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56ª edição
revista e ampliada
Direção: Andréia Custódio
Capa e diagramação: Telma Custódio
Revisão: Karina Mota
Fotos da capa: Arquivo público do Distrito Federal
B134p
Bagno, Marcos, 1961-
Preconceito linguístico / Marcos Bagno. - 56ª ed. revista e ampliada
- São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
352 p. ; 17 cm. (Parábola breve ; 6)
Direitos reservados à
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zida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.
ISBN: 978-85-7934-098-7
© do texto: Marcos Bagno, janeiro de 2015.
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, janeiro de 2015.
Sedule curavi humanas actiones non ridere,
non lugere, neque detestare,
sed intellegere.
Spinoza
Importante saber.................................................................. 9
1 A mitologia do preconceito linguístico.............. 21
Mito nº 1: “O português do Brasil apresenta uma
unidade surpreendente”................................... 25
Mito nº 2: “Brasileiro não sabe português/
Só em Portugal se fala bem português”........... 37 7
Mito nº 3: “Português é muito difícil”................................ 57
Mito nº 4: “As pessoas sem instrução falam tudo
errado”................................................................ 64
Mito nº 5: “O lugar onde melhor se fala português
no Brasil é o Maranhão”..................................... 71
Mito nº 6: “O certo é falar assim porque se escreve
assim”.................................................................. 79
Mito nº 7: “É preciso saber gramática para falar e
escrever bem”......................................................91
Mito nº 8: “O domínio da norma-padrão é um
instrumento de ascensão social”.................... 104
2 O círculo vicioso do preconceito
linguístico.................................................................. 109
Os três elementos que são quatro.................................... 109
Sob o império de Napoleão............................................... 118
Um festival de asneiras...................................................... 123
A falta de estilo de Josué................................................... 136
Beethoven não é dançado!................................................ 139
3 A desconstrução do preconceito linguístico.............151
Reconhecimento da crise................................................................ 151
Mudança de atitude......................................................................... 165
O que é ensinar português?............................................................. 170
O que é erro?......................................................................................174
Então vale tudo?............................................................................... 183
A paranoia ortográfica..................................................................... 186
Subvertendo o preconceito linguístico.......................................... 196
4 Linguagem, metalinguagem ou EPIlinguagem?...............203
Metalinguagem: a linguagem para falar da linguagem................. 203
Sala de aula ou necrotério?............................................................. 208
O que é epilinguagem?..................................................................... 212
Atividades epilinguísticas exemplares........................................... 217
A metalinguagem tem seu lugar..................................................... 224
E quem nos salva da matalinguagem?............................................ 228
Em suma…........................................................................................ 231
5 O preconceito contra a linguística e os linguistas...235
Uma “religião” mais velha que o cristianismo...............................235
8
Português ortodoxo? Que língua é essa?....................................... 243
Devaneios de idiotas e ociosos....................................................... 246
A quem interessa calar os linguistas?............................................. 252
Preconceito linguístico
6 Casos exemplares..................................................................259
A mídia, o ENEM e a concordância.................................................. 259
Ensino de português: por que nada mudou?................................. 267
O sotaque e seu papel cultural........................................................ 275
Oba, vamos estudar gramática?..................................................... 282
Nova classe média (?), nova língua urbana?................................... 292
Presidenta, sim!................................................................................ 297
Racismo linguístico..........................................................................304
Vamos largar as muletas e andar livremente pela escrita?............. 311
Vamos jogar no lixo esse maldito “coloquial”!............................... 318
Mas afinal, o que é “a sociedade”?.................................................. 325
Isso é grego pra mim!....................................................................... 330
Que língua de Camões que nada!.................................................... 337
Referências bibliográficas.........................................................345
Índice de nomes...............................................................................347
Importante saber
Importante saber
número infinitamente menor. É claro que o livro po-
dia e continua podendo ser criticado, mas a crítica
perde todo o seu efeito saudável quando se transfor-
ma em ataque pessoal e deixa explícito o sentimento
da intolerância, a maior inimiga da humanidade em
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todos os tempos, hoje mais do que nunca!
Para os que já leram e apreciaram o livro, esta
nova edição vai revelar inúmeras surpresas (espero
que todas agradáveis). Tentei esclarecer alguns pon-
tos, aprofundando discussões que, parece, foram fei-
tas de modo superficial na versão anterior, deixan-
do margem a interpretações ambíguas, quando não
distorcidas, das propostas teóricas e políticas dos
educadores brasileiros engajados numa transforma-
ção (para o bem) das relações entre língua, escola e
sociedade. Também acrescentei material novo, com
discussões bem recentes em torno de alguns temas
que suscitaram algum debate público em torno de
questões de linguagem.
A principal modificação se encontra no plano da
terminologia. Abandonei definitivamente a expres-
são “norma culta” por causa das muitas ambiguida-
des que ela implica. Como se sabe, esse mesmo rótulo
é empregado, sem critérios claros, tanto para se refe-
rir ao modelo idealizado de língua “certa” prescrito
pelas gramáticas normativas e por seus divulgadores
quanto para designar o modo como realmente falam
(e escrevem) os brasileiros urbanos, letrados e de
status socioeconômico elevado. Ora, essas duas enti-
dades são profundamente diferentes. Quarenta anos
de pesquisa sociolinguística no Brasil têm demons-
trado que existe uma distância muito grande entre
o “português” que as gramáticas normativas tentam
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impor como uso único e exclusivo da língua e os va-
riados modos de falar que encontramos na atividade
Preconceito linguístico
Importante saber
à escolarização de qualidade, desprovidos de muitos
de seus direitos mais elementares.
Com isso, quero deixar claro que a norma-padrão
não faz parte da língua, isto é, não é um modo de
falar autêntico, não é uma variedade do português
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brasileiro contemporâneo. Ela só aparece, e ainda
assim nunca integralmente obedecida, em textos es-
critos com alto monitoramento estilístico, nos quais,
porém, já é bastante significativa a presença das
inovações linguísticas próprias da verdadeira língua
dos brasileiros, uma língua que procurei descrever o
mais exaustivamente possível nas mais de mil pági-
nas da minha Gramática pedagógica do português
brasileiro, lançada em 2012.
Um mínimo exemplo pode esclarecer essa neces-
sidade de distinguir a norma-padrão ideal das varie-
dades urbanas de prestígio. Em qualquer gramática
ou livro didático, encontramos a formação do modo
imperativo sempre apresentada da mesma maneira.
Quando se trata do imperativo negativo na segunda
pessoa do singular (tu), a única forma descrita é do
tipo “não fales”, “não comas”, “não peças” etc. Ora,
em nenhum lugar do Brasil, em nenhuma classe so-
cial, se usa essa forma do imperativo negativo. Mes-
mo em lugares (como o Pará e o Maranhão) onde o
pronome tu é empregado com a morfologia clássica
em outros tempos e modos ( falas, falaste, falasses),
o imperativo negativo se faz ou como “não fala”, “não
come”, “não pede”, ou como “não fale”, “não coma”,
“não peça”. Ninguém, portanto, na fala normal e es-
pontânea (e mesmo na escrita monitorada), usa a for-
ma prevista pela norma-padrão. Por isso, é possível
dizer que a norma-padrão não faz parte da língua, se
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por língua entendermos a atividade linguística real
dos falantes em suas interações sociais.
Preconceito linguístico
Importante saber
em nada para a verdadeira educação linguística
dos cidadãos — com isso, o ensino explícito da
gramática, como objeto de reflexão e teorização,
deve ser abandonado nas primeiras etapas da
escolarização em favor de uma real inserção dos
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aprendizes na cultura letrada em que vivem;
◊ todos os aprendizes devem ter acesso às varie-
dades linguísticas urbanas de prestígio, não
porque sejam as únicas formas “certas” de fa-
lar e de escrever, mas porque constituem, junto
com outros bens sociais, um direito do cidadão,
de modo que ele possa se inserir plenamente na
vida urbana contemporânea, ter acesso aos bens
culturais mais valorizados e dispor dos mesmos
recursos de expressão verbal (oral e escrita) dos
membros das elites socioculturais e socioeconô-
micas; o acesso e a incorporação dessas varieda-
des urbanas de prestígio se fazem pelas práticas
de letramento mencionadas acima, por meio do
convívio intenso, sobretudo no ambiente escolar,
com os gêneros textuais discursivos mais rele-
vantes para a interação social nos modos de vida
contemporâneos;
◊ é imprescindível reconhecer que essas varieda-
des urbanas de prestígio não correspondem inte-
gralmente às formas prescritas pelas gramáticas
normativas, isto é, não correspondem à norma-
-padrão tradicional: uma grande quantidade de
regras prescritas pela norma-padrão tradicional
já caíram na obsolescência, já deixaram de ser
seguidas até mesmo pelos escritores mais con-
sagrados nos últimos cem anos (se não mais),
assim como muitos usos não normativos já se in-
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corporaram plenamente à língua falada das ca-
madas sociais privilegiadas e à língua escrita nos
Preconceito linguístico
Importante saber
rias científicas mais recentes — se a prática da
pesquisa, da reflexão sobre a constituição histó-
rica dos campos de conhecimento, da contesta-
ção e revisão dos postulados científicos ocorre
em todas as demais disciplinas do currículo es-
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colar, não existe justificativa alguma para que
ela não ocorra também nas aulas de língua: se os
professores de ciências não podem mais ensinar
que Plutão é um “planeta”, por que os professo-
res de português devem continuar a ensinar que
você é mero “pronome de tratamento”, que existe
uma “flexão de grau” ou que o verbo preferir não
admite construções comparativas do tipo “prefi-
ro mil vezes cinema do que teatro”?
◊ a variação linguística tem que ser objeto e obje-
tivo do ensino de língua: uma educação linguísti-
ca voltada para a construção da cidadania numa
sociedade verdadeiramente democrática não
pode desconsiderar que os modos de falar dos
diferentes grupos sociais constituem elementos
fundamentais da identidade cultural da comuni-
dade e dos indivíduos particulares e que denegrir
ou condenar uma variedade linguística equivale
a denegrir e a condenar os seres humanos que a
falam, como se fossem incapazes, deficientes ou
menos inteligentes — é preciso mostrar, em sala
de aula e fora dela, que a língua varia tanto quanto
a sociedade varia, que existem muitas maneiras
de dizer a mesma coisa e que todas correspon-
dem a usos diferenciados e eficazes dos recursos
que o idioma oferece a seus falantes; também é
preciso evitar a prática distorcida de apresentar
a variação como se ela existisse apenas nos meios
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rurais ou menos escolarizados, como se também
não houvesse variação (e mudança) linguística
Preconceito linguístico
Importante saber
Brasília, 1o de janeiro de 2015.
Marcos Bagno
www.marcosbagno.org
19
1 A mitologia
do preconceito linguístico
1
Ver a respeito o livro Declaração universal dos direitos linguísti-
cos, organizado por Gilvan Müller de Oliveira e publicado em 2003
pela editora Mercado de Letras em coedição com o IPOL (Instituto de
Desenvolvimento e Investigação em Política Linguística). O IPOL é
uma organização não governamental, sediada em Florianópolis, que
desenvolve projetos muito importantes na área da política linguísti-
ca. Vale a pena conhecer: <www.ipol.org.br>; acesso em 05/12/2014.
verno democrático foi precisamente democratizar as
relações linguísticas no território espanhol, oficiali-
zando o catalão, o basco e o galego, ao lado do caste-
lhano, nas regiões em que essas línguas são faladas.
O espaço social deixado vago pela inexistência de
uma política linguística oficial, de âmbito nacional,
acaba sendo ocupado, infelizmente, por uma política
linguística difusa, confusa e retrógrada, justamente
aquela praticada de modo repressor, persecutório e
cientificamente desinformado pelas diversas instân-
cias da sociedade que, de um modo ou de outro, se in-
teressam pela questão da(s) língua(s): a pedagogia tra-
dicional, as editoras de revistas e livros, as academias
de Letras, os meios de comunicação de massa, poderes
24 executivos e/ou legislativos estaduais e municipais etc.
É a falta de uma política linguística bem traçada que
Preconceito linguístico
Mito nº 1
“O português do Brasil apresenta
uma unidade surpreendente”
linguística do Brasil”.
Esse mito é muito prejudicial à educação por-
que, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do
português falado no Brasil, a escola tenta impor sua
norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua
comum a todos os mais de 200 milhões de brasilei-
ros, independentemente de sua idade, de sua origem
geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu
grau de escolarização etc. Com isso também se nega
o caráter multilíngue do nosso país, onde são fala-
das mais de duzentas línguas diferentes, entre lín-
guas indígenas, línguas trazidas pelos imigrantes