesa da soberania incondicionada, ampla e irrestrita: não é um
apenas entre cada um e cada um, e não entre o soberano e cada
monarquista radical (soberania absoluta é compatível com
um dos outros, não pode haver quebra do pacto por parte do
monarquia, aristocracia e democracia).
soberano, portanto nenhum dos súditos pode

libertar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de 3.4.4 O Estado não se limita a deter uma

infração. morte violenta. Ele também cria a

esperança numa vida melhor.


3.3.3 Se a maioria, por voto ou consentimento,

escolher um soberano, os que tiverem discordado 3.4.5 Fundamento do poder do Estado:

devem passar a consentir juntamente com os Não-teológico (reforma protestante).

restantes.
Não faz a defesa de um Estado laico, mas

3.3.4 Dado que todo súdito é autor de todos os atos da submissão do poder espiritual ao

e decisões do soberano instituído, segue-se que temporal (ver capa do Leviatã).


28 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

20/09/2011
Contrato Social

• Fundamento do poder político

• Consentimento livre e unânime

• Funda a sociedade civil (organizada)

• Transferência Parcial do Poder natural ao estado.

Estado Civil (Político)

• Regime escolhido pela regra da maioria.


Filme: Ônibus 174
• Separação parcial dos poderes: controle mútuo

• Legislativo: poder soberano controla o executivo

• Liberdade negativa

• Direito à rebelião

• Cidadãos: homens proprietários


(patriarcal e não-democrático)

Natureza humana – contrato social mútuo

Ônibus 174 ⇒ Hobbes - Sandro do Nascimento – algoz ou vítima?

Estado – segurança pública - Relação de medo e esperança

HOBBES LOCKE
21/09/2011

LOCKE E A TRADIÇÃO LIBERAL - A guerra é exceção! República Liberalismo

Estado de Natureza Liberdade positiva Liberdade negativa

• Pré-social e pré-político Moralidade Instituições

• Pacífico: liberdade e igualdade

• Direitos naturais (Jusnaturalismo): vida, liberdade e propriedade


privada (fruto do trabalho)

RAZÃO (menos guerras) x PAIXÕES (mais guerras)


NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 29

Roteiro de aula: Locke e a Tradição Liberal


A teoria da propriedade
Vida e obra
Propriedade no estado de natureza: indica os bens maiores e
naturais ao homem: liberdade, vida e propriedade material. É,
portanto, uma instituição anterior à sociedade. Logo, o governo civil
1632-1704. Grego e
não pode dispor dela como bem entender.
retórica (Oxford) em 1658.
Medicina, anatomia,
A propriedade é criada a partir do trabalho do homem (ela antes
fisiologia, teologia. 1668:
estava limitada ao trabalho de um homem, mas depois passa a ser,
admitido na Royal Society
com o dinheiro e com acumulação de riquezas, ilimitada).
of London. 1672 :
secretário de Lord Ashley
Cooper, Conde de
Shaftesbury. 1675 : exílio na França. 1679-1682 : conspiração O contrato social
contra Carlos II. Os primeiros escritos da juventude: hobbesianismo.
Pacto baseado no consentimento
Dois tratados sobre o governo (1690). Ensaio sobre o entendimento
explícito ou tácito. Este é criado
humano (1690) Carta acerca da tolerância.
quando todos os indivíduos dão o
seu consentimento (unânime) em
relação ao contrato social.
Estado de Natureza
Feito o pacto, a forma de governo
Estado pré-social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita (monarquia, oligarquia, democracia, ou governo misto) é decidida
liberdade e igualdade entre os homens. Afirmação da igualdade pela regra da maioria. Independentemente da forma adotada, todas
natural dos homens Não se trata, contudo, de licenciosidade: de devem preservar a propriedade individual.
poder, por direito, destruir a todos. Há a razão que impõe leis
naturais aos homens e todos podem por ela conhecer. São princípios fundamentais do Estado civil: o livre consentimento
dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, livre
Os direitos naturais fundamentam as leis civis. Por exemplo: o consentimento da comunidade para a formação do governo,
direito de revidar uma agressão, de matar um assassino, controle do executivo pelo legislativo (poder supremo). e o controle
fundamenta o poder político de uma comunidade de penalizar do governo pela sociedade.
alguém com a morte. O estado de natureza para Locke é uma
situação real e historicamente determinada pela qual passara, ainda Não soberania popular. Princípio da maioria. Legislativo como poder

que em épocas diversas, a maior parte da humanidade e na qual se supremo. A divisão de poderes: legislativo e executivo. Limites do

encontravam ainda alguns povos (tribos norte-americanas). poder soberano.

Esse estado de natureza era um estado pacífico no qual os homens Direito de rebelião: A violação deliberada e sistemática da

desfrutavam da propriedade, que numa primeira acepção significa propriedade (vida, liberdade e bens) e o uso contínuo da força sem

os direitos naturais do homem (vida, liberdade, propriedade). Estado amparo legal colocam o

de natureza não é estado de guerra. governo em estado de


guerra contra a sociedade e
O primeiro caracteriza-se pela convivência pela razão, mas também os governantes em rebelião
pela ausência de uma autoridade capaz de julgar os homens. O contra os governados,
segundo caracteriza-se por ser um estado onde um homem conferindo ao povo o direito
submeter outro através da força, sem o direito de fazê-lo. Para fugir legítimo de resistência à
da possibilidade do estado de guerra, os homens, em estado de opressão e à tirania.
natureza, estabelecem um pacto para criar o governo civil.

A passagem entre o estado de natureza e a sociedade civil se dá


por meio da transferência parcial do poder natural (cap. VII, p. 73)
30 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

27/09/2011 populares. Old Nick, assim agia, porque acreditava que o


sistema Republicano, só seria possível de ser implantado em
Questionário - 2ª unidade
situações de equilíbrio social, onde a população é quem seria
responsável pelo poder, dotada de virtude. Desta forma, a
liberdade e as instituições estáveis contemplariam as relações
sociais, haveria ampliação da cidadania ativa, nesta caberia ao
povo a função de guardião da liberdade. Mas ressaltando que,
não se encontrando na sociedade, as condições necessárias a
implantação da republica, o melhor segundo Maquiavel, era o
fortalecimento da monarquia para que a corrupção não se
alastrasse pelo reino, o povo sendo submetido ao poder, seria
então privado de sua liberdade.

RESPOSTAS: Dra. Micaely Jeniffer Berry da Silva – “Mica”


3. Rousseau deve ser compreendido mais que simplesmente
um teórico da política, um crítico da moral e da civilização
de que fazia parte. Comente essa proposição, recorrendo às
1. Explique qual o sentido da assertiva maquiaveliana segundo
ideias de desigualdades, escravidão, interesse particular e
a qual o "príncipe deve aprender a poder não ser bom",
liberdade.
ainda que tenha que aparecer assim. Qual é a relação dessa
ideia com o adjetivo maquiavélico? As ideias de Rousseau constituem uma critica a civilização em
que era parte, uma vez que, era um filosofo da ilustração, que
A assertiva diz respeito à teoria de Maquiavel, em que ele se
almejava a liberdade, o desenvolvimento por parte do povo da
refere à forma de governo de principado, o poder deste, então
capacidade de reger uma soberania capaz de determinar o que
deve ser único, forte e centralizado, dotado de virtú. Que não
era melhor para os mesmos, livre de influências impostas pelos
seja exclusivamente embasado na força, mas sim na habilidade
dogmas cristãos. A critica consistente na teoria que Rousseau
e na estratégia de contenção do povo. Ademais, deve ser dotado
discorre referente ao antigo regime, é que esta forma esta de
de fortuna, atribuído dos valores de riqueza, fama e glória, o
governo representava um rígido controle político, que submetia a
Príncipe deve parecer bom, detentor de certas características
população a um intenso controle estatal, via-se presente também
apreciadas pelo povo, entretanto, deve ser saber exatamente
uma relevante influência religiosa. A monarquia se embasava na
como agir conforme as circunstâncias lhe apresentadas, porque
perpetuação do poder por hereditariedade, sem respeitar e tão
ainda que o governante venha a não representar benefícios a
pouco dar voz de decisão ao povo, este que era o principal
certas parcelas da população, é o seu triunfo, e a sua glória que
instrumento de dominação política desta forma de governo.
o perpetuará em seu poder. O adjetivo Maquiavelianico se
relaciona com a assertiva quando se afirma, que se deve atingir
os fins, embora os meios não sejam morais ou benéficos a
todos. 4. Para Rousseau, as ciências de seu tempo contribuem para o
progresso moral dos homens? Por quê?

Não, a ciência não traz progresso moral, uma vez que esta se
2. O tema da república na teoria política de Maquiavel é com corrompeu e se transformou num ornamento da nobreza, não
frequência mal compreendido, na medida em que ele é e foi contribuindo para a integração popular no sistema político, e pelo
visto por muitos como um "adulador" dos príncipes. contrário, favorecendo a desagregação e a alienação do
Disserte sobre essa afirmação, considerando em seu
indivíduo frente ao Estado. Com o desenvolvimento da ciência,
comentário as noções de corrupção e liberdade, tais como houve a corrupção, a degeneração de costumes, ausência do
compreendidas pelo pensador florentino. desenvolvimento do princípio de boa-fé, afim de promover
melhorias na vida social.
Maquiavel é mal visto porque concedia estratégias de dominação
e poder aos governantes, como uma forma de manter a
centralização do poder, além de contenção de revoltas
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 31

5. Na tradição republicana, as noções de interesse público, direitos. Quais são esses direitos e qual relação deve ter o
liberdade positiva e virtudes desempenham um papel estado civil com eles?
central. Exemplifique essa observação a partir dos escritos
de Maquiavel e Rousseau. Segundo Locke, os direitos aos quais o homem é naturalmente
portador são: a vida, a liberdade e a propriedade privada. É um
Sim, ambos autores Maquiavel e Rousseau defendem o sistema estado em que se tem a convivência pela razão, mas também
republicanista como aquele que concede a população liberdade, pela ausência de um órgão que julgue as condutas humanas.
e possibilidade de verem atendidos o interesse publico, Assim faz-se necessária a firmação de um contrato social, que a
atendendo-se a dinâmica social de forma virtuosa e livre. Neste partir do consentimento dos indivíduos, dê forma a um governo,
sistema a soberania é pertencente do povo, os cidadãos ativos. ressaltando que independentemente da forma escolhida, este
O Estado deve, portanto, educar o cidadão para ele ser venha preservar a propriedade individual da população. Desta
autônomo concedendo liberdade para todos, assim a vontade maneira os indivíduos viveriam em uma sociedade, da qual
geral- popular, é o que deliberaria o que é comum e melhor ao seriam amparados por um governo, este por sua vez
povo. responsável pela regência dos conflitos de forma legal.

6. Thomas Hobbes é um autor que considera que tanto o 9. A teoria lockeana da política é, em parte, uma resposta
medo, quanto a esperança são paixões fundamentais da crítica à filosofia política de Hobbes. Explique a razão desse
política. Explique qual é o papel delas no comportamento comentário explanando acerca da noção de separação dos
humano, de acordo com a compreensão do filósofo inglês. poderes e direito dos indivíduos.

Para Hobbes, os principais instrumentos utilizados pela política, Locke critica Hobbes, no que diz respeito ao estado natural do
afim da manipulação do comportamento humano, é o medo, o homem, pois para ele, este possui igualdade por natureza, a sua
terror imposto pelo poder soberano, que mantêm os súditos convivência não é regida pela guerra, como afirma Hobbes, e
temerosos, conscientes de qual deve ser sua conduta para que o para confirmar que o ser humano não busca um estado de
Estado não conduza sua ira sobre eles. O outro instrumento é a guerra, Locke diz que os homens firmam um contrato a fim de
esperança, razão pela qual os indivíduos acreditam que criarem um governo civil, que possui como característica
realizando o contrato terão uma vida melhor, com seus direitos fundamental a separação do poder legislativo e executivo, bem
individuais protegidos, bem como a relativa paz, e a igualdade como o poder de limitar as atividades do soberano, assim o
social. legislativo controlaria e limitaria o executivo.

7. Caracterize, sumariamente, o estado de natureza, na 10. Na tradição liberal, os interesses e direitos individuais, bem
concepção hobbesiana, e explique de que modo essa como sua liberdade, são noções centrais. Explique essa
condição natural determina o tipo de contrato e estado assertiva, exemplificando-a a partir das reflexões de
político estabelecidos. Hobbes e Locke.

O estado de natureza, para Hobbes, é aquele que configura a Sim, ambos os autores evidenciam o individuo frente à liberdade
“Guerra de todos contra todos” em função da opacidade e seus direitos individuais, nestes vê-se presente a conservação
humana, e da ausência de um poder capaz de coagir o homem, da vida, da propriedade e da liberdade como bens supremos a
assim é “natural” que um homem violente seu próximo com serem protegidos pelo Estado criado a partir do contrato social.
intuito de se defender. Deste modo, se faz necessário o contrato Para Hobbes, o individuo a fim de ter seu direito preservado, se
que dê ensejo ao poder soberano forte, que se faça valer pelo abstêm de sua liberdade individual para criar um Estado que o
uso da força, que submeta os homens a cumprir as ordens proteja de todos, mas que garanta sua vida e sua propriedade.
impostas pelo respeito, bem como pelo medo criado pelo Estado. Para Locke, o individuo cria um Estado para garantir a ordem
social, a fim de reger os conflitos, uma autoridade que julga a
população, mas que preserva, sobretudo, a sua propriedade.

8. Segundo Jonh Locke, todo homem nasce portador de certos


32 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

Roteiro de aula: John Stuart Mill (1806-1873) e o


28/09/2011
liberalismo democrático
Apresentação de Trabalho

Trab. 01: Hobbes - Racionais Mc's

Trab. 02: John Locke – Violência e UPPs

Contexto

Formação do capitalismo; moral vitoriana; modernização da


sociedade inglesa (urbanização e industrialização); Império
britânico. Pensador da transição.

Vida
Trab. 03: Maquiavel e Rousseau - Corrupção
Filho de James Mill (discípulo de Jeremy Bentham): utilitarismo: a
maximazação do prazer é felicidade humana e esta identifica-se
com o bem.

Ética consequencialista: "Felicidade do maior número".

Trabalhou na Companhia das Índias Ocidentais. Casamento com


Harriet Taylor: feminismo. Eleito para Câmara dos Comuns (propõe
o voto feminino, mas é derrotado).

Sobre a liberdade

Defesa de uma sociedade tolerante e plural em relação aos


indivíduos: diversos modos de vida e moralidades.
04/10/2011
Risco das sociedade contemporâneas: "tirania da maioria"
(Tocqueville): imposição e restrição da liberdade individual mediante
Apresentação de Trabalho – Finalização
a opinião pública e as leis. Liberdade: não-interferência: quer de
outro indivíduo, quer do estado.

A interferência só se justifica quando o indivíduo ignora os efeitos de


suas escolhas morais.

Excesso de intervenção do Estado prejudica a vida dos indivíduos.


O estado só deve intervir quando um indivíduo prejudica ou impede
outro indivíduo de gozar de sua liberdade (negativa).

Três leis da liberdade:


NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 33

• consciência, gosto e

• ocupação e

• associação (bases da autonomia individual).

A sujeição das mulheres

Crítica ao matrimônio como estratégia de domínio social da mulher


pelo homem ("escravas dos maridos"). Prática cotidiana da violência
doméstica e do femicídio (impunidade). A dependência econômica
constrage as mulheres ao domínio do homem.

Costumes vitorianos: degeneração moral de homens e mulheres.


Defesa do matrimônio amigável (igualitário). A submissão das
mulheres não é decorrente das diferenças naturais entre os sexos
(tamanho do cérebro? e as baleias?), mas devido desigualdades de
Considerações sobre o governo representativo
oportunidades.
Em grandes estados, a representação política se faz necessária;
Rompe com a separação entre público e privado ao reconhecer a
necessidade de representação das minorias.
dominação das mulheres como problema para o estado. O silêncio
Sistema eleitoral proporcional: expressa proporcionalmente todos os das mulheres não pode justificar sua sujeição; déspostas privados,
estratos da população. também, não podem ser bons cidadãos.

Sufrágio universal: incorporação de trabalhadores e mulheres. 05/10/2011


"Cada um é o melhor guardião de seus interesses".
Capítulos sobre o socialismo
Desempregados, párias e aqueles que não pagam impostos, não
têm direito à representação. Incorporação dos trabalhadores e Obra póstuma; reconhecimento da legitimidade das reivindicações
mulheres mediada pela educação (peso diferenciado do voto). dos mais pobres (justiça social).

Democracia representativa: melhor solução para as sociedade Caráter histórico e relativo do direito à propriedade privada: regime
modernas (complexas, diversificada, ampla população, etc.). capitalista deve ser compatibilizado com a distribuição mais
equitativa da riqueza (taxação ilimitada, particularmente as
A participação política promove o desenvolvimento moral do
heranças).
indivíduo, seu senso de responsabilidade (mesmo um despóta
benevolente é pior do que uma democracia, pois inexiste autonomia Defesa das associações cooperativas de gestão da propriedade
individual, causando um embotamento moral nos seres humanos). privada (socialismo cooperativo) e contrário ao comunismo
(centralização administrativa ameaça a liberdade dos indivíduos).

Aristóteles Sec. V A.c

Maquiavel Sec XV

Hobbes
Liberal Sec. XVII
Locke

Rosseau Sec. XVIII

Mill Sec. XIX

Liberal Webber Sec. XX


34 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

romance – Mary, A Fiction. Lança em 1787 também o livro


11/10/2011
Thoughts, apresentando divergências ao senso comum da época e
12/10/2011 a insatisfação quanto à situação das mulheres.

Recesso do Dia das Crianças Decidida a se dedicar à carreira literária e é ajudada por Joseph
Johnson, distribuidor oficial da literatura dos unitarianos, e se
18/10/2011 tornam grandes amigos. Intensa produção intelectual, publica quase
Roteiro de aula - trezentos trabalhos – romances, obras de teatro, ensaios sobre
Mary Wollstonecraft educação, tratados políticos e religiosos, livros de viagem e crítica
literárias. Estas transparecem a evolução de suas ideias as quais
Contexto dariam base para a obra Vindication.
O período de 1790 a 1794, A casa editorial de Johnson era lugar de encontro de intelectuais
em que Mary escreve os radicais e simpatizantes de reformas políticas na Inglaterra. Eram
seus textos políticos, é um adeptos ao republicanismo, chamados de jacobinos pelos
período peculiar – plena conservadores ingleses.
Revolução Industrial e
impacto da Revolução A revolução Francesa também foi muito impactante para as
Francesa. reflexões de Wollstonecraft. Um debate político foi lançado entre
Price e Edmund Burke. Indignada com as ideias de Burke, que era
contra a revolução francesa e os radicais, Mary escreve uma
Síntese biográfica resposta.

Nasceu em 1759. Seu pai Em 1790, é publicada a obra “A Vindication of the Rights of Men”,
era agricultar e sua sendo a primeira resposta publicada à obra de Burke. A obra de
infância foi vivida no Mary obteve interesse extraordinário, dando novo rumo a sua
campo. Passaram dificuldades financeiras, não teve oportunidade produção intelectual e vida pessoal. Exprimiu sua convicção de que
de ter uma educação formal, o que a levou a ser autodidata o direito de liberdade civil e religiosa é sagrado se compatível com a
(característica comum entre as mulheres de sua classe social, mas liberdade de todos, pregou a igualdade e denunciou a discriminação
rara entre os escritores políticos). Pai violento e alcoólatra, mãe sofrida pelas mulheres.
passiva e indolente e seu irmão hostil. Em 1791, Mary conhece Godwin e publica a 2ª edição de “A
A infância sofrida e marcada pela a falta de afeto. Falência do pai; Vindication of the Rights of Men”, já com as sementes da análise
muda-se para Londres e, sem um bom dote, já considerava a ideia das mulheres. Johnson instiga-a a escrever sobre as mulheres e em
de ser solteira. 1792, publica “Vindication of the Rights of Woman”.

A amizade com a jovem de dotes extraordinários Fanny Blood, deu Década de 1790 é marcada pela polarização de opiniões sobre a
acesso à Mary a obras de Milton, Shakespeare, Thomson e Pope e Revolução Francesa e pela repressão aos dissidentes e radicais. As
tornou uma fonte de felicidade. ideias republicans de Thomas Paine, na obra Rights of Men,
passam a representar um perigo para o governo britânico.
Situação financeira se deteriora muito e em 1778 torna-se dama de
companhia por dois anos. Paine fugiu para a França e Mary passa a ser associada a ele. Se
apaixona pelo pintor Henry Fuseli, que era casado. Propõe uma vida
Em 1782, depois da morte de sua mãe, vai morar com Fanny e a três aos Fuseli, o que provocou a fúria do pintor. Parte sozinha
ajudando-a com o trabalho de costura. para Paris. Ingressa no círculo de radicais de diversos países.
Experiência de vida difícil e de penúria. Abre duas escolas. A Com o início da guerra entre a França e a Inglaterra, o governo
primeira fecha por falta de alunos e a segunda obtém sucesso por francês toma medidas para expulsar os ingleses de seu território.
certo tempo. Tinha pouco preparo pedagógico para tal.
Muitos são presos. Mary não passa por isso graças a Gilbert Imlay,
Sua educação intelectual e política começam através do contato empresário norte-americano de quem se torna seu amante. Ele a
com um círculo de dissidentes religiosos – fiéis protestantes registra como sua esposa na embaixada dos EUA em busca de
desvinculados da Igreja Anglicana - e com Richard Price, ministro proteção a Mary. Engravida dele. Em Paris o terror estava
protestante e intelectual radical, que apresenta a ela as obras de instaurado e Imlay era muito ausente. Ele volta para Londres, em
Locke e Rousseau. 1794, deixando Mary e sua filha, Fanny, na França.
O círculo de dissidentes que Mary freqüentava pertencia à Igreja Ela volta a Londres a pedido de Imlay, depois de tentar suicídio, pois
unitariana; pregavam o livro uso da razão na prática religiosa e o este tinha uma amante. Numa tentativa de reconciliação, Mary
papel moralizador das mulheres na sociedade. viagem para Escandinávia a fim de tratar de negócios do amado e
Convivência com os dissidentes, chama sua atenção para as escreve um livro sobre o local, a última obra da autora publicada em
questões feministas ainda embrionárias. vida. Sua leitura apaixonaria Willian Godwin.

Amiga Fanny se casa e muda-se para Lisboa. Mary vai a Portugal Quando volta Imlay já havia montado uma casa para a amante,
auxiliar a amiga e fica profundamente consternada com a morte Mary então manda uma carta para ele avisando data e local do seu
desta no momento de dar a luz. Retorna a Londres, a segunda suicídio. Ela salta da ponte Putney, porém é resgatada viva. Propõe
escola é obrigada a ser fechada e Mary passa a trabalhar como uma relação “a três” com Imlay, que recusa. Em 1796 se reencontra
governanta das filhas do visconde Kingsborough, na Irlanda. com Godwin, este já reconhecido filósofo e líder intelectual.
Começam um romance e só se casam depois que Mary engravida.
É demitida pelo ciúme da mãe; passa a atuar como escritora, Trabalha na reescrita do seu romance Mary, a fiction, que deu o
lançando livro guia para educação de meninas e trabalhando em um
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 35

nome de Maria or The wrongs of woman. Ela conseguiu escrever Argumenta que se as mulheres fossem ensinadas a viver na
apenas dois terços dele, que foi publicado após sua morte. realidade seriam melhores mães e esposas. Utiliza-se desse
recurso argumentativo para lutar pela educação. Responde as
De complicações no parto, Mary faleceu em 1797. Sua filha,
causas que tornaram as mulheres inferiores – educação
também chamada de Mary, sobreviveu, casou-se com o poeta
desordenada que leva as mesmas a darem mais importância ao
Shelley e é autora da estória Frankenstein (1818), a qual muitos
dote físico e as regras de comportamento que ao cultivo do
diriam ter haver com o trauma de haver causado a morte da mãe.
entendimento.

A autora censura as regras rígidas de decoro e modéstia e


A Obra - Vindication of the Rights of Woman problematiza o tratamento desigual dado às mulheres, que devem
manter o decoro, e aos homens, os quais a falta de castidade é
vista com olhos brandos.

Critica o prazer como assunto central da vida das mulheres


enquanto para os homens é um simples descanso das atividades
mais sérias. “Rousseau havia sido um ídolo para ela, no sentido do
seu enfrentamento geral entre se e parecer, a verdade e o engano,
a virtude e a aparência de virtude.

Porém, ela se decepcionou com ele, ao perceber que, no tocante à


mulher, fora incapaz de discernir realidade e representação, ser e
parecer".

Ele afirma que as mulheres devem ser frágeis e passivas, devem


agradá-lo e lhe ser submissa, ambos devem ser educados de forma
diferente, as meninas devem desenvolver os encantos pessoais e
os meninos a capacidade física, as meninas devem obedecer, pois
são dependentes, devem ter pouca liberdade, sua melhor qualidade
deve ser a suavidade de caráter e ela deve ser passiva, pois foi feita
para agradar o homem.

Admite a superioridade física do homem, como algo da lei da


Natureza, mas essa superioridade, por si só, não pode levar à
conversão das mulheres “em objetos de atração de um momento”.

Critica os ricos e poderosos como débeis, artificiais, imorais,


vaidosos, minam os fundamentos da virtude e propagam a
corrupção pela sociedade inteira.

“Se a mulher não for preparada, pela educação, para se tornar a


Poucas mulheres escreveram sobre a emancipação feminina nos companheira do homem, ela irá parar o progresso do conhecimento
anos seguintes à morte de Mary e as que fizeram não as e da virtude; porque a verdade deve ser comum a todos, ou será
consideraram sua seguidora. No século XX sua obra seria ineficaz no que diz respeito à sua influência na conduta geral”.
resgatada por Virginia Woolf, Emma Goldman e pelo movimento
feminista da década de 1970 e 1980. Classifica como tirano tanto os reis quanto os pais de família.
Argumenta que, quando confinam as mulheres nas famílias e as
Nas últimas décadas do século, foi elevada a “mãe do feminismo. negam direitos civis e políticos, os homens agem como tiranos.
Foi bem recebida pela crítica, mas reprovada pelo grande público,
que a recebeu com alarme e ultraje. Refuta costumes, aponta as “Mas se as mulheres devem ser excluídas, sem direito à palavra, da
formas de opressão, critica autores que contribuem para tal e participação dos direitos naturais da humanidade, prove primeiro,
sugere mudanças. para rechaçar a acusação de injustiça e inconsistência, que elas são
desprovidas da razão; de outro modo, esta falha na sua nova
O tema principal de Vindication é a formação da identidade constituição sempre mostrará que o homem deve, de alguma forma,
feminina. Ela o percorre, resgatando a esfera puramente privada e agir como um tirano, e a tirania quando levanta sua fachada
levando-a para o debate público. Aponta que a educação é a descarada em qualquer parte da sociedade sempre solapará a
principal causa da desigualdade entre as mulheres e os homens. moralidade”.
Critica a excessiva relevância dada à beleza, riqueza e posição
social e as forças físicas e mentais ficarem em segundo plano. A falta de direitos legítimos das mulheres torna viciosos tanto os
homens quanto elas mesmas. Antecipa debates que se tornaram
Na sua dedicatória Mary critica a nova constituição francesa, que centrais para o feminismo.
exclui as mulheres dos direitos naturais da humanidade. Toda a
obra de Wollstonecraft é uma resposta a Burke, defensor dos Problematiza a separação entre a esfera pública e privada,
costumes, da aristocracia e da monarquia e uma resposta a politizando a segunda e conectando as práticas privadas à conduta
Rousseau, que defendia exclusivamente o direito dos homens. pública, refuta a imposição da feminilidade e a relaciona com a
subordinação vivida pelas mulheres, reivindica direito a cidadania e
A autora compara o “direito divino dos maridos” com o “direito divino a participação política, prega a liberdade, a autonomia e a justiça.
dos reis”. Denuncia a ignorância das mulheres. Para assegurar a
boa conduta das mesmas, os homens as mantêm num estado Refuta o sistema de privilégios das classes afortunadas e busca a
infantil. igualdade entre todos e todas.
36 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

QUADRO COMPARATIVO LIBERALISMO, SOCIALISMO, FEMINISMO E REPUBLICANISMO

MARY
MAQUIAVEL ROUSSEAU HOBBES LOCKE John Stuart Mill WOLLSTONECRAFT KARL MARX

Séc. XVII Séc. XVIII Séc. XVII Séc. XVII Séc. XIX Séc. XVIII Séc. XIX
Florença Genebra-Paris Inglaterra- Inglaterra Inglaterra Inglaterra Alemanha-
França França-Inglaterra

República demo-
Estado
República crática: Estado Democracia
soberano: poder Monarquia
(condicionada educa indivíduos liberal: direitos República
civil uno submete constitucional: Comunismo (via
Ideal político à existência de para a vida como individuais e democrática não
poder separação de Estado socialista)
costumes cidadão. Devoção ampliação da patriarcal
eclesiático, poderes
cívicos) à pátria. "Religião cidadania
garantindo a paz
cívica".
*Mercantilização
da vida (fama, *Tirania da
* Influência da riqueza, vaidade); maioria: opinião *Propriedade
*Opressão das
religião *Desigualdades pública privada e
*Influência da mulheres:
(Vaticano) sociais (não- * Tirania e abuso (tolerância e Capitalismo:
religião (seitas pluralismo) e exclusão
Principais sobre a naturais); do poder político alienação do
protestantes e abuso de poder política, moral e
Críticas política; *Escravidão * Intolerância homem.
Vaticano) sobre a educacional.
*Privatismo (fundamento: religiosa dos governantes. *Ideologias: à
política *Injustiças
(corrupção dos força); *Opressão das burguesia e à
sociais.
costumes) Privatismo mulheres. cidadania.
(corrupção dos *Injustiça social:
costumes)
Natural: lincen- Negativa: gozo
Positiva. Três
siodade que gera dos bens particu- Emancipação:
Positiva: sentidos: natural Negativa: gozo
conflito. Civil: lares. Não- Positiva: partici- liberdade obtida
participação (liçenciosidade), dos bens particu-
Liberdade negativa: gozo nterferência. Três pação política e mediante a
política e civil (autogoverno) lares. Não-
dos bens particu- leis: consciência, autogoverno extinção do estado
autogoverno e moral (autocon- interferência.
lares. Não- gosto e ocupação e do capitalismo.
trole)
interferência. e associação.
Homens,
Todos homens Homens inclusive
"Os melhores":
são cidadãos. Cidadania não proprietários: trabalhadores, e
república Todos homens e Homens: viés
Cidadania Exclusão das constituída: exclusão das mulheres:
aristocrática mulheres. classista.
mulheres (esfera direito à vida. mulheres e inserção gradual
(Roma)
privada). trabalhadores por meio da
educação
Conflito Fato histórico
inexorável (não-natural) Inexistente no Fato histórico:
Direito natural,
entre o desejo associado ao estado de redistribuição
como a liberdade Redistribuição "Um roubo"
Propriedade de dominar dos crescimento das natureza (força): igualitária das
e a vida. igualitária das (Proudhon).
privada Grandes e o de desigualdades submetida ao riquezas para
Extensão do riquezas
não ser sociais. Direito Leviatã. Direito incluir
trabalho humano.
oprimido do político submetido natural: vida. trabalhadores
Povo à Vontade geral
Detém os
Histórico: forma Mínimo (não-
poderes
de opressão dos interferência nos
executivo e
ricos sobre os Medo (força) e assuntos Necessidade de
federativo,
pobres. Dever- esperança: saída particulares). republicanização
Necessário: delegados Meio de opressão
ser: expressão da para o estado de (interesse
Estado estado-nação condicionalmente Final da vida: das classes
liberdade quando natureza (guerra público) e de
(Itália). pela sociedade estado não- dominantes
democrático, i.e., de todos contra despatriarcalizaç
civil que mantém patriarcal e
fundado sobre a todos) ão
o poder "socialista"
igualdade e
legislativo. Direito
liberdade
à rebelião.
Poder público Político (Estado
Criação do
Político: Político: Vontade Concedido (tirania da maioria) opressor) e
Geral. contrato social Esfera privada:
"centauro": incondicional e e privado econômico:
Poder (dois momentos): marido, déspota
força e Condenação do totalmente ao (mulheres como dominação de
sociedade civil e privado.
consenso poder econômico. Estado escravas dos classe que é
estado
maridos) estrutural
Sobre a liberdade
O príncipe A origem das Manifesto
desigualdades Dois tratados Consid. s/ o comunista
Discursos Do cidadão sobre o governo governo repres. Reivindicações
Principais sobre a entre os homens Ideologia alemã
Leviatã civil A sujeição das dos direitos das
obras primeira O contrato social O 18 de Brumário
Behemot Carta sobre a mulheres mulheres
década de Tito Emílio ou sobre a de Luís Bonaparte
tolerância Capítulos sobre o
Lívio educação O Capital
socialismo
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 37

19/10/2011 Capitalismo, Classes Sociais, Conflito Social e


Trabalho: a Contribuição de Marx
Roteiro Karl Marx e a Tradição Socialista
1 Contexto
Consolidação da sociedade liberal-burguesa: economia de mercado
(trabalho asslariado) e direitos da cidadania moderna (civis e
políticos).

2 Caráter secundário ou derivado da esfera da políti-


ca.
Estado como instrumento de dominação de classe. Luta de classes
e universalidade do proletariado. Transição para uma sociedade
sem classes e sem Estado (comunismo).

3 Formação intelectual
Socialismo utópico, filosofia alemã, política francesa, economia
política inglesa e o movimento operário. O intelectual e o militante.

4 O enigma da política
O cânone, a crítica liberal e a crítica republicana. O pensamento de Marx consiste num esforço de compreensão do
mundo capitalista e liberal que se consolidava em alguns países na
Europa do século XIX, em especial Inglaterra e França.
5 Capitalismo Consiste também numa combinação própria e crítica de três correntes
Caráter expansivo, dinâmico e fáustico do capitalismo: o elogio ou matrizes teóricas distintas: o socialismo “utópico” que há muito vinha
de seu ethos revolucionário. O caráter internacional do fenômeno e denunciando as injustiças sociais produzidas no novo mundo marcado
sua mundialização. pela competição entre os indivíduos; embora se identifique parcialmente
com esses pensadores e reconheça o valor histórico desses ideais, Marx
A dimensão dessacralizante da mercantilização e seus efeitos vê que eles são claramente insuficientes, pois esperam resolver os
corrosivos sobre o humanismo. Caráter cíclico das crises e a super- conflitos entre proprietários e trabalhadores de modo harmônico, por
produção. A proletarização e a pauperização absoluta e relativa. A meio da solidariedade social. Além dessa primeira matriz, Marx se nutre
lei tendencial da queda da taxa de lucro. fortemente da filosofia de Hegel que havia feito uma dura crítica ao
modo de pensar liberal (atomismo liberal, preeminência do mercado em
relação ao Estado, etc), mas também critica fortemente esse
6 O Estado pensamento na medida em que vê o desenvolvimento dialético da
A crítica à filosofia do direito de Hegel: O Espírito absoluto e a história apenas no plano espiritual da vida; e, por fim, Marx recorre às
elaborações da economia política inglesa acerca do modo de produção
liberdade como processo de auto-formação da humanidade.
capitalista, a preeminência da dimensão econômica da vida, embora
Eticidade como síntese da dimensão subjetiva da liberdade e do
conteste em grande medida os principais postulados dessa corrente.
caráter objetivo do direito.
Conceitos principais do pensamento de Marx: modo de produção;
O Estado integral: família, sociedade civil (sistema das
forças produtivas; relações de produção; trabalho; alienação; classes
necessidades + corporações e administração da justiça) e Estado.
sociais.
A solução alemã para a ordem moderna: interesses e ética;
A produção das condições materiais produz um mundo humano que
corpos representativos e burocracia; monarquia constitucional.
deve ser continuamente mantido; os resultados do trabalho humano são
O sentido da crítica de Marx: o método transformativo de transmitidos para as gerações vindouras. Estes herdam não apenas as
Feuerbach e a lógica da inversão. Crítica do momento especulativo forças até então produzidas, mas também as relações sociais delas
e materialidade. A “verdadeira democracia”. decorrentes. Como aquilo que é produzido é apropriado diferentemente
pelos indivíduos, dependendo do lugar que assumem na estrutura social
O caminho de Marx: superação do republicanismo e proletariado
(divisão social do trabalho), as relações sociais refletem essa
como classe universal; estudar a anatomia da sociedade civil.
desigualdade na apropriação do produto do trabalho. As forças
O cidadão e o burguês: A separação entre burguês e cidadão. O produtivas correspondem aos meios utilizados pelo homem na
caráter limitado dos direitos do homem. transformação da natureza (tecnologia, divisão do trabalho, processos
de produção e cooperação, etc.). Ela exprime o grau de domínio do
homem sobre a natureza; nesse sentido, o capitalismo é o estágio ou
7 A utopia da emancipação modo de produção que mais desenvolveu as forças produtivas.

A experiência da Comuna de Paris e o sentido do controle social do O tipo de divisão social do trabalho corresponde à estrutura de classes
poder. da sociedade. Toda sociedade é dividida em classes (determinadas de
acordo com sua ocupação no processo produtivo) que são, em alguma
As ambiguidades do conceito de ditadura do proletariado: Uma
medida, antagônicas. No capitalismo, essas relações contraditórias
sociedade sem Estado ou sem dominação política?
tendem a intensificar. Quanto maior a divisão do trabalho, maior a
Indivíduo e sociedade: a superação doa divisão social do trabalho produtividade, mas também maior a alienação de cada indivíduo e de
e a sociedade do tempo livre; a expansão inaudita da autonomia; o sua dependência da cadeia produtiva. A separação entre trabalho
cidadão universal. Qual liberdade? Negativa? Positiva? intelectual (burocratas, juízes, professores, artistas, etc.) e trabalho
manual é um capítulo avançado desse processe de crescente divisão
38 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

social do trabalho (a primeira forma de divisão social do trabalho maneira distorcida, em função dos interesses que elas representam.
consiste na diferenciação de funções segundo o sexo e a idade). Os Desse modo, além de serem falsas, as ideologias surgem para
vários graus de divisão social do trabalho estão associados também a satisfazer interesses particulares (de classe, por exemplo), mascarando
formas específicas da propriedade dos meios de produção. Assim, as condições reais de existência dos homens (que são desiguais). O
grosso modo, todas classes podem ser entendidas como possuidoras ou domínio da classe dominante não se restringe ao plano material (posse
não possuidoras dos meios de produção. A tendência no capítalismo e dos meios de produção), mas dirige-se igualmente para a esfera das
afastar o trabalho dos meios de produção (capital). crenças e opiniões.

Relações sociais de produção: tratam das diferentes formas de Para Marx, o modo de produção capitalista é caracterizado pelo conflito
organização da produção e distribuição, da posse e dos tipos de de classes e pela exploração pela classe não-produtora e proprietária da
propriedade dos meios de produção, bem como e que se constituem no classe produtora e não proprietária. Essa é a chave para compreender
substrato para a estruturação das desigualdades expressas na forma de seu pensamento. A radicalização dessas contradições gera,
classes sociais”. Como os indivíduos se relacionam para produzir os conseguintemente, uma crise revolucionária, um processo de supressão
bens necessários à sua vida social? São relações estruturais e objetivas da divisão entre classes a partir da ação política daqueles que trazem
que independem das suas representações mentais e da vontade em si o germe da nova sociedade, o proletariado (a classe universal).
individual.
No capitalismo há um conflito estrutural e inerente entre capital e
Assim, ao invés de partir da compreensão que os homens têm acerca de empresários e trabalho e proletariado. Esse conflito é também o motor
si mesmos, Marx está afirmando que é preciso considerar que são as da história. Identificar esse conflito supõe também indicar o modo de sua
relações criadas em torno da produção e reprodução material da vida superação (comunismo). Transitoriedade do capitalismo como apenas
que determinam a vida dos indivíduos e que independem da vontade uma das formas ou estágios de organização das sociedades.
deles. São essas relações chaves explicativas para compreensão da
A burguesia se vê forçada – em função do caráter concorrencial da
vida social.
economia – a transformar constantemente as forças de produção.
Melhor dizendo, são as contradições entre as forças produtivas e as Forças produtivas: “referem-se aos instrumentos e habilidades que
relações de produção que agem como motor da história. Toda vez que possibilitam o controle das condições naturais para a produção, e se
essas contradições se acirram, há uma revolução. Em relação às forças desenvolvimento é, em geral, cumulativo”.
produtivas, portanto, sempre há uma classe que quer manter as
Alienação: os produtores não se apropriam do produto do seu trabalho;
condições originais de produção e outras que lutam pela adequação das
antes, o seu próprio trabalho é tornado uma mercadoria que pode ser
relações sociais ao desenvolvimento das forças produtivas – essa é a
vendida. O trabalho então é tomado como um fardo. O salário é o
classe revolucionária.
objetivo do trabalho e ele serve apenas para manter o trabalhador em
O que se convenciona chamar de estrutura da vida social é, segundo a condições físicas de continuar sendo explorado. Por necessidade
concepção materialista, o conjunto de forças produtivas e as relações estrutural, no sistema concorrencial, na economia de mercado, o tempo
sociais. Esta é a base de toda sociedade. Entretanto, é preciso atentar excedente de trabalho (isto é, todo o tempo trabalhado que excede o
para uma primeira contradição intrínseca ao capitalismo: se as forças valor do salário) é apropriado pela burguesia, que controla a produção. É
produtivas são constantemente revolucionadas pela burguesia através dessa mais- valia que a burguesia consegue aumentar o seu
(desenvolvimento tecnológico), as relações sociais tendem a se manter lucro (a impossibilidade de diminuir os gastos com insumos leva à
estáticas, a se conservar no tempo. As revoluções não são acidentes da necessidade de explorar crescentemente o trabalho assalariado).
história, mas uma necessidade criada pela própria ordem social. Entretanto, o trabalhador é incapaz de perceber isso como exploração,
pois vive alienado.
Quatro modos de produção: de um lado, o asiático, que não constitui
parte da história ocidental e caracteriza-se pela subordinação de todos O que é o salário? Corresponde ao valo necessário para manuntenção
trabalhadores ao Estado e à sua burocracia; o antigo, feudal e burguês do trabalhador e de sua família, não ao tempo gasto para produção de
fazem parte da história do Ocidente: o primeiro é caracterizado pela um bem. A ideia é que cada vez mais um mesmo bem é produzido em
escravidão, o segundo pela servidão e o último pelo trabalho um tempo menor, aumentando a produtividade e o lucro potencial do
assalariado. São três modos distintos de exploração do homem pelo burguês, mas que a crescente riqueza produzida não é repartida com os
homem., distintos por níveis diferenciados de forças produtivas, relações trabalhadores. A reserva de mão-de-obra excedente serve também para
sociais diversas e a apropriação privada da riqueza também pressionar os salários para baixo, gerando um processo de crescente
diferenciada. pauperização da maior parte dos indivíduos.

Assim, identifica-se uma segunda contradição: o capitalismo se Alienação: não apropriação do produto do trabalho; estranhamento e
caracteriza por ter, em toda história da humanidade, desenvolvido as não reconhecimento na atividade do trabalho; o trabalho que tem como
forças produtivas numa escala inaudita, gerando um volume vultuoso de função imanente a libertação do homem, torna-se nos grilhões que o
riqueza; entretanto, a maior parte dos indivíduos, trabalhadores, mantém aprisionado; não domínio do processo produtivo (idiotismo do
mantém-se em estado de miséria. O desenvolvimento do capital leva, ofício). Alienado também pois, na capitalismo, o trabalhador é reificado,
destarte, inevitavelmente à pauperização e proletarização. transformado e tratado como mercadoria.

A divisão do trabalho e a, conseqüente, criação da propriedade privada, Deve-se destacar que a crítica de Marx ao trabalho assalariado não se
produziram contradições e tensões de interesses na sociedade (entre limita à crítica à exploração do trabalhador através da extração da mais-
indivíduos, entre a família e o público em geral). Essas contradições que valia, mas também do trabalho assalariado como forma moderna de
são escamoteadas pelas ideologias. Na sociedade capitalista, as escravidão; quer dizer, o trabalhador assalariado é um escravo na
ideologias dominantes são as ideologias da classe dominante, a medida em que se vê forçado a vender sua força de trabalho como única
condição para manter-se vivo.
burguesia, que representa a realidade inversamente: se o que importa
são seus interesses particulares, ela defenderá ideologias universais Nesse sentido, que importância tem os direitos de cidadania (civis,
(cidadania, democracia). Todas as ideias são fruto das condições reais políticos e sociais) concedido aos trabalhadores? Relevância parcial e
de existência dos homens. Os homens precisam produzir seus próprios circunscrita historicamente. As revoluções burguesas, em geral, tem
meios de subsistência para sobreviver. Esses meios de produção que precedido e são entendidas como condição para a revolução proletária.
devem ser criados pelo trabalho humano produzem certos tipos de
As contradições imanentes do capitalismo levam a um processo de luta
relações entre os homens. A situação social de um povo é, portanto, de classes: crescente reivindicações trabalhistas (cartismo na
condicionada pelo desenvolvimento das forças produtivas. É somente Inglaterra), organização e ação política. Organização das ligas
quando todo este processo está consolidado que a consciência humana comunistas e da Internacional Socialista. A classe “em si” torna-se
põe-se a pensar sobre a realidade. Numa sociedade de desigualdades, classe “para si”, pois assume gradualmente consciência de sua condição
as representações sociais não exprimirão ipsis literis esses conflitos. As objetiva, questionando as ideologias vigentes, e levando à uma situação
ideologias, então, são aquelas ideias que descrevem a realidade de revolucionária.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 39

Operário em construção (Vinícius de Moraes)


E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.
E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o
a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te,
Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás (Lucas, cap. IV, vers.5-8).

Era ele que erguia casas Um operário que sabia Que a dureza do seu dia
Onde antes só havia chão. Exercer a profissão. Era a noite do patrão
Como um pássaro sem asas Que sua imensa fadiga
Ele subia com as asas Ah, homens de pensamento Era amiga do patrão.
Que lhe brotavam da mão. Não sabereis nunca o quanto
Mas tudo desconhecia Aquele humilde operário E o operário disse: Não!
De sua grande missão: Soube naquele momento! E o operário fez-se forte Dou-te tempo de mulher
Não sabia por exemplo Naquela casa vazia Na sua resolução. Portanto, tudo o que vês
Que a casa de um homem é um Que ele mesmo levantara Como era de se esperar Será teu se me adorares
templo Um mundo novo nascia As bocas da delação E, ainda mais, se abandonares
Um templo sem religião De que sequer suspeitava. Começaram a dizer coisas O que te faz dizer não.
Como tampouco sabia O operário emocionado Aos ouvidos do patrão Disse e fitou o operário
Que a casa que ele fazia Olhou sua própria mão Mas o patrão não queria Que olhava e refletia.
Sendo a sua liberdade Sua rude mão de operário Nenhuma preocupação. Mas o que via o operário
Era a sua escravidão. De operário em construção – "Convençam-no" do contrário O patrão nunca veria
E olhando bem para ela Disse ele sobre o operário O operário via casas
De fato como podia Teve um segundo a impressão E ao dizer isto sorria. E dentro das estruturas
Um operário em construção De que não havia no mundo Via coisas, objetos
Compreender por que um tijolo Coisa que fosse mais bela. Dia seguinte o operário Produtos, manufaturas.
Valia mais do que um pão? Ao sair da construção Via tudo o que fazia
Tijolos ele empilhava Foi dentro dessa compreensão Viu-se súbito cercado O lucro do seu patrão
Com pá, cimento e esquadria Desse instante solitário Dos homens da delação E em cada coisa que via
Quanto ao pão, ele o comia Que, tal sua construção, E sofreu por destinado Misteriosamente havia
Mas fosse comer tijolo! Cresceu também o operário Sua primeira agressão. A marca de sua mão.
E assim o operário ia Cresceu em alto e profundo Teve seu rosto cuspido E o operário disse: Não!
Com suor e com cimento Em largo e no coração Teve seu braço quebrado
Erguendo uma casa aqui E como tudo que cresce Mas quando foi perguntado – Loucura! – gritou o patrão.
Adiante um apartamento Ele não cresceu em vão O operário disse: Não! Não vês o que te dou eu?
Além uma igreja, à frente Pois além do que sabia – Mentira! – disse o operário.
Um quartel e uma prisão: – Exercer a profissão – Em vão sofrera o operário Não podes dar-me o que é meu.
Prisão de que sofreria O operário adquiriu Sua primeira agressão E um grande silêncio fez-se
Não fosse eventualmente Uma nova dimensão: Muitas outras seguiram Dentro do seu coração
Um operário em construção. A dimensão da poesia. Muitas outras seguirão Um silêncio de martírios
Porém, por imprescindível Um silêncio de prisão.
Mas ele desconhecia E um fato novo se viu Ao edifício em construção Um silêncio povoado
Esse fato extraordinário: Que a todos admirava: Seu trabalho prosseguia De pedidos de perdão
Que o operário faz a coisa O que o operário dizia E todo o seu sofrimento Um silêncio apavorado
E a coisa faz o operário. Outro operário escutava. Misturava-se ao cimento Com o medo em solidão
De forma que, certo dia Da construção que crescia. Um silêncio de torturas
À mesa, ao cortar o pão, E foi assim que o operário E gritos de maldição
O operário foi tomado Do edifício em construção Sentindo que a violência Um silêncio de fraturas
De uma súbita emoção Que sempre dizia "sim" Não dobraria o operário A se arrastarem no chão
Ao constatar assombrado Começou a dizer "não" Um dia tentou o patrão E o operário ouviu a voz
Que tudo naquela mesa E aprendeu a notar coisas Dobrá-lo de modo vário De todos os seus irmãos
– Garrafa, prato, facão – A que não dava atenção: De sorte que o foi levando Os seus irmãos que morreram
Era ele quem fazia Notou que sua marmita Ao alto da construção Por outros que viverão.
Ele, um humilde operário Era o prato do patrão E num momento de tempo Uma esperança sincera
Um operário em construção. Que sua cerveja preta Mostrou-lhe toda a região Cresceu no seu coração
Olhou em torno: gamela Era o uísque do patrão E apontando-a ao operário E dentro da tarde mansa
Banco, enxerga, caldeirão Que seu macacão de zuarte Fez-lhe esta declaração: Agigantou-se a razão
Vidro, parede, janela Era o terno do patrão – Dar-te-ei todo esse poder De um homem pobre e esquecido,
Casa, cidade, nação! Que o casebre onde morava E a sua satisfação. Razão porém que fizera
Tudo, tudo o que existia Era a mansão do patrão Porque a mim me foi entregue Em operário construído
Era ele quem o fazia Que seus dois pés andarilhos E dou-o a quem quiser. O operário em construção.
Ele, um humilde operário Eram as rodas do patrão Dou-te tempo de lazer
40 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

25/10/2011 Duas formas de liberdade: a dos antigos, que desconheciam a


independência individual; nessa era, o indivíduo é quase soberano
Prova em dupla – com consulta – 24 pontos nos assuntos públicos e um escravo na vida privada. Além disso,
eram estados pequenos que faziam guerra uns com os outros,
26/10/2011
baseavam sua economia no trabalho escravo; a dos modernos está
Correção da Prova associado a ideia de indivíduo como valor supremo; os Estados são
mais amplos, quanto ao território e à população; tende a viver mais
01/11/2011
em paz do que em guerra, apoiando-se mais no comércio.
Roteiro: Democracia dos antigos e dos modernos
A liberdade dos modernos, a única possível nos tempos atuais, está
associado à existência dos governos representativos (não
necessariamente democráticos).

2. Conclusões: a extensão de um país (população de uma país)


diminui sensivelmente a importância política de cada membro
(argumento tornado clássico por Montesquieu em O espírito das
leis).

• A abolição da escravatura priva a população de tempo ocioso


para a participação política. Além disso, na modernidade boa
parte do tempo de vida é dedicado ao comércio que, ademais,
inspira aos homens um forte apreço pela independência
individual.

• Exceção: Atenas: democracia clássica baseada no comércio que


concedia grande liberdade individual.

• Não podemos mais desfrutar da liberdade dos antigos (liberdade


Bibliografia: positiva) a qual se compunha da participação ativa e constante
do poder. Nossa liberdade deve compor-se do exercício pacífico
1. "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos", Benjamin da independência privada". (argumento central do texto)
Constant.
• A compensação existente da participação política já não pode
2. Modelos de democracia, capítulo 1 ("A democracia clássica:
mais subsistir no mundo moderno.
Atenas"), David Held.
• "O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos
3. As metamorfoses do governo representativo, Bernard Manin.
os cidadãos de uma mesma pátria. Era isso que eles chamavam
4. Civic Republicanism. Iseult Honahan. liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios
privados".

Liberdade dos Antigos (positiva) – Liberdade dos modernos • A tentativa de se reconstruir a liberdade dos antigos nos tempos
Oposição ou complementaridade? hodiernos (hoje-atualmente), redundou em tirania, em supressão
de qualquer individualidade (Rousseau).

• A independência individual é a primeira das necessidades


Liberdade dos Modernos (negativa)
modernas... não se deve nunca pedir seu sacrifício para
 Indivíduo estabelecer a liberdade política". Nenhuma instituição política
antiga deve ser imitada (ex: ostracismo e censura romana). A
 Governo Representativo ≠ Democracia existência da liberdade na modernidade está associada à
conteção da autoridade política.
Delegação do poder soberano Soberania popular – criada
• Se entre os antigos, mais livres eram quanto mais eles se
pelos antigos
dedicavam ao exercício de seus direitos políticos, entre os
modernos, mais livres seremos quanto mais "nos deixar tempo
para nossos interesses privados".
Democracia Antiga/Direta x Democracia moderna/ Representação/
Indireta - 1945-64  1985-2011 = 45 anos • A necessidade do sistema representativo: "é uma procuração
dada a um certo número de homens pela massa do povo que
deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no entanto,
"Da liberdade dos antigos comparada à dos moder- tempo para defendê-los sozinho".
nos" • *Se o risco pressuposto na liberdade dos antigos era que se
1. Constant: pós revolução francesa descuidassem da independência individual, na modernidade, o
- liberal francês que discursa contra a maior perigo é que "absorvidos pelo gozo da independência
tradição republicana de seu país, privada e na busca de interesses particulares, renunciemos
destacando os "excessos" da demasiado facilmente a nosso direito de participar do poder
Revolução de 1789 e dessa tradição, político". A liberdade política não deve ser desprezada, sob o
de um modo geral (Atenas e Roma). risco de se perde concomitantemente a liberdade privada.
"Respeitando seus direitos individuais, protegendo sua
independência, não pertubando suas ocupações, devem, no
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 41

entanto, consagrar a influência deles sobre a coisa pública, "viver como se quiser" ("somos livres e tolerantes em nossa vida
chamá-los a participar do exercício do poder, através de decisões privada"). Fundamentos da democracia antiga: 1) eleição para
e votos, garantindo-lhes o direito de controle e de vigilância pela cargos públicos; 2) rotatividade nos cargos públicos; 3) não
manifestação de suas opiniões (...)". dependência de posses para ocupar cargo público; 4)
impossibilidade de ocupação concomitante em mais de um cargo; 5)
mandatos de curta duração (1 ano); 6) todos devem participar dos
Governo democrático ≠ Democracia (soberania popular) júris; 7) a assembléia é a autoridade suprema; 8) pagamento por
serviços na assembléia, cortes legais, etc.; 8) sorteio para alguns
Delegação de poder soberano ≠ o povo decidindo questões públicas
cargos.

Aspectos institucionais: Cidadãos divididos em 100 distritos


Modelos de democracia, David Held. territoriais. Assembleia se reúne 40 vezes no ano e tem um quorun
mínimo de 6 mil cidadãos; todos assuntos mais importantes devem
No século XX, a democracia tornou-se
ser avaliados por ela; buscava o consenso e unanimidade
uma ideia hegemônica, que parece
(homonoia), mas muitas vezes operava com regra da maioria. O
emprestar uma aura de legitimidade a
Conselho dos 500 (homens com mais de 30 anos), escolhido por
diferentes regimes. Na teoria política
sorteio, organizava as reuniões da Assembleia; esse era auxiliado
clássica e moderna, todavia, ela foi
por um comitê de 50 cidadãos, com um presidente (ocupava o cargo
objeto de diversas críticas. Sua ampla
por apenas 1 dia), escolhido por rotatividade. Funções executivas
aceitação não tem mais que 100 anos;
eram realizadas por "magistrados" (mesa com dez cidadãos).
seu funcionamento é também bastante
Generais: eleitos diretamente e passível de reeleição ilimitada.
frágil e sua história permeada de
Cidadania: proporção entre escravos e "cidadãos livres" de 3 para 2.
tentativas de eliminá-la (fascismo,
População escrava em Atenas no séc. V: 80 a 100 mil. Hiato entre a
nazismo, ditaduras, etc.). Democracia (demos + kratos), palavra que
base formal e a base material da vida política em Atenas: "tirania
significa governo do povo, por oposição às monarquias e
dos cidadãos".
aristocracias. "A democracia implica um Estado em que existem
alguma forma de igualdade política entre o povo". Críticas: efeito da oratória sobre os cidadãos (desigualdade); redes
de intriga e de comunicação; lutas entre facções; base instável e
Problemas inerentes à definição: Sobre a palavra "povo": quem é precipitada de certas decisões. Os líderes políticos eram de orgiem
povo? que tipo de participação deve ter o povo? quais são as "nobre"; batalhas políticas redundavam, dada a precariedade do
condições para a participação (alfabetização, paz, riqueza?) Sobre a sistema constitucional, na eliminação física dos oponentes.
palavra "governo": qual deve ser o limite da atuação do governo, Períodos de estabilidade política estiveram associados a expansão
abrange a esfera privada, a economia, por exemplo? Sobre a militar e territorial (benefícios materiais). Platão: metáfora do capitão
palvara de "governado pelo povo": qual é o lugar da desobediência do navio (age por conhecimento e mérito), versus o povo (a
às leis do povo? como deve ser exercido esse governo (participação "tripulação", que age por impulso e preconceito). Numa democracia,
direta, delegação de poder com accountability, etc.)? não é possível uma liderança política adequada, pois os "melhores"
têm de ter a aquiescência dos "muitos" (demagogos). A democracia
Existência de diversos modelos de democracia: modelos são redes corrompe os costumes, de forma que nenhuma autoridade é aceita
de conceitos e generalizações, compostas de afirmações descritivas ("insolência dos jovens"). A política se torna o espaço para as lutas
e normativas. entre facções que desejam apenas o seu próprio bem. O líder mais
popular pode, facilmente, se tornar, então, um tirano. Os tiranos,
Atenas, V a.C: democracia mais importante do mundo antigo. Uma
tampouco, são "navegantes verdadeiros". Solução: governo dos
polis (cidade-Estado). Urbanização e comércio marítimo.
sábios. É o conhecimento adquirido pelo exercício objetivo da razão
Crescimento da riqueza não foi acompanhado por distribuição das (filosofia) que deve orientar o exercício do poder. A república: o que
riquezas: pressão e lutas internas. Instabilidade do regime. 650-510: é a justiça? A adequação da função à capacidade. Cada cidadão
tiranias. Escravidão: menor tempo para o labor, permitiu o deve viver de acordo com sua capacidade (governantes-sábios,
desenvolvimento de outras atividades. Cidadãos independetes soldados e trabalhadores). Concepção orgânica da vida humana,
econômica e miltarmente: democracia. Linha divisória entre comum na cultura grega antiga: não é o indivíduo por si, mas seu
cidadãos (homens com mais de 20 anos) e subalternos (escravos, lugar na sociedade é o que importa. O político e As leis:
mulheres e imigrantes). V a.C: 30 a 45 mil cidadãos em Atenas reformulação de teses d' A república: todo governo necessita de
(homogeneidade social). Difusão da cultura política ateniense pela consentimento popular, importância do governo da lei e proposição
Ática: "modelo para Grécia". de um "regime misto". Permanência dos motivos platônicos na
cultura antidemocrática no Ocidente (irracionalidade e impulsividade
Democracia em Atenas: modelo para o pensamento Ocidental: do povo, instabilidade e raridade, valorização do número em
respeito à igualdade, à lei, embora a ideia moderna e liberal de detrimento do mérito, etc.). Até o século XVIII, não há um pensador
indivíduo não estivesse presente nesse cenário. Ausência de um propriamente democrático (Rousseau).
grande teórico democrata grego; forte oposição (Tucídides, Platão;
Atenas e Roma: as democracias (ou repúblicas) arquetípicas do
Aristóteles). Oração Fúnebre de Péricles: governo da lei; o poder
mundo antigo. Semelhanças: cultura personalista, saber oral,
está nas mãos do povo e não de uma minoria; existência de um
participação popular nas decisões públicas e pouco controle
interesse e uma cultura pública e cívica (contra o particularismo e
burocrático; cultura cívica (dever e virtude pública). Atenas:
privatismo). Compromisso com o princípio da virtude cívica: república democrática (ver); Roma: república oligárquica. Diferença
"dedicação à cidade-Estado republicana e subordinação da vida entre Aristóteles (liberdade como autogoverno) e Cícero (liberdade
privada aos assuntos públicos e ao bem comum". Indistinção entre como status do cidadão protegido por lei).
governantes e governados. Princípio de governo é o da participação
direta. Isegoria: promove discussões livres de constrangimentos. O 02/11/2011
cidadão ateniense é livre não porque isento de limitações, mas de Feriado de Finados
limitações arbitrárias; a lei não antagoniza com a liberdade, mas a
torna possível. Viver numa democracia: "governar e ser governado",
42 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

08/11/2011 diante dos eleitores com um programa, os partidos pareciam dar aos
próprios cidadãos a possibilidade de determinar a política a ser seguida.

AS METAMORFOSES DO GOVERNO REPRESENTATIVO No final do século XIX, vários analistas interpretaram o novo papel dos
partidos e das plataformas políticas como sinal de uma crise da
representação (Ostrogorski, especialmente vol. I, p. 568). O protótipo do
governo representativo era, então, encontrado no "parlamentarismo" ou
no "parlamentarismo liberal", do qual o sistema inglês, na forma que
assumiu até cerca de 1870, era tido como o exemplo mais acabado.(2)
No início do século XX, multiplicaram-se as análises sobre uma "crise do
parlamentarismo".(3) Mas, com o tempo, tornou-se claro que, embora a
emergência de partidos de massa tivesse ocasionado a falência do
parlamentarismo, o governo representativo não estava agonizando.
Alguns observadores compreenderam que tinha surgido uma forma nova
e viável de representação. Esse novo modelo não foi definido por um
conceito tão preciso quanto o de parlamentarismo, e seu
reconhecimento como fenômeno relativamente estável e internamente
Bernard Manin coerente foi assinalado pela criação de dois termos novos: "governo de
Freqüentemente se afirma que a representação política está passando partido", entre os analistas anglo-americanos, e parteiendemokratie,
por uma crise nos países ocidentais. Durante décadas, a representação entre os teóricos alemães. Cada um desses dois termos visava reunir
parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiança sob uma só denominação as características que distinguiam a nova
entre o eleitorado e os partidos políticos; a grande maioria dos eleitores forma de governo representativo do modelo do parlamentarismo.
se identificava com um partido e a ele se mantinha fiel. Hoje, porém, o Foi possível, então, chegar a diversas conclusões. A maioria dos
eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra, analistas concordou com a idéia de que a nova forma de representação
e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos era radicalmente diferente do parlamentarismo. Além disso, firmou-se a
eleitores que não se identificam com partido algum. Até pouco tempo convicção de que a relação de representação típica do parlamentarismo
atrás, as diferenças entre os partidos pareciam um reflexo das clivagens tinha sido substituída por outra de novo formato, na qual o papel dos
sociais. Mas hoje tem-se a impressão que são os partidos que impõem à partidos de massa e das plataformas políticas parecia ter evoluído como
sociedade clivagens, cujo caráter "artificial" é lastimado por alguns conseqüência da extensão do direito de voto. Já que não se imaginava
observadores. No passado, os partidos propunham aos eleitores um um retorno a padrões mais restritivos, concluiu-se que a relação de
programa político que se comprometiam a cumprir, caso chegassem ao representação tinha sido irreversivelmente modificada. Enfim, ainda que
poder. Hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa, alguns analistas lastimassem o declínio do parlamentarismo, o
em vez disso, na construção de imagens vagas que projetam a surgimento de um novo formato de governo representativo foi entendido,
personalidade dos líderes. As preferências dos cidadãos acerca de de modo geral, como um progresso, um indício de avanço da
questões políticas expressam-se cada vez mais freqüentemente por "democracia". Essa percepção decorreu não só do fato de que o novo
intermédio das pesquisas de opinião e das organizações que visam sistema acompanhava a extensão do direito de voto, como também do
fomentar um objetivo particular, mas não têm a intenção de se tornar tipo de relação de representação que implicava. O "governo de partido"
governo. A eleição de representantes já não parece um meio pelo qual parecia criar uma maior identidade social e cultural entre governantes e
os cidadãos indicam as políticas que desejam ver executadas. Por governados e parecia também dar aos últimos um papel mais importante
último, a arena política vem sendo progressivamente dominada por na definição da política pública. O governo representativo parecia, assim,
fatores técnicos que os cidadãos não dominam. Os políticos chegam ao aproximar-se do ideal de autogoverno, do povo governando a si mesmo.
poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos Esse progresso rumo à democracia, entendida como o governo do povo
meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se pelo povo, chegou a ser interpretado como um prolongamento da
assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre o governo e a história dos Whigs ou, numa versão mais próxima de Tocqueville, como
sociedade, entre representantes e representados, parece estar um degrau no avanço inexorável dos direitos de igualdade e autonomia
aumentando. dos indivíduos, que o "parlamentarismo liberal" realizava de modo
Nos últimos dois séculos, o governo representativo passou por imperfeito.
importantes modificações, especialmente durante a segunda metade do Há uma notável simetria entre a situação atual e a do final do século XIX
século XIX. A mudança mais evidente, que mais chamou a atenção dos e início do século XX. Hoje, como então, a idéia de uma crise de
historiadores do governo representativo, diz respeito ao direito de voto: a representação é um tema usual, o que nos leva a crer que estamos
propriedade e a cultura deixaram de ser representadas e o direito ao diante de uma crise que é muito menos da representação como tal do
sufrágio foi ampliado. Essa mudança ocorreu paralelamente a uma que de uma forma particular de governo representativo. Cabe, portanto,
outra: a emergência dos partidos de massa. O governo representativo indagar se as mudanças que hoje atingem a representação não estariam
moderno foi instalado sem a presença de partidos organizados, seguindo sinalizando a emergência de uma terceira forma de governo
os exemplos das revoluções inglesa, americana e francesa. A maioria representativo, tão estável e coerente quanto o modelo parlamentar e a
dos fundadores do governo representativo chegava a pensar que a democracia de partido.
divisão entre partidos ou "facções" era uma ameaça ao sistema que
pretendiam estabelecer.(1) A partir da segunda metade do século XIX, É ainda mais extraordinário que a chamada crise de representação atual
porém, a presença de partidos políticos na organização da expressão da seja atribuída ao desaparecimento ou enfraquecimento daquelas
vontade do eleitorado passou a ser vista como um componente mesmas características que distinguiam a democracia de partido do
essencial da democracia representativa. Além disso, os programas parlamentarismo e que pareciam aproximar a primeira de um governo do
políticos também tinham um papel de reduzida importância no modelo povo pelo povo. O que está atualmente em declínio são as relações de
original dos governos representativos: a própria idéia de plataforma identificação entre representantes e representados e a determinação da
política era praticamente desconhecida no final do século XVIII e início política pública por parte do eleitorado. Isso sugere que talvez existam
do. século XIX. Mas com o aparecimento dos partidos de massa, os semelhanças entre a forma de representação que hoje está emergindo e
programas políticos passaram a ser um dos principais instrumentos da o tipo de governo representativo que a democracia de partido teria
competição eleitoral. substituído definitivamente. A mudança que adveio no fim do século XIX
talvez tenha sido menos radical do que se imaginava.
O aparecimento dos partidos de massa e de seus programas veio
transformar a própria relação de representação. A existência de partidos Três tipos-ideais de governo representativo serão construídos neste
organizados aproximava os representantes dos representados. Os ensaio: o "parlamentar", a "democracia de partido" e a "democracia do
candidatos passaram a ser escolhidos pela organização partidária, na público" (ver Quadro na página 31).(4) Esses tipos ideais não esgotam
qual militantes de base tinham a oportunidade de se manifestar. A massa todas as formas possíveis de governo representativo, nem mesmo todas
do povo podia, assim, ter uma certa participação na seleção de as formas que ele assumiu na realidade. O estudo examina apenas os
candidatos e escolher pessoas que compartilhassem de sua situação modelos mais significativos e estáveis, sob o ângulo da relação de
econômica e de suas preocupações. Uma vez eleitos, os representantes representação que estabelecem. Em determinado ponto do tempo e em
permaneciam em estreito contato com a organização pela qual se um dado país, as várias modalidades de representação política aqui
elegeram, ficando, de fato, na dependência do partido. Isso permitia aos analisadas podem coexistir e se fundir umas nas outras, mas,
militantes, ou seja, aos cidadãos comuns, manter um certo controle dependendo do tempo e do lugar, uma forma ou outra predomina.
sobre seus representantes fora dos períodos eleitorais. Apresentando-se
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 43

Os princípios do governo representativo ao cumprimento dessas promessas. O principal objetivo dos radicais era
reduzir o tamanho dos mandatos parlamentares (que, desde o
Examinando-se as origens do governo representativo à luz de sua
SeptennialAct, de 1716, era de sete anos). Ao que parece, os radicais
história posterior, percebe-se a existência de um certo número de
encaravam o sistema de pledges como um substituto vantajoso para
princípios, formulados no final do século XVIII, que praticamente nunca
mandatos parlamentares mais curtos (Gash, 1971, p. 30). De sua parte,
foram postos em questão desde essa época. Ao me referir a "princípios"
Bentham (1983, vol. I, p. 26) mostrou-se particularmente contrário à
não estou falando de meras abstrações ou ideais, e sim de idéias que se
prática das instruções: o único mecanismo de influência dos eleitores
traduziram em práticas e instituições concretas. Quatro princípios,
sobre seus representantes deveria ser o direito de não os reeleger. De
entendidos dessa maneira, foram formulados nos primeiros tempos do
qualquer modo, o cumprimento das "promessas" eleitorais nunca foi
governo representativo moderno.
imposto como obrigação legal na Inglaterra.
1) Os representantes são eleitos pelos governados
A prática das instruções era extensamente disseminada nos Estados
A natureza exata da representação tem sido objeto de muita Unidos, tanto durante o período colonial quanto nos dez primeiros anos
controvérsia, mas, de modo geral, há concordância no entendimento de após a independência do país (Reid, 1989, pp. 1002). Alguns estados,
que não existe representação quando os governantes não são sobretudo a Nova Inglaterra, chegaram a incluir o direito de instrução em
periodicamente eleitos pelos governados. Eleições periódicas não têm suas constituições. Quando o First Congressional Congress (eleito de
como conseqüência uma identidade rousseauniana entre governantes e conformidade com a Constituição de 1787) discutia o Bill of Rights,
governados por duas razões principais. alguns de seus membros propuseram que se acrescentasse à Primeira
Emenda (que garante a liberdade de religião e de expressão) o direito de
Em primeiro lugar, as eleições não eliminam a diferença de status e
dar instruções aos representantes. A proposta foi longamente discutida,
função entre o povo e o governo. Em um sistema eletivo o povo não
mas acabou sendo rejeitada.(7) Os eleitores americanos continuaram
governa a si mesmo. O processo eletivo resulta na atribuição de
livres para dar instruções como quisessem, mas estas não teriam caráter
autoridade a determinados indivíduos para que governem sobre outros:
de obrigação legal.
o poder não é conferido por direito divino, nascimento, riqueza ou saber,
mas unicamente pelo consentimento dos governados. A eleição reflete o Na França, os delegados aos Estados-Gerais, inclusive os que foram
princípio fundamental do pensamento político moderno, de que nenhum convocados em 1789, eram portadores de instruções (cahiers de
título de origem sobrenatural ou superioridade natural dá a uma pessoa doléances). Uma das primeiras decisões dos revolucionários franceses,
o direito de impor sua vontade a outras. A eleição é um método de em julho de 1789, foi proibir a prática dos mandatos imperativos. Essa
escolha dos que devem governar e de legitimação de seu poder. decisão nunca foi posta em questão durante ou após a Revolução. Em
1793-94, uma parte do movimento dos sansculottes propôs que os
Em segundo lugar, um sistema eletivo não requer que os governantes
eleitos fossem passíveis de perda do mandato, a qualquer momento, por
sejam semelhantes àqueles que eles governam. Os representantes
ato das assembléias eleitorais de base local. O projeto de Constituição
podem ser cidadãos ilustres, social e culturalmente diferentes dos
submetido à Assembléia Geral em 1793 previa esse sistema, mas ele
representados, contanto que o povo consinta em colocá-los no poder.
jamais foi posto em prática. Em 1870, o breve governo revolucionário da
Um governo eletivo pode ser um governo de elites, contanto que essas
Comuna de Paris instituiu um sistema de revogabilidade.
elites não exerçam o poder unicamente em função de suas qualidades
de distinção. Essa característica do processo eletivo torna-se mais clara Na prática, é possível criar instituições e procedimentos que confiram ao
quando comparada com um outro método possível de escolha de povo maior controle sobre seus representantes; disposições desse tipo
governantes, o sorteio(5). A indicação de autoridades públicas por chegaram a ser propostas e eventualmente estabelecidas. Isso dá maior
sorteio impõe obstáculos ao governo de elites e assegura que os relevo ao fato de que essas instituições e práticas tenham sido rejeitadas
governantes sejam semelhantes aos demais cidadãos. Vale lembrar que, no final do século XVIII por razões de princípio, e não de ordem prática,
até o século XVIII, a escolha por sorteio era tida como o procedimento e que tal decisão jamais tenha sido questionada. Promessas podiam ser
democrático por excelência. O fato de que os fundadores do governo feitas, programas podiam ser apresentados, mas os representantes, sem
representativo tenham escolhido a eleição, e não o sorteio, como método exceção, mantiveram a liberdade de decidir se deviam ou não cumpri-
legítimo de seleção de representantes mostra que eles não viam los. Sabendo que as eleições se repetiriam a intervalos regulares, os
incompatibilidade alguma entre representação e governo de elites. É representantes que haviam assumido compromissos públicos podiam
digno de nota, embora raramente tenha sido analisado, o fato de que ao contar com dificuldades para se reeleger, caso não cumprissem as
longo dos últimos dois séculos jamais tenha sido proposta a indicação de promessas feitas. Contudo, eles tinham liberdade para sacrificar a
representantes por meio de sorteio. perspectiva de uma reeleição, caso circunstâncias excepcionais lhes
impusessem prioridades mais relevantes do que a carreira política. Mais
Portanto, um sistema eletivo não cria uma identidade entre os que
importante ainda é que os representantes podiam manter a esperança
governam e os que são governados. Isso não significa que os cidadãos
de que, numa nova candidatura, viessem a ter condições de convencer
comuns têm apenas uma posição subordinada no governo
os eleitores de suas razões para desrespeitar as promessas anteriores.
representativo. Embora o povo não governe, ele não está confinado ao
O governo representativo nunca foi um sistema em que os eleitos têm a
papel de designar e autorizar os que governam. Como o governo
obrigação de realizar a vontade dos eleitores: esse sistema nunca foi
representativo se fundamenta em eleições repetidas, o povo tem
uma forma indireta de soberania popular.
condições de exercer uma certa influência sobre as decisões do
governo: pode, por exemplo, destituir os representantes cuja orientação Nesse aspecto reside uma grande diferença entre o governo
não lhe agrade. Por outro lado, o governo representativo pode ser um representativo e a democracia, entendida como um regime de autonomia
governo de elites, mas cabe aos cidadãos comuns decidir que elite vai coletiva em que as pessoas submetidas a normas fazem as normas.
exercer o poder: Essa diferença era muito visível no final do século XVIII, como
demonstra a crítica da representação formulada por Rousseau. Não é a
2) Os representantes conservam uma independência parcial diante
presença de delegados que diferencia a representação do governo do
das preferências dos eleitores
povo pelo povo. A delegação de funções de governo a um organismo
Embora sejam escolhidos, e possam ser destituídos, pelos governados, político separado do povo pode ser compatível com o princípio do
os representantes mantêm um certo grau de independência em suas autogoverno do povo. 0 próprio Rousseau estava perfeitamente
decisões. Esse princípio se traduz na rejeição de duas práticas que convencido dessa possibilidade. Em Considerações sobre o governo da
igualmente privariam os representantes de qualquer autonomia de ação: Polônia, Rousseau propõe um sistema em que o povo delegaria a uma
os mandatos imperativos e a revogabilidade permanente e discricionária assembléia de deputados o exercício do poder soberano. Extraindo a
dos eleitos, a "recall".(6)Nenhum dos governos representativos conseqüência lógica de sua concepção de liberdade política como
instituídos desde o final do século XVIII admitiu mandatos imperativos ou autogoverno, ele recomenda, então, a prática de mandatos imperativos
concedeu o estatuto de obrigação legal às instruções dadas pelos (Rousseau, 1986, p. 193). A diferença entre governo representativo e
eleitores. Nenhum deles tampouco instituiu um sistema de permanente governo do povo pelo povo não está na existência de um corpo
revogabilidade dos representantes. específico de delegados, mas na ausência de mandatos imperativos.

Ao longo do século XVIII, firmou-se na Inglaterra a concepção de que os É surpreendente constatar que dois homens que tiveram um papel
deputados representam o conjunto da nação, e não o distrito eleitoral decisivo na,concepção do governo representativo, Madison e Siéyès,
específico que os elegeu. Os eleitores de cada distrito não estavam, tenham percebido a existência de um nítido contraste entre
portanto, autorizados a lhes dar "instruções" (Pote, 1983, p. 103). No representação política e democracia. Em diversas ocasiões, Madison
início do século XIX, os radicais tentaram reintroduzir uma prática opõe o "governo republicano, caracterizado pela representação, à
análoga à das instruções, exigindo dos candidatos "promessas" "democracia" das pequenas cidades-estados da Antigüidade. Em sua
(pledges) e, após o First Reform Act, reivindicaram que a lei obrigasse opinião, o governo representativo não é apenas uma forma aproximada
44 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

de democracia, que teria se tornado tecnicamente necessária devido à sucessivas assembléias revolucionárias. A comparação entre os casos
impossibilidade concreta de reunir o povo em Estados de grandes francês e americano sugere, porém, que, embora a divulgação de atos
extensões. Ao contrário, Madison considera o governo representativo políticos seja necessária para informar os cidadãos, ela não é
como uma forma diferente e superior de exercício do poder. O efeito da indispensável em todos os estágios do processo decisório: é bastante
representação, observa Madison, é: razoável pensar que o público americano dispunha de melhores
condições para formar opinião acerca da Constituição dos Estados
(...) refinar e ampliar as opiniões do povo, fazendo-as passar pelo crivo
Unidos do que o público francês com relação a suas várias constituições
de um corpo de cidadãos selecionados, cuja sabedoria pode melhor
revolucionárias.
discernir o verdadeiro interesse de seu país e cujo patriotismo e amor à
justiça fazem deles cidadãos menos suscetíveis a sacrificar esse O segundo requisito da liberdade da opinião pública é a liberdade para
interesse por considerações efêmeras e parciais. Em um sistema desse expressar opiniões políticas. A relação entre a liberdade de opinião e o
tipo; é provável que a vontade popular, expressa pelos representantes caráter representativo do governo não é, porém, tão óbvia assim. De
do povo, venha a ser mais compatível com o bem público do que se qualquer modo, não seria de estranhar que os governos. representativos
fosse manifesta pelo próprio povo, reunido para esse fim (Hamilton et al., tornassem sagrada a liberdade de opinião, devido a sua adesão ao
1961, p. 82). princípio liberal segundo o qual uma parte da vida dos indivíduos deve
ser resguardada das decisões coletivas. Seguindo a distinção
Madison sublinha que um dos objetivos do sistema plenamente
popularizada por Isaiah Berlin, poderia ser reivindicado que a liberdade
representativo, conforme proposto na Constituição dos Estados Unidos,
de opinião fosse incluída entre as "liberdades negativas", que protegem
é colocar no poder pessoas mais aptas a resistir às "paixões
os indivíduos das intromissões do governo. Nesse sentido, a liberdade
desordenadas" e aos "equívocos e ilusões efêmeros" que podem tomar
de opinião não tem uma relação direta com o caráter representativo do
conta do povo: somente deveria prevalecer o "julgamento sereno e
governo. A representação diz respeito ao modo de participação dos
ponderado da coletividade" (1787, p. 384).(8) Não resta dúvida de que,
cidadãos no governo e garante "liberdade positiva". Há, entretanto, um
na sua opinião, não é papel do representante votar da maneira como o
vínculo essencial entre a liberdade de opinião e o papel político do
povo desejaria em todas as ocasiões. A superioridade do sistema
cidadão em um governo representativo, claramente exposto no conteúdo
representativo se encontra no fato de permitir um distanciamento entre
da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos e evidenciado
as decisões do governo e a vontade popular.
nos debates travados em torno de sua adoção. A Primeira Emenda
Em vários textos e discursos, Siéyès sublinha a "enorme" diferença que estabelece que "o Congresso não aprovará nenhuma lei que vise à
separa uma democracia, na qual os próprios cidadãos legislam, de um oficialização de uma religião ou que proíba sua livre prática; que limite a
sistema representativo, em que o exercício do poder é delegado a outros liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito de reunião pacífica
por meio de eleições (Siéyès, 1789c e 1789b). Para Siéyès, assim como e o direito de petição".
para Madison, a representação não é uma versão imperfeita da
A liberdade de religião e a liberdade de expressão política se encontram,
democracia direta, decorrente de necessidades práticas; é uma forma de
assim, associadas. Cabe notar, além disso, que essa formulação vincula
governo totalmente diferente e preferível. Siéyès considera o governo
a expressão individual e a expressão coletiva de opiniões: a liberdade de
representativo como um sistema superior, não tanto por redundar em um
religião, aplicável a indivíduos, é associada aos direitos de reunião e de
processo decisório mais racional e menos passional, quanto por
petição, que são manifestações coletivas. É o caráter coletivo de uma
constituir uma forma política mais adequada às sociedades mercantis
manifestação que faz dela um ato político: as autoridades do governo
modernas, onde as pessoas estão permanentemente ocupadas na
podem, sem grandes riscos, ignorar opiniões individuais expressas de
produção e troca de riquezas. Nessas sociedades, observa Siéyès, os
maneira dispersa, mas não podem fazer pouco caso de uma multidão
cidadãos não dispõem mais do tempo necessário para se ocupar
nas ruas, por mais pacífica que ela seja, nem deixar de considerar
constantemente dos negócios públicos. Sendo assim, eles precisam
petições que reúnem milhares de assinaturas. Agregando na mesma
confiar o governo, por intermédio de eleições, a indivíduos que
cláusula o direito de reunião e o direito de petição, a Primeira Emenda
dediquem todo seu tempo a essa tarefa. Acima de tudo, Siéyès vê na
evidencia sua dimensão política: ela visa proteger não só a expressão
representação uma aplicação da divisão do trabalho à esfera da política,
coletiva de opiniões gerais, quanto a manifestação de idéias dirigidas ao
princípio este que ele acredita ser um fator essencial para o progresso
governo, com o intuito de dele obter algum benefício. Por garantir, ao
social. "O interesse comum, o aperfeiçoamento das condições da própria
mesmo tempo, a liberdade de religião e o direito de expressar opiniões
sociedade, reclamam que se faça do governo uma profissão especial"
políticas coletivamente dirigidas aos governantes, a Primeira Emenda
(Siéyès, 1789d). Ele observa ainda que não é função dos representantes
não estabelece apenas uma "liberdade negativa" para os indivíduos; ela
agir como meros transmissores da vontade dos eleitores. "É portanto
também garante aos cidadãos um modo de agir frente ao governo.
incontestável", diz ele, "que os deputados não estão na Assembléia
Nacional para afirmar vontades já formuladas por seus eleitores, mas O debate que culminou na adoção da Primeira Emenda mostra ainda
para deliberar e votar livremente, de acordo com o juízo que façam no que suas implicações políticas eram perfeitamente claras para os
momento e esclarecidos por todas as luzes que a Assembléia possa lhes constituintes. O simples fato de terem sido colocados em discussão os
proporcionar." (Siéyès, 1789c). temas das instruções e dos mandatos imperativos demonstra que os
redatores percebiam a existência de um elo entre a liberdade de
3) A opinião pública sobre assuntos políticos pode se manifestar
expressão e a representação. A intervenção de Madison esclarece
independentemente do controle do governo
melhor o alcance político da Primeira Emenda. Madison pronunciou-se
Desde o final do século XVIII, prevalece a idéia de que um governo contra a inclusão do direito de instrução na Emenda. Os defensores da
representativo supõe que os governados possam formular e expressar inclusão desse direito tinham alegado que, num governo republicano, o
livremente suas opiniões políticas. A ligação entre governo povo deve ter direito de fazer prevalecer a sua vontade. Madison
representativo e liberdade de opinião foi definida rapidamente nos respondeu, então, que esse princípio é verdadeiro "em certos casos",
Estados Unidos, de maneira mais progressiva na Inglaterra, e seguiu um mas não em outros, e acrescentou:
roteiro mais lento e mais complexo na França.
No sentido em que ele é verdadeiro, esse direito já está suficientemente
A liberdade de opinião política requer dois elementos. Para que os afirmado no que estabelecemos até aqui; se não quisermos mais do que
governados possam formar opinião sobre assuntos políticos, é isso, que o povo tenha direito de expressar e comunicar seus
necessário que tenham acesso à informação política, o que supõe tornar sentimentos e desejos, isso já está garantido. O direito à liberdade de
públicas as decisões governamentais. Quando os políticos tomam suas expressão está assegurado; a liberdade de imprensa está explicitamente
decisões em segredo, os governados dispõem de meios muito frágeis colocada fora do alcance do governo; o povo pode, portanto, dirigir-se
para elaborar opiniões em matéria política. O princípio da divulgação dos publicamente aos seus representantes, pode aconselhar a cada um
debates parlamentares foi reconhecido na Inglaterra entre 1760/90 - separadamente, ou manifestar seus sentimentos ao conjunto da
antes disso, o caráter secreto dos debates era considerado uma assembléia através de petição; por todos esses meios, ele pode dar
prerrogativa do Parlamento, essencial para protegê-lo das interferências conhecimento de sua vontade (Madison, 1789, vol. 1, p. 415).
da Coroa (Pole, 1983). Nos Estados Unidos, os debates, tanto no
Em sua dimensão política, a liberdade de opinião surge, assim, como
Congresso Continental quanto na Convenção de Filadélfia, foram
contrapartida à ausência do direito de instrução. Não se exige que os
mantidos em segredo. O primeiro senado eleito sob a nova Constituição
representantes ajam de acordo com os desejos do povo, mas eles não
decidiu, inicialmente, realizar debates secretos, mas essa prática foi
os podem ignorar: a liberdade de opinião garante que, existindo esses
definitivamente abandonada quatro anos depois (Pole, op. cit.). Na
desejos, eles serão levados ao conhecimento dos representantes. Como
França, os Estados-Gerais de 1789 decidiram, desde sua instalação,
estes sabem que estão sujeitos ao teste da reeleição, têm um bom
que as deliberações seriam públicas e, de fato, todos os debates das
motivo para levar em consideração os desejos do povo. Dessa maneira,
assembléias revolucionárias foram abertos. O povo reunido nas galerias
a vontade popular se torna um componente reconhecido do ambiente
fazia intensa pressão sobre as discussões realizadas durante as
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 45

que cerca uma decisão. À parte as situações em que a população esteja deveria ocupar uma posição central. Schmitt e diversos outros analistas
ameaçando seriamente a ordem pública e coagindo o governo por um posteriores vêem muito mais do que a existência de um vínculo entre a
ato de força, a única vontade impositiva dos cidadãos é o voto. Mas os idéia de representação e o papel da assembléia: consideram o papel
governados sempre têm a possibilidade de, no momento das eleições ou predominante atribuído à assembléia como efeito de uma crença anterior
em outras ocasiões, manifestar uma opinião coletiva diferente da que é e mais fundamental nas virtudes do governo da verdade (veritas non
defendida por seus representantes. Costuma-se chamar de opinião auctoritas facit legem).(12)Segundo essa linha de interpretação, a
pública essa voz coletiva do povo que, sem ter valor impositivo, sempre estrutura de crenças que justifica o governo representativo, definido
pode se manifestar independentemente do controle do governo. como governo por meio de uma assembléia, seria a seguinte: a verdade
deve ser a base da lei, o debate é o caminho mais adequado para
A liberdade de opinião pública distingue o governo representativo do que
determinar a verdade; portanto, o órgão central de tomada de decisões
tem sido chamado de representação absoluta, cuja formulação mais
deve ser um local de debates, em outras palavras, uma assembléia.
conhecida é encontrada em Hobbes. Segundo Hobbes, um grupo de
indivíduos somente constitui uma unidade política após ter conferido O fato é que os argumentos defendidos pelos primeiros partidários do
autoridade a um indivíduo ou assembléia, a quem esses indivíduos governo representativo não seguiram esse padrão. Em Locke,
prestam obediência, para expressar sua vontade (evidentemente, o Montesquieu (quando analisa o regime inglês), Burke, Madison ou
representante pode ser uma assembléia). Antes da designação do Siéyès, o caráter coletivo de um órgão decisório representativo nunca é
representante, e independentemente de sua pessoa, o povo não tem inferido a partir de um argumento sobre as vantagens da discussão. O
unidade alguma; é uma multitudo dissoluta, uma multidão dispersa. O fato de a representação exigir uma assembléia é considerado óbvio. A
povo somente adquire força política por intermédio da pessoa do associação entre representação e assembléia não foi uma criação ex
representante, que, a partir do momento em que chega ao poder, nihilo do pensamento político moderno, mas um legado da história. Os
substitui completamente aqueles que representa. Os representados não parlamentos modernos efetivamente se formaram ao longo de um
têm outra voz senão a dele.(9) É precisamente essa substituição processo gradual de mudança (na Inglaterra), de uma transformação
absoluta dos representados pelo representante que a liberdade de violenta (na França), ou por imitação (nas colônias americanas) dos
opinião pública impede. A massa do povo sempre pode se manifestar organismos representativos da sociedade feudal, as "assembléias dos
como uma entidade política dotada de uma certa unidade, independente estamentos". Os primeiros defensores das modernas assembléias
do representante. Quando os indivíduos, agindo como grupo, dão representativas insistiam na idéia de que a forma de governo que
instruções aos seus representantes, quando grupos exercem pressão propunham era muito diferente das instituições anteriores, mas essa
sobre o governo, quando uma multidão se reúne nas ruas ou assina uma própria insistência sugere a percepção de continuidades entre o velho e
petição, o povo está se manifestando como uma entidade política capaz o novo. A natureza coletiva dos órgãos decisórios era um dos elementos
de falar e agir independentemente dos que estão no governo. A dessa continuidade. O debate aparece nos textos e nos discursos dos
liberdade de opinião pública mantém a permanente possibilidade de que fundadores da representação moderna como uma característica
o povo fale por si mesmo. O governo representativo é um sistema em inevitável e de certo modo natural das assembléias.
que os representantes jamais podem declarar com confiança e
A noção de governo representativo, além disso, sempre esteve vinculada
segurança absolutas: "Nós, o povo".
à aceitação da diversidade social. Em sua primeira formulação, a
Tanto o autogoverno do povo quanto a representação absoluta representação aparecia como uma técnica que permitia a instauração de
redundam na eliminação da distância entre governantes e governados: o um governo do povo em nações muito populosas e diversificadas.
primeiro porque transforma os governados em governantes; a segunda Madison e Siéyès repetiram várias vezes que a homogeneidade e o
porque substitui os representados pelos representantes. O governo tamanho reduzido das comunidades políticas é que possibilitavam a
representativo, ao contrário, mantém essa distância. democracia direta nas antigas repúblicas. Esses autores alertaram que
essas condições não existiam mais no mundo moderno, que se
4) As decisões políticas são tomadas após debate
caracteriza pela divisão do trabalho, pelo progresso do comércio e pela
Já se tornou usual a idéia de que o governo representativo foi diversificação dos interesses. O mais ilus tre opositor da representação,
originalmente concebido e justificado como um governo do debate. As Rousseau, ao contrário, condenava a "sociedade mercantil" e o
análises de Carl Schmitt tiveram grande influência na disseminação progresso da ciência e das artes, exaltando as pequenas comunidades
dessa interpretação (Schmitt,1988 e 1928). Vale notar que os textos homogêneas. Durante o século XVIII, admitia-se, em geral, que as
mencionados por Schmitt em apoio às suas concepções datam assembléias representativas deveriam refletir essa diversidade. Até
principalmente do século XIX, época em que o governo representativo mesmo analistas como Siéyès e Burke, que insistiam em realçar o papel
não era mais uma novidade. Ele cita com muita freqüência escritos e da assembléia na produção da unidade, reconheciam que os delegados,
discursos dos séculos XVII e XVIII, quando os princípios da eleitos por diferentes localidades e populações, davam às assembléias
representação foram elaborados e aplicados pela primeira vez. (10) As uma feição de reflexo da diversidade social. (13)A assembléia
virtudes do debate parlamentar são evidentemente muito elogiadas por representativa sempre foi vista, portanto, como simultaneamente coletiva
Montesquieu, Madison, Siéyès ou Burke, mas, como objeto de reflexão, e diversificada.
o tema ocupa um espaço muito menor nas obras de Guizot, Bentham e
A natureza coletiva e diversificada do organismo representativo, e não a
John Stuart Mill. O debate sequer é mencionado no Segundo tratado do
existência de uma convicção prévia e independente nas virtudes do
governo civil, de Locke. Nem os revolucionários americanos nem os
debate parlamentar, é que explica o papel atribuído à discussão. Em um
constituintes franceses de 1789/91 definiram o governo representativo
organismo decisório de caráter coletivo, cujos numerosos integrantes
como um governo do debate. Além disso, a expressão "governo do
são eleitos por populações diferenciadas, e que provavelmente têm
debate" é muito pouco clara. Ela não indica com precisão o lugar
opiniões divergentes, o problema é alcançar um acordo, uma
ocupado pela discussão dentro do governo. Será que o debate está
convergência de vontades. Os fundadores do governo representativo
presente em todas as etapas do processo decisório ou apenas em
colocaram a igualdade das vontades na base de suas concepções
algumas? A expressão significa que, no governo representativo, assim
políticas: nenhuma superioridade intrínseca confere a determinados
como "no diálogo permanente", tão caro aos românticos alemães, tudo é
indivíduos o direito de impor sua vontade aos demais. Por conseguinte,
submetido a uma discussão interminável?
se uma convergência de vontades deve ser atingida numa assembléia
Ainda que o debate não figure com tanto relevo no pensamento dos onde nem o mais forte, nem o mais competente, nem o mais rico, têm
fundadores do governo representativo quanto no das análises do século razões para impor sua vontade aos demais, todos os participantes
XIX, é evidente que, desde suas origens, a idéia de representação devem procurar conquistar o consentimento dos outros através da
esteve ligada à da discussão, nesse tipo de governo. Dispositivos legais persuasão. A obviedade dessa solução explica por que ela raramente é
adotados na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França comprovam objeto de contestação explícita entre os fundadores do governo
esse fato: os representantes gozam da mais ampla liberdade de representativo, e por que, além disso, o debate é proposto como uma
expressão dentro do recinto da assembléia. O elo entre representação e atividade natural nas assembléias. O princípio da igualdade das
discussão só pode ser entendido pela introdução da noção intermediária vontades, que torna as eleições o método mais legítimo de designação
de assembléia. O governo representativo sempre foi interpretado e de representantes, também faz do debate a forma legítima de interação
justificado como um sistema político em que a assembléia desempenha entre esses representantes.
um papel decisivo. Seria possível imaginar, como assinala corretamente
A noção de debate e sua função predominante entre os primeiros
Schmitt, que a representação fosse o apanágio de um único indivíduo,
partidários da representação estão expressas com toda clareza em um
designado e autorizado pelo povo.(11) É inegável, porém, que o governo
dos textos básicos do governo representativo moderno, Vues sur les
representativo não foi proposto, nem estabelecido, como um regime em
moyens d'exécution, de Siéyès. O trecho dedicado ao exame do tema do
que o poder seria confiado a um único indivíduo escolhido pelo povo; ao
debate parlamentar esclarece alguns pontos cruciais e merece ser
contrário, foi criado como um regime em que um órgão decisório coletivo
examinado mais detidamente. É preciso observar, primeiramente, que
46 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

Siéyès introduz suas considerações a respeito do debate depois de ter É digno de nota que os quatro princípios que acabamos de expor -
afirmado a necessidade do governo representativo e para responder às eleição de representantes pelos governados, independência parcial dos
objeções levantadas "contra as grandes assembléias e contra a representantes, liberdade da opinião pública e decisões políticas
liberdade de expressão". Sem mais justificativas, Siéyès admite que o tomadas após deliberação - tenham permanecido constantes ao longo
sistema representativo requer uma assembléia e que a razão de ser de toda a história do governo representativo. A representação política, na
desta é o debate. Respondendo às objeções, Siéyès afirma que: realidade, mudou muito menos do que se pensa. É certo, porém, que
esses quatro princípios tiveram conseqüências e implicações diferentes
Em primeiro lugar, há uma desaprovação da maneira complicada e lenta
de acordo com as circunstâncias dentro das quais foram postos em
com que os assuntos são tratados em grandes assembléias
prática. Essas diferenças deram origem a três formas de governo
deliberativas. Isso se deve ao fato de que, na França, já nos
representativo que passamos a analisar a seguir.
acostumamos a decisões arbitrárias, tomadas em segredo, nos
meandros dos escritórios ministeriais. Uma questão discutida em público O governo representativo de tipo parlamentar
por um grande número de pessoas que têm opiniões divergentes, todas
1) Eleição dos representantes pelos governados
com igual direito a usar a palavra de modo mais ou menos prolixo, e que
se permitem expor suas idéias com um brilho e um entusiasmo As eleições foram concebidas como um meio de conduzir ao governo
estranhos ao modo de ser da sociedade, é algo que naturalmente indivíduos que gozavam da confiança de seus concidadãos. Nos
assusta nossos bons cidadãos, da mesma maneira que um concerto de primórdios do governo representativo, essa confiança se baseava em
instrumentos barulhentos cansaria o ouvido frágil de um doente no circunstâncias especiais: os candidatos vitoriosos eram pessoas que
hospital. Fica difícil imaginar que pudesse ocorrer uma opinião sensata inspiravam confiança nos eleitores, em virtude de uma rede de relações
durante um debate tão livre e agitado. É tentador que se queira, então, locais, de sua notoriedade social ou da deferência que suscitavam.
chamar alguém muito superior aos demais para fazer toda essa gente
A relação de confiança tem um caráter essencialmente pessoal no
entrar em acordo em vez de passar o tempo todo brigando entre si
modelo parlamentar. O candidato inspira confiança por sua
(Siéyès, 1789a, p. 92, grifos meus).
personalidade, não por suas relações com outros representantes ou com
Siéyès considera inevitável que, de início, reine a discordância geral na organizações políticas. O representante mantém uma relação direta com
assembléia; mas, como o governo representativo se fundamenta na os eleitores: ele é eleito por pessoas com quem tem contato freqüente.
igualdade, ele tende a rejeitar a tentadora solução recomendada pelos As eleições parecem ser um reflexo e uma expressão da interação não-
seus críticos: que se ponha um fim à discórdia apelando para a política. A confiança decorre do fato de que o representante pertence à
intervenção de uma vontade superior às demais. Em um trecho posterior mesma comunidade de seus eleitores, e essa comunidade se define em
do livro, Siéyès escreve: termos puramente geográficos ou em função "dos grandes interesses do
reino" (propriedade fundiária, mercantil, manufatureira etc.). As relações
Em todas as deliberações, há um problema a ser resolvido: o de saber,
de proximidade local ou de pertencimento a uma dessas áreas de
em cada caso, o que prescreve o interesse geral. Quando começa o
interesse são conseqüências espontâneas dos laços sociais e da
debate, não se pode saber que rumo ele tomará até que se tenha
interação. Não são produzidas pela competição política. Ao contrário,
certeza da descoberta desse interesse. Não há dúvida de que o
elas constituem recursos prévios que os atores políticos mobilizam na
interesse geral nada representa se não for o interesse de alguém: esse
disputa pelo poder. Ao mesmo tempo, os representantes alcançaram
interesse específico é que é comum ao maior número de eleitores. Daí
proeminência na comunidade em virtude de sua personalidade, riqueza
decorre a necessidade da competição entre as opiniões.(14) O que
ou ocupação. As eleições selecionam um tipo particular de elite: os
aparenta ser uma mistura, uma confusão capaz de tudo obscurecer, é
notáveis. O governo parlamentar é o reinado dos notáveis.
um passo preliminar indispensável para se alcançar a luz. É preciso
deixar que todos esses interesses pressionem uns aos outros, 2) Independência parcial dos representantes
concorram entre si, lutem para definir o problema, e é preciso incita-los,
Os deputados são livres para votar de acordo com sua consciência e seu
na medida da força de cada um, em direção à meta proposta. Nesse
julgamento pessoal. Não faz parte de seu papel transmitir uma vontade
processo de teste, idéias úteis e perniciosas são separadas; as últimas
política já formulada do lado de fora do Parlamento. Os representantes
são abandonadas, as primeiras prosseguem em busca de um equilíbrio
não são porta-vozes dos eleitores, mas seus homens de confiança, seus
até que, modificadas e purificadas por sua ação recíproca, por fim se
trustees. Esta é a definição de representante elaborada por Burke no
fundem numa só opinião (Siéyès, 1789a, pp. 93-4).
célebre "Discurso aos Eleitores de Bristol" (Burke, 1774). A esse
No pensamento dos fundadores do governo representativo, o debate respeito, suas palavras apenas refletem a opinião dominante na época e
parlamentar realiza, portanto, a tarefa específica de produzir acordo e que prevaleceu durante toda a primeira metade do século XIX. 0 período
consentimento; não constitui, em si mesmo, um princípio de tomada de que vai da primeira Reform Bill (1832) até a segunda (1867) chegou a
decisões.O que faz de uma proposta uma decisão pública não é a ser chamado de ".a idade de ouro do private M. P (Membro do
discussão, mas o consentimento. Entretanto, é preciso acrescentar que Parlamento)", quer dizer, do deputado que vota unicamente em função
esse consentimento deve ser de uma maioria, e não uma concordância de suas convicções pessoais e não de compromissos assumidos fora dó
universal, menos ainda uma expressão da verdade.(15)A respeito disso, Parlamento (Beer, 1982). Entre o fim das guerras napoleônicas e a
assim escreveu Locke: segunda Reform Bill, a Cãmara dos Comuns pode ser considerada um
modelo arquetípico de parlamentarismo. A independência de cada
Pois sendo o que leva qualquer comunidade a agir o consentimento dos
deputado deve-se em parte ao fato de que sua eleição foi conseqüência
indivíduos que a formam, e sendo necessário ao que é um só corpo, se
de um fator não-político, o prestígio local.
mover em uma direção, é necessário que esse corpo se mova para o
lado para o qual o arrasta a força mais forte, que é o consentimento da 3) A liberdade da opinião pública
maioria; não sendo assim, é impossível que continue a agir ou continue
A primeira metade do século XIX assistiu a uma proliferação de
a ser um corpo, uma comunidade (...).(16)
associações políticas extraparlamentares, como o cartismo, e de
Vale notar que neste texto, central em seu pensamento, Locke não movimentos de defesa dos direitos dos católicos, da reforma parlamentar
fundamenta o princípio majoritário em qualidades ou virtudes da maioria, e de repúdio à lei do trigo. Numerosas associações organizavam
como, por exemplo, sua capacidade de expressar o que é verdadeiro ou manifestações públicas, petições, campanhas de imprensa. (17) Um
justo, mas no simples fato de que é preciso agir e tomar decisões. Por si aspecto particular merece ser ressaltado: as linhas de clivagem dessas
mesmo, o debate parlamentar não preenche essa função. Aliás, por si diversas questões cortavam as divisões entre os partidos. O que tenho
mesmo, ele também não contém um princípio de limitação. A regra chamado de "opinião pública" não podia encontrar expressão adequada
majoritária é que, de fato, fornece um princípio para a tomada de através do voto. A eleição de representantes e a expressão da opinião
decisões, porque ela é compatível com as limitações temporais às quais pública (através de associações, petições, campanhas de imprensa etc.)
está submetida toda ação, especialmente a ação política. A qualquer diferiam não só por seu status constitucional - apenas a primeira tinha
momento, é possível contar o número de votos e determinar qual efeitos legais -,como também por seus objetivos. Algumas questões,
proposta obteve aceitação mais ampla. Debates acadêmicos podem ser como a liberdade de religião, a reforma do Parlamento e o livre
travados exclusivamente no âmbito do princípio da discussão, porque, comércio, não eram temas discutidos durante as campanhas eleitorais,
ao contrário do que se passa na política, não estão submetidos a limites nem eram decididos pelos resultados da votação. Foram levadas ao
de tempo. Essa é uma situação que não se aplica aos debates políticos. centro da arena política por organizações ad hoc e resolvidas por meio
Os fundadores do governo representativo certamente não confundiam de pressões exercidas de fora do Parlamento.
um parlamento com uma sociedade de intelectuais. O princípio do
A diferença de objetivos que separa a eleição dos representantes e a
governo representativo deve ser formulado da seguinte maneira:
expressão da opinião pública decorria não só do caráter restritivo do
nenhuma medida tem a validade de uma decisão enquanto não obtiver o
direito de voto, como da natureza dessa forma de governo
consentimento de uma maioria, ao final dos debates.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 47

representativo. Se as eleições escolhiam as pessoas tendo em vista a Leadership").


confiança pessoal que elas inspiravam, as opiniões dos cidadãos sobre
Michels mostrou, e denunciou com amargura, a distância que separava
assuntos e orientações políticas precisavam encontrar outro canal de
a liderança da base operária em um partido tipicamente de massa e de
expressão. O eleitorado nem sempre dispunha dessas opiniões; isso
classe. Demonstrou que, embora os líderes e deputados do partido
ocorria apenas em situações de crise. Mas a estrutura do governo de
tivessem origem social operária, na realidade eles levavam uma vida
tipo parlamentar implica que, havendo essas opiniões, elas devem ser
mais pequenoburguesa do que proletária. Michels afirmou que os líderes
expressas fora dos momentos de eleição.
e deputados do partido da classe operária se tornavam diferentes,
Assim, no sistema parlamentar de representação, a liberdade de quando ascendiam ao poder, mas também enfatizou que eles já eram
expressão da opinião pública possibilita a existência de uma não- diferentes antes disso. Segundo Michels, o partido proporciona "aos
correspondência, ou mesmo de um conflito, entre a opinião pública e as membros mais inteligentes [da classe operária] uma oportunidade de
preferências políticas manifestas nas eleições. Recorrendo a uma ascensão na escala social", e eleva os proletários "mais capazes e mais
imagem espacial, pode-se falar na possibilidade de um corte horizontal bem-informados" (op. cit., pp. 263-4). Na aurora do capitalismo, esses
entre a vontade superior do povo, que elege o Parlamento, e sua trabalhadores "mais inteligentes e ambiciosos" poderiam ter se tornado
vontade inferior, que se manifesta nas ruas e através da imprensa. A pequenos empresários, mas agora se tornavam burocratas de partido
estrutura fundamental dessa configuração aparece de modo mais (idem, ibidem, pp. 258-9). Por essa razão, o partido é dominado por
evidente quando a voz da multidão, do lado de fora do Parlamento, elites "desproletarizadas" que perderam a marca distintiva da classe
expressa preocupações que não repercutem do lado de dentro. Os operária. Essas elites, no entanto, ascendem a posições de poder a
analistas mais sensíveis têm observado que a possibilidade dessa partir de qualidades e talentos especiais, notadamente o ativismo e a
divergência, por mais ameaçadora que seja à ordem pública, é essencial capacidade de organização.
para a forma parlamentar do governo representativo. Analisando o
A análise de Michels mostra que o caráter elitista do governo
funcionamento do parlamentarismo inglês, antes da constituição dos
representativo não desaparece quando o sistema é dominado pelos
partidos de massa, Ostrogorski escreveu:
partidos de massa. 0 que acontece é a emergência de um novo tipo de
Além dos períodos eleitorais, quando assume sua forma alais elevada, a elite. As qualidades que especificam os representantes não são mais o
opinião pública supostamente também representa uma permanente fonte prestígio social e a notoriedade local, mas o ativismo e a capacidade de
de inspiração para os deputados e seu líderes, e exerce um permanente organização. Os eleitores não escolhem seus representantes por essa
controle sobre eles. Manifestando-se independentemente de qualquer razão, mas essas qualidades são selecionados pela estrutura interna do
via constitucional, esse poder da opinião pública se impõe e leva a partido. A democracia de partido é o governo do ativista e líder partidário,
melhor (...). Mas para que esse poder, de uma natureza eminentemente ou do "chefe político".
sutil e instável, se faça sentir, é preciso que lhe seja dada total liberdade
Observamos anteriormente que, nessa forma de governo representativo,
para assumir formas diversas e contrárias às regras e para que chegue
o povo vota em um partido e não em uma pessoa. O fenômeno da
até as portas do Parlamento (Ostrogorski, s/d, vol. 1, p. 573).
estabilidade eleitoral é uma prova disso. Os eleitores tendem a escolher,
Mas quando o povo se encontra fisicamente presente nas portas do dentre uma longa lista de candidatos apoiados por diferentes partidos,
Parlamento, aumentam os ris- aqueles que pertencem à mesma organização. As pessoas não só se
cos de desordem e violência. Essa forma de governo representativo inclinam a votar constantemente no mesmo partido, como também as
caracteriza-se pelo fato de que a liberdade de opinião é inseparável do preferências partidárias são transferidas de uma geração para a outra:
risco da desordem pública. os filhos votam como os pais, e os habitantes de uma localidade votam
no mesmo partido durante décadas. André Siegfried, um dos primeiros
4) Decisões políticas tomadas após debates
analistas a observar a estabilidade do comportamento eleitoral, falava da
Como os representantes não estão submetidos à vontade de seus existência de "climas de opinião". A estabilidade dos comportamentos
eleitores, o Parlamento pode ser um local de deliberação no sentido eleitorais, importante descoberta da ciência política na virada do século,
pleno da palavra, ou seja, um lugar onde os políticos definem suas foi confirmada por inúmeras pesquisas realizadas até a década de
posições através da discussão e onde o consentimento de uma maioria 70.(19) Contudo, a estabilidade eleitoral atinge uma das bases do
é alcançado através da troca de argumentos. Uma discussão só pode parlamentarismo clássico, na medida em que a eleição não é mais a
gerar um acordo entre participantes que têm, de início, opiniões escolha de uma pessoa que os eleitores conhecem pessoalmente e em
divergentes, se estes puderem mudar de idéia no transcorrer das quem confiam. Como o modelo parlamentar foi identificado com o
argumentações. Se, em determinadas circunstâncias, essa mudança for governo representativo, ao surgirem os partidos de massa, a
impossível, a discussão não se prestará à construção do consentimento desintegração desse vínculo pessoal foi interpretada como um indício de
da maioria. Exatamente para permitir a deliberação é que, no crise na representação política.
parlamentarismo clássico, os deputados não estão presos à vontade de
Por outro lado, a estabilidade eleitoral deriva, em grande medida, da
seus eleitores. Na Inglaterra, durante a primeira metade do século XIX,
determinação das preferências políticas por fatores socioeconômicos.
predominava a crença de que os deputados deviam votar de acordo com
Na democracia de partido as clivagens eleitorais refletem divisões de
as convicções que tivessem formado por intermédio do debate
classe. Embora já se observasse, na primeira metade deste século, em
parlamentar, e não em função de decisões previamente tomadas. Ainda
todos os países democráticos, a influência dos fatores socioeconômicos
que esse modelo nem sempre tenha sido seguido, a maioria dos
sobre o comportamento, eleitoral, ela é particularmente evidente nos
candidatos e dos deputados, na prática, defendia tal princípio. A
países em que um dos grandes partidos foi formado e explicitamente
liberdade do representante pode ser constatada pela contínua
concebido para ser a expressão política da classe operária. Os partidos
mobilidade de suas clivagens e reagrupamentos.(18)
socialistas ou social-democratas são geralmente considerados como os
A democracia de partido arquétipos do partido de massa contemporâneo, que se transformou,
desde o final do século XIX, no núcleo de organização das democracias
1) Os representantes são eleitos pelos governados
representativas. Por essa razão, nos países onde os partidos social-
O aumento do tamanho do eleitorado, gerado pela extensão do direito democratas são fortes é que se pode encontrar a forma mais pura do
de voto, impediu-o de manter relações pessoais com seus tipo de representação gerada por lealdades partidárias estáveis.
representantes. Os cidadãos não votam mais em alguém que conhecem
Na Alemanha, na Inglaterra, na Áustria e na Suécia, o voto constituiu,
pessoalmente, mas em um candidato que carrega as cores de um
durante décadas, o meio de expressão de uma identidade de classe.
partido. Os partidos políticos, juntamente com suas burocracias e sua
Para a maioria dos eleitores socialistas ou social-democratas, o voto não
rede de militantes, surgiram exatamente para mobilizar esse eleitorado
era uma questão de escolha, mas de identidade social e destino. Os
mais numeroso.
eleitores confiavam nos candidatos apresentados pelo "partido", porque
Na época de sua formação, acreditava-se que os partidos de massa os reconheciam como membros da comunidade a que pertenciam. A
conduziriam o "cidadão comum" ao poder. Aparentemente, a ascensão sociedade parecia estar dividida em torno de diferenças econômicas e
desses partidos prefigurava não só a falência do notável, como também culturais fundamentais, em um pequeno número de campos, geralmente
o fim do elitismo que caracterizara o parlamentarismo. Nos países em dois: o campo conservador, unificado pela religião e por valores
que os partidos de massa se baseavam em divisões de classe, havia a tradicionais, e o campo socialista, definido pela posição socioeconômica
crença de que, por meio do partido socialista ou social-democrata, a de seus integrantes. (20) 0 eleitor reconhecia seus interesses e crenças
classe operária estaria representada no Parlamento por seus próprios nas posições de um campo ou de outro; cada campo se tornava para ele
integrantes, os trabalhadores comuns. Mas a análise de Michels sobre o uma comunidade, unificada de alto a baixo por fortes laços de
partido social-democrata alemão logo desmentiu essas expectativas identidade.
(Michels, 1962, especialmente a parte IV, "Social Analysis of
É por isso que, na democracia de partido, a representação se torna,
48 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

fundamentalmente, um reflexo da estrutura social. De início, predomina não podem estar equivocados quanto à força dos adversários, pois a
apenas um elemento constitutivo da representação, a diversidade social. composição do Parlamento reflete essa força com muita precisão.
Contudo, os setores sociais que se manifestam através das eleições
Para evitar o risco do confronto violento, o campo majoritário tem apenas
estão em conflito entre si. Como no governo de tipo parlamentar, a
uma solução: estabelecer um acordo com a minoria. A democracia de
eleição reflete uma realidade social anterior à política. Mas, enquanto as
partido só se torna uma forma viável de governo quando os interesses
comunidades locais ou os "grandes interesses" que se afirmavam no
opostos aceitam o princípio da conciliação política, uma vez que nada
parlamentarismo não estavam necessariamente em conflito, este passa
vem atenuar seu conflito na esfera social. Kelsen, aliás, vê no conceito
a tomar uma importância crucial na democracia de partido. Embora os
de conciliação a pedra angular da democracia, ainda que não tenha
artífices da representação política considerassem a natureza pluralista
explicado claramente a razão pela qual os protagonistas teriam motivos
das instâncias representativas como uma de suas principais virtudes,
para transigir (Kelsen, 1981, pp. 53-68). Ao longo da história, os partidos
eles jamais imaginaram que esse mesmo pluralismo pudesse vir a
social-democratas só chegaram ao poder, e nele se mantiveram, quando
refletir um conflito social básico e duradouro. Essa transformação da
aceitaram o princípio da conciliação. Essa aceitação foi marcada de
representação foi uma conseqüência da industrialização e do conflito de
maneira simbólica pela escolha de uma estratégia de coalizão quando
classes por ela engendrado.
dominaram o governo pela primeira vez. Ao formar uma coalizão, o
Nesse modelo de governo representativo, o sentimento de partido se coloca deliberadamente numa situação de não poder realizar
pertencimento e identidade social determina muito mais as atitudes todos seus projetos. Ele escolhe aceitar uma vontade que não é a sua.
eleitorais do que a adesão ao programa político de um partido. (23)Por outro lado, a representação proporcional raras vezes produz
Naturalmente, os partidos de massa constituídos no final do século XIX uma maioria absoluta no Parlamento; constitui, portanto, um estímulo à
formularam plataformas políticas detalhadas, que utilizaram em suas adoção de uma estratégia de coalizão.
campanhas eleitorais. Quanto a isso, revelaram-se muito diferentes dos
Mas, se a democracia de partido repousa no princípio da conciliação, os
partidos existentes no modelo parlamentar. Mas os eleitores não sabiam
partidos não podem realizar a totalidade dos seus projetos, quando
muita coisa a respeito do conteúdo preciso dessas plataformas. Mais
ascendem ao poder. É importante ressaltar que, para estabelecer uma
freqüentemente do que se pensava, a grande maioria dos eleitores
solução de compromisso ou formar uma coalizão, a direção do partido
desconhecia os planos específicos propostos pelos partidos. Mesmo
precisa ter uma margem de manobra após as eleições. O partido não
quando os eleitores tinham conhecimento da existência de programas,
pode ficar atrelado exclusivamente ao seu programa político. Essa
eles só guardavam na memória algumas fórmulas muito vagas e as
liberdade de ação é facilitada pelo fato de que, ao votar, os eleitores
palavras de ordem mais marcantes repetidas durante as campanhas. As
manifestam sua confiança em um partido. Evidentemente a organização
plataformas políticas serviam para dar aos ativistas um certo senso de
partidária está, até certo ponto, vinculada às promessas que fez, pois
direção, que mobilizava suas energias e unificava o conjunto do partido.
assumiu compromissos públicos com determinadas linhas de ação. Além
Ainda que por razões distintas, os eleitores dos partidos de massa não
disso, os militantes se mobilizaram em torno de uma plataforma que
conheciam muito mais a natureza exata das metas defendidas pelos
ajudaram a construir. Dessa maneira, a liderança do partido deve agir de
candidatos do partido em que votavam do que ocorria com o eleitorado
acordo com a orientação geral traçada na plataforma política. Apesar
no modelo parlamentar, ao escolher uma pessoa de confiança. Os
disso, se o partido quiser entrar em acordo com a oposição ou com seus
eleitores dos partidos de massa votavam num partido porque se
aliados, os dirigentes devem se posicionar como os únicos juízes do
identificavam com ele, independentemente dos planos de ação
grau em que o programa será cumprido. Ao contrário do que se costuma
constantes da plataforma do partido. Nesse sentido, a democracia de
afirmar, a democracia de partido não suprime a relativa independência
partido, assim como o tipo parlamentar de governo representativo,
dos representantes, inerente ao modelo parlamentar. O que difere é a
baseia-se na confiança. A diferença está no objeto dessa confiança: não
identidade do sujeito dessa independência parcial: em vez de ser o
mais uma pessoa, mas uma organização, o partido.
representante individual, passa a ser o grupo formado pelo partido e por
2) A independência parcial dos representantes seus líderes.(24) A independência dos representantes não é tão ampla
quanto foi no parlamentarismo: eles não podem mais decidir segundo
Na democracia de partido, os representantes não são mais indivíduos
seu próprio julgamento, têm de exercer esse juízo dentro dos limites de
livres para votar segundo sua consciência e julgamento: eles estão
uma orientação geral.
presos à disciplina partidária e dependem do partido que os elegeu. "O
deputado social-democrata", escreveu Kautsky, "não é um homem livre, Um bom exemplo dessa independência parcial se encontra em uma
por mais escabroso que isto possa aparecer; ele é um simples delegado resolução adotada pelo Partido Trabalhista Inglês, em 1907, que dizia
do partido.."2 O membro da classe operária que tem assento no respeito às relações entre o congresso anual do partido, que definia seu
Parlamento é apenas um porta-voz do partido. Esse principio se traduz programa político, e o grupo parlamentar. A moção estipulava que as
em práticas efetivas que podem ser observadas em todos os países instruções encaminhadas pelo congresso do partido aos parlamentares
social-democráticos: estrita disciplina de voto no Parlamento e controle deveriam ser obrigatoriamente cumpridas, mas o momento e a maneira
dos deputados pela máquina do partido. Hans Kelsen, cujos escritos de colocá-las em prática ficariam a critério dos deputados, ouvida a
políticos formulam, de maneira exemplar, os princípios da democracia de direção do partido. Como observou um dos líderes, essa resolução
partido, propôs diversas medidas destinadas a garantir ao partido um significava atribuir à direção o poder de definir as prioridades na
controle eficiente dos seus deputados: os representantes deveriam ser execução do programa (Beer, 1982). Como o partido não permaneceria
obrigados a renunciar ao mandato se abandonassem o partido e os no poder para sempre, essa autoridade para definir prioridades conferia
partidos deveriam ter o direito de destituir o deputado. (22) à direção uma autonomia nada desprezível.
Nesse modelo de governo representativo, o Parlamento se transforma 3) A liberdade da opinião pública
em um instrumento de avaliação e registro da força relativa dos
Nesse tipo de governo representativo, os partidos organizam tanto a
interesses sociais em luta. Chama a atenção que, com exceção da
disputa eleitoral quanto os modos de expressão da opinião pública
Inglaterra, todos os países onde a social-democracia é forte tenham um
(manifestações de rua, petições, campanhas pelos jornais). Todas essas
sistema de representação proporcional, quer dizer, o sistema eleitoral
formas de expressão são estruturadas ao longo das clivagens
visa refletir, da maneira mais exata possível, a situação das relações de
partidárias. As várias associações e os órgãos de imprensa mantêm
força dentro do eleitorado. Kelsen (1981, p. 61) alegava que a
laços com um dos partidos. A existência de uma imprensa de opinião
representação proporcional era necessária "para que a verdadeira
tem uma importância especial: os cidadãos mais bem-informados, os
estrutura de interesses se refletisse na composição do Parlamento".
mais interessados em política e os formadores de opinião, obtêm
Entretanto, numa sociedade em que o principal organismo político
informações por intermédio da leitura de uma imprensa politicamente
reflete, com distorções mínimas, a luta pelo poder de interesses
orientada. Desse modo, os cidadãos são muito pouco expostos à
contraditórios e solidamente unificados, sempre se corre o risco de um
recepção de pontos de vista contrários, o que contribui para reforçar a
confronto violento. Como as pessoas se vinculam a um campo ou outro
estabilidade das opiniões políticas. Uma vez que os partidos dominam
em virtude de seus interesses e crenças, se um desses campos vencer
tanto o cenário eleitoral quanto a articulação de opiniões políticas fora
e tentar impor sua vontade, as que estão no campo contrário sofrerão
dos períodos de eleição, as clivagens da opinião pública coincidem com
uma derrota total, que afetará todos os setores de suas vidas, e isso
as clivagens eleitorais. Ostrogorski definiu os partidos de massa como
poderá induzi-Ias a recorrer à violência. A estabilidade eleitoral aumenta
"associações integradoras": quando uma pessoa ingressa num partido,
esses riscos. A minoria não conserva muitas esperanças de reverter a
"ela se dá a ele por inteiro" (Ostrogorski, op. cit., vol. 11, p. 621).
situação num futuro próximo. A democracia de partido maximiza o risco
Analisando a República de Weimar, Schmitt (1931, pp. 83-4) descreve
de confronto aberto. Mas os altos custos do confronto motivam os atores
as conseqüências dessa tendência para a integralidade, afirmando:
a evitá-lo. De modo geral, quanto menos conscientes os atores
estiverem das resistências que terão de enfrentar, mais propensos se (...) a extensão [da política] a todos os setores da vida humana (...) essa
mostrarão a assumir riscos. Na democracia de partido os vários campos tendência "totalizadora" se realiza por intermédio de uma rede de
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 49

organizações sociais para um certo segmento dos cidadãos. Certamente conteúdo exato da solução de compromisso é, portanto, uma questão de
não estamos diante de um Estado total, mas temos instituições sociais negociação entre os partidos e seus líderes. Por outro lado, as
ligadas a partidos, com tendência à totalidade, e que organizam seu organizações social-democratas institucionalizaram um processo de
rebanho desde a mais tenra idade, oferecendo, cada uma delas, uma consultas e negociação entre grupos de interesse, como sindicatos e
programação cultural completa. associações empresariais. Esse fenômeno, conhecido como
"neocorporativismo", tem sido objeto de grande atenção por parte da
Como os meios de expressão disponíveis para cada um dos campos em
ciência política recente.(25) As instituições neocorporativistas, cujo
que se divide a opinião pública são direta ou indiretamente controlados
objetivo é facilitar a conciliação entre interesses sociais opostos,
por organizações partidárias, os cidadãos comuns não podem falar por si
incentivam a discussão. Os termos do acordo não são fixados antes do
mesmos. Eles não têm outro canal de expressão senão os partidos e
cotejo das posições; são, antes, seu resultado. O princípio da
suas organizações filiadas. Essa situação aparentemente representa
conciliação, tanto na política quanto nas esferas sociais, supõe a
uma violação do princípio de que, no governo representativo, a opinião
negociação e a discussão. É comum subestimar à importância do debate
pública pode se manifestar com independência diante do controle do
na democracia de partido, porque o caráter essencial da solução
governo.
conciliatória nessa forma de governo não foi adequadamente
As análises de Schmitt ajudam a entender por que não é esse o caso. reconhecido. Pensava-se que os representantes dos diferentes campos
Não há dúvida de que cada um dos campos se expressa de maneira estivessem rigorosamente comprometidos com os detalhes de suas
unívoca: as manifestações eleitorais ou não-eleitorais de sua vontade plataformas políticas - caso em que, de fato, não seria possível nenhuma
coincidem exatamente, mas há mais de um campo de opinião e nem mudança de posição e nenhum debate. Mas, na realidade, quando a
todos participam do governo. Por outro lado, a instância que governa democracia de partido é uma forma estável de governo, ela não funciona
não é mais o Parlamento inteiro, como no sistema parlamentarista; é o por meio da rígida imposição de programas preestabelecidos.
partido majoritário, ou uma coligação de partidos. A democracia de
A democracia do público
partido é a era do governo de partido. Isso quer dizer que existe algo não
controlável pelo partido no poder: a oposição e seus canais de 1) Os representantes são eleitos pelos governados
expressão. Na democracia de partido, a liberdade da opinião pública
Tem-se observado, nos últimos anos, uma nítida modificação nas
significa liberdade de oposição. Sempre é possível manifestar livremente
interpretações dos resultados eleitorais. Antes dos anos 70, a maioria
uma opinião diferente da defendida pelo partido no poder, mesmo . que,
dos estudos concluía que as preferências políticas podiam ser
no interior de cada um dos campos, os cidadãos não possam exprimir
explicadas pelas características sociais, econômicas e culturais dos
opiniões independentes do controle dos líderes. Contrastando com o que
eleitores. Várias pesquisas sobre o tema mostram que a situação
se passa no governo representativo de tipo parlamentar, a liberdade da
mudou. Os resultados eleitorais tendem a variar significativamente de
opinião pública sofre um deslocamento. Recorrendo novamente à
uma eleição para a outra, ainda que se mantenham inalteradas as
metáfora espacial, é como se um corte vertical entre o partido majoritário
condições socioeconômicas e culturais dos eleitores. (26)
e a oposição tomasse o lugar do corte horizontal entre os que estão do
lado de dentro do Parlamento e os que estão do lado de fora. A personalização da escolha eleitoral
Talvez se possa alegar que a República de Weimar não constitui A personalidade dos candidatos parece ser um dos fatores essenciais na
exatamente um modelo de governo representativo viável. Mas o regime explicação dessas variações: as pessoas votam de modo diferente, de
foi derrotado porque os partidos que apoiavam a Constituição não uma eleição para a outra, dependendo da personalidade dos candidatos.
conseguiram estabelecer entre si uma solução de compromisso. Quando Cada vez mais os eleitores tendem a votar em uma pessoa, e não em
a conciliação é possível, uma ordem política fundada em campos um partido. Esse fenômeno assinala um afastamento do que se
solidamente unificados se torna viável. A Áustria posterior à Segunda considerava como comportamento normal dos eleitores em uma
Guerra Mundial é um exemplo perfeito de um governo representativo democracia representativa, sugerindo uma crise de representação
desse tipo. política. Na realidade, a predominância das legendas partidárias na
determinação do voto é característica apenas de um tipo específico de
4) Decisões políticas tomadas após debates
representação: a democracia de partido. Um outro aspecto que também
Na democracia de partido, as sessões plenárias do Parlamento não são aproxima a situação atual à do modelo parlamentar é o caráter pessoal
mais um fórum de debates deliberativos. Uma rígida disciplina comanda da relação de representação. Tem sido observado ainda o aumento da
o voto no interior de cada campo de forças. Além disso, uma vez importância dos fatores pessoais no relacionamento entre o
determinada a posição do partido, os deputados não podem mudar de representante e seu eleitorado (Cain et al., 1987). Esse aspecto aparece
opinião em função dos debates. Por último, as posições de cada campo, de modo nítido na relação que se estabelece entre o poder executivo e
no interior do Parlamento, são quase sempre as mesmas, qualquer que os eleitores no plano nacional. Há muito tempo os analistas vêm
seja o assunto posto em votação. O partido da maioria sistematicamente constatando uma tendência à personalização do poder nos países
apóia as iniciativas do governo, enquanto a minoria lhe faz oposição. democráticos. Nos países em que o chefe do poder executivo é eleito
Isso sugere que os deputados não avaliam as propostas em função do diretamente por sufrágio universal, a escolha do presidente da República
seu mérito, mas assentam suas decisões em considerações extrínsecas. tende a ser a eleição mais importante. Nos regimes parlamentaristas,
O Parlamento não é mais um lugar onde se chega a um acordo de onde o chefe do poder executivo também é o líder da maioria
maioria sobre políticas específicas a partir de posições inicialmente parlamentar, as campanhas e as eleições legislativas se concentram em
divergentes. A posição da maioria já está fixada antes de começarem os torno da pessoa desse líder. Os partidos continuam a exercer um papel
debates. As sessões do Parlamento e as votações apenas conferem um essencial, mas tendem a se tornar instrumentos a serviço de um líder.
selo de validade legal a decisões tomadas em outros lugares. Ao contrário do que acontece na representação parlamentarista, é o
chefe do governo, e não o membro do Parlamento, que se considera
Essa ruptura com os padrões do parlamentarismo foi objeto de
como o representantepor excelência. Contudo, da mesma maneira que
numerosas análises no início do século XX. De modo geral, ela foi
acontece no parlamentarismo, a relação de representação tem um
interpretada como urna indicação de que a época do debate público
caráter essencialmente pessoal.
havia chegado ao fim. Na realidade, o debate deslocava-se para outros
fóruns. É verdade que, na democracia de partido, uma vez fixada a Essa nova situação tem duas causas. Em primeiro lugar, os canais de
posição do partido os deputados não podem mudar de opinião. Também comunicação política afetam a natureza da relação de representação: os
é verdade que as decisões partidárias são tomadas antes dos debates candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores através do
parlamentares. Contudo, nas discussões realizadas dentro dos partidos, rádio e da televisão, dispensando a mediação de uma rede de relações
antes dos debates no Parlamento, os participantes efetivamente podem partidárias. A era dos ativistas, burocratas de partido ou "chefes
deliberar. A direção do partido e os integrantes do grupo parlamentar políticos" já acabou. Por outro lado, a televisão realça e confere uma
discutem entre si sobre a posição coletiva a ser adotada. É claro que intensidade especial à personalidade dos candidatos. De certa maneira,
esse tipo de debate exclui as posições dos outros partidos, mas esse ela faz recordar a natureza face a face da relação de representação que
modelo de governo representativo incentiva a discussão entre os líderes caracterizou a primeira forma de governo representativo. Os meios de
dos diversos partidos. Já observamos antes que esse sistema de comunicação de massa, no entanto, privilegiam determinadas
representação se fundamenta no princípio da transigência política, tanto qualidades pessoais: os candidatos vitoriosos não são os de maior
entre maioria e minoria quanto entre os membros de uma coalizão. As prestígio local, mas os "comunicadores", pessoas que dominam as
eleições não determinam as políticas específicas que devem ser técnicas da mídia. O que estamos assistindo hoje em dia não é a um
praticadas; elas determinam a força relativa dos vários partidos, cada um abandono dos princípios do governo representativo, mas a uma
com sua plataforma própria. A relação de forças entre partidos não indica mudança do tipo de elite selecionada: uma nova elite está tomando o
as questões em que se poderia tentar um acordo, nem define com lugar dos ativistas e líderes de partido. A democracia do público é o
precisão de que maneira se poderia chegar a um meio-termo. O reinado do "comunicador".
50 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

O segundo fator determinante da situação atual são as novas condições representativo, os políticos necessitam de diferenças que lhes sirvam de
em que os eleitos exercem o poder. Reagindo a essas mudanças, os base para mobilizar seus adeptos. As clivagens sociais, que fora dos
candidatos e os partidos dão ênfase à individualidade dos políticos em períodos eleitorais dividem a massa dos cidadãos, constituem um
detrimento das plataformas políticas. Como o âmbito das atividades do recurso essencial.
governo aumentou consideravelmente nas últimas décadas, tornou-se
Nas sociedades em que existe uma divisão, ao mesmo tempo duradoura
mais difícil para os políticos fazer promessas muito detalhadas; os
e especialmente notória, os políticos sabem, antes da eleição, que
programas ficariam muito extensos e seriam praticamente ilegíveis. Um
clivagens devem explorar, e isso lhes permite demarcar o divisor de
outro fator ainda mais importante é o aumento da complexidade das
águas que irão propor durante a campanha. Nessas circunstâncias,
circunstâncias políticas com que os governos têm se defrontado desde a
portanto, os termos da escolha oferecidos pelos políticos representam
Segunda Guerra Mundial. A crescente interdependência econômica das
uma transposição para a esfera eleitoral de uma clivagem preexistente.
nações impõe a cada governo a necessidade de enfrentar decisões
É isso que acontece na democracia de partido. Mas em algumas
tomadas por um número cada vez maior de atores. Isso significa, por
sociedades ocidentais a situação atual é diferente. Nenhuma linha
sua vez, que também os problemas a ser enfrentados pelos políticos no
divisória socioeconômica ou cultural é mais evidente do que as outras. É
poder são cada vez menos previsíveis. As circunstâncias dentro das
óbvio que os cidadãos não constituem uma massa homogênea que
quais se desenvolve a ação do governo demandam um poder
possa ser dividida de qualquer maneira pelas escolhas que lhe são
discricionário, cuja estrutura formal pode ser comparada à antiga noção
propostas, mas as linhas de demarcação social e cultural são muito
de prerrogativa. Locke definiu o conceito de prerrogativa como a
numerosas, se entrecruzam, mudam com muita rapidez. Um eleitorado
autoridade para tomar decisões na ausência de legislação prévia. A
desse tipo é suscetível a várias possibilidades de corte. Os políticos
necessidade desse poder é justificada no Segundo Tratado pela
devem decidir, entre esses possiveis cortes, quais serão os mais
eventualidade de o governo ter de enfrentar situações imprevistas, ao
eficientes e mais favoráveis a seus propósitos. Uma linha ou outra de
passo que as leis são constituídas por regras fixas previamente
divisão sempre pode ser provocada. Portanto, os articuladores dos
sancionadas. (27)De modo análogo, é possível pensar que os governos
termos da escolha conservam uma relativa autonomia na seleção das
contemporâneos necessitam de um poder discricionário relativamente
clivagens que desejam explorar. Nessas condições, a iniciativa dos
aos programas políticos, já que é cada vez mais difícil prever os
termos da escolha eleitoral cabe ao político e não ao eleitorado, e isso
acontecimentos que terão de ser enfrentados. Se as circunstâncias
explica por que razão as decisões hoje em dia aparentam ser
atuais exigem uma determinada forma de poder arbitrário, é de bom
primordialmente reativas.
senso que os candidatos realcem suas qualidades e aptidões pessoais
para tomar decisões adequadas, em vez de ficarem com as mãos atadas Rigorosamente falando, em todas as formas de governo representativo o
por promessas muito detalhadas. Os eleitores também estão cientes de voto constitui, em parte, uma reação do eleitorado aos termos que lhe
que o governo terá de enfrentar imprevistos. Na opinião dos eleitores, são oferecidos. Mas, quando esses termos espelham uma realidade
portanto, a confiança pessoal que o candidato inspira é um critério de social, independentemente da ação dos políticos, tem-se a impressão
escolha mais adequado do que o exame dos projetos para o futuro. Mais que o eleitorado é a fonte dos termos aos quais, na verdade, ele apenas
uma vez, a confiança, tão importante nas origens do governo responde com seu voto. O caráter reativo do .voto é obscurecido por sua
representativo, assume uma importância decisiva. dimensão expressiva. Quando, inversamente, os termos da escolha
decorrem principalmente de ações relativamente independentes dos
Por conseguinte, os eleitores contemporâneos devem conceder aos
políticos, o voto ainda é uma expressão do eleitorado, mas sua
seus representantes uma certa margem de liberdade relativamente às
dimensão reativa se torna mais importante e mais visível. Isso explica
plataformas eleitorais. A bem dizer, isso sempre aconteceu no governo
por que o eleitorado se apresenta, antes de tudo, como um público que
representativo, desde que os mandatos imperativos foram proibidos. A
reage aos termos propostos no palco da política. Por essa razão,
situação atual apenas torna mais visível um aspecto permanente da
denominamos essa forma de governo representativo de "democracia do
representação política. Mas o poder discricionário não é o mesmo que
público".
um poder irresponsável. Os eleitores mantêm o poder fundamental, que
sempre tiveram no governo representativo, de destituir os representantes Os políticos, no entanto, têm uma autonomia apenas parcial ou relativa
quando seus mandatos terminam. Hoje é especialmente difícil avaliar os na seleção dos assuntos que dividem o eleitorado; eles não podem
políticos levando em conta suas plataformas, mas é perfeitamente viável inventar, com total liberdade, os princípios da clivagem que irão propor.
julgá-los mediante a análise de sua folha de serviços. Também nesse Nem toda divisão é possível, porque o eleitorado já se encontra dividido
sentido o conceito de poder discricionário mostra semelhanças com o por fatores sociais, econômicos e culturais anteriores às decisões dos
conceito de poder de prerrogativa para Locke. Segundo a definição de candidatos. Ademais, os políticos não podem nem ao menos escolher
Locke, o poder de prerrogativa não era ilimitado, mas apenas uma entre as decisões como melhor lhes aprouver. Eles sabem que a
capacidade de agir "conforme exijam o interesse e o bem público". Nas utilidade das possíveis divisões não é a mesma em todos os casos: se
atuais circunstâncias, os eleitores é que determinam a posteriori, um candidato fomenta uma linha de clivagem que não mobiliza
reelegendo ou destituindo o representante, se as iniciativas por ele eficazmente os eleitores, ou uma outra que funciona contra ele, acaba
tomadas promoveram ou não o bem público. perdendo a eleição. Os políticos podem formular uma determinada
opinião que, a seu ver, divide o eleitorado em vez de uma outra
Os termos gerais da escolha eleitoral
qualquer, mas é a eleição que, em último caso, irá sancionar ou não sua
Além da personalidade dos candidatos, os estudos contemporâneos iniciativa. Os candidatos não sabem de antemão onde está o divisor de
revelam que o comportamento dos eleitores varia de acordo com os águas mais eficiente, mas têm todo interesse em fazer essa descoberta.
termos da escolha eleitoral. Por exemplo, os cidadãos votam em Em comparação com a autonomia que os políticos usufruíam na
diferentes partidos em eleições presidenciais, legislativas e municipais, democracia de partido, a iniciativa deles aumenta nesse novo sistema,
sugerindo que as decisões de voto levam em conta a percepção do que mas, em compensação, eles precisam estar permanentemente
está em jogo numa eleição específica, e não são decorrentes das empenhados em identificar as questões que melhor dividem o eleitorado
características socioeconômicas e culturais dos eleitores. Assim para explorá-las politicamente. Mas, se ás clivagens mais eficazes são
também, as decisões do eleitorado parecem ser suscetíveis às questões aquelas que correspondem às preocupações dos eleitores, o processo
levantadas durante as campanhas políticas. Os resultados da votação tende a criar uma convergência entre os termos da escolha eleitoral e as
variam significativamente, até mesmo em períodos curtos de tempo, divisões do público. Na democracia de partido, ao contrário, pode haver
conforme a ênfase atribuída às questões no transcorrer das uma correspondência imediata entre esses dois aspectos, porque os
campanhas.(28) Os eleitores parecem responder (aos termos políticos sabem de antemão, e com razoável margem de segurança,
específicos que os políticos propõem em cada eleição), mais do que quais são as clivagens fundamentais do eleitorado. Na democracia do
expressar (suas identidades sociais ou culturais). Desse ponto de vista, público, a convergência sé estabelece com o tempo através de um
a situação atual representa um afastamento do processo de formação processo de ensaio e erro: o candidato toma a iniciativa de propor uma
das preferências políticas na democracia de partido. Hoje em dia, linha divisória durante a campanha, ou, com menos riscos, a partir das
predomina a dimensão reativa do voto. pesquisas de opinião. O público, a seguir, responde à divisão proposta e,
por fim, o político corrige ou mantém a proposta inicial, dependendo da
Toda eleição implica um fator de divisão e diferenciação entre os
reação do público.
eleitores. De um lado, toda eleição visa necessariamente distinguir os
que apóiam um candidato dos que são contrários a ele. Por outro lado, Observa-se, além disso, que a escolha final oferecida aos eleitores não
as pessoas se mobilizam e se unem mais efetivamente quando têm é resultante de um plano consciente ou deliberado. Cada candidato
adversários e percebem existir diferenças entre elas e os demais. Os propõe a questão ou o termo que lhe parece mais eficaz e vantajoso.
candidatos precisam, então, não só identificar a si próprios, como Mas a escolha finalmente apresentada e a clivagem que ela provoca
também definir quem são seus adversários. Eles não só se identificam, decorrem da combinação dos termos oferecidos pelo conjunto dos
como assinalam uma diferença. Em todas as formas de governo candidatos. A configuração final da escolha é produto da pluralidade de
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 51

ações descoordenadas. superficiais destituídas de conteúdo político. Na verdade, as pesquisas


de opinião revelam que as imagens elaboradas pelos eleitores não
Nas democracias, a política é freqüentemente analisada por meio de
deixam de ter um conteúdo político. Para citar apenas um exemplo,
uma analogia com o funcionamento do mercado. A metáfora teatral do
sabe-se que nas eleições francesas de 1981, que deram a vitória aos
público e do palco parece, no entanto, mais apropriada do que a da
socialistas, o eleitorado não tinha idéias e preferências claras acerca da
oferta e demanda na descrição do processo eleitoral contemporâneo. A
política econômica formulada pelos socialistas (nacionalizações,
metáfora teatral expressa a diferença entre aqueles que tomam a
estímulo à demanda interna). Entretanto, ficou provado que a vitória
iniciativa dos termos da escolha e aqueles que fazem as escolhas, e
socialista resultou em grande parte de uma percepção, embora vaga,
realça a independência parcial dos primeiros. A metáfora do mercado, ao
que incluía um conteúdo: a idéia de que a crise era conseqüência das
contrário, contém muitas dificuldades que se tornam visíveis ao
medidas postas em prática pelo governo anterior e que era possível
desdobrá-la em todas as suas implicações. Há razões, sem dúvida, para
retomar o crescimento da economia e do emprego (Cohen, 1986, pp. 78-
descrever os políticos como empresários que competem para ganhar
80). Uma campanha eleitoral é um processo de construção de
votos e maximizar seus benefícios - as recompensas materiais e
antagonismos: ela joga várias imagens umas contra as outras.
simbólicas do poder. Mas caracterizar os eleitores como consumidores é
Considerada isoladamente, cada imagem, na verdade, pode significar
bem menos apropriado. Um consumidor que entra num mercado
quase tudo. O erro está exatamente em examinar cada uma delas em
econômico sabe o que quer: suas preferências independem dos
separado. Os eleitores recebem uma variedade de imagens que
produtos que lhe são ofertados. A teoria econômica supõe que as
competem entre si. Embora sejam vagas, as imagens não são
preferências dos consumidores são exógenas. Na política, entretanto,
totalmente indeterminadas ou ilimitadas, pois a campanha eleitoral cria
esse suposto não é realista e contraria a experiência. Na maior parte das
um sistema de diferenças. Uma coisa pelo menos a imagem dos
vezes, quando um cidadão entra no que se poderia chamar de mercado
candidatos não pode designar: a imagem de seus adversários. Uma
político, suas preferências não estão ainda formadas. Ao contrário, elas
campanha eleitoral pode ser comparada a uma linguagem, como definiu
se firmam à medida que ele vai tomando conhecimento dos debates
o fundador da lingüística contemporânea, Ferdinand de Saussure: o
públicos. Na política a demanda não é exógena; de modo geral, as
significado de cada termo é o resultado da coexistência de vários termos
preferências não preexistem à ação dos políticos.(29)
que se distinguem uns dos outros.
Ainda não foi suficientemente valorizado o fato de que o próprio
É bem verdade que essas imagens são representações políticas muito
Schumpeter, considerado como o fundador das teorias econômicas da
simplificadas e esquematizadas. Evidentemente, a importância dessas
democracia, admitia que, em política, não existe propriamente uma
representações esquemáticas decorre do fato de que muitos eleitores
demanda. Schumpeter insistia que na esfera dos "assuntos nacionais e
não estão suficientemente capacitados para compreender os detalhes
internacionais", não se justificava a hipótese de que os indivíduos têm
técnicos das medidas propostas e as razões que as justificam. Mas a
volições claramente definidas e independentes das propostas dos
utilização de representações simplificadas também é um meio de
políticos. Essas volições existem, mas somente quando se relacionam
resolver o problema dos custos da informação política. Já se observou
com assuntos de importância imediata para as pessoas è das quais elas
que um dos maiores problemas enfrentado pelo cidadão nas grandes
têm conhecimento direto, "as coisas que lhes dizem respeito
democracias é a desproporção dos custos necessários para conseguir a
diretamente, sua família, sua cidade ou seu bairro, sua classe, sua
informação necessária e a influência que ele espera exercer sobre o
paróquia, seu sindicato ou qualquer outro grupo do qual participem
resultado das eleições. Esse problema não ocorre na democracia de
ativamente" (Schumpeter, 1975, p. 258). Dentro desse "campo limitado",
partido, porque a decisão dos eleitores se define por um sentimento de
a experiência direta da realidade permite a formação de preferências
identidade de classe. Igualmente poderia se dizer que a identificação
bem definidas e independentes. Quando, ao contrário, "nos afastamos
partidária é uma solução para o problema dos custos da informação na
das preocupações privadas de ordem familiar ou profissional para
democracia de partido. Seja como for, quando a identidade social e a
penetrar no domínio dos assuntos nacionais e internacionais, que não se
identificação partidária perdem importância na determinação do voto,
ligam direta e inequivocamente àquelas preocupações particulares", o
surge a necessidade de encontrar caminhos alternativos para obter
senso de realidade enfraquece (Schumpeter, op. cit.). Assim escreve
informação política.
Schumpeter:
Já que os representantes são escolhidos a partir dessas imagens
Esse empobrecimento do senso de realidade explica não só um
esquemáticas, sobra-lhes um espaço de liberdade, após eleitos, para
empobrecimento do senso de responsabilidade, como também uma falta
agir. A causa de sua eleição foi um compromisso relativamente vago que
de efetiva volição. As pessoas têm, naturalmente, suas fórmulas prontas,
naturalmente se presta a diversas interpretações. Fica assegurada,
suas aspirações, suas fantasias e suas reclamações; elas têm sobretudo
portanto, a independência parcial dos representantes, que sempre
suas simpatias e antipatias. Mas habitualmente isso não se compara ao
caracterizou o governo representativo.
que chamamos de vontade - a contrapartida psíquica de uma ação
responsável que visa objetivos precisos" (Idem, ibidem, p. 261; a ênfase 3) A liberdade da opinião pública
é minha).
Os canais de comunicação com a opinião pública são politicamente
O que chama a atenção nesse trecho é o fato de Schumpeter negar não neutros, isto é, não têm uma base partidária. Razões econômicas e
só a natureza racional ou responsável da vontade do indivíduo, além do tecnológicas causaram o declínio da imprensa de opinião. Atualmente,
limitado círculo de suas preocupações de ordem particular, quanto a os partidos políticos não costumam ser proprietários de jornais de
própria existência da volição. Em trecho posterior, ele observa que os grande circulação. Por outro lado, o rádio e a televisão não têm
eleitores não têm uma vontade política independente da influência das oficialmente uma orientação partidária. O resultado dessa neutralização
políticos. "A vontade que observamos ao analisar os processos da mídia em relação às clivagens partidárias é que as pessoas recebem
políticos", escreve Schumpeter, "é, em grande parte, fabricada, e não as mesmas informações sobre um dado assunto, a despeito de suas
espontânea (Idem, ibidem, p. 263). preferências políticas. Isso não significa que os assuntos ou os fatos -
diferentemente dos julgamentos - sejam percebidos de maneira
Se não existe, em política, uma demanda exógena, a analogia entre a
"objetiva", sem distorções, mas simplesmente que eles são percebidos
escolha eleitoral e o mercado cai por terra. O único elemento válido na
de maneira relativamente uniforme através do amplo espectro das
metáfora do mercado é a idéia de que a iniciativa da proposta das
preferências políticas. Ao contrário, quando grande parte da imprensa se
alternativas de escolha pertence a atores distintos e relativamente
encontra sob controle dos partidos (como acontece na democracia de
independentes daqueles que, afinal de contas, fazem as escolhas.
partido), as pessoas escolhem sua fonte de informação de acordo com
Sendo assim, a metáfora do palco e do público é mais adequada,
suas inclinações partidárias; os fatos ou os assuntos são percebidos
embora ainda imperfeita, para descrever essa realidade.
pela ótica do partido em que votam.
No democracia do público os representantes políticos são atores que
Uma comparação entre o escândalo de Watergate e o caso Dreyfus,
tomam a iniciativa de propor um princípio de divisão no interior do
duas situações nas quais a opinião pública teve um papel fundamental,
eleitorado. Eles buscam identificar essas clivagens e trazê-las ao palco.
pode exemplificar o argumento. Descobriu-se que, durante a crise de
Mas é o público que, afinal, dá o veredicto.
Watergate, os americanos tinham, de modo geral, a mesma
2) A independência parcial dos representantes compreensão dos fatos, independentemente de sua preferência
partidária e do julgamento que faziam. No caso Dreyfus, ao contrário,
Os estudos eleitorais reconhecem que a eleição dos representantes vem
parece que até mesmo a percepção dos fatos foi diferente entre os
sendo atualmente muito influenciada por uma "imagem", quer seja a
vários setores da opinião pública: cada segmento do público francês
imagem da pessoa do candidato, quer seja a da organização ou partido
percebia os fatos através da ótica dos órgãos de imprensa que refletiam
a que ele pertence. A palavra "imagem" pode, no entanto, se prestar a
suas inclinações partidárias (Lang & Lang, 1983, pp. 289-291).
confusão. No vocabulário jornalístico, ela é freqüentemente empregada,
em oposição à de "substância", no sentido de percepções vagas e Nesse mesmo sentido, descobriu-se que um dos aspectos mais
52 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

evidentes das últimas eleições francesas foi a homogeneização da voto a partir de uma identificação partidária estável. Um segmento
imagem dos partidos no interior do eleitorado. Ao que se sabe, durante crescente do eleitorado tende a votar de acordo com os problemas e as
as eleições parlamentares de 1986, os eleitores tinham questões postas em jogo em cada eleição. Na verdade, sempre houve
aproximadamente a mesma percepção das posições dos vários partidos. um eleitorado instável, mas, no passado, ele secompunha de cidadãos
E claro que havia divergências no modo de avaliar os partidos, e o voto pouco informados, pouco interessados em política e com um nível baixo
expressou essas diferenças, mas os assuntos tratados eram percebidos de escolaridade. A novidade introduzida pelo eleitorado flutuante de hoje
pelo eleitorado de modo quase idêntico, a despeito do partido em que é que ele é bem-informado, interessado em política e razoavelmente
votaram (Grunberg et al., 1986, pp. 125-127). instruído. Boa parte desse fenômeno se deve à neutralização da mídia
informativa e de opinião: os eleitores interessados em política, e que
Pode-se sugerir, portanto, que a percepção dos temas e dos problemas
buscam se informar, são expostos a opiniões conflitantes, enquanto na
públicos (diferentemente do julgamento dessas questões) tende hoje em
democracia de partido as opiniões do mais ativo e interessado dos
dia a ser homogênea e independente das preferências políticas
cidadãos eram reforçadas pelas fontes de informação a que ele recorria.
expressas nas eleições. Mas as pessoas podem assumir posições
A existência de um eleitorado bem-informado e interessado, que pode
divergentes á respeito de um assunto específico. A opinião pública,
ser empurrado de um lado para o outro, estimula os políticos a expor
então, se divide em relação ao tema em questão; mas a divisão
suas idéias diretamente ao público. Pode-se conquistar o apoio de uma
resultante não reproduz as clivagens eleitorais, ou coincide com elas: o
maioria a uma determinada orientação política falando diretamente ao
público pode estar dividido em certas linhas de opinião durante as
eleitorado. O debate de temas específicos não fica mais restrito aos
eleições e em tendências diferentes quanto a questões específicas.
muros do Parlamento (como no parlamentarismo), nem às comissões
Assim, volta à cena uma possibilidade que desaparecera na democracia
consultivas entre partidos (como na democracia de partido); o debate se
de partido: as manifestações eleitorais e não eleitorais do povo podem
processa no meio do próprio povo. Em conseqüência, o formato de
não ser coincidentes.
governo representativo que hoje está nascendo se caracteriza pela
Essa não-coincidência decorre principalmente da neutralização dos presença de um novo protagonista, o eleitor flutuante, e pela existência
canais de comunicação através dos quais a opinião púbica é formada, de um novo fórum, os meios de comunicação de massa.
mas também tem origem no caráter não partidarista das novas
Boa parte da insistência na idéia de que existe uma crise de
instituições que exercem um papel crucial na expressão da opinião
representação se deve à percepção de que o governo representativo
pública: os institutos de pesquisa.
vem se afastando da fórmula do governo do povo pelo povo. A situação
Cabe notar que as pesquisas realizadas por esses institutos funcionam corrente, no entanto, toma outros contornos quando se compreende que
de acordo com a mesma estrutura formal que caracteriza a democracia a representação nunca foi uma forma indireta ou mediada de
do público: o palco e o público. Os técnicos responsáveis pela autogoverno do povo. O governo representativo não foi concebido como
elaboração dos questionários não sabem de antemão que perguntas um tipo particular de democracia, mas como um sistema político original
poderão estimular respostas mais significativas e trazer à tona as baseado em princípios distintos daqueles que organizam a democracia.
clivagens mais importantes do público. Assim, eles tomam decisões de Além disso, no momento em que os partidos de massa. e as plataformas
maneira relativamente autônoma. Desse ponto* de vista, as pesquisas políticas passaram a desempenhar um papel essencial na
de opinião certamente não são uma expressão espontânea da vontade representação, se consolidou a crença de que o governo representativo
popular - um efeito da ideologia da democracia direta que, apesar disso, caminhava em direção à democracia. Um exame mais minucioso da
ronda os pesquisadores. A rigor, as pesquisas são constructos. Mas democracia de partido revela, porém, que os princípios elaborados no
interessa aos institutos de pesquisa oferecer aos clientes resultados de final do século XVIII mantiveram sua força após a emergência dos
algum valor preditivo e que revelem clivagens significativas. Assim como partidos de massa; apenas foram postos em prática de uma nova
os políticos, os pesquisadores trabalham por ensaio e erro. maneira em virtude da mudança das circunstâncias externas. Quando se
reconhece a existência de uma diferença fundamental entre governo
O aspecto mais importante dessas organizações de pesquisa é que,
representativo e autogoverno do povo, o fenômeno atual deixa de ser
assim como os meios de comunicação de massa, elas são
visto como sinalizador de uma crise de representação e passa a ser
independentes de partidos políticos (o que não significa que não
interpretado como um deslocamento e um rearranjo da mesma
introduzam distorções). Elas podem revelar, sem inconvenientes, linhas
combinação de elementos que sempre esteve presente desde o final do
divisórias inexploradas pelos candidatos. Desse modo, as pesquisas de
século XVIII.
opinião contribuem para desfazer a associação entre as expressões
eleitorais e não-eleitorais da vontade popular.
Em certo sentido, reencontramos na democracia do público uma NOTAS
configuração semelhante à do parlamentarismo, exceto pelo fato de que
as pesquisas acabam por conferir um caráter bastante peculiar à * As idéias expostas neste ensaio fazem parte de meu próximo livro The
manifestação não-eleitoral da vontade popular. De um lado, as Principles of Representative Government, no prelo. Desejo agradecer a
pesquisas reduzem os custos da expressão política individual. Participar Paul Bullen e Sunil Khilnani pela assistência na preparação da versão
de uma manifestação pública implica um gasto de tempo e energia; em inglês do original escrito em francês.
assinar uma petição pode, às vezes, envolver riscos. Em contrapartida, 1. Às vezes se diz que, se os ingleses e americanos sempre foram mais
responder anonimamente a um questionário impõe apenas um custo favoráveis à idéia de partidos políticos, a hostilidade para com as
mínimo. Ao contrário do que se verifica no tipo parlamentar de governo "facções" era uma característica da cultura política francesa no final do
representativo, em que os altos custos das manifestações de rua e das século XV111. Esse modo de pensar não é correto. Na verdade,
petições reservam para as pessoas mais intensamente motivadas a praticamente todos os pensadores políticos de origem anglo-americana
capacidade de expressão política não-eleitoral, as pesquisas de opinião desse mesmo período se opunham ao sistema de partidos (cf.
dão voz aos cidadãos "apáticos" e não-engajados. Por outro lado, por Hofstadter, 1969, principalmente capítulo 1). A exaltação dos partidos
serem pacíficas, as pesquisas facilitam a expressão de opiniões que se encontra em Burke é uma exceção; ainda assim, Burke não tinha
políticas, ao passo que as manifestações públicas sempre comportam em mente partidos análogos aos que vieram a dominar o cenário político
um risco de violência, sobretudo quando as opiniões estão muito a partir da segunda metade do século XIX.
polarizadas. Por conseguinte, a presença do povo "nas portas do
Parlamento" é mais freqüente do que se verifica no modelo parlamentar: 2. Tanto o Caucus de Birmingham quanto a National Liberal Federation,
o povo não se faz presente apenas em ocasiões excepcionais. considerados como as primeiras organizações políticas de massa, foram
fundados em 1870.
4) As decisões políticas são tomadas após debates
3. Para citar apenas dois exemplos entre os mais significativos e
Com a notável exceção do Congresso dos Estados Unidos, o
influentes, ver Schmitt, 1988, e Leibholz, 1966.
Parlamento não é o fórum do debate público. Cada partido se reúne em
torno de seu líder e vota disciplinadamente com. ele.(30) Assim, na 4. No original deste artigo, escrito em francês, o autor fala em
democracia do público o Parlamento tem tão pouca importância como "democratie du public", mas na versão para o inglês foi usada a
fórum de discussão quanto na democracia de partido, embora por razões expressão "tribunal of the public" para denominar essa terceira forma de
diferentes. Mas as discussões dentro dos partidos e as consultas entre o representação. Embora esta tradução tenha-se baseado na versão em
governo e os grupos de interesse ou associações são de fato relevantes. inglês, preferimos seguir, neste caso, a forma usada em francês, dada a
A grande novidade introduzida pelo terceiro tipo de representação se peculiaridade do termo "tribunal" em português e também para manter a
encontra em outro aspecto. Durante as últimas décadas, os estudos coerência do critério de construção dos tipos-ideais. (N. T.)
eleitorais têm acentuado a importância da instabilidade eleitoral. Vem 5. A análise das causas e conseqüências da preferência pela eleição, em
aumentando o número dos eleitores flutuantes que não depositam seu lugar do sorteio, foge ao escopo deste ensaio, mas é tratada em meu
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 53

prüximo livro The Principles of Representative Government. comum em uma pluralidade reconhecida (isto é, a maioria)" (1789a, p.
18). Mas, em suas considerações sobre o debate, a intenção de Siéyès
6. Literalmente, "chamar de volta", "ordenar o regresso" de algum lugar, é outra; ele não se dá ao trabalho de repetir um argumento já
no mesmo sentido em que, por exemplo, um governo "chama de volta" apresentado.
ou "ordena o regresso" de seu pessoal diplomático em virtude de uma
crise política internacional. (N. T.) 16. Locke, 1988, cap. VIII, §96, pp. 331-2. Os argumentos de Locke e
Siéyès são muito parecidos, mas o primeiro é mais incisivo; por isso o
7. Debate na Câmara dos Representantes (15 de agosto de 1789), in citamos aqui.
Kurland & Lerner, 1987, vol. 1, pp. 413-8.
17. A Anti Corn Law League financiou a criação da revista The
8. O sistema proposto é integralmente representativo por duas razões de Economist. Cf. Beer, 1982, pp. 43-8.
grande importância, na argumentação de Madison. Por um lado, ele
destaca que todas as instâncias (as duas casas do Congresso, o 18. Esse traço do parlamentarismo clássico subsiste ainda hoje no
Presidente, os juízes) são designadas pelo povo, direta ou Congresso americano.
indiretamente. Para que um governo seja "republicano" (isto é,
representativo), diz ele, "basta que as pessoas que o administram sejam 19. Para citar apenas algumas obras mais significativas e influentes
designadas direta ou indiretamente pelo povo" (1787; p. 241, grifo de nessa área, ver: Siegtried, 1913; Berelson et al., 1954; Campbell et al.,
Madison). Portanto, a representação depende exclusivamente da 1964.
eleição. Por outro lado, a Constituição é integralmente representativa, 20. Na Áustria, aliás, utilizava-se a expressão "mentalidade de campo"
porque o povo reunido não desempenha papel algum. A representação, (Lagermentalitãt) para descrever a cultura política do país no
acrescenta Madison, não era inteiramente desconhecida nas repúblicas entreguerras.
da Antigüidade: alguns magistrados eram eleitos e, além disso, a
assembléia do povo constituía um órgão de governo. A verdadeira 21. Kautsky, 1900, p. 157. Kautsky foi um dos principais líderes do
novidade da república americana não está na representação, mas na partido social-democrata alemão na virada do século.
"total exclusão do povo, como corpo coletivo, do sistema de governo"
22. Kelsen (1981, pp. 42-3) afirma que apenas por intermédio dos
(op. cit., p. 387, grifos de Madison).
partidos as pessoas podem exercer uma influência política: "A
9. O caráter absoluto da representação em Hobbes é analisado em democracia é, necessária e inevitavelmente, uma democracia de partido"
Pitkin, 1967, pp. 15-27. (pp. 20-1). Kelsen foi considerado próximo ao partido socialista
austríaco. Ele teve um importante papel na redação da Constituição da
l0. Schmitt refere-se basicamente aos textos de Guizot reunidos em primeira república de seu país, na qual propôs a criação de uma corte
Histoire des origines du gouvérnement représentatif(1851); ver Schmitt, constitucional. Seu pensamento jurídico e político teve grande influência
1988, pp. 34-5. Sobre o papel do debate e a "soberania da razão" em sobre os líderes socialdemocratas, tanto na Áustria quanto na Alemanha.
Guizot, ver Rosanvallon, pp. 55-63 e 87-94. Schmitt também faz Kautsky freqüentemente se referia a ele em seus trabalhos.
referências a Burke, Bentham e James Bryce.
23. Sobre a social-democracia e o princípio da conciliação ver Rustow,
11. "Se por razões práticas e técnicas os representantes do povo podem 1955, e também Bergounioux & Manin, 1989, pp. 37-55.
decidirem lugar do povo, não há dúvida então que uma só pessoa de
confiança poderia muito bem decidir em nome desse mesmo povo e a 24. Apesar de sua ênfase no conceito de conciliação, Kelsen não diz que
argumentação, sem deixar de ser democrática, poderia justificar um os partidos políticos que apresentam diferentes plataformas precisam
cesarismo antiparlamentar." (Schmitt, 1988, p. 41). preservar uma liberdade de ação para que seja possível encontrar uma
solução de compromisso entre a maioria e a oposição, ou entre os
12. Schmitt, 1988, pp. 35-43. Essa idéia é longamente analisada por membros de uma coalizão.
Habermas, 1989. Schmitt estabeleceu um paralelo entre o valor atribuído
ao debate pelos partidários do parlamentarismo e as virtudes do 25. O conceito de "neocorporativismo" pode ser mal compreendido se
mercado exaltadas pelos liberais: "Dá exatamente no mesmo que a não se percebe que ele se baseia no reconhecimento de um conflito
verdade possa ser alcançada por um embate irrestrito de opiniões e que fundamental entre os interesses, enquanto o corporativismo tradicional
a concorrência produza a harmonia." (p. 35). A idéia de que a verdade presumia uma complementaridade funcional - e, portanto, uma harmonia
nasce da discussão é bastante usual; a tradição da filosofia ocidental, - entre as forças sociais. Não se trata de uma diferença abstrata ou
desde Platão, tem fornecido numerosas versões dessa concepção. Não ideológica: nos arranjos neocorporativistas, um dos principais
há razão alguma para considera-la uma crença específica do instrumentos do conflito social, o direito de greve, permanece intocado,
pensamento liberal em seu sentido estreito. enquanto no corporativismo tradicional a greve é proibida. Ver
Bergounioux & Manin, 1989, pp. 51-5.
13. O texto mais importante de Burke sobre o tema do debate é seu
famoso "Discurso aos eleitores de Bristol" (1774, p. 115): "Se o govcrno 26. Um dos primeiros teóricos a comentar que as preferências políticas
fosse uma questão de preferência por um dos lados, o seu, sem sombra são em grande parte uma resposta à escolha eleitoral oferecida aos
de dúvida, seria o melhor. Mas o governo é uma questão de razão e eleitores, independentemente das características socioeconômicas e
julgamento, não de preferência; que tipo de razão é essa em que a culturais destes, foi V O. Key; ver especialmente Key, 1963a e 1963b.
decisão precede a discussão, em que um grupo de pessoas discute e Na década de 70, essa idéia foi aproveitada e desenvolvida em vários
outro decide, e onde os que tiram conclusões estão a centenas de outros estudos. Ver, por exemplo: Pomper, 1975; e Nie et al., 1976.
milhas daqueles que ouvem os argumentos? (...) O Parlamento não é Pesquisas recentes realizadas na França também chamam a atenção
uma associação de embaixadores que têm opiniões divergentes e para o papel determinante dos termos da escolha oferecidos ao
hostis, cujos interesses cada um deve preservar como agente e defensor eleitorado. Ver, especialmente: Lancelot, 1985; e Gaxie, 1985.
contra os interesses de outros agentes e defensores; o Parlamento é a
27. "Há muitas coisas que a lei não pode prever de modo algum, e estas
assembléia deliberativa de uma nação, que tem um interesse, o de seu
devem ser necessariamente deixadas a critério daquele que controla o
todo - nem os objetivos locais, nem os preconceitos locais, deveriam
poder executivo, para ser por ele determinadas, conforme requeiram o
fornecer a orientação, mas o bem de todos, resultante da consideração
interesse e o bem público." (Locke, 1988, cap. XIV, § 159).
do conjunto da nação."
28. Ver, por exemplo, Nie et al., 1976, pp. 319, 349. "Um tema simples
14. A importância dessas frases (a ênfase é minha) nunca poderá ser
mas importante atravessa quase todo este livro: o público responde aos
superestimada. Elas demonstram que Siéyès não pensa o debate
estímulos políticos que lhe são oferecidos. O comportamento político do
parlamentar como uma atividade desinteressada, guiada apenas pela
eleitorado não é determinado unicamente por fatores sociais e
busca da verdade, e que, para ele, o interesse geral, ao contrário da
psicológicos, mas também pelas questões do momento e pela maneira
vontade geral em Rousseau, não transcende os interesses particulares e
como os candidatos as apresentam." (p. 319; a ênfase é minha).
não tem uma natureza diferentes destes últimos.
29. Manin, 1987, pp. 338-68 contém um aprofundamento desse ponto.
15. A afirmação de que, ao final dos debates, as opiniões "finalmente
chegam a uma única opinião", poderia induzir a pensar que Siéyès faz 30. Veja o tópico "Personalização da escolha eleitoral", na página 25.
da unanimidade o princípio do processo decisório. Isso não é verdade,
como revela outro trecho da mesma obra: "(...) mas, no futuro, exigir que
a vontade comum sempre seja o somatório exato de todas as vontades
equivaleria a renunciar à possibilidade de constituir uma vontade
comum, significaria dissolver a união social. É, portanto, absolutamente
necessário optar pela admissão de todos os aspectos da vontade
54 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

MINIMALISMO SCHUMPETER MINIMALISMO SCHUM- voto e eleições competitivas, dentro da pluralidade de interesses existen-
tes no interior das sociedades. As concepções reconhecidas na literatura
PETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA E
como “maximalistas” concebem que os regimes democráticos não po-
ESCOLHA RACIONAL
dem ser resumidos a métodos de escolhas eleitorais, como conseqüên-
Ricardo Borges Gama Neto cia da ação de mecanismos institucionais estritamente políticos.

A democracia é um dos temas mais discutidos na Ciência Política. Existe O objetivo deste artigo é tratar de maneira não extensiva a teoria mini-
uma unanimidade em torno da legitimidade do regime democrático vis-à- malista de Schumpeter, o “pluralismo” dahlsiano, a teoria econômica da
vis seus opositores. Contudo, se a defesa da democracia é consensual, democracia, a teoria da escolha racional e alguns pontos de intercone-
não há a mesma concordância sobre o que ela significa. O debate sobre xão que envolvem esses e os conceitos de “accountability” e “represen-
o tema ressurge como conseqüência da crise da representação política tação política”. Todos são temas extensos, por isso tenta- se partir dos
nos países de democracia consolidada, da falência dos regimes questionamentos à possibilidade de uma democracia mais participativa
autoritários nos países do Leste Europeu, Ásia e América Latina e das nas sociedades modernas. O artigo compõe-se de dois capítulos subdi-
incertezas quanto à consolidação dos regimes democráticos. O artigo vididos: o primeiro discute os fundamentos e razões da teoria minimalis-
analisa alguns pontos de inflexão existentes na teoria democrática, ta e o problema do interesse coletivo, analisando alguns aspectos do
mormente as questões envolvendo a relação entre democracia, lógica paradoxo da lógica da ação coletiva nas perspectivas de Kenneth Arrow
da ação coletiva, representação política, interesse e accountability. e Mancur Olson. O segundo trata da discussão da democracia na pers-
Inicia-se apresentando a influência de Max Weber sobre a teoria da pectiva da teoria da escolha racional e do problema da efetividade da
democracia de Joseph Schumpeter, depois apresenta-se os accountability e da representação política.
fundamentos do minimalismo, sua influência sobre o pluralismo de
Robert Dahl, os paradoxos da lógica da ação coletiva e a teoria
econômica da democracia, discorrendo-se também sobre alguns
aspectos dos conceitos de representação política, responsabilização, II. SCHUMPETER E WEBER: OS FUNDAMENTOS DA DEMOCRACIA
interesse, formação de preferências e vontade geral. Afirma-se que o COMO MÉTODO DE ESCOLHA DE GOVERNANTES
sentido da representação política tem tornado-se cada vez mais
complexo, especialmente porque a sua prática não tem coadunado-se O cerne do pensamento político liberal, até meados do século XIX,
com o “ideal da representação popular na política”, característico da consistia na preocupação de como resguardar os direitos e liberdades
utopia democrática. Existe um hiato claro entre a exigência de mais individuais dos males que poderiam advir da ação ilegítima do Estado. O
representação e como ela efetiva-se nas sociedades. Contudo, o artigo regime democrático era visto como um sistema político destinado a
defende que, apesar de todas as críticas que recebe, a democracia construir o governo legítimo. Macpherson (1978) denomina esse tipo de
como sistema de governo sobrevive sob diversas condições sociais e “democracia protetora”. A partir das idéias de John Stuart Mill, o libera-
históricas diferentes, e isto ocorre porque existe algo comum a todos os lismo adquire uma dimensão moral, em que a democracia passa a ser
regimes democráticos: instituições representativas. Sem elas, não há vista como um mecanismo de desenvolvimento humano e social. O
como existir democracias. Estado torna-se um organismo que deve expressar a vontade geral; em
última instância sua função é de ser garantidor da máxima autorealiza-
PALAVRAS-CHAVE: democracia; minimalismo; representação política; ção pessoal. Macpherson (idem) define esse tipo como “democracia
accountability; escolha racional. desenvolvimentista”.

Nas primeiras décadas do século XX, o conceito de democracia desen-


volvido pelo liberalismo entra em descrédito. Abalado pelas conseqüên-
I. INTRODUÇÃO cias da I Guerra Mundial, a Revolução Russa de 1917, o colapso eco-
nômico da crise de 1929 e as transformações ocorridas nas estruturas
A democracia é uma das grandes questões do mundo contemporâneo. sociais das sociedades capitalistas, o liberalismo clássico perde parte de
Há um consenso em torno da validade e legitimidade da democracia, sua legitimidade para outras formas de ideologia, como o comunismo e o
contraposta a todas as formas de regimes não democráticos. Toda uma nazifascismo.
nova literatura surgiu em torno do problema da democracia nas socieda-
des contemporâneas. Contudo, se a defesa da democracia é um con- Do final do século XIX ao período entre as grandes guerras mundiais, a
senso, o significado do que ela representa não é. teoria elitista do funcionamento dos sistemas políticos desenvolve-se por
meio dos trabalhos de Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels.
Qual é o significado da democracia? Esta questão tem uma posição Segundo eles, a soberania popular é uma idéia que nunca poderá ser
privilegiada dentro da Ciência Política, possuindo um papel ímpar nas realizada. Qualquer que seja o tipo de regime político, sempre uma
considerações sobre a legitimidade e os desenhos institucionais dos minoria de pessoas realmente governa, detendo o poder político efetivo.
sistemas políticos. O debate ressurgiu, de um lado, como conseqüência Nesse sentido, todas as formas de governo são sempre oligarquias. A
da crise da representação política nos países de democracia consolida- teoria das elites surgiu com “uma fortíssima carga polêmica e antidemo-
da, e, de outro, como resultado da falência dos regimes autoritários nos crática e antissocialista, que refletia bem o ‘grande medo’ das classes
países do Leste Europeu, Ásia e América Latina e da incerteza quanto dirigentes dos países onde os conflitos sociais eram ou estavam para se
às possibilidades da constituição nestes países de estados democráti- tornar mais intensos” (BOBBIO, MATTEUCCI & PASQUINO, 1998, p.
cos. 387).

Existem, grosso modo, duas perspectivas acerca do conceito de demo- Em 1942, Joseph Schumpeter (1975) criticou profundamente, em alguns
cracia: a primeira é conhecida como “concepção minimalista”, seus poucos capítulos de Capitalismo, socialismo e democracia, o que deno-
fundamentos encontram-se nos pressupostos de Joseph Schumpeter do mina de ‘a doutrina liberal clássica da democracia’. A teoria da democra-
que seja a democracia real. Resumidamente, esta pode ser entendida cia de Schumpeter, uma percepção da política instrumental e elitista, é
como resultado de um compromisso mútuo entre elites políticas sobre as marcadamente influenciada pelas teorias sociológicas de Max Weber
regras e procedimentos que produzam escolhas pacíficas, por meio do sobre a racionalidade e o desenvolvimento da sociedade capitalista
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 55

ocidental. “Max Weber (1864-1920) e Joseph Schumpeter (1883-1950) toda poderosa é um parlamento forte. A questão central no cerne da
[...] compartilham uma concepção da vida política em que havia pouco política, é que “[...] o nível do parlamento depende da condição de que
espaço para a participação democrática e de desenvolvimento individual este simplesmente não debata grandes questões, mas de que as soluci-
ou coletivo, e onde houvesse qualquer liberdade de ação, esta era one decisivamente; em outras palavras, sua qualidade depende da
ameaçada constante de erosão por poderosas forças sociais. Ambos os seguinte alternativa: o que ocorre no parlamento tem realmente impor-
pensadores acreditavam que um alto preço estava inevitavelmente tância ou o parlamento não passa de um mal tolerado boi de presépio de
2
ligado a vida em uma moderna sociedade industrial” (HELD, 1987, p. uma burocracia dominante” (WEBER, 1985, p. 15) .
157).
Um parlamento forte e atuante, como um fórum para os debates públi-
Entre o período do final da II Guerra Mundial até meados dos anos 1970, cos, que garanta a liberdade de expressão e competição de idéias,
a visão schumpeteriana de democracia estabeleceu-se como um forte somente surge se, primeiro, forem construídos os instrumentos instituci-
consenso entre os cientistas políticos. Seu principal atrativo teórico era onais para que o parlamento possa controlar a burocracia (comissões
que ela fornecia a possibilidade de formulação de teorias empiricamente parlamentares de investigação); segundo, a existência de lideranças
orientadas sobre o funcionamento da democracia. políticas talentosas (quase carismáticas) e meios que garantam a res-
ponsabilidade política e legal. Este conjunto de ações: partidos políticos
em competição eleitoral, lideranças eleitas, responsabilização da buro-
cracia e de dirigentes e comissões parlamentares de investigação asse-
II.1. Max Weber e o ceticismo em relação à democracia gurariam um parlamento capaz de assumir o controle do poder político
(idem).
A partir da I Guerra Mundial instalou-se um forte ceticismo em relação à
política democrática. Max Weber foi o pensador social cuja obra melhor Embora fosse um defensor da instituição de parlamentos fortes, como
identificou esse sentimento, tornando-se o principal referencial das contrapontos ao poder crescente das burocracias, Max Weber não
teorias que criticam a idéia da democracia como forma de deliberação acreditava nas virtudes dos regimes democráticos representativos de
da vontade popular. massa. Na realidade, ele não acreditava que as democracias, como se
apresentavam no início do século XX, pudessem resolver os problemas
Como Weber (1982a; 1985; 1991) vê o papel das instituições políticas sociais das sociedades industriais. A crítica de Weber à democracia
1
(Estado, partidos políticos e parlamentos) nas democracias ocidentais ? representativa de massas reside, primeiro, na possibilidade de a emoção
Primeiro, deve-se observar o conceito central do pensamento social vir a predominar sobre a razão na política. As massas, psicologicamente,
weberiano, o de “racionalidade”. No universo do paradigma sociológico estavam presas às influências puramente emocionais e irracionais.
weberiano, a idéia de processo de racionalização do Ocidente significa a Weber definia a democracia ocidental como plebiscitária, isto porque ela
disseminação da ação instrumental por todas as esferas axiológicas de transforma as rotineiras eleições em votos de confiança ou desconfiança
ação, superando todas as demais formas de pensamento não instrumen- nos governos, reduzindo a própria credibilidade das lideranças políticas.
tal, como a religião e os conhecimentos místicos na explicação da reali- Os líderes políticos, reconhecidos pela massa, não eram aqueles surgi-
dade. Racionalidade instrumental quer dizer simplesmente o aumento dos da luta parlamentar, mas sim indivíduos cuja confiança saía das
cada vez maior da regularidade e eficiência das ações humanas. O ruas. É o que denomina escolha cesarista de líderes. A única saída para
processo de desenvolvimento da economia capitalista de mercado no o impasse da democracia de massas plebiscitárias era o estabelecimen-
Ocidente corporifica esse processo de racionalização da vida social. O to de um sistema político de democracia restrita, assentado em um
capitalismo é o sistema econômico que mais se adequa à lógica da parlamento forte. Isso porque “[...] o sucesso na política, especialmente
racionalidade instrumental. na política democrática – predomina de forma tão mais acentuada numa
tomada de decisão responsável 1) quanto menor for o número dos que
Para Max Weber, com o desenvolvimento da economia de mercado tomam a decisão e 2) quanto mais claras forem as responsabilidades
capitalista e o aumento da complexidade das relações sociais, aumenta para cada qual deles e para aqueles a quem lideram” (idem, p. 81).
a necessidade de uma administração racional. Em conseqüência, há a
necessidade de as organizações da sociedade, tanto públicas quanto Weber entendia que para a democracia parlamentar prevalecer como
privadas, burocratizarem- se. À medida que a burocratização desenvol- sistema político, deveria assentar-se sobre um equilíbrio entre autorida-
ve-se, aumenta o poder da burocracia em todas as esferas de ação. No de política, liderança competente, administração pública eficiente e
Estado moderno, como detentor do monopólio da violência legítima responsabilidade política. Aos eleitores apenas competia o papel de
sobre determinado território, o poder está sob o controle da burocracia. serem capazes de demitir os líderes incompetentes. As eleições têm
É ela quem realmente governa a partir das rotinas que estabelece para o funções restritas: apenas a legitimação do processo político.
funcionamento das instituições públicas. Nos partidos políticos, organi-
zações que buscam a concessão de cargos públicos aos seus membros Com as idéias de Weber sobre democracia parlamentar em sociedades
e a concretização de uma ideologia política, a burocratização ocorre de de massa, surge uma linha de interpretação de forte conteúdo empirista,
modo análogo à economia privada e à administração estatal. Os parla- voltado para explicar como funcionam as democracias no mundo real. A
mentos são organismos de representação política administrados por discussão centra-se sobre a democracia como um meio ou um fim na
meios burocráticos. Caso a alta administração pública fique sob o con- participação popular e sobre a natureza e atribuições do Estado.
trole dos burocratas, existem dois grandes perigos: a) que a burocracia
demonstre-se incompetente e irresponsável, especialmente em situa-
ções de crise política; b) que os interesses dos capitalistas sejam colo-
cados acima da sociedade.
2
A análise weberiana do perigo do poder burocrático e as críticas à democracia
Qual a solução para o perigo do poder ilimitado da burocracia? Segundo representativa ocidental foram realizadas especialmente em Parlamento e governo
Weber, a única instituição capaz de controlar o perigo de uma burocracia numa Alemanha reconstruída (WEBER, 1985) e Política como vocação (WEBER,
1982b). Em 1917, a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial era uma possibilidade
real. Weber, como nacionalista, buscou entender com seus estudos sobre a política
alemã quais as razões que levaram a elite política do país a tomar decisões tão irres-
1
Max Weber tem uma visão bastante negativa das instituições democráticas. Isso é ponsáveis, como a estratégia de ataque de submarinos a navios mercantes e de passa-
bem representado no texto “A política como vocação” (WEBER, 1982b). geiros, o que levou outros países a entrarem no conflito contra a Alemanha.
56 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

II.2. Schumpeter e o fim da teoria clássica de democracia de apoderar-se do governo. Schumpeter estabelece uma divisão do
trabalho político, os eleitores escolhem e os políticos decidem.
Joseph Schumpeter desenvolve a teoria minimalista da democracia a
partir de uma forte crítica ao que denomina de “teoria clássica”. Os A democracia não é um tipo de sociedade específica ou um conjunto de
argumentos básicos agem em torno do significado da participação normas morais (virtudes públicas), mas, sim, um sistema em que o
política dos cidadãos na democracia. De acordo com Schumpeter a poder do eleitor resume-se em simplesmente sancionar ou não os no-
perspectiva clássica está “centrada na proposição de que ‘o povo’ possui mes que lhe são oferecidos no mercado político, por meio de eleições
uma opinião definitiva e racional sobre todas as questões individuais e competitivas.
que ele consumava esta opinião – em uma democracia – escolhendo
‘representantes’ que fariam com que essa opinião fosse executada”
(SCHUMPETER, 1975, p. 269).
II.3. O minimalismo e as pré-condições da democracia competitiva
A crítica shumpeteriana assenta-se em quatro elementos: 1) não existe
um ideal coletivo, como defendia a concepção clássica, que possa ser Como vimos, a democracia schumpeteriana tem a denominação de
considerado como um “bem comum”, um interesse coletivo determinado minimalista porque defende a noção de que um regime democrático é
com o qual todos no interior de uma sociedade devam concordar ou, a aquele em que os indivíduos escolhem seus líderes por meio do voto. A
partir da deliberação e argumentação racional, devessem concordar democracia é inerentemente um arranjo institucional para a realização
como sendo um objetivo ótimo comum. Simplesmente, a idéia de bem- de decisões políticas. Contudo, eleições não podem ser confundidas
comum não tem sentido, os indivíduos não possuem os mesmos desejos com a democracia em si. Para que esta se realize, é necessário que as
e valores, tendo significado diferente para indivíduos diferentes; 2) eleições sejam “livre competição entre aqueles que seriam líderes pelo
mesmo que exista a possibilidade da constituição de preferências sociais voto do eleitorado”, em que “um aspecto disto pode ser expresso pela
3
comuns, perfeitamente definidas e independentes, por meio do qual o afirmação que a democracia é a dominação do político” (idem, p. 285) .
processo de decisão democrática pudesse racionalmente funcionar,
mesmo assim isso não significaria concordância com todas as questões São duas as condições adicionais inerentes às definições minimalistas
que representassem visões sociais e que pudessem ser entendidas de democracia: eleições livres para os principais cargos do governo e
como a “vontade do povo”; 3) os cidadãos normalmente não se interes- garantias, liberdades ou direitos políticos. Segundo O’Donnell (1999), a
sam por política, mesmo que haja abundância de informação, exceto é defesa das eleições livres como elemento definidor da democracia é
claro, nos momentos que as decisões políticas os afetam diretamente; 4) inerente aos conceitos mínimos, já as liberdades fundamentam- se em
os indivíduos são facilmente manipulados pela propaganda política, que seu impacto sobre a liberdade das eleições, assim, enquanto o primeiro
modela as opiniões, levando a opinião pública numa dada direção, 4
é estipulado na própria definição, o segundo surge por indução . Isso
mesmo que seja prejudicial a ela.
gera o problema de que, se eleições competitivas são claramente expli-
citadas como uma característica da democracia, no caso dos direitos e
Em resumo, Schumpeter não acreditava que o eleitorado possuísse uma
liberdades isso é mais complicado. Não existem critérios ou linhas
“vontade popular” (fonte da legitimidade) que fosse capaz de produzir
demarcatórias claras que determinem quais liberdades ou direitos políti-
idéias que, discutidas de maneira racional e coerente, pudessem ser
cos devem ser incluídos dentro do conceito de democracia. A demons-
transformadas em um “bem-comum” (propósito da democracia), e, claro,
tração da importância das liberdades é histórica, é resultado dos proces-
muito menos transformá-las em decisões políticas. A massa somente
sos de luta pela construção de regimes democráticos, em que as pesso-
podia aceitar ou recusar uma liderança que lhe fosse apresentada em
as lutaram pelos benefícios derivados dessas liberdades políticas.
eleições. A partir dessa crítica, Schumpeter coloca um novo papel para a
O’Donnell observa que a tolerância é um elemento importante para a
participação popular na política: “[...] o papel do povo é produzir um
existência das democracias. As liberdades políticas, além de um sistema
governo, ou então um organismo intermédio que irá produzir um executi-
legal, necessitam que os indivíduos tenham atitudes compatíveis com
vo nacional ou governo” (ibidem). Partindo dessa premissa afirma que:
um regime democrático.
“o método democrático é aquele arranjo institucional para se chegar a
decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decidir por
A tolerância é o conceito-chave para a existência de pré-condições para
meio de uma luta concorrencial para o voto do povo” (idem).
a democracia. É o aumento da tolerância política que vai propiciar o
aumento das liberdades políticas que, incorporadas aos sistemas legais,
A definição schumpeteriana de democracia é estritamente procedimen-
transformam-se em direitos civis. O aumento da tolerância necessaria-
tal: a democracia é somente um método para a escolha de governantes,
mente não é o resultado de uma mudança de padrões culturais, mas sim
um conjunto de regras que estabelecem como devem ser escolhidos
uma “aposta institucionalizada” (no sentido que O’Donnell dá a essa
aqueles que devem realizar as decisões políticas. Aos eleitores cabe
expressão), na construção de um regime político de segurança mútua
apenas escolher quais políticos desejam eleger.
entre as elites políticas que estão no governo e na oposição. Robert
Dahl (1997), em Poliarquia, argumenta que a tolerância em sistemas
A concepção minimalista de democracia de Schumpeter é um modelo
políticos fechados tende a ampliar-se quando os custos da repressão
fundamentalmente empírico, cuja preocupação central é a estabilidade
do sistema político. O problema central da teoria da democracia deixa de
ser a participação popular e passa a ser a eficácia do regime democráti- 3
Schumpeter estabelece cinco pré-condições que garantiriam que as eleições fossem
co em eleger governos. Na visão do elitismo democrático schumpeteria-
livres e competitivas, gerando um regime democrático. Primeiro, uma liderança
no, o papel do povo não é o de interferir diretamente na política; ele não preparada; segundo, o leque das decisões públicas não deve ser excessivo; terceiro,
tem competência para isso. A democracia é um método de escolha de uma burocracia bem treinada, com prestígio social e de esprit de corps; quarto, o
governantes, um sistema político concebido analogamente como uma “autocontrole democrático”, ou seja, a necessidade de os líderes políticos aceitarem as
medidas legalmente instituídas pelas autoridades competentes. Por fim, a tolerância
forma de mercado, em que as decisões dos eleitores são resultado de política.
um cálculo de utilidade, a política é resumida ao grau de soberania do
4
consumidor no mercado. Assim, a política democrática é um sistema que O’Donnell argumenta a respeito da percepção de que direitos civis são imprescindí-
veis à democracia. Nenhuma definição em última instância é na realidade minimalista,
institucionaliza a competição entre partidos e/ou coalizões partidárias,
todas defendem, em algum momento do seu desenvolvimento, que elementos externos
disputando no mercado eleitoral os votos que lhe darão a oportunidade ao processo eleitoral são o suporte para a competição política, o cerne do processo
democrático.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 57

excederem os custos da tolerância, gerando a possibilidade de o regime líderes quando fazem decisões políticas” (DAHL, 1989, p. 131; sem
fechado transformar-se em competitivo. grifos no original).

A tolerância política ocorre como o resultado de um processo institucio- Outra perspectiva teórica que sofre forte influência das idéias de
nal de incorporação da oposição ao sistema político, aumentando a Schumpeter é a teoria econômica da democracia, cujos principais expo-
5
competição política. É parte dessa inclusão a construção das liberdades entes são Kenneth Arrow, Anthony Downs e Mancur Olson . A principal
políticas e sua transformação em regras legais, que cria a possibilidade problemática desse modelo analítico é entender as inter-relações cau-
de proteção contra governos autoritários e permite a busca de novos sais entre a racionalidade no plano micro (individual) e suas conseqüên-
direitos. Quanto maior for a proporção da população incluída no sistema 6
cias coletivas . É o chamado paradoxo da “lógica da ação coletiva”, que
político, mais dificuldade terá um governo em adotar políticas que impli-
resumidamente pode ser posto nos seguintes termos: a ação racional
quem sanções contra a oposição (idem).
dos indivíduos no nível micro (atores individuais ou coletivos de escala
reduzida) parece resultar em conseqüências irracionais em nível macro,
gerando a frustração individual e coletiva. “Racionalidade individual
significa perseguir nossos objetivos da maneira mais eficiente. Mas os
II.4. A influência das idéias de Schumpeter homens vivem em uma sociedade e num mundo de recursos escassos,
então, quando cada um persegue seus próprios objetivos, suas ações
A reflexão schumpeteriana sobre as inconsistências da teoria clássica da afetam outros homens. Além disso, estes homens nunca têm precisa-
democracia teve marcante influência sobre o desenvolvimento dos mente os mesmos objetivos que ele. Portanto, conflitos entre os homens
programas de pesquisa na Ciência Política. Vários autores começam a surgem inevitavelmente.
formular análises empíricas, cuja preocupação principal passa a ser a
estabilidade institucional dos regimes e não o aperfeiçoamento do regi- Política é o sistema de resolver estes conflitos, de modo que cada indi-
me democrático. víduo possa atingir alguns de seus objetivos. Os homens não podem
chegar a atingir todos os seus objetivos simultaneamente, porque quan-
Mesmo existindo divergências pontuais dos diversos pesquisadores em do algum homem o faz, suas ações impedem que outros o façam; isto é
relação a algumas idéias de Schumpeter, a ampla aceitação de seu o que conflito significa. Portanto, a própria natureza da sociedade coloca
núcleo fundamental – a crítica ao papel da participação popular, a noção limites à racionalidade individual – nem todos os indivíduos podem
de bem-comum e de racionalidade coletiva – fez que a teoria competitiva atingir a pura racionalidade ao mesmo tempo.
de democracia tornasse-se o paradigma relevante da Ciência Política,
dos anos subseqüentes à II Guerra Mundial. Em uma democracia, o poder político é teoricamente o mesmo para
todos os homens – isto é, cada um tem supostamente a mesma oportu-
As argumentações de Weber e Schumpeter foram importantes para o nidade de atingir seus objetivos que todos os outros. Portanto, a irracio-
desenvolvimento de uma corrente de pensamento conhecida como nalidade é inevitável em qualquer sociedade – isto é, a incapacidade de
pluralismo. Para os pluralistas o Estado deve ser neutro, seu comporta- atingir suas metas perfeitamente – é compartilhada por todos os ho-
mento deve ser resultado das escolhas do eleitorado que, por meio do mens; ninguém pode atingir todos os seus objetivos. Em suma, todo
voto, tomam decisões políticas que podem não refletir a posição da cidadão de uma democracia é necessariamente um tanto irracional em
maioria. Contudo, mesmo que a democracia não seja reconhecidamente sentido puro” (DOWNS, 1965, p. 161; sem grifo no original).
um mecanismo ideal de agregação de preferências, “é o único que pode
desempenhar a função [de escolher governos], ou o único que a pode
desempenhar melhor” (MACPHERSON, 1978, p. 88).

II.5. Ações coletivas e interesse coletivo em Arrow e Olson


Os pluralistas vêem os eleitores como consumidores que no mercado
político decidem a partir do reconhecimento de suas necessidades e,
Na seção anterior observamos rapidamente o problema principal da
confrontados com os vários programas políticos, “compram”, por meio do
teoria econômica da democracia, o paradoxo da lógica da ação coletiva.
voto, o melhor programa. A concorrência entre os diversos políticos pelo
O exercício empírico da democracia, em qualquer lugar, é um problema
voto do eleitor é a mola mestra do sistema político, é o que garante seu 7
de ação coletiva . A reconstrução schumpeteriana fez que a teoria da
equilíbrio. O principal ponto de discórdia entre os pluralistas não está
democracia deixasse de ver a obrigação cívica coletiva do bem-comum
nos fundamentos do modelo teórico, mas sim no grau de autonomia que
como mola mestra dos regimes democráticos, passando a análise teóri-
os cidadãos possuem em sua escolha.
ca a perceber a luta política por interesses sociais e econômicos como
principal motivação da competição política. Os trabalhos de Kenneth
Carnoy (1994) classifica os pluralistas em dois grupos: os “pessimistas”
e os “otimistas”. Aquilo que os divide é a forma como vêem a influência
dos políticos sobre a formação das preferências dos eleitores. Para os
5
primeiros, como Schumpeter, a vontade dos eleitores-consumidores é Przeworski (1995, p. 37) acha um equívoco dar a Schumpeter o título de pai intelec-
tual da “teoria econômica da democracia”. No seu entender, apesar de Schumpeter
moldada pelos políticos, não havendo muito espaço de liberdade para a
considerar a democracia como um mecanismo de competição entre elites em busca do
soberania do consumidor. As elites influenciam a formação das prefe- poder político, ele percebe o processo em termos de persuasão política, em que as
rências dos cidadãos de uma forma que é impossível, em uma curva de preferências coletivas são menos genuínas e mais manufaturadas. No entanto, conside-
ramos a teoria econômica da democracia como um desenvolvimento “neoshumpeteri-
demanda real, a escolha dos eleitores. Já para os “otimistas”, como
ano”, em um sentido próximo ao de Elster (1997).
Dahl, “o processo eleitoral é um dos dois métodos fundamentais de
6
controle social que, funcionando juntos, tornam líderes governamentais Para Przeworski (1995), as teorias econômicas da democracia fundamentam-se em
quatro pontos questionáveis: a) as preferências individuais são fixas; b) os políticos
tão responsáveis perante liderados que a distinção entre democracia e
competem por apoio do eleitorado; c) os indivíduos são representados; d) eleitos, os
ditadura ainda faz sentido. O outro método é a competição política governos são agentes perfeitos do interesse público.
contínua entre indivíduos, partidos, ou ambos. Eleições e competição 7
Downs coloca que o problema fundamental da teoria política é explicar “como se
política não significam governo da maioria em qualquer maneira signifi-
podem desenvolver objetivos sociais a partir de valores sociais diferenciados?”
cativa, mas aumentam imensamente o tamanho, número e variedade (DOWNS, 1965, p. 160). Já no caso de Mancur Olson podemos argumentar que a
das minorias, cujas preferências têm que ser levadas em conta pelos questão seria: por que as pessoas participam das decisões políticas, dados os claros
ganhos individuais do comportamento do carona?
58 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

Arrow (1971) e Mancur Olson (1971) são considerados seminais na O teorema olsoniano traz para a teoria democrática questões analíticas
questão da análise dos problemas de ação e decisão coletivas. sérias, a mais conhecida é o “paradoxo da participação”. Como o valor
do voto nas grandes sociedades é infinitesimal, e pela teoria de Olson
A teoria econômica da democracia tem como um dos seus postulados quanto menor é o valor da participação, sem ganhos seletivos adicio-
mais importantes a idéia da instabilidade inerente dos resultados demo- nais, menos incentivos tem o ator para participar, e como argumenta
cráticos. Partindo da noção de que o comportamento político é racional, Reis (2002), analisando o fenômeno da apatia política, se todos os
Kenneth Arrow formulou o “teorema da impossibilidade”. Segundo Arrow, indivíduos assumissem o comportamento político do carona, fica impos-
nenhum procedimento de decisão coletiva, realizado por indivíduos sibilitada a “operação de um regime político democrático nos moldes
racionais em determinado momento, é capaz de produzir uma ordena- contemporâneos: se ninguém comparecer para votar, ou mesmo se
ção de preferências majoritária entre pelo menos três alternativas. Nas ninguém se dispuser a participar do debate público, o sistema se inviabi-
democracias, em que aos cidadãos é permitido terem preferências liza em seus mais elementares mecanismos de operação” (idem, p. 2)
individuais, expressas por meio do voto, nenhuma preferência individual
é decisiva e os resultados não irão produzir uma preferência coletiva. Os Se todos os indivíduos fossem atores puramente racionais, sem incenti-
resultados da eleição não têm relação com o desejo dos eleitores, a não vos seletivos, o resultado possível seria uma falha na lógica da ação
ser que o sistema de decisão viole “pelo menos uma das seguintes coletiva que poderia conduzir a um desastre político. Para nossa sorte, a
condições: racionalidade coletiva, domínio irrestrito, eficiência de Pareto, lógica individual egoísta não é o único determinante para o compareci-
independência frente a alternativas relevantes e não-ditadura” (REIS, mento eleitoral. A incerteza quanto aos resultados democráticos tem um
2002, p. 3). Riker (1982) coloca que, a partir do teorema da impossibili- papel forte sobre o comportamento dos eleitores. A história política não é
dade, a única maneira de garantir a consistência de decisões coletivas é feita de certezas totais ex-ante. A democracia, como um sistema institu-
concentrando poderes nas mãos de ditadores, oligarquias ou colegiados. cionalizado de resolução de conflitos, tem na incerteza dos resultados
um dos elementos incentivadores à participação. Como coloca
A impossibilidade, demonstrada por Arrow, da construção de uma orde- Przeworski “a indeterminação inerente a um sistema democrático pro-
nação transitiva de preferências coletivas via votação, reforçou a inter- porciona a todos a oportunidade de realizar alguns de seus interesses
pretação do sentido do processo democrático iniciada por Schumpeter. materiais. A democracia é um mecanismo social que permite a qualquer
Existem, em geral, duas interpretações sobre o significado do teorema um, como cidadão, reinvidicar direitos sobre bens e serviços”
de Arrow. A primeira, de Robert Dahl (1989), argumenta que maiorias (PRZEWORSKI, 1989, p. 172).
estáveis, além de não serem possíveis, são indesejáveis, porque podem
oprimir minorias. A segunda, de Riker (1982), argumenta que o teorema
da impossibilidade invalida por completo a visão de que eleições repre-
sentam a vontade popular. III. ESCOLHA RACIONAL, ACCOUNTABILITY E A TEORIA DEMO-
CRÁTICA.
As teorias econômicas da democracia partem do pressuposto de que os
interesses individuais são a força motivadora básica da ação política. Existe na Ciência Política uma rica pluralidade de paradigmas. Temos
Dessa forma, a argumentação lógica é que as organizações políticas trabalhado de uma forma geral com duas das principais abordagens que
funcionam porque os indivíduos, ao participarem delas, buscam executar utilizam a racionalidade e a intenção dos atores individuais na explicação
ações coordenadas a partir de seus próprios interesses e dos comuns à da ação política: o pluralismo e a teoria econômica da democracia.
coletividade. Mancur Olson (1971) argumenta que o auto-interesse Agora, discutiremos a teoria da escolha racional a partir de algumas
pessoal não faz parte da ação coletiva na promoção de um bemcomum problemáticas desta com a teoria da democracia.
divisível ou não. Para ele, a idéia de que os grupos conseguirão atingir
seus objetivos coletivos, partindo da premissa de que o comportamento A Ciência Política é uma disciplina que, ao mesmo tempo em que estuda
racional dos indivíduos, centrado em seus próprios interesses, fá-los agir o fenômeno do poder como resultado da teia de relações sociais, expõe
de forma coordenada, é equivocada. Na realidade, Olson afirma que, a as razões das escolhas políticas dos atores. Seus paradigmas e teorias
menos que o número de indivíduos do grupo seja pequeno, que haja têm como objetivo explicar o comportamento dos atores em situações de
coerção externa ou algum mecanismo capaz de fazê-los agir em interes- conflito. A teoria da escolha racional é uma abordagem que tem como
se próprio, os indivíduos racionais não agirão para promover seus inte- ponto de partida a noção de que as ações coletivas e seus resultados
8 9
resses comuns . Quanto maior for o tamanho do grupo, menor é a têm de ser compreendidos a partir das escolhas que os atores , indiví-
utilidade marginal da contribuição de cada indivíduo para a obtenção do duos ou não, fazem em uma determinada estrutura de oportunidades,
objetivo perseguido pelo grupo. Sabendo disso, o mais lógico para o ator isto é, de constrangimentos e oportunidades institucionais que alteram o
é a inação. Isto porque, o carona (free-rider) ganhará o que todos ga- comportamento dos atores em conflito. Metodologicamente, a teoria
nham, com uma vantagem sobre os que participaram, isto é, sem cus- analisa primeiro quais as restrições existentes à ação dos atores (físicas
tos. O resultado é que os indivíduos racionais que não têm “incentivos e sociais), depois analisa qual estratégia que o ator escolhe como uma
seletivos”, tenderão a não participar de ações coletivas. função de utilidade no curso da ação. Assim, a análise explica como o
indivíduo atingiu ou não seus objetivos. Podemos argumentar, simplifi-
Segundo Ward, o trabalho de Olson “constitui uma crítica fundamental cadamente, que a escolha racional é uma abordagem essencialmente
ao pluralismo e ao marxismo ortodoxo, que afirmam que dividir um instrumental, guiada pela busca em descobrir quais os meios mais
interesse comum é suficiente para que mobilizações políticas ocorram” eficazes que os atores utilizam para atingir seus fins.
(WARD, 2002, p. 66).

III.1. A teoria democrática sem o ideal do interesse coletivo


8
Bruno Reis (2002, p. 6) observa que a teoria olsoniana não tem aplicação universal.
O próprio Olson (1971, p. 64-65) sugere que sua teoria da lógica da ação coletiva
deveria ser melhor aplicada a grupos de interesses econômicos e não a filantrópicos,
por exemplo. No entanto, a advertência de Reis sobre a aplicabilidade da teoria da
9
ação coletiva nas sociedades atuais é válida, pois à medida que cresce o número de Um dos pressupostos mais importantes da teoria da escolha racional é o individua-
indivíduos “as oportunidades para se comportar como carona se multiplica” (REIS, lismo metodológico, que afirma somente ser possível entender a ação dos atores a
2002, p. 6). partir da compreensão de sua motivação – no sentido weberiano dessa expressão.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 59

Partes substantivas dos problemas teóricos enfrentados pela escolha Riker argumenta que um sistema político justo é aquele baseado em
racional, em relação à democracia, são fornecidos por um conjunto direitos e liberdades negativas, uma democracia liberal clássica e não
determinado de situações paradigmáticas, teoremas e paradoxos, que uma populista. A essência do voto nas democracias liberais, como um
se sustentam na idéia da impossibilidade de preferências individuais ideal da liberdade negativa, é que ele é um mecanismo de eliminação de
transformarem- se em agregados de preferências coletivas. Os mais líderes indesejáveis. O resultado da eleição é apenas uma decisão, e
conhecidos são o teorema da impossibilidade de Arrow e o paradoxo da não tem caráter especial moral. Para seus críticos, Riker argumenta que
participação de Olson. A estes é dada muita atenção dentro da aborda- sua definição de democracia, “pode, de uma perspectiva populista, ser
gem da escolha racional; ambos expõem o exercício da democracia uma espécie de democracia minimalista, mas é a única forma de demo-
como um problema de lógica da ação coletiva. cracia realmente viável. Este é o tipo de democracia que nos Estados
Unidos, e é o tipo de democracia muito admirada por todos aqueles que
O cerne da questão é de forte conteúdo conceitual. Como comparar vivem em sociedades fechadas” (idem, p. 246).
preferências individuais de diversos atores, dentro de um processo de
decisão coletiva? Além disso, os paradoxos instalam a seguinte questão: Para Przeworski (1999), os críticos ao conceito minimalista de democra-
a democracia tem algum conteúdo moral? Outras teorias da democracia, cia têm atribuído a este características que não fazem parte dele como
como as deliberativas, enfatizam um tipo de ideal de interesse coletivo: método de escolha de governantes. Às críticas, ele acredita, são inó-
um regime democrático é aquele em que as decisões políticas são cuas, já que a teoria democrática não possui conseqüências causais que
resultado de uma deliberação de indivíduos livres e iguais. Parte da não seja a escolha do governo.
contemporânea argumentação da teoria da escolha racional vai buscar
invalidar essa proposição, mesmo que alguns pensadores tenham certa Ainda segundo Przeworski (idem), o teorema do júri de Condorcet é o
10
atração por ela ; no fundo, todos concordam que o exercício da demo- fundador do argumento de que a democracia é racional no sentido de
cracia não se materializa como um ideal coletivo. existir um bem-comum a todos e que, a partir de argumentações, ele
será encontrado. De acordo com o teorema, cada indivíduo dotado de
Riker (1982), ao analisar o teorema da impossibilidade de Arrow, é razão em um processo deliberativo deverá decidir de acordo com o bem-
categórico em afirmar que a intransitividade das preferências coletivas comum. O argumento de Condorcet pode ser, no que se restringe à
demonstra a impossibilidade das eleições serem interpretadas como questão da racionalidade da democracia, criticado basicamente de duas
uma expressão dos desejos do povo. Ele parte da classificação da formas: a) decisões coletivas identificam um interesse comum, mas este
11 não é um agregado de interesses individuais, e b) decisões coletivas
democracia11 em dois tipos: o populista e o liberal, afirmando que a
podem favorecer interesses majoritários, mas estes não são interesses
teoria da escolha social demonstra a incoerência da primeira, que se
comuns. A conclusão de Przeworski é clara, uma decisão coletiva identi-
sustenta na idéia de um desejo popular racional e coerente, e argumenta
fica um interesse comum, contudo, este não é um agregado de interes-
que a concepção liberal de democracia, que se sustenta na noção da
ses individuais. Decisões democráticas não possuem racionalidade
democracia como liberdade negativa, é a única capaz de evitar o surgi-
intrínseca.
mento de regimes ditatoriais. As críticas de Riker sustentam- se em dois
pontos básicos: primeiro, não podemos definir o que é vontade popular e
Os problemas dos governos e da representação política da democracia
segundo, não existem mecanismos capazes de reproduzir, em nível
é que os eleitores somente possuem um único instrumento – o voto –
coletivo, as preferências individuais. Ele acredita que a noção de vonta-
com o qual têm de atingir dois objetivos: eleger bons governos e criar
de popular é em si mesma confusa, e não há como saber o que ela
incentivos para que o governo eleito possa comportar-se bem. Para
significa objetivamente. Ao povo não pode ser atribuído nenhum desejo
Przeworski (idem), a escolha de governantes por eleição não garante
de realizar políticas governamentais. Segundo, não existe um método de
racionalidade, representação ou igualdade. Segundo ele, análises de-
votação capaz de refletir uma ordem de preferências coletivas. Em
monstram que por vários outros critérios normativamente e politicamente
termos institucionais, é impossível saber qual forma de sistema eleitoral
desejados, como ter justiça e performance econômica, as democracias
é capaz de reproduzir fielmente a vontade popular: “[...] diferentes méto-
não têm melhor desempenho se comparadas às ditaduras.
dos produzem diferentes resultados. Para a maioria dos métodos de uso
geral, não há suficiente informação sobre como a ordem de preferência
é coletada para revelar como os atuais resultados diferem do resultado O autor argumenta que as críticas ao conceito minimalista de democra-

que poderia ter sido se fosse selecionado por outro método. Isto significa cia não têm fundamento, e que deveríamos “[...], colocar a visão con-

que, mesmo se alguns métodos mostram uma razoável capacidade de sensualista de democracia ao lugar que a pertence – no Museu do

fusão, nós não sabermos como (idem, p. 235). Pensamento do século XVIII – e observar que todas as sociedades
possuem conflitos econômicos, culturais ou morais” (idem, p. 44). Ele é
cristalino ao colocar que, schumpeterianamente, o que define a demo-
Se não podemos definir o que é vontade popular e se as eleições não
cracia são eleições competitivas. Sua defesa da definição minimalista
podem ser qualificadas como um mecanismo capaz de refletir uma
ocorre por duas razões: primeiro, a democracia é a única forma de
preferência coletiva, as políticas sociais executadas pelos governos não
alterar governos sem o uso da violência e, segundo, sendo capaz de
podem ser vistas como reflexo dela. No fundo, poderíamos fornecer o
fazer isso pelo voto, tal ato tem conseqüências morais próprias. “No
seguinte axioma: para o liberalismo, decisões políticas coletivas são
final, o milagre da democracia é que as forças políticas conflitantes
incoerentes e naturalmente autoritárias, por isso não podem sobrepor-se
obedecem aos resultados da votação. As pessoas que têm armas obe-
às liberdades individuais.
decem aos que não têm. Políticos arriscam perder o governo através de
eleições. Os perdedores esperam sua chance para ganhar. Conflitos são
10
A teoria deliberativa é atrativa por ela própria; quem pode por convicção ser contra regulados, processados de acordo com as regras e, portanto, limitadas.
um ideal de democracia como produto da argumentação de todos? Elster (1997) Isso não é consenso, nem é uma mutilação dela. Apenas conflito limita-
demonstra uma forte atração pela democracia deliberativa, no entanto, ele percebe que do; conflito sem matar” (idem, p. 49; tradução do autor).
a democracia e a política são mais instrumentais do que orientadas para a realização de
um bem-comum. Elster cita o paternalismo, as limitações de tempo, o ideal de uma
sabedoria coletiva, a unanimidade como conformidade e o egoísmo de grupo como
impedimentos à democracia deliberativa. Isso o leva a concluir que a deliberação e a
participação podem ser boas em si mesmas, por causa de seu conteúdo moral.
III.2. Representação e a accountability sem vontade geral
11
O conceito de democracia populista utilizado por Riker (1982) baseia-se na tipolo-
gia de regimes democráticos feita por Dahl (1989).
60 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

A discussão contemporânea da teoria da democracia na Ciência Política A principal característica funcional da representação política é que ela é
– debate que se desenvolve em torno do significado da política e da marcadamente multifuncional: o mandato concedido pelos eleitores aos
participação popular – obriga-nos a iniciar uma compreensão sobre o políticos abrange um número indeterminado de temas. O aumento da
conceito da representação e analisar a questão das eleições como complexidade das relações sociopolíticas e econômicas nas sociedades
instrumento central dos regimes democráticos. contemporâneas – e as transformações decorrentes dentro do aparelho
de Estado em face dessas – fizeram que os representantes políticos
As democracias modernas são democracias representativas, isto é, o fossem compelidos a tomar decisões sobre uma ampla gama de ques-
processo de escolha dos governantes, por meio de eleições competiti- tões, e, em vários casos, com um nível de tecnicidade que escapa à
vas, é o próprio coração desses regimes. Em todos os países comumen- compreensão do eleitor mediano.
te considerados democráticos, os das velhas democracias ocidentais e o
Japão, o voto é o instrumento utilizado pelos cidadãos para punir ou Existe um paradoxo na questão da natureza da representação e a insti-
premiar políticos, votando a favor ou contra eles, ou, ainda, sancionando tucionalidade da democracia nas sociedades contemporâneas. A multi-
ou não os candidatos que os apóiem em outras eleições . plicidade de questões a que os diversos grupos sociais tentam dar o
status de problema social, tornando-se desta forma elementos da agen-
12
Historicamente, na teoria política, o significado do conceito de represen- da política , exige o aumento e a qualidade da informação por parte
tação e dos vínculos existentes entre os representantes e seus eleitores dos cidadãos.
oscila entre duas visões opostas: a do mandato imperativo e a do man-
dato virtual. Na tradição clássica, Rousseau e Mill, de um lado, e Burke, O eleitor deve, para ser capaz de utilizar seu voto como forma de punir
de outro. Na primeira, o representante deve ser diretamente responsivo ou premiar os representantes, produzir uma análise global das ações do
às preferências dos eleitores; na segunda, não existem interconexões governo em relação às respostas exigidas pela agenda pública. Contu-
causais que identifiquem a necessidade do representante conhecer as do, a análise que os cidadãos fazem da política parte da óptica de suas
preferências do seu eleitorado. preferências, que necessariamente não são as mesmas dos grupos que
buscam status público para suas demandas. Esse fato é também decor-
A legitimidade da democracia contemporânea decorre de que seu funci- rência da “qualidade” da informação, que faz que a avaliação das ações
onamento é resultado de um fino ajuste entre os instrumentos institucio- governamentais pelos cidadãos possa muitas vezes ser insatisfatória,
nais de autorização: voto por meio de eleições livres, fiscalização das reduzindo a efetivação do voto como instrumento de accountability.
ações dos governantes e accountability. Este se divide em dois tipos de
arranjos institucionais de verificação das ações dos governantes, a Nas sociedades contemporâneas, o sentido da representação política
vertical e a horizontal. A primeira, accountability vertical, designa a tem se tornado cada vez mais complexo, especialmente porque sua
necessidade que os cidadãos têm de poderem escolher, sem qualquer prática não tem se coadunado com o “ideal da representação popular na
repressão a suas opiniões, quem vai governálos por um ou mais manda- política”, característico da utopia democrática. O governo do povo para o
tos. A segunda, accountability horizontal, refere-se à capacidade que povo. Há um hiato claro entre a exigência de mais representação e como
poderes estatais têm de supervisionar as ações uns dos outros. E caso ela efetiva-se nas sociedades; propostas de sorteio e quotas são as
encontrem atos ilegais, de aplicar sanções legais mediante uso dos respostas de grupos mais organizados e intelectuais ao chamando
instrumentos do ordenamento jurídico existente. deficit democrático das democracias contemporâneas.

O funcionamento efetivo das diversas formas de accountability nas Parte da argumentação dos que afirmam a existência de um deficit
democracias novas e velhas tem sido questionado. Em relação à verti- democrático nas instituições representativas modernas baseia-se na
cal, a capacidade dos eleitores de obter informações para formular noção de que as políticas governamentais não espelham os interesses
preferências e tomar decisões é reduzida. Isso decorre por vários fato- dos cidadãos e a multidimensionalidade da estrutura social. De uma
res, alguns dos mais importantes são: a complexidade técnica das forma mais objetiva, a disputa na face normativa da teoria democrática
questões socioeconômicas; o tempo e o custo necessários à busca de entre minimalistas e maximalistas reflete a clássica oposição entre a
informações (ou paradoxalmente, o excesso de dados, o que pode gerar representação imperativa e a representação virtual. O foco da disputa é
indecisão e incompreensão do que realmente ocorre); sentimentos de o significado da deliberação pública via eleições.
impotência face às mudanças que ocorrem na sociedade e a pouca
capacidade que o cidadão comum tem de interferir na composição da Os defensores da visão imperativa (maximalistas) reforçam a noção de
agenda pública. Segundo O’Donnell, a accountability horizontal pode ser que a representação política significa representar interesses, desta
violada de duas formas distintas: “[...] a primeira consiste na usurpação forma, os eleitos deveriam não somente decidir de acordo com o que
ilegal por uma agência estatal da autoridade de outra; a segunda, con- pensam seus eleitores, a própria cartografia das instituições representa-
siste em vantagens ilícitas que uma autoridade pública obtém para si ou tivas deveria mimeticamente espelhar a sociedade. Democratização dos
para aqueles de alguma forma associados a ela. Chamarei o primeiro mecanismos de representação significa expansão da esfera pública
tipo de ‘usurpação’ e o segundo, mesmo que inclua comportamentos sobre o Estado, a construção de uma cidadania ativa. Entre os autores
que não se conformam verdadeiramente ao termo de ‘corrupção’” existem claras diferenças de percepção quanto à forma de como a
(O’DONNEL, 1999, p. 46). representação política deveria ser construída e executada. Aqueles
associados a uma perspectiva republicana defendem a representação
No mundo contemporâneo, além do problema central da teoria represen- como a conseqüência de uma razão pública construída sob um ideal de
tativa materializado nas limitações da accountability, há outras questões bem coletivo por todos os cidadãos, ou, pelo menos, pelo maior parte da
emblemáticas que são decorrentes da própria institucionalidade da sociedade. O substrato da filosofia política desta visão é que os indiví-
democracia, que podem ser resumidas em uma pergunta: qual a repre- duos nas sociedades buscam o sentido da política como res publica,
sentatividade das atuais instituições políticas que fazem a democracia desta forma, a política, antes de ser um resultado das instituições, é
funcionar (partidos, parlamento e governos) em relação à heterogenei-
dade das preferências dos cidadãos das modernas sociedades capitalis-
tas?
12
O que pode ser considerado como uma maior democratização das questões sociais
– um reconhecimento das exigências de maior interferência da sociedade civil na
política.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 61

conseqüência da “qualidade da virtude cívica” dos cidadãos no interior que o parlamento, analogamente, deve ser um microcosmo da socieda-
da sociedade. de, espelhando mais que possível sua estrutura social. A legitimidade da
representação vem não do consentimento de representar, mas da com-
Os autores multiculturalistas acreditam que o enfoque das instituições posição. As principais críticas de Pitkin a essa visão são: a) ela pressu-
representativas não dever ser a busca de “uma razão pública construída põe que os cidadãos têm preferências formadas sobre todas as coisas, o
sobre uma virtude cívica coletiva”, mas sim, o reconhecimento das que é claramente falso; b) ela negligencia o impacto da representação
diferentes identidades culturais existentes nas sociedades contemporâ- sobre a ação governamental e c) ela faz desaparecer o sentido da
neas (feministas, homossexuais, ecologistas, étnicas, credos religiosos responsabilização das decisões dos representantes junto ao eleitorado.
etc.). A teoria social que sustenta essa concepção acredita que desafia a A segunda concepção de representação, a formalista, ao contrário da
cultura dominante. Dessa forma, ao contrapor-se ao status quo cultural, anterior, enfatiza a noção de autorização que os cidadãos fornecem aos
os movimentos sociais propõem uma forma diferente de fazer políticas políticos para que ajam em seu nome. Esta visão incorpora a indepen-
sociais e econômicas. dência da ação do representante em relação aos desejos dos represen-
tados. Uma marca da representação formal nas sociedades contempo-
A idéia de um aumento da participação popular na política é fortemente râneas é a responsabilidade que o representante assume pelos seus
criticado por autores pluralistas como Norberto Bobbio, Giovanni Sartori atos perante seu eleitorado. As eleições, nas modernas democracias
e Robert Dahl. Eles são claros em sua condenação à confusão entre representativas, incentivam os representantes para que atuem no inte-
governo para o povo e representação mimética dos interesses sociais. resse dos eleitores. Em outras palavras, eleições e mandato virtual
Não acreditam na necessidade de alteração nos sistemas de represen- produzem accountability. Afirmação teórica que conflita com os fatos da
tação política, na busca de uma maior representatividade popular na realidade.
13
política, em face da ameaça que essa overdose pode significar para a
própria funcionalidade dos regimes democráticos. Sartori observa que os Bobbio (1999), Sartori (1994) e Pitkin (1972) argumentam que as críticas
críticos dos sistemas representativos não entendem as exigências ao mandato virtual (ou na terminologia desta última, “formalista”) são
institucionais reais necessárias ao funcionamento da democracia como ingênuas, não levando em conta as limitações formais à política demo-
forma de governo. Segundo o autor, seus argumentos baseiam-se: a) crática colocada pela magnitude das sociedades contemporâneas.
em uma “percepção muito pouco clara dos limiares de tamanho que
afetam os custos de tomada de decisão quanto a passagem da regra de O problema da argumentação maximalista de democracia e da represen-
comitê (por assim dizer) para a regra da maioria”; b) “ênfase na política tação imperativa é que, mesmo que o teorema da impossibilidade de
mais visível, em contraposição as suas áreas de menor visibilidade, sem Arrow e o paradoxo da participação de Olson não demonstrem validade
uma compreensão clara do que está em jogo”; c) “uma hipertrofia das empírica para todos os casos, demonstram a questão da incerteza
arenas que são inválidas pela política e segundo, politizadas”; e d) inerente aos resultados democráticos como um problema de ação coleti-
“finalmente, um primitivismo democrático muito ingênuo que coloca a va. Como afirma Downs, a incerteza da democracia “divide os eleitores
democracia direta e participativa em contraposição ao controle e à em várias classes, uma vez que afeta algumas pessoas mais do que
representação” (SARTORI, 1994, p. 325; grifos no original). outras” (DOWNS, 1965, p. 82; tradução do autor).

Hanna Pitkin (1972) argumenta que a representação política é um atribu- Propostas de alteração dos mecanismos clássicos de representação,
to da democracia como sistema de governo e como tal é historicamente como quotas ou direitos especiais de veto, não têm a compreensão
o resultado de uma miríade de complexos arranjos institucionais. Os analítica de que a decisão política é resultado de escolhas que os indiví-
diferentes regimes democráticos foram moldados em formatos diversos, duos fazem a partir de suas preferências, e estas possuem intensidades
com diferentes respostas empíricas para a questão da representação. desiguais, que podem ser alteradas ou não durante o processo político.
Além disso, os cidadãos não têm preferências formadas em relação a
Lijphard (1989), em um estudo clássico sobre os modelos empíricos de todas as questões. Em muitas matérias de alta complexidade técnica, os
democracia, argumenta que existem várias fórmulas institucionais para representantes simplesmente não podem decidir com base na opinião
viabilizar os regimes democráticos, e essas podem ser classificadas em de seus eleitores. Decisões em determinadas áreas, como política
dois tipos fundamentais: majoritária (Westminster) e de consenso. No monetária, que têm impacto direto sobre o eleitorado, são tomadas em
primeiro caso, os arranjos institucionais visam, em essência, “[...] o um ambiente em que os graus de risco e incerteza são altos e as infor-
predomínio da maioria” (idem, p. 17; tradução do autor), é especialmente mações não podem ser simplesmente publicadas. Isto por duas razões
eficaz em sociedades com alta homogeneidade social. O segundo tipo, o básicas: primeiro, se tornadas públicas podem perder seu efeito e,
consensual, busca o equilíbrio político por meio da criação de maiorias segundo, muitas decisões em política macroeconômica, como a questão
governativas, tentando representar o quanto for possível os diversos juros versus inflação, para evitar um prejuízo maior em longo prazo,
grupos sociais. “No caso particular das sociedades pluralistas, nas quais necessariamente produzem políticas que geram perdas imediatas. E
se verifica uma clara compartimentação baseada em diferenças religio- apostar no voluntarismo dos cidadãos não é a melhor forma de fazer
sas, ideológicas, lingüísticas, culturais, étnicas ou raciais, que dão ori- política, especialmente econômica.
gem a subsociedades virtualmente separadas com os seus próprios
partidos políticos, grupos de pressão e meios de comunicação, aí não Decisões democráticas, especialmente as tomadas via mecanismos
existe a flexibilidade necessária à viabilização da democracia majoritária” majoritários, tratam virtualmente como iguais preferências com intensi-
(idem, p. 41; grifos no original). dades diferentes. Como argumenta Sartori: “[...] as regras da maioria
baseiam-se numa ficção, na verdade num pressuposto vago e irreal:
Em The Conception of Representation, Pitkin (1972), desenvolve uma vamos fazer de conta que as [diferentes] preferências têm a mesma
tipologia das concepções de representação política. Para nossos propó- intensidade. [...] Gostaria apenas de explicar por que o princípio da
sitos, duas destacam-se: a descritiva e a formalista. A primeira afirma maioria nunca é aceito de forma integral, por que sua aplicação em geral
não atinge o alvo e principalmente por que minorias intensas contestam
o princípio e se recusam decididamente a se submeter a ele.
13
Essa noção de overdose é claramente derivada das conclusões da Comissão Trilate-
ral (composta por Samuel Huntington, Michel Crozier e Joji Watanuki) que afirmou
A realidade da vida é que um Não forte suplanta regularmente dois Sim
ser o excesso de participação política o principal responsável pela “ingovernabilidade” fracos e, inversamente, que um Sim obstinado em geral vence dois Não
que se abatia sobre as democracias ocidentais em meados da década de 1970.
62 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

débeis. Assim, todas as coletividades provavelmente contém - em qual- um dos principais caminhos para seu oposto. Uma das poucas certezas
quer momento dado, sobre determinadas questões – um subgrupo que temos é aquilo que todas as democracias têm algo comum: institui-
intenso que aguarda uma chance de vencer os subgrupos apáticos ções representativas; partidos, eleições, parlamentos e governos.
(menos intensos ou indiferentes) mesmo quando o subgrupo intenso
constitui uma minoria da coletividade em questão” (SARTORI, 1994, p.
301; sem grifos no original). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROW, K. 1971. Social Choice and Individual Values. Yale: Yale University.
A política democrática, ou seja, o sistema de governo que exige a res-
BOBBIO, N. 1995. Il Futuro della Democrazia. Turin: Einaudi Tascabili.
ponsabilização via accountability dos atos dos políticos, não é igual em
todos os lugares. Ela vive e sobrevive em diversas condições locais e BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N. & PASQUINO, G. 1998. Dicionário de política.
11ª ed. Brasília: UNB.
históricas diferentes. Se isso ocorre é porque existe algo comum a todos
os regimes, que os faz sobreviver. A resposta é instituições representati- CARNOY, M. 1994. Estado e Teoria Política. 4. ed. Campinas: Papirus.
vas: partidos, eleições, parlamentos e governos.
DAHL, R. 1989. Análise política moderna. Brasília: UNB.

Ao contrário do que imaginam os republicanos, muito provavelmente não _____. 1997. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: USP.

há essa dita “virtude cívica”. Análises empíricas sobre o comportamento DOWNS, A. 1965. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper &
eleitoral realizadas desde a década de 1850 demonstram que os eleito- Row.
res, em geral, são apáticos e desinteressados pela política. E, como
ELSTER, J. 1997. The Market and the Forum: Three Variants of Political
observa, Reis, em uma condição ceteris paribus, quanto menor for “o Theory. In: BOHMAN, J. & REHG, W. (eds.). Deliberative Democracy: Essays
input de virtudes requerido pelo sistema político para operar, melhor o on Reason and Politics. Cambridge, Mass.: MIT.
sistema político – pelo simples fato de que isto significa um requisito
HELD, D. 1987. Models of Democracy. Stanford: Stanford University.
operacional a menos. Se eu não posso tomar por empiricamente asse-
gurada a virtude de meus concidadãos, então é melhor eu não presumir LIJPHART, A. 1989. As democracias contemporâneas. Lisboa: Gradiva.

sua existência quando legislar” (REIS, 2002, p. 8). Poderíamos acres- MACPHERSON, C. B. 1978. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de
centar: também quando representar. Janeiro: J. Zahar.

O’DONNELL, G. 1999. Teoria Democrática e Política Comparada. Dados, Rio


de Janeiro, v. 42, n. 4, p. 577-654. Disponível em: http:// www. s c i e l o . b r /
s c i e l o . p h p ? s c r i p t = sci_arttext&pid=S0011-52581999000400001.
IV. CONCLUSÕES Acesso em: 1.dez.2010.

OLSON, M. 1971. The Logic of Collective Action: Public Goods and the
As sociedades contemporâneas valorizam positivamente a democracia Theory of Groups. Cambridge, Mass.: Harvard University.
como a melhor forma de regime político, na qual as pessoas, indepen-
PITKIN, H. 1971. The Conception of Representation. Berkeley: University of
dentemente de suas diferenças, podem conviver. A idéia atual da demo- California.
cracia como um valor universal significa uma profunda mudança de
PRZEWORSKI, A. 1989. Capitalismo e democracia. Rio de Janeiro: Compa-
paradigma, comparando- se com o período entre as grandes guerras
nhia das Letras.
mundiais, em que os regimes democráticos foram associados a todos os
males, como crises econômicas, corrupção, pobreza e guerras. _____. 1995. Estado e capitalismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.

_____. 1999. A Minimalist Concept of Democracy: a Defense. In: SCHAPIRO,


O atual desenvolvimento do conceito de democracia pode ser colocado I. & HACKERCORDÓN, C. (eds.). 1999. Democracy’s Value. Cambridge (UK):
da seguinte forma: de um lado o minimalismo, de outro, seus críticos. A Cambridge University.
visão shumpeteriana tem sido o ponto de referência para todos os pen- REIS, B. 2002. Ir para casa em paz: a economia das virtudes e a apatia como
sadores da democracia. Os defensores não são poucos, os adversários direito. Artigo apresentado no XXV Encontro Anual da Associação Nacional
também. Algumas críticas são pertinentes, tanto em termos de conheci- de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, realizado de 22 a 26 de
mento científico quanto de posições normativas. Teorias de escolha outubro em Caxambu (MG).
social estão intimamente ligadas à defesa da concepção mininalista. De RIKER, W. H. 1982. Liberalism Against Populism: a Confrontation Between
Kenneth Arrow a William Riker, todos são unânimes em negar a possibi- the Theory of Democracy and the Theory of Social Choice. San Francisco:
lidade de que interesses privados, possam ser transformados em fins Freedman.
coletivos. O problema desta visão é que, na realidade cotidiana da SARTORI, G. 1994. Teoria da democracia revisitada. V. 2. São Paulo: Ática.
política democrática, demandas privadas transformam-se em metas
SCHUMPETER, J. 1975. Capitalism, Socialism and Democracy. New York:
sociais, e estas são materializadas em programas econômicos e sociais.
Harper & Row.
A resposta desses autores é que, se isso acontece, é porque a indeter-
minação dos resultados é uma das características mais marcantes da WARD, H. 2002. Rational Choice. In: MASH, D. & STOKER, G. (eds.). Theory
democracia. Elites, por não saberem o dia de amanhã, preferem realizar and Methods in Political Sciense. 2nd ed. New York: Plagrave Macmillan.

políticas que satisfaçam os interesses do seu eleitorado. WEBER, M. 1982a. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: J. Zahar.

_____. 1982b. A política como vocação. In: Ensaios de Sociologia. Rio de


A natureza da representação política demonstra- se ser mais complexa
Janeiro: J. Zahar.
do que o ideal da “representação popular na política” que marca a utopia
_____. 1985. Parlamento e governo numa Alemanha reconstruída. Uma
democrática em todas as sociedades. “Governo do povo para o povo”
contribuição à crítica política do funcionalismo e da política partidária. In: Os
continua uma promessa, e provavelmente continuará assim. Existe um
pensadores. São Paulo: Abril.
hiato entre exigência de representação dos grupos sociais e sua efetiva-
ção na política partidária das sociedades contemporâneas. Como vimos, _____. 1991. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensi-
va. Brasília: UNB.
a democracia como sistema de governo necessita da responsabilização
dos políticos pelos seus atos. O que constitui as instituições representa-
tivas democráticas não é um ideal de amor à democracia, e o volunta-
rismo não é o melhor caminho para construir a democracia, mas foi e é
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 63

último);
Roteiro Governo representativo

3. A opinião pública é livre, isto é, pode se manifestar


independentemente do controle do governo;

4. As decisões políticas são tomadas após debate.

Manin destaca três formas de governo representativo

Parlamentar (prevalece até a primeira metade do século XIX); de


partido (da segunda metade do séc. XIX até fins do séc. XX); de
público (desde fins do séc. XX).

A passagem de um tipo de governo representativo para outro tipo foi


entendido como crise e fim da representação política.

Distinto de democracia:
Todavia, ela continua a ser fundamental nos sistemas políticos

Governos representativos podem ser ou não democráticos. contemporâneos, ainda que, frequentemente, seja complementada

Pressupõe a delegação de poder para pessoas especificamente com mecanismos de participação direta (como referendo, plebiscito

escolhidas para desempenhar cargos públicos que têm maior e orçamento participativo).

impacto na vida de uma sociedade.


Democracia de Democracia de
Parlamentar
Partido público
O Brasil, desde o Império e, sobretudo, desde a República Velha
(1889-1930) era um governo representativo, embora não fosse
Escolha de
democrático: todos cargos públicos relevantes - inculsive o mais
pessoas confiá-
importante, o de presidente, eram cargos de representação política, Escolha de veis
Fidelidade a um
escolhidos pelos cidadãos; todavia, apenas uma pequena parcela pessoas confiá-
partido Resposta aos
da população era cidadã: homens não-alfabetos. veis
Eleição dos Pertencimento a termos da
Importância das
representantes uma classe escolha
Era, portanto, um regime representativo e oligárquico (governo de relações locais
Presença do
Influência dos Presença do
"poucos"). É possível também que um regime seja democrático e ativista
"notáveis" comunicador
não seja representativo, como o era o de Atenas e outras cidades
gregas do mundo antigo por volta do século V a.C.

Os governos representativos surgem historicamente como Independência Deputado vota Líderes definem Imagem deter-
decorrência das chamadas "revoluções burguesas" (Americana, parcial dos segundo sua prioridades do mina a escolha

Francesa, Inglesa), sendo, no momento de sua fundação, representantes consciência programa dos líderes

claramente oligárquicos.
Não- Não-
coincidência das Coincidência
A partir da segunda metade do século XIX, as barreiras à coincidência das
expressões das expressões expressões
participação política, à cidadania plena, vão sendo derrubadas por
Liberdade da eleitorais e da eleitorais e não- eleitorais e da
pressão dos setores marginalizados: educação, renda e gênero não
opinião pública opinião pública eleitorais opinião pública
mais servem como critérios de demarcação entre cidadãos e não-
Povo chega às Presença da
cidadãos. portas do oposição Pesquisas de

Parlamento opinião

Discussão
Os quatro princípios do governo representativo Decisões dentro dos Presença da
tomadas após Parlamento partidos e mídia e do
1. Os representantes são eleitos pelos representados (eleições debate negociação eleitor flutuante
livres, regulares e idôneas); entre partidos

2. Os representantes conservam uma independência parcial


diante das preferências dos representados (polêmica entre
mandato imperativo e mandato livre ou virtual, prevalecando o
64 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

09/11/2011 burocratizadas, cada vez mais complexas, o cidadão comum não


tem condições para se autogovernar e as decisões públicas
Roteiro Modelos de democracia
requerem muita informação.

São as burocracias, não-eleitas, que tem o maior poder hoje; este


só pode ser compensado por um Parlamento também forte, dotado
de líderes carsimáticos que são escolhidos pelo povo.

Weber não acreditava no poder de transformação das democracias


contemporâneas por meio da participação ativa dos cidadãos.

Temia que elas se transformassem em democracias meramente


plebiscitárias, dominadas por um elite que, todavia, não conseguiria
evitar as paixões e a irracionalidade própria das massas.

Ele entendia que a democracia parlamentar deveria ser assentada


sobre o equilíbrio entre autoridade política, líderes competentes,
administração pública eficiente, responsabilidade pública.
Diversas concepções do que é (dimensão descritiva) e do que deve
ser (dimensão prescritiva ou normativa) da democracia no mundo A participação do eleitorado deveria se limitar à escolha eleitoral,
contemporâneo conformam o que se convencionou chamar de sendo capazes de demitir os líderes incompetentes. As eleições
teoria democrática. servem apenas à legitimação das elites.

Vamos estudar brevemente quatro modelos de democracia, mais


influentes na atualidade: elitismo, pluralismo, escolha racional e o
Schumpeter
modelo deliberativo. Nosso estudo será organizado em torno de três
questões: Propõe uma concepção minimalista de democracia contra à "teoria
clássica". Para ele, esta deve ser revista pois:
1) o que é a democracia?
1) não existe um ideal coletivo que possa ser identificado com o
2) por que ela é desejável?
bem comum, pois os indivíduos não possuem os mesmos
3) que liberdade e participação política é pressuposta pelo modelo? interesses e valores;

2) mesmo que houvesse um acordo sobre preferências, isso não

Elistismo democrático ou competivo: Max Weber, poderia ser considerado como a "vontade do povo" (metafísica);

Joseph Schumpeter e Robert Michels 3) em geral, os cidadãos não se interessam sobre política, não
tendo informações suficientes para participar adequadamente;

Concepção minimalista 4) os indivíduos são facilmente manipulados pela mídia, líderes, etc.

A massa só é capaz de aceitar ou recusar uma liderança que lhe é


A democracia resume-se a um
apresentada numa eleição.
conjunto de procedimentos neutros
que servem para a escolha dos Democracia é apenas um método para escolha de líderes. Sua
líderes políticos. Corresponde a concepção argumenta estar baseada na empiria e preza pela
existência de um acordo mútuo estabilidade política dos regimes, não pela participação.
entre as elites políticas sobre o
A política democrática é comparada a um mercado, no qual os
modo de se escolher pacificamente
consumidores (eleitorado) escolhe o que prefere escolher (líderes),
os líderes temporários de uma
por meio de procedimentos institucionalizados (regras eleitorais).
sociedade por meio de eleições
Cinco condições para a democracia (eleições livres e competitivas):
livres, dentro do contexto de
sociedades plurais, com interesses diversos e conflitantes. 1) lideranças preparadas;

O ED nasce, no fim do séc. XIX e ganha força no pós-guerra, 2) limitação do número de decisões públicas;
questionando o liberalismo clássico, particularmente o liberalismo-
3) burocracia qualificada;
democrático a lá John Stuart Mill que concebia a democracia
segundo o modelo "desenvolvimentista", quer dizer, a democracia 4) autocontrole democrático, isto é, aceitação das regras de
serviria para o desenvolvimento moral dos cidadãos, obtido competição por todas elites;
mediante a participação política.
5) tolerância política.
O princípio basilar do ED é o de que a soberania popular é
impossível. Todo governo, destarte, é, na melhor das hipóteses,
uma oligarquia. Michels

"lei de ferro das oligarquias": tendência à burocratização e


centralização decisória em qualquer associação que se modernize.
Weber
Ex: partidos trabalhistas na Europa. As cúpulas partidárias e suas
Nas sociedades contemporâneas, alta e crescentemente
tendências antidemocráticas.
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 65

Só é racional se informar sobre a política se os retornos ou


benefícios provenientes dela superarem os custos de sua aquisição.
Escolha racional: Teoria econômica Custo mínimo de tempo, materiais (educação) e “atalhos”
da democracia informacionais (amigos, especialistas, fontes gratuitas de
informação como as agências governamentais). Toda informação é
(1957), Anthony Downs
tendenciosa. Seleção da informação:
Autor de transição entre os elitistas da
1) importância da decisão;
democracia e as teorias democráticas
contemporâneas. Downs está estabelecendo – 2) relevância da informação;
algo que Schumpeter não teria feito – um
princípio de conciliação entre democracia elitista 3) custo das informações.
e racionalidade individual. Esse princípio
consiste em considerar o eleitor ou cidadão A concentração da atenção:

como racional na medida em que ele consegue empregar meios


1) às áreas de decisão contestadas pelos partidos de oposição;
adequados a consecução de seus fins.
2) áreas de decisão em que o novo governo mudou o modo de
A importante contribuição de Downs consiste em apontar um
governar;
paradoxo na articulação entre os níveis micro e macro, isto é, o
nível da ação individual e seus efeitos do ponto de vista dos 3) novas áreas de decisão que o governo novo precisa atuar.
objetivos da comunidade: “Paradoxo da ação coletiva”: “a ação
racional dos atores no plano micro (os indivíduos ou mesmo os Os especialistas servem para reduzir os custos na aquisição de
atores coletivos de menor escala) aparece como propensa a resultar informações, mas também para concentrar a atenção dos cidadãos
em irracionalidade no plano macro, com a frustração dos objetivos num conjunto de questões.
ou interesses de todos” (Avritzer, 1996, p. 12). Essa aporia resulta,
por vezes, no contrário, a saber, em que vícios privados produzem
virtudes públicas.
Complexidade das sociedades contemporâneas exige um
conhecimento técnico e especializado.

Como decidir sobre eles?


Definição de racionalidade
É racional transferir os custos da informação aos especialistas. O
É racional indivíduo que busca maximizar seus interesses materiais
eleitor deve se assegurar que o especialista tem mais informação do
particulares, escolhendo meios adequados aos fins que persegue.
que ele sobre o tema; que tem metas semelhantes às suas próprias.

O uso das informações por um indivíduo depende:


Democracia
1) do tempo que ele dispõe;
Espaço político de competição entre partidos que buscam
2) do conhecimento contextual (educação é a principal fonte) que
unicamente maximizar seu apoio eleitoral (votos), não o bem
ele possui;
público, e em que os eleitores perseguem determinados estados
social específicos (políticas públicas) 3) da homogeneidade de princípios de seleção das informações e
os seus próprios (mesma “ideologia”).
.Modelo para se pensar a democracia: mercado, no qual os
produtores são os partidos e os consumidores são os eleitores.
Os indivíduos buscam informações para votar e para influenciar nas
decisões do governo. A decisão do voto é tomada com base nas
O sistema político democrático é racional ainda que comporte
políticas adotadas antes das eleições (ao que já foi feito).
alguns comportamentos irracionais. Ao contrário dos elitistas,
Downs está reintroduzindo a racionalidade na caracterização da
democracia, concluindo, parcialmente, a favor dela.
Em geral, quem se mais preocupa com política, menos precisa de
informação (porque já está relativamente bem informado); ao passo
que para quem as informações são bastante úteis, não há interesse
O problema da aquisição de informações
sobre a política eleitoral. Para muitos indivíduos, informar-se sobre
muitas “irracionalidades” do sistema são geradas pelos custos de política (gratuitamente ou não) é irracional (em função dos custos
informação. serem elevados).

Crítica à visão tradicional e idealista da democracia: os cidadãos Um cidadão vota a fim de ter um governo de sua preferência;
não são igualmente informados sobre política (a maioria é mal acertar no voto significa selecionar o partido que dará ao eleitor uma
informada) e informar-se é um processo custoso. renda de utilidade mais alta. Qual é o custo de se votar errado?
(diferencial partidário).

Um eleitor procura primeiro as informações que poderiam alterar


Premissa sua preferência partidária original. Tudo depende se a compensação
66 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

prevista pela informação supera seu custo (caso em que ele a cédula’ e, visto que o tempo é um recurso escasso, votar é
adquirirá) ou não (despreza-se a informação). Se um eleitor tem inerentemente custoso’” (Cunningham, 2009, p. 128). Todo homem
uma grande preferência partidária inicial será preciso uma grande racional decide votar ou se abster do mesmo modo em que toma
quantidade de informações para convertê-lo. outras decisões: calcula os custos e os retornos previstos.

Como isso é incomum de acontecer, numa democracia, cidadãos Se os retornos superam os custos, votam; caso contrário, se
com forte preferência partidária tendem a não mudar o seu voto. abstém. Quando votar não tem custo, o indivíduo só vota se tem
Para um eleitor apático o custo de se informar é mais alto do que alguma preferência.
para o “militante”; logo, dificilmente, ele se mobilizará a adquirir
informações, pois para ele isso é irracional. Os indiferentes sabem que apenas um voto já soluciona o problema.
Eleitores indiferentes, portanto, não influenciam no resultado.
Como nas eleições o voto de um cidadão é apenas um voto entre
milhões é preciso considerar que: numa eleição dividida entre dois Não há democracia se todos forem indiferentes. Numa democracia,
partidos ou em que a absoluta maioria tende a se abster o valor do todos recebem benefícios públicos; nesse sentido, a abstenção não
voto é aumentado. Em geral, um partido será eleito coloca em risco esses benefícios.
independentemente de como um cidadão específico vote.
Contudo como o valor do custo do voto é pequeno, qualquer custo
O valor do voto é definido, então, em função do diferencial partidário adicional pode alterar profundamente o resultado eleitoral (elevar o
(“o voto errado”, que conta pouco numa eleição grande) e a absenteísmo).
probabilidade de que seu voto seja definitivo.
Cada eleitor está preso num “labirinto de variação conjectural”: a
Tendo em vista que cada voto conta pouco, é racional não se importância de seu voto depende da estimativa que faz dos outros e
informar sobre política, a não ser que: ele pode concluir que:

1) tenha-se a expectativa de que seu voto será decisivo; 1) já que muitos vão votar, meu voto não vale o custo;

2) ele adquire status participando da política. 2) já que muitos vão votar, muitos vão pensar que não é importante
votar, logo poucos irão, logo vale a pena votar.

Se a primeira conclusão ocorrer, ninguém vota e a democracia


Paradoxo entre os níveis micro e macro desmorona; se ocorrer o segundo caso, todos votam.

É irracional pagar pelos custos da informação e da participação Mas, enfim, porque, em geral, as democracias não desmoronam?
política do ponto de vista do indivíduo, mas cidadãos racionais Porque há incluso no cálculo do voto um elemento de
esperam que a democracia funcione bem, dê-lhes benefícios e que responsabilidade social (desejo que a democracia continue a
ela funciona melhor quando há cidadãos informados. funcionar) que tende a fazer com que alguns, mas não todos,
votem. Tendem a considerar benefícios e prejuízos a longo prazo no
Esse paradoxo decorre da indivisibilidade dos bens sociais. Como é ato do voto.
irracional adquirir informação política (dado a insignificância de cada
voto particular), todos os cidadãos tendem a não se informar. A recompensa por votar depende:

Logo, a eleição não reflete o consentimento dos eleitores. Como é 1) do quanto ele valoriza viver em uma democracia;
muito custoso um governo obrigar os cidadãos a se informarem
(restrição da liberdade individual), as eleições funcionam apenas 2) quanto ele se importa com qual partido vencerá a eleição;
imperfeitamente.
3) quantos cidadãos ele acredita que votarão.
Não há, portanto, governo democrático como governo por
consentimento de todos; não significa que o eleitor não seja
considerado, mas que ele o é desigualmente considerado. Quatro possibilidades do voto:

1) voto no partido preferido;

O custo da comunicação 2) voto em outro partido por razões estratégicas (não há chance de
vitória para o primeiro), "voto útil";
Dependendo de sua posição social, pode ser mais racional não
comunicar aos governantes qual a sua preferência. Os custos de 3) Vota alheatoriamente (diferencial partidário é zero e o custo de
aquisição de informações para os formadores de opinião são mais votar é menor do que os retornos);
altos do que para o cidadão comum, dada a complexidade delas e a
necessidade de se resguardar dos argumentos contrários. 4) Abstém-se (custos do voto superam os retornos).

Por que os cidadãos de baixa renda tendem a se abster mais do


voto do que os de alta renda? É mais difícil para eles arcar com os
A abstenção eleitoral custos do voto (tempo, informações, custos materiais). Como quem
se abstém não altera o resultado eleitoral, eles têm menos poder
Votar ‘toma tempo para se registrar, para descobrir que partidos
político.
estão concorrendo, para deliberar, para ir votar, para marcar a
NOTAS DE AULAS – POLÍTICA 67

4) poliarquias.

Pluralismo: Poliarquia Dahl propõe como hipótese que a sobrevivência da poliarquia


depende de um equacionamento adequado dos custos da tolerância
(1971), Robert Dahl
e de supressão, segundo o qual tanto a oposição, quanto o governo
Reação acadêmica ao sentem-se mais propensos em aceitar as regras do jogo competitivo
elitismo democrático do que em destruí-las.

Busca pensar as democracias A preferência do autor pelas poliarquias é, sem prejuízo da


realisticamente (”o que é”), mas objetividade, explicitada e justificada do seguinte modo:
aceitando o debate normativo
1) nas poliarquias os direitos civis, como liberdade de organização e
(“o que deve ser”).
de expressão, estão mais assegurados;
Reinvindicação de maior
atenção dinâmica política e ao 2) ampla participação e competição política provocam alternância na
seu potencial explicativo contra composição dos cargos públicos, aumentando a representatividade
o economicismo. do regime;

3) na medida em que um sistema político torna-se mais


institucionalizado ou mais participativo, a classe política busca apoio
Ideias básicas
de grupos até então marginalizados do processo político, obrigando
A palavra poliarquia consolidou-se na terminologia especializada e o governo a ser mais responsivo;
tem a função de separar as discussões normativas sobre
4) quanto mais poliárquico, menor a chance de um governo aplicar
democracia das discussões empírico-descritivas. As poliarquias são,
sanções extremas contra a população.
portanto, a conseqüência (sempre imperfeita) de se aplicar o
processo democrático em larga escala (Estado-nação), gerando Importa dizer também que a democracia poliárquica é estruturada
instituições e práticas políticas desconhecidas da Antiguidade, mas em torno do mecanismo eleitoral.
necessárias num cenário de inevitável redução da participação.
Embora não possa ser tomada como uma expressão da vontade da
Dahl apresenta novamente oito garantias que devem ser oferecidas maioria, uma eleição é o teste decisivo para uma poliarquia.
por uma sociedade poliárquica.São elas:
Elas não são condição suficiente para a poliarquia, mas
1) liberdade de formar e aderir a organizações; necessárias, visto que aliadas à competição aumentam
significativamente o número de minorias que terão que ser levadas
2) liberdade de expressão;
em conta pelos líderes
3) direito de voto;
David Held identifica a obra de Dahl ao modelo de democracia
4) elegibilidade para cargos públicos; pluralista; os pluralistas se caracterizam por adotar a crítica elitista
(Weber e Schumpeter) de que os ideais democráticos são irreais,
5) direito de líderes políticos disputarem apoio (5a: direito de líderes
mas eles não concordavam integralmente com o elitismo de que a
políticos disputarem votos);
concentração de poder pelas elites fosse inevitável.
6) fontes alternativas de informação;
Dahl critica o elitismo democrático em duas direções:
7) eleições livres e idôneas;
1) não comprova que a elite governante constituía um grupo bem
8) instituições para fazer com que as políticas governamentais definido e tampouco que as preferências adotadas por ela
dependam de eleições e de outras manifestações de preferência” prevaleciam. A partir de estudos empíricos, Dahl argumenta que, de
(2005, p. 27). fato, somente minoria se mobilizam politicamente, mas, como elas
não são coesas, vivendo, em geral, em conflito umas com as outras,
Essas garantias podem ser melhor interpretadas como constitutivas
não há porque tomá-las como um grupo dirigente.
de duas dimensões da democratização, que são a liberalização
(grau de liberdade e igualdade que possui a oposição de competir Dahl rompe com essa tradição em dois pontos essenciais:
pelo poder) e a participação (proporção da população habilitada a
1) supera o dualismo entre realismo e idealismo ao introduzir o
participar do controle e da contestação à conduta do governo).
princípio de maximização, entendendo que não basta apenas
Todos os regimes variam nesses quesitos, assim como é comum
descrever as democracias, mas que é preciso aperfeiçoar suas
que haja variações regionais dentro de um mesmo país.
condições;
O que o autor quer oferecer é uma definição operacional que
2) reintroduz o elemento da participação como fonte de legitimação
permite avaliar tanto os regimes políticos, quanto a passagem de
e avaliação das poliarquias.
um regime para outro.
A justificação da democracia passa, portanto, pelo princípio da
Destarte, sendo classificados segundo esses dois eixos (mesmo
autonomia, entendendo-a como um processo que, mediante a
que por aproximação), temos quatro possibilidades:
participação, desenvolve a capacidade moral e social dos cidadãos.
1) hegemonias fechadas (baixas participação e liberalização);
15/11/2011
2) hegemonias inclusivas (baixa liberalização e alta participação);
Feriado – República
3) oligarquias competitivas (baixa participação e alta liberalização);
68 NOTAS DE AULAS – POLÍTICA

16/11/2011 abaixo.

22/11/2011 SERÁ PERMITIDO O USO DE DATASHOW EM SUBSTITUIÇÃO

Trabalho em grupo: A democracia no Brasil e a AO CARTAZ, tal como solicitado por alguns colegas. Todavia,
lembro que é de total responsabilidade do grupo levar o arquivo
reforma política (20 pontos)
(pen-drive, email, etc), de forma que possa ser exibido no datashow.

Por fim, quem não tiver ainda em um grupo, favor procurar os


V. "A incômoda questão dos partidos no Brasil", Otávio Dulci.
colegas para se alocar em um dos grupos existentes e me
comunicar o fato o mais breve possível.

DESCRIÇÃO DO TRABALHO: Abraços e bom trabalho!

O trabalho consiste em três partes.

A primeira delas - exige que o grupo colete material jornalístico


GRUPO 1: Luiz Cláudio, Odirlei, Bruna Goncalves, Mary Anne,
(revista, sites, jornal impresso) para compor um cartaz (cartolina
Micaely, Ozabela, Rafaela Duarte, Camila, Letícia,
comum) para ser apresentado à sala, a fim de ilustra o tema
Lorena, Myla Cristina.
discutido. Serão avaliados pelo esforço, composição do cartaz e
pertinência do material.
Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a
A segunda parte - é constituída pela elaboração de um roteiro (uma democracia", Maria Victória Benevides.
cópia para todos alunos e uma para o professor), contendo o nome
dos membros do grupo, o tema discutido, os principais argumentos GRUPO 2: Jéssica Matos, Thalita, Daniela Fernandes, Débora
do texto analisado e, ao final, um conjunto de três questões para Martins, Ana Paula, Thaís, Fábio Lívio, Kênia Carolina,
fomentar o debate na sala de aula. Serão avaliados pelo esforço, Gisleine, Ana Luiza, Anne Caroline.
clareza e adequação formal do texto e correção dos argumentos
apresentados. O roteiro não deve exceder duas páginas digitadas "Orçamento participativo: uma invenção da
(Times New Roman, fonte de 11 a 12, espaçamento 1,5). política", Francisco de Oliveira et al.

A terceira parte - consistirá na própria apresentação oral. Serão


avaliados pelo comprometimento com o trabalho, clareza e GRUPO 3: Adriano, Denylson, Eliana, Thiago, Hildeane, Valéria,
criatividade na exposição, bem como uso dos recursos de sala de Naira, Jéssica Cristina, Gislaine Monique, Pedro Lucas,
aula (cada grupo é responsável pela escolha e aquisição dos Lorraine Flávia, Bruna Souza.
recursos, exceto pincel atômico e apagador). Cada grupo terá 25
minutos para fazer a exposição do seu trabalho. “Sobre o voto obrigatório", Renato Janine
Ribeiro.
Os grupos serão compostos de aproximadamente 10 alunos.
Assim sendo, teremos seis temas e seis textos correspondentes a
GRUPO 4: Joyce, Nathália, Jéssica Thalita, Lucas, Yasmin,
serem escolhidos por cada grupo. Não será permitido a repetição de
temas ou textos. Se não houver acordo prévio da própria sala Lorrany Gabriela, Sâmea, Felipe Barbosa, Lydia,

quanto à divisão dos temas, o professor procederá por meio de Thales, Jordana.

sorteio.
“A reforma da representação proporcional", Jairo
Os textos são capítulos do livro Reforma política e cidadania, Nicolau.
organizado por Maria Victória Benevides, 2003, disponível na
biblioteca. São eles:
GRUPO 5: Denise, Haysa, Ravene, Gilmar, Rafaela Fernandes,
I. "Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a Matheus, Patrick, Douglas, Ysakele, Priscila, Izaide.
democracia", Maria Victória Benevides.
“A incômoda questão dos partidos no Brasil",
II. "Orçamento participativo: uma invenção da política", Otávio Dulci.
Francisco de Oliveira et al.

III. "Sobre o voto obrigatório", Renato Janine Ribeiro. GRUPO 6: Filipe, Fábio de Castro, Fabrício, Vítor, André,
Alexandre, Marcelo, Marcos, Fernanda, Jean, Allan,
IV. "A reforma da representação proporcional", Jairo Nicolau.
Débora Joana.
V. "A incômoda questão dos partidos no Brasil", Otávio Dulci.
"Financiamento de campanha e eleições no
VI. "Financiamento de campanha e eleições no Brasil", David
Brasil", David Samuels.
Samuels.

Segue abaixo a relação de alunos por grupo e por tema do trabalho. 22/11/2011

As apresentações serão feitas nos dias 16/11 e 22/11. A ordem de Prova Global
apresentação seguirá a ordem da seleção dos textos, como descrito

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