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463 Revista da Semana

do Patrimônio Cultural
de Pernambuco
ISSN 2525-4006

Ano I [2016] Vol.1 Núm.1


Aurora
GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio
Governador | Paulo Câmara Cultural de Pernambuco
Vice-Governador | Raul Henry
ORGANIZAÇÃO
Renata Echeverria
SECRETARIA DE CULTURA

Secretário de Cultura | Marcelino Granja CONSELHO EDITORIAL


Chefe de Gabinete | Socorro Lacerda Amanda Carla Gomes Paraíso
Secretária Executiva | Silvana Meireles Breno Albuquerque Brandão Borges
Gerente Geral de Articulação Social | Severino Pessoa Celia Maria Medicis Maranhão de
Gerente de Formação e Capacitação | Aurélio Molina Queiroz Campos
Gerente de Planejamento | Fernanda Lais Matos Daniella Felipe Espósito
Gerente de Administração e Finanças | Manoel Araújo Eva Fonsêca Passavante
Gerente de Políticas Culturais | Teresa Amaral Flávio Barbosa da Silva
Assessores de Comunicação | Tiago Montenegro e Michelle de Assunção Jeniffer da Silva Ferreira
Nilson da Rocha Cordeiro
Marcelo Renan Oliveira de Souza
FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E Renata Echeverria Martins
ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO – FUNDARPE

Presidente | Márcia Souto TEXTOS


Chefe de Gabinete | Marcela Torres Amanda Carla Gomes Paraíso
Vice-Presidente | Antonieta Trindade Daniella Felipe Espósito
Superintendente de Planejamento e Gestão | Gustavo de Azeredo Machado
Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento
Gerente de Administração e Finanças | Sandra Bruno
Ericka Maria de Melo Rocha Calábria
Gerente de Produção | Diego Santos
Eva Fonsêca Passavante
Superintendente de Gestão do Funcultura | Gustavo Duarte
Jeniffer da Silva Ferreira
Gerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Márcia Chamixaes
Marcelo Renan Oliveira de Souza
Gerente de Preservação Cultural | Celia Campos
Nilson da Rocha Cordeiro
Gerente de Equipamentos Culturais | André Brasileiro
Renata Echeverria Martins
Terezinha de Jesus Pereira da Silva
EQUIPE DA GERÊNCIA DE PRESERVAÇÃO CULTURAL
PROJETO GRÁFICO
Amanda Paraíso, Augusto Paashaus
E DIAGRAMAÇÃO
Breno Borges, Celia Campos
Cristiane Feitosa, Daniella Espósito
Flávio Barbosa da Silva
Eva Passavante, Flávio Barbosa, Gustavo Bandeira
Izabel Paashaus, Jeniffer Ferreira, Marcelo Renan,
Márcia Chamixaes, Maria José Agra, Nazaré Reis, REVISÃO
Neide Fernandes, Nilson Cordeiro, Raphaela Rezende, Amanda Carla Gomes Paraíso
Renata Echeverria, Roberto Carneiro, Rosa Bomfim
José Sabino, Tarcísio Paiva, Vera Lúcia Batista

Todos os direitos reservados.

Fundação do Patrimônio Histórico e


REVISTA DA SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE Artístico de Pernambuco - Fundarpe
PERNAMBUCO. Recife: FUNDARPE, v.1, n.1. 2016. 131p. Rua da Aurora, 463 - Boa Vista -
Recife/PE - CEP: 50.050-000
[81] 3184.3000 - 3184.3061
Anual
www.cultura.pe.gov.br/patrimonio
ISSN 2525-4006 preservacao@fundarpe.pe.gov.br

1. PATRIMÔNIO CULTURAL. 2. VIII SEMANA DO PATRIMÔNIO


CULTURAL.

CDD 363.69
Aurora
463 Revista da Semana
do Patrimônio Cultural
de Pernambuco

Ano I [2016] Vol.1 Núm.1

Recife
Fundarpe
2016
Detalhe da Oficina de Mamulengos com Tonho dos Pombos
e Zé Lopes de Glória do Goitá.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
APRESENTAÇÃO

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 5
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
APRESENTAÇÃO

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Resultado de uma Semana do Patrimônio exitosa em 2015, a Secretaria de


Cultura e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, através da Gerência
Geral de Preservação do Patrimônio Cultural, tomou a importante decisão de lançar a
primeira edição da Revista Eletrônica Aurora 463. Uma publicação produzida de forma
coletiva, que tem a intenção de registrar as ações e as atividades promovidas durante o
evento, constituindo-se como um espaço de difusão das diversas formas de pensar,
interpretar, experimentar e brincar o patrimônio; e promovendo a extensão do
conhecimento sobre preservação patrimonial.

Nesta edição, o leitor contará com as sessões: Memória – reunião de


depoimentos dos ex-colaboradores da Fundarpe, que participaram da criação do
projeto da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco e que contribuíram de forma
significativa para a elaboração dos seus conteúdos. Apresentamos também uma linha
do tempo das edições de 2008 a 2015; na sessão Giro do Patrimônio – imagens e
pequenos textos fazem um registro das atividades realizadas no Recife e nos municípios
parceiros: Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e
Paudalho durante a oitava edição do evento em 2015. No último bloco, Artigos
Científicos – poderão ser conferidos os trabalhos de pesquisadores, mestres e doutores
convidados de diversas universidades e áreas de atuação, que participaram como
palestrantes durante a VIII Semana do Patrimônio. A publicação Aurora 463 propõe
ampliar ainda mais as discussões e reflexões iniciadas durante o evento.

Desde a primeira edição, a organização tem movido esforços para aproximar a


pauta de preservação patrimonial da população e dos fazedores de cultura; uma das
estratégias adotadas em 2012 foi a criação dos quatro eixos que conduzem todas as
atividades promovidas durante a programação. Convidamos todos a Brincar com o
Patrimônio participando de oficinas do nosso centenário frevo, a entrar numa roda de
capoeira ou até cantar numa serenata; Experimentar o Patrimônio visitando
exposições, assistindo apresentações dos nossos Patrimônios vivos e de grupos
escolares; Interpretar o Patrimônio através de uma exposição fotográfica ou participar
de uma roda de diálogo que busca entender o protagonismo feminino no Maracatu
Nação e Pensar o Patrimônio em palestras, debates e seminários.

Aurora 463
6 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Marcelino Granja de Menezes
Márcia Maria da Fonte Souto

Em 2015, uma série de conquistas significativas no debate sobre as práticas de


preservação do patrimônio cultural de nosso estado foram alcançadas. A fim de
fortalecer o sentimento de responsabilidade social, o governador Paulo Câmara
assinou, no dia 17 de agosto de 2015, o decreto que institui a criação do Prêmio Ayrton
de Almeida Carvalho. O objetivo do prêmio é reconhecer a atuação exemplar da
sociedade civil em ações de valorização, promoção e difusão dos bens culturais
pernambucanos, uma estratégia que transforma projetos m vetores que consolidam o
debate sobre a preservação patrimonial.

O entendimento das transformações tecnológicas e sociais que vivemos exige


dos gestores e guardiões maior atenção na forma de proteger e promover os nossos
equipamentos culturais. O desafio está em fazer com que a população reconheça no
patrimônio a sua própria história, o legado e a marca da passagem de seus
antepassados como uma herança. O adensamento nas cidades cercou as relações
sociais com muros altos transmitindo uma sensação de insegurança e medo. Promover
o encontro da população nos espaços públicos e equipamentos culturais torna-se uma
excelente forma de humanizar as urbes, rompendo assim o silêncio provocado pelo
distanciamento físico que deixaram não somente as ruas, mas as relações vazias. Ciente
dessa responsabilidade, a gestão tem grande interesse em promover políticas culturais
de pactuação com a população, daí a importância do prêmio.

Todas essas ações reforçam a construção de uma memória afetiva em torno dos
bens materiais e imateriais que nosso povo construiu ao longo de tantos anos. A partir
do momento que a população se sente parte e se identifica com essa história, torna-se
uma grande aliada na preservação e divulgação dela.

Esperamos, portanto, que essa publicação desperte no leitor as várias práticas


de educação patrimonial. Boa leitura!

Marcelino Granja de Menezes Márcia Maria da Fonte Souto


Secretário de Cultura do Estado Presidente da Fundarpe

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 7
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
EDITORIAL

Aurora 463, revista eletrônica dedicada às ações realizadas durante


a VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, traz em seu
primeiro número depoimentos, registros visuais e artigos científicos sobre
a temática da preservação do patrimônio cultural do Estado, discutida e
debatida durante o evento em 2015. Nesta publicação, encontram-se,
portanto, diferentes visões sobre a preservação dos símbolos da cultura
pernambucana, cuja diversidade e capacidade de renovação e
ressignificação reafirmam-se cotidianamente em todo o Estado.

Aurora, que na mitologia romana representa a deusa do alvorecer,


renovava-se a cada amanhecer para percorrer os céus e anunciar a todos a
chegada do sol. Aurora, para os pernambucanos, empresta o nome à rua
que margeia o Rio Capibaribe, figurando entre as mais célebres músicas e
poesias, sendo também um dos cartões postais mais visitados e
fotografados no Recife. Aurora 463 é ainda o endereço onde está instalada
a Fundarpe, desde 1994, onde emanam e convergem diariamente ideias
sobre a preservação dos patrimônios culturais do Estado e de onde se
originou a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

O nome Aurora 463, agora anuncia, com ares de renovação, o


surgimento da revista da Semana do Patrimônio, sintetizando as ações de
sua oitava edição no ano de 2015, configurando mais esse instrumento da
Secretaria de Cultura do Estado e da Fundação do Patrimônio Histórico e
Artístico de Pernambuco para se pensar e atuar na preservação cultural em
nosso Estado.

Dessa forma, na sessão Memória, o leitor poderá conferir


depoimentos de ex-colaboradores da Fundarpe, como os das arquitetas
Terezinha Silva e Ericka Rocha, protagonistas na criação do projeto da
Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, e do antropólogo Eduardo

Aurora 463
8 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Comissão Editorial

Sarmento, que também muito contribuiu para pensar os conteúdos


desenvolvidos em várias edições ao longo dos últimos anos. Também
neste bloco, apresentamos uma retrospectiva das edições de 2008 a
2015, com o intuito de nortear a trajetória de crescimento da Semana do
Patrimônio no decorrer do tempo.

No Giro do Patrimônio, propomos uma mirada na diversidade de


ações e temas abordados conforme quatro eixos norteadores – brincar,
experimentar, interpretar e pensar o patrimônio, visando ampliar o diálogo
entre os diversos grupos sociais do Estado, nos seus múltiplos territórios
percorridos, entre eles, os municípios de Brejo da Madre de Deus, Caruaru,
Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paudalho e Recife.

Em Artigos Científicos, selecionamos 10 textos dos conferencistas e


palestrantes das mais variadas instituições brasileiras que durante a
Semana do Patrimônio de 2015, abordaram o tema sugerido - Práticas
sustentáveis e territórios de sociabilidades. São eles: Prof.º Dr. Bruno
Padovano (USP); Prof. Drª. Márcia Sant'Anna (UFBA); Prof.º Dr. Rogério
Proença (UFS); Profª. Dr.ª Julieta Leite (UFPE); Prof.º Dr. Josemir Melo
(UEPB); Profº. Dr. Gilberto Cysneiros (UFRPE) ; Mestre Gisela Motenegro
(IPHAN); Mestre Maria Emília Freire (IPHAN); Eduardo Hahn,
(Superintendente do IPHAN/RS); Pesquisadores: Mariana Gueiros, Pedro
Silva e André Cardoso.

Ao lançar esta primeira edição, confirmamos o compromisso da


publicação Aurora 463 com o debate e a reflexão das questões urgentes
sobre a preservação cultural dos patrimônios materiais e imateriais de
nosso Estado.

Comissão Editorial

Aurora 463
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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Márcia Souto 3

EDITORIAL
Comissão Editorial 7

MEMÓRIA
A FUNDARPE COMO ESPAÇO DE ESPECIALIZAÇÃO
PROFISSIONAL
Terezinha Silva 14

SEMANA DO PATRIMÔNIO: UMA DEMANDA DA


SOCIEDADE
Ericka Rocha 17

PENSAR E AGIR COM O PATRIMÔNIO: MEMÓRIAS


DE UM PERCURSO, RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Eduardo Sarmento 20

SEMANAS DO PATRIMÔNIO: UMA RETROSPECTIVA


Renata Echeverria Martins 23

GIRO NO PATRIMÔNIO
Brincar com o patrimônio 30
Experimentar o patrimônio 34
Interpretar o patrimônio 38
Pensar o patrimônio 42
ARTIGOS
PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO,
AÇÕES DE PRESERVAÇÃO E O TRABALHO DA ONG
AMIGOS DO TREM
André Luiz Rocha Cardoso 48

PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS


PÚBLICOS: ALÉM DA MODERNIDADE LÍQUIDA
Bruno Roberto Padovano 53

PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS MISSÕES -


RIO GRANDE DO SUL
Eduardo Hahn 64

A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL


DOS GUARARAPES
Gisela Amado de Albuquerque Montenegro 72

NOTAS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO


FERROVIÁRIO PERNAMBUCANO
Josemir Camilo de Melo 90

NOVAS TECNOLOGIAS E BENS PATRIMONIAIS:


O APLICATIVO PATRIMÔNIO PE MOBILE
Julieta Leite 95

A NOÇÃO DE SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO DA


POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO
CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL
Marcia Sant'Anna 101

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO


PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: O CASO DO COMPLEXO
DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS, EM JABOATÃO DOS
GUARARAPES-PE
Maria Emília Lopes Freire 117

DESENVOLVIMENTO DE TICS APLICADAS À


EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO
Pedro Henrique Barboza da Silva
Mariana Dantas Gueiros
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho 127
Caretas de Triunfo.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
MEMÓRIA

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
MEMÓRIA

A FUNDARPE COMO ESPAÇO DE


ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL

1
Terezinha de Jesus Pereira da Silva

Em 2007, fui convidada para participar da equipe técnica da


Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
– Fundarpe. Iniciava-se a gestão da presidência da Fundarpe
com a arquiteta Luciana Azevedo e da Diretoria de
Preservação Cultural – DPCult com a arquiteta Celia Campos. A
minha participação, como Coordenadora de Patrimônio
Histórico, foi através de uma cessão da Universidade Federal
de Pernambuco – UFPE ao Governo do Estado de
Pernambuco até 2010.

Enquanto Coordenadora de Patrimônio Histórico, tinha como


atribuições auxiliar a Diretoria de Preservação nas atividades
de: tombamento, divulgação dos patrimônios materiais e
imateriais, montagem de Plano de Preservação, fiscalização
dos bens tombados, coordenação dos levantamentos dos
bens para tombamento, coordenação do PEP - Programa de
Especialização em Patrimônio da Fundarpe, participação na
captação de recursos para atividades de Educação
Patrimonial, análise de projetos inscritos no Funcultura,
pesquisas, além de representação. Após conclusão das
atividades de coordenação, venho participando como
voluntária da Comissão de Patrimônio da antiga DPCult, após
eleição em reunião plenária da Semana do Patrimônio.

Em 2007, as ideias da Presidência e da Diretoria de


Preservação eram de dinamizar a Fundação através de política
de cultura no Estado, por meio do Plano de Gestão

1
Terezinha de Jesus Pereira da Silva é professora do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco. Foi Coordenadora de
Patrimônio Histórico da Fundarpe.

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Terezinha de Jesus Pereira da Silva

Pernambuco Nação Cultural, que teve ações interiorizadas nas 12 Regiões de


Desenvolvimento – RDs. Durante tal período, deu-se destaque especial para a
estratégia montada visando superar as carências de formação, principalmente na
DPCult. Como compensação da falta de pessoal, foi pensado um sistema de estágio
profissional para recém formados, à semelhança do Programa de Especialização de
Patrimônio – PEP do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN. Foi
criado um edital, que teve uma boa procura, para profissionais das áreas de Arquitetura
e Urbanismo, Turismo, História, Jornalismo, Biblioteconomia, Design e Computação.
Cada profissional selecionado tinha um supervisor para acompanhamento das
atividades. Minha participação na coordenação geral da montagem desta equipe
multidisciplinar rendeu uma dinâmica na participação da política de cultura do Estado
por meio do Plano de Gestão Pernambuco Nação Cultural. As escutas realizadas pelo
Plano de Gestão, nas Regiões / municípios, envolviam todas as Diretorias da Fundarpe
contemplando os bens materiais e imateriais. Tais atividades permitiram aproximação
com o conhecimento das demandas de patrimônio, bem como direcionar as ações do
Plano de Gestão. Como frutos deste momento foram produzidos registros gráficos e
digitais sobre a listagem dos patrimônios materiais e imateriais do Estado, ações de
Educação Patrimonial, outras bibliografias sobre os patrimônios, bem como a
participação em congressos nacionais e internacionais.

A duração do estágio profissional do PEP - Fundarpe rendeu uma qualificação aos


participantes de modo que muitos conseguiram novas atividades profissionais em
função de tal atuação. Devido às interpretações de aspectos trabalhistas, a proposta do
PEP foi reformulada para outro tipo de vínculo, enquanto não se realiza concurso
público para a Fundação.

Outra atividade que tem sido muito enriquecedora como contato para redirecionar as
ações de preservação para o Estado, foi o estabelecimento em calendário da Semana
do Patrimônio. A participação de diversos segmentos da sociedade tem sido
crescente. Tais momentos vêm funcionando também como espaço para atividades
de Educação Patrimonial.

Em 2010, por motivos familiares, precisei interromper as minhas atividades na


Fundarpe. Como síntese de tal momento, posso afirmar que a Fundarpe representou
para mim um espaço de especialização profissional, além de ganhar muitos amigos.

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MEMÓRIA

SEMANA DO PATRIMÔNIO:
UMA DEMANDA DA SOCIEDADE

Ericka Maria de Melo Rocha Calábria1

Ano de 2007. Era um momento de grande


concentração de energia para a construção de uma política
pública de cultura arrojada e inovadora em Pernambuco. Na
capital e nos diversos municípios do interior do Estado, foram
realizadas escutas com o objetivo de trazer oficialmente à luz
as demandas e expectativas da sociedade, referentes às
prioridades de atuação governamentais em cada linguagem
cultural. Sendo uma ação de início de gestão, caracterizava-se,
de fato, como uma atividade de planejamento, que permitia
ouvir, sistematizar e viabilizar o desempenho do Estado a partir
de uma metodologia participativa.

Na área de Patrimônio Cultural, as demandas


espelhavam, de modo geral, uma visão um tanto pessimista e
queixosa, sobretudo quando se tratava do patrimônio
construído, tão ameaçado pela ausência de capital para sua
manutenção, quanto por quadros de pujança de
desenvolvimento. Os recursos empregados nas construções
que constituem a paisagem urbana de quase todas as cidades
do interior caminhavam, em sua maior parte, no sentido de
apagar os padrões construtivos relacionados a momentos
históricos pretéritos, carregados de simbolismos
provincianos, e aproximar-se dos signos de progresso que se
retratam nos edifícios hegemônicos nas cidades
contemporâneas brasileiras, sobretudo as mais ricas, tais como
vidros, cerâmicas, platibandas, verticalização, etc.

1
Foi Analista em Gestão de Patrimônio da Fundarpe;
Professora do Curso de Gastronomia da UFRPE desde 2008, é arquiteta e
urbanista pela FAU / UFRJ, mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE e
doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Ericka Maria de Melo Rocha Calábria

O tom otimista surgia quando vinha à tona a abordagem da Educação


Patrimonial, enxergada como uma perspectiva politicamente exequível, duradora e
sistemática, que transformaria a visão da sociedade, como um todo, despertando a
consciência quanto aos valores associados ao patrimônio. Entretanto, a noção aguda da
superficialidade do conhecimento referente à história da cidade, das construções, da
paisagem junto com as práticas associadas, que lhe trazem significado, tornava urgente
a consolidação de momentos sistemáticos de reflexão e debate na esfera do patrimônio
que permitissem o reconhecimento e a difusão desses valores.

Aparecendo em praticamente todas as escutas realizadas: tanto nas regionais -


itinerantes, nas quais a participação de um público mais heterogêneo, que comparecia à
sala de debate de patrimônio, só era possível, muitas vezes porque a de música ou artes
plásticas estavam lotadas - quanto nas setoriais, cujo público era majoritariamente
constituído por pessoas envolvidas na gestão do patrimônio, estava, insistente, a
necessidade da realização de eventos que permitissem uma continuidade de discussão e
aprofundamento das questões afloradas. O tempo designado às escutas era
insuficiente e a pressão do tempo tornava-se uma angústia para os participantes que
relatavam o fato de terem ainda muito a falar.

Durante a posterior sistematização das demandas, apresentada nas reuniões


de planejamento, a necessidade de novos encontros, com maiores possibilidades
reflexivas, destacava-se com bastante nitidez, o que lhe propiciou o caráter de
prioridade. Além disso, é interessante observar que a demanda era também interna, e
que os membros mais antigos da equipe da Fundarpe desde muito enxergavam a
necessidade de realização de debates abertos à sociedade que orientassem e, ao mesmo
tempo, norteassem as ações de gestão.

Unanimemente foi estabelecida como prioritária a realização da I Semana do


Patrimônio, que foi realizada logo no ano seguinte, em agosto de 2008. A data, 17 de
agosto, foi selecionada estrategicamente para dar maior peso à divulgação do Dia
Nacional do Patrimônio Histórico, instituído nacionalmente desde 1998, no centenário
do nascimento de Rodrigo de Mello Franco de Andrade, jornalista e fundador do IPHAN.

Desde a primeira versão, a ideia do evento foi agregar diferentes áreas de


discussão e vivência, incluindo públicos diversificados, como gestores, estudantes,
pesquisadores, profissionais que atuam na área, entre outros. Isso se tornaria possível
por meio de uma atuação em três frentes: uma atividade de Educação Patrimonial

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Ericka Maria de Melo Rocha Calábria

voltada a crianças ou adolescentes, uma oficina voltada a questões práticas na atuação


dos gestores do patrimônio, envolvendo a discussão de legislações, práticas e rotinas,
etc. e um seminário com a apresentação de palestras e momentos de debate acerca da
temática do patrimônio cultural.

Com o passar dos anos, o evento foi se expandindo e se tornou possível ampliar
as frentes, que puderam se integrar com outras políticas, como por exemplo, o
Patrimônio Vivo e o Funcultura, o que foi lhe imprimindo, pouco a pouco, um caráter
plural e de maior complexidade. Além disso, espraiou-se por outros municípios, tais
como Gravatá, Bezerros, Olinda, Salgueiro, Escada, Belo Jardim, Brejo da Madre de
Deus, Igarassu e Jaboatão, entre outros, em alinhamento com a política de
descentralização das ações governamentais.

A Semana do Patrimônio de Pernambuco tornou-se um momento de obtenção


de informações importantes a respeito das políticas do patrimônio dos diversos
municípios do Estado, uma celebração dos valores do patrimônio e, sobretudo, um
momento anual de reflexão das problemáticas de cada momento. Sua oitava edição com a
duração de cinco dias, mobilizou 3.210 pessoas, envolvendo organização e participantes
em sete localidades. Que a Fundarpe tome fôlego para realizar muitas outras.

Abertura da VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.


Foto: Costa Neto / Fundarpe.

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MEMÓRIA

PENSAR E AGIR COM O


PATRIMÔNIO:
MEMÓRIAS DE UM PERCURSO,
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS.

Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento1

Contar, descrever, relatar e argumentar, enquanto


sujeito-narrador, trajetórias, experiências e sentimentos, sob
qualquer circunstância, colocam-nos diante de significativos
desafios e limitações. Por outro lado, lançam-nos, igualmente,
no terreno fértil da busca, da rememoração, da criação, da
provocação. Uma busca de um em-se-fazendo no próprio
caminho da busca, um buscar infindável porque é sempre um
novo começo, um recomeço.
Sinto-me, aqui, estimulado a construir, desconstruir e
reconstruir os sentidos e os caminhos percorridos num
ambiente institucional delimitado, o da Diretoria de
Preservação Cultural - FUNDARPE, e, mais especificamente,
no contexto da organização da Semana do Patrimônio Cultural
de Pernambuco, ambos, por sinal, repletos de estímulos e
aprendizados.
Neles, o patrimônio cultural, elo principal, foi/é
colocado como desafio, mas, também, como um catalisador
de mudanças, ou seja, um campo repleto de valores e
recursos, ao mesmo tempo, de ambiguidades e contradições.
Com ele, diante de uma realidade multifacetada e complexa, e

1
Foi Analista em Preservação de Equipamentos Culturais e Patrimônio e
Coordenador de Patrimônio Imaterial – DPPC/Fundarpe; Doutorando em
Antropologia (PPGA/UFPE); Membro Pesquisador do Observatório de
Museus e Patrimônio Cultural – OBSERVAMUS; Gerente Geral do Paço do
Frevo.

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Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento

suas idiossincrasias, fomos/somos implicados no jogo da alteridade, no exercício de


práticas culturais instigantes que, definitivamente, exigem muito mais do que
sensibilidade e boas intenções, em que se mesclam o mercantil com o não mercantil,
o público com o privado, o industrial com o artesanal, o bem com o serviço, o tangível
com o intangível, etc.
Assim, propício ao pluralismo e ao intercâmbio, mas longe de revelar consenso
e homogeneidade, a Semana do Patrimônio, afetuosamente assim denominada,
inaugurou, num ambiente notadamente normativo e disciplinar, a possibilidade de
uma construção diversa, advinda, principalmente, da tensão crítica dos modelos
culturais e gerenciais.
Para além da perspectiva da proteção e preservação, encontramos uma
variedade de abordagens teóricas e metodológicas, formando um painel rico de
percepções, um mosaico dinâmico e plural de temas que compõem os estudos e
discussões sobre o fazer cultural, por sinal, normalmente, assimétrico e desigual.
Enfrentamos ou tentamos a apatia de uma agenda contemporânea que abordasse o
papel da cultura na formação política, educacional e social nos diversos territórios, por
consequência, as maneiras como se definem as formas de aprendizagem, circulação,
apropriação, distribuição, mercantilização de bens e processos culturais. Fenômeno
que envolve a gestão, a mediação, uso e apropriação da informação em distintos
ambientes, acadêmicos e/ou não. Assim, pouco a pouco, a imersão neste contexto foi
apontando para uma maior importância do campo de conhecimento denominado
políticas públicas, bem como das instituições, regras e modelos que regem sua decisão,
elaboração, implementação e avaliação.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento

Assuntos, motivadores e desafiadores, como paisagens e cidades, educação e


cidadania, cultura e desenvolvimento, museus e patrimônio, memória e
territorialidade, diversidade cultural e proteção ambiental, megaeventos e impactos
culturais, entre tantos outros, foram invocados a compor uma trama, quase sempre
cheia de impasses, implicada na definição de uma política de preservação, conservação
e salvaguarda de bens culturais. Consequentemente, vários itinerários, óticas e
formulações foram postas em diálogo, sem abandonar, é claro, a dialética.
Emergiu-se, desse modo, um debate heterogêneo, colado, por outro lado, em
possibilidades de práticas transversais. Sem dúvida, um empreendimento que
favoreceu a troca de experiências entre diversos atores sociais, e, ainda, ao
mapeamento de ideias e atitudes sobre o patrimônio cultural. Uma iniciativa que, a meu
ver, aproximou a população do seu patrimônio, por meio de um processo de construção
de conhecimento, trazendo à tona uma perspectiva ontológica das políticas públicas, seus
desdobramentos, trajetórias e perspectivas.
Por fim, acredito que a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco permitiu,
além de tudo até aqui relatado, conviver, sentir, refletir e aprender sobre a própria prática.
Um verdadeiro engenho laboral de construção de sentido de minha prática de gestor,
daquilo que sei daquilo que penso que sei; daquilo que faço daquilo que penso que faço.
Uma feliz oportunidade de perceber e apreender as identificações, a reciprocidade, o
contraditório, os discursos e os desejos dos “outros-eu”, gestores culturais. Suas
estratégias, posições e lutas que podem ser reconstruídas e tematizadas pela via dos
diversos fazeres e saberes. Uma descoberta do outro no si-mesmo, numa
possibilidade de navegabilidade, de posicionamento e de autolocalização.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 21
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
MEMÓRIA

SEMANAS DO PATRIMÔNIO:
UMA RETROSPECTIVA

Renata Echeverria Martins1

A I Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi


realizada em 2008. A abertura da I Semana do Patrimônio foi
realizada no auditório do Museu do Estado de Pernambuco
(MEPE) e reuniu vários profissionais ligados à área de
preservação do patrimônio do Estado. Fizeram parte da
programação debates, apresentação de projetos do
Funcultura e Ações Educativas. Cerca de 200 adolescentes da
Rede Pública Estadual de Ensino participaram das atividades
de Educação Patrimonial, que aconteceram no Museu do
estado de Pernambuco – MEPE, Museu de Arte
Contemporânea - MAC e Museu Regional de Olinda – MUREO.
Participaram da Semana 350 pessoas.

Cartaz da I Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

1
Renata Echeverria Martins é integrante da equipe da Gerência de
Preservação Cultural da Fundarpe, Coord. da Semana do Patrimônio desde
2010, jornalista pela UNICAP, mestre em Comunicação e doutoranda pelo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGCOM da UFPE.

Aurora 463
22 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Renata Echeverria Martins

Em 2009, foi realizada a II Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco,


também no auditório do Museu do Estado de Pernambuco. A palestra de abertura
abordou os desafios da preservação nos municípios e perspectivas diante do PAC das
Cidades Históricas – participaram representantes das prefeituras do Cabo de Santo
Agostinho, Caruaru, Goiana, Igarassu, Ipojuca, Olinda e da Administração de Fernando
de Noronha. A programação também foi composta por: seminário, apresentação de
projetos do Funcultura e capacitação para técnicos de 45 municípios de Pernambuco
das Regiões de Itaparica, São Francisco, Araripe, Sertão Central, Sertão do Pajeú, Sertão
do Moxotó, Agreste Meridional, Agreste Central, Mata Sul, Mata Norte e Região
Metropolitana. Aproximadamente 600 alunos das escolas estaduais das cidades de
Gravatá, Bezerros e Caruaru participaram da ação educativa. Eles visitaram o Museu do
Barro de Caruaru, o Centro de Artesanato em Bezerros e o Memorial de Gravatá, com a
presença dos Patrimônios Vivos do Estado de Pernambuco: Manoel Eudócio e J. Borges.
A Roda de Mestres contou com representantes das manifestações culturais do Afoxé;
do Caboclinho, do Maracatu de Baque Virado; Maracatu de Baque Solto e do Cavalo-
Marinho. O público participante foi estimado em 480 pessoas.
De 16 a 20 de agosto de 2010, aconteceu a III Semana do Patrimônio Cultural
de Pernambuco. Políticas Públicas de Cultura e Políticas de Educação Patrimonial foram
temas debatidos na abertura do evento, na Casa do Patrimônio, do Iphan, no Recife.

Cartazes da II e III Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 23
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Renata Echeverria Martins

Para discutir a atuação do Ministério Publico de Pernambuco na defesa do Patrimônio


Cultural foi convidado o Promotor de Justiça de Minas Gerais, Dr. Marcos Paulo de
Souza Miranda. O Seminário da II Semana congregou diversas temáticas discutidas em
mesas realizadas no Recife e nos municípios de Escada, Belo Jardim e Salgueiro. Os
Patrimônios Vivos de Pernambuco: Caboclinho Sete Flechas, Maracatu Leão Coroado e
Clube de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-Noite apresentaram-se ao final do
evento, no Museu do Estado. Cerca de 500 pessoas participaram do evento.
A IV Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco teve como tema:
“Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Sustentável”. O seminário foi realizado no
Teatro Arraial, hoje Teatro Arraial Ariano Suassuna. Durante a abertura, no dia 15 de
agosto de 2011, foi realizada uma escuta setorial e eleita a Comissão Setorial de
Patrimônio. As Mesas Redondas foram compostas por profissionais de Pernambuco e
de outros Estados, como o Prof. Zeca Brandão – UFPE/ Sec. Planejamento de
Pernambuco; Prof. Dr. Rogério Proença de Souza Leite da Universidade Federal de
Sergipe - UFS; Dr.ª Rosana Eduardo Silva Leal - UFS; Sérgio Salazar Salvati - Biólogo e
Mestre em Turismo Sustentável – SENAC – São Paulo; Jurema de Souza Machado –
UNESCO; Prof. Drª Matilde Melo – PUC/São Paulo e Fábio Cavalcanti do Iphan, entre
outros. No Cinema São Luiz, foram exibidos os curtas-metragens “Ninhos Antigos” de
Osman Godoy e “Recife Frio” de Kleber Mendonça. Mais de 800 pessoas participaram
da Semana IV Semana do Patrimônio.

Cartazes da IV e V Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

Em 2012, a V Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi realizada em


Olinda, numa homenagem aos 30 anos da inscrição do Sítio Histórico de Olinda na lista
do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura – UNESCO. A sede da prefeitura do município abrigou o seminário:
“Patrimônio e Cotidiano”. Na Casa do Patrimônio de Olinda, gestores, técnicos e
representantes de municípios pernambucanos que possuem bens tombados no Estado

Aurora 463
24 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Renata Echeverria Martins

participaram de uma capacitação ministrada pelos técnicos da então Diretoria de


Preservação Cultural da Fundarpe. Cerca de 350 alunos da Rede Pública Municipal de
Olinda participaram das ações de Educação Patrimonial pelas ruas e ladeiras do sítio
histórico, numa atividade que contou com a parceria do Instituto Cooperação
Econômica Internacional - ICEI Brasil, que também ficou responsável pela Mostra de
Gastronomia Regional e oferta das comedorias populares de Olinda. Cerca de 740
pessoas participaram do evento.
Em 2013, com o tema: “Patrimônio cultural e políticas públicas:
(des) envolvimentos e desafios”, a VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
procurou discutir temáticas como: mobilidade, políticas públicas, novas urbes,
paisagem cultural, novas tecnologias e gestão patrimonial. Participaram das mesas
professores doutores e gestores públicos locais e de outros estados do país. A
programação da VI Semana também contou com o encontro “Patrimônios em diálogo
na academia”, realizado pelo Departamento de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/PPGA. Entre os palestrantes convidados
participaram: o Prof. Dr. Alexandre Delijaicov - USP; o arquiteto Roberto Montezuma -
UFPE; o Sec. de Mobilidade da Prefeitura do Recife, João Braga; Fernando Cabral - Pres.
Do IEPHA/MG; o professor Carlos Fernando de Moura Delphin; o Prof. Dr. Rafael Winter
Ribeiro – UFRJ; a Profª. Drª. Ana Rita Sá Carneiro – UFPE e a economista Tânia Bacelar. A
ação educativa foi composta pelas atividades do “Jogo do Patrimônio”, “Navegando no
Patrimônio”, apresentação de teatro de bonecos e mestres bonequeiros de Igarassu e
visita técnica à obra de restauração do Palácio do Campo das Princesas, entre outras
atividades. Os Patrimônios Vivos Mestre Camarão, Mestre Arlindo dos Oito Baixos e
Mestre Galo Preto apresentaram-se no Teatro Arraial Ariano Suassuna, e logo após a
cerimônia de encerramento, todos foram convidados para a entrega do Inventário
Nacional de Referências Culturais - INRC dos Maracatus de Baque Solto e Virado,
Caboclinhos e Cavalo Marinho. No Centro de Convenções de Pernambuco - CECON, o

Imagem de divulgação da VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 25
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Renata Echeverria Martins

então Governador Eduardo Campos entregou à Presidente do Iphan, Jurema Machado,


os inventários das manifestações culturais. Participaram da VI Semana
aproximadamente 600 pessoas.
“Patrimônio Cultural: limites, caminhos e inovações”, com esse tema foi
aberta a VII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, realizada de 17 a 22 de
agosto de 2014. As parcerias ampliaram-se e a VII edição do evento aconteceu também
nos municípios de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Caruaru simultaneamente. Em
Olinda, gestores e técnicos organizaram um seminário para discutir a arte urbana e o
patrimônio. As Rodas de Diálogo exploraram as questões do patrimônio cultural e
gênero. Lula Vassoureiro, Patrimônio Vivo de Pernambuco, ministrou uma oficina de
máscaras para 40 alunos da Rede Pública Estadual. Vale destacar, dentro da
programação da VII Semana, as exposições: “Materiais Construtivos e Ferramentas
Tradicionais”, na sala de exposição do Centro de Artesanato de Pernambuco;
“Exposição Pernambuco Vivo” e “Acessibilidade e Educação Patrimonial nos
Patrimônios de Pernambuco”, na Torre Malakoff. Aproximadamente 1.670 pessoas
foram contabilizadas.

Cartazes da VII e VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

A VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi aberta no dia 17 de


agosto, no Teatro Santa Isabel, com solenidade presidida pelo Governador do Estado de
Pernambuco, Sr. Paulo Câmara. A plateia lotada foi saudada pelos Patrimônios Vivos e
Mestres do Frevo: Duda, Ademir e Nunes. Logo depois foi lançado o Prêmio Ayrton de

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26 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Renata Echeverria Martins

Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco 2015 pelo


Governador do Estado. Também fizeram parte da programação de abertura as
palestras: “Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades”, proferida pela Profª.
Drª. em Arquitetura e Urbanismo, Márcia Sant' Anna – UFBA e “Projetos de qualificação
de espaços públicos: além da modernidade líquida”, pelo Prof. Dr. em Arquitetura e
Urbanismo Bruno Padovano – USP.
Com o tema: “Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades”, a VIII
Semana do Patrimônio contou com a participação de representantes dos municípios de
Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Paudalho, Recife
e Olinda. Com base nos quatro eixos norteadores da Semana do Patrimônio Cultural de
Pernambuco – Brincar, Experimentar, Interpretar e Pensar – buscou-se contribuir para o
debate em torno da preservação do patrimônio cultural a partir das práticas
reconhecidas como sustentáveis desenvolvidas nos sete municípios envolvidos.
Em 2015, cerca de 3.200 pessoas participaram da VIII Semana do
Patrimônio Cultural de Pernambuco. A significativa ampliação das parcerias e
municípios envolvidos durante a oitava edição estimulou a criação de uma publicação
que reunisse todo o conteúdo fomentado. Assim, nasceu a Revista Eletrônica Aurora
463, que tem como título o endereço da sede da Fundarpe. A publicação foi elaborada
pelos técnicos da Gerência de Preservação Cultural, palestrantes convidados e antigos
colaboradores: fazedores de cultura que labutam na árdua tarefa de manter erguido o
patrimônio cultural de nosso Estado.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 27
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Mamulengos.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
GIRO NO PATRIMÔNIO

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
BRINCAR
COM O PATRIMÔNIO

Diálogos Patrimoniais em Brejo da Madre de Deus.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Jogo do Patrimônio 2.0.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

De forma bastante lúdica, alunos do município


de Brejo da Madre de Deus puderam se
apropriar de conceitos relativos ao patrimônio e
sua preservação, por meio dos Diálogos
Patrimoniais, e depois aprender brincando com
o Jogo do Patrimônio 2.0 na exposição
Patrimônios Vivos de Pernambuco. A atividade
contou com a presença de malabarista de
pernas de pau e suas pupilas, enriquecendo o
diálogo com troca de experiências.

A exposição itinerante Pernambuco, Cultura,


História e Mar – Galeria Móvel de Miguel
Igreja trouxe um pouco mais de movimento ao
espaço público da cidade de Brejo da Madre de
Deus, sete bicicletas portando fotografias
gigantes, numa espécie de galeria móvel,
circularam pelas ruas mostrando um pouco dos
patrimônios existentes em Pernambuco.

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30 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Exposição Patrimônios Vivos de Pernambuco.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Além do Brejo da Madre de Deus, a Mostra


Pernambuco, Cultura, História e Mar – Galeria
Móvel Sustentável, do fotógrafo Miguel Igreja,
também circulou pelas ruas dos municípios de
Caruaru, Paudalho e Igarassu, divulgando o
patrimônio cultural do Estado numa
perspectiva visual inovadora e criativa.

Galeria móvel sustentável do fotógrafo Miguel Igreja em


Brejo da Madre de Deus.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Galeria móvel sustentável do fotógrafo Miguel Igreja


em Paudalho. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 31
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Oficina de criação de bonecos em Igarassu.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

No 'Sobrado do Imperador', onde está instalada


a Casa do Patrimônio do Iphan de Igarassu, foi
realizada mais uma edição do projeto Sobrado
dos Bonecos pelo Teatro Popular de Bonecos.
A ação contou com a presença de mestres dos
municípios de Carpina, Lagoa de Itaenga,
Igarassu e Glória do Goitá, que participaram de
Mesas-Redondas, Rodas de Conversa, exibições
de vídeos, apresentação de Teatro de Bonecos e
Oficinas de Mamulengos. Crianças, jovens e
adultos vivenciaram o patrimônio de maneira
lúdica e educativa.

O mestre e sua criação na Casa do Patrimônio do Iphan em Mestre Antero Assis na Casa do Patrimônio do Iphan em Igarassu.
Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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32 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Jogo do Patrimônio 2.0 no Memorial de Justiça, no Recife.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Redescobrindo o Pastoril. Paudalho.


Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

O Jogo do Patrimônio 2.0 também mobilizou


estudantes no Memorial de Justiça de
Pernambuco e no Educandário Magalhães
Bastos no bairro da Várzea.

Em Paudalho, houve a ação Redescobrindo o


Pastoril, formação cultural com alunos da Escola
Municipal do Junco, na Zona Rural de Paudalho.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 33
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
EXPERIMENTAR
O PATRIMÔNIO

Cinema na Estrada em Brejo da Madre de Deus.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Também fez parte da programação de atividades


do Brejo da Madre de Deus o Cinema na Estrada
que apresentou em praça pública o filme: A
Compadecida, do mestre Ariano Suassuna,
gravado na cidade há 60 anos. A intenção foi de
que as pessoas vissem e se identificassem com as
imagens gravadas há seis décadas e que alguns
moradores da época pudessem se sentir parte Todo sentimento: uma viagem ao coração, em Paudalho.
Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.
desse patrimônio. Na plateia, um dos figurantes,
que nunca havia assistido ao filme, mostrou-se
emocionado e feliz pela oportunidade.

No município de Paudalho, foi possível


experimentar o patrimônio através da ação Todo
sentimento: uma viagem ao coração, que
consistiu numa oficina de inclusão cultural para
portadores de deficiência mental e autistas.

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34 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Programação especial do projeto Olha! Recife.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Uma parceira entre a Fundarpe e a Prefeitura


do Recife possibilitou a capacitação dos
mediadores do Projeto Olha! Recife, que
promove diversos roteiros culturais e
históricos na cidade. Na Semana do
Patrimônio, o público teve a oportunidade
de conhecer os jardins históricos de Burle
Marx, recentemente tombados pelo Iphan. A
pé ou pedalando, também puderam
percorrer o trajeto do Museu do Trem, no
bairro de São José, até o Ginásio
Pernambucano no Bairro de Santo Amaro.

A oficina de dança e percussão Maracatu no


Solo Sagrado: patrimônio cultural de Maracatu no Solo Sagrado.
Pernambuco aconteceu na sede do Maracatu Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Raízes de Pai Adão no Recife.


Maracatu no Solo Sagrado.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 35
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.
Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.


Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.


Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

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36 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.
Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

No mesmo eixo temático de experimentar o


patrimônio, foi realizada a ação MBIRI-TYBA: A
Celebração aos antepassados indígenas
paudalhenses “Potiguaras e Tabajaras” em Chã
do Conselho, Zona Rural de Paudalho, envolvendo
centenas de estudantes do Colégio Municipal José
Bonifácio, Escola Municipal do Junco, Escola
Municipal Itaboraí, Escola Municipal São
Bernardo, Colégio Municipal Maria de Fátima e
Colégio Estadual José Antonio Fagundes.
Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.
Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.


Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
INTERPRETAR
Interpretar o patrimônio
O PATRIMÔNIO

O protagonismo da mulher no Maracatu Nação.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

O protagonismo da mulher no Artesanato.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Na cidade do Recife, foram realizadas diversas


Rodas de Diálogo com temáticas que
contemplaram a diversidade de nossos bens
imateriais - Patrimônio Cultural e Gênero: o
protagonismo da mulher no Maracatu Nação;
O Protagonismo da Mulher no Artesanato;
Maracatu Nação & Patrimônio: territórios do
invisível e espaços de sociabilidades e Desafios
dos Museus na Contemporaneidade.

Maracatus Nação & Patrimônio.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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38 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Os desafios dos museus na contemporaneidade.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Os desafios dos museus na contemporaneidade.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 39
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Etapas do restauro e adequação da Casa de Câmara e Cadeia de
Brejo da Madre de Deus.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Etapas do restauro e adequação da Casa de Câmara e Cadeia de


Brejo da Madre de Deus.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Na cidade de Brejo da Madre de Deus, alunos do


Ensino Médio puderam conhecer sobre as Etapas do
Restauro e Adequação da Casa de Câmara e Cadeia,
hoje Centro Cultural do município e ver de perto os
artefatos arqueológicos das escavações.

Em Paudalho, o encontro Café & Prosa reuniu


mestres do cordel, da cantoria e da poesia: Beija Flor,
Zaminho, Felipe Cornélio, Paulo Henrique e Lima no
arquivo público municipal.

Café & Prosa em Paudalho. Café & Prosa em Paudalho.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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40 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica de Igarassu.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Na Igreja de Santo Antônio de Igarassu,


estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual
João Pessoa Guerra tiveram a oportunidade de
conhecer um pouco mais sobre a edificação
histórica de Igarassu através da palestra Um
olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica
do Convento Franciscano de Igarassu, proferida
Roberto Carneiro, Técnico da Fundarpe, que
trabalhou na obra de restauro do convento.

Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica de Igarassu.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 41
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
PENSAR
Pensar o patrimônio
O PATRIMÔNIO

A Cidade do Recife foi palco da abertura da VIII


Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.
O Teatro de Santa Isabel recebeu autoridades,
entre elas o Governador do Estado, Sr. Paulo
Câmara. A plateia lotada assistiu a apresentação
dos Mestres de Frevo Duda e Ademir, que
renderam homenagens ao maestro Nunes. Na
solenidade, foi lançado o Prêmio Ayrton de
Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio
Cultural de Pernambuco e proferidas palestras
da Prof.ª Dr.ª Márcia Santana (UFBA) e do Prof.
Dr Bruno Padovano (USP). A Banda Sinfônica da
Cidade do Recife encerrou a festa.
Maestros Ademir e Duda.
Foto: Costa Neto/SecultPE.

Lançamento do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho.


Foto: Costa Neto/SecultPE.

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42 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Prof.ª Dr.ª Márcia Santana (UFBA), Renata Echeverria
Orquestra de Frevo do Maestro Nunes. e o Prof. Dr Bruno Padovano (USP).
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Banda Sinfônica da Cidade do Recife.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Com proposta de reconhecer, celebrar e difundir as culturas Afro-brasileiras e indígenas


da comunidade de Paudalho, foi realizado o Inventário de Lugares de Culto de Matrizes
Africanas e Afro-brasileiras do Município de Paudalho no arquivo público da cidade.

Inventário de Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-brasileiras


do Município de Paudalho. Foto: Pefeitura de Paudalho.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 43
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

No Museu do Trem, no Recife, professores,


arquitetos e funcionários da instituição
reuniram-se para debater sobre o Patrimônio
Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de
preservação.

Outras palestras e minicursos também foram


ministrados, tais como – Desenvolvimento de
TICS Aplicadas à Educação Patrimonial de
Pernambuco; Monumentos e Documentos:
memórias para uma boa ancestralidade;
Janelas do Tempo: possibilidades de
interpretação do patrimônio cultural do Recife;
A religiosidade como expressão do Patrimônio
Cultural e Manifestações Culturais
Afrobrasileiras: Patrimônio e (In) tolerâncias.

Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações


de preservação. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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44 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Desenvolvimento de TICS Aplicadas à Educação Patrimonial de Pernambuco.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Monumentos e Documentos: memórias para uma boa ancestralidade.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Janelas do Tempo, possibilidades de interpretação do patrimônio cultural do Recife.


Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 45
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Postais da memória.
Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.
ARTIGOS

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 47
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
ARTIGO

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO,


AÇÕES DE PRESERVAÇÃO E O TRABALHO DA
ONG AMIGOS DO TREM
1
André Luiz Rocha Cardoso

INTRODUÇÃO

Em 1854, o Brasil já tinha por inaugurada a sua primeira estrada de ferro, sendo
esta a Estrada de Ferro Petrópolis, conhecida por “Estrada de Ferro Mauá”, levando o
nome do Barão de Mauá, o Irineu Evangelista de Souza, o seu principal acionista. Quase
quatro anos depois, seria inaugurada a segunda ferrovia em solo brasileiro, sendo esta
em Pernambuco, a Recife and São Francisco Railway Company, tendo sua primeira
etapa, entre a Recife e a Villa do Cabo, inaugurada em 8 de fevereiro de 1858. Estava
dado o pontapé inicial para a implantação dos caminhos de ferro no estado.
A proposta da Recife ao São Francisco era justamente ligar a capital
pernambucana ao Rio São Francisco, na altura da Cachoeira de Paulo Afonso. O objetivo
não foi concretizado; novos interesses levaram seus trilhos até a cidade de Garanhuns,
como Estrada de Ferro Sul de Pernambuco. Uma ramificação foi então construída
proporcionando a ligação desta ferrovia com a Estrada de Ferro Central de Alagoas em
1894. Já em 1881, nova ferrovia era inaugurada em solo pernambucano, desta vez a
Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro, pela Great Western of Brazil Railway Company.
Em 1881, os trilhos já se encontravam na atual Carpina e em 1882 alcançavam
Limoeiro, com um ramal para Nazaré da Mata. Este ramal foi prolongado até alcançar
a Paraíba em 1900.
Também na década de 1880, mais precisamente em 1885, era inaugurado o
primeiro trecho da Estrada de Ferro Recife a Caruaru, que veio a se chamar Estrada de
Ferro Central de Pernambuco. Este primeiro trecho entre Recife e Jaboatão continuou
sendo prolongado por etapas, atingindo em 1895 Caruaru, em 1912 Arcoverde, em 1949
Afogados da Ingazeira, em 1957 Serra talhada e, no início dos anos 1960, Salgueiro.
A Estrada de Ferro Central de Pernambuco, a Estrada de Ferro do Recife ao São
Francisco (e a Estrada de Ferro Sul de Pernambuco, da mesma forma que seu

1
André Luiz Rocha Cardoso, recifense, é assistente de Coordenação do Acervo da Estação Central Capiba/
Museu do Trem e atualmente cursa a graduação em História pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco. É membro da Direção Regional Pernambuco da ONG Movimento Nacional Amigos do Trem.

Aurora 463
48 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
André Luiz Rocha Cardoso

prolongamento até Alagoas) e a Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro (da mesma


forma como seu prolongamento até a Paraíba) constituíram respectivamente a Linha
Tronco Centro, Linha Tronco Sul e Linha Tronco Norte de Pernambuco, sendo as nossas
principais ferrovias, havendo ainda algumas ramificações. Convém destacar que além
dessas linhas principais, o estado dispunha de várias malhas ferroviárias particulares
que atendiam a indústrias, principalmente açucareiras, citando como exemplo a grande
malha ferroviária da Usina Catende e a da Usina Central Barreiros.

DESVALORIZAÇÃO DO TRANSPORTE SOBRE TRILHOS

O declínio do transporte ferroviário em Pernambuco pode ter seu início


sinalizado na década de 1930, a partir dos incentivos à construção de rodovias e à
indústria automobilística e da borracha. No entanto, essa situação de desvalorização
dos trilhos só viria a se agravar a partir da década de 1960, atingindo seu auge na década
de 1980, quando vários ramais e linhas tronco foram desativadas para o tráfego de
passageiros. Em Pernambuco, nessa década, deixaram de circular os trens de
passageiros interurbanos e interestaduais, como é o caso do trem Recife – Salgueiro e
Recife – Maceió. A década 1990 seria marcada pela supressão do transporte de cargas
em vários trechos e pela privatização da malha ferroviária, antes em poder da estatal
RFFSA, a Rede Ferroviária Federal S/A. A quase totalidade da malha nordestina,
incluindo Pernambuco, passava a ser gerida pela Companhia Ferroviária do Nordeste, a
CFN, para o transporte de cargas. Os trens de passageiros restantes, os de subúrbio,
ficaram sob a gestão da CBTU, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos, como já o eram
os trens urbanos desde 1984 quando fora criada esta companhia.

UM PATRIMÔNIO DE PESO QUE NECESSITA SER PRESERVADO

A partir deste breve resumo histórico, pode-se perceber um pouco da


grandiosidade e da importância do patrimônio ferroviário de Pernambuco. Ao longo
destes mais de 1100 km de trilhos, cortando inúmeras cidades, foram montadas
estações e armazéns para passageiros e cargas, oficinas para o material rodante, como
é o caso das oficinas de Jaboatão e de Edgard Werneck, esta no bairro de Areias no
Recife, que foram duas das mais importantes oficinas de material ferroviário do
Nordeste. Vilas ferroviárias, garagens, afora tantos outros aparatos técnicos que
tiveram sua execução necessária para permitir a passagem dos trens, a exemplo das
várias obras de arte representadas pelas centenas de pontes e pelos vários túneis

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 49
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
André Luiz Rocha Cardoso

abertos nas linhas Sul e Centro. Um patrimônio de destaque que figura no contexto
urbano e rural dos diversos municípios pernambucanos cortados pelos trilhos e que,
com sua implantação e com a sequente operação dos trens foi de extrema importância
na modificação e estabelecimento de novas relações econômicas e sociais, ou seja, a
ferrovia exerceu uma importante função social no cenário brasileiro.

A ONG AMIGOS DO TREM EM DEFESA DAS FERROVIAS

Tendo como cenário essa necessidade de se preservar o patrimônio público


ferroviário pela sua importância já ressaltada é que surge em 2001 oficialmente a OSCIP
ONG Movimento Nacional Amigos do Trem, uma entidade popular unida com o
objetivo de poder zelar pelas ferrovias brasileiras. Em 2013, a partir da adesão de novos
membros que já se moviam por essa causa em Pernambuco, a ONG se expande para
este estado. Em 2014, é então criada a Direção Regional Provisória da ONG Amigos do
Trem em Pernambuco.

INICIATIVAS EM PROL DA PRESERVAÇÃO

Várias ações vêm sendo desenvolvidas pela ONG Amigos do Trem no sentido de
preservar esse patrimônio e também na tentativa de poder conscientizar outras
parcelas da população sobre a importância de fazê-lo, mostrando que as linhas que
hoje estão ociosas já muito serviram, durante mais de cem anos, e ainda podem muito
servir, tanto para o transporte de cargas, quanto para o transporte de passageiros, onde
se enquadram os trens comerciais regulares e os trens turísticos-culturais. Estes
últimos já vêm mostrando em várias partes do Brasil que são uma boa alternativa para
proteger esse patrimônio e dar uma utilidade pública ao mesmo.
A proposta de implantação de trens turísticos está sendo no momento uma das
formas de ação da ONG Amigos do Trem. O primeiro destes a ser operado pela ONG está
em fase de execução e será no estado do Rio de Janeiro, região serrana deste estado,
fazendo um percurso numa região de belas paisagens, bastante explorada pelo turismo
e que possui uma antiga linha em desuso, a Linha auxiliar da Estrada de Ferro Central do
Brasil. O projeto que está sendo executado pela ONG e parcerias prevê a modificação da
bitola (distância entre os trilhos) desta linha, de 1,00 m para 1,60 m para permitir a
passagem da automotriz, um veículo ferroviário com capacidade para mais de 50
pessoas fabricado na década de 1950 e que estava desde a década de 1990 parado e
que foi cedido pelo DNIT e recuperado pelos voluntários da ONG. A previsão é que este
trem, o Trem da Serra Azul, seja inaugurado ainda em Outubro de 2015.

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André Luiz Rocha Cardoso

Em Pernambuco as ações em prol de zelar por esse patrimônio já acontecem


desde 2013. As primeiras iniciativas, que ainda são realizadas, foram caminhadas pelos
trilhos denominadas “Nos Trilhos da História”. Essas ações visam aproximar a população
dos trilhos, ou seja, de trazer todos para conhecerem de perto esse patrimônio. As
caminhadas, geralmente realizadas num percurso médio de 10 km, de modo a mais
pessoas poderem participar, são geralmente realizadas entre uma e outra estação ou
outro ponto importante da ferrovia. A primeira caminhada, realizada em 20 de julho de
2013, foi um percurso de 4,5 km entre a Estação Ferroviária do Cabo de Santo Agostinho,
no Centro desta cidade (e que é a mais antiga estação ferroviária do Brasil ainda em
funcionamento, desde sua inauguração em 1858) até o Túnel do Pavão, localizado no
mesmo município, que foi aberto em 1858 pela Recife and São Francisco Railway (Estrada
de Ferro do Recife ao São Francisco), sendo este o primeiro túnel ferroviário já aberto no
Brasil. Outras caminhadas “Nos Trilhos da História” se sucederam. A segunda ocorreu
em 09 de novembro, também de 2013, no trecho entre a Estação Ferroviária de Carpina
e a de Paudalho, ambas na Mata Norte, Linha Norte de Pernambuco. A terceira,
também na Linha Norte, foi realizada entre as estações de Carpina e de Nazaré da Mata,
num percurso e 12 km pelos trilhos, no dia 19 de julho de 2014.
Atualmente, voluntários da ONG Amigos do Trem em Pernambuco estão
realizando o trabalho de fiscalização voluntária da Linha Norte de Pernambuco. Esta
Linha, que parte do Recife com direção ao estado da Paraíba, cruza a Zona da Mata
Norte do estado, cortando várias áreas de matas, canaviais, usinas e engenhos. A
escolha da Linha Norte para realizar de início este trabalho deveu-se ao fato de que a
mesma teve tráfego de cargas por parte da concessionária Ferrovia Transnordestina
Logística até por volta de 2011, logo a mesma ainda apresenta condições de tráfego,
embora que mínimas. Além disso, a linha corta uma zona de grandes atrativos turísticos
e pouco explorada, estando inserida no roteiro turístico estadual “Circuito dos
Engenhos”, fora a própria viabilidade que teria o trecho para a reativação dos trens
regulares de passageiros, pleito pelo qual alunos da Universidade de Pernambuco
(UPE) Campus Mata Norte já vem se mobilizando. O referido Campus, localizado na
cidade de Nazaré da Mata, uma das cidades cortadas pela via férrea possui milhares
de alunos e servidores que, com a reativação da Linha Norte para o transporte de
passageiros, contariam com um meio de transporte rápido, seguro e barato, além da
própria população das cidades cortadas pela via férrea que também ganharia
bastante com isto.
O trabalho de fiscalização voluntária realizado pela ONG Amigos do Trem
consiste na ação de limpeza parcial e circulação pelos diversos pontos desta via férrea

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André Luiz Rocha Cardoso

de modo a poder garantir que a mesma não seja depredada, com isso garantindo a sua
existência para execução de projetos futuros, como o trem turístico defendido pela
entidade neste trecho. A ação, desenvolvida pela ONG em parceria com a Ferrovia
Transnordestina Logística, está em fase inicial. Foi cedido pela FTL à ONG um auto de
linha, veículo ferroviário com capacidade para até 9 pessoas, utilizado para inspeção e
manutenção da via férrea o qual, quando concluída sua reforma, será utilizado pela
entidade no trabalho de fiscalização voluntária, mediante todos os processos legais
necessários para a operação do mesmo.
Desse modo, finalizamos com a frase lema da ONG Amigos do Trem que expressa
bem o objetivo desta entidade na defesa do patrimônio público ferroviário brasileiro:
“Trens de passageiros, quem andou tem saudades, quem não andou tem vontade”.

REFERÊNCIAS

CÔRTES, Eduardo. Da Great Western ao Metrô do Recife. Editora Persona: Recife, 2003.

MELO, Josemir Camilo. Ferrovias Inglesas e Mobilidade Social no Nordeste (1850 – 1900).
Editora da UFCG: Campina Grande, 2008.

PINTO, Estêvão. História de Uma Estrada de Ferro do Nordeste. José Olympio: Rio de Janeiro,
1949.

CARSOSO, André. Amigos do Trem na Linha Norte de Pernambuco: Entenda os projetos.


Disponível em:
<http://amigosdotrempernambuco.blogspot.com.br/2015/06/amigos-do-trem-na-linha-
norte-de.html>. Acessado em 08/10/15.

________. Uma viagem de trem há 156 anos. Disponível em:


<http://memoriaferroviariadepe.blogspot.com.br/2014/02/uma-viagem-de-trem-ha-156-
anos.html>. Acessado em 09/10/15.

OSCIP Amigos do Trem. Instituição Oscip. Disponível em:


<http://www.amigosdotrem.org/p/oscip.html>. Acessado em 09/10/15.

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ARTIGO

PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS


PÚBLICOS: ALÉM DA MODERNIDADE LÍQUIDA
1
Bruno Roberto Padovano

INTRODUÇÃO

Com sua historicamente comprovável carga física, o campo do Urbanismo tem


dirigido sua atenção aos processos de requalificação dos espaços públicos de nossas
cidades principalmente a partir de uma ótica construtiva, visando transformar tais
espaços mediante intervenções físico-espaciais capazes de lhes devolverem melhores
condições de uso para seus usuários, em função de demandas emergentes e de
necessidades de serem adequadas para abrigá-las. Para entendermos isto, é preciso
vermos, ao longo da história das cidades, como o espaço público foi determinado pelas
suas sociedades.
Antes da existência das primeiras cidades, nas sociedades tribais mesolíticas ou
neolíticas como a dos povos indígenas brasileiros, que viviam da caça e da pesca
principalmente (com alguma atividade agrícola rudimentar), espaços privativos e
públicos eram uma coisa só. Atividades como a música e a dança faziam parte do
universo mágico destas populações e todos os seus membros participavam delas.

Figura 1: Foto de Noel Villas Boas, Xingu, aldeia Yawalapiti, Kuarup, 2009.

1
Bruno Roberto Padovano é Arquiteto e Urbanista, Músico e Compositor, Professor Titular da
Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (NUTAU/USP). E-mail: brpadovano@gmail.com.

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Bruno Roberto Padovano

Com a fixação de tribos no território e o começo da agricultura pré-industrial,


surgiram os primeiros núcleos urbanos, e com estes, uma divisão física entre espaços
públicos e privados, com as atividades coletivas, de caráter religioso e festivo,
ocorrendo principalmente nos primeiros. E um comércio de rua, muitas vezes
associado a alguma forma de espetáculo, como nesta imagem de um encantador de
serpentes, estrutura-se a partir desta divisão, tomando as feições de feiras ao ar livre.
Com o surgimento de impérios, essas primeiras comunidades urbanas foram
sendo subjugadas por cidades históricas imperiais como Ur na antiga Mesopotâmia e
Roma, na Itália, atingindo populações muito maiores e mostrando esta carga física de
caráter monumental, pela qual os eventos públicos eram hospedados em grandes
estruturas físicas, como o Coliseu ou o Circo Máximo, que podia hospedar até 200 mil
espectadores, o dobro do atual Maracanã.
Com a queda dos impérios, como o Romano, surgiu, no caso da Idade Média na
Europa, o surgimento das Cidades Estado, com a consolidação dos burgos medievais ou
da pequena cidade murada com sua trama medieval, dentro da qual muitas das
atividades coletivas e culturais das cidades imperiais eram reproduzidas,
especialmente nos ambientes públicos, gerenciados por governantes, fossem estes reis
ou lordes pertencentes a uma ordem feudal. As estruturas imperiais são abandonadas
e, em muitos casos, viram ruínas ou são reaproveitadas para hospedar habitações.
Com o advento da industrialização, os espaços públicos demasiadamente
limitados das cidades históricas e de seus núcleos originais, dimensionados para fluxos
de pedestres e, eventualmente, a passagem de uma carruagem ou de um ou outro
cavaleiro, não apresentavam condições de uso por fluxos daquele que veio se tornar o
grande agente transformador das cidades. Primeiro, surgiram as bicicletas, os bondes e
trens (precursores dos VLTs) e, em seguida, os automóveis e os ônibus urbanos, além da
circulação de outros veículos motorizados, como taxis, caminhões, vans, motocicletas,
e, mais recentemente, a própria bicicleta, que volta como protagonista da mobilidade
sustentável nos centros urbanos atuais, após grande popularização na China. As
grandes avenidas de Nova York ilustram o agigantamento da mobilidade motorizada na
metrópole industrial, com as calçadas acompanhando timidamente o grande fluxo de
veículos, de passagem.
A popularização globalizada de uso destas modalidades de transporte urbano
trouxe impactos enormes sobre as estruturas das cidades antigas, colocando seu
patrimônio histórico sobre a pressão de mobilidades urbanas sem precedentes e que
exigiram ampliações viárias de dimensões também inusitadas. Essa pressão resultou
em projetos urbanísticos que literalmente devastaram áreas inteiras de bairros com

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traçado medieval, como os famosos bulevares Haussmannianos em Paris ou o


rodoviarismo de Robert Moses em Nova York no século XIX, levando arquitetos
modernistas como Le Corbusier a imaginarem a possibilidade de se realizar uma
“tábula rasa” sobre os bairros antigos para acomodar um novo urbanismo
funcionalista, ainda nos primórdios do século passado.
Novamente, diante desse agigantamento que lembra o das cidades imperiais,
as atividades festivas e culturais acabaram sendo dirigidas para espaços especializados,
como teatros, cinemas, centros culturais, estádios, etc., com pouca atividade deste tipo
nos demais espaços públicos, fora eventos e festividades pontuais, como o nosso
carnaval, que também vem deixando os espaços públicos tradicionais e sendo
hospedado em sambódromos, ou seja, fora de ruas, praças e largos, ainda usados em
cidades nordestinas, nas quais esta tradição é profundamente enraizada, como no
Recife e em Olinda.
Os espaços públicos das antigas cidades e cidadelas históricas foi assim
transformado por uma intensa ação de modernização das estruturas de mobilidade
urbana e, na medida em que as redes de cidades foi se estendendo territorialmente,
esta ação tornou-se regional, nacional e transnacional, com o surgimento de um
território globalizado, complexo e conector de espaços cada vez mais amplos da Terra.
Hoje, a mesma especialização ocorre em rede, com estádios localizados ao longo de
vias expressas, como o Allianz Arena, na Alemanha, cercados por estacionamentos e
acessada por via expressa.
Nesse processo, acompanhado pelo surgimento das redes proporcionadas pela
indústria da informática e das telecomunicações, a sociedade contemporânea vem se
afastando de seu tradicional convívio com as estruturas urbanas pré-industriais,
encontrando uma nova forma de viver a cidade que dispensa um contato mais físico e
interativo no plano interpessoal com a mesma: o processo de coccooning, com os
consumidores fechados em suas casas assistindo a shows à distância. O espaço público
tradicional se ressente desta falta de transeuntes e espectadores que os animavam no
passado, especialmente em horários não comerciais.
No novo território urbanizado que mescla cidade e campo, não parece mais
haver espaço para um convívio maior de pessoas nos espaços públicos tradicionais,
com o fortalecimento do espaço privativo sobre o anterior, no qual inclusive atividades
coletivas são praticadas de forma pontual e isolada de um convívio social mais aberto e
integrador. Nos circos, clubes esportivos, nos shopping centers, nos centros
especializados de toda ordem, em hotéis e pousadas distribuídas pelo território das
novas redes urbanas, os convívios se tornam cada vez mais virtuais e há, como

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encontramos nos textos de Zygmunt Bauman, um derretimento da ordem urbana


anterior e o desaparecimento das cidades como componentes referenciais de uma
sociedade urbanizada. Surge até uma expressão arquitetônica contemporânea, a da
modernidade líquida, como na arquitetura de Zaha Hadid.
Estaríamos assim passando de um estado sólido para o líquido, de uma
sociedade mecânica-física para uma digital-fluida. De uma sociedade industrial serial
para a das redes informacionais interativas, que exige uma nova espacialidade para
que a experiência coletiva, vital para a cidadania, possa ser reencontrada, como
nestes projetos experimentais de estudantes de graduação e pós-graduação do
Politécnico de Milão, que, diferentemente aos projetos de Zaha Hadid, incluem a
dimensão natural. Em tais ambientes fluidos, podemos até imaginar o surgimento de
uma nova cultura imaterial, já que o pedestre volta a ser o protagonista nos espaços
construídos.
Nas nossas grandes cidades contemporâneas, como São Paulo e Recife, os
espaços públicos das comunidades que ainda vivem nas partes mais adensadas das
cidades pré-existentes sofrem, assim, abandono e esvaziamento de suas funções
públicas e, após os horários comerciais, passam a apresentar um quadro deprimente e
degradante da condição urbana, tornando-se favoráveis às ações de criminosos que
não se veem observados e podem atuar de forma impune contra terceiros. A falta de
segurança passa a ser um efeito de causas profundas que fogem do controle do gestor
público tradicional e se tornam fator determinante de mais “fuga das cidades” para
ambientes totalmente privatizados e seguros, que são, porém, carentes dessa
interação urbana.
Nas periferias paulistanas da autoconstrução que incluem desde favelas em
áreas de risco a bairros irregulares, porém consolidados, há uma enorme carência de
espaços públicos condizentes com a necessidade de atividades de lazer ativo e passivo
da imensa população que ali reside, por meio do entretenimento realizado por agentes
voltados às artes performáticas (música, teatro, mímica, prestidigitação, marionetes,
circenses, etc.) por meio de instalações que lhes possam dar mínimas condições de
realização com participação popular.
Por outro lado, grandes ou mesmo megaeventos performáticos como o 'Rock in
Rio' e a 'Virada Cultural' em São Paulo não constituem formas de regeneração do
caráter coletivo dos espaços públicos, gerando mais especialização territorial e
inviabilizando uma cultura mais pública, na escala do transeunte, trazendo segurança
aos espaços públicos em boa parte abandonados e subutilizados.
Dentro deste contexto, entendemos que, se a tendência para uma

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fragmentação social e espacial cada vez maior seja possivelmente inevitável numa
sociedade da emergente e onipresente realidade virtual, existe ainda uma
possibilidade para que as partes consolidadas de nossas cidades ofereçam convívio
alternativo àquele proporcionado pela crescente indústria digital. Nesse cenário
alternativo, elas poderiam ainda ser salvas deste derretimento generalizado que
caracteriza o cenário global de nossas antigas cidades, em acelerado processo de
desaparecimento mediante seu abandono por populações de renda mais elevada e
parca atenção do setor público, por causa da necessidade de sua conservação, cujos
custos são elevados. Existe a necessidade de uma animação do espaço público com
atividades que possam favorecer o convívio de sua população, hoje acanhada por
causa do coccooning, por meio de atividades performáticas, hoje reduzidas a uma
sobrevivência precária dos artistas no meio social, numa associação da cultura com a
mendicância.
É objetivo desse texto enumerar algumas experiências que trazem para um
plano “gasoso” ou “etéreo” a qualificação dos espaços públicos em áreas urbanizadas
consolidadas, porém em processo de degradação, como o centro de São Paulo.
Entendemos este conjunto de posturas e de atividades regenerativas de uma
urbanidade mais cidadã como uma ação corretiva deste esvaziamento do espaço
público num país fortemente urbanizado como o Brasil e numa megacidade como São
Paulo e suas cidades conturbadas na consolidação de uma região metropolitana com
mais de 20 milhões de habitantes. Recuperar as atividades performáticas no que
sobrou dos espaços públicos passa a ser uma resistência cultural tão ou mais
importante do que o movimento “Occupy”, que vem ocorrendo com a crise do sistema
capitalista globalizado, que parece não ter solução, deixando milhões sem empregos e
incentivando as migrações intercontinentais entre países pobres e os ricos, como o que
pode ser acompanhado na Europa atualmente.
Nesse artigo, buscamos salientar a importância de um espaço público vivo e
amigável para o convívio mais amistoso na sociedade contemporânea, pelo qual o seu
estado de liquidificação, conforme arguido por Bauman, possa atingir um novo
patamar existencial, no qual o imaterial, o etéreo ou efêmero (aquilo que “dura” apenas
durante sua realização, mesmo que registrado por gravações em vídeo) passe a fazer
parte da riqueza da experiência humana no cotidiano da vida, humanizando assim os
espaços/palcos da própria vida, tornando-a rica e fértil novamente, no contexto de uma
sociedade que se desfaz do estado sólido original e se transforma em líquida, ou, no
caso, em etérea.

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1. A NATUREZA DO PROBLEMA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

Nas últimas décadas, vem se observando, mundialmente, um número


crescente de desempregados urbanos que, somados aos tradicionalmente pobres nas
cidades e campos, vem preocupando as autoridades, incapazes de atender suas
demandas, e gerando um clima de insegurança nas cidades, com o crescimento da
violência urbana e o da alta do consumo de entorpecentes. Nos países mais pobres,
trata-se de um fenômeno inquietante: de um lado, o dos sem tetos e moradores de rua,
muitas vezes agredidos, quando não mortos por psicopatas covardes, e do outro o dos
drogados, que são vítimas de sua própria insegurança da qual tentam se refugiar por
meio de substâncias alucinógenas, como a heroína e o crack. Assim, podemos falar,
aqui entre os especialistas que se preocupam com a preservação do patrimônio
cultural, o colapso do patrimônio mais importante que podemos ter: o das vidas
humanas. Dois assuntos aparentemente distintos, na realidade tem uma origem
comum: o descaso como o passado e com o futuro, no presente. No abandono humano,
encontram-se ecos do mesmo abandono das estruturas físicas erguidas pelo poder
econômico de antigas elites que nos explicam porque chegamos, coletivamente, até
este ponto e vice-versa. Muitos bairros antigos, outrora a morada dos ricos, foram
convertidos em paisagens infernais de decadência humana, como a famigerada
Cracolândia em São Paulo, pelo descaso social com um enorme contingente de pessoas
que poderia exercer uma atividade produtiva e não o faz por falta de incentivo e de
apoio da sociedade como um todo, sendo assim marginalizadas pela sociedade
contemporânea.
Uma das respostas mais fáceis para a pergunta: “Como chegamos a este
ponto?”, é a pobreza da atividade artística como praticada por centenas ou mesmo
milhares de músicos que tocam, em condições de mendicância, nas ruas de São Paulo,
como de tantas outras cidades do mundo. Se a arte, especialmente a performática, é
tão pouco valorizada pela nossa sociedade, não surpreende por que o desemprego
chegou ao ponto em que está a países tradicionalmente ricos e cheios de
oportunidades, como os Estados Unidos.
A arte poderia, se praticada mais amplamente e oferecendo emprego fixo aos
seus praticantes, suprir não apenas empregos em grandes quantidades para uma
população urbana desempregada, mediante incentivos à cultura mais abrangente,
como reintegrar criminosos à sociedade, mediante um ganha-pão que possa atender
suas necessidades de vida, fazendo com que as prisões pudessem, por meio de aulas de
música, teatro, artes plásticas, etc., regenerar pessoas marginalizadas pela própria

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sociedade e punidas duas vezes por sua incapacidade de se inserir nela de forma
construtiva, após enveredarem pelo caminho do crime.
Algo que era impensável nas comunidades indígenas é, tristemente, ocorrência
mais do que comum na nossa sociedade tecnologicamente avançada, que tenta
esconder sua incapacidade de atender às necessidades de todos seus membros com
um número cada vez maior de prisioneiros, mantido em cárceres que são verdadeiros
incubadores de atividades criminosas organizadas.
O resultado ou desastre anunciado é o crescimento do crime e não sua
diminuição, pois uma sociedade repressiva nunca poderá resolver os conflitos por ela
mesma gerados. Uma sofisticada indústria de segurança eletrônica surge no lugar de
uma forma humana de tratarmos com doentes gerados por uma sociedade doente, ou
seja, libertando os pobres de sua exploração pelos mais ricos. O que só pode ocorrer se
os próprios “mais ricos” se tornem mais humanos, ajudando os demais e construindo,
juntos, uma nova sociedade. O que vemos, em lugar disto, é o Big Brother do “1984” de
George Orwell nos observando por meio de suas câmaras onipresentes, usadas pelo
poder público, inclusive, para viabilizar sua política de indústria de multas, uma forma
de sobretaxar a sociedade consumista e sedenta por maior mobilidade.
Neste território dominado pelos grandes edifícios corporativos, pelos shopping
centers e torres de residências unifamiliares repetitivos e intercambiáveis de tão
monótonos, divorciados de um convívio mais ameno com o entorno urbano, há raras
exceções como os bem-sucedidos (urbanisticamente falando) Conjunto Nacional e o
Brascan Center em São Paulo, que, porém, mantem sua baixa porosidade social em
função do desnível qualitativos dos edifícios ao redor da praça aberta com relação aos
do entorno. Ali, dificilmente os administradores iriam deixar alguém tocar sua flauta ou
guitarra elétrica em lugar tão controlado pela qualificada vizinhança, ao menos que
uma autorização prévia seja dada para isto, num uso de um espaço público que, porém,
sofre com uma fiscalização eletrônica sofisticada e proibição de usos incompatíveis com
os ali criados, num simulacro do espaço público tradicional.
Por outro lado, muitos edifícios erguidos pelas elites do passado, considerados
exemplos importantes da memória cultural, e assim preservados mediante restauro e
caprichada preservação, são ocupados por museus que atraem um número ínfimo de
visitantes, vivendo como popularmente se diz, “às moscas”, a maior parte do tempo.
Atividades mais envolventes como música e teatro ao vivo raramente ocorrem em seus
ambientes elitistas e de baixíssima frequência de público, dificultando sua manutenção
pela ausência de recursos oriundos de patrocinadores privados e as dificuldades de
caixa das diversas secretarias da cultura.

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Muitos conjuntos de interesse cultural conseguem se manter quando seus


gestores viabilizam seu uso comercial a partir de eventos sociais como festas e
casamentos ou uso por parte de empresas de grande porte, que os usam para eventos
de celebração delas mesmas ou de lançamento de novos produtos de suas linhas. O fato
de alguns destes eventos incluírem o trabalho de músicos contratados não muda, per
se, a natureza elitista destes eventos.
Nesse contexto geral, podemos detectar como uma das origens do problema, a
marginalização (inclusive por meio da sua elitização) da arte em geral, e especialmente
das artes performáticas, realizadas ao vivo, como elo perdido entre sociedades antigas
na qual o ritual comunitário fazia parte da vida de uma determinada etnia e as
contemporâneas, nas quais o mundo virtual se expande retirando vitalidade das
práticas comumente associadas ao convívio comunitário interativo e interpessoal, ao
menos que seja orientado para o consumo de massa, como no caso de megaeventos
esportivos, com a colocação de telões em praças públicas, como ocorreu inicialmente
na Alemanha, na Copa do Mundo de 2006 e no Brasil também.
Nada que seja virtual poderá, no entanto, substituir a emoção do evento ao
vivo, seja este um jogo de futebol ou uma dança do ventre, de uma mímica ou uma peça
teatral, realizada diante um público presente ao mesmo. Mesmo se em sua maioria
restrita a ambiente de acesso limitado, pela excepcionalidade do evento ou pela grande
demanda pelo espetáculo em cartaz, as atividades performáticas costumam ser
preferidas pela maioria das pessoas às mesmas atividades vivenciadas pela TV ou
Internet, uma vez que a mídia retira boa parte da emoção que ocorre no local da filmagem.
Quando então ocorrem espetáculos em espaços públicos de importância
histórica, como óperas em antigos anfiteatros, o público vivencia algo de mágico entre
passado e presente, uma verdadeira orgia dos sentidos, só possível nestes ambientes e
reproduzido de forma sempre limitante pela mídia eletroeletrônica, que não consegue,
mesmo com recursos cada vez mais tecnologicamente sofisticados, captar a magia do
momento vivenciado no local de sua realização.
Assim, podemos dizer que existe um enorme potencial para a arte performática
como indutora de um reequilíbrio entre espaços públicos e privados, devolvendo aos
primeiros uma primazia há muito tempo perdida para a omnipresente cultura das
comunicações avançadas (TV, Internet), em detrimento do convívio social e uma maior
harmonia entre todas as diversas camadas sociais em cidades mais inclusivas e
democráticas. Exemplos certamente não faltam, nem no plano internacional nem no
nacional, e nem mesmo no caso específico de São Paulo, objeto de uma nossa análise
na parte final desse artigo.

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2. QUANDO A ARTE VOLTA PARA A RUA

Com o crescimento do turismo internacional e nacional, ao longo das últimas


décadas, há casos frequentes da administração pública municipal promovendo ações
no sentido de (re)qualificar os espaços públicos de sua cidade para melhor receber os
visitantes, com projetos urbanísticos e paisagísticos que vêm devolvendo áreas inteiras,
especialmente nos centros históricos, para os pedestres desfrutarem condições mais
tradicionais de vida urbana, sem máquinas circulando que possam criar um ambiente
mais perigoso para eles. Em São Paulo, por exemplo, o antigo centro foi em parte
transformado pela EMURB por um amplo processo de “pedestrianização”, nos anos 70,
por causa da introdução da primeira linha do metrô e a dificuldade de convívio entre os
grandes fluxos de pedestres na área central e o trânsito. No entanto, tais espaços
perdem vitalidade após os horários comerciais, tornando-se desérticos.
Nestes processos, muita atenção tem sido dada aos aspectos físico-materiais da
qualificação urbana, com a troca de pisos, equipamentos urbanos e mobiliário, mas a
programação do espaço no sentido de hospedar e promover atividades de comércio de
rua e o trabalho de artistas performáticos tem sido pequena, como se tais atividades
fossem desqualificar os espaços públicos “nobres” da cidade. Vendedores ambulantes
têm sido tolerados, na melhor das hipóteses, e muitas vezes relocados para áreas onde
há pouco movimento pedestre de passagem.
Músicos e outros artistas de rua aparecem pouco em tais lugares, e não existem
infraestruturas especificas para eles nas áreas ditas “pedestrianizadas”, o que inibe sua
presença nos espaços públicos, um contrassenso, especialmente em países ricos deste
tipo de cultura, como o Brasil.
No entanto, percebe-se uma mudança paradigmática que ocorre,
principalmente, em cidades vocacionadas para o turismo, de forma oficial ou não,
como Nova Orleans nos EUA, onde cantores de rua como Grandpa Elliot e Oscar Castro
fazem sua festa musical, para o deleite dos turistas. O Grandpa vem tocando também
em vários lugares do mundo e hoje podemos dizer, Patrimônio da Humanidade. Ele e
seu “Playing for Change” (Tocando para a Mudança), aqui representado em dois shows
de rua em Nova Orleans e no Japão, e com músicos do mundo todo.
O Grandpa, com seus característicos óculos, fez um show em Porto Alegre,
provavelmente no âmbito do Fórum Social, a resposta da esquerda ao liberal Fórum de
Davos, promovido pelas nações ricas do planeta. É interessante pensar que nasceu nas
ruas da mais musical das cidades norte-americanas, onde o Jazz nasceu, a partir do
Dixieland, e, mais tarde, foi também a cidade de origem do Funk.

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Na realidade, “Playing for Change” é um movimento de música dirigido para a


paz mundial, criado pelo produtor musical norte-americano Mark Johnson com seu
“Timeless Media Group” que nasceu em 2002 numa visão compartilhada com seu co-
fundador, Whitney Kroenke, que saíram pelas ruas das cidades americanas em busca
de inspiração e fundaram um movimento internacional, com a participação de
inúmeros músicos de diversos lugares do mundo, que resultou num documentário
premiado internacionalmente, “A Cinematic Discovery of Street Musicians.” (Uma
descoberta cinematográfica de músicos de rua).
Sempre no Brasil, outras ações de qualificação dos espaços públicos a partir de
um prisma cultural tem tido apoio oficial a partir de uma iniciativa particular, como o
Projeto Palco Aberto, em Alagoas. De 2006 em diante, este movimento, visando dar
visibilidade para a música produzida em Alagoas, com cinco meses de projeto inicial
vem se espalhando a partir de um show no Bar Engenho Jaraguá em Maceió e atingiu
uma imensa audiência naquele estado, com 42 municípios participando e 500
expressões culturais, inclusive shows em espaços públicos de cidades alagoanas.
Em São Paulo, a prefeitura da cidade na administração Kassab criou o projeto
“Pontos para Brincar”, um programa de animação dos espaços públicos administrado
pela ONG Governo Social voltada para a periferia da cidade, com a participação de
artistas performáticos e outros animadores do espaço público, com 130 pontos na
cidade, sempre aos domingos.
Na realidade, há inúmeros artistas que podem animar os espaços de uma
cidade: músicos; atores; prestidigitadores e ilusionistas; artistas de circo e acrobatas;
poetas; bailarinos; artistas de shows de marionetes, etc.
Foi a partir destes exemplos que resolvi, em julho deste ano (2015), lançar meu
disco “64!” em espaço público em São Paulo, ligado à Universidade da qual faço parte, o
MAC USP – Museu de Arte Contemporânea da USP, que tem sede ao lado do Parque
Ibirapuera sob o codinome artístico BRU (diminutivo de Bruno Roberto Padovano).
Esta experiência está registrada no vídeo clipe da música “Dancing Frenzy”,
realizada pelo Estúdio B, que faz parte do CD “64!” do artista BRU (Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ptQqsF7FV_8).
Ainda, estudo, com parceiros, a possibilidade de serem criados Palcos Urbanos
em São Paulo, capazes de servirem de apoio fixo para atividades performáticas em
espaços públicos, animando áreas degradadas e mesmo subutilizadas, com shows
diários nos horários mais críticos da sociedade, como os de pico na mobilidade urbana
(rush hours), contendo pessoas mediante eventos que retardem o uso de automóveis
ou sobrecarreguem o transporte coletivo.

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62 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
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Bruno Roberto Padovano

Isso faz parte de um projeto que vai além do artista BRU, e que tenha como
objetivo o enfrentamento de processos de degradação dos espaços públicos mediante
o movimento BRU – Brasil Regeneração Urbana, unindo ações materiais e imateriais
para que este objetivo seja alcançado.

3. CONCLUSÕES
O artigo apresenta algumas considerações gerais do pesquisador sobre
processos de degradação dos espaços públicos, discutidos por pesquisadores sobre a
questão urbana contemporânea como Cesare Blasi e Gabriella Padovano (2014), Jane
Jacobs (1960) e Zygmunt Bauman (1999), além do próprio autor (2012).
Apesar desses processos, aparentemente sem solução no âmbito de uma
sociedade líquida, o autor defende uma ação corretiva para reintroduzir, de forma mais
ampla possível, atividades culturais como aquelas típicas das artes performáticas, para
a regeneração urbana. Serviu, neste sentido, de base para uma palestra/show do
próprio autor na VIII Semana Cultural do Patrimônio de Pernambuco, ministrada no dia
17 de agosto de 2015 no Teatro Santa Isabel, no Recife.
Trata-se, portanto, de um passo a mais na consolidação de um processo mais
amplo de regeneração urbana nas cidades brasileiras, conforme exemplificado na
atuação duplamente representada pela sigla BRU, unindo ações materiais e materiais
de caráter profundamente cultural, ligando, no caso, urbanismo e música numa
simbiose que possa obter, com recursos limitados e eficiência maximizada, uma
transformação positiva do território urbanizado dentro de uma ótica sustentável
criativa.

REFERÊNCIAS

BLASI, Cesare e PADOVANO, Gabriella. Ipotesi di Progetto per una Società Liquida. Roma:
Novalogos, 2012.

BAUMAN, Zygmunt. Modernità liquida. Roma: Editori Laterza, 2002.

JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. Nova York: Vintage Books, 1961.

PADOVANO, Bruno Roberto. Projetos Urbanos Sustentáveis. In PADOVANO, Bruno Roberto;


NAMUR, Marly; BERTACCHINI SALA, Patrícia. São Paulo: em busca da sustentabilidade. São
Paulo: EDUSP e PINI, pg. 260-275, 2012.

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ARTIGO

PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS MISSÕES -


RIO GRANDE DO SUL

Eduardo Hahn1

Figura 1: Cidade de São Miguel das Missões com a sobreposição da malha urbana da
antiga redução - Foto: Aloisio Antes.

No decorrer dos séculos XVII e XVIII, foram fundados por indígenas e religiosos
da Companhia de Jesus, no sul da América do Sul, trinta aldeamentos num extenso
território que está hoje subdividido pelos Estados Nacionais do Paraguai, Argentina,
Uruguai e do Brasil. A criação dos aldeamentos, conhecidos como Reduções, foi a
principal estratégia empregada pelas autoridades coloniais do Reino de Espanha e pelos
jesuítas para a evangelização de povos nativos, com objetivo de viabilizar a ocupação e
controle dos territórios conquistados pela Coroa Espanhola, que se encontrava ameaçado
pelas rebeliões indígenas, por consequência da adoção da encomienda.
Experiências anteriores de criação de aldeamentos reducionais nas regiões do
Guairá, entre 1610 e 1628, do Itatim e do Tape, entre 1631 e 1633, haviam sido
frustradas pelos ataques promovidos por Bandeirantes associados à colonização
portuguesa, assim como por membros da população colonial interessados em

1
Eduardo Hahn é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA),
Canoas/RS, 1998; Professor das disciplinas de História da Arquitetura, Patrimônio Cultural e Arquitetura
Brasileira e História da Arte no Brasil no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Luterana do
Brasil (ULBRA) de 2002 até 2008; Coordenador do Setor Técnico da Superintendência do IPHAN no Rio
Grande do Sul entre os anos de 2000 e 2008; Participou do curso técnico em Restauração Arquitetônica no
Centro Europeu de Restauro em Florença/Itália entre os anos de 2009 e 2011; Diretor do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul – IPHAE entre 2011 e 2013;
Superintendente do IPHAN no Rio Grande do Sul deste 2013 até a atualidade.

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Eduardo Hahn

aprisionar os indígenas e utilizá-los como mão-de-obra. Somente após a formação de


milícias indígenas e a derrota dos Bandeirantes na batalha de Mbororé, em 1640,
tornou-se possível a expansão do sistema missioneiro, embora sua existência tenha
sido sempre permeada de tensões com a população local, com alguns grupos
indígenas, e com os portugueses.
Dos trinta aldeamentos fundados, também conhecidos como Reduções, no
território da Província Jesuítica do Paraguai, sete localizavam-se em território atualmente
brasileiro, especificamente no Estado do Rio Grande do Sul. Tais reduções eram:
1 - São Nicolau, fundada em 1626;
2 - São Miguel Arcanjo, fundada em 1632;
3 - São Francisco de Borja, fundada em 1682;
4 - São Luiz Gonzaga, fundada em 1687;
5 - São Lourenço Mártir, fundada em 1690;
6 - São João Batista, fundada em 1697;
7 - Santo Ângelo Custódio, fundada em 1706.

Durante o processo de construção dos referidos núcleos urbanos,


principalmente durante o período de apogeu econômico do sistema missioneiro, o
estilo Barroco europeu influenciou a arquitetura e o urbanismo, além das artes da
escultura, pintura, teatro e da música, tendo suas características básicas adaptadas
pelos indígenas, de acordo com a sua cultura.

Figura 2: Ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo. Foto: Eneida Serrano. Arquivo IPHAN-RS.

Todas as reduções foram concebidas a partir de um sistema urbano similar,


onde as estruturas arquitetônicas eram organizadas ao redor da Praça Maior. Em um
dos lados, foram construídas as estruturas para as funções religiosas ou de gestão,
como Igreja, Cotiguaçu (Casa das mulheres viúvas e meninas órfãs), Cemitério, Oficinas,
Claustro. Dos outros três lados, foram construídas as residências dos indígenas.

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O sistema missioneiro entraria em colapso quando as nações ibéricas


articularam o Tratado de Madri, em 1750, a fim de definir com precisão suas possessões
na América Meridional. Esse acordo estabelecia a troca da Colônia do Sacramento, que
era de domínio português, pelos territórios dos chamados Sete Povos das Missões,
localizados na margem esquerda do rio Uruguai, que eram de domínio espanhol. Os
habitantes dos aldeamentos, estimados em cerca de 30 mil indígenas, deveriam
entregar suas terras, lavouras, ervais, vacarias, estâncias, algodoais, templos e oficinas
aos portugueses, que haviam sido, por décadas, seus piores inimigos. Recusando-se a
aceitar tal determinação, os indígenas de seis dos Sete Povos, e alguns religiosos,
lutaram contra um exército formado por portugueses e espanhóis. Os confrontos que
integraram a Guerra Guaranítica (1753-1756), resultariam no massacre de grandes
contingentes indígenas e a efetivação da troca estipulada no tratado.
Em decorrência deste fato, que consequentemente direcionou para a expulsão
dos Jesuítas das colônias espanholas em 1759, iniciou-se um lento e gradual processo
de esvaziamento das reduções, principalmente do território incorporado por Portugal.
Apesar disso, mesmo em um número consideravelmente menor, a presença indígena
nos aldeamentos continuou constante.
De acordo com depoimentos de viajantes que passaram pela região das antigas
Missões ao longo do século XIX, a presença indígena “ao redor ou no interior das ruínas”
(BAPTISTA, 2009, p. 140) manteve-se, ainda que em pequena proporção: “Os índios
estão em toda parte. Nos arredores dos povoados, ao longo de todo o século XIX
cabanas esparsas são encontradas habitadas por eles. Também se nota sua recorrente
mobilidade, saindo de um lado para o outro a todo tempo”.
Diversas estratégias foram empregadas pelos indígenas para permanecerem
nos aldeamentos ou em seus arredores. No entanto, com o passar do tempo, os
conflitos com a administração portuguesa – motivados, sobretudo, pelo regime de
trabalho que os novos administradores tentaram impor, ignorando o sistema comunal
anterior – causaram o banimento das populações, acelerando seu retorno à vida nas
matas, o que, contudo, não foi garantia de segurança para elas. As levas de imigrantes
conduzidas para a região missioneira em meados do século XIX iriam disputar os
territórios com os indígenas, por meio de conflitos armados, que resultariam em
“verdadeiras chacinas” conduzidas por ambos os lados (BAPTISTA, 2009, p. 153).
Com a política nacional de ocupação de território por parte de imigrantes
oriundos da Europa Central, várias reduções passaram a ser reocupadas por famílias de
imigrantes alemães, italianos ou poloneses, que se utilizaram das estruturas
arquitetônicas missioneiras como fonte de material para as suas novas construções.

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Eduardo Hahn

Gradativamente essa situação direcionou para um desmonte gradual das estruturas


existentes, e a construção de novas cidades sobre algumas reduções, como foi o caso de
Santo Ângelo, São Borja, São Luiz Gonzaga e São Nicolau.

Figuras 3 a 10: Edificações construídas na região das missões pelos imigrantes europeus pós-período
reducional. Fotos: Inventário dos recursos arquitetônicos – URI/IPHAN.

A partir de 1922, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul inicia um trabalho


de reconhecimento do valor existente nas estruturas correspondentes ao antigo
Sistema Missioneiro através da declaração de São Miguel Arcanjo um 'lugar histórico',
além de realizar as primeiras obras de estabilização das ruínas, que se encontravam
sob risco de desabamento, através da Diretoria de Terras da Secretaria do Estado e
Obras Públicas.
As primeiras ações de conservação executadas pelo Governo do Estado foram
limpeza geral, escoramento das vergas das portas e arcos com trilho metálicos e
escoramento da torre, que ameaçava ruir.
O reconhecimento realizado pelo IPHAN viria em 1938, através do tombamento
das ruínas de São Miguel, basendo-se na atribuição de valor artístico aos
remanescentes daquele sítio, o que gerou a sua inscrição no Livro do Tombo das Belas
Artes. Conforme sugerido pelo arquiteto Lucio Costa, no relatório de vistoria que
elaborou após visita ao local, o bem foi inscrito da seguitne forma : “as ruínas dos
chamados Sete Povos da província jesuítica espanhola, que ficaram encravados do
lado de cá” (COSTA apud MEIRA: 2007:83). No mesmo relatório, recomendou
medidas de preservação, as quais se tornaram referência para a ação técnica do
IPHAN quanto às intervenções físicas no patrimônio arquitetônico (LYRA apud
MEIRA: 2007:83).

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Eduardo Hahn

Tais recomendações direcionaram para a estabilização da torre da igreja,


utilizando-se da técnica da Anastilose, assim como da construção de um pavilhão
expositivo, baseado na arquitetura das casas indígenas e no colégio de São Luiz
Gonzaga, até então ainda existente, para proteger uma coleção de esculturas de
madeira, recolhidas nas imediações. Também foi construído neste período uma casa
para a zeladoria. Estas estruturas deram origem ao atual Museu das Missões.
Entre a década de 1950 até a atualidade, os trabalhos de consolidação,
restauração e valorização não pararam por parte do IPHAN, através de sua
Superintendência Estadual, em Porto Alegre e de seu Escritório Técnico, instalado na
cidade de São Miguel das Missões, abrangendo inclusive outros três sítios
missioneiros através do tombamento, em 1970, das ruínas de São joão Batista, São
Lourenço Mártir e São Nicolau.

Figura 11: Consolidação das estruturas de pedra das ruínas de São Lourenço Mártir.
Fonte: Arquivo IPHAN.

Tais ações corresponderam desde o Capeamento das paredes de pedra até a


construção de reforços estruturais em concreto nas suas fundações, além da
instalação de sistemas de proteção contra descargas atmosféricas, construção de
coberturas de proteção das estruturas, além de todo o processo de documentação
das estruturas existentes.
Em 1978, o Sítio de São Miguel Arcanjo foi declarado patrimônio mundial pela
UNESCO, coroando todo o trabalho executado pela instituição de proteção ao

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Eduardo Hahn

patrimônio nacional desde o seu tombamento no ano de 1938. No mesmo período,


com o crescimento urbano das cidades brasileiras, incluindo a cidade de São Miguel das
Missões que nasceu ao redor das ruínas tombadas, fez-se necessário o
estabelecimento, por parte do IPHAN, de diretrizes de disciplinamento para as novas
cosntruções e intervenções urbanas. Tais diretrizes, com o passar dos anos, foram
incorporadas ao Plano Diretor da cidade, concluído recentemente.
Apesar do pouco contato existente entre os Guarani-Mbyá e a população local
durante esses anos, os mesmos estiveram sempre presentes na região. O trânsito das
comunidades indígenas persistiu discreto e quase despercebido.
Na década de 1990, os Guarani voltaram a formar uma aldeia em São Miguel
das Missões em uma área remanescente de mata, nas proximidades de uma Fonte
Missioneira, hoje ponto turístico do município. Tal fato gerou a fundação, no ano de
1996, da Reserva Indígena Inhacapetum, distante cerca de 27 km da cidade, onde se
encontra a aldeia Tekoa Koenju (Aldeia Alvorecer).
Em 2005, após intensa negociação com o IPHAN e prefeitura, foi construída
uma 'casa de passagem', localizada dentro do sítio tombado pelo IPHAN, após a antiga
quinta dos padres. A comunidade indígena, a partir de então e com a autorização do
IPHAN, passou a vender seu artesanato dentro dos limites do sítio histórico, como
forma de incremento econômico às familias da comunidade.
Foi nesse contexto que se iniciou a execução do Inventário Nacional de
Referências Culturais da Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo, realizada
por equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com
recursos e supervisão do IPHAN-RS. O Inventário possibilitou a identificação de práticas
e saberes considerados pelos Guarani como fundamentais para experenciarem seu
nhande rekó, o bom modo de viver, muitos dos quais não são vivenciados como
deveriam, em razão do acesso limitado às matas e à terra. Esse estudo permitiu
conhecer o valor simbólico atribuído ao bem cultural.
Para os Guarani-Mbyá, o valor das ruínas é vivenciado no presente e, ao mesmo
tempo, referenciado no tempo vivido pelos 'primeiros Mbyá'. Eles se referem a elas
como Tava (casa de pedra). A importância de uma Tava está no fato de conter as marcas
dos corpos de seus antepassados, os quais se transformaram em imortais, e, por isso,
ser o local ideal para se aprimorar a condição humana até ser possível a metamorfose
em imortal. Além disso, por meio da Tava, os Mbyá interpretam o evento histórico – o
advento das Missões Jesuíticas dos Guarani – o qual incorporaram a suas narrativas
cosmológicas. Tais sentidos dados à Tava permite acionar sentimentos de
pertencimento e identidade.

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No ano de 2013, inicia-se a execução das ações referentes ao Programa de


Aceleração do Crescimento (PAC) – Cidades Históricas, na cidade de São Miguel das
Missões. Os recursos gestionados pelo IPHAN foram utilizados para a construção do
novo pavilhão do Museu das Missões e complexo cultural da cidade, além de
melhoramentos na estrutura urbana e instalação de novo sistema de prevenção de
descargas atmosféricas nas ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo. Tais ações
encontram-se, atualmente, em andamento.
No mesmo período, inicia-se um novo projeto, em parceria com a UNESCO, para
a elaboração de estudos para a ampliação da ação do IPHAN na região, no sentido de
reconhecer o patrimônio correspondente ao antigo sistema missioneiro ainda
existente, além das antigas reduções e levantar a diversidade patrimonial pós
reducional, através da criação de um parque histórico, conhecido como Parque
Histórico Nacional das Missões.
A construção do parque, atualmente em andamento, deverá se basear na
abordagem do território como Paisagem Cultural, buscando uma interação entre os
processos culturais e o meio ambiente. Ao mesmo tempo, busca-se, através desta
alternativa, uma perspectiva de tornar o patrimônio regional um ativo para apoiar o
desenvolvimento sócio - cultural e econômico da população local. Desta forma, espera-
se incrementar um trabalho realizado pelo IPHAN na região por mais de 70 anos.

Figuras 12 a 15: Recursos naturais e paisagísticos da região das missões. Fonte: Arquivo IPHAN-RS.

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Eduardo Hahn

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Jean. Dossiê Missões. Ed. IBRAM, 2009.

COSTA, Lúcio. 1937. Igreja de São Miguel (Ruínas) – São Miguel das Missões – RS. Ed. IPHAN.
Rio de Janeiro, 1999.

CURTIS, Júlio N.B. de. O espaço urbano e a arquitetura produzida pelos Sete Povos das Missões.
In Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, p 27-52, 1983.

CUSTÓDIO, Luíz Antônio Bolcato. A redução de São Miguel Arcanjo: Contribuição ao estudo da
tipologia urbana missioneira, 2002. 199p.

FURLONG, G. Misiones y sus pueblos de guaranies. Buenos Aires: Omprenta Balmes, 1962.

GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os


Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul. 3 ed. – Passo Fundo, RS: UPF Ed.,
2004. 623p.

KERN, Arno Alvarez. Missões. Uma Utopia Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

LYRA, Cyro de Oliveira. Casa Vazia : Ruína Anunciada. A questão do uso na preservação dos
monumentos. Tese de Doutorado. UFRJ, 2007.

MAEDER, Enesto J.A. – GUTIÉRREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las missiones jesuíticas
de guaraníes. Argentina, Paraguay e Brasil – Altas territorial e urbano das missões jesuíticas
dos Guaranis. Argentina, Paraguay e Brasil. (Coord da ed. , Instituto Andaluz do Patrimônio
Histórico; colabora IPHAN). Sevilha: Consejeria de Cultura, 2009.

MEIRA, Ana Lúcia Goelzer. O Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio Grande do Sul no
Século XX. Atribuição de Valores e Critérios de Intervenção. Tese de Doutorado. UFRGS,
2007/2008.

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ARTIGO

A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL


DOS GUARARAPES
1
Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

INTRODUÇÃO

Situado no Município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do


Recife, no Estado de Pernambuco, o Parque Histórico Nacional dos Guararapes
compreende a área onde ocorreram, nos anos de 1648 e 1649, as batalhas que
resultaram na expulsão dos holandeses do território brasileiro pelas tropas luso-
brasileiras. A dimensão histórico-cultural motivou o tombamento federal da Igreja de
Nossa Senhora dos Prazeres, em 1938, e dos Montes Guararapes, em 1961; a
desapropriação da área, pela União, em 1965; e a instituição do Parque Histórico
Nacional dos Guararapes, em 1971, subordinado ao Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan). Os fatos históricos justificaram também o reconhecimento
da área, pelo Exército, como palco da primeira manifestação da nacionalidade brasileira
e da formação dessa instituição.
Muitos são os valores a serem preservados, protegidos e promovidos nesse
espaço público de propriedade nacional, detentor de importância histórico-cultural,
ambiental, paisagística, turística e urbanística: o sítio e a paisagem das históricas batalhas,
a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, os recursos naturais e o patrimônio arqueológico.
Ao longo do tempo, muitas têm sido as pressões sobre esses elementos,
decorrentes da ocupação irregular da área, que, nos dias atuais, ocupa dois terços do
território do parque histórico, contabilizando aproximadamente 7.500 edificações e
30.000 habitantes. Essaexpressiva ocupação coloca em oposição a obrigatoriedade
legal de preservação dos atributos do sítio histórico à necessidade de moradia da
população local, o que constitui uma questão social e um desafio relevantes à gestão do
território para as três esferas governamentais.
Tal condição configura o Parque Guararapes como um espaço com múltiplas
demandas, em que incidem políticas públicas diversas, voltadas para a preservação dos

1
Gisela Amado de Albuquerque Montenegro é Arquiteta e Urbanista; Especialista em Gestão
Ambiental pela UPE; Mestre em Gestão Pública pela UFPE; Chefe do Escritório Técnico do Iphan no
Parque Histórico Nacional dos Guararapes.

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

seus valores culturais e ambientais e de desenvolvimento urbano, bem como políticas


sociais destinadas à população local. Essas políticas mobilizam uma ampla gama de
atores, com funções diversas e interesses muitas vezes conflitantes.
Apesar do reconhecimento institucional dos valores culturais e ambientais e da
responsabilidade comum pela preservação da área, legalmente atribuída a instituições
públicas e privadas e à comunidade local, o Parque Guararapes não apresenta condições
satisfatórias de uso e segurança, e a ocupação irregular e desordenada vem reduzindo
aceleradamente a sua área livre, provocando degradação ambiental e urbanística.
Em que pesem as propostas e os acordos firmados pelo poder público e a
comunidade para a gestão compartilhada do Parque Guararapes, a falta de estrutura
física e o processo de ocupação a que está exposto esse espaço de reconhecido valor
cultural nacional apontam para a necessidade de análise e revisão da sua atual forma
de gestão.
Diante disso, este estudo está estruturado no sentido de compreender o
processo de gestão do espaço, à luz da política nacional de preservação do patrimônio
cultural e na perspectiva da gestão de sítios históricos urbanos.
A delimitação do tema justifica-se pela necessidade de o IPHAN definir o seu
papel na gestão do parque histórico e de identificar as atribuições e competências
legais das instituições nesse processo, com vista à atuação integrada e coordenada
desses atores.
Destarte, a pesquisa visa contribuir para a eficiência e a efetividade das políticas
públicas no Parque Guararapes e, nesse sentido, tem como objetivos específicos
analisar e caracterizar a gestão do espaço e propor medidas para a sua melhoria.
O recorte da pesquisa contemplado neste artigo compreende uma análise da
atuação das instituições públicas e privadas e da comunidade na gestão do sítio
histórico, à luz das responsabilidades legalmente atribuídas e dos canais de
participação disponíveis.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A pesquisa tem o seu aporte teórico na literatura relativa a políticas e gestão do


patrimônio cultural, ambiental e de desenvolvimento urbano.De acordo com Rua
(1998), a política constitui “[...] o meio mais eficaz para solução dos conflitos - de
opinião, interesses e valores - resultantes da diferenciação social que caracteriza as
sociedades contemporâneas”, sendo definida como “[...] o conjunto de procedimentos
formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução
pacífica dos conflitos quanto a bens públicos.” (RUA, 1998, p. 232).

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

A política pública, por sua vez, consiste em “[...] um sistema de decisões


públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a
manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social [...]”
(SARAVIA, 2006, p. 29).
Os conceitos de governabilidade e governança ocupam uma posição central na
literatura contemporânea sobre políticas públicas. De acordo com Matias-Pereira
(2012), a governabilidade diz respeito à capacidade política de governar e se refere às
condições de exercício do poder em um sistema político, quais sejam: a forma de
governo, as relações entre os poderes e os sistemas partidários. A governabilidade
consiste, portanto, na legitimidade do Estado e do seu governo em relação à sociedade.
A governança, por sua vez, corresponde à capacidade do governo de formular e
de implementar as suas políticas e de atingir as metas coletivas. Compreende “[...] o
conjunto dos mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e
plural da sociedade.” (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 77).
Do ponto de vista da gestão pública, a governança pode ser definida como “[...]
um regime de leis, regras, decisões judiciais e práticas administrativas que restringem,
prescrevem e implementam o exercício da autoridade pública em prol do interesse
público.” (LYNN et al. 2001 apud LYNN, 2010, p. 46).
A gestão pública consiste nos processos que visam à consecução de políticas
públicas, de forma direta ou indireta, por meio de entidades públicas ou privadas.
Conforme Araújo (2013), “Os resultados das políticas públicas dependem, em boa
medida, do modelo de gestão adotado e da forma como ele funciona.” (ARAÚJO,
2013, p. 9).
Na pauta atual da gestão pública, estão os conceitos de eficácia, eficiência e
efetividade. A eficácia consiste na capacidade de realizar objetivos, de alcançar as
metas definidas para uma ação; a eficiência corresponde à competência para produzir
resultados com um dispêndio mínimo de recursos e esforços e a efetividade, à
capacidade de promover os resultados pretendidos.
Outras exigências integram o debate que emerge das demandas e do exercício
da cidadania, como a racionalidade na gestão dos recursos, a flexibilidade
organizacional, a responsabilidade social, a avaliação de resultados e a postura éticaA
legitimidade da cidadania tem origem em processos de discussão e se apoia nos
princípios da inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum. A
res pública é assunto de todos, da sociedade na sua totalidade - Estado, capital e
sociedade civil. Essa esfera pública consiste no espaço deliberativo em que são
identificadas e propostas soluções para os problemas da coletividade, de modo que

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

elas sejam assumidas como políticas públicas e executadas pelo aparato administrativo
do governo (TENÓRIO, 2007).
As políticas públicas têm como função concretizar direitos sociais demandados
pela sociedade e previstos nas leis. É por meio delas que são formulados e
implementados os programas de distribuição de bens e serviços regulados e providos
pelo Estado, com a participação e o controle da sociedade (PEREIRA, 2011).
Quando implementada em diferentes esferas de governo, inclusive em caráter
concorrente, a política pública exige compatibilização e coerência entre as políticas
setoriais (PHILIPPI JÚNIOR, 2004). De acordo com Abers (2005), os processos
caracterizados por ausência de fronteiras distintas entre público e privado, entre
diferentes níveis de governança e entre diversas fontes de poder e autoridade são
propícios à governança compartilhada. Esse tipo de governança, em que ocorre uma
divisão compartilhada de responsabilidades entre as instituições, tende a envolver
transferências multidirecionais de poder, que reconfiguram atribuições,
responsabilidades e recursos. Essas transferências de poder compreendem os aspectos
multissetorial e multinível e geram múltiplos focos de resistência (ABERS, 2005).
As políticas públicas de preservação do patrimônio cultural têm como objetivo
garantir aos cidadãos o direito à cultura, entendida como os “[...] valores que indicam –
e em que se reconhece – a identidade da nação.” (FLORISSI, 2007, p. 39).
Para Fonseca (2005), “É o valor cultural atribuído ao bem que justifica o seu
reconhecimento como patrimônio e, consequentemente, sua tutela pelo Estado”
(FONSECA, 2005, p. 38).
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência comum da União,
estados e municípios na preservação do patrimônio cultural, com a participação da
comunidade. A aplicação dos seus princípios promoveu a reformulação de práticas e
processos, dentre os quais, a inserção do patrimônio cultural na pauta das políticas
voltadas para o desenvolvimento socioeconômico, a construção de instrumentos de
ação conjunta e de gestão compartilhada entre as três esferas de governo e o
envolvimento da sociedade.
As políticas de preservação dos sítios históricos urbanos representam um
grande desafio para a gestão governamental, visto que demandam a articulação efetiva
com as demais políticas setoriais aplicadas à cidade, tais como as políticas de
desenvolvimento urbano, de preservação ambiental, políticas culturais, de educação,
de desenvolvimento socioeconômico, turismo, entre outras.
Atualmente, as políticas de preservação dos sítios históricos urbanos têm
como principais diretrizes a participação social, a reinserção dos bens protegidos na

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dinâmica social, a qualificação do ambiente em que estão inseridos esses bens e a


promoção do desenvolvimento local a partir das potencialidades do patrimônio
cultural (PORTA, 2012).
Os conceitos de desenvolvimento, de desenvolvimento sustentável e de
desenvolvimento local estão situados no centro da formulação das políticas públicas,
especialmente, das políticas de preservação do patrimônio cultural, meio ambiente,
desenvolvimento urbano e demais políticas sociais.
O desenvolvimento sustentável é conceituado como “aquele que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
suprir suas necessidades.” (UNITED NATIONS, 1987). Nele são harmonizados os
objetivos do desenvolvimento econômico e da conservação ambiental.
Para Buarque (1999), o desenvolvimento sustentável consiste em um “[...]
processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade,
compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a
conservação ambiental, a qualidade de vida e a eqüidade social.” (BUARQUE, 1999, p.
31-32).
O desenvolvimento local, por sua vez, é entendido como “[...] um processo
endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos
capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da
população [...]” (BUARQUE, 1999, p.9).
O conceito de desenvolvimento local sustentável propõe a revisão do modelo
economicista e fundamenta-se na descentralização das decisões e no estímulo à
participação dos atores sociais na definição dos rumos econômico e social do território
ao qual pertencem. (INSTITUTO PÓLIS, 2012).
A Declaração de Amsterdã (IPHAN, 2000), carta patrimonial produzida no
Congresso sobre o Patrimônio Arquitetônico Europeu, em 1975, enfatizou, dentre
outros aspectos, a responsabilidade conjunta de todos na proteção do patrimônio
cultural, a importância do apoio mútuo e do fortalecimento das medidas legislativas e
administrativas, a integração da conservação do patrimônio cultural com o
planejamento urbano e regional, a descentralização das políticas e a participação da
população. Essa abordagem abrangente, integrada e participativa é condição
fundamental à gestão dos sítios históricos urbanos de realidades multifacetadas e
complexas, como é o caso do Parque Guararapes.

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2. A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DOS GUARARAPES

A análise da gestão do Parque Guararapes buscou abordar, de forma integrada,


as suas diversas dimensões e o contexto em que se situa esse objeto de estudo. Nesse
sentido, foram analisados os seguintes aspectos da gestão: estrutura (arcabouço
normativo, matriz institucional, instrumentos de gestão, apoios e suportes), processo
(planos elaborados e ações executadas, entraves e elementos favoráveis) e arena política
(atuação, objetivos, instrumentos de ação, estratégias políticas e visão dos atores).
A partir do levantamento das ações realizadas para a preservação e a guarda
dos atributos do parque histórico, foram identificados o marco regulatório, a matriz
institucional, o mapa de gestão, a esfera participativa e os condicionantes atuais da
gestão. Com base nas responsabilidades legalmente atribuídas e dos canais de
participação disponíveis, foi realizada a análise da atuação das instituições e da
comunidade local na gestão do sítio histórico, contemplada neste artigo.

2.1 As ações de preservação e gestão

Desde os primórdios da preservação do patrimônio cultural no Brasil, diversas


ações, de caráter regulatório, programático e operacional, foram realizadas com vista à
preservação e à gestão do Parque Guararapes. Dentre essas iniciativas, foram
identificadas, como de maior relevância para a gestão do espaço, as ações relacionadas
no quadro a seguir.

Quadro 1 - Principais ações de preservação e gestão do Parque Guararapes

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(*) Natureza da Ação: 1-Regulação; 2-Planejamento; 3-Estruturação Física; 4-Gestão; 5-Pesquisa Fonte:
Gisela Montenegro (2014).

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2.2 O marco regulatório

O desenvolvimento e a implementação das políticas públicas incidentes no


Parque Guararapes produziram diversos instrumentos legais e operacionais, muitos
dos quais com aplicação direta no seu território. Essas políticas estabeleceram normas
regulatórias gerais e específicas e atribuíram responsabilidades a instituições
diversas. O quadro a seguir relaciona as principais normas com incidência na gestão
do Parque Guararapes.

Quadro 2 – Síntese do marco regulatório do Parque Guararapes

(*) Natureza da Ação: 1-Regulação; 2-Planejamento; 3-Estruturação Física; 4-Gestão; 5-Pesquisa Fonte:
Gisela Montenegro (2014).

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2.3 A matriz institucional

A matriz institucional do Parque Guararapes foi construída a partir do seu


marco regulatório, com o objetivo de identificar as responsabilidades e as funções de
cada um dos atores envolvidos na gestão do espaço. Esse tipo de matriz permite que os
gestores visualizem as organizações que, de forma integrada, devem desempenhar
determinadas atividades, constituindo-se um instrumento facilitador dos processos de
acompanhamento, tomada de decisão e coordenação das ações (TENÓRIO, 2005, p. 83).

Quadro 2 – Matriz institucional da gestão do Parque Guararapes

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Fonte: Gisela Montenegro (2014)

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2.4 O Mapa de gestão

A partir da combinação dos três fatores caracterizadores dos espaços do Parque


– legislação incidente, atos administrativos e ocupação urbana - as áreas de interesse
de preservação do Parque podem ser caracterizadas em sete tipos de área para efeito
de preservação e gestão, sendo seis deles de preservação rigorosa e um de entorno.
Esse último tipo está subdividido em quatro áreas, tendo uma delas uma pequena parte
do seu território situada na cidade do Recife. Em decorrência das suas características,
essas áreas demandam diferentes ações e diversos graus de envolvimento e de atuação
de instituições públicas e da sociedade.

Figura 1 – Mapa das Áreas de Interesse de Preservação do Parque Guararapes


Fonte: IPHAN (2005) adaptado por Gisela Montenegro (2014)

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2.5 A esfera participativa

Dentre os instrumentos de planejamento e gestão participativos para a


operacionalização das políticas cultural, ambiental e de desenvolvimento urbano
desenvolvidos a partir da Constituição Federal de 1998, foram elaborados, para o
Parque Guararapes o Plano Diretor (IPHAN, 2002), o Plano de Preservação de Sítio
Histórico Urbano (IPHAN, 2005) e o Plano de Ação do Programa de Aceleração do
Crescimento das Cidades Históricas – PACH (IPHAN, 2009). Atualmente, estão sendo
desenvolvidos o Plano de Regularização Fundiária e o Plano Urbanístico correspondente.
A construção desses instrumentos contou com a participação das entidades
públicas e privadas que atuam e têm interesse na área do Parque e da população local.
Esses planos resultaram no estabelecimento de diretrizes de ação, formulação de
alternativas incrementais, constituição de comissões gestoras, formalização de
acordos para a gestão compartilhada do sítio histórico e construção de um rico acervo
de propostas para o Parque Guararapes, que abarcam os múltiplos aspectos
relacionados com a gestão da área.
A análise desses planos e das ações desenvolvidas possibilitou a identificação
da esfera participativa do Parque Guararapes. Essa esfera pública compreende os
atores integrantes da matriz institucional da gestão do sítio histórico, detentores de
responsabilidades legalmente atribuídas, bem como de outros agentes que atuam no
território e que exercem influência na sua preservação e gestão, seja de forma direta ou
indireta, positiva ou negativa.

Governo Presidência
Federal da República

Congresso Justiça Ministério


Público
Nacional Federal Federal
Ministério Ministério Ministério do Ministério
MPOG Meio Ambiente Educação
da Defesa da Cultura

Exército IPHAN SPU IBAMA UFPE UFRPE

Governo CONDEPE Secretaria de Governo


Estadual FIDEM Planejamento Municipal

FUNDARPE Secretaria de
Desenv. Urbano
Parque Histórico Prefeitura de
Jaboatão dos
CPRH Nacional dos Guararapes Guararapes
Governo de Secretaria de
Pernambuco Infraestrutura

Ministério Sec. Políticas


Público PE Sociais

Assembléia Câmara
Legislativa Municipal

Associações e Santuário Mercado


Nossa Sra. DIRCONl
Conselhos dos Prazeres Imobiliário

Comunidade Ordem Prefeitura


Local Beneditina do Recife

Figura 2 – Esfera Participativa do Parque Guararapes


Fonte: Gisela Montenegro (2014)

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2.6 A atuação das instituições públicas e privadas e da comunidade

No Quadro 3, é apresentada uma síntese da análise da atuação das instituições


na gestão do Parque Guararapes. Integram a análise as instituições com
responsabilidade legal diretamente relacionada com a preservação e a gestão do
Parque Guararapes (que compõem a matriz institucional) e as demais instituições que
atuam no território e exercem influência na sua preservação e gestão (que compõem a
esfera participativa).

Quadro 3 – Atuação das instituições na gestão do Parque Guararapes

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Fonte: Gisela Montenegro (2014)

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A análise da atuação das instituições no Parque Guararapes revela que, apesar


dos esforços empreendidos visando a gestão compartilhada do espaço, as instituições
têm atuado aquém das suas responsabilidades legais e muitas vezes em desacordo com
as diretrizes estabelecidas no planejamento conjunto e com os acordos de preservação
firmados. Essa situação gera conflitos e sobreposições de ações, que provocam
desperdício de esforços e de recursos. Há também importantes lacunas de atuação, das
quais derivam muitos dos problemas apresentados pelo sítio histórico.
Apesar da diversidade e do grande número de ações realizadas, após mais de 40
anos da criação do Parque Guararapes, não foram implantadas as edificações e os
equipamentos previstos para o adequado atendimento da sua função de parque
público. A falta de decisão política sobre a permanência ou a relocação da população
dos assentamentos impossibilitou, até o ano de 2013, a definição quanto ao parque
público a ser implantado e aos limites da área a ser requalificada.
O controle urbano e ambiental tem-se mostrado insuficiente desde os
primórdios da proteção oficial da área, o que propiciou a ocupação e o uso irregulares e
inadequados do território, contribuindo para a destruição dos seus recursos naturais.
A conservação e a manutenção das áreas livres têm-se mostrado insuficientes,
como pode ser verificado no estado em que se encontram as vias, edificações e
equipamentos, bem como no lixo presente em diversos pontos do parque.
A não inserção no tecido urbano do município tem situado o Parque Guararapes
em condição de isolamento físico e à margem das políticas municipais de
desenvolvimento urbano e socioeconômico, mantendo os assentamentos em
condições subnormais de habitabilidade.
A falta de ações para a integração do território do Parque Guararapes à Região
Metropolitana do Recife contribui significativamente para o seu esquecimento
enquanto importante espaço de lazer cultural, a despeito da sua relevância cultural e
paisagística e da localização privilegiada. Nesse aspecto, destaca-se a ausência de ações
governamentais voltadas para a divulgação e o aproveitamento turístico da área.
Não há ações de educação ambiental e patrimonial e de promoção do
patrimônio cultural. Tais ausências contribuem para a falta de reconhecimento,
valorização e apropriação do sítio histórico pela sociedade.
Os recursos aplicados na área não são suficientes à instituição, preservação,
manutenção e promoção do parque.Evidencia-se a falta de instrumentos fundamentais
de gestão pública, voltados para a integração, comunicação, coordenação, avaliação de
resultados, prestação de contas e responsabilização.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise realizada, em triangulação com a visão dos atores obtida na


pesquisa de campo, foram identificados como principais entraves à eficiência da gestão
do Parque Guararapes a dimensão e a complexidade das questões, a falta de decisão
política, o grande número de instituições com responsabilidade de atuação na área, a
falta de clareza sobre as responsabilidades das instituições, a divergência de interesses
entre os atores e a falta de instrumentos para a gestão compartilhada.
Essa mesma investigação identificou como principais elementos favoráveis à
gestão eficiente do Parque Guararapes a importância do patrimônio histórico-cultural,
ambiental e paisagístico local, a titularidade da União Federal, a responsabilidade legal
pela preservação da área pelas três esferas governamentais, a experiência acumulada
nos planos e ações em parceria entre o poder público e a comunidade, os planos
elaborados e os acordos de preservação firmados e a convergência de esforços das
instituições nas ações em execução.
O estudo apontou para a necessidade de reestruturação da forma de gestão do
Parque Guararapes, com a finalidade de promover os ajustes necessários à
transposição das fronteiras do planejamento e da assinatura de acordos para a
viabilização da gestão integrada e compartilhada pelas instituições responsáveis por
esse espaço de reconhecido valor cultural nacional.
A relevância dos atributos do Parque Guararapes e a pressão exercida sobre eles
exigem, para a sua conservação e preservação, uma abordagem integrada e
interdisciplinar dos seus múltiplos aspectos - culturais, ambientais, urbanísticos,
econômicos, sociais e políticos. A atuação compartilhada dos atores públicos e privados
e da sociedade, especialmente da comunidade local, constitui, igualmente, condição
fundamental à requalificação, preservação e desenvolvimento local do Parque.
As duas importantes ações em execução no local configuram-se novos
condicionantes da gestão, apontando para um avanço no sentido da melhoria das
condições de uso e de gestão do espaço. A regularização fundiária e a requalificação
urbanística dos assentamentos virão inserir esses espaços na dinâmica urbana do
município de Jaboatão dos Guararapes, o que contribuirá para o seu desenvolvimento
local. Por sua vez, a requalificação do Parque criará condições para a sua inserção no
circuito de lazer recreativo e turístico da RMR.
Verifica-se que o espaço do Parque, além da qualificação como parque público,
necessita ser inserido no contexto urbano da Região Metropolita do Recife, a fim de que
se torne sustentável. Para tanto, é necessária a implementação de um modelo de

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preservação do patrimônio cultural e ambiental integrado às políticas de


desenvolvimento urbano das três esferas governamentais, associado ao
estabelecimento de mecanismos de gestão compartilhada e de instrumentos
operacionais com essa finalidade.
Por sua complexidade, a gestão do Parque Histórico Nacional dos Guararapes
requer uma estrutura de governança capaz de articular as diversas políticas públicas,
compatibilizar os diversos interesses, legitimar as decisões, proporcionar eficácia às
ações realizadas, bem como de sustar o processo de ocupação da área e instituir as
condições necessárias ao cumprimento da sua função precípua de parque histórico
nacional.

REFERÊNCIAS

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 89
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
ARTIGO

NOTAS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO


FERROVIÁRIO PERNAMBUCANO
1
Josemir Camilo de Melo

INTRODUÇÃO

A história das ferrovias em Pernambuco tem quatro momentos. O primeiro é o


imperial, subdivido em dois estágios: o da pioneira RSF (1858-1901), com seus 125 km,
incluindo a experiência de duas linhas de trens suburbanos; e o outro é o da década de
1880 ao começo da República, com a Great Western of Brazil Railway (GWBR) (141 km).
O segundo momento que se dá na República é o da constituição de uma rede, a rede
GWBR ('gretueste'); o terceiro será o da RFFSA; um quarto, vive-se, no momento, ou
morre-se, no momento.
Na década de 1870, o Governo Central retornou à política de financiamento de
ferrovias. Para evitar os erros cometidos quando da concessão da RSF (que se tornara
dependente do aparelho estatal, quanto à garantia de juros de 7%, pagos, em Londres,
no valor do ouro e outras isenções), mudou a lei ferroviária de 1852, com o
Regulamento de 1874. No entanto, a construção dessas estradas se dará no fim da
década, sendo inauguradas, todas na década de 1880. Por causa da guerra, começara a
construir ferrovias de fronteiras e, diante de crises socioeconômicas como a grande
seca de 1877/9, na região Nordeste, assumiu a construção de uma ferrovia em Alagoas,
a EF Paulo Afonso; em Pernambuco, construiu duas estradas de ferro, a EF Sul de
Pernambuco (prolongamento da RSF em direção ao rio São Francisco, mas que não
passou de Garanhuns) e EF Caruaru (a Central), e encampou a EF Baturité e a EF Sobral,
no Ceará, que formaria, na República, a Rede de Viação Cearense.
Como se denota, era a febre da modernização, através dos trilhos e das
locomotivas movidas a carvão de pedra. Portanto, não se trata de determinação
pernambucana ou espírito empreendedor nativo, mas, e bastante, do interesse da
Inglaterra em expandir seu mercado consumidor de bens manufaturados em ferro e aço,

1
Josemir Camilo de Melo é recifense, graduado em História pela Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP), Mestre e PhD em História pela UFPE. Pesquisou ferrovias na Inglaterra. Ex-professor da
UNICAP, professor aposentado pela Universidade Federal de Campina Grande; ex-professor visitante
da Universidade Estadual da Paraíba. É autor de "Uma família de engenheiros ingleses no Brasil: de
Mornay Brothers" e “Ferrovias e Mobilidade Social no Nordeste (1850-1900)”, tendo, atualmente, no
prelo pela Editora da UEPB, A Primeira Ferrovia Inglesa no Brasil: The Recife-São Francisco Railway.

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além da exportação de carvão de pedra. Basta ver que as demais províncias canavieiras
do Nordeste aderiram ou foram cooptadas pelo capitalismo, ligando as áreas de algodão
e cana de açúcar aos portos regionais: a Alagoas Railway, a Conde D'Eu, na Paraíba e a
Natal-Nova Cruz, no Rio Grande do Norte.
Outra grande contribuição das ferrovias, no período escravagista-imperial é
que criou o mercado do trabalho assalariado, a figura do operário. A RSF teria usado
cerca de 2 mil trabalhadores, enquanto que a GWBR, por volta de 1880, empregou
1.300 trabalhadores. É possível que, aproximadamente, 2.000 trabalhadores livres
tenham arranjado emprego nas linhas de trilhos, alternadamente, ao longo de 1870 e
1880, em Pernambuco.

A FORMAÇÃO DA REDE GWBR

Sob a nova política republicana, o governo tratou de comprar a RSF e as demais


ferrovias inglesas do Nordeste, entre Alagoas e Rio Grande do Norte (com exceção da
Great Western), mesmo tendo prejuízo, porque não descontara a garantia paga. Assim,
a RSF, por exemplo, que tinha um capital de £ 1.685.700, custou £ 800.800, teve a
garantia do governo em torno de £ 3.768.500, mas foi adquirida pelo preço de £
1.500.000 (MELO, 2007).
A GWBR, construída sob a nova política ferroviária de 1873, com bitola estreita,
fortaleceu-se devido ao tipo de investimento em sua construção, e se capitalizou
potencialmente. Desde o fim do Império, conseguiu os direitos para se expandir para
a Paraíba, via ramal de Nazaré da Mata/Timbaúba, chegando até Itabaiana e Pilar. Foi
a mais lucrativa das inglesas, porque quase a metade da linha da tinha sido
construída sem a garantia de juros e, em caso de compra, o Estado pagaria o mesmo
pela linha toda.
A economia do Governo, no arrendamento, viria das taxas de juros e
amortização de bônus. O contrato ainda estabelecia que o arrendatário seria obrigado a
construir extensões de linhas, reduzir a bitola da RSF e adquirir a pequena EF Ribeirão-
Bonito. Qualquer extensão ou ramal deveria retornar ao Estado, por volta de 1960, sem
indenização, enquanto a principal linha da GWBR e ramal seriam comprados pelo valor
do custo original. Em agosto de 1901, a RSF, de pioneira, tornou-se um ramal. Com a
rede, viriam os protestos na linha. As greves, na capital, expandiam-se para o interior,
regionalizavam-se. Nesse momento, os trens podiam carregar mensagens sobre as
greves para os quatro Estados açucareiros, como aconteceria em 1909, quando toda a
rede GWBR permaneceu completamente imobilizada por um mês (MELO, 1994).

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Josemir Camilo de Melo

A rede Great Western tornou-se uma malha de 1.617 km, unindo a zona
canavieira do sul de Natal à cidade de Palmeira dos Índios em Alagoas; bem como unia o
litoral ao sertão algodoeiro. Do Recife rumava ao noroeste, a Limoeiro/Timbaúba, e ao
sul, para Garanhuns, via Palmares. Enquanto isto, de cada uma das outras três capitais,
partia um trem do porto ao campo algodoeiro: da capital da Paraíba a Campina Grande
e desta também ao porto do Recife, via Itabaiana. De Maceió ao seu interior e de Natal
ao seu interior com a EF Central do Rio Grande do Norte. Antes de completar uma
década de arrendamento, a GWBR já contava crescimento nas rendas na maioria das
linhas (antes independentes) que iam de 20 a 145% (MELO, 2007).

A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA (RFFSA) E A REDE


FERROVIÁRIA DO NORDESTE (RFN)

A rede GWBR e mais duas pequenas linhas, uma estadual e outra particular,
foram encampadas pelo governo Juscelino Kubistchek, em 1957, três anos antes de
vencer o contrato, que havia sido renovado, com a GWBR, em 1920. A RFFSA viria a
administrar 18 ferrovias regionais, operando uma malha que, em 1996, compreendia
cerca de 22 mil quilômetros de linhas (73% do total nacional). Contraditoriamente, se
firmava no país, alavancada pelo governo JK, a indústria automotiva. A cobertura
parcial da região Nordeste coube à divisão RFN - Rede Ferroviária do Nordeste.
Em 1958, os Correios lançaram um selo representando a ligação Patos, estação
terminal da Rede Viação Cearense (RVC) com Campina Grande (GWBR), em alusão ao
centenário da ferrovia na região (1858-1958) (MELO, 2012). A GWBR tinha parado seus
trilhos na cidade de Campina Grande, como cidade ponta de trilho (a railway head,
como chamavam os ingleses) (1907-1957). Por outro lado, a Rede Viação Cearense
havia descido todo o Estado e penetrara na Paraíba, fazendo seu terminal na cidade de
Souza e, na década de 1920, chegara a Patos. Portanto, a ligação de Campina Grande e
Patos significava também a ligação de duas divisões da rede federal.
No entanto, menos de uma década depois, sob o regime militar, o governo
extinguiu os ramais tidos como deficitários, entre eles, estava o de Cajazeiras. Na
década de 1970, o transporte ferroviário tornara-se obsoleto na concorrência com o
rodoviário. O governo militar iniciou a desativação de trens de passageiros, como
ocorreu com a linha de Campina Grande e, posteriormente, numa tentativa de
recuperar o setor de passageiros criou a linha Recife-Fortaleza, o expresso Asa
Branca, passando por Campina Grande. Este expresso deu seu último apito no final
daquela década.

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92 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Josemir Camilo de Melo

A PRIVATIZAÇÃO A TODO VAPOR

Durante o governo neoliberal de Collor de Mello, em 1992, começou o


processo de privatização da RFFSA, que se deu entre 1996/1998, continuando no
governo Fernando Henrique Cardoso, quando se deu a liquidação em 1999, passando
às mãos da Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN. Até mesmo o governo do
'esquerdista' Luís Inácio Lula da Silva deu continuidade à sua privatização, sendo
então extinta em 2007. Dissolvida de acordo com o estabelecido no Decreto nº
3.277, de 7 de dezembro de 1999, seus ativos operacionais (infraestrutura,
locomotivas, vagões e outros bens vinculados à operação ferroviária) foram
arrendados às concessionárias operadoras das ferrovias, entre elas a Companhia
Ferroviária do Nordeste (CFN).

O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO

O patrimônio que se constituiu durante a operação das ferrovias vai da


produção direta (os próprios bens móveis e imóveis) à indireta, os outputs (ou seja, as
consequências econômicas, sociais, ecológicas e políticas). Inclui, social e
economicamente falando, o patrimônio invisível: a formação de riquezas familiares
(não só o capital em si, mas o capital cultural, além de habitus) e classes sociais, como
atesta o decreto que transfere ao Iphan, a proteção (Decreto no. 6.018, de 22 de
janeiro de 2007). No geral, foram transferidos ao Iphan, para avaliação, 2 milhões de
bens móveis, além de um incalculável acervo documental. Agrega-se a estes bens o
patrimônio imaterial representado pelos costumes, tradições e outras influências
trazidas pela ferrovia e que estão incorporadas no cotidiano de grande parte da
população que, direta ou indiretamente, conviveu com a presença da ferrovia.
Com a desativação e extinção da RFFSA, coube ao IPHAN, que, em 2010, criou a
Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário (incluindo do ferro, em sim, até as
manifestações culturais) a proteção desse patrimônio, avaliado num total de 52 mil
imóveis, 15 mil bens históricos, 31.400 m lineares de acervo documental, 118 mil
desenhos técnicos, 74 mil itens bibliográficos e um universo incalculável de bens
móveis (Iphan, 2009, apud COSTA LINS, 2012, p. 23).
Como dizem os poetas: “Café-com-pão! Café-com-pão! Café-com-pão! O que
foi isto maquinista”: “Vou Danado Pra Catende/ Vou Danado Pra Catende”, digo eu:
Vou Danado Pra Campina!

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 93
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Josemir Camilo de Melo

REFERÊNCIAS

COSTA LINS, Ana Paula Mota de Bitencourt da. O patrimônio industrial ferroviário e os
instrumentos voltados para a sua salvaguarda. Architecton – Revista de Arquitetura e
Urbanismo, Vol. 02, Nº 02, 2012.

MELO, Josemir Camilo de. Selando o desenvolvimento sobre trilhos: a construção de uma rede
ferroviária no nordeste brasileiro (1858-1958). In: Isabel Maria Freitas Valente e João Rui Pita.
(Org.). História e Filatelia IV. O Brasil nos selos portugueses e brasileiros, Coimbra: CEIS20,
2012, v. Nº 4, p. 43-58. (e-book).

_________. Ferrovias Inglesas e Mobilidade Social no Nordeste. Campina Grande-PB:


EDUFCG, 2007.

_________. As Primeiras Greves Ferroviárias no Nordeste. Cadernos Nordeste em Debate, N°


II, UFPB, Campina Grande, 1994.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Patrimônio Ferroviário.


Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/127>. Acessado em: 02/10/15.

REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA. Histórico. Disponível em:


<http://www.rffsa.gov.br/principal/historico.htm>. Acessado em: 02/10/15.

CENTRO-OESTE BRASIL. Mapas Ferroviários. Disponível em: <http://vfco.brazilia.


jor.br/ferrovias/Transnordestina/1924redeViacaoCearense.shtml>. Acessado em: 05/10/15.

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94 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
ARTIGO

NOVAS TECNOLOGIAS E BENS PATRIMONIAIS:


O APLICATIVO PATRIMÔNIO PE MOBILE
1
Julieta Leite

NOVAS TECNOLOGIAS E OS BENS PATRIMONIAIS

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão hoje diluídas nos mais


variados objetos e superfícies do cotidiano, como televisores, computadores, tablets,
smartphones, relógios. Observados no contexto urbano, esses dispositivos
tecnológicos de informação, comunicação e geolocalização têm sido utilizados em
atividades que vão além da representação de informações sobre determinados lugares
ou edificações. Na demanda cotidiana do uso das TIC, uma parte considerável reporta a
conteúdos transmitidos e processados acerca da localidade física, como endereço ou
coordenadas geográficas; mas interessa igualmente o conjunto de informações
produzido por outros usuários como imagens, relatos e sua localização. Daí o sucesso
de aplicativos de check-in como o foursquare ou Swarm, que permitem saber, por
exemplo, em que bares ou restaurante estão as pessoas de sua lista de contatos. Esses
dispositivos são capazes de receber, captar, processar, exibir e registrar informações em
tempo real, tomando como referência dados do contexto local em que se encontram
seus usuários.
As TIC participam da experiência urbana contemporânea e orientam as mais
diversas ações, como por exemplo: a decisão dos trajetos a percorrer e dos lugares a
visitar; a organização de encontros, eventos e manifestações públicas. Os dispositivos
de comunicação e informação digitais repercutem assim no comportamento e
desenvolvimento de atividades sociais e coletivas, bem como na construção e partilha
de valores e significados construídos em torno de ruas, monumentos e tantos outros
lugares da cidade. Trata-se, portanto, de um contexto que, para ser entendido, deve
associar a experiência da materialidade dos espaços urbanos aos conteúdos
informacionais das redes de dispositivos tecnológicos, como também às formas de

1
Julieta Leite é arquiteta e urbanista e doutora em Sociologia da Cultura pela Université René
Descartes/ Sorbonne (2010). Atualmente é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Laboratório da Paisagem da UFPE e
pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Subjetividade em Arquitetura (NusArq). Atua principalmente
nos seguintes temas: Paisagem, Imaginário e Usos sociais das Tecnologias da informação e da
comunicação no espaço urbano.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 95
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Julieta Leite

relações sociais e representações coletivas que neles se estabelecem. De que


territórios falamos então? Como compreendê-los? Como se dá a divulgação e
apropriação dos bens patrimoniais desses territórios?
A visão baseada na dicotomia “ciberespaço versus espaço real”, colocada em
alguns dos primeiros estudos sobre as tecnologias digitais e o espaço urbano, não se
aplica mais. Embora intimamente associado às dinâmicas urbanas, esse panorama
tecnológico tem se mostrado um terreno de difícil apreensão, mas também um campo
igualmente fértil para a criação e a inovação. Trata-se de um processo em constante
reformulação e que, embora amplamente reproduzido, é moldado de acordo com os
contextos locais e com os aspectos econômicos e sociais. Escolhemos por pensar esses
territórios enquanto fenômenos culturais, da cultura digital, em que os territórios são
compreendidos como manifestação da vitalidade social contemporânea.
Numa leitura destes territórios, tomamos emprestada a ideia de André Corboz
(2001), historiador da arquitetura e do urbanismo, que usa a metáfora do território
como palimpsesto. O autor sugere uma compreensão do território urbano como fruto
da superposição de escritas, ou de registros ao longo do tempo. Hoje podemos dizer
que a informação e comunicação digitais constituem a mais recente camada das
nossas cidades. Ela constitui uma nova infraestrutura urbana. Se nos reportarmos
aos conteúdos informacionais que ela carrega, mesmo que de maneira invisível, ela
está associada ao fluxo de bens materiais e imateriais, às subjetividades e às formas
de representação coletiva. Nessa camada, os dados sobre o patrimônio cultural
servem de interface entre a materialidade dos territórios e sua dimensão simbólica e
informativa.
Dentro de uma leitura social do espaço, e bem antes do desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação tal qual conhecemos hoje, Chombart de
Lauwe, em seus estudos sobre as formas materiais de uma sociedade, suas
representações e suas aspirações, reconheceu haver um espaço além daquele
determinado pelas condições materiais e tecnológicas, que é o das representações
coletivas ou “espaço social”. A partir desse conceito do espaço social, o autor coloca em
evidência “a ideia que fazem de si próprios os grupos e as pessoas que nele se
desenvolvem” (CHOMBART DE LAUWE, 1965, p.28, livre tradução). Ele reforça assim
uma leitura dos espaços urbanos como um território que é, ao mesmo tempo, lugar de
trocas e relações sociais, mas também um espaço cultural e simbólico.
Exatos cinquenta anos após a publicação dos “Ensaios de sociologia” de
Chombart de Lauwe, podemos acrescer que as tecnologias digitais e conteúdos que
elas carregam influenciam no comportamento, no gestual, e instauram novos modos

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de vida em torno de espaços comunicantes e simbólicos, associados às formas de


pensar, interagir, construir e habitar. Se por um lado os objetos tecnológicos participam
de nossas ações cotidianas, enquanto utensílios constantemente presentes no nosso
dia-a-dia, eles afetam igualmente os modos de ver, ouvir, tocar, falar, deambular e
registar a presença sobre o território. É possível identificar aqui um caráter colaborativo
e interativo no uso das mídias digitais na construção de um substrato comum de
imagens e significados que se encontram no coração do processo de produção e
representação do espaço.
Nesse sentido, podemos falar de um “espaço das ideias”, como coloca Edgar
Morin (1991), um espaço constituído de elementos imaginários e simbólicos, tais quais,
a memória, ritos e emoções, assim como outros que subentendem as formas de
interação e de laços sociais. Se por um lado esse tipo a construção desse espaço social
ou espaço das ideias tem suas fundações na estrutura social, a partilha desses
elementos é mais forte quando ligada ao espaço, que serve de ancoragem no interior de
um grupo. Trata-se de uma dimensão da territorialidade humana que reporta a
conteúdos da comunicação, ou da 'comunhão' no mundo vivido; eles estruturam o
universo consensual das representações necessárias à coesão dos membros de um
grupo social. Se nos reportamos aos bens patrimoniais, estes servem de ancoragem de
determinadas práticas, símbolos e valores em uma realidade física, lugar, ou região,
mas também constitui 'liga social' nessa camada imaterial de informações e
comunicações sobre o espaço urbano na medida em que reporta a uma dimensão
coletiva (memórias, costumes, ritos, linguagem).
Se recuperamos o sentido da palavra “patrimônio”, do latin patrimonium, ela
significa bem hereditário que passa dos pais e das mães aos seus filhos. Choay e Merlin
(1988) ressaltam que o termo tem sido empregado para designar a totalidade de bens
herdados do passado (desde o mais antigo ao mais próximo), tanto de ordem cultural
(como quadros e livros à paisagem criada pelo homem) como de ordem natural. Uma
vez adjetivado de cultural, esse patrimônio remete ao aspecto coletivo. Assim, o
patrimônio cultural se manifesta segundo a ideia que viemos de apresentar como
“representação coletiva”, “consciência coletiva”.

PATRIMÔNIO PE MOBILE

Traçando um rápido panorama sobre as recentes plataformas tecnológicas


digitais de informação e divulgação dos bens patrimoniais territoriais, observamos
soluções que vão desde a construção de banco de dados virtuais mapeados, até

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Julieta Leite

aplicativos para dispositivos móveis e interativos voltados para exibição, registro e


partilha de informações contextualizadas. Toma-se como exemplo, os projetos do
“Acervo de Rio de Conta” e do “Inventário Armando Holanda”2. Essas propostas
normalmente reúnem objetivos que vão desde a educação patrimonial, a
conscientização ou partilha dos valores patrimoniais, à promoção do turismo ou
elaboração de um instrumento de gestão e monitoramento do estado de conservação
do patrimônio.
Atualmente observa-se uma maior exploração das plataformas colaborativas -
que permitem o acréscimo de conteúdos por parte dos usuários - e dos jogos
educativos sobre o patrimônio histórico, por permitirem a construção do
conhecimento dentro de uma experiência lúdica. Nesses casos, os usuários sentem-se
participando da experiência de visitação, conhecimento, fruição, construção e partilha
das memórias e vivências do patrimônio. São exemplos o projeto E-Lens, realizado pelo
MIT em 2005 para a cidade de Manresa, na Espanha, e o Locast, para Veneza (2009);
esses projetos permitem ao usuário acessar informações digitalizadas sobre o bem
3
patrimonial e seu entorno como também enviar mensagens e comentários .
Dentro desse panorama de experiências e possibilidades foi elabora a proposta
do “Patrimônio PE Mobile”4, um aplicativo gratuito para smartphones e tablets com o
conteúdo voltado para divulgação, educação e informação sobre o patrimônio cultural
pernambucano. Os dados do aplicativo concentraram-se em torno de doze bens do
patrimônio arquitetônico, sendo seis localizados na cidade de Recife e seis em Olinda.
As informações são apresentadas de forma dinâmica, por meio de textos e áudios em
quatro idiomas - português, inglês, francês e espanhol - fotos e localização via GPS
(ver figuras 1 a 4).

2
O projeto “Acervo Rio de Contas: documentação arquitetônica do Sítio Histórico” vem sendo
desenvolvido pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) desde 2004, e
está disponível em <http://www.acervoriodecontas.ufba.br>. O “Projeto Cultural Inventário do Arquiteto
Armando de Holanda” foi realizado pelo Laboratório da Imagem de Arquitetura e Urbanismo (LIAU) e do
LIBER, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com apoio da FUNDAJ e Funcultura (2013)
e está disponível em <http://www.armandoholanda.com>.
3
Ver <http://mobile.mit.edu/en/elens> e http://locast.mit.edu>.
4
Aplicativo disponível para as plataformas Android e iOS. Para baixar, procurar por “Patrimônio PE”.

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Figura 1 – Cartaz de divulgação do aplicativo Patrimônio PE Mobile


Fonte: Agência Caju

Figuras 2 a 4 – Aparência e layout das informações do aplicativo Patrimônio PE Mobile.


Fonte: Agência Caju

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O patrimônio é um objeto de um investimento no momento presente, não é
apenas para se lembrar e consagrar o passado. É também um mecanismo de
identidade regional, por isso preservar não significa necessariamente restaurar ou
recuperar, mas, sobretudo, restituir e se re-apropriar. Por isso, o olhar sobre o
patrimônio cultural tem também um sentido coletivo – resgata imagens de uma vida
social, sua cultura e seus costumes.

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Julieta Leite

No momento em que as TIC auxiliam as ações de divulgação e interação junto


aos bens patrimoniais, têm-se permitido a construção de um repositório novo e
dinâmico de informações em que são reunidos imagens e dados do passado num
presente vivo, contribuindo na orientação de um olhar para o futuro. Mais do que isso,
os conteúdos passam a estar integrados de uma forma até então nunca experimentada,
sem a rigidez das fronteiras espaciais e temporais. Ampliam-se os modos de percepção
estética e apreensão afetiva do patrimônio cultural; por consequência, os valores
patrimoniais são reconhecidos e partilhados mais amplamente.
Como considerações finais, ressaltamos o papel que o patrimônio cultural
ocupa na contemporaneidade como um valor, mas, igualmente, como um recurso; um
vetor de conexão territorial e social, substrato do imaginário coletivo, objeto em torno
do qual podem se estruturar os agrupamentos humanos. Por isso, é importante se
pensar e explorar as maneiras pelas quais se estrutura a difusão e conservação do
patrimônio cultural por meio das TIC considerando os aspectos subjetivos,
relacionados aos territórios e às paisagens, seus símbolos, significados, marcas visíveis
e ocultas. É igualmente importante compreender como os indivíduos e grupos se
apropriam, interagem, representam e simbolizam em torno dos bens patrimoniais. Em
vista dessas e outras questões, podemos questionar e propor as formas como os agentes e
interesses (individuais, institucionais ou sociais) são combinados em diferentes campos
políticos e arranjos territoriais que concernem nossos bens culturais.

REFERÊNCIAS

CORBOZ, André. Le territoire comme palimpseste et autres essais. Paris: Les éditions de
l'imprimeur, 2001.

CHOAY, Françoise & MERLIN, Pierre. Dictionnaire de l'urbanisme et de l'aménagement. Paris:


PUF, 1988.

CHOMBART DE LAUWE, Paul-Henri. Paris. Essais de sociologie 1952-1964. Paris: Editions


Ouvrières, 1965.

MORIN, Edgar. La Méthode. Tome 4 - Les idées. Leur habitat, leur vie, leurs mœurs. Paris :
Seuil, 1991.

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ARTIGO

A NOÇÃO DE SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO


DA POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO
CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL

Marcia Sant'Anna1

A política brasileira de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial completa


2
15 anos e já se tornou uma referência nacional e, principalmente, internacional . Na
celebração desta efeméride, é importante reconhecer não somente o papel que as
experiências desenvolvidas entre os anos 1930 e 1980 tiveram na sua formulação, mas
retomar as ideias que presidiram a concepção de seus objetivos e princípios
orientadores, bem como de seus principais instrumentos. Sem dúvida, é também
fundamental revisitar a noção de sustentabilidade desse patrimônio que foi construída
no período em causa, uma vez que a promoção da continuidade dos bens culturais
imateriais sempre foi julgada uma meta essencial. Como assegurá-la? Que requisitos
um processo de salvaguarda deve preencher para que possa ser considerado social e
ambientalmente sustentável? Neste texto, tentar-se-á não apenas responder a essas
questões, mas problematiza-las à luz das principais abordagens da salvaguarda
desenvolvidas no Brasil a partir dos anos 2000.

OBJETIVOS E PRINCÍPIOS ORIENTADORES

Tornar a preservação do patrimônio cultural mais democrática e aberta à


sociedade, abarcando bens culturais ainda “não-consagrados” como patrimônio
(FONSECA, 1997), mas representativos da diversidade cultural existente no Brasil, foi,
desde o início, um dos principais objetivos da política de salvaguarda do patrimônio

1
Marcia Sant'Anna é arquiteta, mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
Federal da Bahia. Coordenou, entre 1998 e 2000, o Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial,
constituído pelo Ministério da Cultura, e, entre 2004 e 2011, foi Diretora do Departamento do
Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Atualmente, é
professora adjunta da Faculdade de Arquitetura da UFBA e vice-coordenadora do Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo desta universidade.
2
Especialistas como Maria Cecília Londres Fonseca e Antônio Augusto Arantes participaram ativamente
da formulação do texto da Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
(2003). Além disso, o Brasil foi peça fundamental para a criação e funcionamento do Centro Regional para
a Salvaguarda do Patrimônio Cultural da América Latina (CRESPIAL) e, através do Iphan, presta assessoria
neste campo a países da região e a países africanos de língua portuguesa.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 101
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Marcia Sant'Anna

cultural imaterial implementada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional (Iphan), juntamente com a já mencionada meta de promover sua
continuidade de modo sustentado. Romper com a noção de que o patrimônio cultural
é algo que não faz parte do cotidiano dos grupos sociais e ampliar o acesso aos
benefícios culturais, sociais e econômicos gerados pela sua preservação foram
também objetivos fundadores.
Esses objetivos, entretanto, somente poderiam ser atingidos de modo
consistente e significativo, se alguns princípios de atuação fossem seguidos e, de fato,
presidissem a atuação governamental, o que foi, nos últimos 15 anos, tenazmente
perseguido pelo Iphan. O mais importante deles, em consonância com o artigo 216 da
Constituição Federal, estabelece que o reconhecimento e a preservação do patrimônio
cultural diz respeito, fundamentalmente, à sociedade, e que cabe ao poder público
atuar, principalmente, como parceiro e apoiador desses processos. Em outras palavras,
este princípio afirma que o patrimônio cultural é uma construção social que diz respeito
a todos e não apenas aos especialistas que, tradicionalmente, foram mobilizados pelo
Estado para estabelecer os seus contornos. Com isso, a participação ativa dos
indivíduos e grupos sociais que produzem, mantêm e transmitem os saberes, ofícios,
celebrações, formas de expressão e lugares que constituem suas referências culturais é
definida como condição necessária da implementação da salvaguarda.
A dimensão do patrimônio definida, contemporaneamente, como “imaterial”
diz respeito a bens culturais que constituem, na realidade, processos dinâmicos de
produção cultural e que não podem, simplesmente, ser impedidos de seguir o seu
curso, o que implica aceitar e acompanhar suas transformações, recriações e
adaptações e, ainda, a possibilidade do seu desaparecimento, uma vez perdido o seu
sentido social, memorial, cultural e/ou econômico que os mantêm vigentes. Assim,
outro princípio fundamental da política de salvaguarda desenvolvida no Brasil é afirmar
que não cabe manter esses bens culturais “vivos” artificialmente, e essas considerações
levaram ao entendimento de que a produção de conhecimento e a documentação
constituem, em si mesmas, ações fundamentais de salvaguarda, já que a memória
desses bens culturais deve ficar preservada e acessível a quem quiser conhecê-los no
futuro. Um desdobramento deste princípio, e que se tornou uma das ações
fundamentais da política de salvaguarda, foi a criação, manutenção e divulgação pelo
Iphan de uma base de dados para armazenamento e difusão das informações sobre os
bens culturais imateriais reconhecidos como patrimônio cultural do Brasil3.

3
Ver o Banco de Dados dos Bens Registrados (BCR) em
<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/228>, acessado em 13/10/2015.

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Marcia Sant'Anna

A participação social em todas as etapas do processo de salvaguarda não


passaria de um discurso ou de um desejo, se a socialização e o compartilhamento de
métodos e de instrumentos de identificação, reconhecimento e gestão não se
tornasse uma diretriz fundamental da política de salvaguarda. Na realidade, essa
socialização é uma das formas de se contribuir para que os grupos sociais ganhem
autonomia e, portanto, independência da atuação direta do poder público nos
processos de preservação. Investir nessa autonomia permite ao Estado, no médio e
longo prazo, ampliar e estender seu apoio a um número maior de bens e grupos
sociais.
O princípio da construção de autonomia, por seu turno, impulsionou outro
destinado à constante avaliação, adaptação e aperfeiçoamento dos instrumentos da
política de salvaguarda às demandas e dinâmicas dos grupos sociais, tendo em conta,
inclusive, as dificuldades colocadas pela própria burocracia do Estado.
Os chamados bens culturais imateriais são indissociáveis dos contextos sociais,
culturais, territoriais e, mais genericamente, ambientais em que são criados, recriados
e transmitidos. Dificuldades postas por qualquer elemento, aspecto ou fator interno
ou externo a esses contextos pode afetá-los positiva ou negativamente. Assim, a
articulação de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento social e
econômico, ao meio ambiente, à educação, à saúde, à assistência social e à cultura,
dentre outras, é fundamental não somente para o controle de possíveis impactos
negativos, mas para promover a transmissão e continuidade desses bens de modo
sustentável.
De fato, o patrimônio imaterial se expressa por meios de objetos, gestos,
habilidades e eventos que se realizam no tempo e no espaço. Portanto, contém uma
dimensão material – constituída por corpos, matérias primas, construtos e elementos
da natureza – sem a qual não existe, e que necessita ser também considerada e cuidada,
o que pode estar fora do alcance das políticas culturais. Uma política de salvaguarda
deste patrimônio não pode, assim, descuidar de uma visão integrada e global das
dimensões material e imaterial do patrimônio cultural.
Nos últimos 15 anos, embora essencial, o princípio da necessária articulação de
políticas públicas foi implementado com muita dificuldade. A descoordenação, a
superposição de ações e a dificuldade de diálogo entre áreas de governo permanecem
sendo um entrave para a realização de ações consistentes de salvaguarda do
patrimônio cultural e uma realidade constante no Brasil.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 103
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Marcia Sant'Anna

INSTRUMENTOS FUNDADORES

O Registro de bens culturais de natureza imaterial, criado pelo Decreto


Presidencial n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, consolidou-se como um dos principais
instrumentos de ancoragem legal da salvaguarda desta dimensão do patrimônio.
Concebido como uma norma que confere ao bem cultural um status equivalente ao do
bem tombado, devido a não ter sido estabelecido por uma lei ordinária, o Registro foi
considerado frágil do ponto de vista jurídico e incapaz de gerar efeitos protetivos e
garantidores da salvaguarda e dos direitos culturais relacionados a esses bens. Em
suma, foi visto como um instrumento legal de segunda classe, o que alimentou algumas
manifestações iniciais de rejeição por parte de movimentos sociais comprometidos
com a preservação do patrimônio cultural de grupos sociais minoritários. Ao longo de
sua aplicação, contudo, o Registro foi vencendo boa parte dessas objeções e
resistências, tendo se tornado um instrumento demandado por coletividades e grupos
sociais interessados na salvaguarda de suas referências culturais. Além disso, prática da
salvaguarda gerou efeitos positivos, adequados e de amplo alcance para a continuidade
de bens registrados, para defendê-los de ameaças externas e para garantir o exercício
de direitos culturais vinculados a esses bens. Advoga-se, atualmente, que o Registro é
um instrumento constitucional que garante direitos culturais, e que sua força
normativa deriva do fato de que regulamenta o exercício de direitos que são
considerados fundamentais pela Carta Magna, o que lhe confere, portanto, a
possibilidade de aplicação direta e imediata (bem como a geração de efeitos protetivos)
mesmo advindo de uma norma infra legal (QUEIROZ, 2014).
O Registro reconhece o caráter dinâmico e processual dos bens culturais
imateriais ao admitir as transformações que ocorrem ao longo do tempo, ao instituir, no
máximo a cada dez anos, a revisão do Registro e a revalidação do título de Patrimônio
Cultural do Brasil ao qual fazem jus os bens registrados. Em caso de desaparecimento
do bem, este fato deve ser anotado no livro de Registro no qual o bem foi inscrito,
mantendo-se esse registro e a documentação correspondente como referência cultural
4
do seu tempo de vigência . O Decreto n° 3.551/2000 estabelece também a
obrigatoriedade do caráter coletivo do pedido de Registro, como uma das formas de
garantir a participação da base social que dá sustentação ao bem cultural. Os efeitos
explicitados são o compromisso do Estado em valorizar, documentar, produzir
conhecimento e apoiar a continuidade do bem cultural registrado por meio do

4
Artigo 7°, parágrafo único do Decreto presidencial n° 3.551/2000.

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104 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
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Marcia Sant'Anna

Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), também criado pelo mesmo


decreto presidencial5. Esse apoio à continuidade, colocado assim de forma bastante
aberta, é também o que permite ao Estado agir contra qualquer ação interna ou externa
ao contexto de produção e reprodução do bem cultural que ameace ou comprometa
sua continuidade. Como mostra Queiroz (2014), diversas situações ocorridas nos
processos de salvaguarda de bens registrados como a Arte Kusiwa, dos indígenas
Wajãpi do Amapá; como os Ofícios das Paneleiras de Goiabeiras do Espírito Santo e das
Baianas de Acarajé, e como a Cachoeira de Iauaretê, lugar sagrado para os povos
Tariano e Tukano do Amazonas, atestam que o Registro produziu efeitos protetivos e de
defesa de direitos associados a esses bens. Em suma, em sua aplicação prática, o
Registrou tem provado não deixar nada a dever ao tombamento como instrumento de
proteção. O Registro institui, ainda, um processo participativo de reconhecimento
6
patrimonial (ou de patrimonialização) possuindo também um caráter plástico, no
sentido da possibilidade de acolhimento e de resposta às dinâmicas, muito distintas e
diversas, de salvaguarda que são colocadas pelos bens culturais imateriais.
O outro instrumento fundador da política de salvaguarda implementada pelo
governo federal é o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), que, como o
Registro, possui também um caráter participativo e plástico. A metodologia do INRC
tem seus fundamentos na etnografia e na própria história da ação e do pensamento
brasileiro a respeito da preservação dos bens culturais hoje denominados “imateriais”,
ou seja, nas propostas de Mário de Andrade (ANDRADE, 1981); nas experiências do
Centro Nacional de Referências Culturais e da antiga Fundação Nacional Pró-Memória
(MAGALHÃES, 1997; FONSECA, 1997); assim como na atuação dos chamados
folcloristas entre os anos 1940 e 1960 (CAVALCANTI, 1992 e 2001). Nessas experiências,
o foco sempre esteve no significado e sentido das expressões culturais no contexto dos
seus territórios, produtores, atores e público.
O INRC corresponde também à concretização prática da ideia de inventariar
referências culturais, ou seja, os “diversos domínios da vida social (festas, saberes,
modos de fazer, lugares e formas de expressão) aos quais são atribuídos sentidos e
valores de importância diferenciada e que, por isso, constituem marcos de identidade e

5
O PNPI é implementado por meio de editais públicos para o fomento de projetos inseridos em uma ou
mais das seguintes linhas de atuação: a) pesquisa, documentação e informação; b) sustentabilidade de
bens culturais imateriais; c) promoção do patrimônio cultural imaterial; d) capacitação de agentes e
atores para a salvaguarda.
6
Nenhum processo de Registro pode ser iniciado sem a anuência prévia e informada dos grupos sociais
produtores e detentores do bem cultural, conforme determina a Resolução n° 001, de 3 de agosto de 2006.

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memória para determinado grupo social” (MANUAL DE APLICAÇÃO, 2000). A noção de


referência cultural implica incluir no processo de identificação e salvaguarda os sujeitos
que interpretam e atribuem distintos valores ao seu patrimônio. Assim, na aplicação do
INRC não são os técnicos e especialistas em patrimônio, mas os indivíduos e grupos
sociais que indicam o que será identificado e inventariado. Assim, este inventário
institui também um processo participativo de identificação do patrimônio em todas as
suas etapas (levantamento preliminar, identificação e documentação). Além de prover
um diagnóstico bastante acurado da situação em que se encontram os bens
identificados, o INRC produz uma documentação (fotográfica, gráfica, audiovisual e/ou
sonora) adequada à natureza do bem, e uma agenda (ou pauta) compartilhada de
preservação que envolve instituições locais e grupos sociais envolvidos. O diagnóstico
emerge da produção de conhecimento que é realizada sobre as condições sociais,
materiais e ambientais em que se dá a produção, a reprodução e a circulação das
referências culturais inventariadas, com vistas ao seu reconhecimento enquanto
patrimônios e também à elaboração de planos de ação voltados para corrigir e
contornar os problemas que afetam seu fortalecimento e continuidade.
Assim, não é exagerado afirmar que o INRC é o fundamento do processo de
salvaguarda. Embora sua utilização não seja obrigatória nos processos administrativos
de Registro, a maioria dos atuais 32 bens registrados é consequência de sua aplicação. A
não obrigatoriedade de utilização do INRC nesses processos, contudo, decorre do
reconhecimento de que existem instituições e mesmo pessoas que detêm
conhecimento aprofundado sobre vários bens culturais e que este conhecimento pode
e deve ser aproveitado. Essa diretriz foi o que permitiu que todo o processo de Registro
da pintura corporal e da arte gráfica Wajãpi (a Arte Kusiwa) fosse realizado pela própria
Comunidade Wajãpi e pelo seu Conselho das Aldeias (APINA), com o apoio da
antropóloga Dominique Galois (ARTE KUSIWA, 2008). O INRC é uma metodologia
“plástica” de inventário, na medida em que busca se adaptar aos contextos e às
condições de sua aplicação. Com isso, se adequa a inventários de caráter mais
abrangente que investigam tais referências culturais presentes em um dado território7,
mas também àqueles em torno de um tema articulado à produção cultural, como, por
exemplo, a produção de utensílios em barro e de farinha, ou, ainda, as expressões do
samba de coco no Nordeste.

7
O INRC contempla a possibilidade de se identificar territórios em escalas muito distintas que vão do sítio,
do lugar, do bairro e da localidade, a estados, regiões e conjuntos de regiões não necessariamente
contínuos.

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Em 15 anos de existência, o INRC foi utilizado em aproximadamente uma


centena de inventários, realizados em todas as regiões do país. O Iphan cede
gratuitamente esta metodologia a qualquer instituição ou grupo social que a solicite,
desde que o projeto seja aprovado, atenda aos princípios da política de salvaguarda e os
resultados sejam compartilhados com a instituição. Alguns pesquisadores, contudo,
têm definido o Registro e o INRC como meios para a “certificação de culturas” (SIMÃO,
2005), o que, certamente, decorre de um desconhecimento dos princípios que
fundamentaram sua formulação, de uma compreensão equivocada dos seus objetivos
e, possivelmente, da dificuldade de entender que a constituição social de patrimônios é
sempre, e inevitavelmente, um campo de disputas, e são essas disputas que
possibilitam a democratização do campo da preservação e o reconhecimento e a
salvaguarda de bens culturais que, sem elas, estariam ainda na obscuridade.
A participação do Brasil no programa “Proclamação das Obras Primas do
Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”, da Unesco, impulsionou a criação de um
outro instrumento que ficou conhecido como “Plano de Salvaguarda”. Embora, como
visto, o Decreto n° 3.551/2000 tenha estabelecido o compromisso de apoio do Estado à
continuidade do bem cultural, a obrigação de formular um plano de ação para orientar
a salvaguarda da Arte Kusiwa Wajãpi e do Samba de Roda do Recôncavo, candidatos ao
título de Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, conferido pelo citado
programa, orientou a formulação deste instrumento. Além disso, as experiências de
apoio, fomento e promoção de comunidades artesanais, realizadas pelo Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), foram também importantes
referências nessa construção.
O objetivo do Plano de Salvaguarda é promover a continuidade e a
sustentabilidade dos bens culturais registrados. Para tanto, conforme a situação de
cada bem, uma ou mais das seguintes linhas de atuação podem organizá-los: (1) apoio
às condições de transmissão, produção e reprodução; (2) ações de valorização,
promoção e difusão; (3) ações de defesa de direitos associados ao bem cultural; e (4)
ações de acompanhamento, pesquisa e documentação. A partir do Registro, em
tempos que variam segundo a dinâmica e o nível de organização dos detentores do bem
cultural, tem início o processo de formulação e implementação do plano. Fazem parte
desta construção coletiva, o grupo social detentor comprometido com a salvaguarda do
bem, representantes do poder público e parceiros da sociedade, reunidos num Comitê
Gestor do Plano de Salvaguarda.
O Plano de Salvaguarda, cuja implementação pode ocorrer no curto, médio e
longo prazo, caracteriza-se também por uma grande plasticidade, pois não há um
modelo prévio e suas linhas da atuação e demais elementos são adaptados às

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condições dadas e às demandas do grupo detentor, podendo mesmo tomar a forma de


um conjunto de ações, sem necessariamente uma forma de plano. O instrumento
tornou-se, entretanto, a principal ferramenta de acompanhamento dos processos de
salvaguarda, bem como peça fundamental para orientar a reavaliação do Registro que
deve ocorrer a cada 10 anos, conforme determinado pelo Decreto n° 3.551/2000.
Mas a descrição dos planos e ações de salvaguarda não fica completa sem
menção ao sistema de monitoramento e avaliação da salvaguarda dos bens registrados
que foi elaborado pelo Iphan. Seus antecedentes podem ser localizados no Seminário
de Avaliação do Projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular, desenvolvido pelo
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, e nos I e II Encontros de Avaliação
Participativa, promovidos pelo Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan em
2008 e 2011. Desenvolvido a partir de 2010, o sistema já foi aplicado a 22 processos de
salvaguarda de bens registrados, suscitando reflexões e apresentando resultados
importantes. Dentre estes, a noção de que a existência de outros canais de participação
na execução das ações de salvaguarda, para além, ou no lugar, de um Comitê Gestor; as
interlocuções mantidas com o poder público; a realização de avaliações participativas
periódicas; a gestão direta e satisfatória de recursos públicos e a mobilização de
parcerias, dentre outras iniciativas, são indicadores importantes para a avaliação do
processo de salvaguarda. Em suma, no sistema de avaliação, o próprio plano de
salvaguarda foi definido como um processo que, conforme o caso, pode adotar
distintos ritmos e configurações.
Os 22 planos e conjuntos de ações de salvaguarda avaliados por meio deste
sistema montado pelo Iphan permitiram identificar as fases do processo de salvaguarda
– implementação, consolidação e estabilização – e classificar, de acordo com elas, os
processos examinados. Permitiram ainda estabelecer os critérios ou requisitos que
devem ser preenchidos para uma avaliação positiva do andamento desses processos de
salvaguarda, tais como: a) o nível de mobilização social para a salvaguarda; b) o nível de
interlocução com o Estado; c) a implantação de Centro de Referência do bem cultural
registrado; d) uma rede de parcerias consolidada; e) o crescimento da autonomia dos
grupos detentores/produtores na viabilização das condições de produção e
reprodução do bem registrado; e, por fim, f) o nível de autonomia desses grupos na
gestão do processo de salvaguarda. À luz desses critérios, foram considerados
“estabilizados”, ou seja, como tendo atingido um bom nível de garantia de continuidade
sustentada do bem cultural, os processos de salvaguarda da Arte Kusiwa Wajãpi, do
Samba de Roda do Recôncavo e das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Em situação
próxima deste nível de estabilização, estaria também a salvaguarda do Ofício das
Baianas de Acarajé.

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A avaliação dos processos de salvaguarda mostra o acerto do texto do Decreto


n° 3.551/2000 ao estabelecer o prazo de, pelo menos, 10 anos para a reavaliação do
Registro do bem cultural. De fato, todos os processos considerados estabilizados
precisaram desse prazo para atingir esse patamar. O exame também mostrou que a
sustentabilidade da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial é decorrência da
firmeza, constância e qualidade do apoio fornecido pelo Estado ao processo, mas,
principalmente, da qualidade e intensidade da mobilização e da participação da base
social comprometida; por fim, do crescimento da autonomia da base social na gestão
desse processo.

AS DISTINTAS ABORDAGENS DA SALVAGUARDA NO BRASIL

Como já apontado, a política de salvaguarda que vem sendo implementada


pelo governo federal fundamenta-se na tradição e na trajetória do pensamento e das
ações implementadas, a partir dos anos 1930, para reconhecimento e apoio às
expressões da cultura que hoje são denominadas patrimônio cultural imaterial. O
principal traço dessa abordagem é focalizar essas expressões como fatos sociais totais
(ZANOLLI, COSTILLA & ESTRUCH, 2010, p. 30), o que implica considerar tanto na sua
constituição como patrimônios, quanto na abordagem da sua salvaguarda os diferentes
aspectos de uma realidade social. Em outras palavras, abordar a expressão ou prática
cultural tendo em conta os aspectos históricos, econômicos, ambientais que presidem
sua produção e reprodução, ou a atravessam, no seu território de ocorrência, bem
como os grupos sociais produtores, detentores e/ou praticantes, as condições de sua
circulação e difusão, o seu público consumidor ou quem dela usufrui. Naturalmente, os
processos de transmissão desses bens culturais às novas gerações estão contidos nessa
abordagem, mas jamais dissociados de todos esses aspectos.
Essa maneira de abordar os processos de patrimonialização e salvaguarda dos
chamados bens culturais imateriais, entretanto, não é a única no Brasil. Por vezes em
articulação e, na maioria das vezes, em contradição ou conflito com a adotada pelo
governo federal, outra abordagem também vem sendo desenvolvida no Brasil, desde
2002, tendo como inspiração o Programa Tesouros Humanos Vivos da Unesco. Esse
programa, lançado mundialmente nos anos 1990, tem origem no sistema de
salvaguarda desenvolvimento em países orientais, a partir da experiência do Japão que
teve início com a promulgação da chamada Lei da Cultura (Bunka Cho), em 1950. Esse
sistema concentra-se no fortalecimento do processo de transmissão do bem cultural, a
partir da concessão a mestres e, eventualmente, a grupos que detêm conhecimentos e
habilidades que permitem a reprodução de certos bens culturais, o título de “Tesouros

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Humanos Vivos”. O sistema implica a concessão pelo Estado de ajuda financeira a esses
mestres e grupos, em troca do compromisso de transmissão de seus saberes a
aprendizes selecionados.
8
Sete estados brasileiros optaram por elaborar e promulgar leis baseadas
nessa abordagem oriental, conjugadas ou não a leis que instituem o Registro de bens
culturais imateriais nos moldes do Decreto n° 3.551/2000. Pesquisas realizadas a
partir de 2006 (CASTRO & FONSECA, 2008) e outras mais recentes9 mostram que
dentre os estados que possuem leis de reconhecimento de mestres e grupos como
“patrimônio vivo”, apenas em quatro essas leis estão sendo de algum modo
aplicadas. Nos três restantes, não há qualquer aplicação. As ações desses programas
têm mantido um perfil marcadamente assistencialista e os mestres laureados – mesmo
quando em condições adequadas de idade e saúde - não têm sido envolvidos em
programas educacionais ou de transmissão de seus conhecimento e habilidades. Além
disso, as seleções de mestres e grupos são feitas a partir da apresentação de
candidaturas em resposta a editais, sem, portanto, a participação das bases sociais
ligadas à produção e reprodução dos bens culturais que os candidatos dominam. Em
suma, a condição de “mestre” é autodeclarada e não uma consequência do
reconhecimento social ou de pares.
Os resultados em termos da promoção da continuidade social e
economicamente sustentada das expressões dominadas por esses “patrimônios vivos”
não podem ser considerados animadores. Os impactos na ampliação da transmissão de
bens culturais às novas gerações são baixos, assim como na sua reprodução, pois,
eventualmente, a ajuda governamental tem propiciado uma diminuição ou até
abandono do ofício ou da prática da expressão cultural por parte do mestre laureado.
Por fim, este sistema de salvaguarda tem encontrado dificuldades para sua própria
reprodução, devido a restrições orçamentárias que impedem que novos editais de
seleção sejam lançados e fazem com que candidatos esperem a morte de mestres já
laureados para que sejam abertas novas “vagas”. Que horizonte de sustentabilidade
esse sistema coloca então para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial?
No sistema de salvaguarda implementado pelo governo federal, no que diz
respeito ao fortalecimento dos processos de transmissão, optou-se, decididamente,
por outra via. A identificação de mestres que detêm conhecimentos e/ou habilidades

8
Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco e Santa Catarina.
9
Projeto de pesquisa coordenado pela antropóloga Letícia Vianna, em andamento no Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior/CNPq/UnB.

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especiais, bem como daqueles que são responsáveis por sua transmissão e pela
formação de pessoas, dá-se no âmbito da etapa de inventário ou produção de
conhecimento sobre os bens culturais e seus praticantes. Essa identificação é feita a
partir de informações já disponíveis, mas, principalmente, por meio da indicação
desses praticantes. Identificados, assim, por seus pares e pela base social vinculada
ao bem, os mestres são incluídos no processo de salvaguarda, especificamente, nas
ações de transmissão que são previstas no conjunto de ações de apoio à
continuidade do bem cultural. Com isso, não há a patrimonialização de mestres e sim
a integração desses detentores especiais de saberes e habilidades a um processo
mais amplo de salvaguarda que envolve também a melhoria das demais condições
materiais, ambientais e sociais que sustentam a vigência e continuidade de
referências culturais.

UM EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE: O PLANO DE SALVAGUARDA DO SAMBA DE


10
RODA DA BAHIA

Depois da Arte Kusiwa Wajãpi, o Samba de Roda foi o segundo bem a incluir no
seu processo de Registro recomendações detalhadas para a formulação e
implementação de um Plano de Salvaguarda. No início desse processo – que já visava o
envio da candidatura deste bem cultural ao Programa “Obras Primas do Patrimônio
Oral e Imaterial da Humanidade” – a pesquisa realizada para a identificação de grupos
de samba no Recôncavo baiano mostrou uma situação de grande isolamento e de falta
de intercâmbio entre esses grupos, bem como apurou muitas queixas contra a falta de
apoio governamental e contra pesquisadores que colhiam imagens, músicas e
informações e não devolviam nada para as pessoas e grupos que as forneceram. Além
disso, foram verificadas também situações dramáticas de risco de desaparecimento de
saberes e habilidades ligados, principalmente, a aspectos musicais e instrumentais do
samba de roda. Dentre estas, o desaparecimento do saber-fazer que possibilitava a
confecção artesanal da “viola machete” – instrumento tradicional do “samba chula” da
região de Santo Amaro –, em decorrência da morte do último luthier que fabricava o
instrumento, o qual não havia deixado sucessores.
Na época dessa pesquisa, em 2004, restavam apenas três violas machete em
todo o Recôncavo (sendo duas quebradas) e apenas um músico capaz de tocar o
instrumento com perfeição e reproduzir um repertório significativo – o mestre Zé de

10
As informações deste item constam do dossiê de Registro publicado pelo IPHAN (SAMBA DE RODA,
2006).

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Lelinha. Vários indivíduos e grupos demonstraram grande preocupação com esta


situação e solicitaram a inclusão de ações para reversão deste quadro num futuro plano
de salvaguarda. Outra preocupação recorrente era a falta de um espaço, institucional e
físico, que congregasse os vários grupos de samba da região: uma espécie de “Casa do
Samba' onde todos pudessem se reunir, trocar experiências e informações, ensinar
músicas e danças aos mais jovens, dentre outras atividades.
O Samba de Roda foi registrado e em 2005 foram iniciadas as reuniões, com a
participação do Iphan, dos grupos envolvidos no Registro e de pesquisadores
interessados em colaborar com a salvaguarda deste bem cultural, para a discussão das
ações emergenciais, de curto, médio e longo prazo que deveriam constar do Plano de
Salvaguarda. Um dos primeiros resultados – e essa ação se revelou da maior
importância para a sustentabilidade desse processo de salvaguarda – foi a criação, no
mesmo ano, da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia
(ASSEBA). Inicialmente congregando os cerca de 20 grupos que participaram do
inventário e do Registro do Samba de Roda, atualmente, a ASSEBA conta com
aproximadamente 120 grupos filiados, tendo se tornado uma referência de
organização pela sua alta capacidade de captação e gestão de recursos, de
formulação e implementação de projetos e de formação de uma rede de grupos
conectados e atuantes no processo de salvaguarda.11 A criação dessa associação
permitiu não somente a desejada congregação e intercâmbio entre grupos, mas sua
organização para uma gestão crescentemente autônoma da salvaguarda do samba
de roda. Em suma, permitiu a coesão e a ampliação da base social comprometida
com este processo.
Dentre as principais conquistas dos sambadores e sambadeiras, além da
ASSEBA, cabe contabilizar: a implantação, funcionamento e gestão do Centro de
Referência “Casa do Samba de Santo Amaro”; a reversão do risco de desaparecimento
do saber-fazer e do saber-tocar viola machete, com a formação de novos luthiers e
tocadores a partir da realização de oficinas com o mestre Zé de Lelinha e da
documentação do seu repertório12; a ampliação dos canais de transmissão dos
conhecimentos e habilidades ligadas ao samba de roda, mediante a realização oficinas
regularmente ministradas por mestres sambadores e sambadeiras na casa de Santo
Amaro e na rede de 14 Casas do Samba que foi implantada em 14 municípios da região,
a partir de 2011; a implantação e funcionamento de 11 grupos mirins de samba de roda;

11
Ver mais informações no site: <http://www.asseba.com.br>.
12
O mestre Zé de Lelinha faleceu em seguida a essas providências.

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e, por fim, o notável avanço que se pode registrar nas ações voltadas para a arrecadação
de fundos para a manutenção das estruturas que apoiam o processo de salvaguarda por
meio de apresentações de grupos, venda dos CDs gravados no estúdio da Casa de
Santo Amaro, dentre outras ações.
O processo de salvaguarda do Samba de Roda não seria tão bem sucedido se
não contasse com a mobilização e com a dedicação dos indivíduos e grupos que o
praticam. Pode ser citado como uma referência não somente para outros processos
dessa natureza, mas fornece também um rico material para a reflexão sobre os
caminhos que devem ser trilhados na salvaguarda do patrimônio cultural de um
modo geral. Na dimensão material ou imaterial desse patrimônio, a existência de
uma base social comprometida é de fato essencial para a salvaguarda, o que coloca,
certamente e definitivamente, em questão as iniciativas de preservação de bens
culturais que não contam com isso.

DESAFIOS ATUAIS PARA A SUSTENTABILIDADE DOS PROCESSOS DE SALVAGUARDA

Os processos de salvaguarda de bens culturais imateriais avançaram muito nos


últimos 15 anos, no Brasil, mas são ainda questionados e desafiados por iniciativas
inteiramente contrárias aos princípios adotados na política desenvolvida pelo governo
federal. Dentre estas, as mais danosas e comprometedoras são as leis, normalmente de
iniciativa de parlamentares municipais, estaduais ou federais, que, sem qualquer
processo de produção de conhecimento ou de formação de vínculo com a base social
produtora e detentora, estabelecem, em um ou dois artigos, que bens culturais e
aspectos da vida social são “patrimônio imaterial”. Fazem parte deste rol, as leis que
declararam a Torcida do Flamengo, o “chiado” do carioca e a Caminhada com Maria, de
Fortaleza, patrimônios culturais. Essas leis, pela ligeireza com que são propostas e
aprovadas, pela total ausência de efeitos de salvaguarda, não somente difundem uma
concepção equivocada de patrimônio cultural imaterial, como sinalizam para a
sociedade que esse tipo de salvaguarda não deve ser levada a sério.
O problema que as citadas leis colocam não está, obviamente, ligado à falta de
pertinência cultural dos bens que declararam patrimônio, mas, fundamentalmente, à
ausência de uma demanda social de salvaguarda claramente posta e, portanto, de
sujeitos e grupos comprometidos com ela. São iniciativas que cortam, de modo
inadequado e equivocado, um caminho que, para ser consistente, é necessariamente
longo e que deve ser percorrido de modo cuidadoso. Ademais, ignoram que, no que
toca ao patrimônio imaterial, não importa, ou nada conta, a opinião que sujeitos

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externos possam ter sobre sua importância, mas sim a de seus detentores. São eles, em
suma, que têm a possibilidade de apontar o que deve ser salvaguardado dentre os
múltiplos aspectos de um bem cultural, pois deles depende, em última análise, a
própria existência desse bem e a possibilidade de que seja salvaguardado. As propostas
de reconhecimento de bens como patrimônio pela via do poder legislativo têm sido
danosas porque desviam a atenção dos princípios de participação social e de
compromisso com fortalecimento das condições de continuidade do bem cultural que
devem ser observados, e jogam na vala comum da irresponsabilidade política
iniciativas que, se conduzidas de outra forma, poderiam ser socialmente e
culturalmente muito significativas.
De um lado, as iniciativas parlamentares de patrimonialização de certos bens
culturais apontam para uma ampliação positiva da participação do poder público na
política de salvaguarda e também para o seu sucesso. De outro, incentivam na
sociedade o desenvolvimento de uma compreensão equivocada do que é patrimônio
cultural imaterial e do que deve ser a sua salvaguarda. Assim, um dos maiores desafios
contemporâneos neste campo é tornar o poder legislativo uma instância parceira, no
sentido do encaminhamento ao executivo das demandas sociais de salvaguarda que
lhes são apresentadas por setores da sociedade. O próprio Decreto n° 3.551/2000
reconhece este papel de mediação, ao estabelecer que o poder legislativo é parte
legitima para solicitar a instauração de processos de Registro. É também importante
que as instituições de preservação desenvolvam formas de lidar de modo mais eficaz
com as pressões políticas sobre o Registro de bens culturais imateriais e sejam capazes
de acolher as demandas apresentadas pelo legislativo. Além disso, a de avançar e
ampliar a divulgação dos princípios que devem orientar a salvaguarda.
Outros desafios importantes para a sustentabilidade dos processos de
salvaguarda são a articulação das leis de reconhecimento de mestres como
“patrimônio vivo” aos processos de salvaguarda mais amplos das expressões culturais
que dominam, assim como a ampliação da inclusão de detentores e produtores de bens
culturais na sua identificação. A importância da ação do Estado deve ser reconhecida,
mas, como já apontado, a continuidade de bens culturais imateriais depende,
fundamentalmente, de atores sociais que queiram atuar segundo determinados
códigos, e de determinadas condições materiais e ambientais que possibilitem a
reprodução do bem cultural. Daí a necessidade de apoiar o fortalecimento e a melhoria
dessas condições e não somente dos aspectos ligados à transmissão de saberes.
A articulação de políticas públicas que têm interface com melhoria das
condições sociais, materiais e ambientais que possibilitam a continuidade de bens

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culturais é, certamente, um outro grande desafio a enfrentar, diante da falta de tradição


administrativa no Brasil neste sentido. Não menos importante é avançar no controle
dos impactos da implementação da política de salvaguarda nos próprios bens culturais
que são seu objeto, assim como no controle dos impactos de políticas de
desenvolvimento do turismo e de implantação de grandes empreendimentos que
desestruturam contextos culturais e seus territórios.
Ao se olhar então para os últimos 15 anos, é forçoso reconhecer a consistência
da política de salvaguarda que foi formulada e implementada no Brasil. Mas é
importante também reconhecer que há ainda muitos desafios a enfrentar e um longo
caminho a percorrer para que ela se torne cada vez mais consolidada e,
principalmente, realizada em bases de excelência e de sustentabilidade ambiental,
econômica e social.

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MNEME Revista de Humanidades. v. 7. n. 18, out./nov, 2005. p. 9-29.

ZANOLLI, Carlos; COSTILLA, Julia; EESTRUCH, Dolores. “Cofrades, esclavos y devotos: la


peregrinación al Santuario de la Virgen de Copacabana de Punta Coral”. Jujuy, Argentina. In: 16.

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116 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
ARTIGO

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO


PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: O CASO DO
COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS, EM
JABOATÃO DOS GUARARAPES-PE
1
Maria Emília Lopes Freire

INTRODUÇÃO

Os discursos relacionados com a sustentabilidade vêm se dando a partir de


diversas perspectivas de abordagem. No que se refere especificamente à dimensão do
urbano, as principais inquietações dizem respeito tanto às condições como à qualidade
da duração das cidades, considerando tudo que pode inviabilizar a duração da cidade
desejável, como: a poluição, a violência e a congestão urbana (ACSELRAD, 2009).
A noção de sustentabilidade, ainda supostamente imprecisa, vem ocupando
espaço nos debates relacionados ao desenvolvimento desde a Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente (Unced), em 1992. Alguns veem na sustentabilidade
uma maneira em superar a desanimadora crise urbana demandada pela forma
desmedida e obsoleta de ocupação do espaço geográfico, principalmente, nas grandes
aglomerações urbanas.
A sustentabilidade urbana apresenta-se a partir das práticas espaciais
associadas aos desejos sociais de mudanças concretas na forma de apropriação e
gestão da cidade material, ou seja, na apropriação dos seus estoques, seus ativos e nos
fluxos necessários para caracterizar as cidades desejáveis.
Para se afirmar que uma prática social é sustentável seria preciso, antes de tudo,
“(...) recorrer a uma comparação de atributos entre dois momentos situados no tempo:
entre passado e presente, entre presente e futuro” (ACSELRAD, 2009, p. 45)”. Isto por
que, por um lado, é a partir da comparação entre o passado e o presente, e, olhando
para o modelo atual de desenvolvimento, que se expressa o indesejável; por outro lado,
é na comparação entre o presente e o futuro que se consegue projetar e expressar a
qualidade futura postulada como desejável.

1
Maria Emília Lopes Freire, arquiteta e urbanista graduada pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Especialista em gestão do patrimônio pela PUC-
Rio. Servidora da Rede Ferroviária Federal S.A. e cedida ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Desenvolve projetos e pesquisa no campo da preservação do patrimônio cultural, como:
Inventários de Conhecimento; Declaração de Significância Cultural; Projetos e obras de restauração e
revitalização do patrimônio cultural; e ações de educação patrimonial.

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 117
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

Por sua vez, no que tange às práticas sustentáveis urbanas, pode-se dizer que
são aquelas que procuram identificar as inflexões que os atores sociais desejam e
apontam, para a construção do espaço das cidades, sempre buscando contribuir para
uma melhor “qualidade de vida” dos diversos grupos sociais da cidade. Neste sentido,
está se falando da materialidade da cidade enquanto espaço urbano vinculado à
complexidade da trama social, dos artefatos que simbolizam sua identidade e lhes
conferem valor a partir da atribuição pela sociedade; está se falando, ainda, do
patrimônio cultural como um recurso ao desenvolvimento e sustentabilidade das
cidades, como afirma Acselrad (2009), citando Emelionoff (1995):

Uma noção de sustentabilidade associada à categoria patrimônio


refere-se não só à materialidade das cidades, mas a seu caráter e
suas identidades, a valores e heranças construídos ao longo do
tempo. A perspectiva de fazer durar a existência simbólica de sítios
construídos ou sítios naturais “significados”, eventualmente
“naturalizados”, pode inscrever-se tanto em estratégias de
fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes a
suas cidades, como de promoção de uma imagem que marque a
cidade por seu patrimônio biofísico, estético ou cultural, em sentido
amplo, de modo a atrair capitais na competição global.
(EMELIONOFF, 1995, p.46-7 apud ACSELRAD, 2009, p.60).

Neste mesmo sentindo, simultaneamente, está se compreendendo o


patrimônio cultural em seu sentido social, perspectiva esta que contribui para
promover a qualidade de vida presente e futura da sociedade, onde se almeja a
equidade, o direito à memória e o direito à cidade.
Diante das perspectivas teóricas já anunciadas, adentra-se no objeto dessa
reflexão - como a noção de sustentabilidade, associada às práticas de preservação do
patrimônio ferroviário, pode influenciar o processo de reapropriação desse
patrimônio pelos grupos sociais e contribuir para sua reinserção nas dinâmicas
urbanas da cidade.
A princípio, a noção de preservação já leva ao entendimento de que se procura,
nesta prática, a sustentabilidade do bem. No entanto, na cidade contemporânea, o que
se assiste é uma prática de preservação de bens isolados - edifícios ou conjuntos - e
fragmentados dos lugares das cidades nos quais se inserem e estabelecem inter-
relações sócio-espaciais.
Compreendendo esta lacuna nas práticas preservacionistas, neste caso,
relacionadas ao patrimônio ferroviário, esta reflexão parte do pressuposto de que
reaproximar a noção de sustentabilidade às práticas de preservação do patrimônio

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118 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

ferroviário apresenta-se como uma das maneiras de resgatar a consciência de que essa
herança ferroviária, hoje desmantelada, e vista como um entrave para a modernização
das cidades, pode se harmonizar às necessidades da sociedade, como estratégia para
promover uma melhor qualidade de vida dos diversos grupos sociais e promover sua
sustentabilidade enquanto patrimônio cultural.
Tal oportunidade, além de estimular o respeito à identidade dos grupos sociais,
vem também beneficiar a reinserção dos sítios ferroviários nas dinâmicas urbanas das
cidades, promovendo sua sustentabilidade patrimonial. Para aprofundar a questão,
esta reflexão centra-se, como estudo de caso, no projeto de restauração e revitalização
do complexo das oficinas ferroviárias de recuperação e manutenção de carros de
passageiros e vagões, situado no município de Jaboatão dos Guararapes - PE.
Pretende-se trazer, para uma reflexão, as diretrizes conceituais de
intervenção formuladas para esse projeto, apresentando, ainda, alguns resultados
dessa prática.

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO | O CASO


DO COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS LOCALIZADAS EM JABOATÃO DOS
GUARARAPES-PE

As ferrovias, sinal de modernidade e progresso, representavam


desenvolvimento e crescimento nas perspectivas econômica, social, cultural,
tecnológica, científica, etc.
No entanto, hoje, o estado de desmantelamento em que se encontram
inúmeras estruturas ferroviárias no Brasil, ora abandonadas pelas empresas, em
virtude do encerramento ou transferências de suas atividades, ora pelo descaso para
com o patrimônio constituinte do processo de industrialização, constitui-se um
problema de salvaguarda e, também, um problema urbanístico à espera de solução.
Esta realidade pode ser percebida no caso do complexo das oficinas ferroviárias
de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado à Praça
Dantas Barreto no município de Jaboatão dos Guararapes-PE (Fig. 1).
Este complexo faz parte da primitiva Estrada de Ferro Central de Pernambuco
(1885), construída pela Great Western of Brazil Railway Company Limited para
transportar os principais produtos da região, como açúcar e algodão. Atualmente,
denominada Linha Tronco Centro (LTC), oriunda da extinta Rede Ferroviária Federal
S.A., pertence à União, em decorrência da Lei nº. 11.483/2007. Insere-se no conjunto
mais amplo de equipamentos ferroviários como estação, centro de formação

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 119
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

profissional, vila ferroviária, Casa dos Ingleses, escolas, etc., e foi construído com o
objetivo de integrar os principais centros populosos e produtivos, desde a capital
Recife até a região Agreste, tendo como marco inicial a Estação Central do Recife
(1885), se estendendo por 594.600km até a estação final, Salgueiro (1962), em
município homônimo.

Figura 1: Planta de localização do complexo das oficinas ferroviárias em


Jaboatão dos Guararapes-PE.
Fonte: Elaborado pela autora sobre imagem do Google Earth (2015).

Esse complexo ferroviário é constituído por oficinas de fundição e de mecânica,


serrarias, caldeiras, almoxarifados, seção de pintura, etc. e ocupa uma área de,
aproximadamente, 42.000 mil metros quadrados, para onde, nos períodos áureos,
“convergia a maior parte dos serviços feitos no Barbalho, no Arraial, em Palmares e em
Cabedelo” (PINTO, 1948, p. 143), (Fig. 2). Por suas dimensões espaciais e complexidade
de serviços prestados desde o início do século XX, tem-se a noção do quanto esse
equipamento ferroviário influenciou na dinâmica urbana da cidade de Jaboatão dos
Guararapes e na vida da sua população.
Até meados de 2010, o complexo das oficinas encontrava-se abandonado e em
processo de degradação, quando foi cedido ao Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial – SENAI para a implantação de uma escola técnica.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

Figura 2: Imagem do complexo das oficinas ferroviárias e da primitiva estação de passageiros e


armazéns. Os dois últimos demolidos quando da implantação do Metrô de superfície do Recife, 1980.
Fonte: Raimundo de Oliveira. Sem data.

O complexo teve seu valor cultural reconhecido pelo Instituto do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), fundamentado na Lei 11.483/2007, como
representativo da memória ferroviária brasileira, sendo inscrito na Lista do Patrimônio
Cultural Ferroviário, em 19.12.2012, em atendimento à Portaria do IPHAN nº 410/2010.
Compreende-se neste artigo o termo memória ferroviário como:

(...) todos os suportes e fontes de informações sobre o contexto


ferroviário brasileiro, sobretudo os de ordem documental-
bibliográfica, iconográfica, histórica (incluindo fontes de história
oral e ruínas de testemunhos), arquitetônico-urbanística (tanto no
plano interno a cada complexo ferroviário – organização espacial –
quanto em relação à implantação na paisagem da cidade) e
sociológica (relações de produção, de trabalho, de vizinhança –
micro e macrossocial – de parentesco) (IPHAN, 2010a, p. 56).

Após seu reconhecimento como bem cultural, inicia-se, entre os técnicos do


IPHAN-PE e do SENAI-PE, um processo de construção de um Plano de Intervenção, para
formular diretrizes conceituais de elaboração do projeto de restauração e revitalização
para o complexo das oficinas ferroviárias, que teve como princípio a noção de

Aurora 463
Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 121
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

sustentabilidade. Nesta construção teórica, foram adotados os conceitos e


procedimentos contidos nas Cartas Patrimoniais, como a Carta de Veneza (1964) e, em
2
especial, a Carta de Nizhnz Tagil (TICCIH, 2003) , por ser este o documento doutrinário
específico para o patrimônio industrial, e, consideradas as inflexões que os atores
sociais - em especial os ferroviários e moradores - desejavam e apontavam como
permanências simbólicas para a compreensão e interpretação daquele sítio enquanto
3
lugar de memória , como faz lembrar Carsalade (2001, s/p): “A sustentabilidade cultural
se dá através da preservação de valores e mensagens os quais conferem sentido e
identidade a determinado grupo cultural e étnico”.
Sabia-se que o desafio imposto era compatibilizar essas premissas com a
necessidade em se implantar novos usos, respeitando os equipamentos e as estruturas
físicas pré-existentes e portadoras de valores de memória e de uso, no intuito de
contribuir para a reapropriação daquele equipamento ferroviário pela comunidade e,
consequentemente, promover a sua reinserção nas dinâmicas urbanas da cidade.
Tratava-se de um projeto de ressignificação do espaço por meio de implantação de
novos usos, visando sua sustentabilidade patrimonial.
Para tanto, o Plano de Intervenção apropriou-se do procedimento
metodológico da história oral, aplicada a alguns ferroviários e moradores da
circunvizinhança, bem como da pesquisa histórica e iconográfica do lugar. Neste
sentido, em 2010, foi realizada uma vistoria conjunta ao local, com a participação de
técnicos do IPHAN-PE, técnicos do SENAI-PE e alguns moradores e ferroviários, com o
intuito em entender, a partir da história oral, as inflexões destes atores sociais no que
tange a memória do lugar. Naquela ocasião, observou-se que, apesar do precário
estado de conservação em que se encontravam as edificações, equipamentos e
ferramentas, como pode ser constatado nas figuras abaixo (Fig.3, Fig.4, Fig. 5 e Fig.6),
ainda era possível identificar, na configuração espacial do complexo das oficinas, alguns
elementos e estruturas físicas importantes para a compreensão da sua complexidade
funcional e estrutural. Percebeu-se, ainda, que apesar do estado precário da
qualidade do espaço urbano do entorno das oficinas, diante da mobilidade urbana e
da qualidade da ocupação dos espaços públicos, ainda era possível compreender a
inserção do complexo ferroviário na morfologia urbana da cidade. Estas condições
enunciadas permitiriam a restauração e revitalização do complexo e sua reinserção
na dinâmica urbana.

2
Consulta à Carta realizada no site do TICCIH (www.ticcih.org), acessado pela última vez em 07.06. 2015.
3
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do
Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo,
1981.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

Figura 3: Figura 4:
Estado de conservação do complexo das oficinas. Estruturas da caixa d'água metálica e da linha
Fonte: Emília Lopes, 2010. férrea. Fonte: Emília Lopes, 2010.

A pesquisa oral revelou, por meio da identificação de fluxos, elementos,


estruturas e suas relações, a complexidade funcional e estrutural do conjunto das
oficinas. Esses artefatos foram considerados representativos da memória ferroviária
por simbolizar a identidade do lugar e por lhe conferir valor. Portanto, deveriam ter sua
permanência assegurada no projeto de intervenção. Foi possível, ainda, resgatar as
funções de cada equipamento, ferramentas e mobiliários existentes, bem como, os
fluxos funcionais capazes de articular as unidades operacionais que constituem o
complexo ferroviário.

Figura 5: Figura 6:
Oficina de reparo e manutenção de vagões e Seção de fundição das oficinas. Fornalha.
carros. Diques e ponte rolante. Fonte: Emília Lopes, 2010.
Fonte: Emília Lopes, 2010.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

De posse desses dados, partiu-se para a compatibilização com os novos usos -


Escola Técnica do SENAI - que levaram a reinserção das oficinas na dinâmica urbana da
cidade de Jaboatão dos Guararapes.
Destacam-se dois pontos como resultados da prática de preservação, no caso
do complexo das oficinas ferroviárias em Jaboatão. O primeiro refere-se ao resgate, por
meio da história oral, dos fluxos externos e internos de serviços antes existentes no
antigo complexo das oficinas (Fig.7 e Fig. 8).

Figura 7: Figura 8:
Identificação dos fluxos de serviços do antigo Reutilização dos antigos fluxos de serviços do
complexo ferroviário. complexo ferroviário em vermelho
Fonte: Projeto arquitetônico elaborado pelo Fonte: Emília Lopes, 2015.
SENAI Foto: Emília Lopes, 2014.

A partir desse resgate, o projeto propôs que esse percurso fosse reapropriado
enquanto elemento de memória, para compor um circuito museológico da memória
ferroviária do lugar, articulando os equipamentos e mobiliários apontados pelos grupos
sociais como representativos dessa memória. Os traçados dos primitivos fluxos de
serviços das oficinas foram também reutilizados no projeto de mobilidade da Escola
Técnica do SENAI, ora para pedestres, ora como ciclovia, esta também utilizada nas
atividades físicas da comunidade.
O segundo ponto que se destaca como resultado do Plano de Intervenção é
quanto à importância em se preservar a configuração espacial das antigas oficinas
ferroviárias enquanto lugares de memória. O projeto apresentava de início uma
proposta de construção de salas de aula em alvenaria de tijolo, o que desconsiderava os
aspectos construtivos das antigas oficinas e que levaria a uma desfiguração da sua
configuração espacial. O Plano adotou como diretriz conceitual a utilização de
contêiner como sala de aula, por entender que seu formado e seu material se

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

assemelhariam às dimensões de um vagão ou locomotiva, ou seja, se preservaria a


leitura da configuração espacial das antigas oficinas ferroviárias enquanto lugares de
manutenção e reparo de locomotivas, carros e vagões, como pode ser observado nas
figuras abaixo (Fig.9 e Fig.10). Tal diretriz prezava ainda pelo princípio da reversibilidade,
o que no futuro poderia causar um dano ao bem protegido em âmbito federal.

Figura 9: Figura 10:


Preservação da configuração espacial das antigas Alunos da escola técnica do SENAI em atividades.
oficinas ferroviárias. Reapropriação do lugar.
Fonte: Projeto arquitetônico elaborado pelo Fonte: Emília Lopes, 2015.
SENAI. Foto, Emília Lopes, 2014.

Observa-se que esta prática de preservação utilizou-se da configuração espacial


e das características morfológicas remanescentes para minimizar os custos e maximizar
a eficiência do projeto, ao mesmo tempo em que promove a salvaguardar dos atributos
valorativos do bem, como bem recomenda Cordeiro (2011):

Adaptar e continuar a utilizar edifícios industriais preserva a


fisionomia e as características urbanísticas de uma determinada
zona citadina, ao mesmo tempo em que evita gastos desnecessários
com demolição e posterior construção, contribuindo também para o
desenvolvimento econômico sustentado. (CORDEIRO, 2011, p. 157).

Neste sentido, a noção de sustentabilidade permeou toda a concepção do


projeto de restauração e revitalização, possibilitando que grupos sociais se
apropriassem daquele lugar de memória, ressignificando-o enquanto bem cultural,
conservando para as gerações presentes e futuras a compreensão e interpretação da
funcionalidade daquelas estruturas espaciais, equipamentos e fluxos vinculados à
morfologia urbana da cidade.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Maria Emília Lopes Freire

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta prática de preservação do complexo ferroviário das oficinas


de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado no município
de Jaboatão dos Guararapes - PE, referendada nos desejos e identidades dos grupos
sociais e no uso prático, já tornado realidade, como escola técnica, fortaleceu o
sentimento de pertencimento desses grupos que hoje se apropriaram dos seus
espaços. Por isto, esta prática pode ser entendida como uma prática sustentável de
preservação.
Por sua vez, estas práticas de preservação cultural sustentáveis podem ser
entendidas como um dos caminhos para promover a permanência dos atributos
valorativos dos bens culturais, materializados nas estruturas espaciais reconhecidas
como identitárias dos grupos sociais. A reutilização desses bens culturais promove o
seu ressignificado, e, consequentemente, sua reintrodução no cotidiano urbano das
cidades, o que reforça a possibilidade de que seus atributos valorativos possam chegar
às gerações presentes e futuras de maneira sustentável.
Conclui-se que a preservação sustentável de patrimônio ferroviário deve ser
vista como fomento ao desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida
da população, ainda mais, no momento em que a sociedade enfrenta uma
desanimadora crise urbana demandada pela forma desmedida e obsoleta de ocupação
do espaço geográfico, principalmente, nas grandes aglomerações urbanas.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri. A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas - 2. Ed -
Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.256p.

CASARLADE, Flávio Lemos. Patrimônio histórico: Sustentabilidade e sustentação


Vitruvius. 200. 1013.10. ano 02, jun. 2001. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br
/revistas/read/arquitextos/02.013/885>. Acessado em 30.07.2015.

CORDEIRO, José Manuel Lopes. Desindustrialização e salvaguarda do patrimônio industrial:


problema ou oportunidade? Oculum Ensaios [online] 2011. Disponível em:
<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=351732215011> ISSN 1519-7727>. Acessado em 10 /
agosto / 2015.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Parecer Técnico Sobre o Pátio


Ferroviário de Cinco Pontas, Recife-PE. IPHAN, 2010a.

PINTO, ESTEVÃO. História de uma Estrada de Ferro do Nordeste. Rio de Janeiro, José Olympio
Editora, 1949.

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126 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
ARTIGO

DESENVOLVIMENTO DE TICS APLICADAS À


EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO

1
Pedro Henrique Barboza da Silva
Mariana Dantas Gueiros2
3
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

INTRODUÇÃO

Com o advento da Web 2.0, as novas TICs vêm transformando as formas de


ensino-aprendizagem, encorajando mais autonomia, auto-direção e ativa participação
dos estudantes. Aprendizado eletrônico (E-learning) é o termo usado para conectar
aprendizado com tecnologia. A internet desde a sua criação nos anos 90 tem
desempenhado um papel fundamental como ferramenta de ensino. A internet sofreu
uma grande transformação. No início, seu conteúdo era estático e seu papel foi a
criação de um banco de artefatos digitais disponíveis para o público, tais como: livros,
artigos e vídeos, além de servir como meio de comunicação entre alunos e professores.
Com o passar do tempo, a Internet foi evoluindo e se tornando mais interativa e
dinâmica. Novas ferramentas foram criadas permitindo que os estudantes
participassem mais ativamente no processo de construção do conhecimento. Por
exemplo, hoje em dia, estudantes podem escrever um artigo de forma colaborativa no
Google Docs ou criar e modificar um artigo do Wikipedia. Esta evolução da Internet,
através da participação ativa dos usuários por meio de produção de conhecimento, é o
que caracteriza a Web 2.0, particularmente valiosa no contexto educacional.
Mais recentemente, o termo aprendizagem móvel (mobile learning ou m-
learning) popularizou-se para definir o aprendizado que acontece através do uso de
aplicativos de dispositivos móveis. A grande popularidade de smartphones, tablets e

1
Pedro Silva é licenciado em Computação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde
atualmente está cursando o Mestrado em Informática Aplicada.
2
Mariana Gueiros é graduada em Geografia (UPE), Empreendedora e Escritora. Idealizadora e Diretora
Geral do Projeto Maravilhas de Pernambuco, idealizadora do Blog Pernambuco em Ação e autora do guia
de destinos turísticos 101 Maravilhas de Pernambuco.
3
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho é graduado em Ciência da Computação pela Universidade
Federal de Pernambuco (1998), mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de
Pernambuco (2001) e PhD em Computer Science pela City University London (2011). Atualmente é
professor adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Pedro Henrique Barboza da Silva; Mariana Dantas Gueiros e
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

outros dispositivos móveis e o aumento de aplicações sofisticadas para esses


dispositivos têm possibilitado que educadores criem formas inovadoras de ensino.
Outra área fundamental para este projeto é a da realidade aumentada, que de forma
simplificada significa o uso de tecnologias interativas imersivas e pervasivas, com o
objetivo de tornar a experiência do usuário com as tecnologias digitais mais próximas e
integradas ao mundo físico. Vários lugares históricos e turísticos no mundo têm usado
tecnologias para melhorar a experiência dos seus visitantes. Exemplos de tais
aplicações são: o “Trails to Freedom” em Boston e o London Official City Guide App.

CENTRO HISTÓRICO DE OLINDA

O centro histórico de Olinda é uma região recheada de histórias, tradição e foi


palco de eventos fundamentais para o entendimento do que levou Pernambuco e o
Brasil se tornarem o que são hoje. O local foi declarado como Monumento Nacional e
Patrimônio Mundial pela UNESCO, dada sua importância histórica e riqueza cultural. O
objetivo principal desse projeto é produzir jogos educativos e aplicativos relacionados
ao Centro Histórico de Olinda como forma de atender a demanda social de divulgação
e valorização deste patrimônio histórico.
Os objetos específicos do projeto são:
- Pesquisar, avaliar e experimentar o uso de novas TICs para dar suporte às atividades
educativas de ensino da História, tendo como estudo de caso o Centro Histórico da
cidade de Olinda;
- Capacitar os atores envolvidos no projeto no uso de novas tecnologias de informação
e comunicação, voltadas a uma proposta educacional, em particular os estudantes
extensionistas;
- Enriquecer o processo de ensino-aprendizagem nas escolas envolvidas, ao agregar o
uso de tecnologias às atividades de ensino de forma natural e integrada;
- Promover e melhorar o conhecimento do público sobre a história local, em particular
do centro histórico de Olinda;
- Estimular e fortalecer o desenvolvimento das atividades de pesquisa, ensino e
extensão do Departamento de Estatística e Informática e a sua integração com ações
desenvolvidas pelos departamentos de Educação e História.
Este projeto busca estabelecer uma relação entre ensino, pesquisa e extensão.
Dentro da proposta de extensão de atuar na sociedade, em particular no sítio histórico
de Olinda, com ações educativas que ajudem a divulgar e despertar o interesse pela
história local, há aspectos de pesquisa e ensino relacionados ao projeto.

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Pedro Henrique Barboza da Silva; Mariana Dantas Gueiros e
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

Figura 1 : Tela Inicial do aplicativo. Figura 2 : Quiz.

Figura 3: Pontos Turísticos. Figura 4: Mapa da Cidade.

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Pedro Henrique Barboza da Silva; Mariana Dantas Gueiros e
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

MARAVILHAS DE PERNAMBUCO

O Projeto Maravilhas de Pernambuco consiste em um empreendimento


voltado para a difusão e a valorização social, cultural e ambiental do Estado de
Pernambuco. A iniciativa surgiu no dia 23 de julho de 2014, com a publicação do guia de
destinos turísticos 101 Maravilhas de Pernambuco, pois o Estado de Pernambuco não
tinha até então um guia impresso de destinos turísticos que abrangesse suas
mesorregiões. Essa publicação veio preencher essa lacuna. No guia, há 101 destinos
culturais e naturais, ele já foi comercializado em todo Brasil, e, além disso, sendo
aclamado por muitas pessoas e instituições. Além do guia, o projeto atua com a
divulgação dos atrativos de Pernambuco através das redes sociais, aplicativos
móveis, palestras e participação em programas de rádio e TV. A FanPage já conta com
quase 5.000 seguidores. Já foram ministradas palestras em dezenas de escolas e
outras instituições, onde sempre há a motivação do público em conhecer, valorizar as
belezas do Estado e também sonharem grande e agirem para a realização de seus
sonhos. Em 2014, foi executado o 1º Natal solidário, onde houve a mobilização de
muitas pessoas e foram feitas doações de centenas de presentes para a população
carente do interior pernambucano. Em um ano de projeto, já foram impactadas
milhares de pessoas.

APLICATIVO

O aplicativo Maravilhas de Pernambuco foi inspirado no livro: 101 Maravilhas


de Pernambuco, da autora Mariana Gueiros, o livro relata os recursos naturais,
paisagens, religiosidade, história, cultura, eventos, diversão e costumes do povo
pernambucano. Esse aplicativo tem como objetivo aumentar o alcance do trabalho
realizado por Mariana Gueiros, disponibilizá-lo aos que não tiveram acesso ao livro
impresso e trazer um pouco das informações turísticas dos melhores lugares para se
visitar no Estado de Pernambuco.

O aplicativo está estruturado assim:


- Dividido em quatro categorias seguindo o roteiro do livro, são elas: Natureza,
Religiosidade, Eventos & Diversão e História & Cultura
- Localização dos pontos turísticos exibidos no mapa
- Quiz com pontuação sobre os pontos turísticos abordados no aplicativo
- Informação sobre a autora e o projeto Maravilhas de Pernambuco

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Pedro Henrique Barboza da Silva; Mariana Dantas Gueiros e
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

Figura 5 : Tela Inicial do aplicativo.

Figura 6 : Tela de Categorias. Figura 7 : Quiz.

Figura 8: Ponto Turístico. Figura 9: Mapa.

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Pedro Henrique Barboza da Silva; Mariana Dantas Gueiros e
Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o surgimento da internet e mais recentemente dos smartphones e tablets,


novas ferramentas e procedimentos de ensino-aprendizagem foram criados. As novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) permitem que o processo de
aprendizado seja mais interativo e colaborativo. Aliado a isso, um fenômeno que vem
ocorrendo nos últimos anos é a mudança de comportamento das crianças e jovens que
passaram a substituir atividades ao ar livre, como jogar futebol e andar de bicicleta por
outras atividades executadas no computador, smartphones e tablets (como uso de
jogos eletrônicos e mídias eletrônicas). Portanto, não podemos ignorar o potencial
dessas novas tecnologias e nem esse fenômeno social.
A Internet evoluiu nos últimos anos para se tornar uma ferramenta mais
interativa possibilitando o uso de novas maneiras de se aprender e ensinar. No início, a
Internet era usada principalmente como uma ferramenta para pesquisa de artigos e
outros materiais, mas havia pouca interação e poucas oportunidades para usá-la como
uma ferramenta de ensino. Atualmente, com o novo paradigma da Web 2.0, em que o
usuário torna-se um produtor de conteúdo e não apenas um receptor passivo de
informações, a Internet pode ser usada para criar um ambiente de aprendizado rico e
colaborativo através do uso de várias ferramentas, tais como sites, blogs, mapas
interativos, wikis, fóruns, redes sociais, jogos educacionais, etc.

REFERÊNCIAS

Barbosa, S. D. J.; Silva, B. S. da. Interação Humano-Computador. Rio de Janeiro: Elsevier


Editora Ltda.

Cavalcanti, Carlos Bezerra. Olinda - Um Presente do Passado. Editora Carlos Cavalcanti, 2011.

Gusmão Filho, J. de Azevedo. Cidade Histórica de Olinda. Editora UFPE, 2001.

Waters, J. QR Codes For Dummies. For Dummies, 2012.

Phillips, B. e Hardy, B. Android Programming: The Big Nerd Ranch Guide. Big Nerd Ranch
Guides, 2013.

Meier, R. Professional Android 4 Application Development. Wrox, 2012.

Perdue, B.;Stoinski, T. e Maple, T. Using Technology to Educate Zoo Visitors About


Conservation. Visitor Studies. Vol. 15, Iss.1, 2012.

Aurora 463
132 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco
Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016
Nesta revista foram utilizadas as fontes da
família tipográfica Lexia em títulos e fonte
Calibri para conteúdo.
Imagem de fundo: Rua da Aurora, com destaque
na capa para a casa nº 463, Sede da Fundarpe.
Foto: Hugo Acioly / TurismoPE.

ISSN - 2525-4006

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