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EDITOR:

Marcos Marcionilo

CONSELHO EDITORIAL:
Ana Stahl Zilles [Unisinos]
Angela Paiva Dionisio [UFPE]
Carlos Alberto Faraco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela]
José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPI/CTF/LPT]
Kanavillil Rajagopalan [UNICAMP]
Marcos Bagno [UnB]
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Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP]
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha]
Roxane Rojo [UNICAMP]
Salma Tannus Muchail [PUC-SP]
Sírio Possenti [UNICAMP]
Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]
Louis-Jean Calvet

As políticas
LINGUÍSTICAS

Tradução:
Isabel deOlíveira Duarte
Jonas Tenfen
Marcos Bagno

Prefácio:
Gilvan Müller de Oliveira
Título original: Les politiques linguistiques
© Louis-JeanCalvet

Capa e projeto gráfico: Andréia Custódio


Revisão: Telma Pereira

CIP-BRASIL. CATALOGAÇAO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Cl 68a
Calvet, Louis-Jean, 1942-
As políticas linguísticas / Louis-Jean Calvet; prefácio Gilvan Müller de Oliveira ;
tradução Isabel de Oliveira Duarte, Jonas Tenfen, Marcos Bagno. - São Paulo: Parábola
Editorial: IPOL, 2007.
. -(Na pontada língua; 17)

Tradução de: Les politiques linguistiques


Inclui bibliografia
ISBN 978-85-88456-60-0

1. Linguagem e línguas - Aspectos políticos. 2. Linguaguem e línguas - Política


governamental. 3. Planejamento linguístico. I. Instituto de Políticas Linguísticas. II.
Título. III. Série.

07-2447 CDD: 306.449


CDU 316.74:81

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ISBN: 978-85-88456-60-0

© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, julho de 2007


SUMÁRIO

PREFÁCIO............................................................................... 7

Capítulo I: NAS ORIGENS DA POLÍTICA


LINGUÍSTICA.............................................................
I. Nascimento do conceito e seu campo de aplicação ..
II. O primeiro modelo de Haugen..............................

y fc?
UI. A abordagem “instrumentalista”: P. S. Ray e V. Tauli

fô &
IV O segundo modelo de Haugen...............................
V A contribuição dasociolinguística “nativa”..............

Capítulo H: AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES


PLURILÍNGUES......................................................... & &
I. Ferguson e Stewart...................................................
H. As propostas de Fasold.............................................
m. A grade de Chaudenson...........................................
ê88

Conclusão.........................................................................

Capítulo m. OS INSTRUMENTOS DO
Si

PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO.........................
I. O equipamento das línguas....................................
8 8 8

A escrita......................................................................
O léxico ......................................................................
gg <3

A padronização........................................................
Do “in vivo” para o “in vitro”...............................
n. O ambiente linguístico............................................
333 53

HI. As leis linguísticas....................................................


Nomear a língua......................................................
Nomear as funções....................................................
8
AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS
6

Princípio de territorialidade ou de personalidade? 81


O direito à língua...................................................... 84
Conclusão......................................................................... 85

Capítulo IV: A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 87


I. O problema da língua nacional na China............. 87
n. Intervenção no léxico e na ortografia de uma
língua: o exemplo do francês................................... 93
Os “decretos linguísticos’"....................................... 93
As leis linguísticas.................................................... 93
A ortografia................................................................ 95
As indústrias da língua.......................................... 100
EU. A fixação do alfabeto bambara no Mali................ 101
IV A “revolução linguística” na Turquia................ 108
V A padronização de uma língua:
o exemplo da Noruega...................................... 112

Capítulo V: A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 117


I. A promoção de uma língua veicular: o caso da
Tanzânia.............................................................. 117
n. A promoção de uma língua minoritária: o caso da
Indonésia.................................................................... 122
DL A paz linguística suíça............................................ 126
IV A defesa do status internacional de uma língua:
o exemplo do francês............................................... 130
Na Europa.................................................................. 132
A francofonia.............................................................. 136
O francês no mundo................................................. 141
V A substituição de um língua colonial: os inícios
da arabização na África do Norte.................. 145
No Marrocos............................................................... 148
Na Tunísia................................................................. 150
Na Argélia.................................................................. 152
CONCLUSÃO.......................................................................... 157

BIBLIOGRAFIA...................................................................... 161
ÍNDICE DE NOMES............................................................... 165
PREFÁCIO

Faz pouco tempo que o termo ‘política linguísti­


ca’ está circulando de maneira minimamente sistemáti­
ca no Brasil, contrariamente ao que ocorre em vários
outros países latino-americanos, notadamente na Ar­
gentina ou nos países andinos. Na metade da déca­
da de 1980, por exemplo, fui aluno de um bacharela­
do em linguística em uma importante universidade
brasileira, com várias áreas de estudo, e não tive ne­
nhum contato com o termo ou a disciplina.
E que ‘política linguística’, enquanto disciplina
nascida na segunda metade do século XX, como Calvet
mostra nesta introdução, está associada ao plurilin-
guismo e a sua gestão. Está associada a mudanças polí­
ticas que levaram a alterações no estatuto das diver­
sas comunidades linguísticas que integram a cidada­
nia, como ocorreu na esteira do processo de descoloni­
zação da Ásia e da África a partir dos anos 1950, en­
tre outros.
No Brasil, onde a ideologia da ‘língua única’, des­
de tempos coloniais, tem camuflado a realidade pluri-
língue do país, parecia haver pouco lugar para as ques­
tões empíricas e teóricas levantadas pelos estudiosos
das políticas linguísticas. O consenso em torno da lín­
gua única — ‘todos os brasileiros se entendem de norte
8 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

a sul do país, porque falam português [alguns acrescen­


tariam: “e aqui não há dialetos”] — tem sido ampla­
mente hegemônico, inclusive em muitos quadros uni­
versitários, comprometidos, em grande parte, com a
execução de mais esse item do ‘projeto nacional’ brasi­
leiro. Note-se, por exemplo, que até a sociolinguística
majoritariamente praticada no país é uma sociolinguís­
tica das variáveis e variantes do português — uma so­
ciolinguística do monolinguismo, portanto.
Nas duas últimas décadas, entretanto, o panora­
ma das reivindicações dos movimentos sociais, a di­
versificação de suas pautas, o crescimento das ques­
tões étnicas, regionais, de fronteira, culturais, torna­
ram muito mais visível que o Brasil é um país consti­
tuído por mais de 200 comunidades linguísticas dife­
rentes que, a seu modo, têm se equipado para partici­
par da vida política do país. Emerge em vários fóruns
o conceito de ‘línguas brasileiras’: línguas faladas por
comunidades de cidadãos brasileiros, historicamente
assentadas em território brasileiro, parte constitutiva
da cultura brasileira, independentemente de serem lín­
guas indígenas ou de imigração, línguas de sinais ou
faladas por grupos quilombolas. Emergem também
olhares inovadores sobre o próprio português, nasci­
dos dos novos papéis que o Brasil desempenha em
contexto regional e mundial.
O crescimento desses movimentos sociais e a rea­
ção do Estado a essas reivindicações vão tomando dia
a dia mais claro o âmbito das responsabilidades das
políticas linguísticas — seus métodos e interesses. So­
bretudo, vão tornando mais claro que ‘política linguís­
tica’, para além de uma multidisciplina constituída de
PREFÁCIO 9

conhecimentos técnicos de linguística, antropologia,


sociologia, história, direito, economia, politologia, mo­
bilizados para a análise das situações linguísticas é, como
diz Lia Varela, uma prática política, associada à inter­
venção sobre as situações concretas que demandam de­
cisões políticas e planificação de políticas públicas.
O livro de Calvet vem, assim, em um bom momen­
to. E um livro que tem o mérito da apresentação conceituai
sistemática, necessária no atual momento das discussões
políticas envolvendo as línguas do Brasil e as ações polí-
tico-linguísticas do Estado. Aporta, além disso, análises
de situações político-linguísticas em várias partes do
mundo, mostrando com isso soluções produzidas em
planejamento de corpus e em planejamento de status das
línguas, seus limites e possibilidades.
E uma contribuição importante para o que temos
chamado de ‘virada político-linguística’: o movi­
mento pelo qual os linguistas (mais que a linguística)
passam a trabalhar junto com os falantes das línguas,
apoiando tecnicamente suas demandas políticas e cul­
turais. Deixam de atuar no campo da ‘colonização de
saberes’ para atuar no que Boaventura Santos chama
de ‘comunidade de saberes’, e passam do campo uni­
versitário ao campo dos conhecimentos pluriversitá-
rios, o que prioriza a pesquisa-ação sobre uma visão
de pesquisa que tem tratado os falantes das línguas co­
mo meros informantes descartáveis, uma vez que o
gravador capture o ‘dado’ linguístico
Calvet define a linguística como o estudo das co­
munidades humanas através da língua. Em outro con­
texto, afirma que são as línguas que existem para ser­
vir aos homens e não os homens para servir às lín­
1 0 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

guas. Sua obra vai se estruturar centralmente em tor­


no a essas máximas, descrevendo os conflitos huma­
nos e procurando desenvolver uma conceituação para
a compreensão dessas situações que tem sua “questão
teórica primordial levantada pela própria ideia de
política linguística”: em que medida o homem pode
intervir na língua ou nas línguas?

Gilvan Müller de Oliveira


IPOL, Florianópolis, julho de 2007
CAPÍTULO I

NAS ORIGENS DA
POLÍTICA LINGUÍSTICA

A intervenção humana na língua ou nas situa­


ções linguísticas não é novidade: sempre houve indiví­
duos tentando legislar, ditar o uso correto ou intervir
na forma da língua. De igual modo, o poder político
sempre privilegiou essa ou aquela língua, escolhendo
governar o Estado numa língua ou mesmo impor à
maioria a língua de uma minoria. No entanto, a políti­
ca linguística (determinação das grandes decisões re­
ferentes às relações entre as línguas e a sociedade) e o
planejamento* linguístico (sua implementação) são con­
ceitos recentes que englobam apenas em parte essas
práticas antigas. Se observarmos, por exemplo, que a
escolha de um alfabeto para uma língua se origina da
política linguística, isso não significa que Cirilo e Me-
tódio, ao criarem o alfabeto glagolítico (ancestral do
cirílico), ou que Thonmi Sambhota, ao definir o alfa-

’ Traduzimos o francês planification por “planejamento”, termo


muito mais empregado no português brasileiro do que “planificação” (é
o caso, por exemplo, do Ministério do Planejamento} (n. do E.).
1 2 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

beto tibetano, tenham escrito um capítulo da história


da política linguística. Da mesma maneira, se em cer­
tos países, como a Turquia ou a Indonésia, a língua do
Estado foi forjada pela intervenção sobre uma língua já
existente, para modernizá-la, adaptá-la às necessida­
des do país, não colocaremos no mesmo plano os inven­
tores de línguas artificiais (ido, esperanto, volapuque
etc.), cujas criações, na maioria das vezes, nunca saí­
ram do papel. A política linguística é inseparável de
sua aplicação e é a esse binômio (política linguística e
planejamento linguístico) que é dedicado este livro.
Neste primeiro capítulo, acompanharemos o apa­
recimento desse binômio, que se deu na segunda me­
tade do século XX, e mostraremos as relações que ele
estabelece com as questões políticas dessa época.

I - Nascimento do conceito e seu campo


de aplicação
O sintagma language planning, traduzido para o
português por planejamento linguístico, apareceu em
1959 num trabalho de Einar Haugen1 sobre os proble­
mas linguísticos da Noruega. O autor procurava mos­
trar nesse trabalho a intervenção normativa do Esta­
do (por meio de regras ortográficas, por exemplo) para
construir uma identidade nacional depois de séculos
de dominação dinamarquesa. Haugen retoma esse
mesmo tema em 1964, durante uma reunião organi­
zada por William Bright, na Universidade da1

1. E. Haugen, “Planning in Modern Norway”, in Anthropo­


logical Linguistics, 1/3, 1959.
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 1 3

Califórnia, evento que marca o surgimento da socio-


linguística2. Na mesma obra, encontra-se também um
texto de Ferguson sobre as national profile formulas,
que discutiremos no capítulo seguinte e, observando a
lista dos participantes (Bright, Haugen, Labov, Gumperz,
Hymes, Samarin, Ferguson...), podemos dizer que fal­
tava apenas Fishman para completar o “time” que
representaria, nos anos 1970 e 1980, a sociolinguísti-
ca e/ou a sociologia da linguagem nos Estados Uni­
dos. Desse modo, o “planejamento linguístico” recebe
seu batismo na mesma época que a sociolinguística, e
pouco mais tarde será definida por J. Fishman como
sociolinguística aplicada3.
Em seguida, Fishman, Ferguson e Das Gupta
publicam em 1968 uma obra coletiva4 dedicada aos
problemas linguísticos dos países em via de desenvol­
vimento, e durante o ano universitário de 1968-1969,
quatro pesquisadores (Jyotirindra Das Gupta, Joshua
Fishman, Bjõrn Jernudd e Joan Rubin) reúnem-se no
East-West Center do Havaí para refletir sobre a natu­
reza do planejamento linguístico. Eles organizam, en­
tre os dias 7 e 10 de março de 1969, uma reunião so­
bre o mesmo tema, para a qual foi convidado um gru­
po de pessoas (antropólogos, linguistas, sociólogos,
economistas...) que já haviam trabalhado no campo

2. E. Haugen, “Linguistics and Language Planning”, in William


Bright (org.). Sociolinguistics. La Haye: Mouton, 1966.
3. J. Fishman, Sociolinguistics. Rowley, Mass.: Newbury House
Publishers, 1970.
4. Joshua A. Fishman, Charles A. Ferguson, Jyotirindra Das
Gupta, “Language Problems of Developing Nations”, in American
Anthropologist, New Series, vol. 73, n° 2 (Apr., 1971), pp. 404-405.
1 4 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

da política ou do planejamento linguístico. Esse en­


contro deu origem a uma obra, Can Language be
Planned? (“a língua pode ser planejada?”), que faz uma
análise do estado da questão na época5.
J. Rubin, J. Das Gupta, B. Jernudd, J. Fishman e
C. Ferguson: temos aqui o “bando dos cinco” anglófonos
que permaneceríam, durante anos, no centro da refle­
xão sobre esse novo campo (veremos mais adiante que
os mesmos temas serão igualmente abordados por pes­
quisadores francófonos, germanófonos e hispanófonos).
E possível acompanhar os progressos do planejamento
linguístico sobretudo através das publicações de uma
coleção (Contributions to the Sociologg of Language]
dirigida por Joshua Fishman na editora Mouton. De
fato, em poucos anos, essas publicações reuniram uma
impressionante concentração de trabalhos:
— Advances in Language Planning, editado por
J. Fishman, 1974;
— Language and Politics, editado por William
O’Barr e Jean O’Barr, 1976;
— Selection among Alternates in Language
Standardization, the Case ofAlbanian, de Janet
Byron, 1976;
— Language Planning for Modernization, the Case
of Indonesian and Malagsian, de S. Takdir
Alisjabana, 1976;
— Advances in the Studg of Societal Multilin­
gualism, editado por J. Fishman, 1977;

5. Joan Rubin, Bjorn Jernudd (orgs.). Can Language be Planned?


Honolulu: The University Press of Hawai, 1971.
NAS ORIGENS DA POLlTICA LINGUÍSTICA 1 5

— Language Planning Processes, editado por J.


Rubin, B. Jernudd, J. das Gupta, J. Fishman,
C. Ferguson, 1977;
— Advances in the Creation and Revision of Writing
Systems, editado por J. Fishman, 1977;
— Colonialism and Language Policy in Vietnam,
de John DeFrancis, 1977 etc.
Por esses títulos, é possível perceber uma espécie
de resumo da história do conceito, e a presença de uma
alternância entre uma abordagem mais geral e estudos
de caso (a Albânia, a Indonésia, a Malásia, o Vietnã...).
Paralelamente, a noção de política linguística apa­
rece em inglês (Fishman, Sociolinguistics, 1970), em es­
panhol (Rafael Ninyoles, Estructura social y politica
linguística, Valencia, 1975), em alemão (Helmut Glück,
“Sprachtheorie und Sprach(en)politik”, OBST, 18,1981)
e em francês. Em todos os casos e em todas as defini­
ções, as relações entre a política linguística e o planeja­
mento linguístico são relações de subordinação: assim,
para Fishman, o planejamento é a aplicação de uma
política linguística, e as definições posteriores, em sua
variedade, não ficarão muito longe dessa visão. Em
1994, por exemplo, Pierre-Etienne Laporte apresenta­
ria a política linguística como um quadro jurídico e a
reorganização linguística como um conjunto de ações
“que tem por objetivo esclarecer e assegurar determi­
nado status a uma ou mais línguas”6. De fato, no inter­
valo, à margem da corrente predominante, aparecem

6. Pierre-Étienne Laporte, “Les mots clés du discours politique en


aménagement linguistique au Quebec et au Canada”, in Claude Truchot
(prg.), Le plurilinguisme européen. Paris: Champion, 1994, p. 97-98.
1 6 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

outras denominações: aménagement linguistique no


Quebec, normalização na Catalunha; cada uma delas
com efeitos de sentido particulares e importância
desigual. Os catalães por exemplo (primeiramente
Lluis Aracil, depois o conjunto de pesquisadores agru­
pados sob a classificação de “sociolinguística catalã”),
procuraram distinguir a normalização da substitui­
ção ou da assimilação. Num conflito linguístico no
qual o espanhol era a língua dominante e o catalão, a
língua dominada, eles julgaram mais conveniente
“normalizar” uma situação “anormal”. Na realidade,
trata-se mais de um programa político do que de um
conceito: em face do espanhol imposto pelo poder
franquista, os linguistas catalães militavam para que
sua língua fosse promovida às funções até então ocu­
padas pela língua do Estado. Os quebequenses, por
sua vez, preferem aménagement' linguistique a pla­
nejamento (planification) para evitar fazer referên­
cia à intervenção planejadora do Estado. Neste caso,
não se trata em absoluto de uma diferença teórica,
mas, sim, de uma questão de embalagem: apresenta-
se o mesmo produto com outro nome; e Rainer Enri­
que Hamel tem razão ao salientar que “os três ter­
mos - planejamento, normalização e aménagement -
se referem ao mesmo núcleo conceituai, mas se dis­
tinguem pelas suas conotações”7. Na mesma ordem

* O termo aménagement deriva do verbo aménager, “arranjar,


dispor, arrumar”, e não tem equivalente exato em português no senti­
do usado no Québec para tratar da poh'tica linguística (n. do E.).
7. Rainer Enrique Hamel, “Políticas y planificación dei lenguaje”,
in Iztapdlapa. Mexico: n° 20, 1993, p. 11.
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 1 7

de ideia, o termo glotopolítica8 aparecerá em francês,


criado por Marcellesi e Guespin, com definições im­
precisas, sem que essa inovação terminológica cause
uma alteração no campo conceituai considerado.
Nesse conjunto de textos e de análises, é preciso
observar uma importante diferença de ponto de vista
entre os pesquisadores americanos e os pesquisadores
europeus. Os primeiros têm tendência a acentuar sobre­
tudo os aspectos técnicos da intervenção sobre as situa­
ções linguísticas constituída pelo planejamento, questio­
nando-se muito pouco a respeito do poder que há por
trás dos decisores. O planejamento lhes parece muito
mais importante do que a política e tem-se, às vezes, a
impressão de que eles fantasiam a possibilidade de um
planejamento sem política. O sintagma language planning
pôde assim cobrir sozinho, durante muitos anos, um
domínio que teve origem visivelmente nessas duas ações,
complementares decerto, mas que é preciso distinguir
com cuidado: as decisões do poder (a política) e a passa­
gem à ação (o planejamento). Em contrapartida, os pes­
quisadores europeus (franceses, espanhóis, alemães) pa­
recem mais preocupados com a questão do poder, embo­
ra os sociolinguistas catalães se situem num sistema de
substituição de um poder por um outro.
Por outro lado, o período durante o qual apare­
cem na literatura científica essas noções e as tentati­

8. A glotopolítica é essencialmente o problema da minoria


(Marcellesi, “De la crise de la linguistique à la linguistique de la crise:
la sociolinguistique”, in LaPensée, n° 209, 1980) ou ela ainda “desig­
na os diversos enfoques que uma sociedade tem da ação sobre a língua,
seja ela consciente ou não” (Guespin e Marcellesi, “Pour la gloto-
politique”, in: Langages, n° 83, 1986).
1 8 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

vas de equacionar as situações de plurilinguismo


(diglossia, fórmulas tipológicas...), que discutiremos
no capítulo seguinte, têm a ver com as questões da épo­
ca. Os primeiros textos de Haugen (sobre o planeja­
mento linguístico na Noruega) e de Ferguson (sobre a
diglossia) datam do mesmo ano, 1959, e durante as
décadas de 1960 e 1970 as publicações nesses dois
campos se multiplicam. Ora, trata-se do período que vem
imediatamente após a descolonização de inúmeros
países africanos e asiáticos, e o título de uma das pri­
meiras obras publicadas nesse domínio, Language
Problems of Developing Nations (New York, 1968), é
característico do campo conceituai no qual nasce essa
disciplina. Paralelamente, observa-se o aparecimento
de reflexões sobre as relações entre língua e naciona­
lismo (Joshua Fishman, Language and Nationalism.
Rowley, Mass.: Newbury House Publishers, 1972),
sobre a situação linguística das antigas colônias (Louis-
Jean Calvet, Linguistique et colonialisme — Petit traité
deglotophagie. Paris: Payot, 1974), sobre a situação da
língua catalã na Espanha (Aracil, Ninyoles). Em Can
Language be Planned? (1971), os estudos de caso re­
metem à Irlanda, Israel, Filipinas, Africa Oriental,
Turquia, Indonésia, Paquistão: em todos esses traba­
lhos, temos a impressão de que a ênfase é dada aos
países novos, recém-independentes e em vias de de­
senvolvimento, como se a política linguística não dis­
sesse respeito aos países europeus. E, no início dos
anos 1990, uma coleção de obras publicada na Fran­
ça, sob a direção de Robert Chaudenson, aludirá pelo
seu título (“Langues et développement”) à obra de 1968
referida acima: a política linguística parece ter nasci­
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 1 9

do como resposta aos problemas dos países em “via


de desenvolvimento” ou das minorias linguísticas.
Mais tarde, os problemas linguísticos do Québec,
bem como aqueles suscitados nos Estados Unidos pela
imigração de hispanofalantes e, posteriormente, os que
aparecem na Europa com a construção da Comunida­
de Econômica Européia, mostrarão que política e pla­
nejamento linguísticos não estão vinculados somente ao
desenvolvimento ou às situações pós-coloniais. O texto
fundador de Haugen sobre a Noruega bastaria para com­
provar que as relações entre língua(s) e vida social são
ao mesmo tempo problemas de identidades, de cultura,
de economia, de desenvolvimento, problemas dos quais
nenhum país escapa. E perceberemos que há também
uma política linguística da francofonia, da anglofonia
etc. Desse ponto de vista, a emergência de novas nações
terá simplesmente servido como um revelador.
Reiteremos: tratamos aqui da emergência de um con­
ceito, o de política/planejamento linguístico, que implica
ao mesmo tempo uma abordagem científica das situações
sociolinguísticas, a elaboração de um tipo de intervenção
sobre essas situações e os meios para se fazer essa inter­
venção. Podemos encontrar prefigurações de caráter in-
contestavelmente científico entre os linguistas do Círculo
de Praga, por exemplo, que intervieram no campo da pa­
dronização do tcheco9, ou em Antoine Meillet, que expri­
miu seu ponto de vista sobre a Europa linguística10. Mas

9. Ver D. de Robillard, L’amenagement linguistique: problémati-


ques et perspectives. Provença: Universidade de Provença, 1989, pp.
53-71, tese.
10. Louis-Jean Calvet, A. Meillet, “La politique linguistique et
1’Europe: les mains sales”, in Plurilinguismes. Paris: CERPL, n° 5,1993.
20 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

trata-se, nesses casos, apenas de prefigurações, que prefe­


rimos não abordar nesta breve apresentação histórica.

II - O primeiro modelo de Haugen


Quando o termo planning, “planejamento”, sur­
ge na literatura linguística, ele é tomado em seu senti­
do econômico e estatal: determinação de objetivos (um
plano) e a aplicação dos meios necessários para atin­
gir esses objetivos. Desse modo, pode-se falar do pla­
nejamento da natalidade, do planejamento da econo­
mia etc. Nos anos 1920 e 1930, só a União Soviética
dispunha de um plano, e é essencialmente na segunda
metade do século XX que essa prática se generalizou.
Mas essa generalização se constituiu sobre princípios
diferentes. De fato, é preciso distinguir o planejamen­
to indicativo ou incitativo, baseado no acordo entre as
diferentes forças sociais, do planejamento imperativo,
que implica a socialização dos meios de produção. O
primeiro é aquele praticado nos países ocidentais, o
segundo caracterizaria os países do Leste. Nesses dois
casos, entretanto, esse planejamento tem pontos em
comum: é nacional, repousa sobre a análise de pers­
pectivas a médio e longo prazo, passa pela elaboração
e depois pela execução de um plano, por fim é suscetí­
vel de avaliação.
O aspecto “nacional” ou “estatal” da política lin­
guística, que aparece aqui, é um traço importante de
sua definição. Efetivamente, qualquer grupo pode ela­
borar uma política linguística: uma diáspora (os sur­
dos, os ciganos, os falantes de iídiche...) pode se reu­
nir em congresso para decidir uma política, e um gru­
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 21

po minoritário do interior de um Estado (os bretões


na França, por exemplo, ou os indígenas quíchuas no
Equador) pode fazer o mesmo. Mas apenas o Estado
tem o poder e os meios de passar ao estágio do plane­
jamento, de pôr em prática suas escolhas políticas. É
por isso que, sem excluir a possibilidade de políticas
linguísticas que transcendam as fronteiras (é por exem­
plo o caso da francofonia, mas trata-se de uma reu­
nião de Estados), nem a política linguística pertinente
às entidades menores que o Estado (as línguas regio­
nais, por exemplo), devemos admitir que, na maior
parte dos casos, as políticas linguísticas são iniciativa
do Estado ou de uma entidade que disponha no seio do
Estado de certa autonomia política (como a Catalunha,
a Galiza ou o País Basco na Espanha).
O modo como Haugen, em sua comunicação na
reunião de Los Angeles em 1964, definira a noção de
planejamento mostra que ele se situava nesse campo
ideológico:

O planejamento é uma atividade humana decorrente da necessida­


de de se encontrar uma solução para um problema. Ele pode ser
completamente informal eadhoc, mas pode também ser organiza­
do e deliberado. Pode ser executado por indivíduos particulares ou
ser oficial. (...) Se o planejamento for bem feito, ele compreenderá
etapas tais como a pesquisa extensa de dados, a escolha de planos de
ações alternativos, a tomada de decisão e sua aplicação11.

De fato, Haugen partiu essencialmente do pro­


blema da norma linguística e da padronização. Ele ci­
tava, por exemplo, o gramático indiano Panini (que11

11. Op. cit., pp. 51-52.


22 AS POLlTICAS LINGUfSTICAS

viveu no século IV antes de Cristo), ou ainda os


gramáticos gregos e latinos, definindo o planejamento
linguístico como “a avaliação da mudança linguísti­
ca”. Consciente das contradições entre essa aborda­
gem e as posições decididamente descritivas e não
normativas da linguística, ele afirmava que o planeja­
mento linguístico devia ser uma tentativa de influen­
ciar as escolhas em matéria de língua, situando-se as­
sim, implicitamente, ao lado daquilo que defini acima
como planejamento indicativo. Além disso, suas refe­
rências passavam pela teoria da decisão, essencialmen­
te utilizada no campo da “administração” ou, se pre­
ferirmos, da gestão econômica. Nesse domínio, utili-
za-se geralmente o modelo de Herbert Simon, que dis­
tingue quatro fases:
— diagnóstico de um problema;
— concepção das soluções possíveis;
— escolha de uma das soluções;
— avaliação da solução tomada.
E o plano escolhido por Haugen para apresentar
o planejamento linguístico inspirava-se diretamente
nesse modelo, uma vez que ele analisava os diferentes
estágios de um planejamento linguístico como um “pro­
cedimento de decisão”: os problemas, os decisores, as
alternativas, a avaliação e a aplicação.
— Para ele, todos os problemas se reduzem ao caso
geral da não-comunicação: pode haver um fracasso
relativo, quando os interlocutores falam formas dife­
rentes da mesma língua, ou fracasso total, quando os
interlocutores não falam a mesma língua.
— Os decisores. Quem dispõe de autoridade sufi­
ciente para dirigir e controlar a mudança linguística?
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 23

Haugen constata inicialmente que a aparição das pri­


meiras gramáticas e dos primeiros dicionários das lín­
guas modernas coincide nos séculos XV e XVI com a
emergência de países ricos e poderosos. E, por exem­
plo, o caso da gramática de Nebrija elaborada para o
espanhol (1492), da fundação da Academia Francesa
por Richelieu (1635) etc. Em seguida, a partir do sécu­
lo XIX, os progressos do ensino e a difusão da literatu­
ra tomam necessária uma padronização das línguas e
observa-se o aparecimento de indivíduos empenhados
em normatizar sua língua: Frédéric Mistral em relação
ao provençal, Aasen em relação ao dinamarquês, Korais
em relação ao grego etc. Esses homens, esses primeiros
“planejadores linguísticos”, considerados por Haugen
como meio linguistas e meio patriotas, eram indivíduos
isolados, e a obra deles tem a ver com iniciativa indivi­
dual. Ao contrário, a intervenção sobre a língua turca
decidida por Atatürk se vincula à ditadura, e podemos
encontrar entre esses dois extremos toda uma varieda­
de de organizações que intervieram na língua: igrejas,
sociedades literárias ou científicas etc.
— As alternativas. Haugen destaca primeiramen­
te que, mesmo havendo grupos menores que a “nação”
(como os galeses) ou maiores que a “nação” (como os
judeus, que têm problemas linguísticos), é no seio da
“nação” que se encontram os meios oficiais para se de­
senvolver um planejamento linguístico. Em seguida,
fazendo referência às funções da língua propostas por
Jakobson, Haugen explica que a língua não serve ape­
nas para transmitir informação, ela também diz coisas
sobre o falante, sobre o grupo. A função de comunica­
ção leva à uniformidade do código, já a função da ex­
24 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

pressão, ao contrário, leva à sua diversificação. Isso se dá


porque o objetivo do planejamento não é necessariamen­
te gerar um código uniforme: ele pode visar à diversida­
de ou à uniformidade, à mudança ou à estabilidade.
— A avaliação das diferentes soluções passa pela
identificação das formas linguísticas envolvidas para que
sejam fixados os limites nos quais é possível intervir.
Convém saber se existe uma ou mais normas, se existe
uma ortografia, ou mais de uma. Enfim, é preciso dotar-
se de critérios objetivos que, em relação com as finalida­
des visadas, permitirão a escolha da solução. De manei­
ra geral, segundo Haugen, uma forma linguística é eficaz
se for fácil de aprender e fácil de utilizar.
—A aplicação. Haugen destaca que os decisores são,
no fmal das contas, os usuários da língua, e que são por­
tanto eles que precisam ser convencidos a aceitar a solu­
ção escolhida. Desse ponto de vista, o indivíduo quase
não tem relevância, a não ser aquela que lhe é dada por
sua autoridade pessoal ou científica. Em contrapartida,
o governo controla o sistema escolar, as mídias; e para
ele a melhor estratégia consiste em introduzir a reforma
linguística escolhida por meio da escola.
E possível que o leitor deste texto fique surpreso com
o fato de que Haugen, àquela época, não estivesse criando
nada de novo. Conhecendo bem a história linguística da
Noruega, ele adotou alguns conceitos da economia (plane­
jamento), da administração (teoria da decisão) e os apli­
cou nos exemplos de intervenção do Estado sobre as lín­
guas (Noruega, Grécia, Turquia etc). Assim, ao propor
um novo sintagma, o planejamento linguístico, Haugen não
chegou a criar um conceito novo, mas delimitou sobretudo
um domínio de atividade, sem desenvolver qualquer críti­
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 25

ca aos conceitos adotados. Mais precisamente, Haugen


quase não questiona o problema do poder, das relações de
força de que dão testemunho as relações linguísticas. Isso
pode ser em parte explicado pelo fato de ele não ter levado
em conta o plurilinguismo, os problemas de relações entre
as línguas, mas também pelo fato de estar vinculado a
uma concepção liberal americana do planejamento. Ele
também não levantou o problema do controle democráti­
co sobre as decisões dos planejadores, considerando que o
Estado deve escolher e aplicar a solução que lhe pareça
melhor para resolver um problema. Há de fato, em tudo
isso, a exportação e a aplicação mecanicista de modelos
utilizados na economia liberal e na administração de em­
presas, sem nenhuma análise sociológica das relações de
força que se encontram em jogo. Nessa época, o planeja­
mento linguístico se limitava essencialmente à proposição
de soluções concernentes à padronização das línguas, sem
que os vínculos entre línguas e sociedades fossem verda­
deiramente levados em conta.

m - A abordagem “instrumentalista”:
P.S.RayeV.Tauli
Não faltam definições que apresentam a língua
como um “instrumento de comunicação”, sendo fácil
observar o caráter restritivo de tais definições, que ig­
noram aquilo que é essencial na língua, isto é, seus
vínculos com a sociedade. As abordagens estruturalis-
tas da língua foram criadas com base nessa restrição,
e foi contra ela que se desenvolveu uma nova maneira
de abordar os fatos das línguas, que foi batizada de
“sociolinguística”, mas que constitui de fato a linguís­
26 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

tica no sentido amplo, indo a fundo nas implicações


da definição da língua como “fato social”.
Encontramos esse enfoque instrumentalista em
alguns trabalhos que marcam a emergência da política
linguística. Assim, Punya S. Ray, numa obra publicada
em 196312, insistia no caráter instrumental da língua,
considerando que seu funcionamento podia ser aperfei­
çoado pela intervenção na escrita, na gramática ou no
léxico. Sua abordagem era relativamente simplista: por
um lado, pode-se avaliar a eficácia de uma língua, sua
racionalidade, sua normalização e por outro, aperfeiço­
ar a língua a partir desses diferentes pontos de vista,
como se troca uma peça defeituosa de uma máquina.
Essa maneira de considerar a língua como um
instrumento que pode ter o funcionamento aperfeiçoa­
do é passível de crítica, mas acontece que o problema
da avaliação (neste caso das línguas, mas também das
situações linguísticas) estará no centro das reflexões
prévias a uma intervenção planejadora. Como medir
o grau de eficácia de uma língua? Essa questão, que
está no centro da intervenção de Ray, está evidente­
mente mal formulada e, portanto, fica sem resposta.
Uma língua não é, em si mesma, racional ou eficaz;
ela responde ou não a necessidades sociais, ela segue
ou não a progressão da demanda social. O problema é
saber em que medida a organização linguística de uma
sociedade (as línguas em contato, seus domínios de
uso etc.) responde às necessidades de comunicação
dessa sociedade, mas essa abordagem era dificilmente

12. Punya S. Ray, Language Standartization: Studies in


Prescriptive Linguistics. Haya: Mouton, 1963.
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 27

imaginável no início dos anos 1960, diante da ausên­


cia de formalização da sociolinguística nascente.
Valter Tauli se situa na mesma linha ao propor, em
1968, uma “introdução a uma teoria do planejamento
linguístico”13. Certamente ele faz, aqui e ali, algumas re­
ferências à natureza social da língua, como que por obri­
gação, mas para ele a língua é essencialmente um instru­
mento, no sentido mais banal do termo, um instrumento
que pode ter seu funcionamento aperfeiçoado, sendo esta
a tarefa do planejamento linguístico. Em 1962, ele já
apresentava essa posição com veemência:

Uma vez que a língua é um instrumento, isso significa que uma


língua pode ser avaliada, alterada, corrigida, regulada, melhora­
da e novas línguas podem ser criadas à vontade14.

Mas como avaliar uma língua? Tauli imagina essa


avaliação baseado no modelo do decatlo, competição
esportiva em que os atletas concorrentes recebem certo
número de pontos segundo seu desempenho em dez
modalidades diferentes. Mas essa metáfora não lhe for­
nece os meios para avaliar globalmente uma língua, e
ele a reduz a uma abordagem pontilhista, selecionando
alguns domínios, demonstrando um dogmatismo sur­
preendente. Assim, para ele, a ordem “normal” das
palavras na frase é a ordem sujeito-verbo, a distinção
entre masculino, feminino ou neutro é inútil e absur­

13. Valter Tauli, Introduction to a Theory of Language Planning.


Uppsala: Almqvist 8l Wiksells 1968. O livro vinha sendo redigido
desde 1962.
14. Valter Tauli, “Practical Linguistics: the Theory of Language
Planning”, in Horace Ed. Lunt (org.), Proceedings of the Ninth Congress
of Linguistics - Cambrige, 1962. Haia: Mouton, 1964, p. 605.
28 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

da, a escrita deve ser alfabética e fundamentada numa


análise fonológica etc., e o papel do planejador será
modificar o instrumento língua para aproximá-lo dessa
normalidade. “O planejamento linguístico”, afirma
Tauli, “é uma atividade cujo objetivo é o aperfeiçoa­
mento e a criação de línguas”15.
Se as posições de Ray e Tauli, às vezes no limite do
absurdo, aproximam-se de um impasse, elas também
demonstram os laços entre o grau de conceitualização
ao qual chegou a linguística e o modo de teorização do
planejamento linguístico. Esse instrumentalismo se tor­
nou possível graças a uma linguística que analisava a
língua de um ponto de vista interno, fazendo abstração
de seu aspecto social, e suas posições, às vezes caricatu­
rais, assinalavam ao mesmo tempo os defeitos e as li­
mitações dessa linguística.
O leitor terá percebido que, até aqui, os teóricos
do planejamento linguístico pareciam se interessar
apenas pela língua, por sua padronização, por sua
“melhoria”, e isso ocorreu também por conta da lin­
guística estrutural, de sua abordagem interna. Mas o
planejamento linguístico logo vai se interessar por
outras questões, passar dos problemas de forma aos
problemas de estatuto, evolução paralela à da linguís­
tica, que lentamente ia se tornando soczolinguística.

IV - O segundo modelo de Haugen


Em 1967, Heinz Kloss propôs a distinção entre
“línguas Abstand” (em alemão: “distância”, “afasta­

is. Op. cit, p. 608.


NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 29

mento”) e “línguas Ausbau” (em alemão: “desenvolvi­


mento”): de um lado, as línguas percebidas como isola­
das, independentes, e, do outro, aquelas que são perce­
bidas como línguas próximas, de uma mesma família16.
Tal diferenciação não deixou de repercutir nas ques­
tões de planejamento linguístico. Assim, o grego por
exemplo, língua “Abstand”, como o basco ou o húnga­
ro, não era considerado como integrante de um continuum
de variações, ao contrário das línguas “Ausbau” como
o italiano, o espanhol, o português ou o francês, ou
ainda como o alemão, o dinamarquês, o inglês, o ho­
landês; e essa diferença de status tem incidências cla­
ras nos problemas linguísticos da Europa. De fato,
pode-se imaginar a divisão dos países da Comunidade
Econômica Européia em dois grupos: um de línguas
germânicas e outro de línguas românicas; mas o grego e
o basco ficam fora dessa classificação... Dois anos de­
pois, Kloss introduziu uma distinção entre o planeja-
mento do corpus e o planejamento do status17, que teria
repercussões importantes. O planejamento do corpus
se relacionava às intervenções na forma da língua (cri­
ação de uma escrita, neologia, padronização...), en­
quanto o planejamento do status se relacionava às in­
tervenções nas funções da língua, seu status social e
suas relações com as outras línguas. Assim, é possível
que se queira mudar o vocabulário de uma língua, criar
novas palavras, lutar contra os empréstimos: tudo isso

16. Heinz Kloss, “Abstand Languages and Ausbau Languages”,


in Anthropological Languages, n° 9, 1967.
17. Heinz Kloss, Research Possibilities on Group Bilingualism: A
Report. Québec: CIRB, 1969.
30 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

pertence à esfera do corpus; mas é possível também que


se queira modificar o status de uma língua, promovê-la
à função de língua oficial, introduzi-la na escola etc., e
isso se relaciona ao status. Essa distinção ampliou con­
sideravelmente o campo da política linguística e se dis­
tanciou notavelmente da abordagem instrumentalista
que acabamos de evocar.
Observamos desde então, na literatura relativa ao
planejamento linguístico, uma tendência a apresentar as
diversas operações em termos dicotômicos; começando
por Haugen que, em 1983, retomou essa distinção e a
integrou a seu modelo18. Sua apresentação pode ser re­
sumida no esquema seguinte, que cruza as noções de status
e corpus com as noções de forma e junção da língua:

Forma Função
(planejamento (cultura da língua)
linguístico)

Sociedade 1. Escolha 3. Aplicação (processo


(planeja­ (processo de educacional)
mento do decisão) a) correção
status) a) identificação b) avaliação

do problema
b) escolha de uma
norma

Lingua 2. Codificação 4. Modernização


(planeja­ (padronização) (desenvolvimento
mento do a) transcrição funcional)
corpus) gráfica a) modernização da

18. Einar Haugen, “The Implementation of Corpus Planning:


Theoiy and Practice”, inJuan Cobarrubias; Joshua Fishman (orgs.), Progress
in Language Planning. International Perspectives. Haia: Mouton, 1983.
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 3 1

b) sintaxe terminologia
c) léxico b) desenvolvimento
estilístico

Para ilustrar esse esquema, vejamos o exemplo


concreto da Indonésia. O primeiro estágio é constituí­
do pela escolha de uma norma: identifica-se o proble­
ma (estágio la), a questão aqui era saber qual língua
seria a língua do Estado e, neste caso, o malaio foi
escolhido para substituir a língua colonial, o holandês
(estágio lh). Essa decisão foi tomada em 1928, du­
rante uma reunião do Partido Nacional Indonésio, ou
seja, bem antes de a Indonésia proclamar sua inde­
pendência. Temos, neste momento preciso da histó­
ria, um exemplo de política linguística que não pôde
ser posta em prática, pois, como afirmamos, o plane­
jamento precisa do Estado.
Num segundo momento, essa língua seria padro­
nizada nos níveis gráfico, sintático e lexical (estágios 2
a, b e c). O malaio era, de fato, uma língua veicular de
formas flutuantes e convinha fixar-lhe uma norma.
Uma vez resolvidos os problemas formais, passou-se
aos problemas funcionais: difusão da forma estabelecida,
correção, avaliação (3a, b). Mas é claro que isso só podería
ser feito depois da independência, em 1946.
Finalmente, essa implementação exigia que a lín­
gua fosse “modernizada”, ou seja, que fossem criados o
vocabulário e a estilística necessários às novas funções
que ela iria preencher. Desse modo, inspirando-se pre­
ferencialmente em palavras malaias, ou em palavras
de outras línguas locais ou de outras línguas asiáticas,
o Komisi Bahasa Indonesia (Comitê da Língua
32 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Indonésia) elaborou o vocabulário funcional da língua,


rebatizada como bahasa indonésia (língua indonésia).
Vê-se que, nesse esquema, o percurso do planeja­
mento linguístico esboçado por Haugen (do estágio 1, es­
colha de uma norma, ao estágio 4, modernização da lín­
gua) se apresenta, aos mesmo tempo, como técnico e
burocrático: há um decisor (geralmente o Estado) que
escolhe uma língua para preencher determinada função
(a função oficial, por exemplo), que confia a especialis­
tas a tarefa de codificar essa língua e que depois operacio-
naliza sua escolha (a língua passa a ser utilizada em dife­
rentes níveis do aparelho do Estado: ensino, meios de
comunicação etc.), fazendo eventuais correções na esco­
lha etc. Mas não ocorre em nenhuma parte desse esque­
ma a menor crítica em relação aos processos de decisão,
nenhuma sugestão de uma possível consulta democráti­
ca junto às populações envolvidas ou ainda de um con­
trole democrático dos estágios 1 (escolha) e 2
(codificação): se a língua pertence àqueles que a falam, o
problema da língua aparece aqui como uma questão de
Estado, e isso gera em algumas situações, como na Fran­
ça, conflitos entre esse Estado, os falantes da língua nacio­
nal e as minorias linguísticas do território.

V - A contribuição da sociolinguística “nativa”


Pelo que vimos até agora, os teóricos e, às vezes,
os técnicos do planejamento linguístico não estavam
pessoalmente implicados nas situações nas quais in-
tervinham: seu status era o do especialista que obser­
va uma situação, a avalia, faz propostas de mudança
ou de reorganização e, eventualmente, as aplica. Utili­
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 33

zando uma metáfora médica, eles agiam como um ci­


rurgião que abre um corpo, constata o mal e opera. A
originalidade da contribuição dos sociolinguistas cata-
lães, occitanos e crioulófonos se deve ao fato de que,
nesses casos, o cirurgião era também o paciente, e de
que teoria e prática estavam estreitamente ligadas.
A situação da Catalunha, sob o franquismo, po­
dería ter servido de exemplo a Ferguson, quando ele
apresentou seu conceito de diglossia: o espanhol era
ali a variedade alta, a língua do Estado, da escola, da
justiça etc., enquanto o catalão, variedade baixa, esta­
va reservado à comunicação familiar, íntima. Mas
Ferguson tinha uma visão estática da diglossia, que
nele aparecia como uma repartição funcional harmo­
niosa dos usos, e é precisamente essa visão que será
questionada pelos linguistas “nativos”, ou seja, aque­
les oriundos de situações diglóssicas, particularmente
Robert Lafont, no lado dos occitanos19; Lambert-Félix
Prudent, no lado dos crioulófonos20 e Lluis Aracil, no
lado dos catalães21. Eles afirmavam que a diglossia
não era uma coexistência harmoniosa entre duas va­
riedades linguísticas, mas uma situação conflituosa
entre uma língua dominante e uma língua dominada.
Ora, de acordo com Lluis Aracil, esse conflito só po­
dería levar a duas situações: ou a língua dominada
desaparece em favor da língua dominante (o que ele

19. Robert Lafont, “Un problème de culpabilité sociologique:


la diglossie franco-occitane”, in Langue Française, n° 9, 1971.
20. Lambert-Félix Prudent, “Diglossie et intelecte”, in Langages,
n° 61, 1981.
21. Lluis Aracil, Conflicte linguistic i normalitzacio lingüistica a
1'Europa nova, 1965 (versão francesa, mimeo) e 1982 (versão catalã).
34 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

chama de substituição), ou ela recupera suas funções e


seus direitos (o que ele chama de normalização).
Essa abordagem deve ser situada numa análise
de tipo eletromecânico das situações linguísticas, que
considera o binômio línguas/sociedade como um
homeostato, ou seja, como um sistema que funciona no
modo da auto-regulação. Aracil propunha a distinção
entre as “funções sociais da língua” e as “funções lin­
guísticas da sociedade”, podendo as relações entre es­
ses dois grupos desembocar na substituição ou na nor­
malização. No primeiro caso, quando as funções lin­
guísticas da sociedade não encontram resposta adequa­
da nas funções sociais da língua, esse déficit num dos
conjuntos cria, por “feedback positivo”, um déficit das
funções recíprocas no outro conjunto, e essa ampliação
resulta, pela multiplicação do déficit inicial, na substi­
tuição. No segundo caso, ao contrário, o déficit provo­
ca, por “feedback negativo”, uma regulação, uma
autocorreção ou um esforço compensatório entre as
funções linguísticas da sociedade e as funções sociais
da língua, o que leva à normalização. Nesses aspectos,
a sociolinguística catalã forneceu à política linguística
vinda da América do Norte um quadro teórico que lhe
faltava, fazendo a ligação entre as situações linguísti­
cas (a diglossia, por exemplo) e as situações sociais.
Esse modelo eletromecânico é originalmente des­
critivo, explicativo. Mas a noção de normalização lin­
guística vai adquirir, paulatinamente, na Catalunha
um sentido mais militante. Com efeito, o feedback ne­
gativo que reorganiza as funções linguísticas da socie­
dade é, no plano teórico, o produto de uma auto-
regulação. Mas pode-se imaginar também que a ação
NAS ORIGENS DA POLÍTICA LINGUÍSTICA 35

militante leve ao mesmo resultado ao atuar sobre a de­


manda social para justificar uma proposta linguística.
Por exemplo, pode-se considerar que a difícil situação
das línguas regionais como o bretão, o occitano, o basco
etc., seja o resultado de uma ausência de demanda so­
cial: essas línguas existem, mas não têm utilidade so­
cial e estão, por conta disso, condenadas a desaparecer.
Mas é possível que a intervenção humana (e não mais a
auto-regulação homeostática) aja sobre a demanda so­
cial para justificar a oferta linguística: se dois grupos
reivindicam, digamos que por razões identitárias, o di­
reito a suas línguas, essas línguas têm então, ipso facto,
um papel e um lugar na sociedade.
Esse deslocamento progressivo do teórico rumo
ao militante era seguramente facilitado pela situação
da Catalunha que, após o retorno da democracia na
Espanha, recuperava sua autonomia e dispunha de
possibilidades de intervenção políticas ou legislativas.
Assim, quando uma lei de normalização linguística
foi promulgada na Catalunha (Liei de Normalització
Lingüistica a Catalunya, 23 de abril de 1983), a pró­
pria noção de normalização se modificou: ela não é
mais o produto da auto-regulação, mas o produto da
vontade humana, da intervenção do poder público.
Indiquei acima que os primeiros teóricos - norte-
americanos - da política e do planejamento linguísticos
pecavam pela falta de visão teórica; eles tendiam a ne­
gligenciar o aspecto social da intervenção planej adora
sobre as línguas. Diante deles, os linguistas europeus,
em particular os linguistas falantes de línguas domi­
nadas, insistiram na existência de conflitos linguís­
ticos, contribuindo notavelmente para enriquecer a
3 6 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

teoria. Mas sua situação os levou a misturar os assun­


tos e a passar, lentamente, do teórico ao militante. Esse
deslocamento tem, ao menos, o mérito de nos lembrar
que na política linguística há também política e que as
intervenções na língua ou nas línguas têm um caráter
eminentemente social e político. Mas isso nos lembra
igualmente que se as ciências raramente estão ao abri­
go de contaminações ideológicas, a política e o plane­
jamento linguístico não escapam à regra.
CAPÍTULO II

AS TIPOLOGIAS
DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES

No capítulo anterior, acompanhamos o nascimen­


to das noções de planejamento linguístico e de política
linguística. Mas o procedimento presente naqueles di­
ferentes textos, tomando como ponto de partida o dia­
gnóstico de um déficit de comunicação, de um “pro­
blema”, para chegar à concepção das soluções possí­
veis e à escolha de uma delas e, por fim, à sua aplica­
ção, implicava que se dispusesse, por um lado, de meios
científicos de avaliação das situações, e por outro, de
meios de intervenção sobre essas situações. Como as­
sinalamos, podemos entender por que essas primei­
ras abordagens se preocupavam apenas com a inter­
venção na língua: na época, a linguística só possuía
meios para descrever a língua em si mesma, sendo
incapaz de apreender seu objeto de estudo em suas
relações com a sociedade e sua história. De fato, para­
lelamente às primeiras preocupações de política lin­
guística, desenvolveu-se o que atualmente se chama
sociolinguística, que dará à política linguística os meios
científicos de que ela necessitava. São esses instrumen­
tos que apresentaremos neste capítulo.
38 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

I - Ferguson e Stewart
Paralelamente aos primeiros textos sobre o planeja­
mento linguístico que, como vimos, se interessavam es­
sencialmente pela ação sobre a língua e, por isso, não
levavam em conta as situações plurilíngues (apesar de
elas serem amplamente majoritárias no mundo), no iní­
cio dos anos 1960 apareceram tentativas de equacionar
as situações plurilíngues e a primeira delas foi, sem dúvi­
da, o artigo de Charles Ferguson sobre a diglossia1. O
autor apresentava modelos de situações nas quais coe­
xistem duas variedades de uma mesma língua (ele deu
quatro exemplos: árabe clássico / árabe dialetal, alemão-
padrão / alemão suíço, grego catarévussa / grego demótico,
francês / crioulo haitiano), variedades que são utilizadas
em situações precisas: o que ele chamava de “variedade
alta” era utilizada nos discursos políticos, nos sermões,
nas mídias etc., e o que chamava de “variedade baixa” se
empregava nas conversações familiares, na vida cotidia­
na, na literatura popular etc. Posteriormente, Joshua
Fishman ampliou esse modelo, abandonando a ideia de
relação genética entre essas duas “variedades”1
2: a partir
de então, considera-se que há diglossia cada vez que se
manifesta uma repartição funcional de usos entre duas
línguas ou entre duas formas de uma mesma língua; as­
sim há diglossia tanto entre o árabe clássico e o árabe
dialetal como entre uma língua europeia e várias línguas
africanas. Esse conceito vai conquistar um enorme su­

1. Charles Ferguson, “Diglossia”, in Word, n° 15, 1959.


2. Joshua Fishman, “Bilingualism with and without Diglossia,
Diglossia with and without Bilingualism”, in Journal of Social Issues,
n° 32, 1967.
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLUR1LÍNGUES 39

cesso na literatura científica: entre 1960 e 1990, esti­


mam-se cerca de 3.000 artigos ou obras dedicadas à
diglossia3. Em seguida, serão lançadas, com diferentes
graus de sucesso, as noções de triglossia4, de tetraglossia5:
o texto de Ferguson fizera escola, e aqui não havia por
que interromper o paradigma. Com efeito, por que não
falar de “decaglossia”, de “ecossiglossia” para designar
as situações nas quais coexistem dez ou vinte línguas?
De fato, tudo isso procedia de uma total incompreensão
daquilo que Charles Ferguson quisera fazer. Na realida­
de, sua intenção era iniciar uma série de descrições de
situações-tipo e esperava que outros linguistas descre­
vessem outras situações, a fim de elaborar uma taxonomia
a partir da qual seriam construídos princípios descriti­
vos e uma teoria.
Ferguson apresentou uma longa explicação sobre
essa questão em um artigo posterior: “Diglossia
Revisited” (South West Journal of Linguistics, vol. 10,
n° 1, 1991). E escreveu mais precisamente: “Meus
objetivos eram, em ordem crescente: situações claras,
taxonomia, princípios, teorias.”
Compreende-se melhor o que ele queria fazer
quando se examinam suas intervenções posteriores no
domínio da tipologia das situações plurilíngues. De
fato, outra preocupação vem à tona: uma tentativa de

3. Mauro Fernandez, Diglossia: a Comprehensive Bibliography


1960-1990. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Co.,
1993.
4. Abderrahmin Youssi, “La Triglossie dans la typologie
linguistique”, in La linguistique, 19, 2, 1983.
5. Henri Gobbard, L’Alienation linguistique: analyse tétraglossique.
Paris: Flammarion, 1976.
40 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

equacionar, ou de formular, as situações plurilíngues


de diferentes países6.
E o texto de Ferguson dedicado a esse problema
é, quanto a isso, muito claro. Desde sua primeira fase,
o autor definia seu objetivo: comparar diferentes situa­
ções. Em seguida, propunha a distinção entre três ca­
tegorias de línguas (major languages, minor languages e
languages of special status}, cinco tipos de línguas
(vernácula, padrão, clássica, pidgin, crioula) e sete
funções (gregária, oficial, veicular, língua de ensino,
religião, língua internacional, língua objeto de ensino).
Isso lhe permitia pôr determinada situação “em equa­
ção”. Ele apresentou, por exemplo, a situação do
Paraguai da seguinte maneira:

3 L = 2 Lmaj (So, Vg) + 0 L min + 1 Lspec (Cr).

Esta fórmula deve ser lida da seguinte maneira:


no Paraguai, há 3 línguas (3 L), duas línguas majori­
tárias (2 Lmaj), uma padronizada, oficial: o castelhano
(So); outra vernácula, gregária: o guarani (Vg), nenhu­
ma língua minoritária (0 Lmin) e uma língua especial,
clássica, religiosa: o latim (1 Lspec Cr).
Geralmente não se dá atenção suficiente à ma­
neira como emergem as proposições científicas (ou
mesmo as descobertas), onde se pode encontrar um

6. William Stewart, “An Outline of Linguistic Typology for


Describing Multilingualism”, in Study on the Role of Second Languages
in Asia, Africa and Latin America. Washington: 1962; idem, “A
Sociolinguistic Typology for Describing National Multilingualism”,
in Reading in the Sociology of Language. Haia: Mouton, 1968; Charles
Ferguson, “National Sociolinguistic Profile Formula”, in W. Bright
(org.), Sociolinguistics. Haia: Mouton, 1966.
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 41

inestimável material epistemológico. Aqui, a situação


é particularmente interessante. De 1962 a 1964, na
Universidade de Washington e depois na Universida­
de de Georgetown, Charles Ferguson pediu a seus alu­
nos que descrevessem a situação sociolinguística de
diferentes países. Cada descrição deveria ser apresen­
tada e discutida em seminário. Depois o trabalho evo­
luiu para a elaboração de um formato-tipo: as descri­
ções deveriam ser apresentadas sob a forma de um
resumo de uma página em inglês corrente (ou seja,
evitando o vocabulário técnico). Mas como o ponto de
partida era a vontade de comparar situações, esses
resumos eram pouco manejáveis. Assim nasceu a ideia
das profile formulas. Restava, obviamente, elaborá-las.
E, antes de tudo, que línguas considerar? A resposta
foi, primeiramente, intuitiva:

Entre as línguas que deveriam ser incluídas nas descrições, algumas


pareciam ter uma importância claramente maior no processo de
comunicação nacional, outras, uma importância menor, outras ter
ainda pouca importância comunicativa direta, mas desfrutando de
um status especial que lhes concedia importância suficiente para
ser incluídas. Esses três tipos de línguas podem, de maneira cômoda
e transparente, ser chamadas de majorlanguage, língua majoritária
(Lmaj), minorlanguage, língua minoritária (Lmin) e languages of
special status, línguas de status especial (Lspec)7.

Passou-se em seguida à formalização dos critérios


que permitiam situar cada língua em uma das catego­
rias. Por exemplo: uma língua podia ser considerada
major language em determinado país se ela reunisse
uma das seguintes condições:

7. Charles Ferguson, 1966, p. 310.


42 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

• ser falada por mais de 25 % da população ou


por mais de um milhão de pessoas (o quíchua
na Bolívia, por exemplo, falado por um terço da
população, mas sem nenhum status oficial);
• ser língua oficial (o irlandês, por exemplo, lín­
gua oficial da Irlanda, mas falado apenas por
3% da população);
• ser língua de ensino em 50 % das escolas se­
cundárias do país (por exemplo, o inglês na
Etiópia, país cuja língua oficial é o amárico e
onde, embora poucas pessoas falem inglês, esta
é a língua de ensino da maioria das escolas
secundárias e superiores).
O mesmo ocorria em relação às minor languages
e às languages of special status: o procedimento consis­
tia em definir as categorias para que as línguasjá consi­
deradas em diferentes situações nacionais pudessem en­
contrar seu lugar. Em outros termos, era o saber dos
informantes (neste caso, os estudantes que participa­
ram do seminário) sobre sua comunidade linguística
que pautava a criação das categorias de línguas e os
critérios de classificação nessas categorias. Na Etiópia,
por exemplo, muito provavelmente por considerarem
o inglês como uma “língua majoritária”, é que a ter­
ceira condição da definição foi a escolhida.
Mas esse tipo de informações (número de línguas
majoritárias, minoritárias etc.) era bastante limitado.
Para acrescentar dados sobre os tipos e funções das lín­
guas em contato, Ferguson adotou uma tipologia pro­
posta por Stewart em 1962, reduzindo o número de
tipos de sete para cinco (ele abandonou os tipos “artifi­
cial” e “marginal”) e conservando as sete funções.
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 43

Foi um vaivém entre descrições empíricas e


formalização que pautou a emergência do modelo de
Ferguson. Esse procedimento, que vai da coleta de da­
dos à tentativa de estabelecer um quadro teórico é, sem
dúvida, completamente coerente, mas nesse caso apre­
senta uma séria desvantagem: até que todas as situa­
ções linguísticas tenham sido analisadas exaustivamen­
te, o quadro será submetido a constantes revisões que, a
depender do caso, poderão se traduzir num aprimora­
mento do modelo (a versão otimista), ou em seu
questionamento (a versão pessimista). Aliás, o próprio
Ferguson estava consciente das limitações do trabalho,
assinalando que ele apresentava “uma solução pouco
satisfatória para um problema com o qual alguns dos
meus estudantes e eu mesmo temos nos confrontado
há anos: como comparar nações, de uma maneira útil,
de um ponto de vista sociolinguístico”8, e ele destacava
também que certas informações estavam ausentes de
suas fórmulas (diferença entre línguas indígenas e lín­
guas de migrantes, sistemas gráficos utilizados, taxas
de analfabetismo etc.).
Em 1968, Stewart retomou o problema, que já abor­
dara em 1962, de uma maneira ligeiramente diferente:
propunha doravante levar em conta quatro atributos (pa­
dronização, autonomia, historicidade e vitalidade), cuja
combinação (ausência: representada pelo sinal de - e a
presença pelo sinal de +, em relação ao atributo em ques­
tão) permitia definir sete tipos de línguas, segundo o es­
quema explicitado no seguinte quadro:

8. Op. cit., p. 315.


44 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Atributos
Tipos de
língua
Padronização Autonomia Historicidade Vitalidade

+ + + 4- padrão
+ 4- 4- clássica
+ + artificial
+ 4- 4- vernácula
4- 4- dialeto
4- crioula
— — — - pidgin

E acrescenta mais três junções às sete propostas


por Ferguson (provincial, capital, literária) e divide as
línguas de um país em seis classes, de acordo com a
porcentagem da população falante da língua:
Classe 1: língua falada por mais de 75 % da população
Classe 2: língua falada por mais de 50 % da população
Classe 3: língua falada por mais de 25 % da população
Classe 4: língua falada por mais de 10 % da população
Classe 5: língua falada por mais de 5 % da população
Classe 6: língua falada por menos de 5 % da população
Isto lhe permite apresentar a situação das ilhas
Curaçao (Antilhas Holandesas) da seguinte maneira:

Classe 1: papiamento K(d:A = espanhol)


(leia-se: um crioulo em situação diglóssica com o espa­
nhol, variedade alta)
Classe 4: holandês So
(leia-se: um padrão oficial)
inglês Sigs
(leia-se: um padrão internacional, gregário, língua ensinada)
Classe 5: espanhol Sisl (d:L = papiamento)
(leia-se: um padrão internacional, ensinado, literário, em
diglossia com o papiamento)
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 45

Classe 6: hebraico Cr
(leia-se: um clássico religioso)
latim Crs
(leia-se: um clássico, religioso, ensinado)

Essas tentativas de equacionar as situações pluri­


língues abrem o flanco a um certo número de críticas:
• A escolha dos atributos de Stewart nem sem­
pre é evidente. Dessa maneira, dizer que o
crioulo não possui o atributo “autonomia”
(porque se deve esclarecer “crioulo de base
lexical francesa, inglesa, portuguesa” etc.)
provém, em parte, da ideologia: por que se­
ria necessário especificar crioulo francês para
uma língua falada nas ilhas Seychelles, por
exemplo, e não língua românica para o fran­
cês ou língua germânica para o inglês? Não
havería por trás dessa apresentação a recusa
em considerar os crioulos como línguas ple­
nas e uma maneira de abordar as línguas do
ponto de vista do senso comum em detrimen­
to da perspectiva científica?
• Certas classificações envelhecem rapidamen­
te (o crioulo haitiano seria, por exemplo, con­
siderado atualmente como padronizado e
muitas línguas africanas teriam, em vinte
anos, mudado de classificação), o que suscita
o problema da dimensão histórica dessas fór­
mulas unicamente sincrônicas.
• Certas funções não são avaliadas de maneira
precisa. Assim, existem línguas “oficialmente
oficiais”, como o gaélico na Irlanda, cujo status
46 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

real é nulo, e línguas sem funções oficiais que


podem desempenhar entretanto um papel im­
portante, como o francês na Ilha Maurício...

II - As propostas de Fasold
Essa abordagem ilustrada pelos trabalhos de
Ferguson e Stewart foi deixada de lado durante muito
tempo até que Ralph Fasold a retomasse, em 19849.
Primeiro, ele resumiu os textos de Ferguson e de Stewart
que acabamos de citar; em seguida, retomou o proble­
ma de um ponto de vista ligeiramente diferente:
— por um lado, ele destaca uma certa previsibilida­
de das funções assumidas pelas línguas, não é qual­
quer língua que pode assumir qualquer função;
— por outro lado, ele raciocina unicamente em
termos de atributos e de funções, de modo que
uma língua deve possuir certos atributos para
preencher determinada função. Seu ponto de
vista é resumido no seguinte quadro:

Atributos sociolinguísticos requeridos


oficial 1 - padronização
2 - utilizada corretamente por certo
número de cidadãos escolarizados
nacionalista 1 - símbolo de identidade nacional para
uma parte importante da população
2 - amplamente utilizada na comunica­
ção cotidiana
3 - ampla e frequentemente falada no país

9. Ralph Fasold, The Sociolinguistics of Society. London:


Blackwell, 1984.
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES

4 - sem alternativa maior no país para a


mesma função
5 - aceitável como símbolo de autentici­
dade
6 - ligada a um passado glorioso
de grupo 1 - utilizada por todos na conversação
cotidiana
2 - considerada pelos falantes como
unificando-os e distinguindo-os dos demais
veicular 1 - considerada como “adquirível” por,
pelo menos, uma minoria do país
internacional 1 - presente na lista das “línguas
internacionais potenciais”
escolar 1 - padronização igual ou maior do que
a língua dos alunos
religiosa 1 - clássica

Esses atributos, cuja presença garante que deter­


minada língua possa preencher determinada função,
criam, no entanto, alguns problemas; particularmen­
te os dois seguintes:
— O atributo “clássico” necessário para que uma
língua possa preencher a função religiosa provém de
uma certa concepção de religião. O que dizer, por exem­
plo, da língua do vodu? Ou das línguas africanas de
iniciação? É pouco provável que o autor as considere
como línguas clássicas, o que demonstra uma concep­
ção limitativa da religião.
— A lista das “línguas internacionais poten­
ciais” de Fasold é instrutiva: ele cita, de fato, o in­
glês, o espanhol, o russo, o alemão, “perhaps
Mandarin Chinese and maybe one or two others”10

10. Op. cit., p. 76.


46 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

(“talvez o mandarim e quiçá mais uma ou duas lín­


guas mais”), demonstrando assim grande cegueira
quanto a línguas como o árabe, o suaíli, o quíchua, o
bambara, o malaio etc., faladas em vários países e,
portanto, no sentido próprio do termo internacionais.
Tem-se aqui a impressão de que Fasold considera como
internacionais apenas as línguas admitidas como lín­
guas de trabalho na ONU ou na Unesco: em vez de
dar uma definição unívoca da noção de língua inter­
nacional, o que lhe permitiría classificar sem ambi­
guidade essa ou aquela língua nessa categoria, ele
sanciona o resultado de uma relação de forças, de
um momento da história.
No entanto, a ideia de cruzamento entre atributo
e função era interessante, e a previsibilidade, assim
postulada, poderia ter encontrado uma solução no
domínio do planejamento linguístico. Vejamos, por
exemplo, a apresentação de Fasold da situação do
híndi, ao questionar-se sobre a possibilidade de esta
língua vir a ocupar a função “nacionalista” na índia:

Unidade sociopolítica: índia


Função: nacionalista
Língua: híndi
Atributos requeridos Atributos possuídos

1. símbolo de identidade nacional + /-


2. largamente utilizada no cotidiano + /-
3. ampla e frequentemente falada no país -l- /-
4. sem alternativa maior no país
5. aceitável como símbolo de autenticidade +
6. ligada a um passado glorioso + /-
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 49

( + /- significa que o atributo é possuído unica­


mente por uma parte da população: + para os falan­
tes do híndi, - para os outros).
Essa apresentação nos levaria a concluir que o híndi
tem poucas chances de chegar a preencher a função nacio­
nalista na índia... Percebe-se o interesse, se essa aborda­
gem fosse mais bem trabalhada, de estabelecer fichas
para todas as línguas de um país e para todas as funções
potenciais dessas línguas. Mas temos a impressão de que,
após as intervenções de Fasold no debate, essa vertente
de pesquisa foi mais uma vez abandonada.

m - A grade de Chaudenson.
Na década de 1990, Robert Chaudenson tentou
elaborar um instrumento de medida e de comparação
do status e do corpus da língua francesa nos países da
francofonia11. Sua abordagem consistia em situar os
diferentes países analisados a partir das funções (ou
status) e dos usos (ou corpus) de uma língua (no caso,
o francês, mas pode-se, como destaca o autor, seguir o
mesmo procedimento para qualquer língua: inglês,
espanhol etc.); esses países aparecem representados
por pontos em um gráfico bidimensional.
E claro que o problema aqui é saber como medir
o status (considerado por Chaudenson num sentido
clássico) e o corpus (definido por ele como o volume de
produção linguística realizado na língua e a natureza11

11. Robert Chaudenson, Lafrancophonie: representations, realties,


perspectives. Aix-en-Provence: Institut d’études créoles et
francophones, 1991.
50 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

da competência linguística dos falantes). O autor pro­


pôs um modo de cotação complexo, levando em conta
as seguintes entradas (nos reportaremos a seu texto
para os valores numéricos atribuídos a cada entrada):
A. Status
1. Oficialidade
2. Usos “institucionalizados”
3. Educação
4. Meios de comunicação de massa
5. Setor secundário e terciário privado
B. Corpus
a) apropriação linguística
b) vernacularidade / vemacularização versus
veicularidade / veicularização
c) os tipos de competências
d) produção e exposição linguísticas
Vejamos o resultado dessa avaliação aplicada em
três países: Ruanda, Madagascar e Hha Maurício:

100 -1
90 -
80 -
70 Ruanda
T] 60 - ♦ Madagascar
I 50-
Maurício
40 -
30 -
20 -
10
0 -
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Corpus
Situação em relação ao francês
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 5 1

O interesse dessa abordagem consiste, evidente­


mente, no fato de que ela permite refletir sobre a situa­
ção respectiva dos diferentes países no espaço
francófono, sobre os reagrupamentos que ela revela­
ria no gráfico etc. Mas o valor de um gráfico assim é,
sobretudo, didático, porque ele visualiza os resulta­
dos de uma análise, permite apresentar o conhecimento
e não adquiri-lo: o conhecimento que temos na parte
superior da grade se encontra na parte inferior, mani­
festado de maneira diferente...
Outra utilização possível dessa grade consiste em
considerar as línguas em relação a um país e não mais
um país em relação a uma língua, como no trabalho de
Fasold. Para ilustrar isso, considerarei cada língua sob
três pontos de vista:
• seu grau de uso, isto é, a porcentagem de falan­
tes no país considerado (o corpus de Chaudenson);
• seu grau de reconhecimento, isto é, o grau de ofi­
cialidade da língua (o status de Chaudenson);
• seu grau de funcionalidade, isto é, as possibili­
dades que a língua tem de preencher as fun­
ções destinadas a ela (que pode se aproximar
da relação atributos/funções de Fasold).
Apenas os dois primeiros termos (grau de uso e grau
de reconhecimento) serão levados em consideração no grá­
fico. Só depois, ao nos questionarmos, a partir do gráfico,
sobre estratégias de planejamento linguístico é que o pro­
blema do grau de funcionalidade será levado em conta.
Por enquanto, o mais simples é ilustrar este ponto de vista
com dois exemplos: o do Marrocos e o do Mali. Acompa­
nhei por alto o modo de cálculo de Chaudenson no que diz
respeito ao “status” (o grau do reconhecimento), mas sim-
52 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

plifiquei o procedimento no que diz respeito ao “corpus” (o


grau de uso), levando simplesmente em conta uma avalia­
ção (que me é própria, pois não dispomos de nenhum
número oficial sobre esse assunto) da porcentagem da
população falante das diferentes línguas em contato.
Consideremos o gráfico do Marrocos: três línguas
coexistem no país com status diferentes o árabe, o
berbere e o francês, e podemos ver que elas aparecem
em posições extremamente contrastantes no quadro. O
árabe tem um status e um corpus de valor sensivelmen­
te igual (ele é falado por cerca de 90 % da população e
tem o status de língua oficial), o francês tem um status
mais importante que seu corpus, e o berbere está em
situação inversa (falado por aproximadamente 50%
da população, ele não possui nenhum status oficial).

100 n
90 -
80 - árabe
_, 70 -
2 60 - francês
á 50 -
40 -
30 -
20 -
berbere
10 -
0 -
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Corpus

As línguas do Marrocos

Quanto ao Mali, a situação é igualmente contras­


tante, mas de maneira diferente: o songhai, o peul e o
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLUR1LÍNGUES 53

tamasheq (estou citando apenas as quatro principais lín­


guas do país, mas todas as outras poderíam constar neste
gráfico) têm um status e um corpus de igual valor, porém
fraco; o bambara tem um corpus muito mais importante
que seu status e o francês conhece a situação inversa:

90 - ♦
80 - francês
70 -
60 J
50
40 J
30 - songhai
20 - peul bambara
10 - tamasheq

0 -
0 10 20 30 40 50 60 70
As línguas do Mali

Qual pode ser a utilidade destes gráficos? Eles


nos permitem fazer uma leitura imediata da relação
entre status e corpus para cada uma das línguas e as­
sim avaliar a situação linguística do país. Se conside­
rarmos, de fato, que de maneira geral é desejável que
uma língua possua um status correspondente a seu
corpus, temos três situações teóricas:
1. a das línguas que se encontram na diagonal (ou
seja, as línguas para as quais status = corpus). E
claro que elas podem se situar mais no alto ou
menos no alto nessa diagonal, dependendo de sua
condição de língua de unificação nacional (corpus
próximo do valor máximo: o árabe no Marrocos)
ou regional (o peul e o songhai no Mali);
54 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

2. a das línguas que se encontram acima da dia­


gonal (como o francês no Mali e, de maneira
menos clara, no Marrocos) e que possuem um
status superestimado;
3. a das línguas que se encontram abaixo da
diagonal (como o berbere no Marrocos) e que
têm, portanto, um status insuficiente.
Tal visualização da situação linguística de um país
pode assim:
1. servir de base para a reflexão sobre o planeja­
mento linguístico: percebem-se de imediato as con­
tradições ou a coerência entre os graus de uso e de
reconhecimento das línguas em contato;
2. permitir representar, no plano diacrônico, a
evolução esperada de uma situação após a in­
tervenção planej adora.
Em outros termos, temos aqui um instrumento que
permite apresentar um diagnóstico e formular objetivos.
Utilizando um exemplo extremamente teórico, o
da República Centro-Africana, que adotou uma “lei
fixando a política de reorganização linguística da Re­
pública”, segundo a qual o francês e o sango passaram
a ser as duas línguas oficiais do país. E possível avaliar
a situação dessas línguas, em termos de grau de uso e
de grau de reconhecimento, no momento da indepen­
dência do país e após a intervenção dessa nova políti­
ca linguística:
• No momento da independência, o francês (no
gráfico: francês 1960) tinha um grau de reco­
nhecimento máximo, única língua de admi­
nistração, de escolarização etc. e um grau de
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 55

uso que pode ser estimado em torno de 10 %


de falantes, enquanto o sango (sango 1960)
tinha um grau de reconhecimento nulo e um
grau de uso que pode ser estimado em aproxi­
madamente 80% dos falantes.
• No ano 2000, se a política pretendida tiver
efeito, pode-se estimar o francês com um grau
de uso em ascendência devido ao progresso
da escolarização (hipoteticamente em 20%,
pela necessidade da demonstração), o sango
igualmente em progresso (90 %), com as duas
línguas dividindo entre si o status (50/50); o
que possibilitaria o seguinte gráfico:

100
90 francês 1960
80
70
60
50
40 francês 2000 sango 2000
30
20
10 sango 1960
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Corpus

República Centro-africana

Percebe-se que, nesta hipótese, o francês desceria


e o sango subiria para a linha diagonal, mas que, ain­
da assim, a situação não correspondería ao desejável
(corpus = status). Se o corpus do francês aumentasse,
o lugar da língua se aproximaria da diagonal, mas para
56 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

que o sango fizesse o mesmo deslocamento seria ne­


cessário aumentar o seu status (em detrimento do
francês). A avaliação sociolinguística termina aqui e
entramos no domínio das escolhas da República Cen-
tro-Africana: dar, por exemplo, ao sango um status
semelhante a seu corpus implicaria tirar do francês
seu status de língua oficial e isso levanta outros pro­
blemas que não são da alçada do linguista.
Contudo, e isto conduz agora ao grau de funcio­
nalidade, se diante de tal gráfico um país decidisse
intervir sobre o grau de reconhecimento de uma lín­
gua, para tentar aproximá-la de seu grau de uso, sur­
ge a questão de saber se tal língua está equipada para
preencher essa função. Como delimitar essa noção de
grau de funcionalidade? Nesse caso, o melhor é partir
da ideia de Fasold de que certas funções implicam cer­
tos atributos. Mas Fasold expunha o problema em ter­
mos estatísticos: tal língua possui ou não esse ou aquele
atributo e portanto pode ou não preencher determina­
da função. Meu ponto de vista é muito mais dinâmico
e pode ser formulado da seguinte maneira: se quere­
mos que tal língua preencha tal função, o que é preci­
so fazer então para equipá-la? Utilizando um exemplo
simplista: é evidente que para introduzir uma língua
no sistema de ensino (ou seja, transformá-la em lín­
gua de escolarização), é necessário primeiramente dar-
lhe uma transcrição, alfabética ou outra, dar-lhe uma
norma, forjar uma terminologia gramatical etc. E isso
nos conduz a reflexões eminentemente práticas sobre
a relação qualidade/preço desse equipamento ou so­
bre a relação custo/benefício. Se temos, por exemplo,
diante do que eu chamaria de um “gráfico de avalia­
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 57

ção da situação linguística”, inúmeras possibilidades


de política linguística (aumentar o grau de reconheci­
mento de uma, duas, inúmeras línguas, por exemplo),
um dos critérios de escolha a ser levado em conta po­
dería ser a relação entre custo da operação e o benefí­
cio social decorrente.
Nos exemplos mencionados acima, fiz referên­
cia, para ilustrar a utilização desse gráfico no do­
mínio da política linguística, a uma ação sobre o
grau de reconhecimento das línguas. Mas evidente­
mente o contrário também é possível, e pode-se as­
sim tomar a decisão de intervir no grau de uso das
línguas. Os grupos minoritários que lutam pela so­
brevivência da sua língua, criando, por exemplo,
escolas privadas nas quais ela seja ensinada, empe­
nhando-se em transmiti-la às crianças etc., não fa­
zem nada além de tentar agir sobre o grau de uso
dessa língua. Isso significa que temos dois estágios
sucessivos de reflexão: a escolha de um tipo de ação
(sobre o reconhecimento ou sobre o uso) e a deter­
minação do equipamento necessário à língua no
domínio da funcionalidade. Entretanto, mais uma
vez, isso já não está no âmbito da análise sociolin-
guística, mas no das decisões políticas.
Percebe-se que essas proposições são largamente
programáticas e que convém agora seguir a reflexão e
a experimentação com base nestes dois pontos:
• Como medir, de maneira unívoca, o grau de uso
e o grau de reconhecimento de uma língua?
• Como determinar, de maneira precisa, o que
constitui a funcionalidade de uma língua?
58 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Conclusão
De modo mais geral, os modelos tipológicos que
apresentamos neste capítulo estão longe de esgotar o
que conviria saber sobre uma situação para pensar
uma eventual política linguística. De fato, para elabo­
rar um modelo capaz de elucidar a complexidade das
situações, seria conveniente considerarmos diferentes
fatores, dos quais a lista seguinte nos dá uma idéia:
1. Dados quantitativos: quantas línguas e quantos
falantes para cada uma delas.
2. Dados jurídicos: status das línguas em conta­
to, reconhecidas ou não pela Constituição,
utilizadas ou não na mídia, no ensino etc.
3. Dados funcionais: línguas veiculares (e sua
taxa de veicularidade), línguas transnacionais
(faladas em diferentes países fronteiriços); lín­
guas gregárias, línguas de uso religioso etc.
4. Dados diacrônicos: expansão das línguas, taxa
de transmissão de uma geração a outra etc.
5. Dados simbólicos: prestígio das línguas em
contato, sentimentos linguísticos, estratégias
de comunicação etc.
6. Dados conflituais: tipos de relações entre as
línguas, complementaridade funcional ou con­
corrência etc.
Podemos perceber que se é fácil, por um lado, me­
dir ou delimitar os quatro primeiros tipos de fatores
desde que, evidentemente, sejam feitas as pesquisas ne­
cessárias, por outro, os dois últimos são mais comple­
xos e, sobretudo, difíceis de introduzir em um modelo
dicotômico. Mas, pelo afa de apresentar esquemas bem
AS TIPOLOGIAS DAS SITUAÇÕES PLURILÍNGUES 59

construídos, corremos o risco de sacrificar a precisão


em prol da elegância. A grade de Chaudenson, por
exemplo, integra com facilidade os fatores quantitati­
vos e jurídicos, mas não deixa nenhum espaço aos fa­
tores simbólicos ou conflituais. As propostas de Fasold
integram os dados funcionais e, em certa medida, sim­
bólicos, mas não dão conta do fator diacrônico. De
fato, todas as propostas de Ferguson, Stewart e Fasold
apresentam uma visão estática das situações que, no
entanto, estão em evolução perpétua, tanto no plano
estatístico (número de falantes, índice de transmissão
etc.) quanto no plano simbólico. Ora, a avaliação prévia
à determinação da política linguística deve necessaria­
mente levar em consideração as evoluções em curso.
Por isso é bem provável que surjam novos modelos, mais
completos, mais eficazes, passando, talvez, por outra
abordagem. Pode-se, por exemplo, imaginar um modelo
informatizado que, alimentado regularmente com no­
vos dados, fomeceria “on line" uma avaliação dinâmi­
ca das situações.
Vê-se que a reflexão sobre as situações de plurilin-
guismo nos remete à língua de maneira muito mais
rica. Não se trata mais, nesse caso, de agir sobre o
“corpus" para lutar contra empréstimos ou para mo­
dernizar a língua, por exemplo, mas para torná-la
funcional, a fim de que possa desempenhar o papel
que se espera que ela desempenhe do ponto de vista
do status. E essa passagem do ponto de vista do corpus
ao do status, mesmo que essa dicotomia seja muitas
vezes difícil de ser mantida (corpus e status estão fre­
quentemente muito imbricados, o grau de equipamen­
to de uma língua, por exemplo, estando em relação
60 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

direta com sua função social), é um testemunho da


evolução paralela da ciência linguística: a política
linguística e o planejamento são tributários da teoria
na qual foram concebidos.
Mas qualquer que seja o modelo utilizado, ainda
subsiste o problema de saber de quais meios dispomos
para intervir sobre a língua e sobre as línguas. São
esses meios que apresentaremos no capítulo seguinte.
CAPÍTULO III

OS INSTRUMENTOS DO
PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO

Uma ação planejada sobre a língua ou sobre as


línguas nos remete ao seguinte esquema: consideram-se
uma situação sociolinguística inicial (Sl), que depois
de analisada é considerada como não satisfatória, e a
situação que se deseja alcançar (S2). A definição das
diferenças entre SI e S2 constitui o campo de interven­
ção da política linguística, e o problema de como passar
de SI para S2 é o domínio do planejamento linguístico.
Apresentadas desta maneira, as coisas podem
parecer simples. Entretanto, vimos no capítulo ante­
rior os problemas que a descrição e a tipologia das
situações sociolinguísticas apresentavam quando da
escolha de uma política linguística. Neste capítulo,
abordaremos os problemas decorrentes dessas esco­
lhas. A partir do momento em que um Estado se preo­
cupa em administrar sua situação linguística, apre­
senta-se o problema de saber de que meios ele dispõe
para isso. Como intervir na forma das línguas? Como
modificar as relações entre as línguas? Quais são os
62 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

processos que permitem passar de uma política linguís­


tica, estágio das escolhas gerais, ao estágio da imple­
mentação, do planejamento linguístico ?

I - O equipamento das línguas


Pode parecer estranho aplicar o termo “equipa­
mento” às línguas, sobretudo depois que nos distan­
ciamos de uma concepção instrumental da língua,
como fizemos no primeiro capítulo. Entretanto, este
termo é absolutamente apropriado, principalmente
se nos lembrarmos do primeiro sentido do verbo equi­
par: “Prover uma embarcação do necessário para cum­
prir serviço ou realizar missão, guarnecer”. De fato,
se todas as línguas são iguais aos olhos dos linguis­
tas, essa igualdade se situa num nível de princípios,
isto é, num nível extremamente abstrato. Mas, na
realidade, todas as línguas não podem cumprir, igual­
mente, as mesmas funções. Por exemplo, é claro que
uma língua ágrafa não pode ser veículo de uma cam­
panha de alfabetização, que se terá dificuldades em
ensinar informática numa língua que não disponha de
vocabulário computacional, ou ensinar gramática
numa língua que não disponha de uma taxonomia
gramatical, que uma língua falada por uma ínfima
minoria da população de um país dificilmente poderá
ser escolhida como língua de unificação desse país
etc. Se, entretanto, por razões políticas, se desejar
utilizar essas línguas nessas funções, será necessário
reduzir seus déficits, equipá-las para que possam
desempenhar seu papel.
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 63

A escrita

O primeiro estágio desse equipamento é dar um


sistema de escrita às línguas ágrafas, o que implica,
em primeiro lugar, estabelecer uma descrição fonológi-
ca da língua e conhecer o sistema de sons a transcre­
ver. Em seguida, será necessário escolher um tipo de
escrita: alfabética ou não-alfabética e, no primeiro caso,
que tipo de alfabeto? Esta escolha não é simples. Apro­
ximadamente um quarto da humanidade utiliza, por
exemplo, um sistema não-alfabético: o dos caracteres
chineses. Quando se tornou necessário transcrever as
línguas africanas, longas discussões opuseram os de­
fensores do alfabeto latino aos que defendiam o alfabe­
to árabe ou uma grafia autóctone. Essas discussões ti­
nham, evidentemente, um substrato ideológico: por um
lado, há uma estreita ligação entre a expansão dos sis­
temas de escrita e a expansão das religiões (o alfabeto
árabe está ligado ao Islã, o alfabeto latino é percebido
como associado à cristandade), e por outro lado o alfa­
beto latino era visto por alguns como um traço simbóli­
co da época colonial. Mas, diante desses dois sistemas
absolutamente estranhos à África negra, havia tam­
bém os sistemas gráficos autóctones: silabários em geral
recentes que, aos olhos de seus partidários, tinham a
vantagem de constituir escritas autônomas e de assegu­
rar a identidade africana1. Esses sistemas tinham tam­
bém um conteúdo científico: o alfabeto árabe, por exem-1

1. Vide: Pathé Diagne, “Transcription et harmonisation des


langues africaines au Sénégal”, comunicação à reunião “La transcripton
etl’harmonisation des langues afriacaines”, Niamey (Nigéria), 17 a 21
de julho de 1979.
64 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

plo, não permite notar as vogais das línguas africanas


e o alfabeto latino é, nesse aspecto, mais preciso, mais
eficaz etc. Esses debates levarão a decidir em favor do
alfabeto latino, ao menos temporariamente, em 1966,
quando a Unesco reuniu em Bamako um conjunto de
especialistas. Trataremos dessa reunião no capítulo
seguinte.
Considerando todos esses pontos, vê-se que o
planejamento linguístico passa primeiramente por
uma descrição precisa da língua; em seguida, por uma
reflexão sobre o que se espera de um sistema de es­
crita. Será necessário, por exemplo, escolher uma or­
tografia de tipo fonológico, na qual a cada fonema
corresponda um grafema ou, se se preferir, a cada
som uma letra? Ou, ao contrário, será necessário
escolher uma ortografia de tipo etimológico, na qual
a forma geral de uma palavra nos dará informações
sobre sua história e sobre a família na qual está
inserida? No primeiro caso, as palavras francesas
temps (tempo), taon (mutuca) e tant (tanto) poderão
ser grafadas como tã. No segundo caso, se destacará
o fato de que, mesmo utilizando letras aparentemen­
te inúteis, a grafia temps apresenta a vantagem de
reportar ao latim tempus e às palavras temporaire
(temporário) ou temporiser (temporizar)...
E só depois dessa fase técnica e científica, em
que a língua estará equipada no plano gráfico, que se
passa à fase prática: divulgar o sistema de escrita
selecionado, através de abecedários, manuais, da or­
ganização de campanhas de alfabetização, da intro­
dução da língua recém-transcrita no sistema escolar,
no meio gráfico etc.
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 65

O léxico

Outro problema é o do léxico. O desenvolvi­


mento das ciências e das técnicas, a multiplicação
das comunicações especializadas fizeram com que
hoje em dia apenas algumas línguas veiculem a
modernidade com a ajuda de um vocabulário pró­
prio; as outras línguas se contentam em tomar em­
prestado esse vocabulário. Dessa forma, a tendên­
cia atual é falar de informática utilizando um voca­
bulário em inglês. De maneira mais ampla, existem
milhares de línguas que permitem diariamente a
milhões de falantes comunicar-se de maneira
satisfatória em seu ambiente social tradicional, mas
que são incapazes de assegurar uma comunicação
científica. Seria, por exemplo, uma situação delica­
da apresentar a teoria da relatividade numa língua
indígena da Amazônia. Isso pode não ter, certamen­
te, nenhuma importância, já que se um índio wayana
da Guiana quiser, por exemplo, se especializar em
estudos nucleares, ele o fará em francês ou em in­
glês. Mas uma política linguística também pode de­
cidir equipar determinada língua para utilizá-la no
ensino de matemática ou de medicina.
Isso nos remete a outro domínio do planejamen­
to linguístico: o da terminologia, no qual a principal
atividade é a criação de palavras, ou a neologia. Tra-
ta-se aqui de determinar as necessidades, de repertoriar
o vocabulário existente (empréstimos, neologia espon­
tânea), de avaliá-lo, de eventualmente melhorá-lo, de
harmonizá-lo e de, depois, divulgá-lo sob a forma de
dicionários terminológicos, de bancos de dados etc.
66 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Esse procedimento pode, então, responder a dois obje­


tivos muito diferentes:
• Pode-se tratar de equipar uma língua para que
ela possa cumprir uma função que até então
não cumpria. É o problema com que se con­
frontaram os países do norte da África, quan­
do se decidiram por uma política de arabiza-
ção, ou da Indonésia, quando ela decidiu subs­
tituir, na função oficial, o holandês pelo malaio.
• Pode-se tratar também de lutar, no quadro de
uma língua já equipada, contra os emprésti­
mos, de substituir um vocabulário alienígena
por um vocabulário endógeno. Esse é o pro­
blema com que se enfrentam o Québec ou ain­
da as comissões de terminologia criadas nos
diferentes ministérios franceses.
Nos dois casos, entretanto, vemos a importância
(mencionada a propósito da escrita) da descrição das
línguas e da análise dos seus processos de criação lexical:
uma palavra não é forjada aleatoriamente, é necessário
respeitar, ao mesmo tempo, o “gênio” da língua e os
sentimentos dos seus falantes. Portanto, a terminologia
implica, por um lado, um conhecimento preciso dos
sistemas de derivação, de composição da língua, um
inventário das raízes etc. e, por outro, implica que as
palavras criadas, os neologismos, sejam aceitos pelos
falantes, isto é, que sejam em primeiro lugar aceitáveis.
Porque um neologismo pode ser refutado (este, aliás, é
um caso muito frequente; os especialistas em termino­
logia produzem muito mais termos que ninguém jamais
utilizará do que termos que “pegam”), seja porque ele
não corresponde aos gostos linguísticos dos falantes,
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 67

que ele não “agrade”, seja porque entra em concorrên­


cia com palavras já em uso, produtos da neologia es­
pontânea ou de empréstimo a outra língua.
Em francês, por exemplo, se uma palavra como
logiciel se impôs sem dificuldade no lugar do termo in­
glês software, se uma palavra como remue-méninges en­
tra poeticamente em concorrência com brainstorming,
nada garante que baladeur, tir d’angle, tir passant,
restovite ou prêt-à-monter substituirão, respectivamen­
te, walkman, comer, passing shot, fast-food ou kit2. Esses
neologismos parecem ir contra um uso já estabelecido.
Veremos nos capítulos seguintes diferentes exem­
plos desse tipo de ação.

A padronização

Quando um país decide promover uma língua


para determinada função, ele pode ter de encarar uma
situação de dialetação. Isso significa que essa língua
pode ser falada de maneira diferente por toda a ex­
tensão do território, com uma fonologia diferente, um
vocabulário e uma sintaxe parcialmente diferentes.
Impõe-se então o problema de saber qual será a forma
que exercerá a função escolhida pelos decisores. Mes­
mo nesse caso, há também diferentes soluções: pode-
se selecionar uma das formas em presença ou então
forjar uma forma nova a partir das formas existen­
tes. O primeiro caso remete a um sistema autoritário,
ou a um centralismo jacobino, quando se escolhe, por

2. Exemplos extraídos do Dictionnaire des termes officiels de la


langue française, Direction des joumaux officiels, Paris, 1994.
68 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

exemplo, o dialeto da capital. No segundo caso, faz-se


necessária uma descrição precisa das variedades dia­
letais para se tentar criar uma forma intermediária,
uma espécie de lugar-comum dos diferentes falares,
que será posteriormente difundida por diferentes meios
(mídia, escola etc.). Esse problema aparece primeira­
mente no nível da grafia: como transcrever uma pala­
vra pronunciada de diferentes formas pelo território
de maneira que todos a reconheçam? Em seguida, no
nível do léxico: qual variante conservar quando o mes­
mo objeto ou a mesma noção não são nomeados da
mesma maneira nas diferentes formas dialetais? Por
fim, há a questão da sintaxe quando, por exemplo, é
preciso escolher a norma que será ensinada.
No capítulo iv, apresentaremos um caso concre­
to de padronização, a propósito da elaboração da lín­
gua oficial da República Popular da China.

Do “in vivo ”para o “in vitro ”

As intervenções que acabamos de mencionar so­


bre a transcrição das línguas, seu léxico ou sua padro­
nização implicam que se pode mudar a língua. Ora, as
línguas sempre mudaram, porém mudaram de outra
maneira: sem intervenção do poder, sem planejamento.
Quando se estuda a história da escrita, por exem­
plo, verifica-se que na lenta evolução que vai dos pri­
meiros cuneiformes mesopotâmicos aos silabários e
depois aos alfabetos, é a prática social, em resposta às
necessidades sociais, que desempenhou o papel mo­
tor. Da mesma maneira, o léxico das línguas sempre
esteve em mutação, através da neologia espontânea
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 69

ou do empréstimo. Sempre que novas realidades pre­


cisaram ser nomeadas, elas o foram sem dificuldades:
assim, a invenção da eletricidade se fez acompanhar
da criação da palavra eletricidade, construída sobre
uma raiz latina, e o surgimento de um novo esporte, o
futebol, se fez acompanhar do empréstimo à língua
inglesa da palavra football. Enfim, quando se conside­
ra o número de línguas existentes na superfície do glo­
bo (entre 4 e 5 mil, com uma média de 30 por país),
tem-se a impressão de que estão dadas todas as condi­
ções para que as pessoas não se compreendam. Con­
tudo, apesar da multiplicação das línguas ser conside­
rada por alguns como a maldição de Babel, a comuni­
cação funciona em todos os lugares.
Isso porque há dois tipos de gestão das situações
linguísticas: uma que procede das práticas sociais e
outra da intervenção sobre essas práticas. A primei­
ra, que denominaremos de gestão in vivo, refere-se ao
modo como as pessoas resolvem os problemas de co­
municação com que se confrontam cotidianamente.
Essa gestão resulta em “línguas aproximativas” (os
pidgins), ou ainda em línguas veiculares que são “cria­
das” (como o munukutuba, no Congo) ou “promovi­
das”, isto é, uma língua já existente que tem suas fun­
ções ampliadas (como o bambara no Mali, o wolof no
Senegal ou o inglês no mundo). Em ambos os casos,
seja a comunicação assegurada graças à “criação” ou
à “refuncionalização” de uma língua, isso não tem nada
a ver com uma decisão oficial, com um decreto ou uma
lei: tem-se aqui, simplesmente, o produto de uma práti­
ca. Aliás, essa prática não resolve apenas os problemas
do plurilinguismo. Dessa forma, todo dia, em todas as
70 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

línguas do mundo, aparecem palavras novas para desig­


nar coisas (objetos ou conceitos) que a língua ainda não
designava. Essa neologia espontânea foi particularmente
ativa nas línguas africanas, na época colonial. Com efei­
to, as sociedades colonizadas se deparavam com tecno­
logias (o automóvel, o trem, o avião), com estruturas (a
administração, o hospital), com funções (oficial, médico,
governador) importadas do Ocidente e que precisavam
ser nomeadas. Pode-se, portanto, estudar o modo como
uma população se vale de sua competência linguística
para forjar novas palavras que designem novas noções.
Por exemplo, na língua bambara (no Mali) criou-se es­
pontaneamente, para designar a bicicleta, o neologismo
négéso (“cavalo de ferro”). Para designar trem, utiliza-se
a forma negesira (“estrada de ferro”), que pode ser anali­
sada como um neologismo ou como um decalque do
modelo francês, e para designar o gelo dispõe-se de um
empréstimo do francês, glasi, e de um neologismo, jikuru
(numa tradução literal, jikuru seria “pedra de água”).
Mas estamos tratando neste livro de outra abor­
dagem dos problemas do plurilinguismo ou da neologia:
a do poder, a gestão in vitro. Em seus laboratórios,
linguistas analisam as situações e as línguas, as des­
crevem, levantam hipóteses sobre o futuro das situa­
ções linguísticas, propostas para solucionar os proble­
mas e, em seguida, os políticos estudam essas hipóte­
ses e propostas, fazem escolhas, as aplicam. Essas duas
abordagens são extremamente diferentes e suas rela­
ções podem, às vezes, ser conflituosas se as escolhas
in vitro forem no contrapé da gestão in vivo ou dos
sentimentos linguísticos dos falantes. Será, por exem­
plo, difícil impor a um povo uma língua nacional que
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 71

ele não queira ou que não acredite ser uma língua,


mas um dialeto. Seria igualmente pouco coerente ten­
tar impor para essa função uma língua minoritária,
se já existir uma língua veicular amplamente utiliza­
da. Ou ainda, é por vezes difícil impor a uma parte da
população uma língua majoritária se esta não a deseja
(é o caso, por exemplo, do wolof na Casamansa*, Sene­
gal, certamente a língua veicular dominante, mas que
é rejeitada por uma parte da população).
Os instrumentos de planejamento linguístico
aparecem portanto como a tentativa de adaptação e de
utilização in vitro de fenômenos que sempre se manifes­
taram in vivo. E a política linguística vê-se então diante,
ao mesmo tempo, dos problemas de coerência entre os
objetivos do poder e as soluções intuitivas que são fre­
quentemente postas em prática pelo povo, bem como
do problema de certo controle democrático, a fim de
não deixar os “decisores” fazerem o que bem entendam.

II - O ambiente linguístico
Quando se caminha pelas ruas de uma cidade,
quando se desembarca num aeroporto ou quando se
liga a televisão em um quarto de hotel, recebe-se imedia­
tamente um certo número de informações sobre a situa­
ção linguística através das línguas utilizadas nos carta-

‘ Casamansa (em francês: Casamance) é uma região no sudoeste do


Senegal, entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau. Por causa de sua posição
relativamente isolada do resto do país, existe um desejo de autonomia
dessa região. Esse território pertenceu a Portugal durante 350 anos, até
passar ao domínio francês em 1908. Sendo limítrofe com a Guiné-Bissau,
ali também se fala um crioulo de base portuguesa (n. da tradução).
72 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

zes, na publicidade, nos programas de televisão, na mú­


sica etc. Mas, ao mesmo tempo, quando se estuda de
perto uma situação sociolinguística e se conhecem bem
as línguas e as variantes linguísticas em contato, consta­
ta-se que muitas delas não aparecem nessas mídias.
E essa presença ou ausência das línguas sob a for­
ma oral ou escrita na vida cotidiana que chamamos de
ambiente linguístico. Pode-se, por exemplo, elaborar uma
geografia de Nova York a partir das línguas que podem
ser lidas nas placas de lojas (inglês, chinês, italiano,
árabe etc.) e acompanhar, também, as mudanças em
curso através das variações desse ambiente. Dessa for­
ma, à medida que se aproximava a data da retrocessão
pela Grã-Bretanha de Hong Kong à China (1997), foi
possível perceber uma progressão da presença do chi­
nês e uma regressão da do inglês no ambiente linguístico
de Hong Kong no decorrer dos anos 1990.
A situação de Nova York, de Hong Kong ou de qual­
quer outra capital, rica em informações, está relaciona­
da ao in vivo, mas o planejamento linguístico pode tam­
bém intervir in vitro sobre ela. De nada adianta, na reali­
dade, prover uma língua de um alfabeto se ele não apare­
ce na vida cotidiana dos falantes dessa língua. Assim, as
placas indicando o nome das ruas, os sinais de trânsito,
as placas dos carros, os cartazes publicitários, os progra­
mas de rádio ou televisão são lugares privilegiados de
intervenção para a promoção das línguas. Um viajante
que desembarcasse nos anos 1990, por exemplo, no ae­
roporto de Bilbao ou de Barcelona, após vinte anos de
ausência, se surpreendería com a presença da língua basca
no primeiro caso e do catalão no segundo, presença que
se deve, evidentemente, a uma intervenção planejadora
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 73

sobre o ambiente linguístico, a uma conquista ou recon­


quista desse ambiente por línguas que haviam sido ex­
cluídas. Da mesma maneira, entre 1970 e 1980, as ruas
de Argel conheceram, do ponto de vista do ambiente grá­
fico, uma mudança total: o árabe substituiu o francês em
todas as situações evocadas acima. E essa marcação de
território, seja produto de práticas espontâneas ou de
práticas planejadas, nos fornece um instrumento de lei­
tura semiológica da sociedade: entre as línguas em conta­
to há aquelas que são expostas e outras que dificilmente
se fazem notar; e isso está vinculado a seu peso sociolin-
guístico e a seu futuro.
E por essa razão que o planejamento linguístico agirá
sobre o ambiente, para intervir no peso das línguas, na sua
presença simbólica. Mais uma vez, a ação in vitro utiliza os
meios da ação in vivo, inspira-se nela, mesmo que dela se
diferencie ligeiramente. Entre a prática espontânea de um
açougueiro norte-africano que afixa em seu estabelecimen­
to em Paris a sua razão social em árabe, por exemplo, e a
intervenção dos poderes públicos exigindo que essa razão
social seja também indicada em francês, que ela seja então
traduzida, pode-se observar aí a vontade de manifestar
uma identidade através da língua (neste caso, uma língua
escrita) e duas abordagens diferentes desta busca
identitária: uma passando pelos comportamentos espon­
tâneos e outra pela intervenção da lei.
Mas a função dessa marcação de território é a
mesma nos dois casos. Uma inscrição em árabe, chi­
nês ou hebraico nas ruas de Nova York ou de Paris cons­
titui uma mensagem em dois níveis. Primeiramente, no
nível da denotação, a mensagem limita consideravelmente
seus receptores potenciais (somente os que sabem ler es­
74 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

sas línguas podem decodificar a mensagem). Mas, ao


mesmo tempo, no nível da conotação, a inscrição cons­
titui outro tipo de mensagem: mesmo quem não sabe
ler árabe ou chinês pode, entretanto, reconhecer esses
sistemas gráficos, cuja presença desempenha, nesse caso,
um papel simbólico, um papel de testemunho. Assim,
a inscrição em cima da porta de um restaurante, que
indica em chinês “restaurante cantonês”, diz duas coi­
sas. Por um lado, diz àqueles que sabem ler chinês, “este
é um restaurante cantonês” e diz, por outro lado, àque­
les que não sabem ler chinês, “isso é chinês”. E se mui­
tas lojas, uma ao lado da outra, afixam sua razão social
em chinês, a coexistência dessas inscrições dirá “esta é
uma rua chinesa” ou “este é um bairro chinês”. Esse
duplo nível de leitura nos mostra a importância do meio
gráfico. Quando o Estado toma a decisão de intervir
nesse domínio, a língua que é afixada pode não ser lida
pela maioria das pessoas (isso depende, evidentemente,
do grau de alfabetização da população), mas ela é per­
cebida, entretanto, como o que ela é: uma língua escri­
ta; e sua presença simboliza, logicamente, uma escolha
política. No capítulo v, veremos um exemplo desse tipo
de intervenção com o caso da arabização nos países da
África do Norte.

Ill - As leis linguísticas


Quando uma decisão é tomada, uma opção é esco­
lhida, é preciso fazer com que ela se encaixe nos fatos.
Ao contrário da gestão in vivo, na qual a mudança se
propaga na prática dos falantes por uma forma de con­
senso que é necessário estudar com precisão, a gestão
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 75

in vitro deve, por sua vez, se impor aos falantes e, para


isso, o Estado dispõe essencialmente da lei.
A lei é, segundo o dicionário, uma “regra imperati­
va imposta às pessoas a partir de fora”. O que significa
que as leis não se aplicam aos objetos, aos bens, mas ao
uso que os homens fazem desses objetos, desses bens.
Para dar um exemplo simplista, uma lei não pode impe­
dir prédios de se incendiarem ou proibir o dinheiro de
desaparecer, mas pode proibir as pessoas de pôr fogo nos
prédios ou de roubar o dinheiro. Além disso, o direito só
pode intervir sobre o que é juridicamente definível. Des­
se ponto de vista, é possível questionar o sentido da no­
ção de lei linguística ou de direito linguístico. A língua
pode ser objeto de lei?3 O que é certo é que os Estados
intervém frequentemente no domínio linguístico, respon­
dendo a esta pergunta de maneira prática e evitando o
debate teórico, mas eles intervém de fato nos comporta­
mentos linguísticos, no uso das línguas. Isso ocorre por­
que as políticas linguísticas são geralmente repressoras e
precisam, por essa razão, da lei para se impor: não existe
planejamento linguístico sem suportejurídico.
Faz-se necessário distinguir, neste momento, entre
inúmeras concepções de leis linguísticas. Há, de fato:
• As leis que se ocupam da forma da língua,
fixando, por exemplo, a grafia ou intervindo
no vocabulário por meio de listas de palavras.
• As leis que se ocupam do uso que as pessoas
fazem das línguas, indicando qual língua deve

3. Ver a esse respeito R. Rouquette, “Le droit et la qualité de la


langue”, in J.-M. Eloy (org.), La qualitéde la langue ?Le cas du français.
Paris: Champion, 1995.
76 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

ser falada em dada situação ou em dado mo­


mento da vida pública, fixando, por exemplo,
a língua nacional de um país ou as línguas de
trabalho de uma organização.
• As leis que se ocupam da defesa das línguas,
seja para assegurar-lhes uma promoção maior
(internacional, por exemplo), seja para protegê-
las como se protege um bem ecológico.
Evidentemente é possível aprofundar-se ainda mais
nos detalhes das legislações linguísticas e tentar elaborar
uma tipologia. Joseph Turi4, por exemplo, propôs uma
classificação relativamente complexa, que faz primeira­
mente uma distinção entre as legislações linguísticas estru­
turais (que intervém no status das línguas) e as legislações
linguísticasfuncionais (que intervém na utilização das lín­
guas). Entre estas últimas, ele faz em seguida uma dis­
tinção entre as legislações linguísticas oficiais (que inter­
vém no uso oficial das línguas), legislações linguísticas
institucionais (que tratam do uso não-oficial das línguas),
as legislações linguísticas padronizadoras ou não-
padronizadoras, as legislações linguísticas majoritárias (que
protegem as línguas de uma maioria) e as legislações lin­
guísticas minoritárias (que protegem as línguas de uma
minoria) etc. Tudo isso, como se vê, é extremamente com­
plicado, mas como a lei é um dos principais instrumen­
tos do planejamento linguístico, faz-se necessário pôr um
pouco de ordem nessa profusão.
Distinguiremos as leis linguísticas, inicialmente,
segundo seu campo de aplicação geográfica. Dessa for­

4. Joseph Turi, “Le pourquoi et le comment du droit


linguistique”, in Langage et Societé, n° 47, 1994, Ottawa.
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 77

ma, existem as legislações internacionais que fixam as


línguas de trabalho das organizações internacionais
(ONU, Unesco, Corte Internacional de Justiça etc.) ou
que protegem as minorias linguísticas (como a Declara­
ção sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias
nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas, adotada pe­
las Nações Unidas em 1992), legislações nacionais (que
se aplicam dentro dos limites de um Estado) e legisla­
ções regionais (por exemplo: na Catalunha, na Galiza,
no País Basco). E já se pode logo imaginar que apare­
çam contradições e oposições entre esses três níveis.
Num segundo momento, é preciso fazer uma distin­
ção segundo o nível de intervenção jurídica. Em al­
guns casos, a situação linguística é definida pela pró­
pria Constituição. É o caso da Espanha, por exemplo,
que no artigo 3 de sua Constituição de 1978 distingue
entre a língua oficial do Estado (castelhano) e as lín­
guas oficiais das comunidades autônomas (o basco, o
catalão, o galego). Em outros casos, a situação linguís­
tica é definida por uma lei (nacional ou regional), e há
casos em que ela é, enfim, definida por recomenda­
ções, resoluções, cuja força de lei é menor, visto que o
nível de intervenção jurídica condiciona sua eficácia.
Se uma lei linguística nacional pode ser, de acordo com
os casos e as escolhas, incitativa ou imperativa, uma
resolução tomada por uma organização internacional
tem pouca chance de ser aplicada fora dos casos em
que se trata de uma legislação interna, visando, por
exemplo, fixar as línguas de trabalho dessa organiza­
ção. Quando se conhece a incapacidade de um orga­
nismo como a ONU ou a Comunidade Européia dian­
te de problemas mais importantes, só é possível consi­
78 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

derar suas intervenções no domínio da proteção das


minorias linguísticas como brincadeiras de criança.
Tudo isso pode ser resumido no quadro abaixo:

Nível de intervenção

geográfico jurídico

internacional constituição
nacional lei
regional decretos
resoluções
recomendações

Modo de intervenção

incita tivo imperativo

Conteúdo da intervenção

forma das línguas uso das línguas defesa das línguas

Mas este quadro geral não esgota todos os pro­


blemas da intervenção jurídica sobre a língua e sobre
as línguas nem os efeitos colaterais desta intervenção.

Nomeara língua

Segundo a Bíblia, Deus criou o mundo e nomeou


seus constituintes. Entretanto, desde então, os homens
não pararam de renomear o mundo: os nomes dos
povos, os nomes dos lugares não pararam de variar,
de acordo com as invasões ou alternâncias de poder.
Desse modo, há uma constante valsa toponímica e
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 79

etnonímica, que pode testemunhar uma aproximação


fonética (quando na África, por exemplo, a língua bã-
mana transformou-se em bambara, ou o pulaar se tor­
nou peul), uma alusão pejorativa (quando os índios
Shuars são chamados pelos espanhóis àejibaros, isto
é, camponeses) e às vezes um desejo identitário (quan­
do o Congo Belga se tornou Zaire e, depois, República
Democrática do Congo). Rainer Enrique Hamel perce­
be nessas práticas “a expressão de políticas linguísti­
cas que existem desde que os seres humanos se orga­
nizaram em sociedade e ampliaram suas relações de
contato, de troca e de dominação diante de outras so­
ciedades que eram cultural e linguisticamente diferen­
tes”5. De fato, nessa matéria, a política linguística co­
meça realmente quando se renomeia, e um dos efeitos
das leis linguísticas pode se manifestar simplesmente
no nome que o texto jurídico dá às línguas. Acabamos
de observar que, de acordo com a Constituição espa­
nhola, a língua oficial do Estado é o castelhano, e esta
denominação para uma língua que todos chamam de
espanhol já constitui um fato de política linguística.
De fato, ao sugerir relações entre a língua e uma re­
gião do país, Castela, evidencia-se que não há corres­
pondência termo a termo entre o país, a Espanha, e a
língua, o castelhano (ex-espanhol). Ao tornar-se ofici­
almente “castelhano”, o espanhol não mudou, conti­
nua a mesma língua. Mas se castelhano denota a mes­
ma coisa que espanhol, ele conota algo completamente
diferente. Da mesma maneira, na Indonésia, o malaio,

5. Rainer Enrique Hamel, “Políticas y planificación dei lenguaje:


una introduction”, in Iztapalapa, n° 29, 1993, México.
80 AS POLlTICAS linguísticas

ao tornar-se língua oficial, foi rebatizado de bahasa


indonésia (língua indonésia), com o mesmo tipo de
variações conotativas. É de se prever que inúmeras
línguas, atualmente tratadas de modo genérico como
crioulos, venham a ser, nos próximos anos, rebatizadas:
haitiano, reunionês, guineano, martiniquês, cabo-
verdiano* ou mauriciano; e a função de cada denomi­
nação será revalorizar simbolicamente essas formas
linguísticas e insistir na sua dimensão identitária.

NomearasJunções

Outro efeito dessas leis está na denominação das


funções das línguas. Língua nacional, língua oficial,
língua regional, língua “própria”; encontram-se nos
textos legais numerosos qualificativos que fazem refe­
rência às funções da língua ou das línguas e que nem
sempre têm o mesmo sentido. Se, para um francês, os
adjetivos “nacional” e “oficial” aplicados à língua po­
dem parecer sinônimos, na África francófona eles têm
sentidos muito diferentes: a língua “oficial” é a língua
do Estado, geralmente o francês (co-oficial com o in­
glês em Camarões e com o sango na República Centro-
Africana), enquanto as outras línguas “nacionais” são
algumas línguas africanas ou todas as línguas africa­
nas do país. Desse modo, no Senegal, ao lado do fran­
cês, língua “oficial”, a lei distingue seis línguas “nacio­
nais” (o wolof, o serere, o diola, o mandinga, o peul e

‘ De fato, confirmando a previsão do autor, o antigo “crioulo


do Cabo Verde” passou a ser oficialmente denominado kabuverdianu
(n. da trad.).
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 81

o soninkê) dentre as cerca de vinte línguas faladas no


país. Em Camarões, em contrapartida, ao lado das
duas línguas “oficiais”, todas as línguas africanas fa­
ladas no território do país, mais de duzentas, são con­
sideradas línguas nacionais. E esses dois exemplos nos
mostram que a denominação das funções da língua
pela lei tem repercussões evidentes sobre as possibili­
dades de política linguística. E possível imaginar, de
fato, uma política linguística que trate, como no
Senegal, de seis línguas nacionais, mas é difícil conce­
ber uma política linguística que englobe duzentas lín­
guas. Seria particularmente impossível introduzir to­
das elas na escola... Mas essa distinção entre línguas
oficiais e línguas nacionais não é a única praticada na
África. O artigo 7 da Constituição da Mauritânia esti­
pula, por exemplo, que:
• o árabe é a língua oficial do país;
• o hassaniya, o pulaar, o saracolê e o wolof são
as línguas nacionais;
• o francês e o inglês são as línguas de abertura.
Enfim, em certos casos, a lei não escolhe entre
essas diversas possibilidades. Assim, a Constituição
francesa determinou, desde 1992, que “o francês é a
língua da República”, sem determinar se ela é a língua
oficial ou nacional.

Princípio de territorialidade ou de personalidade?

Todos sabem que hoje em dia não há necessaria­


mente coincidência entre uma língua e as fronteiras
de um Estado. Sabe-se, também, que há línguas que
são faladas em um território menor que o do Estado
82 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

(o bretão na França, o galego na Espanha), que há lín­


guas cujo território se sobrepõe às fronteiras interes-
tatais (o basco ou o catalão entre a França e a Espanha),
que há, enfim, línguas que são dominantes em vários
Estados. Existem também os impérios linguísticos
(francófono, anglófono, hispanófono, lusófono,
arabófono...). Mas, como mencionamos, a política lin­
guística continua tendo, na grande maioria das vezes,
uma dimensão nacional: ela intervém em um territó­
rio delimitado pelas fronteiras. Ora, existem outros
casos possíveis: as diásporas e os grupos de migrantes,
por exemplo, que não se definem pelo território que
ocupam mas, sobretudo, por sua dispersão. Foi isso
que levou a distinguir, nas políticas linguísticas, entre
o princípio de territorialidade e o princípio de perso­
nalidade. No primeiro caso, é o território que deter­
mina a escolha da língua ou o direito à língua: apren­
de-se o catalão numa escola da Catalunha, o holandês
na parte flamenga da Bélgica etc. É esse o princípio
que estava na base da reforma do ensino empreendida
na Guiné durante o governo de Seku Turé e abando­
nada em seguida6. No segundo caso, a pessoa que per­
tence a um grupo linguístico reconhecido tem o direito
de falar sua língua, não importa em que ponto do ter­
ritório: por exemplo francês ou holandês em Bruxe­
las, inglês ou francês no Canadá etc. Ou ainda, um
estrangeiro vivendo na França tem o direito a um in­
térprete diante de um tribunal. A escolha entre os dois
princípios tem repercussões sobre o futuro das lín­

6. Ver L.-J. Calvet, La guerre des langues et les politiqu.es


linguistiques. Paris: Payot, 1987, pp. 176-180.
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 83

guas, e também sobre a gestão do país. O princípio de


territorialidade aplicado na Suíça, por exemplo, garantiu
um futuro melhor ao romanche, mas o princípio da
territorialidade não garantiu a mesma situação ao ga­
lés no País de Gales.
Mas essas situações (Bélgica, Suíça, País de Gales)
são relativamente simples se comparadas às de países
extremamente plurilíngues como o Senegal, por exem­
plo. Ali são faladas mais de vinte línguas, seis das quais
são consideradas “nacionais” (wolof, serere, mandin-
ga, peul, diola, soninkê), às quais é preciso acrescentar
a língua “oficial”, o francês. Se no futuro fosse tomada
a decisão de promover as línguas nacionais a novas fun­
ções (função de ensino, por exemplo), seria necessário
escolher entre dois grandes tipos de soluções:
1. Poderia se tomar a decisão de que o wolof, o
peul, o diola etc. seriam ensinados nas regiões
do país onde são dominantes como línguas
maternas, isto é, dividir o território em seis
regiões de ensino. Foi a decisão escolhida na
Guiné de Seku Turé. A dificuldade está no fato
de que um wolof que more na região do rio
Senegal deverá ser escolarizado em peul, que
um diola que more em Dakar será escolarizado
em wolof, e que (o inverso) um wolof morando
na Casamansa será escolarizado em diola etc.
2. Poderia se tomar a decisão de que os falantes
das seis línguas oficiais teriam direito a um
ensino na sua língua onde quer que se encon­
trassem. Mas a dificuldade estaria na neces­
sidade de abrir escolas para peuls, para wolofs,
para mandingas etc., e ainda assegurar em
84 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

todas as escolas um ensino nas seis línguas.


Imagine-se o custo da operação, ainda que às
vezes seja possível combinar o princípio de
territorialidade e o princípio de personalidade.
Dessa forma, o princípio de personalidade é
aplicado em todo o Canadá, enquanto o prin­
cípio da territorialidade só é aplicado no
Quebec. Mas neste caso há somente duas lín­
guas em jogo e as coisas seriam muito mais
complexas com seis, dez ou vinte línguas.

O direito à língua

Tratamos até aqui do direito linguístico, ou seja,


da intervenção da lei no domínio da forma, do uso ou
da defesa das línguas. No que concerne à forma e ao
uso, a lei, se for aplicada, constrange o cidadão. Ela o
obriga, por exemplo, a falar uma língua em determina­
da situação e de determinada maneira. Por outro lado,
quando se trata da defesa das línguas, a lei pode cons­
tranger as instituições: entramos aqui no campo do di­
reito que os indivíduos têm a uma língua. Num primei­
ro momento, a expressão “direito à língua” nos remete
à proteção das minorias linguísticas, e o próprio fato
de se falar em proteção mostra até que ponto elas estão
ameaçadas. Mas há também, mundo afora, um grande
número de países nos quais os cidadãos não falam a
língua do Estado. E, particularmente, o caso dos países
africanos nos quais a língua oficial (inglês, francês ou
português) é muito pouco falada, ou dos países da Áfri­
ca do Norte nos quais o árabe oficial tem pouca relação
com o árabe falado e menos ainda com o berbere.
OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO 85

Essas situações dão outro sentido à expressão


“direito à língua”. O fato de não falar a língua do Es­
tado priva o cidadão de inúmeras possibilidades so­
ciais, e consideramos que todo cidadão tem direito à
língua do Estado, isto é, que ele tem direito à educa­
ção, à alfabetização etc. Mas o princípio de defesa das
minorias linguísticas faz com que, paralelamente, todo
cidadão tenha direito a sua língua. Assim, a situação
de um francês bretão não é a mesma de um marroquino
que fale o berbere: o primeiro fala, de todo modo, o
francês e reivindica o direito à sua língua (o bretão);
quanto ao segundo, pode ser que ele não fale nem leia
o árabe oficial, encontrando-se duas vezes prejudica­
do (porque sua língua não é reconhecida e porque ele
não domina a língua reconhecida).
Portanto, uma política linguística pode dar conta
ao mesmo tempo do direito à língua do Estado e do
direito do indivíduo à língua mas, como no caso dos
princípios de territorialidade e de personalidade, isso
será proporcionalmente mais difícil quanto mais nu­
merosas forem as línguas em jogo.

Conclusão
Seja para equipar as línguas, intervir no ambien­
te linguístico ou para legislar, o planejamento linguís­
tico constitui in vitro uma espécie de réplica dos fenô­
menos produzidos continuamente in vivo. A linguísti­
ca nos tem ensinado que as línguas não podem ser
decretadas, mas que são produtos da história e da
prática dos falantes, que elas evoluem sob a pressão
de fatores históricos e sociais. E, paradoxalmente,
AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS
86

existe o desejo de intervir nesses processos, de querer


modificar o curso das coisas, de acompanhar a mu­
dança e atuar sobre ela.
Essa pretensão pode parecer enorme. Mas as re­
lações entre o in vivo e o in vitro que acabamos de
mostrar e o fato de que o planejamento linguístico, de
certa forma, “imita” o curso natural da evolução das
línguas nos mostram que o primeiro instrumento do
planejamento linguístico continua sendo o linguista.
Se a política linguística é, em última análise, da alça­
da dos decisores, nenhuma decisão pode ser tomada
sem uma descrição precisa das situações (problema
visto no capítulo anterior), do sistema fonológico,
lexical e sintático das línguas em contato etc., e
tampouco sem que se levem em consideração os senti­
mentos linguísticos, as relações que os falantes estabe­
lecem com as línguas com as quais convivem diaria­
mente. A política tem sido definida como a arte do
possível. Aplicada à política linguística, essa proposi­
ção evidencia o papel fundamental do linguista. E ele
que pode indicar o que é tecnicamente possível fazer e
o que será psicologicamente aceitável pelos falantes.
Toda a arte da política e do planejamento linguísticos
está nessa complementaridade necessária entre os ci­
entistas e os decisores, nesse equilíbrio instável entre
as técnicas de intervenção e as escolhas da sociedade.
CAPÍTULO IV

A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA


(O CORPUS)

Quando propõem uma intervenção na forma da


língua, as políticas linguísticas podem ter diferentes ob­
jetivos: fixação de uma escrita, enriquecimento do léxi­
co, luta contra as influências estrangeiras (“purificação”)
padronização etc. Neste capítulo, apresentaremos, bre­
vemente, alguns exemplos desses tipos de intervenção.

I - O problema da língua nacional na China


A ideia de que se fala o “chinês” na China é sin­
gularmente redutora. Além das línguas minoritárias,
em torno de cinquenta, faladas por cerca de 5% da
população, existe um vasto conjunto composto por oito
línguas diferentes, as do grupo han: a língua do Norte,
o wu, o xian, o gan, o min do Norte, o min do Sul, o yuê
e o hakka1, elas mesmas divididas em mais de 600
dialetos locais. Isso significa que o país está longe de
ser linguisticamente unificado: ainda que todos os hans
utilizem o mesmo sistema de escrita, eles não pronun-1

1. Ver A. Rygaloff, Grammaireélémmtairedudiúwis. Paris: PUF, 1973.


68 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

ciam os caracteres da mesma maneira, não têm a mes­


ma sintaxe; em suma: os chineses não se compreendem
entre si de um canto a outro do país, quando falam sua
língua materna. E por isso que a língua do Norte (bati­
zada, nessa função, deguan hua} foi logo utilizada como
língua veicular da administração, como língua do fun­
cionalismo público. Paralelamente, esse funcionalismo
público utilizava uma língua escrita clássica, normatiza-
da, o wenyan, que se diferenciava do baiyan, língua de
literatura popular, do teatro etc.
Em 1919, durante o movimento de 4 de Maio, os
estudantes e os intelectuais conclamaram os escritores a
substituir a forma escrita clássica do chinês, o wen yan
(considerado como símbolo da ordem antiga), pelo bai
hua (mais próximo da língua falada, mais familiar).
Oralmente, sobrepondo-se às línguas locais, a língua uti­
lizada na administração do Estado continuava a se di­
fundir. Tratava-se sempre do guan hua (“língua dos fun­
cionários” ou “língua dos mandarins”), conhecida no
Ocidente pelo nome de mandarim* (palavra criada so­
bre o verbo português mandar), O movimento de 4 de
Maio, naturalmente em favor do bai hua no que concerne
à língua escrita, reclamava também a emergência de uma
língua de unificação, o guo yu (“língua nacional”). Foi
depois da revolução comunista de 1949 que se instalou o
problema da normalização dessa língua de unificação,
doravante chamada pu tonghua (“língua comum”)2, que

* A verdadeira etimologia de mandarim é o termo sânscrito


mantri, “conselheiro de Estado”, que passou para o malaio como
mantari. Pode ter havido uma confluência desse étimo com o verbo
português mandar, mas é só uma hipótese (n. da trad.).
2. A denominação guo yu foi conservada em Taiwan, razão
pela qual os comunistas a mudaram.
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 89

foi definida em 1956 em relação a sua pronúncia (de


Pequim), a seu léxico (dos dialetos do Norte) e a sua
sintaxe (da literatura em baihua).
A partir daí, a forma dessa língua sofre diversas
intervenções, principalmente no domínio da escrita.
A partir de 1955,o governo socialista publicou uma
lista de 515 caracteres e 54 partículas simplificadas,
a fim de facilitar, através da redução do número de
traços, a aprendizagem da escrita3. Em seguida, em
1958, criou-se um sistema de latinização da língua, o
pinyin, com uma função normalmente auxiliar: aju­
dar na aprendizagem dos caracteres, servir ao ensino
do chinês como língua estrangeira, redigir os telegra­
mas etc. Mas, ao mesmo tempo, numerosos indícios
apontavam para uma possível intenção do Estado de
substituir gradualmente os caracteres por essa trans­
crição. Sobre isso, uma frase de Mao era continua­
mente citada: “Nossa língua escrita deve ser reforma­
da, ela deve seguir no rumo da fonetização comum a
todas as línguas do mundo”4. Em 1977, no entanto,
uma nova lista de caracteres simplificados foi
publicada, dando então a entender que a nova versão
se dirigia mais uma vez à reorganização da escrita clás­
sica. Mas essa reforma foi abandonada devido à pres­
são de um movimento de opinião no qual o escritor Pa
Kin desempenhou um papel de destaque. Esse movi­

3. Ver L.-J. Calvet, La guerre des langues et les politiques


linguistiques. Paris: Payot, 1987, pp. 225-233.
4. W. Lehmann (orgj. Language and Linguistics in the People’s
Republic of China. Austin: University of Texas Press, 1975, p. 51;
Zhou Youguang, “Modernization of the Chinese Language”, in
International Journal of the Sociology of Language, n° 59, 1986.
90 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

mento defendia que uma modificação muito grande da


escrita acabaria desfigurando e perdendo uma parte
importante da herança cultural han. Não é sempre que
um poder autoritário como o da China recua dessa
maneira, e esse episódio confirma o que foi apresenta­
do no capítulo anterior: é difícil impor in vitro uma
reforma rejeitada in vivo. Essa oscilação entre duas hi­
póteses, reformar os caracteres ou substituí-los por um
sistema de base fonética, não é somente técnica. A
especificidade da situação linguística chinesa faz com
que, às custas de algumas mudanças, todos os chineses
possam ler esses caracteres e possam (graças a esses
caracteres) escrever tanto o pu tong hua como sua lín­
gua materna, seja o hakka, o wu etc. A mudança para o
pin yin mudaria radicalmente essa situação, visto que
uma transcrição fonética só pode considerar uma úni­
ca língua e essa seria naturalmente a língua oficial.
Assim, por trás de um debate sobre a escrita, delineia-
se um outro, muito mais importante, que diz respeito
ao futuro linguístico do país: a manutenção desses
caracteres garantiría, em certa medida, a sobrevivência
das línguas han, e a passagem à romanização seria, evi­
dentemente, a imposição de uma língua (o pu tony hua).
De modo mais amplo, a política de desenvolvi­
mento do pu tong hua criou, em grande parte do país,
uma verdadeira situação de bilinguismo: as crianças,
por exemplo, aprendem primeiro a língua que seus
pais lhes transmitem (que continua sendo chamada
oficialmente de “dialeto”) e adquirem, em seguida, o
pu tong hua (mais frequentemente na escola). Essa lín­
gua oficial está naturalmente submetida à influência
dos falares locais:
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 91

O putonghua, tal como falado pelos bilíngues, sofre quase sem­


pre distorções mais ou menos graves, que atingem seu sistema
fonológico. Por exemplo: certos traços fonológicos do putonghua
e as diferenciações que eles permitem não existem nos dialetos,
incluindo os dialetos do tipo Norte5.

Para difundir uma língua uniformizada, o governo


dispõe de certo número de meios: a televisão, o cinema, a
escola... Mas a escola desempenha seu papel imperfeita­
mente; muitos dos professores dão aula em “dialeto”,
seu conhecimento do pu tonghna é insuficiente etc. Acres­
centemos a isso o fato de essa língua não desfrutar de
um movimento de adesão popular. Se as pessoas do Nor­
te, sobretudo as de Pequim, a falam sem muitas dificul­
dades (mas os pequineses representam menos de 1 % da
população), o resto da população han prefere utilizar suas
próprias línguas e deixa transparecer nessa utilização
fortes sentimentos identitários. Assim, em duas das três
maiores cidades do país, Xangai e Cantão, a situação do
pu tong hua não é exatamente a de uma língua nacional
aceita por todos.

Em Xangai, o putonghua é pouco falado na escola; nos serviços


públicos, o sentimento xenófobo em relação àqueles que não
falam o shangayen se manifesta de tal forma que chega a ser
alvo de ataque nos jornais (...) Quanto a Cantão, é evidente
que o problema da língua (a preferência linguística dos habitan­
tes) está relacionado com os inúmeros contatos econômicos e
comerciais entre os habitantes da cidade e os de Hong Kong.
Por isso tudo, a utilidade pragmática do cantonês é incompará­
vel. Nos trabalhos que mais atraem os jovens (aqueles que os
colocam em contato com pessoas que vêm de Hong Kong)

5. Yang Jian, “Problèmes de chinois contemporain”, in J. Maurais


(org.), La crise des langues. Paris: Robert, Governo do Québec, 1985, p. 421.
92 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

exige-se dos empregados um domínio perfeito do cantonês,


além de um relativo domínio do inglês e do putonghua6.

Podemos observar que a política de difusão de uma


língua nacional na China esbarra em muitas dificulda­
des. Algumas não são novas e poderão ser resolvidas
com o tempo. A situação linguística da França na épo­
ca da Revolução, por exemplo (muito semelhante à si­
tuação da China de hoje), não impediu que a língua
francesa se impusesse, em dois séculos, como língua
única. Mas a principal dificuldade da China, bastante
específica, reside no fato de se tratar de um país muito
grande. Será que é possível mudar pela lei, por decre­
tos, pela administração, em suma, por meio do plane­
jamento linguístico, as práticas linguísticas de um bi­
lhão e trezentos milhões de pessoas que falam tantas
línguas diferentes? Só o futuro poderá responder a esta
pergunta, mas se imaginarmos que, paralelamente, uma
língua como o inglês se difunde sem problema pelo
mundo com uma função veicular, a comparação das
duas situações parece indicar que a ação in vitro tem
certos limites. Se, como sugerimos, o planejamento
linguístico constitui in vitro uma “imitação” dos fenô­
menos de mudanças in vivo, essa tendência mimética
talvez tenha seus limites e impossibilidades. Desse ponto
de vista, o exemplo chinês contribui para a reflexão
teórica e podemos nos perguntar, como no célebre prin­
cípio de Peter (segundo o qual todo empregado tende,
em uma hierarquia, a chegar até seu nível de incompe­
tência), se as políticas linguísticas não estão destinadas a
alcançar um dia ou outro seu grau de ineficácia.

6. Yang Jian. art. cit., p. 424.


A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 93

Voltaremos a essa hipótese a propósito de outros


estudos de caso.

II - Intervenção no léxico e na ortografia de


uma língua: o exemplo do francês

Para defender sua língua, a França dispõe de es­


truturas antigas (como a Academia Francesa) e de ou­
tras mais recentes (como a Delegação Geral para a Lín­
gua Francesa) e intervém essencialmente no domínio
da terminologia. Essas intervenções se manifestam prin­
cipalmente por textos legislativos, decretos ou leis.

Os “decretoslinguísticos”

A partir do início dos anos 1970, foram criadas,


nos diferentes ministérios franceses, “comissões de ter­
minologia” encarregadas de elaborar, em seus respecti­
vos domínios, o vocabulário adequado. Entre 1973 e 1993,
é possível contar 48 portarias em campos variados como
as técnicas espaciais, o turismo, o audiovisual, a publici­
dade, a agricultura e os idosos. Em 1994, a Delegação
Geral para a Língua Francesa reuniu, sob a forma de um
dicionário (JDictionnaire des termes officiels de la langue
française), o conjunto de termos e expressões “aprova­
dos” (é a formulação oficial) por esses decretos.

As leis linguísticas

Ao contrário de países como a Noruega, a França


promulgou pouquíssimas leis linguísticas que dizem
94 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

respeito à língua francesa. A primeira delas, em um


período mais recente, é a lei de 31 de dezembro de 1975
relativa ao emprego da língua francesa, conhecida como
“lei Bas-Auriol”, substituída depois pela “lei Toubon”.
Em seguida, veio a lei constitucional de 25 de junho de
1992, acrescentando à Constituição um título: “Das
comunidades europeias e da União Européia”. Esta lei,
adotada pelo Congresso (reunião das duas assembléias)
e tendo por objetivo modificar a Constituição com o
objetivo de permitir a assinatura dos acordos de
Maastricht, acrescenta, na primeira alínea do artigo 2
da Constituição de 4 de outubro de 1958, a seguinte
frase: “A língua da República é o francês”. Até essa data,
não havia nada na Constituição que definisse o papel
da língua francesa na França. Em seguida, vieram duas
leis com importâncias diferentes:
— A lei “Tasca”. Elaborada em 1993 pela Secre­
taria de Estado para a Francofonia e para as
Relações Culturais no Exterior, essa lei seria
adotada em 17 de março de 1993 pelo último
Conselho de Ministros do governo Bérégovy e
nunca foi apresentada ao Parlamento: as elei­
ções legislativas subsequentes provocaram
uma mudança de maioria e de governo. No
entanto, ela é mencionada aqui porque consti­
tui o modelo da lei apresentada abaixo.
— A lei de 4 de outubro de 1994, ou “lei Toubon”.
Adotada em 23 de fevereiro de 1994 pelo Con­
selho de Ministros, suscitou uma vasta polê­
mica na opinião pública e na imprensa inter­
nacional (que, de maneira geral, zombou da
França). Em 27 de julho de 1994, depois de
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 95

um recurso protocolado pelo grupo socialista


da Assembléia Nacional, o Conselho constitu­
cional anulou muitos artigos e disposições da
lei, por julgá-los contrários ao artigo 11 da
Declaração dos direitos do homem e do cida­
dão. Seu objetivo era originalmente regulamen­
tar o uso da língua francesa para todos os ci­
dadãos e foi limitado, após a intervenção do
Conselho constitucional, apenas aos funcioná­
rios no exercício de sua função. A lei intervi-
nha essencialmente em cinco domínios:
• o mundo do trabalho (contratos etc.);
• as relações de consumo (publicidade em francês);
• o ensino (obrigatoriamente em francês);
• o audiovisual (francês obrigatório nos progra­
mas e na publicidade);
• os colóquios, congressos etc. (todo participan­
te francês deve se expressar em francês).

A ortografia

Os franceses têm uma relação estranha com a


ortografia de sua língua: reclamam sempre de suas
dificuldades e incoerências, mas, ao mesmo tempo,
não permitem que ela seja modificada. Talvez seja por
isso que as intervenções do Estado nessa matéria te­
nham sido sempre extremamente prudentes e come­
didas. Existe um decreto de 26 de fevereiro de 1901
“relativo à simplificação do ensino da sintaxe france­
sa” que dá, simplesmente, uma lista de exceções orto­
gráficas e especifica que “nos exames ou concursos
dependentes do Ministério da Instrução Pública, que
96 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

comportem provas especiais de ortografia, não seja


considerado como erro por parte dos candidatos o uso
das exceções indicadas”...
Essas exceções são em número limitado:
• Aceitação do singular ou do plural nas cons­
truções onde o sentido permite a compreen­
são ides habits de femme ou de femmes, its ont
ôté leur chapeau ou leurs chapeaux).
• Aceitação de dois gêneros para palavras como
amour, orgue, gens, hymne...
• Aceitação da ausência do hífen nas palavras
compostas (pommede terre ou pomme-de-terre).
• Algumas exceções em relação à concordância
nominal (por exemplo: se fairefort, forte ou forts,
nu pieds ou nus pieds, demi ou demie heure...).
• Algumas exceções em relação à concordância
do verbo precedido de vários sujeitos ou de
um sujeito coletivo (le chat ainsi que le tigre
sont des carnivores ou est un carnivore, un peu
de connaissances suffit ou suffisentf
• No caso de um particípio passado construído
com o auxiliar avoir e seguido de um infinitivo
ou de um outro particípio, aceitação da for­
ma invariável: les sauvages que Von a trouvé ou
trouvés errant dans les bois.
Percebe-se que essas exceções eram muito mode­
radas, mas quem frequentou uma escola francesa sabe
que elas foram muito pouco aplicadas. Particularmente
em exercícios de ditado, o professor geralmente espe­
ra dos alunos que eles reconstituam as formas gráfi­
cas que ele está ditando e não está muito preocupado
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 97

O problema será retomado no início dos anos


1990. Em 19 de junho de 1990, o Conselho Superior
da Língua Francesa enviou ao primeiro-ministro um
relatório, realizado a seu pedido, contendo algumas
proposições de retificação da ortografia7:
• substituição do hífen pela aglutinação em certas
palavras (portemonnaie, millefeuille, pingpongetc.);
• plural de palavras compostas seguindo o mo­
delo das simples (un pèse-lettre, des pèse-lettres,
un cure-dent, des cure-dents etc.);
• simplificação do uso do acento grave e do acen­
to circunflexo;
• o caso particular de laisser no particípio pas­
sado seguido de um infinitivo, que passou a
ser invariável (elle s’est laissé mourirje les ai
laissé partir);
• finalmente, a grafia de algumas palavras foi
retificada em função de alguns princípios de
coerência interna (charriot no lugar de chariot)
e de simplificação (nénufar no lugar de
nenuphar) etc.
O grupo de trabalho que elaborou esse texto to­
mou algumas precauções: trabalhou com a Academia
Francesa, consultou o Conselho de Língua Francesa do
Québec e o Conselho da Língua e da Comunidade Fran­
cesa da Bélgica. Contudo, não consultou nem os suíços,
nem os africanos. Mas o status dessas modificações
ortográficas é extremamente ambíguo. De fato, o texto
difundido pela direção dos diários oficiais se intitula

7. “Les rectifications de 1’ortographe”, in Journal officiel de la


République française, n° 100, 6 de dezembro de 1990.
AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS
98

“As retificações da ortografia”, o que deixa entender que


para as palavras em questão há, doravante, uma forma
antiga e uma retificada, Mas o primeiro-ministro, ao re­
ceber em junho de 1990 esse relatório, declarou:

O governo nunca pensou em legislar nessa matéria: a língua


pertence a seus falantes, que não deixam de tomar, todo dia,
liberdades com as normas estabelecidas. Mas é atribuição do
governo fazer aquilo que está em sua alçada para favorecer o
uso que pareça mais satisfatório — neste caso, esse que os se­
nhores propõem8.

E no próprio texto do relatório havia uma hesi­


tação estilística entre, de um lado, uma apresentação
em termos de propostas ou recomendações e, de outro,
o enunciado de regras, no tom imperativo que convém
a esse gênero.
E impossível saber se as modificações serão acei­
tas pelos falantes, e isso não vem ao caso aqui. Por
outro lado, é interessante comparar o tom dos dois
textos que acabamos de citar. No primeiro capítulo
deste livro, fizemos uma distinção geral entre o plane­
jamento indicativo (que se fundamenta na combina­
ção entre diferentes forças sociais) e o planejamento
imperativo (que implica a socialização dos meios de
produção). Essa distinção fazia referência ao planeja­
mento econômico, mas pode ser igualmente aplicada
ao planejamento linguístico. Desse ponto de vista, deve-
se destacar que, em matéria de língua, o Estado fran­
cês passou, em quatro anos, de um tipo de planeja­
mento ao outro. O texto de 1990 sobre as retificações
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 99

da ortografia é típico do planejamento indicativo: ele


não tem força de lei, contenta-se em fazer proposições
e espera que elas sejam incorporadas ao uso. Já o tex­
to de 1994 é uma lei que proíbe, por exemplo, o em­
prego de marcas registradas constituídas de uma ex­
pressão ou termo estrangeiro (art. 14), prevendo que
as coletividades ou os estabelecimentos públicos que
não a respeitarem poderão perder todo e qualquer
auxílio do Estado (art. 15), e determina que os ofi­
ciais e os agentes da polícia judiciária estão habilita­
dos a investigar e constatar as infrações (art. 16) etc.
Uma rápida análise poderia relacionar essas di­
ferenças a uma oposição esquerda/direita: foi no go­
verno de Michel Rocard, primeiro-ministro socialista,
que o texto sobre as retificações da ortografia foi pu­
blicado, e foi no governo de Edouard Bahadur, pri­
meiro-ministro de direita, que foi publicada a lei rela­
tiva ao emprego da língua francesa. Assim, em maté­
ria de língua, a esquerda se inclinaria a um planeja­
mento indicativo, da mesma maneira que a direita se
inclinaria para um planejamento imperativo: teríamos
aqui posições inversas àquelas adotadas por essas cor­
rentes políticas no domínio econômico.
Mas a existência de um projeto de lei elaborado
em 1993, por um outro governo socialista (a “lei Tas­
ca”), invalida essa análise. O fato de a lei Toubon ter-se
inspirado em alguns pontos da lei Tasca é interessante,
pois mostra que não há uma oposição entre a posição
de “esquerda” e a posição de “direita” sobre a língua,
mas sobretudo uma posição nacionalista e dirigista de
um lado e uma posição liberal de outro lado. As leis ou
projetos de lei Tasca e Toubon estavam, evidentemente,
100 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

ao lado do dirigismo (mesmo que a primeira fosse mui­


to menos repressiva que a segunda) e do planejamento
imperativo. Já o texto aceito por Michel Rocard estava
do lado do liberalismo e do planejamento indicativo.
Dessa forma, no âmago da política linguística da Fran­
ça coexistem duas posições antagônicas (coexistência
essa que marca a política linguística de outros países
como a Turquia e a Noruega) que é típica da relação
ambígua que os franceses têm com sua língua, hesitan­
do entre a vontade de ordem e a displicência.

As indústrias da língua

No início dos anos 1980, surgiu a expressão “in­


dústrias da língua” para designar o conjunto das no­
vas tecnologias de informação, um cruzamento de
informática, inteligência artificial, ciências cognitivas
e linguística. Trata-se, ou deveria tratar-se, da produ­
ção de objetos (dicionários eletrônicos, corretores or­
tográficos, softwares de processamento de textos, de
tradução automática, bases de dados, bancos de co­
nhecimentos etc.) e produtos linguísticos (neologia,
terminologia...) no quadro de uma pesquisa de ponta
de caráter multidisciplinar.
No início dos anos 1990, a França investiu mui­
to em pesquisa nessa área, seja a pesquisa propria­
mente francesa ou a pesquisa desenvolvida no quadro
das instituições francófonas multinacionais. O desa­
fio era garantir a presença da língua francesa nos pro­
dutos de informática (programas de computador etc.),
nas comunicações modernas (infovias, rede tipo
internet etc.) e também na produção de um vocabulá­
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 101

rio francês no domínio tecnológico para barrar a ten­


dência aos empréstimos ao inglês.

Ill - A fixação do alfabeto bambara no Mali


O bambara (bamanan-kan) é uma língua falada
no Mali e no Senegal, uma variedade de um conjunto
mais vasto, o mandinga, que é dividido em dois grupos:
• o mandinga do oeste, com omandinka da Gâmbia
e da Casamansa e o khassonkê do Mali;
• o mandinga do leste, com o bambara no Senegal
e do Mali, o malinke da Guiné, o jula de Burkina-
Fasso (ex-Alto Volta) e da Costa do Marfim.
Esse conjunto constitui um grupo de falares tão
próximos uns dos outros que se torna difícil classifi­
car o bambara, o malinque ou o jula como línguas
diferentes ou como dialetos de uma mesma língua (o
mandinga). Na época da independência desses paí­
ses, essas línguas não tinham um sistema de escrita
oficial: alguns missionários haviam apenas improvi­
sado transcrições para redigir catecismos. Mas, em
alguns países, diferentes projetos de organização de
campanhas de alfabetização de adultos, em línguas
locais, demandavam uma transcrição precisa. E por
isso que, de 28 de fevereiro a 5 de março de 1966, a
Unesco reuniu em Bamako 35 especialistas em lin­
guística e alfabetização oriundos de cinco países euro­
peus e de nove países africanos9 com o objetivo de con-

9. Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha e URSS; Ca­


marão, Costa do Marfim, Guiné, Alto-Volta, Mali, Niger, Nigéria,
Senegal e Sudão.
102 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

cluir e de unificar as transcrições das línguas da Áfri­


ca Ocidental. O relatório final dessa reunião propunha
seis alfabetos (mandinga, peul, tamasheq, songhay-
zarma, ahusa e kanuri); alfabetos esses que deveriam
ser submetidos à aprovação dos Estados-membros 10. O
alfabeto mandinga se apresentava da seguinte maneira:

abddyeêfggbhikkhkmn nwnyoôprsshttyuwyz.

O acento sobre o “e” e sobre o “o” denotam uma


pronúncia fechada dessas vogais, as vogais longas são
notadas pela duplicação (ii, oo, aa etc.) e as nasais por
um “n” acrescentado à vogal (an, on, in etc.).
Mas nos países onde se falava uma língua man­
dinga, esse alfabeto foi modificado em alguns aspec­
tos. Por exemplo:
• em relação às oclusivas palatais, certos paí­
ses, como o Mali, preferiram as grafias “c” e
“j” àquelas propostas pela Unesco (ty e dy);
• em relação à nasal palatal, o Senegal preferiu
n ao ny proposto;
• em relação às vogais “e” e “o”, as variações eram
ainda maiores, como mostra a tabela abaixo:

e fechado e aberto o fechado o aberto

Bamako 1966 ê e ô 0
Guiné e é 0 õ
Costa do Marfim e £ 0 0
Burkina Fasso e £ 0 □
Mali e é 0 ó
Senegal e é ô 0

10. Documento Unesco/CLT/BALING/, 13 a 16 de setembro


de 1966, p. 3.
A AÇÃO SOBRE A LlNGUA (O CORPUS) 103

Dessa forma, um camponês do Mali que tivesse


aprendido a ler em sua língua reconhecia na grafia ó o
som /o/, correndo o risco de ficar desorientado se lhe
caíssem nas mãos publicações feitas na Guiné ou em
Burkina Fasso (países vizinhos), onde o mesmo som
era transcrito õ ou o. Ele corria o risco também de
confundir o ó, pois no seu país esse sinal gráfico indi­
cava o “o aberto” e o no Senegal indica o “o fechado” (a
diferença de acento não é evidente). Da mesma ma­
neira, o “e aberto”, /e/, era transcrito é na Guiné, no
Mali e no Senegal e na Costa do Marfim e em Burkina
Fasso. E essas variantes eram muito mal recebidas,
impossibilitando, por exemplo, a publicação de ma­
nuais de alfabetização comuns a diferentes países que
partilhavam a mesma língua.
Temos aqui um caso muito particular. É difícil ima­
ginar que, por exemplo, no conjunto dos países
francófonos, a língua francesa seja escrita de diferentes
maneiras, ou que cada um dos diferentes países
hispanófonos adote suas próprias regras ortográficas11.
No entanto, foi essa a situação criada na África Ociden­
tal para determinadas línguas. Os diferentes países nos
quais se falava a mesma língua não tinham um mesmo
alfabeto para essa língua, os mesmos sons não eram trans­
critos da mesma maneira nas diferentes línguas faladas
em um mesmo país. Dessa forma, a reunião da Unesco
de 1996 propunha transcrever as oclusivas palatais ty e
dy para o mandinga ecej para o peul...11

11. Constatam-se, de fato, algumas variantes gráficas entre a


escrita do inglês nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, mas elas não
são padronizadas.
1 04 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

É verdade que em relação ao mandinga, as for­


mas faladas no Mali (bambara), em Burkina Fasso e
na Costa do Marfim Gula) e na Guiné (malinkê) apre­
sentavam diferenças, mas elas não constituíam um
obstáculo à comunicação, e a unificação da ortografia
teria sido um meio de padronizá-las. Cada país, entre­
tanto, estabeleceu seu próprio alfabeto e, no que
concerne ao Mali, um decreto de 26 de maio de 1967
fixou o alfabeto do bambara da seguinte maneira:

a, b, d, j, e. é, f, g, h, i, k, 1, m, n, ny, n, o, ó, p, r, s, sh, t, c, u, w, y, z.

Mesmo assim, todos estavam pelo menos consci­


entes da incoerência de uma situação na qual um mes­
mo som existente nas diferentes línguas não era trans­
crito da mesma maneira. A DNAFLA (Divisão Nacio­
nal de Alfabetização Funcional e de Linguística Apli­
cada) organizou então, em 1978 e 1979, jornadas de
estudos dedicadas ao problema da unificação interna,
isto é, da definição de um alfabeto comum a todas as
línguas do Mali (nove, ao todo). Foi assim que se ela­
borou um “alfabeto para a transcrição das línguas
nacionais do Mali”, adotado em seguida pelo decreto
de 19 de julho de 1982.
Esse alfabeto “comum” pode parecer extrema­
mente complicado: ele é composto de 55 caracteres,
dos quais apenas 19 são comuns a todas as línguas, 4
são comuns a oito línguas e 11 são utilizados apenas
por uma língua (o tamasheq). Em outras palavras, a
homogeneização da transcrição dos sons nas diferen­
tes línguas foi efetivamente realizada, mas se perdeu
a oportunidade de aproveitar a economia que a utili­
zação de dígrafos poderia ter proporcionado. Por exem­
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 105

plo: a partir do momento em que existe no alfabeto


latino um c ou um s e um h, podem-se utilizar os
dígrafos sh ou ch para transcrever o som inicial de
chá, por exemplo. O alfabeto malaio (que tem à dispo­
sição s, c e h) possui, no entanto, um signo fonético
específico para notar esse som, da mesma forma que
o signo y para notar o som que outros escrevem com q
e uma série de letras marcadas para assinalar as ênfa­
ses. Certamente o resultado é de grande precisão, pró­
ximo de uma transcrição fonética, mas ao lado dessa
precisão em relação à articulação dos sons, não é pos­
sível notar os tons do bambara.
E isso levanta um problema importante: de uma
maneira ou de outra, a grande maioria das escritas do
mundo é imperfeita, e essa imperfeição vem da própria
natureza da escrita. De fato, para ser eficaz, um alfabe­
to deve atender a certo número de critérios (por vezes
contraditórios) que precisam ser combinados:
1. Ele deve ser unívoco, isto é, a mesma letra ou
o mesmo grupo de letras deve transcrever sem­
pre o mesmo som e o mesmo som deve ser
sempre transcrito pela mesma letra ou pelo
mesmo grupo de letras (sabemos que não é
esse o caso do alfabeto latino aplicado ao por­
tuguês, ao francês ou ao inglês, por exemplo).
Nessa perspectiva, o alfabeto malaio é coeren­
te, salvo num aspecto: a notação das nasais e
das pré-nasais. As vogais nasais, como men­
cionamos, são de fato notadas com o acrésci­
mo de um “n”: an = /ã/, on = /õ/ etc., mas as
consoantes pré-nasais são notadas precedidas
de um “n”: mb, ns, ng. Ora, como as palavras
1 06 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

compostas são escritas sem hífen, mas com a


união dos elementos entre si, nem sempre é
fácil saber si o “n” pertence a uma vogal nasal
ou a uma consoante pré-nasal. Assim, em uma
sequência como sansabantura, “un touro de
três anos” (san = ano, saba = três, ntura =
touro), corre-se o risco de se fazer uma leitura
decompondo diferentemente os elementos: sa
/nsaban /tura, san/ saban/tura....
2. Ele deve permitir a notação de todos os sons
pertencentes à língua, incluindo os tons; o que
não é o caso do alfabeto malaio: os pares ba
(cabra) e ba (rio),jo (“fetiche”) ejo (“razão”),
gãé (“canhão”) egélé (“mirante”), joli (“san­
gue”) ejoli (“chaga”), fini (“tecido”) e fini (“ces­
to”), entre outros, se escrevem da mesma
maneira, sendo o primeiro elemento de tom
baixo e o segundo de tom alto.
3. Ele deve ser de fácil aprendizado e utilização.
Os pontos 1 e 2 nos mostram que esse não é
absolutamente do caso.
4. Sua aprendizagem deve poder ser reutilizada
(por exemplo: o conhecimento do alfabeto la­
tino, ao preço de algumas mudanças, permite
a leitura do português, do italiano, do espa­
nhol, do francês, do inglês, do alemão etc.).
Percebe-se que pode haver oposição entre a von­
tade de precisão e a busca de uma facilidade de utili­
zação; o problema consiste em encontrar um bom equi­
líbrio. 0 futuro nos dirá se o alfabeto malaio entrou
em uso sem dificuldades, mas esse exemplo nos per­
mite evocar os diferentes problemas inerentes ao es­
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 107

tabelecimento de um alfabeto e de uma ortografia. Os


princípios que aparentemente nortearam a fixação
desse alfabeto são, de certa maneira, contraditórios:
percebe-se um desejo de ficar próximo aos fatos da
língua, manifestado por uma grande precisão na no­
tação das consoantes, desejo esse que desaparece quan­
do se trata da notação dos tons. Mas os pares de pala­
vras que se diferenciam pelo tom são em número limi­
tado, e frequentemente a sintaxe é suficiente para su­
primir a ambiguidade. Assim, é pouco provável que
haja confusão entre um adjetivo como bon (“grosso”,
de tom baixo) e um verbo como bon (“lançar”, de tom
alto), ou entre um verbo como boli (“correr”, de tom
baixo) e um substantivo como boli (“fetiche”, de tom
alto) etc. E isso nos mostra que a escrita não precisa
fazer estritamente a mesma distinção realizada pelo
código oral. Gérard Galtier assinalava que tanto

no código escrito como no código oral, espera-se que cada signo


seja plenamente reconhecível e distinto de outros signos. Mas
os procedimentos utilizados para esse fim são diferentes no
código escrito e no código oral12.

E prosseguia dizendo que se poderia imaginar uma


maneira de distinguir os poucos pares problemáticos
sem notar sistematicamente os tons mediante acentos,
como já fora proposto, mas simplesmente escrevendo
de maneira ligeiramente diferente um dos dois termos.
Não continuaremos esse debate aqui, que pode
parecer excessivamente técnico; o que se percebe é que,

12. G. Galtier, “Problèmes actuels de la transcription du bambara


et du soninké”, comunicação feita à Reunião de especialistas para a trans­
crição e harmonização das línguas africanas, Niamey, julho de 1978.
1 08 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

no momento da fixação de um sistema ortográfico, o


planejador não precisa necessariamente se submeter
às exigências de precisão científica do linguista.
Tal conclusão vale de maneira geral. E preciso
saber para quem e para qual uso a transcrição está
sendo feita, para quem e para qual uso as palavras
são criadas, para quem e para qual uso se padroniza
uma língua. O que significa que a intervenção na for­
ma de uma língua deve estar ligada a uma utilidade
prática e não a uma ideia abstrata que se possa ter.

IV - A “revolução linguística” na Turquia


Dil devrimi, a “revolução linguística”: é assim que
se designa, em turco, o conjunto das reformas realiza­
das pelo regime de Mustafa Kemal Atatürk logo depois
da fundação da República (1923). Naquela época, o tur­
co escrito se transformara em uma língua erudita cheia
de palavras de origem árabe e persa, à qual a grande
maioria da população não tinha acesso e que não trans­
crevia em absolutamente nada a língua falada (com a
qual mantinha quase nenhuma relação). Além disso, o
alfabeto utilizado estava mal adaptado à língua: em turco,
há oito vogais breves e três longas, mas o alfabeto árabe
só permite a notação de três vogais. Devido a isso, o
problema de uma reforma na escrita estava posto ha­
via tempo, mas era praticamente impossível (num Es­
tado muçulmano teocrático) tocar no sistema gráfico
que servira para transcrever o Alcorão.
Os jovens dirigentes que ascenderam ao poder
(leigos, inovadores e marcados pelo modelo europeu)
não podiam aceitar, nesse como em outros âmbitos,
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 109

os vestígios do Império Otomano. Mas a imposição de


uma reforma da escrita que não fosse percebida como
dirigida contra a religião era uma questão muito deli­
cada. Mustafa Kemal Atatürk esperou cinco anos: em
1928, criou uma “comissão linguística” encarregada de
elaborar um novo alfabeto que, alguns meses mais tar­
de (Io de novembro de 1928) foi adotado pela Assem­
bléia Nacional. Na realidade, Atatürk executara previa­
mente um verdadeiro golpe de força ao anunciar, num
discurso de 8 de agosto, que esse novo alfabeto fora
adotado: só restava à Assembléia Nacional ratificá-lo.
Esse alfabeto, adaptado do alfabeto latino, era
produto de uma escolha política e ideológica que ten­
dia a laicizar a língua. Faltava apenas impô-lo, e as
coisas passaram a andar rapidamente: em menos de
dois anos seu uso passou a ser obrigatório em anúnci­
os, documentos administrativos, livros, jornais e, evi­
dentemente, no ensino. O antigo alfabeto desapareceu
ao mesmo tempo em que, paralelamente, se suprimia
o ensino do árabe e do persa nas escolas.
Mas o novo regime turco não pararia por aí. Por
um lado, foram suprimidas as construções gramaticais
árabe-persas de quais estava coalhada a língua escrita;
depois, confiou-se a uma “sociedade de estudo da lín­
gua turca” a tarefa de substituir todo o vocabulário ára-
be-persa por um vocabulário de origem turca. De fato,
a maior parte do vocabulário científico e teórico era
composta de empréstimos do árabe e, num primeiro
momento, foi feito um inventário dos elementos lexicais
disponíveis em turco em sentido amplo:

Por “turco”, os artesãos da “revolução linguística”, entendiam


toda língua, antiga ou moderna, pertencente à família turca:
1 10 AS POLÍTICAS linguísticas

desde a língua das inscrições do Orkhon até os falares vivos do


Turquistão, do Cáucaso, do Volga, da Sibéria etc., passando
pelo Uigur e pelo Tchaghatai, sem esquecer, evidentemente, os
dialetos anatólios e balcânicos13.

Por sua amplitude, esta definição caracterizava


perfeitamente a proposta do poder turco, que se asse­
melhava a um verdadeiro trabalho de purificação, no
sentido que se fala hoje de purificação étnica.
O primeiro resultado desse trabalho, publicado em
1934, foi uma enorme coletânea de formas lexicais de
origem árabe ou persa com seu equivalente em turco14,
seguida de uma lista alfabética de termos turcos; obra
cuja semelhança com o Dictionnaire des termes officiels de
la langue française, publicado em 1994 na sequência do
projeto da lei Toubon, é impressionante. A publicação
dos dados lexicais deveria continuar, e é a partir deles
que se empreendeu um importante trabalho de neologia
que Louis Bazin apresenta em quatro capítulos:
• Exumação de palavras antigas, em geral caídas
em desuso, para substituir os empréstimos ára­
bes ou persas. Por exemplo, o termo azerbaijão
kãnd, “aldeia”, é utilizado (sob a forma kent)
para substituir, com o sentido de “cidade”, o
persa sehir. Eventualmente, um uso muito parti­
cular da etimologia serviu para justificar a ma­
nutenção de um empréstimo. E assim que okul
(escola) era explicado pela raiz oku- (ler) ou que
“social” era justificado pela raiz soy (raça)...

13. Louis Bazin, “La reforme linguistique en Turquie”, in I.


Fodor e C. Hagège (orgs.), La reforme des langues. Hamburg:
Buske,1983, p. 167.
14. TaramaGerdisi (Recueildedépouillement). Istambul: s.e., 1934.
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS)
1 1 1

• Criação de neologismos por derivação de pa­


lavras turcas. Assim, no lugar da palavra ára­
be tahkik (entrevista), que aliás estava em con­
corrência com o termo francês “anket”, foi
construída sonisturma sobre a raiz sor- (ques­
tionar), de onde deriva sucessivamente sorus-
(questionar-se), depois sorustur (entrevistar).
Os especialistas em terminologia chegaram a
dar prova de sua grande engenhosidade. Por
exemplo, para substituir as palavras de origem
árabe myselles (triângulo) e myseddes (hexágo­
no), eles partiram dos números turcos ürc (três)
e alti (seis), acrescentaram um sufixo inventa­
do, mas de consonância turca {-gen) que por
sua vez tinha a vantagem de recordar o sufixo
grego -gone, para criar iicgen et alyigen...
• Criação de neologismos por composição. Foi
assim que “refrigerador” passou a ser chama­
do buzdolabi (de buz, “gelo”, e dolap, “armá­
rio”) ou que o termo de origem árabe
begnelmilel foi substituído por uluslararasi, de
lãus-lar (“os povos”) e ara (“intervalo entre”).
• Empréstimos das línguas europeias. O fato de a
“purificação” do vocabulário turco estar bem
direcionada contra o árabe e o persa fica mais
evidente nos empréstimos que foram feitos de
outras línguas, particularmente do francês. Tem-
se assim frisõr, “cabeleireiro”, restoram, omlet,
ou ainda atom enerjisi, cujo sentido é evidente.
Foi assim que se constituiu (e continua se constitu­
indo, pois o trabalho ainda não se completou) o õz türkçe,
o “turco puro”, expressão que caracteriza perfeitamente
1 12 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

o alvo visado. O resultado desse conjunto de medidas é


resumido por Louis Bazin da seguinte maneira:

A distância entre a língua turco-otomana (escrita) do fim do


século XIX ou do início do século XX e a língua turca “republi­
cana” atual, escrita e ensinada, é a essa altura tão grande que,
mesmo transcritos do antigo sistema árabo-turco no novo alfa­
beto turco-latino, os textos otomanos do último período são,
em sua grande maioria, incompreensíveis para um turco com
menos de 60 anos que não tenha feito cursos especializados (de
nível universitário)15.

Percebe-se que o exemplo turco entra no quadro


de um planejamento absolutamente imperativo, pos­
sibilitado pela existência de uma incontestável vonta­
de de reforma e, sobretudo, de um poder forte. O exem­
plo da Noruega, apresentado abaixo, nos mostrará que
as coisas não se passam da mesma maneira no qua­
dro de países democráticos.

V - A padronização de uma língua:


o exemplo da Noruega
No início do século XIX, depois de trezentos anos
de dominação dinamarquesa (1523-1814), a Norue­
ga passou para a jurisdição sueca, antes de obter a
independência. Nessa época, a situação linguística ca­
racterizava-se pela coexistência do dinamarquês lite­
rário, língua do ensino e da literatura, de uma for-
ma-padrão urbana e de diferentes dialetos rurais, com

15. Louis Bazin, “La réforme linguistique en Turquie”, in I.


Fodor e C. Hagège (orgs.), La réforme des langues. Hamburg: Buske, 1983,
p. 155.
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 113

uma notável dificuldade de intercompreensão entre


a primeira forma e as últimas. Einar Haugen apre­
senta a situação dessa época distinguindo cinco vari­
edades linguísticas:
• o dinamarquês puro, essencialmente utiliza­
do no teatro, no qual dominavam os atores
dinamarqueses;
• a forma-padrão literária, língua da escola, do
templo, que pode ser definido como um dina­
marquês pronunciado com sotaque norueguês;
• a forma-padrão familiar, língua da burguesia,
intermediária entre a forma precedente e a
seguinte;
• a forma-subpadrão urbana, língua das cida­
des, com importantes variantes locais;
• por fim, os dialetos rurais16.
Ao longo daquele século, essa situação vai ser
objeto de numerosas discussões e de numerosas pro­
posições. O debate se cristalizou inicialmente em tor­
no de duas abordagens. Por um lado, Knud Knudsen
(1812-1895) propunha partir da língua falada urba­
na (byfolkets talesprog) para estabelecer uma forma-
padrão, passando para o norueguês a pronúncia dina­
marquesa. Por outro lado, Ivar Aasen (1813-1896)
propunha partir dos dialetos rurais para construir uma
língua norueguesa unificada. Essas duas idéias de lín­
guas foram batizadas de maneiras diferentes. No pri­
meiro caso: dansk (dinamarquês), dansk-norsk
(dinamarco-norueguês) ou rigsmâl (forma paralela ao

16. E. Haugen, Language Conflict and Language Planning, the Case


of ModemNorwegian. Cambridge: Harvard University Press, 1966.
1 14 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

alemão reichssprache); e no segundo caso: norsk (no­


rueguês), national sprog (língua nacional) ou lansmâl.
A dupla rigsmâl/lansmâl vai, por muito tempo, ser a
tradução lexical das posições em presença: o primeiro
termo designava uma língua literária, próxima ao di­
namarquês (hoje chamada bokmâl), e o segundo, o
projeto de língua padronizada a partir dos dialetos
(hoje chamada nynorsk).
A tentativa de padronização da língua vai partir
da grafia: após 1905, quando a Noruega obtém sua inde­
pendência definitiva (dissolução da união com a Sué­
cia), as comissões linguísticas se multiplicam e o Parla­
mento norueguês votará um número impressionante de
reforma ortográficas (1907, 1913, 1916, 1923, 1934,
1936, 1938, 1941, 1945, 1959, 1981) que correspon­
dem, cada uma delas, a opções políticas diferentes. A
reforma adotada em 1938, por exemplo, inspirada pelo
Partido Comunista, que tinha então grande influência,
seria acusada, depois da ocupação alemã, de querer “in­
troduzir a ditadura do proletariado no domínio linguís­
tico”, substituída em 1941 por uma outra grafia supri­
mida em 1945, depois da Libertação. Pode-se, de ma­
neira geral, considerar que os partidários do bokmâl
(língua mais próxima do dinamarquês) se situam mais
à direita no tabuleiro político, enquanto os partidários
do nynorsk (língua inspirada nos dialetos populares) se
situam mais à esquerda.
Duas variedades de norueguês escrito coexistem
ainda hoje, e o Conselho da Língua Norueguesa publi­
ca todo ano certo número de modificações ortográfi­
cas que os manuais escolares devem acolher (eles são
revisados a cada cinco anos). Ensinam-se nas escolas
A AÇÃO SOBRE A LÍNGUA (O CORPUS) 1 15

as duas formas (nynorsk e bokmâl) e se dedica muito


tempo à aprendizagem das formas ortográficas e das
flexões. Mas estamos tratando aqui da língua escrita,
e a situação é sempre mais complicada na língua fala­
da. Desse modo, André Catafago distingue hoje seis
variedades de norueguês:
1. o nynorsk tradicional (conservador);
2. o nynorsk modernizado (radical);
3. o bokmâl tradicional (moderado);
4. o bokmâl modernizado (radical);
5. o norueguês comum (ou samnorsk, espécie de
bokmâl unificado com estruturas nynorsk)-,
6. o riksmâl (variedade não oficial, mais tradicio­
nal ainda que a variedade 3)17.
Essas variedades se distinguem particularmente pela
pronúncia, pelo lugar do acento e por intermináveis de­
bates opondo os defensores de uma norma única àqueles
que defendem o reconhecimento dos fatos dialetais; en­
quanto se publicam regulamente listas de palavras com
menção às diferentes formas de acentuação.
Essa situação, que já dura quase dois séculos,
evidentemente tem origem na vontade de uma parte
da população de construir uma forma linguística que
não seja dinamarquesa e de apagar da língua os traços
da dominação dinamarquesa. Tratava-se da busca de
uma forma identitária que havia se tornado incômo­
da pelo fato de que nem todos os dinamarqueses pos­
suíam a mesma imagem da sua identidade. Mais tar­

17. André Catafago, “Le norvégien: des problèmes mais pas de


crise véritable”, in: Jacques Maurais (org.), La crise des langues. Gover­
no de Québéc /Paris: Robert, 1985, p. 286.
1 1 6 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

de, o debate se transformou ligeiramente: atualmente


não se trata mais de afirmar através de uma unifica­
ção linguística a existência de uma nação norueguesa,
que não é contestada, mas de saber se se quer uma
norma única ou se se admite a pluralidade das for­
mas linguísticas.
De todo modo, essa situação, que pode parecer
excêntrica, nos leva ao princípio que formulamos a
respeito da China, segundo o qual as políticas linguís­
ticas estão destinadas a alcançar, mais cedo ou mais
tarde, o seu grau de ineficácia. Se a situação noruegue­
sa parece bloqueada, evidentemente não é pelas mes­
mas razões: na China, como vimos, o problema é a
imensidão do território e o tamanho da população e,
no caso da Noruega, o problema é a gestão democráti­
ca e as constantes mudanças que ela suscita. Não se
deve concluir com isso que a democracia é um sistema
no qual a política linguística se adapta mal (se a Tur­
quia de Atatürk, onde os objetivos do planejamento
foram alcançados, não representa verdadeiramente um
modelo democrático, não se pode dizer a mesma coisa
da Suíça, que administra o seu plurilinguismo de ma­
neira que satisfaz a todos), mas sim que o constante
questionamento das decisões não facilita, verdadeira­
mente, a prática de uma política linguística, o que sig­
nifica simplesmente que é mais prudente prolongar o
momento da reflexão antes de passar ao estágio do
planejamento.
CAPÍTULO V
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS
(O STATUS)

Nas situações de plurilinguismo, os Estados são le­


vados às vezes a promover uma ou outra língua até en­
tão dominada ou, ao contrário, retirar de uma língua
um status de que ela gozava, ou ainda fazer respeitar um
equilíbrio entre todas as línguas, ou seja, administrar o
status e as funções sociais das línguas em presença. Nes­
te capítulo apresentaremos algumas dessas intervenções.

I - A promoção de uma língua veicular:


o caso da Tanzânia
Tendo se tornado independente em 1964, fruto
da fusão entre a antiga Tanganica e a ilha de Zanzibar,
a Tanzânia é um país de aproximadamente 36 mi­
lhões de habitantes (2000), no qual são faladas apro­
ximadamente 120 línguas que hoje devem ser apre­
sentadas em 3 grupos:
• de um lado, há as línguas primeiras da popu­
lação, em grande maioria bantas, com mino­
rias cuchíticas e nilóticas e algumas línguas
asiáticas faladas por migrantes;
1 18 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

• de outro, há uma língua veicular que se tor­


nou língua nacional, mais ou menos bem fala­
da, de acordo com a idade das pessoas: o suaíli.
Em 1969, Wilfred Whiteley estimava em 15
milhões o seu número de falantes:

Os que falam suaíli como língua materna e que provavelmente


não passam de um milhão... Aqueles que o adquirem como
segunda língua e o utilizam frequentemente em sua vida cotidia­
na. Esses são, certamente, mais de dez milhões.. .Um grupo com
provavelmente mais de um milhão e que utiliza a língua de
forma limitada... E finalmente aqueles que utilizam esporadica­
mente a língua com um conhecimento muito limitado1.

• Por fim, há uma língua legada pela época co­


lonial: o inglês.
Para compreender essa situação, precisamos re­
troceder ao início do século XIX, aos primeiros teste­
munhos de que dispomos sobre a existência dessa lín­
gua. Henry Salt, por exemplo, escreve em 1814:

As seguintes palavras me foram dadas por marinheiros de um barco


árabe que se autodenominavam sowaulis, o que aparenta ser um
povo bem diferente do povo somauli. Essa tribo ocupa a costa leste
da África, de Mugdasho... nas proximidades de Mombaça2.

Na realidade, não se tratava de uma “tribo”, mas


de uma língua essencialmente veicular (exceto em
Zanzibar, onde era língua primeira), banta em suas
estruturas, porém com um vocabulário heterogêneo e

1. Wilfred Whiteley, Swahili, the Rise of a National Language.


Londres: s.e., 1969, p. 3.
2., Henry Salt, A Voyage to Abyssinia and Travels. Londres: s.e.,
1814 (apud W. Whiteley, p. 1.)
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 1 19

composta pela sua metade de empréstimos do árabe,


desenvolvida graças ao comércio marítimo, ao longo
da costa oriental da África e em direção ao interior do
continente, na rota das caravanas. No centro desses
dois eixos de difusão, encontra-se a ilha de Zanzibar,
que desempenhava, naquela época, um importante
papel comercial: tráfico de escravos, importação de
algodão americano, exportação de cravo-da-índia, de
marfim etc. Foi assim que uma língua veicular de ma­
rinheiros penetrou lentamente o continente africano,
atravessando-o de leste a oeste, por influência de fato­
res essencialmente comerciais. Essa expansão in vivo
será em seguida substituída pela ação in vitro da coloni­
zação alemã: o suaüi se tomou, no fim dos anos 1880,
a língua de administração da Deutsch Ostafrica e per­
manecerá assim após a primeira Guerra Mundial na
Tanganica britânica. Por volta de 1960, essa língua era
utilizada num vasto território: Tanzânia, Quênia,
Uganda, Ruanda, Burundi, numa parte do Zaire, no
sul da Somália e no norte de Moçambique, constituin­
do-se então num arquétipo da língua veicular: apenas
7% de seus falantes a tinham como língua materna
(ou seja, sua taxa de veicularidade chegava a 93%).
No momento de sua independência, em 1961, a
Tanganica (que em 1964 passa a se chamar Tanzânia)
herda essa situação: um país governado em inglês, uma
população que fala mais de cem línguas diferentes e o
suaíli (ou kisuaíli3) que serve de língua veicular nos

3. Ki é o prefixo banto que indica o nome de uma língua e ba


indica o nome de um povo, assim os bakongo falam kikongo, os baluba
falam ciluba etc.
1 20 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

mercados, ao longo das estradas, nos portos. Mas esse


suaíli foi a língua das campanhas pela independência, a
língua em que Julius Nyerere se dirigia ao povo e que se
tomou, portanto, lentamente, o símbolo da libertação.
Eleito presidente da República em 1962, Nyerere faz do
suaíli o instrumento que permitiría unir esse novo país.
Seu uso começa no mais alto nível: em 1960, os candida­
tos à assembléia nacional deviam, nos termos da lei, ler e
falar fluentemente o inglês, mas a partir de 1965 essa
cláusula desaparece, e a campanha eleitoral é feita em
suaíli. Isso levaria a uma evidente democratização do
recrutamento dos eleitos e, no início dos anos 1970, o
Parlamento se reúne quase que unicamente nessa língua.
Paralelamente, o suaíli se tomava a língua oficial dos tri­
bunais de primeira instância (1964), o que representava
igualmente um importante avanço democrático, e seu uso
se estendia lentamente a funções oficiais cada vez mais
numerosas, até tornar-se, finalmente, língua nacional. A
evolução da situação linguística da Tanzânia pode ser
representada da seguinte maneira4:

Língua utilizada
Nivel Periodo colonial Depois da Independência

nacional inglês suaíli e inglês


distrito suaíli suaíli
aldeia vernáculo suaíli
vizinhança vernáculo

Percebe-se que o suaíli se estendeu funcionalmente


tanto “para cima” como “para baixo”, em detrimento

4. Tabela emprestada de Jean O’Barr, Language and Politics.


Paris: Mouton, 1976, p. 75.
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS)
121

do inglês de um lado, e das línguas vernáculas do ou­


tro. Essa expansão foi facilitada por alguns fatores:
• A herança histórica em primeiro lugar. No
momento da independência, a língua já era
há muito tempo escrita e utilizada na admi­
nistração local, e essa situação, muito diferente
da dos países africanos colonizados pela Fran­
ça, facilitava sua promoção.
• O fato de que, simbolicamente, o suaíli era visto
como a língua da independência, sem nenhu­
ma conotação colonial.
• O fato de que não era, por assim dizer, a lín­
gua de ninguém, e sua promoção não podia
ser entendida como o poder de um grupo étni­
co sobre os outros.
• E evidentemente o fato de que era falado por
uma vasta maioria da população.
Percebe-se então que a “estrutura linguística” do
país foi consideravelmente modificada, e que a Tanzânia
nos fornece um exemplo típico de ação sobre as lín­
guas. E claro que essa ação necessitou em seguida de
uma intervenção sobre a língua, tanto sobre sua for­
ma (neologia) quanto sobre seus usos (promoção). Dois
ministérios iriam tratar inicialmente desse planeja­
mento linguístico: o da educação e o do “desenvolvi­
mento comunitário e da cultura nacional”5. O primei­
ro se ocupava da introdução da língua no currículo
escolar, o segundo, do desenvolvimento de uma ex­
pressão literária em kisuaíli. Inúmeras comissões ou
associações privadas passaram a trabalhar em segui­

5. William O’Barr, Language and Politics. Paris: Mouton, 1976, p. 45.


1 22 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

da pela modernização da língua, enquanto se criava no


University College de Dar-es-Salaam um “Institute of
Swahili Research”. Mas tudo isso está relacionado a
uma outra abordagem, desenvolvida no capítulo ante­
rior, e sobre a qual não nos estenderemos.

II - A promoção de uma língua minoritária: o


caso da Indonésia
A Indonésia é composta por aproximadamente três
mil ilhas e tem uma população de 235 milhões de habi­
tantes (em 2003), divididos em diferentes grupos
etnolinguísticos6, que falam aproximadamente 200 lín­
guas diferentes. Em 1928, quando o país era uma colô­
nia holandesa, o Partido Nacionalista Indonésio, que mi-
litava pela independência, proclama que o malaio será a
língua nacional da Indonésia. Essa decisão não tinha na
época nenhum efeito, constituía uma política linguística
sem planejamento possível, e sua função era acima de
tudo simbólica: a afirmação da existência de uma língua
nacional implicava a existência de uma nação. A língua
escolhida para essa função era uma língua veicular, utili­
zada, sobretudo, nos portos e nos mercados e, além de
tudo, minoritária: a língua mais falada no arquipélago
era o javanês, mas a escolha do malaio apresentava a
vantagem de evitar as polêmicas e os conflitos que a pro­
moção do javanês podería causar.
Quando a Indonésia obteve sua independência
em meados dos anos 1940, decidiu-se então aplicar

6. Javanês: 39,4%, sudanês: 15,8%, malaio: 12,1%, madurês:


4,3%, outros: 28,4%.
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 123

essa antiga política, datada de quase vinte anos, e ado­


tar o malaio como língua nacional. Temos então um
quadro típico de intervenção in vitro sobre as línguas,
que se propõe a gerir pelo molde do monolinguismo
um país extremamente plurilíngue. Mas essa interven­
ção tornaria necessária uma ação sobre a língua: será
preciso “equipar” o malaio (rebatizado de bahasa
indonésia, “língua indonésia”), fixar para ele uma or­
tografia e lhe forjar um vocabulário que lhe permitis­
se cumprir suas novas funções.
O malaio, que foi durante muito tempo escrito
com a ajuda de um alfabeto adaptado do árabe, ga­
nhou, em 1901, nas então índias Holandesas, uma
ortografia latina fixada por C. van Ophuysen, seme­
lhante aos princípios da escrita do holandês em dois
aspectos: o som /j/ era grafado j e o som /i/ era grafado
oe. Paralelamente, em 1904, os britânicos instituíam
na Malásia a ortografia Wilkinson, levemente diferen­
te. A Indonésia independente ganha em 1947 um novo
sistema, a ortografia Soewnadi (do nome do ministro
da educação da época), cuja modificação seria pro­
posta inúmeras vezes (em 1956, depois em 1961 e,
por fim, em 1972). Finalmente, a versão adotada foi a
última, a da ortografia EYD (Ejaan Yang Disempur-
nakan, “ortografia aperfeiçoada”), e que hoje é utili­
zada tanto na Indonésia quanto na Malásia e em
Cingapura7. Não entraremos nos detalhes de suas re­
gras; vamos nos contentar em destacar que, ao contrá­

7. Ver Pierre Labrousse, “Réfonne et discours sur la reforme: le


cas indonésien”, in Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La reforme
des langues. Hambourg: Buske Verlag, 1983, vol. 2, p. 340-341.
1 24 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

rio do exemplo africano desenvolvido no capítulo an­


terior, temos aqui uma política que buscou, delibera-
damente, normatizar a escrita de uma língua falada
em inúmeros países.
Restava o problema do léxico. De maneira parado­
xal, esse problema foi abordado primeiramente pelo inva­
sor japonês que, em 1941, criou uma “Comissão da Lín­
gua Indonésia” Komisi Bahasa Indonesia, encarregada de
pesquisar a gramática e o vocabulário da língua. Em 1945,
essa comissão foi substituída por um “Centro de Língua e
Cultura”, que se encarregou da tarefa de equipar a língua
respeitando um certo número de princípios. Tratava-se
de buscar primeiramente uma palavra que já existisse em
bahasa indonésia, recorrer a uma palavra tomada de ou­
tra língua do arquipélago se não existisse a palavra em
bahasa ou escolher uma palavra de outra língua asiática;
a solução de usar um termo de uma língua internacional
europeia vinha em último lugar8. Assim, a palavra malaia
swantantra substituiu o empréstimo autonomi, a palavra
javanesa timbel substituiu o inglês lead, a palavra sudanesa
nyeri substituiu o inglês pain, a palavra zarah foi escolhi­
da para designar o átomo etc.
Em seguida, esses princípios foram interpreta­
dos muito livremente, e Pierre Labrousse indica que
três procedimentos são ainda hoje utilizados:
• o empréstimo, como em analis (do inglês
analyst) ou em hipotik (do holandês hypotheek);
• o decalque semântico, como em iklan bata
nisan (“inscrição em escultura funerária”)
pelo inglês tombstone;

8. S. Takdir Alisjahbana, Language Planning for Modernization,


the Case of Indonesian and Malasyan. Paris: Mouton: 1976.
A AÇÃO SOBRE AS LtNGUAS (O STATUS) 125

• a ressemantização das palavras indonésias,


quando os vocábulos amanat, “mensagem”,
toma o sentido de “ordem” {amanat bayar,
“ordem de pagamento”).
Percebe-se que a distinção entre corpus e estatuto,
ou entre a ação sobre a língua e a ação sobre as línguas,
é muito artificial e que, se possibilitou belas sínteses
dicotômicas, deu pouca atenção aos fatos. Uma políti­
ca linguística não intervém sobre uma forma da língua
ou sobre as relações com as línguas: frequentemente, a
mudança de estatuto de uma língua, implica, em segui­
da, uma intervenção sobre seu corpus (o que denomina­
mos seu “equipamento”), e o caso indonésio é um belo
exemplo disso. Esse é outro ponto sobre o qual o caso
indonésio tem valor geral. Pierre Labrousse destaca que
as inúmeras intervenções sobre a língua nunca suscita­
ram o menor problema na população:

A ideia de que o indonésio é uma língua “imperfeita”, que


precisa ser desenvolvido, ou seja, que ela é um “instrumento”
sempre aperfeiçoável, impôs-se facilmente em uma sociedade
multilíngue e no contato com o holandês que se assemelha a ela
em diversos pontos. Em relação às sociedades em que os proble­
mas linguísticos provocam constantes tensões, essa imagem
desmistificada da língua é muito original9.

E essa ausência de tensão está, sem dúvida ne­


nhuma, relacionada à função veicular do malaio, ao
fato de que ele não era, no início, visto como a língua de
um grupo, de uma facção detentora do poder que esti­
vesse impondo a própria língua aos outros.

9. Op. cit., p. 354.


126 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

HI - A paz linguística suíça


A Suíça constitui um exemplo que contradiz a
concepção romântica de Estado-nação que faz da língua
comum (quando não da raça comum) tanto o símbolo
quanto a garantia da unidade nacional. Pierre Knecht,
definindo com humor a parte francófona do país como
“uma Suíça linguisticamente francesa ou uma França
, ilustra bem essa separação entre
politicamente suíça”1011
a abordagem política (os suíços são evidentemente suí­
ços) e a abordagem linguística (os suíços não falam “suí­
ço”, mas alemão, francês, italiano ou romanche)
Essas quatro línguas se repartem estatística e
territorialmente da seguinte maneira:
74% de germanófonos, em quinze cantões;
21 % de francófonos, em quatro cantões;
4% de italófonos, em um cantão;
1 % de romanchófonos.
Além disso, certo número de cantões é bilíngue ou
trilíngue (Grisões, Vaiais, Friburgo, Berna). No entanto, o
Estado deve funcionar, a administração deve administrar
e ocorre, então, o problema de saber em qual (is) hngua(s)
gerenciar esse plurilinguismo. Pois se a Suíça é, com fre­
quência, considerada como um modelo de democracia,
Marianne Duval-Valentin tem razão em sublinhar que:

Não é suficiente que as proposições de leis e os referendos


possam ser livremente discutidos; é necessário também que os
cidadãos possam debatê-los numa língua que lhes seja familiar11.

10. Pierre Knecht, “Le français em Suisse romande, aspects


linguistiques et sociolinguistiques”, in Albert Valdman (org.), Le
français hors de France. Paris: Champion, 1979.
11. Marianne Duval-Valentin, “La situation linguistique em
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 127

O país é oficialmente trilíngue desde 1848,


quadrilíngue desde 1938 (data em que o romanche foi
adicionado ao alemão, ao francês e ao italiano) e essas
quatro línguas são todas “nacionais”, três delas (ale­
mão, francês e italiano) sendo ao mesmo tempo admi­
nistrativas. Concretamente, isso significa que em cada
um dos pontos do território, em cada um dos cantões,
utiliza-se na administração e na escola a língua falada
localmente e que no nível federal existem três línguas
de trabalho. Essa situação é uma boa ilustração da
diferença entre os princípios de territorialidade e de
personalidade que foram apresentados no capítulo III:

A língua de trabalho obedece, na Suíça, ao princípio da


territorialidade, tanto no setor privado como no setor público,
com a administração federal posta à parte. Nos grandes negócios
(bancos, seguros etc.) e na administração federal, os quadros
médios e superiores são, na maioria dos casos, bilíngues (alemão-
francês), até mesmo trilíngues (com o acréscimo do italiano).
Percebe-se que os executivos da maioria germanófona (75 % da
população) se dirigem geralmente em francês aos românicos (20 %
da população). Os romanches aceitaram se expressar em francês
ou em alemão, o mesmo ocorrendo em relação aos tessinenses* 12.

Christian Rubattel resumiu essa situação de ma­


neira clara: “A Suíça não é uma comunidade plurilín-
gue, mas uma justaposição de quatro comunidades
geralmente unilíngues, cujas relações são regidas pelo
princípio de territorialidade”13. Ao lado dessa situa­

Suisse”, in: Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La reforme des langues.
Hamburg: Buske Verlag, 1983, vol. I, p. 532.
12. M. Duval-Valentin, op. cit., p. 469.
13. C. Rubattel, “Une crise du français en Suisse romande?”,
in: Jacques Maurais (org.), La crise des langues. Governo de Québec/
Paris: Le Robert: 1985, p. 87.
1 28 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

ção federal, cada uma dessas comunidades que ocupa


uma porção do território conhece sua própria situação
linguística. Assim, na parte germanófona, que serviu
como um dos exemplos utilizados por Charles Ferguson
para ilustrar sua noção de diglossia, tem-se uma situa­
ção dialetal que faz com que se possa falar de um
berndütsch (alemão de Berna), de um züridütsch (ale­
mão de Zurique), e assim por diante, com a coexistên­
cia entre uma coiné suíça (espécie de denominador co­
mum dos dialetos), o Schwyzerdiitsch e o Hochdeutsch
(alemão-padrão), essencialmente utilizado na escrita (e
frequentemente chamado de Schriftdeutsch). Segundo
Duval-Valentin,

a Suíça se encontra na seguinte situação paradoxal: há, de um


lado, vários organismos que defendem a pureza da língua ale­
mã, mas existem, de outro, numerosas associações voltadas para
a proteção e a melhora da prática dialetal. Temos aqui uma
Sprachpflege [defesa da língua] complementada por uma enérgi­
ca Mundartpflege [defesa dos dialetos]14.

A comunidade romanche exibe também uma


grande variação dialetal. Sua língua é dividida em
três grupos de falantes (romanche dos Grisões, ladi­
no dos Dolomitas e o friulano), eles mesmos dividi­
dos em inúmeras formas locais entre as quais a co­
municação nem sempre é fácil. Além disso, no cantão
dos Grisões, o romanche (falado por 26% da popu­
lação) coexiste com o alemânico (58%) e o italiano
(16%) e se encontra ameaçado por essas duas lín­
guas, tanto na sua forma (empréstimos e decalques)
quanto na sua existência.

14. M. Duval-Valentin, op. cit., p. 498.


A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 1 29

No cantão de Tessino, nota-se igualmente a coe­


xistência do italiano, de um dialeto lombardo e do
falar local, e para ilustrar essa diversidade M. Duval-
Valentin utiliza o seguinte exemplo: um habitante
médio de Tessino, para expressar que está com dor
de cabeça, dirá à sua mulher, em “patoá”, dori l’co, a
um conhecido, em dialeto, fa ma a la testa e numa
situação mais formal, em italiano, mifa male la tes­
ta. Do lado francófono, enfim, nota-se uma certa
ocorrência de regionalismos, mas a situação não é
em nada comparável à que acabamos de descrever
para o italiano ou o romanche.
Abaixo do nível federal, que garante tanto a ges­
tão da Confederação (em três línguas) quanto o prin­
cípio de territorialidade (para quatro comunidades lin­
guísticas), os cantões também podem intervir na polí­
tica linguística. Um bom exemplo é constituído pelo
cantão bilíngue de Friburgo, que produziu um “mapa
das línguas” (em alemão: Sprachencharta) , garantin­
do no cantão a igualdade dos direitos ao francês e ao
alemão, mas propondo, sobretudo, certo número de
princípios gerais. Assim, encontramos nessa carta, por
exemplo, a condenação da unificação linguística em
torno de uma língua majoritária, da anexação de po­
pulações que falam a mesma língua etc., bem como a
formulação dos direitos linguísticos dos cidadãos e dos
deveres linguísticos das autoridades.
Percebe-se que há especificidades na gestão do
plurilinguismo suíço: o encaixe de níveis de compe­
tência. Existe um regulamento federal, os cantões bi­
língues geram sua própria situação e as comunidades
têm competência em matéria de ensino para decidir a
1 30 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

língua ou as línguas utilizadas. O resultado mais im­


portante desse tipo de abordagem é que a maioria lin­
guística (germanófona) não se comporta como uma
maioria, não impõe sua língua às minorias. E essa “paz
linguística”, garantida por um aparato jurídico preci­
so, constitui um modelo de política e de planejamento
que alguns países poderiam invejar.

IV. — A defesa do status internacional de


uma língua: o exemplo do francês
No capítulo anterior, apresentamos a ação da
França sobre a forma da língua. Mas ela intervém
também de maneira contínua sobre seu status, so­
bretudo seu status internacional. Foi com a Revolu­
ção que se iniciou uma ação cultural e linguística
externa, ação que se faz por intermédio das “obras”,
ou seja, essencialmente das congregações religiosas
francesas no exterior. Seja através de subsídios às
escolas cristãs, de subvenções aos missionários cató­
licos, aos protestantes, à Aliança Israelita Univer­
sal, durante quase um século a cultura e a língua
francesas são promovidas no exterior graças a dife­
rentes vetores religiosos. Foi preciso esperar o fim do
século XIX para que organizações leigas viessem fa­
zer parte desse quadro: as Alianças Francesas, recen­
temente criadas (1883), em seguida a Missão Laica
(1902). O Estado, nessa época, não intervinha dire­
tamente nesse campo, contentando-se em financiar
iniciativas privadas, por intermédio do Ministério das
Relações Exteriores, do Ministério das Colônias e, de
maneira mais inusitada, das receitas geradas pelas
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 131

apostas em cavalos*. Só em 1909 é que é criado um


serviço “das escolas e das obras francesas” no Ministério
das Relações Exteriores, que fora reorganizado após a
guerra de 1914-1918 em três seções encarregadas, res­
pectivamente, da ação universitária, da ação artística e
15. Mas foi durante a segunda Guerra Mundial
das obras*
que a ação cultural exterior da França ganhou sua forma
atual. Em 1941, o general de Gaulle criou, em Londres,
“comissariados” da França livre, na realidade ministéri­
os, entre os quais o comissariado das relações exteriores
dividido em uma “Direção dos Assuntos Políticos” e um
“Serviço dos Assuntos Administrativos e Consulares e
das Obras Francesas no Exterior”16. Esse último se tor­
nou, em 1945, após a libertação, a “Direção Geral das
Relações Culturais e das Obras Francesas no Exterior”,
e que, sob denominações diversas, se mantém até hoje.
Essa Direção Geral se ocupa essencialmente do
ensino do francês no exterior (aliás, é a única, num
ministério formado por diplomatas, cujos membros
vêm em parte da Educação Nacional) e os cargos de
adidos culturais que começaram a ser criados no fim
dos anos 1940 eram, geralmente, ocupados por uni­
versitários. Assim, uma opção fundamental ganha
forma lentamente: a difusão da cultura francesa no
exterior passa pela difusão da língua francesa, o que
implica, por exemplo, que não se traduzam os livros,

* No original, “Pari Mutuei”: organismo que detém na França o


monopólio da organização e do registro das apostas em corridas de
cavalo efetuadas tanto nos jóqueis como fora deles (n. do E.).
15. Ministère des Affaires étrangères. Histoires de diplomatieculturelle
des origines à 1995. La documentation française, Paris, 195, p. 32-38.
16. Journal officiel de la France libre, 14 de outubro de 1941.
1 32 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

mas que eles sejam difundidos em francês. Não se trata


de uma opção muito lógica: pode-se ler a literatura rus­
sa, alemã ou espanhola em tradução francesa ou italia­
na, ouvir em francês uma conferência sobre a pintura
chinesa ou assistir a filmes japoneses em inglês. A esco­
lha francesa será diferente e marca ainda hoje a políti­
ca linguística externa do país. A Direção Geral das Re­
lações Culturais se tornou em seguida Direção Geral
dos Assuntos Culturais e Técnicos (1956), depois Di­
reção Geral dos Assuntos Culturais, Científicos e Téc­
nicos (1969), mas a despeito dessas diferentes denomi­
nações, que comprovam a ampliação de suas compe­
tências (as técnicas, depois as ciências se juntando à
cultura), ela continuará seguindo a mesma política: di­
fundir ao mesmo tempo a cultura, a ciência e a língua
francesas, o que implica, logicamente, que se dedique
muita energia ao ensino da língua. Essa é a razão pela
qual a França é o país no mundo que mais envia profes­
sores ao exterior: sua política cultural externa é antes
de tudo uma política de difusão da língua francesa. Não
apresentaremos aqui os centros de impulsão e de deci­
são responsáveis por essa política: a França se equipou
com um número impressionante de estruturas, de or­
ganismos, de comissões, que intervém de uma maneira
ou de outra no domínio da língua e das línguas, e nos
contentaremos em resumir a política linguística exter­
na do país.

Na Europa

Em meados de dezembro de 1994, no momento


em que a França se preparava para assumir a presi-
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 133

ciência da União Européia, o ministro francês dos


Assuntos Europeus propunha limitar a cinco as lín­
guas de trabalho da Comunidade Econômica Européia
(que é preciso distinguir das línguas oficiais, que são
as línguas de todos os países-membros), expondo-se
aos protestos de alguns “pequenos” países. O proble­
ma posto aqui é, ao mesmo tempo, técnico e político.
Se nos ativermos ao ponto de vista legal, havia treze
línguas “nacionais” diferentes na Europa dos Quinze,
mas uma vez que dois Estados renunciaram ao uso de
uma de suas línguas nas instituições europeias (a Ir­
landa renunciou ao irlandês e Luxemburgo ao luxem-
burguês), restaram apenas onze línguas oficiais, o que
nos dá 110 combinações possíveis de interpretação si­
multânea. Isso implica cabines de tradução, profissio­
nais (os intérpretes trocam de turno a cada vinte mi­
nutos), um gasto enorme. Ou seja, é evidente que a
situação não pode permanecer assim e que é preciso
limitar o número de línguas, ou então encarar pagar o
enorme custo da igualdade das línguas (como os
quebequenses pagam o custo do bilinguismo). Mas a
hipótese de uma limitação do número de línguas nos
remete a um plano político mais amplo.
Existem, de fato, aqui, duas soluções: limitar o
número de línguas de trabalho (proposta — contesta­
da — apresentada pela França) ou não fazer nada (po­
lítica que poderia levar à dominação de fato por parte
do inglês). As reações diante dessa hipótese são, evi­
dentemente, diferentes de acordo com cada país, e com­
preende-se por que a França, que dá grande importância
à defesa da língua, tenha se oposto a ela. Inversamente,
1 34 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

pode-se imaginar que determinado número de países que


recusem a ideia das cinco línguas esteja disposto a acei­
tar um status particular concedido ao inglês, que já é a
língua internacional de trabalho... A esse debate técnico-
político se junta outro: a lista das línguas de trabalho
proposta pela França. Trata-se do inglês, do francês, do
alemão, do espanhol e do italiano, ou seja, as línguas
mais faladas na Europa dos Quinze. E essa escolha é
evidentemente política: ela enfatiza a comunicação no seio
da Europa, excluindo na mesma tacada o português,
muito mais falado no mundo do que o italiano, o alemão
e até mesmo o francês. Ou seja, essa escolha ignora o
status mundial das línguas e considera apenas as estatís­
ticas (número de falantes) na Europa. Paralelamente à
abordagem técnica (é preciso limitar as línguas de traba­
lho), a proposta francesa apresentava uma abordagem
política em dois níveis:
• é preciso evitar que o inglês se torne a única
língua de trabalho da União Européia;
• é preciso escolher as línguas de trabalho em
função de critérios europeus (razão das cinco
línguas propostas, as mais faladas).
Essa abordagem, que se situa no quadro da política
europeia, mascara, de fato, interesses nacionais: a pro­
posta da França, apresentada como capaz de resolver as
dificuldades de funcionamento das instituições europeias,
pode ser considerada também como uma maneira de
defender o francês, uma vez que as reações dos “peque­
nos países” constituem uma defesa de suas línguas base­
ada numa defesa do princípio da igualdade...
Do mesmo modo, há muito tempo a França in­
siste em que os países europeus ensinem duas línguas
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 135

em suas escolas, e essa insistência pode ser apresenta­


da como um projeto “europeu” (formar jovens euro­
peus trilíngues), mas constitui ao mesmo tempo uma
defesa do francês (se apenas uma língua for ensinada,
essa seria obviamente o inglês, uma segunda língua é
necessária para garantir um lugar ao francês).
Percebe-se então que a política linguística da Fran­
ça em relação à Europa está dividida entre esses dois
princípios: a gestão linguística da Europa e a defesa da
língua francesa. Por trás disso, existe a ideia de que o
futuro do francês está em jogo na União Européia, que
é preciso a todo custo evitar que o inglês se torne a úni­
ca língua de trabalho, ideia expressa claramente na obra
publicada pelo Ministério das Relações Exteriores:

Não nos enganemos, é na União Européia que estará em jogo o


futuro do francês. Se amanhã, em razão de concessões sucessi­
vas, o inglês se impuser como a única língua de trabalho, como
poderemos defender o status internacional do francês?17

Essa posição, que mostra claramente onde se en­


contra o inimigo (o monolinguismo, obviamente, mas
o monolinguismo anglófono), deixa de lado outra pro­
blemática. Se o status internacional do francês está
simbolicamente em jogo na Europa, seu futuro esta­
tístico se decide na África, onde a demografia e os
possíveis progressos da escolarização garantem à lín­
gua um reservatório imenso de potenciais falantes. E
isso nos conduz a outro lado da política linguística da
França: aquele que se refere à francofonia.

17. Ministère des Affaires étrangeres, Histoires de diplomatie


culturelle des origines à 1995. Paris: La documentation française, 1995,
p. 198.
1 36 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Afrancofonia

E preciso considerar a francofonia sob dois pon­


tos de vista: a francofonia é, com efeito e ao mesmo
tempo, uma realidade sociolinguística, produto da his­
tória — particularmente da história colonial — e um
conceito geopolítico recente, cuja ideia foi lançada em
1964 por dois chefes de Estado, Léopold Sedar Senghor
e Habib Bourguiba.
A) Uma realidade sociolinguística - Desde o co­
meço da era colonial, o francês experimentou uma
expansão mundial que faz dele, atualmente, a segun­
da língua internacional, depois do inglês e na frente
do espanhol, se considerarmos o número de países onde
ele é a língua oficial ou o número de países que o utili­
zam em suas intervenções na ONU, e a quarta língua
internacional (depois do inglês, do espanhol e do por­
tuguês), se considerarmos seu número de falantes.
Portanto, o francês está presente na Europa, na
África (em cerca de quinze países), no Oceano Indico,
nas Antilhas, na América Latina (Guiana Francesa),
na América do Norte (Canadá), no Oriente Médio (Lí­
bano) e, em menor escala, na Asia (Vietnam, Camboja,
Laos). Em 1995, foi avaliado em 120 milhões o núme­
ro de pessoas que utilizavam cotidianamente o francês
no trabalho ou em família. Trata-se aqui de minha pró­
pria estimativa, fundamentada em cálculos cujos deta­
lhes tomariam cansativa essa exposição. O Alto Con­
selho da Francofonia, numa obra intitulada État de la
francophonie dans le monde, rapport 1990, distinguia:
• os francófonos reais que dominam o francês
como primeira ou segunda língua e o utilizam
habitualmente: 106 milhões;
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS') 137

• os francófonos ocasionais, que vivem no espa­


ço francófono, mas com domínio rudimentar
e prática limitada do francês: 55 milhões;
• enfim, os francófonos por opção, aqueles que,
fora do espaço francófono, aprenderam ou
aprendem o francês: 100 milhões.
De toda forma, independentemente da exatidão
dos números, essas pessoas vivem em situações
sociolinguísticas muito diferentes, que vão de lugares
onde o francês é uma língua altamente dominante
(França, Québec, uma parte da Bélgica) a países onde
é apenas a língua do Estado (ou seja, do ensino, da
administração, da justiça, etc.), falado por aproxima­
damente 10 % da população (é o caso dos países da
África francófona). Essas situações se diferenciam
também pelas línguas com as quais o francês é ali con­
frontado. Existem países onde o francês coexiste pra­
ticamente com apenas uma língua, como a Tunísia;
outros onde ele coexiste com dezenas, até mesmo cen­
tenas de línguas (Senegal, Camarões, Zaire). E, enfim,
essas situações se diferenciam pelos tipos de relações
entre as línguas, onde o francês pode ser a língua do­
minante (como na África) ou a língua dominada (como
no Canadá ou na Louisiana). Em alguns desses paí­
ses, surge um problema sociolinguístico importante:
eles se encontram numa situação de diglossia, mas com
a particularidade de que a maioria da população não
fala a “variedade alta”, a língua oficial, e se encontra,
portanto, excluída de fato da vida pública, do ensino etc.
B) Um conceito geopolítico. - Em 1966, durante
sua primeira reunião, a OCAM (Organização Comum
Africana Malgaxe e Mauriciana) apresentou ao gover­
1 38 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

no francês um projeto de “Commonwealth à france­


sa” (expressão já utilizada no ano anterior pelo presi­
dente da Tunísia, Habib Bourguiba ), e essa fórmula
mostrava perfeitamente o aspecto geopolítico da
francofonia: tratava-se de afirmar, após as indepen­
dências das antigas colônias, a existência de uma enti­
dade política comparável àquela que constituíam os
países do antigo império britânico reagrupados numa
associação política.
A lista dos países “francófonos” no sentido
geopolítico é ligeiramente diferente da dos países
sociolinguisticamente “francófonos”, mas é igualmente
variada. Se considerarmos, por exemplo, os quarenta e
sete Estados e governos reagrupados (sob um status ou
outro) pela ACCT (Agência de Cooperação Cultural e
Técnica), constatamos que ao lado de países como a
França ou a Bélgica, inteira ou parcialmente francófonos,
e de países outrora colonizados pela Bélgica ou pela
França, onde o francês é, como vimos, a língua oficial,
encontramos países onde não se fala mais o francês
(Egito, Guiné-Bissau, Vietnam...), assim como outros
países em que o francês tem um papel considerável e
estão ausentes (Argélia). E essas aparentes incoerênci­
as mostram bem que a adesão a essa organização de
cooperação francófona se origina de uma escolha políti­
ca: é evidente que o Vietnam ou o Egito são muito me­
nos francófonos que a Argélia, e que sua presença na­
quela associação não provém de uma lógica linguística,
mas de posições acerca da política internacional.
Qual é a política francófona da França? Ela con­
sistiu primeiramente, como no resto do mundo, em
defender a língua francesa, em garantir sua presença
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 139

nas estruturas dos Estados-membros, chegando a se


opor discretamente em algumas regiões (como na Áfri­
ca) à promoção das línguas nacionais, ou a não
favorecê-las. Mas a francofonia sofreu em 1989 uma
reviravolta importante, ao menos em termos de dis­
curso. Durante o encontro dos chefes de Estados
francófonos em Dakar, em maio de 1989, o presiden­
te François Mitterrand defendeu um discurso novo ao
se referir a um diálogo das línguas e das culturas no
espaço francófono. Desde então, tem-se dado desta­
que às “línguas parceiras”, aos problemas de desen­
volvimento. Mas se trata aqui da cooperação multila­
teral, uma vez que, no quadro da cooperação bilateral,
a França não demonstra ter mudado de política lin­
guística em relação à África. E surge aqui uma contra­
dição entre as políticas bilaterais (impulsionadas pelo
Ministério da Cooperação) e multilaterais da França.
Se a ideia é a de que, por exemplo, o mais importante
na África é difundir a língua francesa, o mais lógico
seria concentrar esforços no sistema de ensino e na
mídia. Porém, se considerarmos que o importante é
garantir nesse continente um desenvolvimento endó-
geno, então é preciso perguntar como transmitir o sa­
ber, a experiência, se a escola em língua francesa é o
melhor vetor dessa transmissão, se a utilização de cer­
tas línguas africanas não traria melhores resultados.
E a escolha entre essas duas direções é fundamental:
no primeiro caso, garante-se (por meio do francês) a
promoção individual de algumas elites; no segundo
caso, se buscaria (por meio das línguas africanas) uma
promoção coletiva. No entanto, a França tem tendên­
cia a tomar o partido da língua francesa (e portanto
1 40 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

da promoção individual) em sua política bilateral,


enquanto os organismos francófonos multilaterais, em
grande parte financiados pela França, voltam-se cada
vez mais, porém com menos recursos, para a segunda
direção.
Além disso, a francofonia é frequentemente o
campo de batalha de uma guerra latente entre os paí­
ses francófonos do Norte, em particular a França e o
Canadá, que, paralelamente às suas políticas multila­
terais, têm cada um uma política bilateral que nem
sempre vai na mesma direção. Essa guerra dos chefes
faz da francofonia um lugar de oposição entre os paí­
ses do Norte, detentores de fundos financeiros, em
detrimento da elaboração de uma linha política clara.
A França não tem política francófona claramente ex­
pressa nem no domínio bilateral, nem no domínio
multilateral. Robert Chaudenson exprime perfeitamen-
te essa incoerência quando escreve18:

O interesse imediato do Sul não está nem nas indústrias da


língua nem nas infovias, mas numa difusão em massa, adaptada
e eficaz da língua francesa no Sul, porque é, na África, a condi­
ção primeira tanto do desenvolvimento como da democracia.
Mas, além disso, é claro que o Sul tem um interesse poderoso,
mas indireto, em que o francês esteja presente tanto nas indús­
trias linguísticas e culturais quanto nas infovias.

Ele esboçava, dessa forma, uma política francófo­


na possível, que consistiría em dotar a francofonia de
grandes objetivos comuns, mas reservando a cada um
dos países-membros objetivos específicos, em função de

18. Robert Chaudenson, La politique francophone: y a.-t-il un pilote


dans 1’avion? Comunicação ao Colóquio de Rennes, abril de 1995.
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS') 141

suas necessidades e de seus meios. Esse procedimento,


no entanto, entraria em contradição com as reivindica­
ções dos países do Sul e um certo clientelismo dos paí­
ses do Norte, e o resultado disso é uma paralisia quase
total da política linguística francófona, apesar dos
expressivos meios financeiros de que ela dispõe.

O francês no mundo

Para o resto do mundo, assim como para a Euro­


pa, de acordo com o que tratamos acima, o problema
da política linguística da França tem um nome: o in­
glês. Foi em 1919 que, pela primeira vez na história
das relações internacionais, um tratado foi redigido
em duas línguas, o francês e o inglês. O presidente
americano Woodrow Wilson exigira que o Tratado de
Versalhes não fosse escrito apenas em francês, como
era feito até então. Data simbólica, pois desde então a
França se esforça por manter o status internacional
de “sua” língua, aliás, com sucesso: tanto na Unesco
como na ONU, o francês está entre as poucas lín­
guas de trabalho, numerosas delegações o utilizam
em suas intervenções e, sobretudo, o número de
francófonos no mundo está em constante aumento.
Assim, os franceses não são mais maioria no meio
dos francófonos e o francês não pertence mais so­
mente à França. Mas eis que o francês não é mais a
primeira língua internacional, ele é largamente ultra­
passado pelo inglês, e seus status é comparável ao do
espanhol, até mesmo ao do português... É possível ler
numa publicação que já citamos do Ministério das
Relações Exteriores, a seguinte passagem:
1 42 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Não erremos de alvo: não se trata de iniciar uma batalha contra


o inglês, mas de nos bater pela manutenção de um pluralismo
linguístico e cultural que nos parece necessário não apenas para
nós mesmos, mas para muitos de nossos parceiros19.

E verdade que na reivindicação da exceção cultu­


ral, por exemplo, a França certamente defendeu seu
cinema, mas ao mesmo tempo o cinema italiano ou es­
panhol, assim como é verdade que os cineastas japone­
ses gostariam que seu governo tomasse posição seme­
lhante. Mas acontece que esse pluralismo linguístico e
cultural, evocado sempre que o francês se encontra
ameaçado, é praticamente esquecido quando suas po­
sições estão mais seguras, como na França ou na África
francófona.
Os autores das Histoires de diplomatie culturelle ob­
servam que quando Maurice Couve de Murville, que foi
ministro das Relações Exteriores por dez anos, redigiu
suas memórias, dedicou quatrocentas páginas às rela­
ções entre a França e os grandes países do mundo e qua­
tro páginas às questões culturais. No entanto, durante
esses dez anos, a metade do orçamento de seu ministério
se destinou aos assuntos culturais e técnicos20. É verda­
de que durante muitos anos a difusão do francês no
exterior foi, antes de tudo, mais um mercado do que
uma política. Os editores e os autores de métodos de
ensino tiraram lucros importantes dessa postura, e
como era preciso, pela lógica comercial, substituir
ciclicamente esses métodos, os “metodólogos” se jun­
taram para produzir novas “teorias”. Abordagens es­

19. Ibid, p. 197.


20. Op. cit, p. 104.
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS') 143

trutural-global, audiovisual, comunicativa se suce­


diam, os exercícios estruturais foram durante deter­
minado tempo uma panaceia, logo substituídos pelas
microconversações, e depois por outras inovações.
Organismos para-universitários (BELC - Bureau
d’Etudes pour la Langue et la Civilisation Française à
1’Étranger, CREDIF - Centre de Recherche et d’Étude
pour la Diffusion du Français) se especializavam no
ensino do francês no exterior, antes que o FLE
(Français Langue Etrangère) se tornasse uma especia­
lidade propriamente universitária. Havia em tudo isso
interesses econômicos evidentes, uma abordagem teó­
rica cuja superficialidade saltava aos olhos e uma re­
lativa ausência de reflexão política.
Esse desequilíbrio entre o desinteresse político e
a generosidade financeira frente à política cultural e
linguística se prolongou sob as presidências de
Georges Pompidou e de Valéry Giscard d’Estaing, e
foi depois da eleição de François Miterrand que se
multiplicaram os organismos, as reuniões, as deci­
sões sobre a língua e a francofonia, que se viu um
chefe de Estado se interessar diretamente por esses
problemas. Mas o fato de a política linguística da
França ser, aparentemente, tratada no mais alto ní­
vel não garante sua unidade.
Se a política linguística da França tem uma coe­
rência, onde ela se encontra? E possível duvidar dessa
coerência por razões acima de tudo técnicas: os luga­
res de decisão são múltiplos, não existe, por exemplo,
um espaço de reflexão acadêmico que pudesse forne­
cer aos tomadores de decisão relatórios concretos, um
acompanhamento das situações, uma análise da con­
1 44 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

juntura. Pode-se também observar uma certa contra­


dição entre a defesa verbal do plurilinguismo na Euro­
pa e o pouco empenho na defesa desse princípio nas
fronteiras da França, quando se trata das línguas regi­
onais. Pode-se enfim, apesar de uma leve mudança de
foco após a cúpula de Dakar, notar que a política lin­
guística da francofonia parece ignorar as línguas ditas
“parceiras”, desprezando o princípio de plurilinguismo
das regiões, além de não se preocupar com o lugar das
línguas no desenvolvimento quando se trata do caso do
francês na África. Além do mais, em relação à ação
linguística no plano interno e no plano externo, paira
um não-dito sobre todas as estratégias desenvolvidas: o
inglês. A “lei Toubon” faz o tempo inteiro referência a
“termos estrangeiros”, uma vez que os exemplos que
aparecem no Dictionnaire des termes officielsdela langue
française substituem todas as palavras inglesas, e a as­
piração ao plurilinguismo defendido, no que diz respei­
to à Europa, tem sempre por função a de se opor dire­
tamente à ameaça de uma posição dominante do inglês.
Dessa forma, por todas essas razões, tem-se a
impressão de que essa política linguística não tem
nenhuma unidade e podemos indagar, com Robert
Chaudenson, “se há um piloto no avião”. Mas a coe­
rência dessa política se encontra num outro nível, no
da defesa da língua francesa, tanto do ponto de vista
do corpus (luta contra os empréstimos, neologia em
diferentes campos, indústrias da língua...) como do
ponto de vista do status (lugar do francês nas insti­
tuições internacionais, ensino do francês como lín­
gua estrangeira etc.). Desde que a Revolução decidiu
que para uma República única e indivisível era ne-
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 145

cessaria uma língua única e indivisível, o modelo


monolíngue passou a reinar e foi aplicado tanto na
França como na África na época colonial. Os princí­
pios afirmados (plurilinguismo na Europa, diálogo
entre o francês e as línguas parceiras no espaço
francófono) são, muitas vezes, uma tática. No en­
tanto, mais que uma contradição entre tática e estra­
tégia, é preciso enxergar aqui uma subordinação dos
princípios a um fim: a política linguística da França
tem uma coerência teleológica profunda, que a con­
duz a uma incoerência teórica e a estratégias varia­
das. Ela não defende em todos os lugares os mesmos
princípios porque defende o francês em todo e qual­
quer lugar, ainda que não o reconheça em voz alta e
mesmo que nem sempre saiba como fazê-lo.

V. — A substituição de um língua colonial: os


inícios da arabização na África do Norte
Vimos no primeiro capítulo que os sociolinguistas
e os militantes catalães utilizavam a noção de normali­
zação para designar a ação sobre as línguas que leva­
ram à substituição substituição do espanhol, nas fun­
ções oficiais, pelo catalão. Nesse caso particular, tra­
tava-se de devolver ao catalão um status que ele ocupa­
va no início do século. A situação do árabe na África
do Norte é completamente diferente. Segundo G.
Grandguillaume21: “A arabização consiste em tornar

21. Gilbert Grandguillaune, Arabisation et politique linguistique


au Maghreb. Paris: Maisonneuve & Larose, 1983, p. 9. A maioria das
informações expostas nesse capítulo vem dessa obra.
1 46 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

o árabe aquilo que ele não é”. E acrescenta mais adian­


te que se trata de arabização e não de rearabização:
Certamente um retomo às fontes, à língua das
origens parece tranquilizador e se apresenta como fun­
damentalmente legítimo. Mas conceber a arabização
como um retorno a um estado de cultura e de língua
pré-colonial é, evidentemente, uma ilusão. Para falar
apenas da língua, ela deve exprimir hoje um mundo
totalmente diferente do que foi outrora, particular­
mente seu uso no lugar do francês a conduz a expres­
sar realidades novas em relação ao fundo linguístico
árabe tradicional. Existe a rearabização no sentido de
uma restauração da língua árabe como língua de cul­
tura, mas não no sentido da pura ressurgência de uma
situação linguística passada22.
A situação do árabe na África do Norte é, de
fato, diferente da do catalão na Espanha: as estrutu­
ras do Estado do qual o árabe devia ser o meio de
expressão e de gestão não existiam antes da coloniza­
ção. Além disso, ali o contexto linguístico era muito
particular. Muito se escreveu sobre as relações entre
as línguas em contato, o árabe, o berbere e o francês, e
é extremamente difícil esclarecer essa questão. O que
é certo é que existem na África do Norte dois conjun­
tos de línguas maternas: o conjunto árabe e o conjun­
to berbere. Sob denominações diversas (berbere, cabila,
tamashek, tamazight, tachelhit, chleuh...), o berbere
sempre foi considerado, desde a conquista árabe, como
um dialeto minoritário (mesmo que ele seja, sem dú­
vida, ainda hoje majoritário no Marrocos), não mere­

22. Op. cit., p. 31


A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS') 147

cendo o reconhecimento oficial. Quanto ao árabe como


língua materna, ele foi igualmente desvalorizado:

O julgamento (desfavorável) de valor atribuído ao árabe falado


cotidianamente se resume em apresentá-lo sob o aspecto de
uma corrupção do árabe literário que precisa, o mais rapidamen­
te possível, ser abandonado ou desaparecer23.

Além dessas línguas maternas, os três países da


África do Norte (Marrocos, Argélia e Tunísia) estavam
confrontados com duas outras línguas, o francês de uma
parte, herança da época colonial, e o árabe. Mas é deli­
cado definir esse árabe, que não é a língua falada. Exis­
te, de um lado, o árabe clássico, língua do Alcorão, sa­
cramentada como fator identitário e como base da comu­
nidade dos crentes. Trata-se, propriamente falando, de
uma língua morta, como o latim, que se aprende essen­
cialmente lendo o Livro Sagrado. Existe, de outro lado,
o árabe moderno, língua das mídias, do aparelho de
Estado, sobre o qual Grandguillaume escreve:

Sem referência cultural própria, essa língua também não tem co­
munidade. Ela não é a língua falada de ninguém na realidade da
vida cotidiana (...) Essa falta de referência comunitária da língua
árabe moderna foi oportuna para os defensores da arabização: por
isso eles tentam, contra todas as evidências, estabelecer uma confu­
são entre essa língua e a língua materna. Os exemplos na história
das controvérsias em que a reivindicação da arabização é expressa
em reivindicação da língua materna são abundantes24.

E portanto esse árabe moderno que está no centro


do processo de arabização, que se manifesta no Marro-

23. Michel Barbot, “Réflexions sur les réformes modernes de


1’arabe littéral”, in: Istvan Fodor; Claude Hagège (orgs.), La reforme des
langues. Hamburgo: Buske Verlag, 1983, vol. 1, p. 133.
24. Gilbert Grandguillaume, op. cit., p. 25.
1 48 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

cos a partir de 1957 (decisão — abortada — de arabizar


o ensino primário), na Tunísia a partir de 1958 (insti­
tuição dos dois primeiros anos de ensino em árabe) e
na Argélia a partir de 1962 (instauração na escola pri­
mária de sete horas semanais de árabe em trinta horas
de ensino). Nesses três casos, é possível perceber que é
através da escola que o processo se inicia. Mas as dife­
renças entre os três países nos obrigam a abordá-los
inicialmente de maneira separada. Apresentaremos
então sucintamente suas políticas linguísticas nos anos
1960 e 1970 antes de fazer uma tentativa de síntese.

No Marrocos

Apesar do silêncio oficial que pairava até bem pou­


co tempo sobre a questão, o Marrocos é um país lin-
guisticamente heterogêneo: ali o berbere é falado como
primeira língua por pelo menos metade da população25.
No entanto, em fevereiro de 1956, algumas semanas
antes da independência, foi criada em Rabat a Liga con­
tra o Analfabetismo, cujas campanhas de intervenção
eram unicamente em árabe, e observaremos que em to­
dos os debates sobre o uso público das línguas no Mar­
rocos o problema do berbere nunca foi abordado: ape­
nas o Movimento Popular (fundado em 1957) reivindi­
cará permanentemente o ensino do berbere...
E no início do período escolar de 1957, logo após
a independência e sob o impulso do ministro da Edu­
cação, Mohamed El Fassi, que o primeiro ano do pri­

25. Nenhum recenseamento foi feito sobre essa questão e dis­


pomos somente de dados aproximativos sobre ela.
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 149

mário será arabizado. A medida, precipitada e mal


preparada, foi um fracasso total e, em consequência,
o ministro renunciou ao cargo em 1958. Mas a ques­
tão passa a fazer parte da ordem do dia: o rei cria
uma comissão de reforma do ensino encarregada de
preparar um projeto, e o problema da arabização será
de novo abordado em junho de 1958, durante a pri­
meira reunião do Conselho Superior de Educação.
A primeira solução escolhida seria a de classes ex­
perimentais: em 1960, abre-se uma classe inteiramente
arabizada em Rabat e em Fez, uma outra, em 1961, em
Casablanca. Na mesma época, o Ministério da Adminis­
tração Pública e da Reforma Administrativa inaugurava
cursos de formação em árabe para todos os funcioná­
rios. Paralelamente, organismos de reflexão sobre a
arabização foram criados em Rabat (Instituto de
Arabização, Secretaria Permanente do Congresso para a
Coordenação da Arabização nos Países Árabes), enquan­
to o Conselho Superior de Educação Nacional, em outu­
bro de 1962, exigiu que o árabe fosse a única língua de
ensino. Na época, o ministério hesitava entre duas estra­
tégias: arabizar ano por ano ou matéria por matéria. A
primeira solução foi a escolhida e lançada em outubro de
1963: em 1967, todo o ciclo primário seria desse modo,
ano após ano, arabizado. Mas os resultados não foram
suficientemente convincentes: o afluxo dos alunos e a
queda do nível do ensino levaram o ministro Benhima a
regulamentar em 1965 o acesso dos alunos ao secundá­
rio. Apesar das violentas reações provocadas por essa
decisão, o ministro iria mantê-la em abril de 1966 e anun­
ciaria, ao mesmo tempo, sua intenção de que o ensino
das matérias científicas voltasse a ser feito em francês.
1 50 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Em 1965, o Ministério da Justiça foi oficialmente


arabizado, os demais setores da administração continua­
ram a utilizar o francês ou o árabe, de acordo com a oca­
sião, mas principalmente o francês, a julgar pelos inúme­
ros protestos dos usuários. Grandguillaume destaca com
humor que “esse afrancesamento persegue o marroquino
até o túmulo, pois até as autorizações de enterro são
redigidas em língua estrangeira”26. De fato, deixando de
lado a justiça, a arabização da administração ocorrería de
maneira não-coordenada, desordenadamente.
Em outubro de 1968, o rei anunciou uma medida
um tanto surpreendente, mas que parecia apresentar o
problema do ensino de maneira diferente. Tratava-se
de abrir em todo o país uma espécie de ciclo pré-esco-
lar, de escolas corânicas “modernas”, que as crianças
frequentariam dos 5 aos 7 anos. Esse sistema, que se­
ria efetivamente estabelecido, colocava claramente em
debate a questão sobre qual árabe ensinar: se as crian­
ças marroquinas começavam seu ciclo escolar com dois
anos de escola corânica, evidentemente era o árabe do
Alcorão que iriam ali estudar. Entrariam em seguida
no sistema de ensino primário. Para o resto, apesar dos
protestos de uma parte da opinião, o bilinguismo era
mantido a partir do terceiro ano do primário.

Na Tunísia

A Tunísia é o país da África do Norte cuja situação


linguística é a mais simples: o berbere praticamente desapa­
receu de cena e o reduzido tamanho do território faz com

26. Op. cit., p. 79.


A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 151

que o árabe falado seja ali praticamente unificado. Em 1958,


o árabe foi introduzido nos dois primeiros anos do primá­
rio, medida que foi acompanhada pela supressão das esco­
las corânicas. No mesmo ano, decidiu-se por uma interven­
ção no ambiente linguístico: as placas de todo o comércio
foram arabizadas. Onze anos mais tarde, Ahmed Ben Salah,
que era o responsável pela educação no governo, decidiu
restabelecer o ensino do francês nesses dois primeiros anos.
Aparentemente contava com o apoio do presidente
Bourguiba, mas, em novembro de 1969, dois meses após o
início do ano letivo, ele perde seu posto. No entanto, sua
reforma será aplicada e mantida durante dois anos. Em
1971, o primeiro ano do primário será novamente arabizado;
em 1976 será a vez da arabização do segundo ano e em
1977, do terceiro. Paralelamente, arabizava-se certo núme­
ro de matérias no secundário (filosofia, história, geografia)
e no superior (ciências humanas).
Ainda nessa mesma época, um debate (iniciado na
Assembléia Nacional em 1970) sobre a arabização agitava a
classe política e os intelectuais. O principal objetivo era fa­
zer oposição à noção de “tunisificação”, defendida por al­
guns ministros, que não colocava o problema linguístico em
primeiro plano. Posteriormente, em 1974, surgiu tuna polê­
mica entre Hedi Balegh, que reivindicava o uso do dialeto
tunisiano e não das “línguas aristocráticas” (o árabe literá­
rio e o francês), e o ministro Mzali para quem “o árabe
falado não é uma língua de civilização”. Ao longo desse tem­
po, a arabização da administração ocorreu, assim como no
Marrocos, desordenadamente. Apenas os ministérios da
Justiça e do Interior foram arabizados no início dos anos
1970, mas em que árabe? Uma anedota famosa ilustra bem
esse problema. O presidente da República, Habib Bourguiba,
1 52 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

num discurso pronunciado em 1965, assinalava que o fato


de redigir os autos em árabe literário, enquanto os depoi­
mentos eram feitos em árabe falado, fazia com que esses
últimos corressem o risco de ser deformados, e ele teria
declarado a um oficial de polícia (em dialeto tunisiano): “Ela
prestou depoimento em dialeto, escreva-o tal e qual”. Sete
anos mais tarde, em julho de 1972, ele voltaria a esse tema
numa entrevista à televisão francesa, discorrendo sobre os
tunisianos: “Eu não falo com eles em árabe regular, o árabe
dos antigos, mas o árabe que eles mesmos falam...”
Esses diferentes debates podem parecer estranha­
mente calmos se comparados ao que aconteceu na Ar­
gélia. E verdade que na Tunísia, como já mencionamos,
não havia o problema do berbere, o que desapaixonou
consideravelmente as discussões. Mas, a despeito do
peso da religião, o problema do dialeto, do árabe falado
ou tunisiano, como se queira (em tunisiano é chamado
de bârbríl), foi exposto de uma maneira clara, em dife­
rentes níveis, inclusive no mais elevado, o que está lon­
ge de ser o caso dos dois outros países.

Na Argélia

O problema da arabização na Argélia se encontra,


desde o início, mergulhado nas contradições internas
de um Estado “socialista”, cuja política externa o im­
pulsiona em direção aos países do Oriente e que faz,
por outro lado, referências permanentes ao islamismo.
Alguns meses depois da independência, no começo do
ano letivo de 1962, o governo da Argélia introduziu
sete horas semanais de ensino do árabe no sistema es­
colar primário. A reforma continuará em ritmo força­
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS <0 STATUS) 153

do: dez horas semanais, além de um ensino religioso


instaurado em 1964 e do primeiro ano do primário
inteiramente arabizado e, por fim, a criação de um “en­
sino original” inteiramente arabizado e de tendência
religiosa que será mantido até 1976. Em razão da au­
sência de professores habilitados, haverá um recruta­
mento de “monitores” de um nível muito baixo, quase
sempre oriundos de escolas corânicas, bem como de
professores egípcios e, posteriormente, sírios. Depois do
golpe de Estado que destituiu Ben Bella, em 1965, a
arabização segue no mesmo ritmo: em 1967, o segundo
ano do primário é arabizado, os anos seguintes são par­
cialmente arabizados em 1968 etc. Na universidade, no
entanto, as coisas ocorrem muito mais lentamente: os
estudantes são hostis ao ensino em árabe27, o que leva,
em 1971, à instauração de um exame obrigatório de
árabe em todas as licenciaturas ensinadas em francês.
As coisas andam igualmente rápido nas engrena­
gens do Estado. Em 1968, um decreto decide pela
arabização da administração. Em seguida, em 1970, uma
portaria ministerial fixa o nível de domínio da língua
árabe que os funcionários públicos devem ter (os altos
funcionários serão dispensados desse pré-requisito em
1973). Essas medidas são acolhidas de maneiras dife­
rentes: os funcionários públicos, em particular, temem
ser dispensados ou não ser promovidos. Mas a arabização
prossegue no mesmo ritmo, ou quase: o noticiário cine­
matográfico havia sido arabizado em 1967, um terço das

27. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de


Berkeley por encomenda da Argélia em 1967, 80% dos jovens argeli­
nos são hostis à arabização da universidade.
1 54 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

seções científicas do primeiro ano do secundário o são


em 1971, as inscrições públicas em 1976 etc.
Ao longo dessa política de arabização, três pro­
blemas estão constantemente subjacentes:
• O problema dos dialetos. Em 1963, por exem­
plo, houve uma grande polêmica sobre as can­
ções difundidas pela Rádio Alger, criticadas
por serem quase sempre em árabe clássico,
embora já existisse uma canção popular em
árabe argelino.
• O problema do cabila. Da mesma forma que
no Marrocos, é difícil saber com certeza
quantos argelinos têm o berbere como língua
materna, mas podemos estimá-los em 30%
da população. Desde a independência, esses
berberes se opuseram à arabização em nome
da defesa de sua língua e de sua cultura, o que
os levou primeiramente se engajarem na ma­
nutenção do francês, e depois a reivindicar a
utilização oficial das “línguas populares”, ou
seja, o árabe argelino e o berbere. Diante des­
sas hesitações, o poder respondeu com a re­
pressão: suprimiu, em 1973, a cátedra de
berbere que Mouloud Mammeri ocupava na
universidade; proibiu, em 1976, a revista Le
Fichier Berbère e proibiu, em 1980, uma con­
ferência de Mammeri sobre a poesia cabila etc.
• E por trás de tudo isso aparece, obviamente, o
problema da religião, comum aos três países
da África do Norte.
Esses três países tinham um passado comum (territó­
rio originalmente berbere ocupado pelos árabes e colonizado
A AÇÃO SOBRE AS LÍNGUAS (O STATUS) 155

posteriormente pela França) e um problema comum (como


passar a um ensino árabe?), mas, como vimos, com situa­
ções e abordagens muito diferentes desse problema. E bem
verdade que eles tentaram harmonizar suas políticas lin­
guísticas (Conferência dos Ministros da Educação Nacional
da África do Norte em fevereiro de 1966, em Túnis; criação
de um Comitê consultivo norte-africano encarregado de tra­
balhar pela determinação de um “árabe fundamental” em
toda a África do Norte; segunda reunião da Conferência
dos ministros da Educação nacional em abril de 1967 em
Aigel; terceira reunião em junho de 1969 em Rabat etc.).
Mas, na realidade, eles não constituíram organismos co­
muns de arabização. A lista dessas instituições apresentada
por G. Grandguillaume é, desse ponto de vista, eloquente.
Sob o título “As instituições da arabização”, ele dá dois or­
ganismos permanentes, O Instituto de Estudos e de Pesquisa
para a Arabização (em Rabat) e a Secretaria de Coordenação
da Arabização, financiada pela Liga Árabe e que trabalha
com a terminologia, aos quais é preciso acrescentar quatro
organismos que se reúnem periodicamente, entre os quais
apenas o Comitê Consultivo Norte-africano produziu uma
obra, dedicada ao “árabe funcional”. Mas é pouco, sobretu­
do porque o conflito fronteiriço entre a Argélia e o Marrocos
a respeito do território saaráui não facilitou a colaboração
entre os linguistas desses dois países...
E difícil hoje em dia avaliar o resultado dessas
políticas linguísticas (alguns se felicitam, outros che­
gam a dizer que se criou uma geração de analfabetos
em árabe e em francês). Mas é evidente que a arabiza­
ção, ao menos na Argélia e no Marrocos, está longe de
ser um grande sucesso, e podemos tentar listar as prin­
cipais razões das dificuldades encontradas:
1 56 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

• a constante confusão entre o nível político e o


nível religioso. Esse problema certamente foi tra­
tado de maneiras diferentes em cada país (su-
primiram-se as escolas corânicas na Tunísia, elas
foram transformadas numa espécie de ciclo pré-
primário no Marrocos), mas o estatuto ideológi­
co muito particular da língua para os árabes
pesou enormemente sobre as discussões.
• o fato de a língua escolhida como língua nacio­
nal nunca ter sido uma língua falada pelo povo;
• o problema berbere, em pelo menos dois dos
três países: na Argélia e no Marrocos, a arabi­
zação foi vista pelos berberes como dirigida
contra sua língua e sua cultura.
• O fato de o francês, mesmo que sua impor­
tância tenha diminuído muito, ter-se tornado
uma língua de privilegiados.
Assim, a função nacionalista da arabização foi
de certa forma “poluída” tanto pelo integralismo mu­
çulmano como pelos conflitos entre árabes e berberes
e os ressentimentos pós-coloniais com relação à língua
francesa. No mesmo ponto em que a Tanzânia e a
Indonésia, países igualmente muçulmanos, souberam
promover uma língua nacional que não lesava as lín­
guas maternas, ou onde a Suíça tentou, com êxito,
organizar seu plurilinguismo, os países da África do
Norte fizeram uma escolha que só poderia causar vio­
lentos conflitos e cujos efeitos continuamos a ver.
Mas o efeito mais marcante da história sobre as situa­
ções linguísticas reside, sem dúvida, no fato de que os paí­
ses da África do Norte ainda estão por garantir o status de
uma das línguas mais faladas no mundo, enquanto a França
trabalha pelo status de sua língua no mundo.
CONCLUSÃO

As políticas linguísticas estão em ação em todo o


mundo, sempre acompanhando movimentos políticos
e sociais, e a mudança linguística vem reforçar a emer­
gência de nações e suas coesão ou, ao contrário, a divi­
são de alguns países em novas entidades políticas. Men­
cionamos muitos exemplos dessas situações, particu­
larmente nos capítulos IV e V deste livro. Na Norue­
ga, a busca de uma língua unificada veio reforçar a
vontade nacional atuando sobre a língua para distin-
gui-la o máximo possível do dinamarquês. Em outros
lugares, essa tradução linguística do nacionalismo pode
acompanhar as piores ações militares: na ex-Iugoslá-
via, por exemplo, os que falavam ontem uma língua
comum, o servo-croata, empenham-se hoje em falar o
sérvio, o croata ou o bósnio1. Nos países da África do
Norte, onde os problemas religiosos misturam-se aos
problemas linguísticos, eles sempre dificultaram os de­
bates etc. As políticas linguísticas existem para nos
recordar, em caso de dúvida, os laços estreitos entre
línguas e sociedades.

1. Em 1991 foi publicado, em Zagreb, um dicionário das distin­


ções entre as línguas servo e croata: Razlikovni Rjecnik Srpskog i
Krvastskog Jezika.
1 58 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

Mas outras políticas linguísticas (na Tanzânia, na


Suíça, na Indonésia, na Catalunha...) parecem ter tido
sucesso. Como explicar o fato de que uma política lin­
guística possa ter êxito ou dificuldades em ser aplica­
da? Os fatores que facilitam o êxito podem ser históri­
cos (na época da independência da Tanzânia, por exem­
plo, o suaíli já era escrito e utilizado havia muito tempo
na administração local, o que facilitou sua promoção).
Os fatores são frequentemente simbólicos: o suaíli ain­
da era visto como a língua da independência, e não po­
dia ser assimilado à língua de um grupo étnico impon-
do-se às outras, como aconteceu com o malaio na
Indonésia. Os fatores que atuam contra são, às vezes,
técnicos: a ausência de equipamentos de uma língua, a
precipitação demasiadamente grande, ou ainda o tama­
nho do país (como no caso da China). Esses fatores se
devem frequentemente ao imperialismo linguístico do
Estado, como nos países da África do Norte, onde a
língua nacional não é exatamente aquela falada pelo
povo. Por fim, são fatores que dependem, de maneira
contraditória, dos modos de decisão: se regimes políti­
cos fortes, como o da Turquia, podem sem dificuldade,
ao menos por um tempo, impor sua política, por outro
lado, muita democracia também pode, como no caso da
Noruega, prejudicar o processo de planejamento.
O que é necessário então para que uma política lin­
guística tenha todas as chances de dar certo? À luz dos
estudos de caso apresentados neste livro e de outros que
não tivemos tempo de mencionar, é possível fazer uma
lista dos fatores otimizadores, lista que tem origem, aliás,
no bom senso. Para que uma língua possa ser, por exem­
plo, promovida a língua nacional, é preferível que:
CONCLUSÃO 159

•seja falada por uma larga maioria da população;


seja aceitável como símbolo da unidade nacional,

sem prejudicar ninguém, e o melhor caso seria a
escolha de uma língua veicular, se houver;
• seja equipada, pronta para preencher as fun­
ções às quais se destina. Caso contrário, esse
equipamento deve ocorrer imperativamente
antes da promoção da língua;
• a política linguística seja explicada à popula­
ção e aceita por ela.
Em sua obra dedicada à história do suaíli, Wilfred
Whiteley se interrogava: “Que lições nos dão a Turquia
dos anos 1930 e 1940, a Malásia e a China de hoje ou
1984 de George Orwell?”2 E essa associação entre al­
guns exemplos de planejamento linguístico e um roman­
ce de ficção política, que foi durante muito tempo sím­
bolo do totalitarismo, é interessante porque enfatiza
precisamente o problema da democracia. Em todo pla­
nejamento, há um reduzido número de planejadores e
um grande número de planejados aos quais raramente
se pergunta a opinião. Deste ponto de vista, o exemplo
da francofonia é interessante. Vê-se bem a importância
da África para o futuro da língua francesa, mas uma
política linguística consequente deveria também questio­
nar-se sobre a importância do francês para o futuro da
África: qual o papel das línguas no desenvolvimento,
que lugar o francês pode ocupar neste processo etc
As políticas linguísticas apresentam também pro­
blemas teóricos. A história recente da intervenção
humana voluntária sobre as línguas nos mostra o que

2. W. Whiteley, Swahili, the Rise ofa National Language. London:


s.e., 1969, p. 93.
1 60 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

há de política linguística na linguística. Os primeiros


teóricos se preocupavam apenas com a ação sobre a
forma das línguas, numa época em que a linguística se
preocupava apenas em descrever a estrutura das lín­
guas. Depois, à medida que a linguística se torna so-
ciolinguística e que tenta descrever as relações entre
línguas e sociedades, passando a interessar-se pelo
plurilinguismo e pelos sentimentos linguísticos etc., as
políticas linguísticas vão se interessar pelas funções
das línguas, e essa passagem do corpus ao status de­
monstra tanto a evolução da política linguística quan­
to da ciência das línguas.
Mas a questão teórica primordial levantada pela
própria ideia de política linguística é a seguinte: em
que medida o homem pode intervir sobre a língua ou
sobre as línguas? Inúmeros exemplos nos mostram que
essa intervenção é possível, mas eles não dispensam a
teorização... De fato, vimos que as políticas linguísti­
cas funcionam no modo da imitação, que elas tentam
reproduzir in vitro o que acontece milhares de vezes in
vivo na história das línguas. Mas vimos também que,
às vezes, tais políticas fracassam, que elas colidem com
dificuldades práticas: a imitação atinge, então, seus
limites. E esse princípio de evolução tendencial para
um nível de ineficiência poderia ser um tipo de vin­
gança das línguas, ou seja, dos falantes, sobre os que
pretendem lhes impor uma evolução.
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ÍNDICE DE NOMES

A E
Aasen, I. 23,113 ElFassi, M. 148
Academia Francesa, 23
Alisjabana, S. T. 14 F
Aracil. L. 16,18,33,34,161 Fasold, R. 46,47,48,49,51,
Atatürk, M.K. 23,108,109,116 56, 59, 162
Ferguson, C. 13, 14,15,18,
B
33,38,39,40,41,42,43,
Balladur, E. 99
44, 46, 59, 128, 162
Balegh, H. 51
Fishman, J. 13, 14, 15,18, 38,
Bazin. L. 110,112,161
161, 162
Bella, B. 153
Benhima, 149 G
Ben Salah, A. 151 Galtier, G. 107,162
Bourguiba, H. 136,138,151 Giscard d’Estaing, V. 143
Bright, W. 12,13,162 Glück.H. 15
Byron, J. 14
Grandguillaume, G. 145,147,
C 150, 155, 162
Calvet, L.-J. 7, 9,18, 161 Gumperz 13
Catafago, A. 115, 161 Guespin, 17
Chaudenson, R. 18,49,51,59,
140, 144, 161 H
Círculo de Praga 19 Hamel, R.E. 16,79,162
Cirilo 11 Haugen, E. 12, 13, 18, 19, 20,
21, 22, 23, 24, 25, 28, 30,
D 32,113, 162
Das Gupta, J. 13,14, 15, 162 Hymes 13
De Gaulle, C. 131
DeFrancis, J. 15 J
Duval-Valentin, M. 126,128, Jakobson, R. 23
129, 162 Jernudd, B. 13, 14, 15, 164
166 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

K P
Kin, Pa 89 Panini 21
Kloss, H. 28,129,163 Pompidou. G. 143
Knecht, P. 126, 163 Prudent, L.-F. 33, 163
Knudsen. K. 113
Komisi Bahasa Indonesia 31,124 R
Korais 23 Ray, P. S. 25, 26, 28, 163
Richelieu, 23
L Rocard, M. 99, 100
Labov, W. 13 Rubattel, C. 127,163
Labrousse, P. 124,125,163 Rubin, J. 13, 14, 15, 164
Lafont, R. 33, 163
Laporte, P.-E. 15, 163 S
Salt, H. 118,164
M Samarin 13
Mammeri, M. 154 Sambhota, T. 11
Marcellesi, 17 Santos, B. 9
Meillet, A. 19, 161 Sedar Senghor, L. 136
Metódio 11 Simon, H. 22
Mistral, F. 23 Stewart, W. 38, 42, 43, 45, 46,
Mitterrand, F. 139,143 59, 164
Murville, M. C. de 142
Mzali, 151 T
Tauli, V. 25,27,28,164
N Tse Tung, M. 89
Nebrija, 23 Turé, S. 82, 83
Ninyoles, R. 15, 18, 163 Turi,J. 76, 164
Nyerere,J. 120
V
O Varela, L. 9
O’Barr, J. 14,163
O'Barr, W. 14, 163 w
Ophuysen, C, Van 123 Whiteley, W. 118, 159,164
Orwell, H. 159 Wilson, W. 141
NA PONTA DA LÍNGUA
1. Estrangeirismos —guerras em torno da lingua, Carlos Alberto Faraco [org.]
2. Lingua materna — letramento, variação e ensino
Marcos Bagno, Michael Stubbs & Gilles Gagné
3. História concisa da linguística, Barbara Weedwood
4. Sociolinguística — uma introdução crítica, Louis-Jean Calvet
5. História concisa da escrita, Charles Higounet
6. Para entender a linguística — epistemologia elementar de uma disciplina,
Robert Martin
7. Introdução aos estudos culturais, Armand Mattelart & Erik Neveu
8. A pragmática, Françoise Armengaud
9. História concisa da semiótica, Anne Hénault
10. A semântica, Irène Tamba
11. Linguística computacional — teoria &. prática
Gabriel de Ávila Othero & Sérgio de Moura Menuzzi
12. Linguística histórica — uma introdução ao estudo da história das línguas,
Carlos Alberto Faraco
13. Lutar com palavras — coesão e coerência, Irandé Antunes
14. Análise do discurso — história e práticas, Francine Mazière
15. Mas o que é mesmo “gramáticaCarlos Franchi
16. Análise da conversação: princípios e métodos, Catherine Kerbrat-Orecchioni
17. As políticas linguísticas, Louis-Jean Calvet
18. Práticas de letramento no ensino: leitura, escrita e discurso
Carlos Alberto Faraco, Maria do Rosário Gregolin, Gilvan Müller de
Oliveira, Telma Gimenez & Luiz Carlos Travaglia
19. Relevância social da linguística: linguagem, teoria e ensino
Luiz Percival Leme Britto, Marcos Bagno, Neiva Maria Jung, Esméria de
Lourdes Saveli & Maria Marta Furlanetto
20. Todo mundo devia escrever, Georges Picard
21. A argumentação, Christian Plantin
22. Tradição oral & tradição escrita, Louis-Jean Calvet
23. Tradução — história, teorias e métodos, Michael Oustinoff
24. Gramática de bolso do português brasileiro, Marcos Bagno
25. Cinco ensaios sobre humor e análise do discurso, Sírio Possenti

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