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O Segredo Da Macumba PDF
O Segredo Da Macumba PDF
M a rc o A u ré lio L u z
O Segredo
da
Macumba
Paz e Terra
Nota Sobre Os Autores
G eorges L apassade:
M arco A urélio L u z :
Abertura
I — O Segredo da Macumba x i
II — O Candomblé e a Quimbanda x ii
III — A Dança dos Exus xv
IV — A C ultura Negra e a Psicanálise xix
V — A C ontracultura xxi
VI — O Quilombo de Palmares: Macumba e
— Mocambo x x iii
I —
A In stitu içã o 5
II —
O Transe 9
III —
A Consulta 17
IV —
A Quimbanda 18
V — O Retorno do Recalcado 23
VI — Breve Descrição de Três Centros 27
VTI — A Formação do Simbolismo Social 33
vm — A Trom ba e a Macumba 37
Notas 46
I — A L u ta de um Desejo 51
I I — a Umbanda Como Institu ição Social 55
1— Proposição Metodológica 55
2 — As Entidades da Macumba 57
3 — Sócio-Análise do A lta r 63
4 — A H ierarquia no Terreiro 75
5 — Comunicação da Dominação 82
III — Terreiro de Macumba 88
Notas 96
A b e rtu r a
I — O SE GREDO D A MA C UMBA
xi
que estamos a costum a dos, o p a te rn a lis m o e tnográ fico ou
a “ re cup era çã o c a tó lic a ” .
E sta a bord a g e m te óric a m a t e ria lis t a n ã o significa
o despre zo p e la m a cum b a , m as ao c o n trá rio , n a lu ta em
que se opõem u m b a n d a c o n tra q uim b a n d a , em todos os
períodos d a h is tó ria , os e s p írito s q uim b a nd e iros: Exus,
pre tos v elhos da q u im b a n d a , ca boclos d a quimbanda
ch efia dos p or P a n te ra -n e gra , P o m b a -G ira que represen
t a o desejo louco, a lib e rta ç ã o d a s e xu a lid a d e , são sem
pre os h eróis d a lib e rd a d e , qu e e x prim e os sonhos dos
hom ens o prim id o s em su a lu t a p e la lib e rta ç ã o .
N este liv ro te n ta m o s d e m o n s tra r que o aspecto
m a is ric o e m a is im p o rt a n t e d a m a c u m b a é a quimban
d a — a q u im b a n d a dos E xu s n ã o é u m a m a gia diabóli
ca, m a s u m rit u a l de lib e rta ç ã o .
E ste liv ro sobre a m a c u m b a n ã o pre te nd e chegar
a conclusões d e fin itiv a s . A o c o n trá rio , ele fo i escrito
p a ra d e fe nd er a q u im b a n d a do m o v im e n to que se tem
f e ito p a ra d e s tru í-la e ta m b é m p a ra a b rir campo para
a lg u n s pro ble m a s e com e ç ar a d e fin i-lo s . Escrevemos
p a ra a le rt a r a o p in iã o p ú b lic a e m e sm o p a ra provoca,
la . P ro cura m o s e sta b e le c er u m a ro tu r a com todas as
(le itu ra s ) id é ia s d o m in a n te s sobre a m a cum b a .
X ll
são respeitados, são a dm itidos como um a re lig iã o . Se
fa la agora do candom blé, mas não se fa la da q uim b a n
da, que c o n tin u a a a m e drontar, como a ntig a m e nte o
vudu.
A e xalta çã o do candom blé nagô da B a hia teve co
mo conseqüência p o sitiv a a “ re a bilita ç ã o” da c u ltu ra
negra. A conseqüência n e g a tiv a é que a m acum ba apa
rece, agora, como disse re ce nte m e nte um sociólogo fra n
cês, como um “ c u lto degenerado” — um m a u ca ndom
blé de c a te goria in fe rio r.
E sta h ie ra rq u ia que colocou o candom blé no cum e
das re ligiõ e s a fro-bra sile ira s, e a m acum ba em um n iv e l
in fe rio r, nã o pode m ais ser a ceita . Os dois c u lto s não
são desiguais, m as são sim plesm ente difere nte s.
P rim e ira m e nte p or sim ples ra z ão de orig e m .
O ca ndom blé m a is conhecido, e o m e lh or estudado,
o m ais e sp e ta cular e o m ais tu rís tic tf, é o candom blé
nagô, de orig e m sudanesa. E ste candom blé e n co ntra
tam bém suas raíz es a fric a n a s ao n orte do E qu a dor. A í
se celebram os deuses da n a ture z a , os orix á s.
A m a cum b a do R io é de orig e m b a n tu . O c u lto en
c o ntra assim suas inspira çõ e s orig in a is ao S u l do E qua
dor.
E m A n g ola , nã o se cele bra m os orix á s que são “ deu
ses da n a tu re z a ” , celebram-se os antepassados, os a n
ce strais m orto s. N o B ra s il os a nc e stra is são os pre tos
velhos, os caboclos, os orix á s (sa ntos c a tólicos bra ncos)
e os exus e pom b a -gira s (os negros re volta d o s).
T emos e ntã o duas re lig iõ e s bem div erg e nte s.
N a tura lm e n te , e xiste m combinações, e m pré stim os
de um a e de o u tra : a m a cum b a b a n tu to m a e m pre sta do
do ca ndom blé os nom es dos orix á s, o nom e de E xu, m as
p a ra fa z e r u m uso d ife re n te . In v e rs a m e nte se e n c o n tra
n a B a hia , em c e rto s ca ndom blé s em um a posição secun
d á ria , o c u lto dos caboclos.
A m a cum b a e n c o n tro u no ca ndom blé a fig u ra de
E xu. M as se o nom e p erm a n e ce , o lu g a r de E xu n a m a
cum ba é to ta lm e n te d ife re n te de seu lu g a r no c a ndom
blé.
É p orta n to falso de se a cre d ita r que a m a cum b a é
um candomblé empobrecido e degenerado, d im in u íd o e
tra fic a d o . Não é absolutam ente “ c ie n tífic o ” se estabe
le cer um a escala de valores p a ra d e cid ir o qu e é “ p u ro ”
ou ao c o n trá rio “ im p uro” .
P or detrás desta a titu d e a dota d a p o r c e rto s soció
logas, existe a id é ia que o m ais p uro , é o qu e p e rm a n e
ce m ais fie l à Á fric a . — N este caso se v ia ja rá c o n tin u a
m e nte e ntre a B a hia e a Á fric a p a ra p ro v a r, e p ro v a r,
aind a , e in d e finid a m e nte , in te rm in a v e lm e n te , qu e o
candomblé veio da Á fric a , o que to d o m u n d o sabe ago
ra , e já h á m u ito te m p o .. .
Um a c u ltu ra n e gra da Á fric a n ã o é u m a c u ltu r a n e
gra no e xílio . A v a riá v e l fu n d a m e n ta l, a q u i é a e scra
vidão. O candom blé da B a h ia n ã o é o c a n d o m blé da
Á fric a . É um candom blé que “ to m o u e m pre sta d o” à
Á fric a um sistem a lin g ü ís tic o e ritu a l, m a s o co nte ú d o
fo i profund a m e nte tra n sform a d o p rim e ira m e n te p e la s
m istura s de nações escraviz adas.
É preciso a cabar com o c u lto d a Á fric a , d a s “ o ri
gens a fric a n a s” , com esta devoção a fric a n is ta . D eve
mos ao c o n trá rio m a rc a r a ro tu ra com a Á fric a , a fir
m a r e d e m onstrar a e sp e cialid a d e , a o rig in a lid a d e do
n e gro bra sile iro .
A prim e ira diferença com a Á fric a é e vid e nte m e n
te a deportação.
Mas uma segunda difere nç a: ig u a lm e nte fu n d a m e n
ta l intervém em seguida com o d e s e nvolvim e nto, no
Brasil, de um a sociedade c a p ita lis ta , e a cons e guinte
desigualdade region al deste d e se nvolvim e nto.
A B ahia é m ais próxim a , a in d a hoje , de seu pas
sado pré-c a pitalista que o R io e São P a ulo. U m a re lig iã o
da nature z a e da estabilidade cósmica pode c o n tin u a r
a se desenvolver em um a cidade que se e sta biliz e , e que
pode e ncontrar agora seu d e se nvolvim e nto e conôm ico
origin a l como fonte de exploração tu rís tic a do e x o tis
mo que exerce sobre o B ra sil e sobre o m u n d o .
xiv
No R io e em S ão P a ulo, ao c o n trá rio , os negros h a
bita nte s das fa v e la s são fre qü e nte m e nte pro le tá rio s e
m argin a is. E a q ui, ao c o n trá rio do que n a B a h ia , eles
são m in oria s.
A condiçã o do n e gro e d a c u ltu ra n e gra n ã o é abso
luta m e nte a m esm a n a B a h ia , no R io e em São P a ulo.
As difere nç a s e n tre o ca ndom blé e a m a cum b a e xprim e m
também, as dife re n ç a s qu e e n c o n tra m suas raíz es no
ritm o de d e s e n volvim e nto das forç a s pro d u tiv a s e das
relações de pro d u ç ã o d a form a ç ã o socia l.
A ssim com o é pre ciso “ lib e rt a r” o e studo do c a n
domblé d e sta re fe rê n c ia c o n tín u a à A fric a é pre ciso
também lib e rt a r o e studo d a m a cum b a dessas com p a
rações com o c a ndom blé .
É pre ciso d iz e r qu e a m a cum b a é um fa to c u ltu r a l,
específico e o rig in a l. E o im p o rta n te a q u i n ã o é só le m
bra r A n g ola e o c u lto a fric a n o dos a nte passados. É ao
c o n trá rio , de m o s tra r com o neste esquem a o rig in a l, a l
gum a coisa de m u ito d ife re n te , e de m u ito novo fo i p ro
duzido no B ra s il: é o c u lto dos h e ró is d a h is tó ria e d a
re volta , os ca boclos, e os pre to s v e lhos qu e são com
os E xus os e le m e ntos e ssenciais d a m a cum b a .
A L in h a N e gra
L IN H A C HE F E
I ,
1 Alm as O m u lu
2 C em itério João C a v e ira
3 M a le i E xu R e i (das e n cru z ilh a
das)
4 N agô G erere
5 M ossorubi K a m rio lo a
6 C aboclos quim b a nd e iros P a nte ra N egra
7 L in h a M ista E xu das C a m pin a s (ou
E xu dos R ios)
xvi
qu e lu t a v a m la d o a la d o p e lo Q u ilo m b o , os p rim e ir o s
n a s m a ta s , os s e g u n d o s n a s e n z a la , in c e n tiv a n d o e
a p o ia n d o a in s u rr e iç ã o .
xviii
o “ sta tus” do B abalaô e da Ia lo rix á e tod a a hie ra rq u ia
a u to ritá ria de um te mplo umb andista .
Os padres da Igre ja C atólica , hoje, fazem pesquisas
sobre a U mbanda. A lguns te nta m re v a loriz ar na opi
niã o públic a c a tólic a o culto dos orixás. T odavia, esses
padres são m u ito m ais “ discretos” e silenciosos quando
são interrog a dos sobre a quim b a nd a — Eles também
acompanham a segregação c u ltu ra l: — a umbanda?
sim, de acordo, mas a quimb a nd a é o dia bo.
A q ui também neste livro fazemos um a inversão
ra d ic a l. Com e fe ito preferimos o “ diabo” e, procuramos
m o stra r que a quim b a nd a é positiv a , que seu v a lor so
cia l, c u ltu ra l, e a rtístico , é bem sup erior ao ritu a l da
umbanda.
N a quim b a nd a os negros fala m , simbolicam ente de
todas as lib erta çõ e s: a lib erta çã o dos escravos, c erta
m e nte , mas também a lib erta ç ã o dos negros e nqu a nto
negros; e a ind a a lib erta ç ã o de Eros, do amor louco.
E xu e P omba-G ira, p ara nós é Eros. É também D io-
nísios, o deus grego dos escravos e das mulheres, o deus
dos dominados que lu ta m por sua lib erta ç ã o, contra
A poio, deus dos Senhores, deus da “ Umbanda grega” .
IV — A C U LT U R A N E G R A E A P SIC A N Á LIS E
xix
t a e tc ., ofere cem um a riqu e z a de form a s de expressão
p s íq u ic a s que d eix a m p ara trá s as form a s in s titu c io
n a is u tiliz a d a s p ela te ra p ia a n a lític a , o d iv ã e a pa
la vra .
P ara fa la rm o s dessa ameaça d a m a cum b a como
id e olo gia n e gra e p ro le tá ria devemos m o stra r os aspec
tos escandalosos com que se reveste p a ra a sociedade
bra nc a burguesa e cultiv a d a . R elatare m os a qui, um
e ncontro com um grupo de p sic a n a lista s e psicodram a-
tista s do R io:
U m a tard e fomos com A n to n io S erra ao ce ntro de
estudos antropológicos que form a segundo a ortodoxia
fre u dia n a os psicólogos clínico s.
E lá nos propusem os de fu n d a r n a q u e le C e ntro,
onde um a boa p a rte da casa e stá d e socup a d a , com Ze-
z in h o , o n e gro ch efe de um te rre iro d a fa v e la de S anta
M a rta , um te rre iro de q u im b a n d a . U m a ve z explicado
que m u ito s e stud a nte s p a rtic ip a ria m do te rre iro e que
a m a cum b a como rito de possessão se c o n s titu i num a
te ra p ia p o p u la r, d ia n te d e sta pro p o sta , os psic a n alista s
dissera m que pod eria m um d ia v is it a r “ seu 7 da lir a ” .
M as nós propusem os de in s titu ir um c e n tro de macum
ba, lá , d e n tro da casa deles ao la d o d a s ala de psico-
dra m a .
E sta proposta d e stru ía to do o e d ifíc io fre udia no.
F o i A n to n io S erra quem a n a liso u e sta situ a ç ã o anali
sa dora: A dife re n ç a de id e ologia de classe era ta l que a
la n g u e da psic a n ális e c u ltiv a d a se s e n tiu bastante
am e açada p e la la ngu e p ro le tá ria da m a cum ba.
— O que s eria de um K le in ia n o ortodoxo se rece
besse E xu — E u a ind a p re firo a psic a n á lis e , ah, ah, ah...
As reações dos p sic a n a lista s era m o sintom a da
am e aça da “ c u ltu ra n e gra” sobre a “ c u ltu ra branca”.
E sta recusa e este p â nico do gru p o de psic a n a lista s
se to rn a a in d a m ais intere ss a nte , n a m edida que eles
se diz em , a p a rtir de F re ud, e sp e cialista s do estudo da
s e xu a lid a d e .
O ra o te m a c e n tra l da m acum ba, da quim b a nd a ,
é pre cisa m e nte o sexo, o processo p rim á rio : é o sexo
lig a d o ao p o lític o p e la m e dia ç ã o d a e s cra vid ã o e d a
n e g ritu d e .
N o c e n tro de m a c u m b a h á o p ro je to de lib e rt a ç ã o
s e xu a l, a a firm a ç ã o do se xo liv r e , a b i-s e x u a lid a d e ( E x u
te m du a s ca b e ç a s) a d ra m a tiz a ç ã o de to d o s os d e se
jos hom oss e xu a is e h e te ro ss e xu a is.
A m a c u m b a co m o f a to a n a lis a d o r, e s ta n o it e n o
R io, fo i o “ g r ilo ” dos p s ic a n a lis t a s .
V — A C O N T R A C ULT U R A
*
— “ Seu S ete” n a T V
V I — O Q UIL O M B O D E P ALM A R E S — M A C U M B A
E M O C AMB O
XXV
U mbandista, a “ dista nte” e esquecida Angola janga, a
epopéia de P almares.
Mas a macumba também “ conta” outra coisa, e si
m ulta n e a m e nte: a situação do negro favelado, do ne
gro bra sileiro hoje. — Porque esse negro brasileiro está
somente parcialm ente libertado e ele sabe, ele perma
nece num a posição social infe rior e dominado.
E é por isso que nos disse E xu-M angueira, “ a um
banda é a servidão, para nós a quimbanda, é a liber
dade” .
Nossa interpretação da macumba, certamente, não
agradará a todos os sociólogos, quer franceses ou brasi
leiros especialistas do candomblé da B a h ia ...
Eles são m uito “ prudentes” , acumulam os “ fatos” .
Mas não dizem o que significa o discurso recalcado da
m a cumb a .
O sociólogo do candomblé se fund a num a atitude
religiosa em que toma as religiões por fatos absolutos,
significações em si mesmo, isto é, em sua própria pro
blem ática.
Ora, respeitar os cultos, para nós, não significa
proibição de compreendê-los.
Nossa interpretação questiona, contesta, interpela
e desafia todo sociólogo empirista — positivista dos
ritos afro-brasileiros. Nós tomamos posição aqui con
tra a escola empirista que recusa a le itura interpreta-
tiv a dos fatos religiosos. Não tomamos as idéias como
fatos, mas os fatos como idéias. C ontra as proposições
metodológicas empiristas afirm amos a validade de
nossa leitura , e começamos neste livro a pra tic á-la .
Por outro lado, tomamos p a rtid o Tia lu ta que se
tra va neste momento entre a Umbanda e a Q uimban
da. Nós tomamos p artido da Q uimbanda contra a Um
banda e incorporamos E xu nos terreiros quimbandeiros.
Nossa análise da macumba e de seu segredo nos
fez descobrir que a quimbanda não é “ o m a l” , o “ ritu a l
que m ata” . A quimbanda é ao contrário o ritu a l que
deseja lib ertar os homens.
xxvi
É o ritu a l que diz sim bolica m e nte que o hom em
aind a não é livre , e que ele deve tra b a lh a r p ara sua
to ta l lib e rta ç ã o .
G eorges Lapassade.
M arco A u ré lio L u z .
V I — B R E V E D E S C RIÇ Ã O D E T R Ê S C E N T R O S
27
n a ) ) e fin a lm e n te os E xus, que descem n a ú ltim a q u in
ta -fe ira do m ês. N o m esmo qu a dro indic a-s e , d ia n te do
nom e de cada m é dium a e ntid a d e com qu e m ele tra b a
lh a . A ssim , n a p rim e ira q u in ta -fe ira , cada m é diu m re
ceberá c ertos C aboclos do re p e rtó rio de m a cum b a . N o
dia dos E xus, cada um será ca valo do seu E x u . H á um a
h ie ra rq u ia e n tre os E xus. O m a is a lto , h ie ra rq u ic a m e n
te será reservado ao d ire to r do te m p lo . O pro gra m a é
um qu a dro em duas colun a s: a v e rtic a l in d ic a o pro
gra m a das sessões do m ês. As colun a s h oriz o n ta is cor
respondem à lis ta dos m é diu n s. A ssim , os p a p éis são
d e fin id o s . D iría m os que cinco peças estão m arca d a s no
re p e rtó rio do mês, com um a re pre se nta çã o se m a n a l, às
q u in ta s-fe ira s . Os te m a s das cinco peças são os cabo
clos, os pre to-v e lhos, os e sp írito s do orie n te , as “ c ria n
ças” e os E xu s. E ste é o siste m a a dota do p elo te m p lo .
M as, ao la do, em o utro s ce ntros, os E xus serão re c e bi
dos às s e xta s-fe ira s, depois de m e ia-noite , depois que os
pre to-v e lhos tiv e re m sido recebidos até m e ia-noite . No
T e m plo d a ru a S. C le m e nte o u tra s a tivid a d e s são pre
vista s p a ra as salas do p rim e iro a n d a r. Essas salas a ind a
e stavam em construç ã o qu a ndo passei p e lo R io .
28
e da vio lê n cia g e n eraliz a d a s embebe os rito s desse T e m
plo e de todos os outros c e n tro s . E la im põ e , p or tod a
p a rte , a im a g e m d o m in a n te d a m o rte . Essa a n g ú stia
d ifu n d id a p o r to d a p a rte , em tod a s as escalas sociais,
e stá pre se nte n a im a g e m que se e m pre sta a E xu e a
A b a lu a é . E la se m is tu ra ao que re sta da le m bra nç a s
a fric a n a s nesses c u lto s da doença e do in fe rn o .
A Á fric a , depois a re lig iã o c a tó lic a , o e s p iritis m o de
A lla n K a rd e c forn e c era m um siste m a de cre nça , de r i
tos e de sím bolos que p e rm ite m à sociedade m od ern a ,
presa da obsessão de violê n cia , de se d a r um a re pre s e n
ta çã o m ís tic a de si m esm a e de e x p rim ir seu dila c e ra -
m e n to . O conh e cim e nto do siste m a n ã o é s u ficie n te p a
ra d e m o n stra r como a um b a nd a , que n ã o e stá d ire ta
m e nte e ng a ja d a no c o n flito p o lític o do B ra sil, e xprim e
e n tre ta n to esse c o n flito , te n ta esquecê-lo, m as n ã o o
consegue. N a tra n q ü ilid a d e m e la n cólic a da B a hia , o
rit o n e gro está, c e rta m e nte , m a is pró xim o de um a c e rta
Á fric a , n a tu ra lm e n te com to d a a dife re n ç a im p lic a d a
p ela d e porta çã o, p e la e scravid ão, p e la m is tu ra de d ife
re nte s sociedades a fric a n a s . M as no R io e em S . P a ulo,
n a s fa vela s, no m e io dos ra to s e do lix o , todos os de
sempregados vindos do Nodeste e n c o n tra m nos ritu a is
da um b a nd a o lu g a r da p a la vra socia l que lh es diz m u i
to m a is do que os m é diu ns e sacerdotes pre te nd e m d i
z er. A m a cum b a do R io é o sonho, ou a nte s o pesadelo
de um a sociedade dila c e ra d a ” 18.
Sobre o a lt a r da ru a S . C le m e nte h á im a g e ns de
O rix á s: O x a lá , X a ngô, O gum , Ie m a n já , Cosme e D a-
m iã o .. . Sob o a lta r, um a q u á rio com ta rta ru g a s viv a s
e Ie m a n já . N as paredes, p in tu ra s e reproduçõ e s dos
ín dio s e pre to-v e lho s.
C omo em todos os o utros a lta re s, em outros lug are s,
a p a rte supre m a do a lta r é re serva d a aos O rix á s. M as,
e m b aixo, ao n ív e l do a qu á rio e em o u tro a sse nta m e nto,
29
podem-se ver as m ora d a s dos caboclos, pre to-v e lho s e
E xus. J á me re fe ri a isso: a distin ç ã o c ris tã e n tre C éu e
In fe rn o provocou um a loc a liz a ç ã o tã o sim b ólic a dos ín
dios e pre to-v e lhos, que estão como qu e no in fe rn o da
sociedade. F o i necessário e xpuls á-los p a ra as regiões
despovoadas, necessário e scra viz á-los p a ra c o n s tru ir a
sociedade co lo n ia l, da q u a l o c a to licis m o e ra a re lig iã o
o fic ia l. O s O rix á s, com sua a p a rê ncia c a tó lic a , re pre
s e nta m a re lig iã o dos n egros dom esticados, ao passo que
aqueles que são sempre celebrados n a m a cum b a : os ín
dios, pre to-v e lhos e E xus, co n stitu e m a p a rte dos in fe
riore s e re je ita d o s dessa sociedade. Os O rix á s se m is
tu ra m , às vezes, de m a n e ira m u ito com ple x a a essas
e ntid a d e s d a te rra . M as no R io, fo i o c u lto dos caboclos,
pre to-v e lhos e E xus, que tro u x e consigo os O rix á s .
30
fa v e la sobem pelas ru e la s em dire ç ã o ao te rre iro , e n
tra m , c irc u la m um pouco p or e n tre a p e quena m u lti
dão presente, sa em, to rn a m a v o lta r. B usca m a v e n tu
ra . . . sobretudo, busca m tu ris ta s ! A q u i acabam-se as
b a rre ira s: n in g u é m vende e n tra d a à p o rta p a ra que se
possa c o n s u lta r. Q u a ndo se v is ita o te rre iro de D on a
Rosa é que se pode e nte nd er o sig n ific a d o do T e m plo
da ru a S . C le m e nte : um e sforço bem sucedido de do
m e stic a r e d o m in a r a nova re lig iã o , d a ndo-lh e um
qu a dro s e m e lh a nte ao da Ig re ja C a tólic a , com re g u la
m e ntos, proibiçõ e s, e n tra d a espe cial, reservada p a ra os
m é diuns, s e cre taria , dire ç ã o org a niz a d a e a u to rit á ria .
O T e m plo d a ru a S . C le m e nte é, c erta m e nte , a form a
d a um b a nd a do fu tu ro . N o R io está in ic ia d o o proces
so siste m á tico de d e sfa v e la m e nto, com a tra n s fe rê n cia
de favela dos p a ra os sub úrbio s. Nos m orros, de onde
eles serão e xpulsos, s urg irã o gra nd e s hoté is e e difício s
luxuosos. N a p e rife ria do R io, e ncontrar-s e-ã o, e ntã o,
te m plos um b a n dista s, d is trib u íd o s p o r b a irro s .. . T a l
vez abram-se te m plos de um b a n d a nos pró prio s e d ifí
cios d a Ig re ja C a tó lic a , se os p a dre s c a tólicos n ã o t i
verem e n co ntra d o um a form a de “ re conversã o” e de
u n ific a ç ã o das diversa s m a nife sta çõ e s re ligios a s a tu a l
m e nte presentes no B ra sil. E n tã o um novo p ú b lic o pas
sará a fre q ü e n ta r as ig re ja s .
31
Q u a ndo E xu M a n g u e ira se a pre s e ntou, e d ura n te
a con sulta , ele contou com o tin h a sido m orto , qu a ndo
a in d a era adolescente, m ostra nd o, no m eio de te r
re iro um re tra to seu, que se d iria desenhado p or Leo-
n o r...
—. N ota s de d iá rio :
32
E m s e guid a o R e i a pre s e nta B e llo n z i a seu povo e à
su a c orte . F a la d a bele z a de seu filh o e m o s tra suas
p uls e ira s hippie s. O R e i d iz qu e a m a os hip pie s porqu e
eles são o re e n c o n tro e ntre a In g la te rra e a Á fric a e que
E x u ta m b é m é um h ip p y 20. É su a m a n e ira m u ito es
p o ntâ n e a e sim b ólic a de diz e r que a “ v e rd a d e ira ” m a
cum b a , is to é, a q uim b a nd a é um a c o n tra c u ltu ra .
P ara ele a q uim b a nd a é um a form a de c o n tra c u l
tu r a . A lcid e s só a m a re a lm e nte a quim b a nd a , c o n for
m e ele p ró p rio nos confessou; e se ele a in d a p ra tic a a
um b a nd a , p a ra ele a dom e stica çã o da quim b a nd a , é por
que a sociedade b ra s ile ira e xige dele um a t a l dis sim u la
ção.
P or v o lta das trê s hora s da m a drug a d a um a g a
ro ta n e gra (trê s anos de id a d e , v e stid a com um a ca
m isola bra n c a e com um tu rb a n te n a cabeça) d a nç a so
z in h a no c e n tro do te rre iro . C omo os dem ais ela bebe
cachaça e fu m a c h a ru to s . E m s e guid a ela d a nça com
E xu, que a to m a nos bra ços. E x u v o lta a seu tro n o ,
cedido a in d a h á pouco a B e llo n z i. D e re p e nte ele tom a
um a a titu d e com o se a g a ro ta fosse sua p ró p ria f ilh a . . .
A fe sta c o n tin u o u com sua in te n sid a d e “ d ia b ó lic a ” até
o nascer do sol.
V II — A F O R M A Ç Ã O D O S IM B O LIS M O S O C IA L
33
1 — O im a g in á rio socia l
2 — U m novo código
34
de sua m orte . N ã o h á porqu e se e sp a nta r d ia n te dessa
m e n tira : os E xus m e nte m m u ito fre q u e nte m e nte .
A ssim , o siste m a p e rm ite in te rp re ta r a cris e , re cus ar
a in te rpre ta ç ã o e p erm a n e c er, contu d o , d e n tro do có
dig o .
(D a m esm a form a , um a vez, n o te rre iro d a R o ci
nh a , os tra ns e s dos hippie s do L iv in g T h e a te r fora m
in te rpre ta d o s como “ in te rfe rê n cia s dos e spíritos do c a n
dom blé” , que n ã o são a d m itid o s n a m a cum b a , m as que
nessa n o ite forç a ra m a p o rt a .)
Nesse siste m a tu d o te m u m a e xplic a ç ã o. Podemos
com p ará-lo a u m siste m a d e lira n te . M as podemos ta m
bém com p ará-lo a um sistem a se m e lh a nte à psic a n á lis e
(os O rix á s de F re u d são as divind a d e s e personagens
gregos: E ros, T h a n a tos, É dipo, e tc .).
35
ça, ao passo que a um b a nd a se to m a rá a re lig iã o n a cio
n a l, n a m e did a em que se in te g ra r à c u ltu ra . S erá en
tã o esquecido que a m a cum b a fo i, em suas orig e ns a
c o n tra c u ltu ra em m e io ao c a tolicis m o dos bra ncos*
5 — U m proble m a p o lític o
36
C e rim ô n ia de “ b a te r cab eça’’ — T e m p lo U m b a n d ist a d a R u a S ão C le m e nte
“ . . . b a t e r ca beça aos pés d o B a b a lo rix á . . . ”
E xu re v o lt a d o , d e rrot a d o , aos pés de O gum de l e i e a ind a O xóssi (S ã o S e b a stiã o)
" . . . Ê e le o Z u m b i, p ara m im o a d v ers á rio im p la c á v e l do deus da g u e rra d a Umb a nc
O gum o S ão Jorg e , qu e nos c a ndom blé s d a B a h ia é O xóssi” . , .
lig io s o como u m a lin g u a g e m im a g in á ria e sim b ó lic a que
possui sua ló g ic a in te rn a , em lu g a r de re p e tir in d e fin i
d a m e nte e de m odo f á c il d e m ais que a “ re lig iã o é um
ó p io” .
1. e n q u a n to a m a cum b a , p e lo m enos a tu a lm e n te ,
viv e em boa v iz in h a n ç a com o c a to licis m o bra
s ile iro , a tro m b a se opõe à re lig iã o c a tó lic a .
C omo observa A lth a b e : “ p a ra os h a b ita n te s das
a ld e ia s do M a d a g a sc ar a tro m b a é como que a
negação do cris tia n is m o ” ;
2 . um a se gund a observação se coloca n a e sfera po
lític a : no B ra s il a m a cum b a é m a is fa c ilm e n te
a c e ita p e lo pod er p o lític o que a Ig re ja C a tólic a ,
d a q u a l um a p a rte consid erá v e l do cle ro e dos
fié is se coloca n a oposição ao re gim e . Se a m a
cum b a nos p arece in d ic a r um sonho c o le tiv o de
pod er n e gro, is to n ã o u ltra p a s s a o n ív e l d a in
te rpre ta ç ã o sim b ó lic a . E m sua co n d u ta e x p lí
c it a , os sacerdotes de um b a n d a a p are cem h oje
m u ito m a is com o agentes in d ire to s d a in te g ra
ção socia l e p o lític a , ch e g a ndo m esmo a a fix a r
c arta z e s de prop a g a nd a e le ito ra l nos lu g are s de
c u lto . A tro m b a , pelo c o n trá rio , nasceu do con
te x to d a re v o lta m a lg a x e c o n tra o coloniz a dor
fra nc ê s, em 1947. E la re c ru ta seus in icia d o s e n-
37
tre a pop ula ç ã o ru r a l que esteve e ng a ja d a no
c e n tro d a re v o lta . É u m m o vim e n to p o lític o ,
em sua s ig n ific a ç ã o im e d ia ta , com o fo ra m os
m ovim e ntos a fric a n o s de lib e rta ç ã o que se a poia
ra m n as re ligiõ e s a fric a n a s (d a m esm a form a
o vu d u h a itia n o esteve o rig in a lm e n te lig a d o ao
m o vim e nto de lib e rta ç ã o n a c io n a l) ;
3. e n fim , a tro m b a c o nte sta a e s tru tu ra tra d ic io
n a l de p a te rn id a d e , a h ie ra rq u ia e tá ria , e os
s u b s titu i p o r um a com unid a d e “ de sup era çã o”
d e n tro d a a ld e ia . A U m b a nd a , ao c o n trá rio
re sp e ita essa e s tru tu ra : a org a niz a ç ã o fo rte
m e nte h ie ra rq u iz a d a de suas c o n fra ria s re fle te
as e s tru tu ra s a u to ritá ria s d a ord e m socia l e xis
te n te . Os v a lore s sociais pre z ados pelos sacerdo
te s são a p ró p ria c o nform id a d e à ord e m e sta
b ele cid a , à f a m ília , ao re sp e ito p e lo m a is v e lho e
p e la tra d iç ã o . (E u v i u m ch e fe de te rre iro cen
s u ra r se v era m e nte u m a jo v e m m é diu m que t i
n h a b a tom nos lá b io s: e la era e m pre g a d a em
u m e s critó rio e v in h a d ire ta m e n te do tra b a lh o
p a ra a sessão n a f a v e la ).
38
C om a re je iç ã o e a repressão tu d o se passa ao n ív e l
do im a g in á rio sim b ó lic o e do sim b olism o s o cia l. A re
pressão do desejo d a c ole tivid a d e n e gra produ z , assim,
nm d e sloc a m e nto p o lític o n a dire ç ã o do in conscie nte .
39
te g ra r o pro le ta ria d o e os a ntig o s escravos ao siste m a
c a p ita lis ta do O cid e nte .
40
pressão in s crita s no corpo (qu e pod e m se m a n ife s ta r
ta m b é m no son a m bulism o, n a hipnos e ou n a h is t e ria ).
P ara e x p lic a r o que se passa a esse n ív e l, s eria necessá
rio e x p lic a r a conversã o (F R E U D ) dos dados psíquicos
inconscie nte s em d in â m ic a c orp ora l.
O que se passa d ura n te o tra n s e s erá “ e squ ecido” ao
d e sp ertar (os que im ita m o tra n s e sim u la m o d e sp ertar
com os olhos arre g a la dos: “ ô i, bom d ia , vocês estão p or
aí? com o v ã o?. . . ) .
A ru p tu ra p s íq uic a e n tre o tra n s e e o estado de v i
g ília fo i c e rta m e n te re forç a d a e n tre os escravos d e por
ta dos, p e la e xp e riê ncia h is tó ric a e c u ltu r a l de um corte
e n tre a situ a ç ã o n a t e rr a n a ta l e a nov a situ a ç ã o de es
cra vid ã o . A lo n g a via g e m dos n e gre iros era como a tr a
vessia de u m rio de e squ e cim e nto.
N o e x ílio , o tra n s e p e rm itir á u m a a boliçã o do re a l
e um a via g e m de v o lta à A fric a . É como o re to rn o sonh a
do, fa n tá s tic o , à te rra n a t a l. O tra n s e é o tra n s p o rte
m á gico d a . a lm a do escravo à t e rr a dos a n c e stra is, a
a boliç ã o d a consciê ncia . A p erd a d a consciê ncia é ta m
bém, p o r a lg u m te m po, o e squ e cim e nto do s o frim e n to
e do e x ílio .
A ssim , a ru p tu r a p síq uic a p e rm ite ao escravo abo
l ir a e xp e riê ncia d a ru p tu ra c u ltu r a l e h is tó ric a d a de
porta ç ã o, d a diá spora n e gra no m u n d o e scra v a gista .
Isso provoc a a passagem do tra n s e à possessão, is
to é, à ca p a cid a d e de dese m p e nh ar p a p éis litú rg ic o s dos
deuses a fric a n o s . Nesse psicodra m a o in d iv íd u o se to rn a
re a lm e n te u m o u tro : dá-se com isso aos deuses a fric a
nos a po ssibilid a d e de descerem e m t e rr a e s tra n g e ira .
E se dá ta m b é m ao gru p o de escravos que p a rtic ip a da
c e rim ô n ia , ou qu e sim ple sm e nte a assiste, a o p o rtu n id a
de de fa z e r essa via g e m im a g in á ria de v o lta à te rra
n a t a l —• essa p e re grin a ç ã o sim b ólic a à t e rra dos deuses
n e gros.
A té c n ic a a fric a n a do tra n s e recebe, assim , em t e r
ra s de e x ílio , u m a e la bora çã o c u ltu r a l e h is tó ric a que
a c e ntuo u o c a rá te r de ru p tu ra e n tre os dois estados p sí
quicos: o e sta do de v ig ília e o e sta do de tra ns e . Esse é
41
o re s ulta d o de u m a nov a situ a ç ã o c u ltu r a l em que o
f a to essencial n ã o é o fa to de ser n e gro m as o f a to de
ser escravo, de ser c a tivo .
42
1 — nos prim e iro s te m pos os in icia n d o s pro grid e m
m u ito le n ta m e n te em dire ç ã o à ru p tu ra , a tra v é s de c a n
tos, orações e inovações d irig id a s aos deuses.
O p rim e iro choqu e do tra n s e s ig n ific a a ru p tu ra ; é
e ntã o que o m é diu m (filh o ou filh a de S a nto) v a i re
v e stir-s e de seu p a p e l e re ce b er os a trib u to s a ele in e
re nte s (o m a ch a do de X a ngô, a espada de O g u m . . .
É o m om e nto d a ru p tu ra , s e guido im e d ia ta m e n te da
c e rim ô n ia s a gra d a . Ò in ic ia d o tra n sform a -s e em um
O u tro . E le se to rn a u m “ c a v a lo dos deuses” .
2 — a s e gund a fase pode d u ra r m u ita s hora s
(m esmo m u ito s dia s) com a lte rn â n c ia s . D u ra n te to d a a
seqü ência o possuído é d e s titu íd o de seu ser p ro fa n o . O
lu g a r do c u lto , a té e ntã o pro fa n o , torn a -s e um lu g a r
sa gra do ond e se d e s e nrola a d ra m a tu rg ia s a gra d a (se
esse m om e nto a pre s e nta aspectos te a tra is é ju s ta m e n te
porqu e o te a tro é o rig in á rio do rito . O te a tro n asce u do
tra n s e r it u a l) .
3 — e n fim , a te rc e ira e ú ltim a fase, os deuses d e i
x a m os lu g are s onde tin h a m “ d e scido” . C a nta m-s e as
desp edidas. O s possuídos v o lta m progre ssiv a m e nte (se
ja em p ú b lic o , com o n a m a cum b a , s e ja “ nos b a stid ore s”
como no c a ndom blé) ao seu e sta do pro fa n o , c a d a um
se gundo seu ritm o p ró p rio . R e e ncontra m os a m esm a
seqü ência n a te ra p ia d a possessão.
43
tâ n c ia a pod er a sse gurar e a u to riz a r a e n tra d a no tra n s e
ritu a l, a passagem d a “ doença” à sublim a ç ã o — que os
in icia d o s d e fin e m com o acesso a u m a fu n ç ã o re ligio s a
p e la e n tra d a ritu a liz a d a no gru p o .
Esses trê s m om e ntos do rito de possessão corre spon
dem aos trê s m om e ntos do rito de -passagem, d e scritos
em 1907 p or A . v a n G ennep. P oderíam os m esmo diz er
que o ritu a l da m a cum b a , a ssim como fo i a q u i d e scrito,
se d e se nrola e x a ta m e nte em sua fo rm a e s tru tu ra l, como
um a m iss a .
44
A sociedade se fu n d a sem pre n o c o n flito , n a re pre s
são do s e n tid o . As in s titu iç õ e s são as cadeias dessa re
pressão. U m a a n á lis e da m a cum b a im p lic a nece ssaria
m e nte n a e xplora ç ã o dessa repressão, ao m esmo te m po
p s ic a n a lític a e p o lític a .
F in a liz a n d o , fa ço um a ú ltim a observação no que
se re fe re à h o m olo gia e s tru tu ra l e n tre os rito s dos sa
cra m e ntos c a tólico s (b a tism o, m issa , c o n firm a ç ã o ...)
e a m a cum b a .
Isso não s ig n ific a que a m a cum b a copiou a m iss a .
P elo c o n trá rio , isso qu er apenas diz e r que tod a s as re
ligiõ e s obedecem a um a e s tru tu ra (consid ero a m issa,
a oração, e tc . , como in s titu iç õ e s d e n tro d a in s titu iç ã o ),
a le is e s tru tu ra is a n á log a s.
P or isso, o tra b a lh o fe ito n o B ra s il p or c ertos c a tó
licos sobre a te olo gia d a m a cum b a (a salvação das a l
m as n a um b a nd a , e s e m elh a nte s) é n e ce ssaria m e nte in
com ple to qu a ndo n ã o le v a em c o n ta a e s tru tu ra lit ú r-
gic a dos rito s de um b a nd a . E xiste m , p or o u tro la do, tr a
b alhos de teólogos sobre a e s tru tu ra dos rito s c a tólicos,
consid era ndo-os como rito s de passagem.
O proble m a é de um a rito lo g ia g e ra l das re ligiõ e s
que não pode ser s u b s titu íd o n e m p e la te olo gia n e m pe
la s te oria s dos id e ólogos. Essa rito lo g ia é o que ch a m a
mos de a n á lis e in s titu c io n a l das re ligiõ e s.
45
Notas
46
10 R . Bastide propos interpretações bem próxim as sobre o candom
blé da Bahia.
12 C f. L e iris, La possession etc . . . op. c it., pág. 32, L e iris evoca o que
ele chama de “ caráter institucional da possessão” . C f. A M etraux,
Le voudou haitien, Paris, 1958.
47
Madagascar, Paris, M aspero, 1969. (F o i publicada um a recensão da
mesma obra por Rene Lourau em L'hom m e et la société, n. 17, ju lh o -
setembro, 1970.
48
1
Segunda Parte
66
internando na m ata, cabe ao capitão da m ata, Oxóssi,
e seus caboclos estabelecerem na m ata a ordem de
Ogum e a defesa da le i de Oxalá. Cabe aqui um a ilu s
tração de dois pontos de Oxóssi:
67
cia i dos capitães-do-mato, os que defendem a le i de Oxa
lá, contra os inim igos das matas.
Por sinal que nas ofensivas dos senhores contra os
quilombos, quando havia tenaz resistência, eram con
tratados pelo re i comandantes para atuarem como ca
pitães-do-m ato, acostumados à vida do sertão. Foi o caso
de Domingos Jorge Velho, chamado no P iauí para in i
ciar um a m archa sobre Palmares.
Em seu liv ro "O Q uilom bo dos Palm ares” Edison
C arneiro relata várias passagens em que esclarece a par
ticipação dos bandeirantes na lu ta contra a “ república”
negra de Palmares. Assim se refere:
“ ...E r a u n â n im e ... o elogio aos paulistas quanto
às suas qualidades de combatentes no sertão brasilei
ro. Bento S urrei Cam ilo, procurador do Mestre de Cam
po no Reino, não deixava de explorar esse ponto, nos
seus requerim entos à Sua Majestade, referindo-se aos
paulistas como “ gente m ais experiente e versada nessa
espécie de guerra irre g u la r, em a qual os cabos m ais pe
rito s na disciplina regular não enxergam nada, e só
acham nela o desdouro de suas m ais luzidas e heróicas
façanhas, já antes adquiridas.”
Também o Procurador da Fazenda Real acreditava
na eficiência dos paulistas.
“ Por várias vezes tenho d ito que os paulistas são a
m elhor, ou a única defesa, que têm os povos do B rasil
contra os inim igos do sertão; pois só eles são costuma
dos a penetrá-lo, passando fomes, sedes, e m uitos outros
contrastes, a todas as outras pessoas totalm ente insu
portáveis” . . .®
Num a carta datada do O iteiro do B arriga, de 15 de
ju lh o de 1964 — já depois de liquidado o ú ltim o reduto
de Palmares — do Macaco — Domingos Jorge Velho cha
mava as suas tropas de “ umas agregações” e declarava
que a sua “ m ilícia era diferente do E xército regular, ta l
como era conhecido em todo m undo, acrescentando que,
68
Neste a lta r de um te rre iro no in te rio r de S. P aulo, os preto-velhos ocupam um lugar
separado no a lta r
" l olga nêgo
llranco não vem cá
Sc v ié /O diabo há de le vá /F o lg a Parente/C abôco não é gente"
. tivesse como que gravado no seu sim bolism o social as relações sociais da form ação
colonial escravagista, e o seu exercício (lu ta de classes) representado num a form a censurada
__ --- ----
! !_
o
sem os seus índios oroazes e cupinharões, a destruição
dos Palmares te ria sido impossível” .10
Revela Édison Carneiro que o Mestre de Campo, Do
mingos Jorge Velho, “ em épocas diferentes, computava
os seus homens, ora em 800 índios e 150 brancos, ora em
m il homens de arco, 200 espingardas e 84 brancos, que
os d irigia m e cabeavam.” 11
Se arriscarm os o uso de um a noção indicativa, ain
da sem demonstração teórica, poderíamos dizer que
Oxóssi e sua falange dos caboclos estão ligados a este
episódio gravado no “ inconsciente histórico” (cena p ri
m itiva ) .
A im portância da “ República negra dos Palmares”
como acontecim ento capaz de fic a r gravado no “ incons
ciente histórico” ou aspecto im aginário da ideologia, é
ilustrado pelo auto dos Quilombos, estudados por A rth u r
Ramos12. Pela im portância que possui o tema para nós,
reproduziremos algumas páginas sobre este assunto:
“ Um auto de sobrevivência histórica, não da A fri
ca, mas da própria h istó ria dos negros no Brasil, é o
dos quilombos que se festejava em Alagoas, relem bran
do o feito de Palmares. O fato é interessante, pois nos
m ostra um flagrante exemplo da gênese e desenvolvi
m ento das canções de gesta e dram atização de feitos he
róicos, que passaram ao inconsciente popular. É prová
vel que em outros pontos do Brasil, onde houve a form a
ção de repúblicas negras, o inconsciente coletivo tenha
guardado sobrevivências em autos análogos.
Parece-me, porém, que o caso m ais típico é o de
Alagoas, ta l a im portância histórica do m aior dos q u i
lombos negros, o de Palmares. Tão dilatado fo i o período
das lutas (quase setenta anos), tão im portantes foram
as expedições e combates, que as populações alagoanas
das imediações da serra da B arriga e dos vales do Paraí
ba e M undaú até hoje guardam a lembrança, nos autos
folclóricos.
No brinquedo dos quilombos a que eu assisti, em
pequeno, na cidade do P ila r (Alagoas), havia a cena
69
in ic ia l das danças das negros, com m uitos cânticos, de
que guardei os seguintes:
Folga nêgo
Branco não vem cá
Se vié
O diabo há de levá
Folga nêgo
Branco não vem cá
Se ele vié
Pau há de levá
Folga parente
Cabôco não é gente
Dá-lhe toré
Dá-lhe toré
Faca de ponta
Não m ata m uié
70
compor a vida dos negros confederados no quilom bo cé
lebre, cuja h istória ainda não fo i suficientem ente escri
ta. Os versos in iciais do auto:
Folga nêgo
Branco não vem cá
Se vié
O diabo há de levá
Se vié
Pau há de levá
71
velmente os negros palm arinos deram a denominação
desprezível de caboclos aos seus inim igos perseguido
res, o que ficou sobrevivente nos versos:
Folga parente
Caboclo não é gente
Dá-lhe toré
Dá-lhe toré
72
criticava Nina Rodrigues, por te r se apegado apenas ao
tema negro-religioso gêge-nagô, que vez por outra com
prom etia seus estudos sobre os afro-brasileiros.
“ As únicas referências, e incidentais, a termos re li
giosos de origem bantu, que encontrei em toda obra de
N ina Rodrigues, estão no seu ensaio sobre o quilom bo
dos Palmares, onde encontramos identificadas as expres
sões, Zambi, Oane, lom ba, Gana Zona, Ganga Zum
b a ...”
Dizia ainda A. Ramos, que sobre a religião bantu,
apenas Luciano G allet, sem ser especialmente etnógrafo,
anotou no seu ensaio çobre “ O Negro na Música Brasi
le ira ” q u e ... “ a sessão de fe itiç a ria chama-se de m a
cumba, e aí invocam seus santos: Ganga-Zumba, Can-
jira-M ungongo, Cubango, Sinhá-Renga, Lingongo e ou
tros” .16
Ê interessante observar que Ganga-Zumba fo i an
tes de Zum bi, o re i dos Palmares. Como antepassado, es
p írito , Ganga-Zumba era invocado nos terreiros de ma
cumba.
Ê ainda nos terreiros de macumba, que Zum bi é
compreendido como espírito mau, segundo Ladislau Ba
ta lh a “ poderosos agentes sobrenaturais difíceis de apla
car, e tc ...” 1T
No seu liv ro O Q uilom bo dos Palm ares, Édison
Carneiro18 indica que “ ...é provável que esse nome de
Zum bi fosse um títu lo ou um apelido, talvez mesmo sim
plificação de um nome m aior, com a significação de
“ deus da guerra” que lhe empresta um documento da
época” .
É interessante observar que o Zum bi durante a guer
ra dos palm arinos, também se revestiu de um caráter
mágico, e é ainda Édison Carneiro que com enta: “ ...o
governador Caetano de Melo e Castro, tendo recebido
dos Palmares a cabeça do Zum bi, mandou-a espetar num
poste, “ no lugar mais público” do Recife, entre outras
coisas para “ atem orizar” os negros, que consideravam
im o rta l o chefe do quilombo.
73
Segundo o Pe. Boaventura Kloppenburg, Zum bi
significa “ Chefe, Rei” .19
E para A rth u r Ramos o Zum bi chegou até nós ge
rando uma grande confusão com o Z â m b i... Na crença
popular do B rasil o Zum bi é um fantasm a que vagueia
altas horas da noite. Tornou-se aqui uma entidade inde
term inada, sem form a e sem culto, identificando-se com
a m ultidão das almas penadas, fantasmas, espíritos er
rantes das crendices populares. Na Am érica C entral, no
H a iti, a prim eira e única “ república” negra das Am éri
cas, existe a crença do Zombie. Acreditam os “ negros
haitianos que o Zombie é verdadeiramente um ressus
citado dos m ortos” .20 Assim Zombie anda, movimenta-se
e come “ manger Zombie” , dizem os negros do H a iti e à
noite levam aos túm ulos fa rta provisão de alim entos.
Certa vez no terre iro de D. M aria Batuque na fave
la Santa M arta, ela se referiu aos Exus como Zumbis.
Logo que lhe fiz uma observação em torno deste sinô
nim o ela me disse que um padre que a visitava vez por
outra com objetivo de convertê-la ao catolicism o, é que
dava esta designação aos Exus. . .
Parece-me então que, na favela, o m aior recalca
mento das macumbas,21 talvez não sejam as revoltas
dos muçulmanos malês mas uma alusão ao recalcado à
república” de Palmares, a Angola janga, pequena An
gola.22
Se por um lado os Exus só trabalham com o a lta r
dos orixás fechados, se a Quimbanda só se realiza con
tra a Umbanda, por outro lado há uma alm a penada,
sem culto, que vagueia pelas altas horas da noite (note-
se que a Quimbanda só começa depois de m eia-noite)
que é um “ deus da guerra” um chefe, um rei, que está
penando e que ainda não ressuscitou aqui, que jam ais
pode entrar no te rre iro e está esquecido no cérim onial.
É ele o Zum bi, para m im o adversário im placável do
deus da guerra da Umbanda, Ogum, o S. Jorge, que nos
candomblés da Bahia é Oxóssi.
Posso dizer agora que a Umbanda se assemelha a
um sonho, isto é a linguagem mais característica do
74
Inconsciente. Um sistema de m itos, símbolos e represen
tações im aginárias que é na verdade a linguagem de
um a formação social. Acredito que a sócio-análise do a l
ta r que empreendemos fo i um esforço no sentido de ca
racterizar o que em outras ocasiões,28 (a p a rtir dos pres
supostos de Althusser sobre ideologia) denominamos “ as
pectos inconscientes da ideologia” .
4 — A h ie ra rq u ia no te rre iro
75
Mãe Pequena é a segunda pessoa depois da chefia do
terreiro.
Subchefe é o a u x ilia r direto do Chefe E sp iritual e da
Babá do Terreiro. Sua função é tom ar conta da organi
zação dos trabalhos, encam inhar os filh o s que vêm pe
la prim eira vez ao te rre iro e não sabem as Entidades que
estão presentes. O Subchefe conduz ou indica os filhos
para as entidades.
A u x ilia r é o médium que já trabalha com sua entidade,
prestando caridade dentro do terreiro. Serve para toda
sorte de trabalho, como seja: passes, correntes, descar
ga, etc.
Passista é o médium que só pode dar passes, pois se está
iniciando no ritu a l, ainda na fase de desenvolvimento.”
Fazem parte ainda da hierarquia do ritu a l os ogans
e os cambonos.
“ O Ogan de T erreiro é o elemento que cuida dos pon
tos de chegada das entidades. Canta os pontos e dirige
os cambonos, dando-lhes as instruções necessárias para
o encaminham ento dos filhos e do público que vai se
consultar com as Entidades. Incumbe-se ainda da be
bida do terreiro.
O Ogan de atabaque é o elemento encarregado de bater
o atabaque...
Que é um cambono? Ê a pessoa que atende às en
tidades que vêm ao te rre iro para prestar caridade. O
cambono é escolhido pelo chefe do terreiro. Aprende a
linguagem da Entidade, gozando assim de sua confiança.
O cambono deve, acim a de tudo, ser um a pessoa de
bons costumes, deve conhecer bem a Entidade e seus
apetrechos de trabalho e preferências como sejam: cha
rutos, cachimbos, fum o, pembas, vinho, etc.
O cambono, enfim , é a pessoa de confiança da En
tidade, verifica os presentes, que o filh o que vem buscar
a caridade, ocasionalmente, traz à E n tid a d e ...
O cambono deve bater cabeça pedindo proteção e
em sinal de agradecimento por te r sido escolhido pela
Entidade e pela Chefia do terreiro. Este agradecimen
to é fe ito no Gongá ou nos pés da Entidade.
76
0 cambono não deve dar “ passividade” nos dias de
trabalho. Seu papel é atender à Entidade que vem tra
balhar em terra.
Para ser cambono é preciso ser escolhido pelo Quia,
ou pela Chefia do terreiro, usando o cambono um a
guia dada pela Entidade ou pelo Chefe do te rre iro ” . . .
Em relação ao ritu a l o com portam ento dos médiuns
assim se processará:
" . . . A hierarquia é a base para a boa organização
do terreiro e para isto deve e xistir nos médiuns o respei
to. entre si e para com a Chefia do terreiro, como mes
tre e in s tru to r que é. Têm de ser obedecidas as leis e os
estatutos do te rre iro e a ordem para chegada e subida
das Entidades, nunca se dando passividade para passar
à frente do colega mais graduado. Assim como deve
e xistir um comandante para conduzir um navio, tam
bém existe no te rre iro um Chefe, para conduzir e orien
ta r os filhos de fé.” (Apostila)
A hierarquia no “ Templo Um bandista da Rua S.
Clemente é prescrita ainda através dos regulamentos,
dos mandamentos e dos preceitos gerais da le i de Um
banda” . Transcreveremos agora o "Regulam ento do Ter
reiro” :
“ Cabe aos m édiuns:
1 — Comparecer nos dias de obrigações e festas nos
dias estabelecidos para esta cerim ônia pelo seu Baba-
laô e Ialorixá .
2 — Bater cabeça aos pés do Babalaô e Ia lo rix á e
salvar o anjo de guarda dos demais.
3 — A judar a mãe pequena e pai pequeno em tudo
que se fizer necessário durante as ocasiões especiais,
cum prindo as ordens recebidas.
4 — A judar a cantar para os guias conforme apren
deu bem como dançar corretam ente para os mesmos
contribuindo para a alegria e esplendor do toque.
5 — Procurar te r sua roupa lim pa, a fim de se
apresentar vestido corretamente.
77
6 — Concorrer na medida de suas posses com o
que se fizer necessário para o perfeito funcionam ento do
terreiro.
7 — M anter atitude digna e correta dentro e fora
do terreiro, evitando bebidas alcóolicas ou palavras e ges
tos desrespeitosos para com seus irmãos, assistentes ou
orixás presentes.
8 — Não comer comidas pesadas nos dias de gira,
nem adulterar de quarta-feira para quinta-feira, bem
como nos dias de obrigação.
9 — Respeitar e fazer respeitar as saudações dos
orixás em geral, ou guias, e ainda do Babalaô ou Ia lo ri
xá, além do seu próprio.
10 — Ter fé e confiança nos seus Guias e Orixás,
gosto e satisfação em cum prir os preceitos e obrigações
da lei, alegria no progresso da religião.
11 — Não com partilhar de outros terreiros quer em
obrigações ou festejos sem prévia autorização do seu
Babalaô ou Ialorixá.
12 — Dentro do seu próprio terre iro deverá cum
p rir os preceitos recebidos dos seus iniciadores sem in
correr em falhas, recebendo festivam ente a visita dos
mesmos homenageando-os e prestigiando-os dentro do
ritu a l, bem como destinando-lhe sempre o lugar de re
levo a que têm direito , como seus superiores.
13 — Ter paciência com todos, m anter a calma, es
tim u la r a união sincera com seus irmãos, respeitar e
a u xilia r o próxim o no que se lig a r às suas necessida
des m ateriais e espirituais.
14 — T ra ta r com cordialidade, amabilidade e gen
tileza aos visitantes, evitando com habilidade e calma,
qualquer abuso dos mesmos, dentro do terreiro.
15 — Não fazer aos nossos irmãos o que não dese
jamos que a nós seja feito.
16 — Não cobiçar de form a algum a o que perten
ce aos outros.
78
17 — Não fazer trabalhos, sejam quais forem, por
sua livre vontade sem a presença da Chefia.”
Os cambonos têm preceitos especiais, relativos a sua
atividade no tem plo; no Templo Um bandista da R. São
Clemente são os seguintes:
“ Compete ao Cambono: ver o bloco de papel e ver
se está em ordem o m aterial do G uia (Entidade) que vai
cam bonar.
Compete ao Cambono: ver as coisas do Guia, antes
de incorporar, depois não pode mais sair do terreiro.
Compete ao Cambono: Aguardar na porta do te r
re iro a chamada da ficha, pelo fiscal e levar para o
G uia o filh o .
Compete ao Cambono: Quando cair o filh o do pú
blico, cobrir com uma toalha ou com sua baiana, quando
fo r m ulher, para o assistente não fica r descomposto.
Compete ao Cambono: Não deixar o G uia levar o
assistente aos guias chefes, em dia de gira, m arcar para
2a-feira para conversar com a chefia.
Compete ao Cambono: Quando precisar m arcar
consulta, para os Guias Chefes o cambono pode m arcar
num papel e depois entregar à Chefia depois da gira,
para m arcar no caderno da consulta especial.
Compete ao Cambono: Não sair da gira, para fum ar
lá fora, sair só em caso de extrem a necessidade.
Compete ao Cambono: Se fo r escalado não sair
cedo.
Compete ao Cambono: Não deixar o médium do
terreiro consultar em dia de g ira .”
Convém esclarecer a im portância do procedimento
dos Cambonos em relação às consultas. As entidades
vêm na terra para dar consultas. Procurar resolver os
problemas, angústias e sofrimentos dos “ filhos de fé” .
Cada consulta em dia de gira custa Cr$ 2,00. As con
sultas especiais, e principalm ente da entidade de Ve
lho Pedro (preto-velho quim bandeiro) que atende às
2as.-feiras, cujo “ cavalo ou aparelho” é o Chefe do te r
reiro, varia dependendo do “ trabalho” d e ... Cr$ 15,00
até Cr$ 100,00. O “ Velho Pedro” atende por semana
79
uma média de 15 pessoas, e o babalorixá nos disse que
sua agenda está tomada já para vários m eses... O preço
cobrado visa a “ selecionar as consultas do Velho Pedro
pois se assim não fosse ele trabalharia a semana in
te ira ” . ..
Todos aqueles filiados ao Templo devem observar
os “ Mandamentos da Lei de Umbanda” .
80
IA LO R IX A . Qual a atitude que esses últim os devem
tomar?
R — Infelizm ente existem e não são poucos. Já me
referi, uma vez, nesta Revista que pela vida, m uitas
vezes os BABALORIXÁS e IALO RIXÁS, sofrem decep
ções tremendas, vindas de pessoas, médiuns, a quem
dedicam todo o esforço e carinho. Quantos se esquecem
de que quando vieram procurar auxílio nos Centros, se
encontravam doentes, obcecados, perturbados, m ania-
cos, inclusive desequilibrados m entaim ente e foram aco
lhidos, ajudados, recuperando o equilíbrio m ental e fí
sico, pelos BABALORIXÁS ou IALORIXÁS? Quantos
destes mesmos, após terem sido preparados conveniente
mente, quando “ prontos” , começam a “ inventar” me-
diunicam ente, tornam-se sonsos, hipócritas, invejosos?
Quantos desejam, inclusive, in te rv ir na vida p a rticu la r
dos seus Chefes, lançando discórdia, m entiras, tentando
inclusive quebrar a harm onia de um lar? Quantos in
clusive desejam, “ m edir forças” ou desafiar todos os
preceitos que lhes ajudaram? E nfim , seria uma série in
term inável.
Quanto a atitude que deva ser tomada pelos BABA
LORIXÁS ou IALO RIXÁS, penso que em prim eiro lugar
deve-se entregar às entidades, pois estas saberão ju lg a r
e decidir; posteriorm ente, “ expulsá-los” , no momento
conveniente, sem antes, porém, aplicar-lhe um “ tombo”
bem dado e trazer à tona os seus “ ricos predicados” , tão
falsamente escondidos sob uma pudica m o ra l.”
No Templo da rua S. Clemente existe um “ Conse
lho Sacerdotal” form ado por médiuns de seis estrelas.
Qualquer problema ou desobediência dos médiuns é ju l
gado no Conselho. Usa-se para tanto uma ficha preta
e uma verm elha. A prim eira significa expulsão, a se
gunda suspensão de quinze, trin ta ou mais dias. O
julgam ento processa-se com a presença do acusado, e o
Babalaô e Ia lo rixá do Centro só são chamados a in te r-
81
I . A LU TA DE UM DESEJO
SI
v ir em caso de “ m inerva” . Essas penas causam enorme
hum ilhação m oral para os médiuns, que se tentarem
“ correr gira” , freqüentar outros terreiros durante a pe
na, terão seus sofrimentos agravados.
O Babalaô explicou que o castigo realizado pela en
tidade significa que uma vez o médium incorporado pe
lo G uia que deseja castigá-lo, este a tira seu corpo con
tra as paredes e no chão, dando-lhe assim verdadeiras
surras. Nestes casos o Babalaô como Chefe do terreiro
canta pontos para incentivar a entidade a castigá-lo com
a m aior firm eza: “ É só caindo que se aprende” . ..
Em geral os castigos se referem ao não cum prim en
to dos preceitos estabelecidos pelo Tem plo. Essas trans
gressões são observáveis ao nível da comunicação da do
minação 24 que institucionaliza num código de signos o
comportamento a ser cum prido.
82
reconhecerá os outros membros da instituição, os de
mais sujeitos hierarquicam ente situados, e se reconhe
cerá como um deles, ocupando o seu lugar hierárquico.
Neste nível in stitu cio n a l e nestas referências espelhares,
o indivíduo se reconhece e reconhece que tudo é bem
assim, na ‘‘vontade de Oxalá” .
Assim o “ dia de dar o nome” , dia em que o médium
“ raspa a cabeça” é o dia em que começa a e xistir para
a in stituição.
A p a rtir daí começa a u su fru ir de sua situação e a
cum prir com suas obrigações e seus deveres. P rin cipa l
mente aceitar e obedecer a regulamentação do terreiro.
No dia em que se torna um filh o de fé o médium
passa a possuir deveres em relação a seu pai e sua mãe de
santo, ao BABALO RIXÁ e à IALO R IXÁ.
É como filh o que deve se relacionar com seus che
fes de terreiro e como irm ão que deve se relacionar com
os demais médiuns.
É diante desta “ fa m ília um bandista” que se exer
cita, ao nível dos preceitos e regulamentações, o que de
nominamos de estru tura psíquica de vassalo.
Da apostila “ Iniciação para médiuns” extraím os:
“ Qual o procedimento e deveres do médium?
R — O m édium deve ser uma pessoa dotada de bons
sentimentos e bons costumes. Deve levar uma vida pres
tando caridade ao m áximo, amando seus semelhantes.
Não deve ser vaidoso, nem dentro nem fora do terreiro
e deve ser carinhoso para com os animais. Toda entida
de é boa, seja ela um hum ilde Preto Velho ou o mais
bravo Exu, dependendo do filh o que com ela trabalhar.
Se o filh o é bom e caridoso, estas entidades só poderão
v ir para trab alh ar pelo bem e p ra tica r a caridade.”
Bom e caridoso, significa submisso e obediente à
hierarquia sacerdotal, à le i e aos preceitos do terreiro
que se exprim e:
a) Através da chegada e saída das entidades na
gira:
83
“ ...A entidade que deve baixar prim eiro é a do
guia-chefe, seguindo-se as demais, na ordem hierárqui
ca:
Descida Subida
84
A Sacerdotisa usa as guias no pescoço, correspon
dentes a seu anjo da guarda.
O Ogan C alofé usa todas as guias, menos de Oxalá
G uian e O xalá A lu fa n (Chefe) cruzadas a tiracolo, da
esquerda para a direita .
A Mãe Pequena usa as guias como o Ogan Calofé,
porém an com prido e usa também pulseiras de p rata cor
respondentes a seu anjo de guarda.
O Ogan de te rre iro usa as guias de seu anjo da guar
da e de Exu, da d ire ita para a esquerda. Poide usar as
guias dos outros, o rixá s.
O Ogan de atabaque usa as guias de seu anjo de
guarda e do O rixá p roteto r do te rre iro , da d ire ita para
a esquerda.
A Iabá (cozinheira) usa as guias de todos os orixás
menos a de O xalá, de seu anjo da guarda e as de Pom
ba G ira . Num só colar usa as cores de todos os orixás,
ficando ao todo com três guias.
O Cambono C alofé usa as guias de seu anjo da guar
da, a de Exu e a do O rixá p roteto r do te rre iro a tiracolo.
O Cambono de Ebó (pessoa que faz os despachos
para o te rre iro ) usa as guias do anjo da guarda, de Pom
ba G ira e de Exu. As cores são: um a preta, outra verme
lh a e preta e a o u tra de seu anjo da guarda.
O F ilh o ou F ilh a de Santo usa a guia de seu anjo
da guarda simples, que recebeu ao fazer a in icia çã o .”
d) Também as vestim entas caracterizam um sig
no da dominação. Diz a apostila: “ As roupas do ritu a l
devem ser tratadas com todo carinh o. Não deve ser le
vada ju n to com as roupas comuns e nunca se deve usá-la
fora dos trabalhos do C entro.
As m édiuns devem usar baianas pois ficam mais
compostas, principalm ente as m édiuns em desenvolvi
m ento.
Todos os m édiuns devem usar suas divisas com o
grau de evolução e sp iritu a l.
. . . O uniform e do terre iro deve ser lim po e passa
do, com emblemas e divisas.
85
O m édium em desenvolvimento deve usar um a es
tre la : o passista duas estrelas, o m édium a u xilia r, três
estrelas, os Subchefes, seis estrelas e os Chefes sete es
trelas” .
O Babalaô certa vez nos ilu stro u o fucionam ento do
Centro Um bandista como um “ q u a rte l” , onde os sinais
significassem sempre uma indicação da obediência à or
dem e à autoridade hierarquicam ente superior.
e) “ Todo m édium deve se apresentar no Centro
para tra b a lh a r devidamente uniform izado, preparado
com seu banho de descarga e com um a concentração
de bons pensamentos, durante o d ia ” .
A preparação do m édium no dia de trab alh o o b ri
ga-o a um exercício de abstenção sexual e de obediên
cia. Ter um dia voltado apenas para os “ bons pensa
m entos” sig nifica um exercício de reconhecim ento da
le i de umbanda, da le i de Oxalá e da m oral cristã con
servadora que desemboca na g ira onde o bom com por
tam ento é cobrado.
No Tem plo da Rua S. Clemente, o Babalaô “ anota”
todas as irregularidades praticadas pelos m édiuns e pos
teriorm ente com unica ao Conselho Sacerdotal para ju l
gam ento. Certa vez ele nos contou que um a médium
ao invés de se resguardar no dia de g ira estava “ se es
fregando com o nam orado na p o rta do Centro” . Na
hora da g ira a sua entidade, Abaluaiê, aplicou-lhe um
severo castigo, pois ela não tin h a observado as determ i
nações, exigidas, a “ concentração de bons pensamentos” .
Além do castigo da entidaue ela iria responder por seu
com portam ento no Conselho Sacerdotal. . .
f) . . . “ É proibido no te rre iro de Pai Francisco e
Vovó C atarina (entidades do Babalaô e de Ia lo rix á ), ofe
recer presentes em encruzilhadas sem a devida a u to ri
zação da Chefia do te rre iro ...
. . . É proibido a qualquer m édium de qualquer ca
tegoria, dar consulta em casa, como também de com
parecer a casa de m édium do terre iro que estiver dando
consulta assim ” . . .
86
Deste modo a Chefia visa a colocar sobre seu to ta l
controle o com portam ento do m édium , e com isso garan
t ir os privilégios de Chefia. Não só ao nível do “ status”
de autoridade, poder de mando, mas u s u fru ir das me
lhores consultas e dos “ trabalhos” m ais “ pesados” . Isto
significa, das consultas e dos trabalhos mais onerosos. . .
“ O Velho Pedro já atendeu até um alto d ire to r da
Brahm a que sempre dem onstra seu agradecim ento” . . .
Ao nível sim bólico, o com portam ento do m édium é
controlado através da “ le i do reto m o” , “ tudo que fize
res de m al neste m undo aqui mesmo pagarás” . O m al
é a desobediência aos preceitos do Centro e aos m an
damentos da le i de Umbanda, preceitos in stituciona is
que m aterializam o poder de Oxalá, que, para a tenda
espírita “ Caboclo M irim ” , é o m édium suprem o...
Podemos dizer então que por comunicação da dom i
nação entendemos esta série de signos trocados entre os
“ sujeitos” pertencentes ao Aparelho Ideológico de Esta
do religioso um bandista. Esta troca de signos, esta prá
tic a de com unicação está regulada e inserida no seio da
existência m a te ria l de um Aparelho ideológico de Es
tado. São os atos m ateriais inseridos nas práticas ma
te ria is reguladas pelos ritu a is m ateriais os responsáveis
pelo com portam ento e pelo “ modo de pensar” , crença
ou fé, do “ su je ito ” . Como diz Pascal, “ coloca-te de joe
lhos, m urm ura a prece com os lábios e acreditarás” *5.
É, portanto, o exercício das atividades in s titu c io
nais, as práticas regulam entadas exercidas nos Apare
lhos ideológicos de Estado, que m aterializam “ a visão
do m undo” “ dos que têm fé” , isto é, são essas práticas
in stitu cio n a is que caracterizam a m aterialidade da ideo
lo gia . São essas práticas que asseguram a reprodução
das relações sociais a u to ritá ria s e hierárquicas, que pro
curam assegurar ao nível da lu ta de classes, no caso da
form ação social brasileira, o statu s da dominação da
burguesia branca sobre o proletariado negro e m estiço.
É então no seio do próprio Aparelho ideológico de Esta
do que se exercitam as relações de produção, isto é, a
lu ta de classe. Desde a obediência ou a desobediência
87
imediata do filho de fé ao Pai de Santo ou à Mãe de
Santo, até a existência dos terreiros dóceis às orienta
ções das cúpulas dirigentes Umbandistas ou dos clan
destinos de Quimbanda que se negam a obedecer as re
gulamentações das Federações e as limitações impostas
pelo Aparelho de Estado jurídico-político (legislação, po
lícia, tribunais e prisões).
88
distas, ela deverá combater a Quimbanda, pois o ter
reiro de Quimbanda só existe na clandestinidade. Es
ta atitude de extrema ambigüidade, entre combater as
origens africanas e aderir às “ doutrinações” espíritas,
ou de se manter fie l às origens, mas de pagar o preço
de uma macumba m arginal, é a angústia porque passam
os dirigentes negros e mestiços das macumbas de morro.
Esta lu ta contra a Quimbanda possui dois níveis
distintos, que estão combinados de uma maneira deter
minada. Um que se caracteriza pela representação so
cial, e outro pelo cómportamento social e institucional.
Por sua vez, convém ficar claro que esta luta de classes
na ideologia se combina com a luta de classes no po
lítico e no econômico. A luta entre o “ proletariado”
negro e a “ burguesia” branca. Senão vejamos: no pla
no da representação social a ideologia kardecista (es
piritism o francês, europeu, racionalizante, etnocêntri-
co) propõe a doutrina do “ continuum ” . Isto é, que atra
vés das m últiplas encarnações do espírito este vai evo
luindo, de forma a cada vez alcançar estágios mais
elevados de espiritualidade, abandonando a m ateriali
dade. As proposições do espiritismo, indica-nos Cândi
do Procópio Ferreira de Camargo26, são todas “ aplicadas
no sentido de valorização máxima de vivência religiosa
de feitio internalizado e ético de desconsideração pelas
formas materiais do culto, especialmente aquelas que
im plicam no uso de álcool e fumo, símbolos de “ atra
so” e dependência da m atéria” . Acredita-se então, que
através da doutrinação dos médiuns e dos espíritos, es
tes se elevarão da terra para faixas mais elevadas do
espaço. Assim o Exu passará através do “ continuum ” ,
para caboclo ou preto-velho, e chegará até mesmo a
O rixá. A tendência, nesta ideologia espírita-umbandis-
ta, é então de se acabar com os Exus e com a gira da
Quimbanda 27.
Observa Cândido Procópio que “ essa apreciação va-
lorativa do espiritismo kardecista, assumindo o aspecto
da doutrina espírita da evolução, não deixa de expri
m ir os valores predominantes da cultura paulista, que
89
enxerga com maus olhos o que considera: “ essas prá
ticas supersticiosas do baixo espiritismo, próprias para
os negros ignorantes” 28.
Pela expressão “ cultura paulistana” devemos enten
der, ideologia da classe dominante da formação social
de S. Paulo, que deste modo, a p a rtir desta represen
tação social, indica através do ritu a l um comportamento
social a ser adotado pelos médiuns e prescrito pelos ter
reiros.
É ainda Cândido Procópio quem afirm a: “ desta for
ma, os valores dominantes da cultura, também expres
sos na visão espírita que foi integrada ao “ continuum ”
atuam no sentido de diminuição da riqueza ritualística
e da ênfase mágica dos “ terreiros” de Umbanda. Con
figuram-se assim modalidades de organização de “ ter
reiro” que, embora acompanhando a estrutura e dinâ
mica geral que descrevemos, vão aos poucos perdendo
as complicações rituais e se aproximando da austerida
de kardecísta” 20.
Isto significa o abandono da riqueza do ritu a l emo
cional africano em nome da austeridade “ racional” eu
ropéia, isto é, repressão emocional e abstinência sexual.
Já nos referimos à eficácia da repressão sexual, emo
cional, na formação da estrutura psíquica do vassalo,
necessária ao funcionamento das instituições autoritá
rias e hierárquicas.
Neste ponto a ideologia da evolução mais uma vez
se revela. Evoluir, significa procurar se igualar ao bran
co, burguês ou pequeno-burguês, isto é, “ novamente a
doutrina da evolução (e sua escala de valores) serve de
instrum ento ideológico de adaptação da tradição a fri
cana para uma prática religiosa mais em harmonia
com o estilo de vida urbano e racional. Podemos dizer
que “ urbano e racional” são proposições da classe ideo
logicamente dominante, isto é, a burguesia.
O movimento espírita na Umbanda, propõe concre
tamente transformações no ritu a l da macumba, para
que seja proporcionada então a sua “ evolução” . De um
90
modo geral as medidas pretendidas para essas trans
formações são:
91
que a Africa é um lugar de selvagens, bárbaros e atra
sados, impulsiona o negro para esquecer seu passado
e evoluir para uma situação “ civilizada” , “ educada” e
“ racional” , . .
Quando surgiu o espiritismo no Brasil, praticado
pelos brancos, o “ homem de cor se sentia de então em
diante justificado ao marchar segundo a linha de sua
antiga civilização” . . . entretanto, os brancos não se dei
xaram enganar, razão porque designaram (a macum
ba) . . . este últim o extrato do espiritismo brasileiro com
a expressão pejorativa de "baixo espiritismo” . Assegu
ra-nos ainda Roger Bastide q u e ... “ sem dúvida esse
“ baixo espiritismo” , ao desenvolver-se (evoluir) não per
manecerá adstrito à classe dos homens de cor; os bran
cos nele igressarão e frequentemente se tornarão seus
chefes. Nem por isso os negros e os mulatos deixarão
de constituir a grande maioria de seus adeptos. E isso
porque, em conjunto, a estratificação das classes sociais
corresponde, com pouca diferença, à estratificação das
cores” 83•
De um modo geral, esta é a contradição ao nível do
comportamento social im plícito na reformulação do r i
tual da macumba. Até onde se admitem alterações do
ritu a l que ao mesmo tempo permitam a preservação das
atitudes da ideologia religiosa africana?
O negro aceitou de um modo geral as proposições
moralizadoras do espiritismo visando sua ascensão so
cial na formação brasileira. Todavia, estas proposições
acarretam a total dominação do branco na direção do
novo culto.
A. Fontenelle reconhece que a causa das transfor
mações das religiões africanas deve ser procurada na
vontade do negro em modelar-se pelo branco:
“ Quimbanda dá continuação à firm e vontade de
manter as antigas tradições africanas, enquanto Um
banda, ao contrário, procura romper com o caráter não
civilizado dessas práticas, o que se deve a influência do
homem branco, demasiado instruído para adm iti-las” 8a.
92
Para o branco pequeno-burguês o dilema se apre
senta então da seguinte maneira: ou imjpõe a auste
ridade e perde o público, tomando-se então a Umban
da mais um culto esotérico, ou adota e aceita algumas
características africanas e mantém-se na atividade dou
trin á ria .
Para o negro proletário a situação também se apre
senta de forma contraditória. Ou aceita o referendum
da classe dominante à “ sua” religião, e o preço é o es
quecimento de suas características de origem, ou man
tém-se na defesa dessas origens e torna-se um Quim-
bandeiro.
Se praticando a Umbanda espírita, o negro torna-
se “ bom” aos olhos dos brancos, praticando a Quim
banda africana torna-se um negro “ mau” . “ Ora, o que
é o negro mau senão a imagem do negro quilom bola...
enquanto o bom negro, personificado em Pai João (Pre
to-Velho), representa o escravo conformado, submisso
— ou, como se diz nos Estados Unidos, o negro que, em
vez de reivindicar, conhece o seu lugar como um ani
mal doméstico” 8*.
Esse é o dilema que o negro macumbeiro terá que
enfrentar brevemente. Este o dilema, que é um dilema
vivido em vários níveis sociais, e que aqui está situado ao
nível da luta de classe ideológica religiosa. Trata-se da
lu ta religiosa entre a Umbanda oficial e a Quimbanda
clandestina.
Essa luta religiosa possui um efeito político carac
terístico. Pode-se dizer que hoje a Umbanda é capaz
de eleger três ou quatro deputados na Guanabara. Es
ses deputados fazem parte de uma cúpula de dirigen
tes, que procura controlar a massa dos Umbandistas.
Todos eles têm lugar de destaque na formação social do
Rio de Janeiro. São eles radialistas, médicos, m ilita
res, etc., que propugnam por uma unificação do culto,
pela elaboração de uma bíblia umbandista, e até mesmo
por um papa, que pudesse promover o controle de to
dos os terreiros, fechando ou suspendendo todos aqueles
que cometessem irregularidades, isto é, que não agissem
93
de acordo com a nova bíblia Umbanda-espiritista. Hoje
em dia as várias Federações e Confederações espíritas
lutam pela hegemonia do controle dos terreiros. As
Federações, Confederações hoje em dia substituem a po
lícia na fiscalização do funcionamento desses centros. E
também já conseguem exercer influência política na mas
sa Umbandista afirmando que “ A Umbanda unida é a
Umbanda forte” e que o modo de fortalecer a Umbanda é
seus adeptos votarem nos deputados indicados por elas.
Assim as aspirações religiosas são capitalizadas politica
mente pela cúpula pequeno-burguesa branca, que pro
cura institucionalizar politicamente sua dominação re
ligiosa.
É então através da reprodução das relações sociais,
isto, é, relações de dominação político-ideológica da bur
guesia branca, sobre o proletariado negro, que está ga
rantida em certo nível a reprodução das relações eco
nômicas de produção. Podemos dizer que a Umbanda
como Aparelho ideológico de Estado religioso visa, em
últim a instância, colaborar na reprodução das relações
de produção. Isto se dá na medida em que o exercício
de comunicação da dominação existente nos templos
Umbandistas é análogo ao das unidades econômicas
(fábricas, fazendas, serviços, etc.). As unidades econô
micas são Aparelhos ideológicos de Estado econômicos
que possuem o exercício da comunicação da dominação
através de sua dinâmica da organização autoritária ins
titucional, expresso na divisão social do trabalho, na
hierarquia da empresa, nos regulamentos e na legisla
ção trabalhista. Foi um chefe de terreiro de macumba
quem se referiu ao Templo Umbandista da Rua S. Cle
mente como “ uma empresa” . . .
Enfim , podemos dizer que a encruzilhada em que
se situa o terreiro de macumba de morro é semelhante
à que encontrou o samba de morro, de favela. Ou se
constitui num núcleo de resistência às regulamentações
autoritárias que desfavorecem a reprodução das rela
ções de produção ou se constitui numa forma de exer
cício dessas relações de dominação autoritárias que fa-
94
vorecem a reprodução das relações de produção predo
minantemente capitalistas. 38. Nesta encruzilhada, on
de ainda o reino é de Exu, é perm itido ao negro sonhar
com a Africa, isto é, lugar onde os negros são livres, se
autodeterminam. Assim, enquanto no Templo Umban
dista do asfalto, os Exus são “ batizados” ou estão no
caminho da evolução kardecista, os preto-velhos estão
na senzala carregando sua cruz, no terreiro de macumba
onde os Exus ainda predominam, os negros podem so
nhar 36 com sua liberdade, os preto-velhos têm lugar
no altar e vovó M aria Conga ainda é a rainha.
95
Notas
96
independência do Brasil, e as representações literárias de José de Alen
car e Gonçalves Dias. São inúmeros os caboclos de nomes Ubira-
jara, Peri, etc, Como caboclos da independência, de grande impor
tância na umbanda, figuram Araribóia em N iterói e o caboclo Pena
Branca em Salvador. Podemos acreditar que tanto para o negro bra
sileiro quando para o branco brasileiro, o índio representou em de
terminado momento, um desejo, o da independência da autonomia de
um povo. Este é o caráter manifesto dos caboclos. Adiante veremos
sua significação latente.
5 M anuel M ota e M a ria A m élia Luz nos alertaram que antes das
restrições ao trá fico de escravos e da abolição da escravatura, era
impossível ao escravo te r acesso aos aparelhos ideológicos de Es
tado. A fa m ília e a religião existiam para os brancos colonizadores.
A força de trabalho escrava era extorquida somente através dos apa
relhos repressivos de Estado, representados pelos feitores, que acom
panhavam grupos de escravos no trabalho, armados e com chicote,
e pelo Capitão-do-m ato que perseguia os escravos que fugiam . Os
castigos hum ilhantes e a to rtu ra m antinham a reprodução das relações
de produção. Não existia a fa m ília para os escravos que viviam
amontoados nas senzalas, e o índice de reprodução era m uito baixo.
A reprodução m aterial da força de trabalho escrava era garantida
pelo trá fic o . Era mais em conta com prar um novo escravo vindo da
Á frica , do que cria r escravos no B rasil.
97
14 Certa feita o babalorixá de um Templo Umbandista na rua S.
Clemente, nos disse em seu escritório que seu caboclo de frente Tu-
pinambá tinha estado no Palmares. Ao lado do quadro pintado de
Tupinambá, estava uma gravura de Debret — “ O capitão-do-mato” . ..
16 Luciano G allet ob. cit. pág. 58 apud A . Ramos — idem pág. 77.
98
Nos Palmares, os negros viviam nos mucambos, sonhavam com
a Á frica e cultuavam o espírito dos seus antepassados africanos. Hoje
em dia nas macumbas do morro, as giras dos preto-velhos recordam
a Á frica e cultuam seus antepassados, antigos escravos, velhos a fri
canos.
Todavia, a macumba representa o lugar desses preto-velhos na
formação colonial escravagista brasileira, e recorda as atitudes que
devem adotar na vida e no terreiro, isto é, obediência a Oxalá. A
macumba representa então todas as relações dos escravos com as de
mais classes e frações de classe da formação autoritária colonial es
cravagista. Representa ainda o exercício dessas relações, a luta de
classes, no seu imaginário, a luta entre a le i da Umbanda e a revolta
Quimbanda.
Podemos dizer que a macumba recorda de maneira censurada a
situação da Angola janga e sua epopéia. Enfim , um desejo e uma
derrota que devem para sempre estar “ esquecidos’*, e apenas lem
brados alusivamente, sem que possam despertar a dor, e possam su-
blimadamente realizar esse desejo na gira da Quimbanda. Ê assim
que a palavra m -a-c-u-m-b-a ocupa o lugar da palavra m -u -c -a -m -b -o ,
as casas onde moravam os quilombolas.
A palavra macumba desloca para algo indefinido ou sem relação
com o ritu a l (instrumento macumba), o perigo de uma possível as
sociação com algo que pudesse “ provocar emoções fortes, por vezes
dolorosas” . Este é o caráter de defesa deste deslocamento, que re
calca um retorno ao que está latente no imaginário Umbandista, a
“ distante" e esquecida Angola janga, a epopéia de Palmares.
22 Edison Carneiro, ob. cit. pág. 33, esclarece que "Domingos Jorge
Velho contava que os escravos “ tinham já tomado tanto o barlavento
a seus senhores” que lhes ficara o hábito de dizer que poderia haver
novamente Angola janga — A pequena Angola que era o quilom
bo” . . . “ Os mocambos dos Palmares eram um constante estímulo para
os escravos das redondezas” . . .
99
26 Cândido Procópio Ferreira de Camargo — Kardecism o e Um
banda — Pioneira Editora — 1961 — S. Paulo — pág. 49.
29 Idem.
100
vemamentais. Apesar de tudo, o carnaval, festa de emoção e li
berdade em quatro dias, ainda é a festa máxima dos Exus. Nesta
época os terreiros estão fechados, os preto-velhos estão livres, os
orixás não descem à terra, e Oxalá, Jesus Cristo, o senhor branco,
é que até à quaresma estará carregando a sua cruz.
Origem
Pai morto
Esquecimento
Romance familiar
Romance histórico-social
101
e esta relação é que vai caracterizar a representação so
cial, o sistema de idéia. Este sistema de idéias possui
uma linguaguem, uma representação im aginária, que
se caracteriza por ocultar ou inverter as situações reais.
Assim, a representação social Ideológica esconde o que
é inacessível aos agentes que participam de determina
do processo social produtivo, isto é, as relações sociais
de produção.
Toda representação social visa, por outro lado, ga
ra n tir um comportamento social através de um sistema
de atitudes. Este sistema de atitudes, em determinadas
formações sociais, se baseia na necessidade da obediên
cia à autoridade. Nas formações sociais hierárquicas, a
autorlade é condição básica do comportamento social
e a obediência é a condição de existência desta autorida
de. Algumas teses, principalmente de W ilhelm Reich,
tentam localizar a possibilidade da existência de uma
hierarquia de autoridade social, através da repressão
sexual. Assim, a repressão sexual proporcionaria a exis
tência de uma estrutura psíquica nas massas, favore
cendo, na linguaguem de W. Reich, um comportamento
de vassalo e a integração com as regras de conduta ne*
cessárias ao funcionamento hierárquico autoritário da
formação social e das Instituições autoritárias. Algumas
instituições sociais historicamente determinadas preci
sam, na sua própria estrutura, do funcionamento hie
rárquico autoritário. Este funcionamento, segundo as
indicações de Reich, teria relação com a abstinência se
xual, já que a repressão sexual fa cilita ria a obediência
à autoridade patriarcal ou paternal.
Dentre os Aparelhos “ ideológicos” de Estado (AIE)
que em nossa formação social procuram im prim ir de
terminado comportamento social deve-se ressaltar o
AIE fam iliar, o AIE escolar, o AIE religioso, o AIE cul
tural, o AIE jurídico, etc.
A instituição social fam iliar, ou aparelho “ ideológi
co” de Estado fam iliar constitui-se como instrumento de
educação pelo qual tem que passar, quase sem exceção,
52
todo membro de determinada sociedade, a p a rtir do p ri
meiro sopro de vida.
Não se tra ta somente de ser esta instituição um su
porte m aterial de representações sociais conservadoras,
individualistas e egoístas em nossa formação social, mas
também um lugar onde se pratica as condutas de autori
dade e obediência em função de uma proibição — a abs
tinência sexual. Na “ Introdução à Psicanálise” p. 174
(Payot), Freud assim se refere aos sentimentos de hos
tilidade em relação à figura do pai, " . . . se nós procura
mos a raiz de ta l hostilidade em relação a figura do pai
retornando até a infância, nós nos lembraremos que ela
reside no medo que nos inspira o pai, o qual começa des
de m uito cedo a refrear a atividade sexual do menino e
continua a lhe im por obstáculos, por razões sociais, até
mesmo após a puberdade” .
Na “ Revolução Sexual” p. I l l (Zahar), W. Reich
assim se refere — “ . . . à inibição sexual que resulta das
relações com os pais, se adicionam sentimentos de culpa
e ódio desmedidos que se armazenaram nas crianças na
situação fam iliar durante anos... Se o ódio permanecer
consciente, poderá se transform ar em força impulsora
revolucionária individual poderosa, tornar-se-á motor da
libertação do laço fam iliar e poderá transferir-se com fa
cilidade para metas racionais da luta contra aquelas si
tuações que originaram ta l ódio” . . . genericamente, à
“ sociedade autoritária” . “ ...Se o ódio, entretanto é re
prim ido, dele se desenvolvem impulsos opostos à fid e li
dade conjugal e à obediência in fa n til, que certamente
tornam-se pesos de chumbo quando por motivos racio
nais se opta por movimentos sociais libertários. Encon
tra-se então aquele tipo que pode até ser favorável à
completa liberdade, mas deixa m inistrar aos seus filhos
ensino de religião e ele próprio não renuncia a Igreja,
apesar de ser contrário às suas convicções, justamente
porque “ não pode fazer uma coisa dessas com seus velhos
pais” .
Observam-se então, laivos de hesitação e tergiversa
ção, indecisão, dependência em relação à fam ília, etc.
53
A estrutura de vassalo, se caracteriza então como
resultado do exercício de uma proibição iniciada na in
fância e que se repete por toda uma vida. O exercício
da proibição, que tem por base a repressão sexual, é o
solo da estrutura psíquica de vassalo que é “ uma com
binação de impotência sexual, indefensabilidade, neces
sidade de apoio, ânsias de liderança, temor da autori
dade, medo da vida e misticismo” . “ É caracterizada pe
la rebeldia e vassalagem ao mesmo tempo” . Podemos
dizer então que o exercício da proibição institucional
autoritária faz com que o indivíduo se sinta sempre com
medo da “ vida” (prática social) e da autoridade, e des
te modo se estabelece eternamente (repetidamente) o
poder de domínio do “ hierarquicamente superior” .
Como Aparelho “ Ideológico” de Estado religioso,
que estudaremos neste ensaio, a Umbanda procura re
produzir as relações sociais de uma formação social au
to ritá ria . No plano da representação social, se por um
lado o Exu e a Quimbanda representam como veremos
adiante uma reação libertária, esta reação não vai além
da lança e das patas do cavalo de Ogum, cavaleiro má
ximo da Umbanda que defende a autoridade absoluta de
Oxalá. Oxalá que é o Pai de todos os filhos de fé, e cuja
cantiga triste assevera e assegura a obediência a autori
dade e o medo da “ vida” :
54
Por instituição social, entendemos então, os apare
lhos ideológicos de Estado que visam assegurar as rela
ções de produção (formas de extorsão do sobretraba-
lho) numa determinada formação social. Ao lado dos
aparelhos de Estado (Tribunais, prisões, força pública,
etc.) que têm uma eficácia mais repressiva do que ideo
lógica, existem os aparelhos ideológicos do Estado (fa
m ilia r, escolar, religioso, etc.) que têm uma eficácia
mais ideológica (persuasiva) que repressiva devido a sua
combinação com uma representação social.
Cada aparelho ideológico de Estado, ao mesmo tem
po que possui sua função social, procura se reproduzir
e se estrutura, portanto, com um corpo de regras que
visa atender a essas duas perspectivas. É esse corpo de
regras e seu exercício que efetivamente caracteriza a ba
se m aterial do comportamento social e se combina com
determinada representação social que tem por efeito a
formação de uma “ estrutura psíquica de vassalo” nos
agentes sociais.
1 — Proposição metodológica
55
m aterial de análise, além de dar margem a inümerós en
ganos, por ser unicamente um levantamento empírico,
será sempre incapaz de ter um efeito de conhecimento,
oferecendo no máximo dados de reconhecimento,
Além da literatura umbandista, os estudos sobre a
Umbanda estão hoje relegados a alguns estudiosos ca
tólicos, que procuram entender a religião umbandista,
sua popularidade e a alguns estudos de etnólogos brasi
leiros, que se preocuparam em dar uma abordagem da
origem (evolucionista), uma abordagem “ sociologizan-
te” ou mesmo uma análise na qual o uso da psicanáli
se fica restrito aos mitos, principalmente relacionados
aos mitos do candoblé e não da Umbanda3.
Pode-se dizer que as religiões dos negros no Brasil
pertencem a nações diferentes. Na Bahia há concentra
ção do candomblé e as nações ali representadas são as
nagô, gêge e angola. Numa versão brasileira do candom
blé há o candomblé de caboclos, que por sinal é o de
maior número de participantes. Seus adeptos já estão
fora da tradição cultural africana. Os candomblés tra
dicionais, por outro lado, se constituem em verdadeiros
guetos negros que buscam uma reconstituição do seu
ritu a l e dos seus mitos com idas e vindas de seus adep
tos à Nigéria. De maneira geral, pode-se dizer que os
candomblés da Bahia são de origem sudanesa. Já a “ ma
cumba” ou Umbanda que existe em maior concentra
ção no Rio e São Paulo é de origem bantu e está rela
cionada com o culto dos antepassados. Este é o levan
tamento de m aterial etnográfico necessário para estudo
etnológico. Assim sendo, ele é necessário como maté
ria-prim a para o estudo da cultura negra no Brasil, pa
ra o estudo de uma região da ideologia da formação so
cial brasileira, e o que se tem a lam entar é o pouco in
teresse social que hoje possuem estes estudos, que estão
silenciados de um modo geral.
Vamos procurar, com o m aterial que expusemos aci
ma, fazer a análise da religião umbandista, sem proce
der a levantamento ou reconstituição histórica no sen
tido evolucionista.
56
Como instituição social, a Umbanda procura, por
um lado, reproduzir numa representação simbólica a
hierarquia social, e por outro lado, em seu ritu a l, repro
duzir o exercício de obediência à autoridade, ambos as
pectos necessários ao funcionam ento da formação so
cial. Isso fica indicado quando pensamos que esta repre
sentação do culto umbandista procede da formação so
cial escravagista no Brasil. Na verdade a Umbanda,
como religião, é um retrato da formação social brasilei
ra num plano im aginário, com suas leis próprias de
ocultação e inversão das classes sociais que se estabele
ceram no Brasil, numa formação quase sempre con-
fituosa.
57
legislador, representa a lei e a justiça de Oxalá a ser
defendida e m antida por todos os orixás e seus represen
tantes. Xangô é representado por São Pedro e por São
Jerônimo. De grande im portância é ainda Oxóssi, São
Sebastião, que é o chefe da falange dos caboclos. É ca
racterizado como o capitão da m ata onde defende a lei
de Oxalá. Existem ainda outros santos católicos, como
São Miguel Arcanjo, Anjo Gabriel, Anjo Rafael, Santo
Antônio e São Benedito, etc., que ocupam, numa escala
ascendente, um lugar no a lta r umbandista.
Na parte mais baixa, ou em outro altar, estão as
entidades hierarquicamente inferiores: os Caboclos e
Preto-Velhos. Os Caboclos se caracterizam por uma re
presentação dos índios e possuem um poder espiritual
de cura relacionado com sua sabedoria selvagem, pela
combinação das ervas medicinais e pela capacidade de
combater os flagelos da vida. Os Caboclos são sempre
representados de m aneira v iril. Existem vários Cabo
clos que possuem força extra (pois são “ cruzados” ) e
que trabalham também na linha de Exu, na linha da
Quimbanda, que analisaremos depois. Os Caboclos, na
sua imagem v iril, representam o desejo da força de uma
formação social que subsistiu apesar dos diversos cho
ques que até hoje ocorrem com a chamada “ civilização
branca” . Os índios conseguiram m anter a independên
cia de sua formação social em funcionamento, apesar
das constantes tentativas de assimilação e conquista da
formação social “ branca” 4.
Os Preto-Velhos representam um velho escravo que
adquiriu uma sabedoria que garante a possibilidade de
tra n sita r entre a casa grande e a senzala. Os Preto-Ve
lhos, em geral, nos seus pontos (cantigas), pedem li
cença aos orixás para entrarem no terreiro, para traba
lharem dedicando suas mandingas ou seus segredos pa
ra melhorarem os sofrimentos. Geralmente consolam ou
fazem caridade, sob a orientação dos orixás. Estão sem
pre vigilantes na defesa do bem e aconselhando a pra
ticá-lo. Com isso são recompensados com a boa vontade
dos orixás. Existem, no entanto, Preto-Velhos quim-
5S
bandeiras e sua imagem em geral é de peito nu, e não
estão acocorados numa posição alquebrada como os Pre
to-Velhos da linha da Umbanda. Estes usam roupas e se
apresentam numa posição de resignação. Os quimban-
deiros, que também são cruzados com Exu, são represen
tados da mesma maneira que o Caboclo e fazem tanto
o bem quanto o mal (em geral fazem mais o mal do
que o bem).
A Umbanda procura então a prática do bem, sob o
controle dos Orixás. No alto, Oxalá defendido por Ogum,
com sua lança dominando o dragão da maldade. A m al
dade é a Quimbanda, o reino dos Exus, que não se en
contram presentes no altar. Seu lugar é fora do terrei
ro, seu lugar de domínio e poder é outro. Sua casa fica
fora do terreiro, seu poder aparentemente escapa ao
reino de Oxalá. A Quimbanda se caracteriza por ser o
reino dos Exus, que dentro da tradição do candomblé,
se caracterizam como emissários entre os orixás e os
homens, como uma espécie de moleque de recados. Uma
vez recebido seu despacho no início da semana e se con
tentando com ele, o Exu vai embora e não aparece mais
durante as sessões a não ser para ajudar, no caso de es
ta r m uito satisfeito com a oferenda recebida. Na Um
banda, o Exu possui um caráter de condensação m uito
maior com o demônio católico. Oxalá, condensado com o
Pai Eterno, se opõe radicalmente ao Exu condensado
com o demônio revoltado.
59
os orixás e Oxalá propõem a lei e a caridade, Exu pro
põe a diluição das regras, da ordem e a entrega total
aos desejos emocionais e à sexualidade (numa forma
simbólica). Os Exus e as Pombas Giras (m ulher de sete
Exus) são consultados para indicarem caminhos de rea
lização sexual nas relações de casamento, de namoro
ou de amizade pelas pessoas que freqüentam o rito um-
bandista.
Numa mesma ideologia dominante, como é o caso
da Umbanda, existem elementos contraditórios, como
o caráter de Exu. O Exu vai sofrer então uma terrível
campanha por parte dos umbandistas que defendem
uma Umbanda branca, integrada e sujeita às leis das
confederações e aos bons costumes previstos nas consti
tuições políticas, e portanto, como toda instituição so
cial visando proporcionar a reconstituição permanente
do processo produtivo e colaborar na sua manutenção.
Assim, Exu sofre a pressão da ideologia dominante e, em
certos rituais, umbandistas tentam dominá-lo. É uma
tentativa de que ele seja controlado pelo guia de fren
te dos médiuns. O orixá dá licença para que Exu traba
lhe e para que ele ponha sua força em benefício do bem,
da caridade, enfim do orixá. Ele passa de um transgres
sor a colaborador da ordem com a sua energia.
Os Exus chamados “ batizados” procuram dentro do
código umbandista, desfazer o trabalho dos Exus pa
gãos, que baixam nos terreiros quimbandeiros e provo
cam o mal. Praticar o mal significa imediatamente, na
linguagem simbólica dos Exus, o fim da abstinência se
xual e a luta contra esta repressão sexual. Através das
indicações de Reich, segundo as quais a obediência à
autoridade está sustentada no exercício da abstinência
sexual, o Exu se torna, com efeito, um elemento subver
sivo. Toda a literatura umbandista ligada às confedera
ções, que procuram vigiar e estabelecer a ordem do cul
to, tenta esvaziar as características de Exu. Isto pode
ser feito de várias maneiras, como a inclusão do Exu
“ batizado” que procura trabalhar para benefício dos
orixás.
fíO
Transcreveremos aqui um trecho da revista “ A Ca
minho da Luz” , n<? 1, que se refere aos Exus, e caracte
riza a concepção que eles têm na Umbanda branca:
— “ Apesar de todo carinho, apesar de toda a admi
ração que tenho pelos Exus e Pombas Giras, não posso
considerar Exu um Orixá. Orixá, é vibração, é uma En
tidade das Altas Camadas Espirituais, que nunca teve
forma, corpo humano.
Exu. teve corpo, encarnou e busca a sua elevação
espiritual.
Aproveitando o ensejo da pergunta, quero aqui ex
plicar o porque da minha admiração pelos Exus.
Já é tempo de acabarmos com esta história, de que
Exu é o mal, e a perturbação: nada disso! São, na ver
dade, espíritos de pouca luz, mas que através do traba
lho que vêm realizando, vêm alcançando progresso. Sou
favorável ao Exu “ batizado” , ao Exu controlado nelo
Guia Chefe. Não aceito o Exu “ pagão” , o que representa,
este sim, a maldade. Mas, quando falo em Exu e Pomba
Gira, me refiro naturalmente àquela Entidade que, em
bora não tenha aquele modo agradável de falar, traba
lha para o bem, desmanchando trabalhos, amarrações,
etc., feitas pelo kiumbas ou exus pagãos. O Exu que en
tendo, é aquele que incorpora no cavalo, com a devida
permissão do Guia Chefe deste cavalo, vindo portanto
em paz, sem manifestações ruidosas, sem palavrões ou
gestos obscenos. Friso mais uma vez que, sou virtu a l-
mente contra quaisquer manifestações que signifiquem
“ bagunça” . Admiro também as Pombas Giras, que tam
bém as vejo do mesmo modo acima enunciado; quantas
Pombas Giras, coitadas, levam a fama sem proveito.
Quantas moças, namoram à vontade, fazem o que que
rem e depois alegam: “ quando a Pomba Gira encosta,
fico assim. . . ” Nada disso, elas nada influenciam de
mal no comportamento dos médiuns; é apenas uma des
culpa, de m uita gente, para tentar justifica r um pro
cedimento irregular.
É preciso ficar bem claro, que o Exu é a defesa do
médium: pobre do médium que não tiver a sua defesa.
61
Suponhamos o seguinte exemplo: existe uma briga, de
maus elementos: você não vai chamar um cidadão po
lido, fino, de alta cultura, para separar ta l briga; natu
ralmente, você irá procurar uma pessoa, mais ou me
nos com as mesmas características dos litigantes, po
rém que esteja do seu lado, para ir lá tentar a paz. Na
turalmente ele usará da mesma linguagem, dos mes
mos artifícios, etc.
De uma certa forma, assim também é na espiritua
lidade. Em uma demanda pesada, em que funcione a
magia negra, etc., uma Entidade de elevada faixa espiri
tual. não descerá para inte rfe rir; ela mandará, logica
mente com o seu apoio, uma Entidade mais terra-a-ter
ra, no caso o Exu ou a Pomba Gira, para resolver o pro
blema.
Outro prisma que é preciso ser observado é o se
guinte: certos e numerosos médiuns, felizmente não tão
comuns da Umbanda, mais abundantes em outro setor,
são vaidosos e só querem receber Entidades de Grande
Luz. O seu Guia é sempre o melhor, e não admitem em
hipótese alguma que se fale em Exu, quanto mais, per
m itir a sua incorporação. Pobres coitados; esquecem que
é através da incorporação e conseqüentemente a prática
do bem, que esses Espíritos alcançam a elevação espi
ritu a l. Se nenhum médium trabalhasse com Exu ou
Pomba Gira, como essas Entidades alcançariam progres
so? O saudoso ZÉ ARIGÓ, que através do Dr. Fritz, pra
ticava as maiores operações, também entregava seu cor.-
po a uma Entidade de relativa espiritualidade: o anão
Papudo. Assim, amigos, pensamos ter esclarecido e de
finido o nosso pensamento sobre o assunto” .
Nas chamadas Umbandas brancas, nas que traba
lham em casas de tijolo , freqüentadas pela pequena bur
guesia, o Exu aparece somente uma vez por mês no ter
reiro. Os outros dias são dedicados aos Caboclos, Preto-
Velhos, Crianças, Oriente, o que mostra uma influência
maior do espiritismo do que da tradição da macumba.
Na Umbanda de morro ou “ macumba” , o Exu se
constitui na principal gira e é homenageado quase sem-
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pre aos sábados de madrugada. É hábito que o Exu, co
mo símbolo da sexualidade liberta, esteja colocado nu
ma forma teatral, simbólica e im aginária na Quimban
da. Portanto, suas relações sexuais são apenas colocadas
simbolicamente, como uma alusão a um desejo de uma
camada social que teve suas relações fam iliares destruí
das por uma necessidade do funcionamento da relação
de casamento autoritário patriarcal européia, que exigiu
a abstinência sexual e a fidelidade conjugal como con
dições essenciais da constituição fam iliar e exigindo
através da repressão moral-religiosa e legal um compor
tamento sexual determinado.8
Como não só os negros no Brasil sofrem pressões
sociais e imediatamente o efeito da abstinência sexual, a
pequena burguesia branca aceita de certa forma os ape
los da sexualidade proposta por Exu, numa forma m ui
to mais censurada. Por isso, o Exu na Umbanda branca,
de “ classe média” , é sempre perm itido com a presença
e a censura dos orixás. O altar se fecha pela metade ou
não se fecha — o Exu trabalha sob o controle dos o ri
xás. A religião umbandista, como uma instituição social
que procura garantir o funcionamento da formação so
cial, procura neutralizar a Quimbanda.
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hierarquizados católicos que representam a lei do Cristo,
isto é, da Igreja (ordem branca colonial).
Assim Ogum, orixá do ferro e da guerra, está con
densado com S. Jorge, santo m ilita r católico defensor da
lei de Cristo. Assim Xangô, orixá do raio e da pedrei
ra, está condensado com S. Pedro ou S. Jerônimo, le
gisladores e institucionalizadores da lei do Cristo. Assim
Oxóssi, deus das matas e da caça está condensado com
S. Sebastião santo m ilita r defensor da lei do Cristo.
Podemos dizer que cada orixá, coloca sua força na
tu ra l a serviço da lei do Cristo, isto é, da ordem colonial-
escravagista. Essa é a característica da condensação,
uma combinação determinada: um grupo de entidades
que defendem a lei de Oxalá, Cristo, cada um com sua
força natural e com suas qualidades.
Nesta mesma situação se encontram as orixás das
águas. Oxum, orixá do rio. Oxum, se condensa com N.
S. da Conceição; Iansã, orixá dos ventos e das tempes
tades, se condensa com Santa Bárbara; Iemanjá, orixá
do mar, condensada com N. S. da Glória. A água, símbo
lo de um retorno ao útero, ao sono, ao acalanto, se apre
senta com as imagens da mãe do Cristo. Na Umbanda,
Nanã Buruguê e Oxum são as nossas mães misericor
diosas.8
Um dos pontos cantados de abertura na Umbanda
afirm a:
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córdia e tentação, para com os “ filhos de santo” , ou
médiuns, filiados ao terreiro que exercem as atitudes
de obediência, elaldade e submissão para com os Pais
hierarquicamente superiores.
Convém ainda ressaltar a presença dos santos ca
tólicos que auxiliam a defesa da lei e do reino de Oxalá,
tais como os anjos de Guarda, São Gabriel, São Rafael,
São Miguel, e mais próximo da formação colonial escra-
vagista brasileira, Sto. Antônio e São Benedito. Se Ogum,
o santo guerreiro, é o defensor máximo da lei da Um
banda, Oxóssi, São Sebastião, Sto Antônio e São Bene
dito são seus imediatos. São Sebastião, Oxóssi, na Um
banda, é o capitão da mata, chefe da falange dos ca
boclos que trabalham na e pela lei de Oxalá. São Bene
dito é em muitos terreiros tido como chefe da falange
dos preto-velhos, é um negro, porém santo, isto é, a ser
viço da lei dos orixás brancos, um preto porém de “ alma
branca” , como Pai Tomás.7 Finalmente Sto. Antônio é
tido como o “ patrão” dos Exus.8 Uma letra de um pon
to diz que “ Sto. Antônio é o m aior” . .. isto é, ele é o
preposto de Ogum, na lida e na lu ta imediata contra os
Exus. Nos terreiros de Umbanda é quem “ segura” a por
teira, é a prim eira sentinela da defesa de Oxalá.
Uma gira de Quimbanda só se faz num terreiro de
macumba, com o altar fechado, a altas horas da noite
e com a vigilância de Sto. Antônio e a autorização de
pai Ogum. O ponto cantado de abertura da Quimbanda
afirm a:
O sino da capela faz belém, blém, blom (bis)
Deu meia-noite o galo já cantou
“ Seu Sete Encruza” (pode ser qualquer nome de
Exu) que é o dono da gira
Dono da gira que Ogum mandou.
Pai Ogum é o representante máximo de Oxalá e os
pontos de abertura de uma gira menciona:
“ Dá licença pai Ogum
Hoje viemos lhe saldar”
No Rio, São Jorge, Ogum, é o santo padroeiro da Po
lícia M ilita r...
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“ Saravá E x ú !