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Prática Processual nas Ações de Família

AULA 2
GUARDA E REGIME DE CONVIVÊNCIA

1. INTRODUÇÃO

A dissolução do casamento ou da união estável gera inevitáveis reflexos para


os filhos do casal. Isso porque a separação de corpos (a saída de um dos
cônjuges/companheiros do lar) produz, também, um certo distanciamento entre o(a)
genitor(a) e os filhos. A própria mudança de rotina na vida da criança ou do adolescente
– que não mais verá o pai ou a mãe, por exemplo, de manhã, sentado à mesa para tomar
café – já é um reflexo. Ademais, a falta de maturidade de muitos pais, a falta de empatia
e o egoísmo são fatores que, na dissolução da união, atingem maleficamente os filhos
concebidos da união.
Com efeito, o instituto da guarda tem o condão de proteger a criança e o
adolescente e garantir a aplicação do princípio constitucional da proteção integral (art.
227 da CF).

2. REGIMES DE GUARA

O ordenamento jurídico prevê dois grandes regimes de guarda:

a) Guarda de filhos: proteção dos filhos em razão da dissolução do


casamento/união estável (arts. 1.583 a 1.590);
b) Guarda como colocação em família substituta: regulamentação da situação
da criança que ficará sob a proteção de terceira pessoa (art. 28 do ECA).

Quanto ao tema, é preciso fazer três observações: 1ª) a guarda não extingue o
poder familiar dos pais; 2ª) na fixação da guarda, pouco importa quem deu causa à
dissolução da união. O genitor(a) pode ser um(a) péssimo(a), mas um(a) excelente

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pai/mãe; 3ª) a guarda se relaciona aos filhos incapazes. Não há guarda de filho maior e
capaz.
Em termos de competência, seja qual for o regime de guarda, a ação tramitará,
como regra, na vara de família. Apenas na hipótese de a criança ou o adolescente estar
inserido em uma situação de risco (art. 98 do ECA) é que a competência deverá ser da
vara da infância e juventude (ex.: ação de guarda ajuizada por estabelecimento onde a
criança está sendo cuidada).

3. GUARDA DE FILHOS NO CÓDIGO CIVIL

Durante muito tempo, a ruptura da união gerou um único e ruim efeito em


relação aos filhos: um dos pais passava a deter a guarda, enquanto o outro passava a ter
a obrigação de pagar alimentos. A guarda unilateral foi, durante muito tempo, uma
regra. Com o advento da Lei nº 11.698/08, o Código Civil passou a prever duas
modalidades de guarda: a unilateral e a compartilhada.

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

3.1. Guarda unilateral e guarda compartilhada

a) Guarda unilateral

A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os


interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre
será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou
subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física
e psicológica e a educação de seus filhos (art. 1.583, § 5º, do CC).

b) Guarda compartilhada

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Compreende-se por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o


exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,
concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (art. 1.583, § 1º, do CC).
Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido
de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas
e os interesses dos filhos (art. 1.583, § 2º, do CC). Ademais, na guarda compartilhada, a
cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos
interesses dos filhos (art. 1.583, § 3º, do CC).
A guarda compartilhada passou a ser a regra, conforme se infere do § 2º do art.
1.584 do CC

§ 2 o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à


guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a
exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada,
salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja
a guarda do menor.

Se os pais já exerciam a guarda conjunta antes da separação, não faz sentido


modificá-la pelo simples fato de ter havido o rompimento da união. Isso porque a
dissolução da união entre o casal não gera dissolução da união ou de qualquer dever
dos pais em relação aos seus filhos. Logo, a guarda compartilhada deve ser a primeira
opção.
No tocante ao tempo de convívio e sua respectiva divisão equilibrada, é preciso
ter em mente que tal divisão não precisa ser, necessariamente, igualitária. Nesse
sentido, há três importantes enunciados da VII Jornada de Direito Civil

Enunciado 603. A distribuição do tempo de convivência na


guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor
interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada,
a que alude o § 2.º do art. 1.583 do Código Civil, representar
convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo
matematicamente igualitário entre os pais.
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Enunciado 604. A divisão, de forma equilibrada, do tempo de


convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta para a guarda
compartilhada pelo § 2.º do art. 1.583 do Código Civil, não deve
ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto
da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do
tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o
exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na
companhia do filho.

Enunciado 605. A guarda compartilhada não exclui a fixação do


regime de convivência.

Nota-se, assim, que, ainda que a criança ou o adolescente tenha um único lar
de referência e um tempo maior de convivência com um dos pais, a guarda poderá ser
compartilhada. Em outras palavras, o que define uma guarda como compartilhada não
é o tempo de convivência, mas a distribuição de todas as responsabilidades para com os
filhos.
A ideia central é manter o mesmo regime de guarda existente no
casamento/união estável.
Principais características da guarda compartilhada:

• Maior amplitude do exercício do poder familiar;


• Participação direta dos pais na criação e educação dos filhos;
• Igualdade de condições entre os pais na criação e educação;
• Ambos os pais têm os mesmos direitos e responsabilidades;
• Tem por objetivo reorganizar as relações entre os membros de uma
família atingida pela dissolução do vínculo entre os pais.

A guarda compartilhada será deferida ou por consenso entre os genitores ou,


caso não haja, por determinação do juiz, nos termos do art. 1.584, caput, do CC.

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

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I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer


deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de
dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas
do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao
convívio deste com o pai e com a mãe.

Nota-se, assim, que para a decretação da guarda compartilhada não é preciso


que haja transigência entre os pais, pois o que importa é o melhor interesse para o filho.
Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA.


GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. DESNECESSIDADE.
MELHOR INTERESSE DO MENOR. IMPLEMENTAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A implementação da
guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos
genitores. 2. As peculiariedades do caso concreto inviabilizam a
implementação da guarda compartilhada diante do princípio do
melhor interesse do menor. 3. A verificação da procedência dos
argumentos expendidos no recurso especial exigiria, por parte
desta Corte, o reexame de matéria fática, procedimento vedado
pela Súmula nº 7/STJ. 4. Recurso especial não provido. (REsp
1707499/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/
Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 06/05/2019)

Como o instituto da guarda visa garantir proteção integral e o melhor interesse


da criança e do adolescente, é possível que, no caso concreto, a guarda unilateral atenda
ao melhor interesse (art. 1.583, § 5º, do CC).

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha


a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal
supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima
para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas
ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou
indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação
de seus filhos.

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Vejamos o que diz o STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.


RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. FAMÍLIA.
PRETENSÃO DE ADOÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA DOS
FILHOS MENORES. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, COM BASE NOS
ELEMENTOS E PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS, CONCLUIU
QUE A GUARDA COMPARTILHADA NÃO ATENDE O MELHOR
INTERESSE DOS FILHOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA
DO RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. VEDAÇÃO.
SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
INVIABILIZADO EM RAZÃO DO ÓBICE SUMULAR. AGRAVO
INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante
os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo
Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos
com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a
partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de
admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Esta eg. Corte
Superior já decidiu que a guarda compartilhada dos filhos é o
ideal a ser buscado no exercício do poder familiar, na medida em
que a lei foi criada com o propósito de pai e mãe deixarem as
desavenças de lado, em nome de um bem maior, qual seja, o
bem-estar deles. 2.1. Contudo, a questão envolvendo a guarda
de menores não pode ser resolvida somente no campo legal,
devendo também ser examinada sob o viés constitucional,
consubstanciado na observância do princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF,
que também deve ser respeitado pelo magistrado, garantindo-
lhes a proteção integral, que não podem ser vistos como objeto,
mas sim como sujeitos de direito. 2.2. Em situações excepcionais
e, em observância ao referido princípio, a guarda compartilhada
não é recomendada, devendo ser indeferida ou postergada,
como nos casos em que as condutas conturbadas e o alto grau
de beligerância entre os seus genitores ao longo do processo de
guarda não observam o melhor interesse dos filhos. 3. No caso
dos autos, as instâncias ordinárias concluíram pela inviabilidade
da instituição da guarda compartilhada não apenas em virtude
da intransigência dos genitores das crianças, mas porque as
circunstâncias do caso e a dinâmica familiar indicaram que
aquele instituto não atenderia, pelo menos naquele momento,
o melhor interesse dos infantes. Alterar tal entendimento
demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos,
providência vedada em recurso especial, a teor da Súmula nº 7
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do STJ. 4. Impossível a análise da divergência jurisprudencial


quando a comprovação do alegado dissenso reclama
consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento,
o que não é possível de se realizar nesta via especial, por força
da Súmula nº 7 desta Corte. Precedentes. 5. Agravo interno não
provido. (AgInt no REsp 1808964/SP, Rel. Ministro MOURA
RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2020, DJe
11/03/2020)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA.


GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. DESNECESSIDADE.
MELHOR INTERESSE DO MENOR. IMPLEMENTAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A implementação da
guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos
genitores. 2. As peculiariedades do caso concreto inviabilizam a
implementação da guarda compartilhada diante do princípio do
melhor interesse do menor. 3. A verificação da procedência dos
argumentos expendidos no recurso especial exigiria, por parte
desta Corte, o reexame de matéria fática, procedimento vedado
pela Súmula nº 7/STJ. 4. Recurso especial não provido. (REsp
1707499/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/
Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 06/05/2019)

É possível também que um dos pais não tenha interesse em exercer a guarda.
E isso não tem nada a ver com maior ou menor amor, mas sim com o projeto de vida de
cada um. É plenamente possível que um dos pais entenda que, no momento, o melhor
para o seu filho é o exercício da guarda unilateral pelo outro.
Nesse sentido é a parte final do § 2º do art. 1.584 do CC, in verbis:

§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à


guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a
exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada,
salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja
a guarda do menor. (grifei)

É importante ter em mente que a guarda compartilhada não pressupõe a


existência de dois lares, afinal de contas guarda compartilhada não é sinônimo de
“guarda alternada”. Na guarda compartilhada, será fixado o lar de referência (ex.: lar de
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referência materno) e estabelecido um regime de convivência mínimo, a fim de manter


todos os laços afetivos entre os pais e seus filhos, caso os próprios pais não
convencionem um regime livre de convivência.
Com efeito, conforme já decidiu o STJ, “a guarda, ainda que compartilhada, não
induz à existência de mais de um domicílio acaso os pais residam em localidades
diferentes [...]” (CC 40.719/PE, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 25/08/2004, DJ 06/06/2005, p. 176).

3.2. Outras modalidades de guarda

Embora o código civil preveja somente a guarda unilateral e a guarda


compartilhada, doutrina e jurisprudência admitem ainda mais duas modalidades de
guarda:

• Guarda alternada: há um revezamento por parte dos pais no tocante à


guarda. Em períodos específicos, cada um tem consigo a guarda do filho (ex.:
o filho passa uma semana com o pai e a outra semana com a mãe);
• Aninhamento (ou nidação): há um único lar de referência para o filho e os
pais que se revezam nesse lar onde o filho está aninhado.

3.3. Guarda e nova união

O fato de o pai ou a mãe constituir nova união não é fator impeditivo do


exercício da guarda (compartilhada ou unilateral) ou mesmo da fixação de regime de
convivência, salvo se essa nova união for prejudicial ao desenvolvimento do filho.
Nesse sentido, dispõe o enunciado 337 da Jornada de Direito Civil que “o fato
de o pai ou a mãe constituírem nova união não repercute no direito de terem os filhos
do leito anterior em sua companhia, salvo quando houver comprometimento da sadia
formação e do integral desenvolvimento da personalidade destes”.

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3.4. Guarda e alimentos

A existência de guarda compartilhada pode até ser um fator determinante do


valor dos alimentos, mas não exclui o dever dos pais. Na guarda compartilhada, o filho
terá um lar de referência, o que, naturalmente, demandará participação do outro nas
despesas de criação e educação do filho.
A guarda compartilhada (conjunta) refere-se ao exercício, em igualdade de
condições, do direito de participar nas decisões mais importantes relacionadas ao filho.
Ainda que o filho tenha um amplo trânsito em dois lares, não significa dizer que ele terá
dois domicílios. Assim, o filho terá uma referência espacial principal (domicílio/lar de
referência), mas exercerá o seu direito de convivência em dois ou mais lares.

3.5. Guarda e direito de visita de outros parentes

Nos termos do parágrafo único do art. 1.589 do CC, “o direito de visita estende-
se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do
adolescente”. Além dessa previsão legal, é possível estender o direito de visita a outras
pessoas que guardem uma afinidade com o infante. É o caso, por exemplo, do padrasto
que sempre cuidou da criança. Nesse caso, é possível que as visitas sejam reguladas,
ainda que não haja previsão legal, pois o que vale, ao fim e ao cabo, é o melhor interesse
da criança e do adolescente.

4. PROCESSO JUDICIAL

A ação de guarda seguirá o procedimento especial das ações de família (art.


693 e seguintes do CPC), tema estudado nas aulas 2 e 4.
Na ação em que se busca fixar a guarda e o regime de convivência,
advogados/defensores, juízes e promotores exercem um importante papel na

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orientação das partes em relação ao instituto da guarda. Aliás, o § 1 º do art. 1.584 do


CC, “na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda
compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos
genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas”.
Na ação de guarda, não cabe a qualquer um dos pais se insurgir em relação à
guarda compartilhada, sem que haja algum motivo justificável. A existência de dívida de
alimentos não pode ser motivo para justificar a fixação da guarda unilateral. Daí a
importância de os demais atores processuais (advogados, juiz, promotor etc.) explicar
às partes que na guarda compartilhada o filho terá um lar de referência e será possível
estabelecer um regime de convivência, a fim de se evitar conflitos futuros.
Ademais, é importante que as partes entendam que o tempo maior de
convivência da criança com um dos pais não descaracteriza a guarda compartilhada, pois
o que se compartilha é muito mais as responsabilidades. As responsabilidades são iguais,
embora o regime (tempo) de convivência possa ser diferente.

4.1. Requerimento/decretação

A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: a) requerida, por consenso,


pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de
divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; b) decretada pelo juiz,
em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo
necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe (art. 1.584 do CC).

4.1.1. Petição inicial daquele que já exerce a guarda de fato do filho

Se a parte autora já está na guarda de fato dos filhos e pretende obter a guarda
unilateral, deve requerer, a título de tutela provisória, a guarda provisória.
Vale lembrar que o filho não é parte na ação de guarda. As partes são as pessoas
que disputam a guarda (ex.: ação de guarda ajuizada pela genitora contra o genitor).

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O fundamento será a manutenção da situação atual até o julgamento do


mérito. Para tanto, é importante focar nos seguintes pontos:

• A criança ou o adolescente já tem uma rotina estabelecida;


• A criança ou o adolescente já tem um convívio social na localidade onde
atualmente vive;
• A criança ou o adolescente está matriculado na escola (ou creche) próxima
à sua residência;
• A parte autora já vem ministrando todos os cuidados básicos para o pleno
desenvolvimento do filho;
• O deferimento da guarda provisória é imprescindível para a garantia da
situação fática e evitar insegurança jurídica e litígios futuros em relação à
parte contrária.

A atividade probatória deve se concentrar nessas questões, ou seja, na


demonstração de que a parte autora tem condições de continuar exercendo a guarda.
Outro ponto importante em relação à petição inicial é estabelecer, desde já, o
regime de convivência que se pretende e que atende ao melhor interesse do filho.
Sugere-se que insira um tópico próprio na petição inicial. Vejamos um exemplo:

4. Da guarda provisória
Conforme mencionado, a parte requerente já vem exercendo a guarda de fato do filho
desde a separação do casal, há 2 (dois) anos. A criança já possui uma rotina escolar e social, já
tem laços de amizade não apenas na escola como também no próprio bairro onde reside com a
requerente.
Assim, a fim de se garantir o pleno desenvolvimento da criança, à luz dos princípios do
melhor interesse e prioridade absoluta, assim como evitar insegurança jurídica e futuros litígios
entre as partes, mister se faz estabelecer, desde já, a guarda provisória e unilateral em favor da
requerente e o regime de convivência entre a criança e o requerido.

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Para tanto, sugere-se o seguinte arranjo: a) O genitor poderá ter a criança consigo em
finais de semana alternados, podendo apanhá-la na sexta-feira, às 18h, na escola, e devolvê-la
na segunda-feira, às 13h30min, também na escola; b) Nas festividades de final de ano e férias:
serão alternadas entre requerente e requerida. Nos anos pares, a requerente passará com a
criança a semana do Natal (do dia 20/12, às 9h ao dia 27/12, às 9h) e primeira metade das férias
escolares de julho e a genitora passará a semana do Ano Novo (a partir do dia 27/12, às 9h até
02/01) e a segunda metade das férias de julho, invertendo-se nos anos ímpares. Quem passar o
Ano Novo já passa a primeira metade das férias de janeiro do ano seguinte; c) Nos anos pares,
a criança passará o Carnaval com a requerente e Semana Santa com a requerida, invertendo-se
no ano seguinte, sempre respeitando os dias letivos; d) No dia dos pais, a criança passará com o
genitor. No dia das mães, a criança passará com a genitora; e) Demais feriados serão alternados
entre as partes.

Ao final, o pedido pode ser assim formulado:

Diante do exposto, requer:

a) A fixação da guarda provisória e unilateral em favor da requerente, assim como seja


estabelecido, desde já, o regime provisório de convivência nos termos constantes no item “4”
desta petição inicial;
b) A citação do requerido para comparecer à audiência de conciliação/mediação, nos
termos dos arts. 695 e seguintes do CPC;
c) A intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 178, II, do CPC;
d) Seja, ao final, julgado totalmente procedente o pedido, para que, confirmando-se a
tutela provisória, seja decretada a guarda unilateral definitiva da criança L.P.S em favor da
requerente, assim como seja fixado o regime de convivência entre a criança e o requerido nos
mesmos termos apresentados no item “4” desta petição inicial.
Pretende provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins meramente fiscais.
Termos em que,
Pede deferimento.
Comarca, data.

Advogado(a)
OAB

Vale lembrar que se os elementos constantes nos autos não forem suficientes
para que sejam estabelecidas as atribuições do pai e da mãe e os períodos de

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convivência, o juiz pode determinar a realização de atendimento multidisciplinar. Nesse


sentido, prevê o § 3º do art. 1.584 do CC que “para estabelecer as atribuições do pai e
da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-
profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do
tempo com o pai e com a mãe”.
Também não se pode perder de vista que nos termos do art. 1.585 do CC, “em
sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda
ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo
que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes
perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar
sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584”. Por isso é
importante demonstrar, em tópico específico da petição inicial, conforme o caso, a
necessidade de deferimento da guarda provisória inaudita altera parte.

4.1.2. Petição inicial daquele que não exerce a guarda de fato do filho

A modificação da guarda de fato já estabelecida não é tarefa fácil. Isso porque


depende da existência de motivos relevantes que imponham a adoção dessa medida
drástica (ex.: existência de violência contra a criança, exposição da criança a situações
violadoras dos seus direitos, alienação parental etc.).
Nesse sentido, o advogado deve, em primeiro lugar, fazer essa investigação,
para poder traçar a melhor estratégia processual. A ação de guarda não pode ser um
instrumento de vingança pessoal. É muito mais inteligente, por exemplo, ajuizar ação de
guarda para buscar a guarda compartilhada ao invés de insistir na guarda unilateral,
sobretudo quando quem a pede nunca a exerceu de fato.
Se a criança ou adolescente está exposta a situação de violência, a parte autora
deve provar tais fatos. Vejamos algumas provas importantes:

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Prática Processual nas Ações de Família

• Fotografias;
• Mensagens via whatsapp;
• Declaração escolar (ex.: péssimo desempenho escolar, ausências
injustificadas etc.);
• Relatórios médicos (ex.: desnutrição, marcas de supostas agressões,
consultas com psicólogo para identificar eventual violência);
• Relatório do conselho tutelar.

Nota-se que o que vai justificar a modificação da guarda não é a melhor


condição financeira da parte autora, mas a “incapacidade” da parte contrária de cumprir
as exigências que o exercício da guarda impõem (cuidados básicos, educação, lazer,
carinho etc.).
Ademais, seja como for, é possível requerer a realização de estudo psicossocial,
a fim de que seja aferida a atual situação da criança/adolescente, bem como a dos pais
que disputam a guarda.

4.3. Audiência de conciliação/mediação e a sucumbência estratégica

Aplica-se à ação de guarda tudo o que foi estudado sobre audiência de


conciliação/mediação na aula dedicada ao procedimento especial das ações de família.
Na ação de guarda, as técnicas de mediação são um instrumento poderoso a ser
utilizado pelos advogados.
Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da
guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos
aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas (art. 1.584, § 1º, do
CC). O ideal é que os advogados já orientem previamente as partes sobre tais
significados e sua importância.

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Além disso, saber conduzir e desenvolver o processo de construção do acordo


é muito importante, notadamente para aquele que há embora nunca tenha exercido a
guarda, pretenda passar a exercê-la.
Aquele que não exerce a guarda de fato dos filhos dificilmente a obterá
judicialmente, caso não haja nenhum fato relevante que imponha a alteração da
situação fática. Isso porque o rompimento repentino da rotina da criança/adolescente,
acostumada com o seu lar de referência e seu convívio comunitário, não é a melhor
solução. Nesse caso, o ideal é o pai buscar o reconhecimento da guarda unilateral e o
estabelecimento de regime de convivência progressivo. Esse tipo de pedido, de uma
forma geral, é visto com bons olhos pelo juiz e pelo Ministério Público, pois "evidencia
a ausência de “egoísmo” por parte do pai e a existência de preocupação deste com o
melhor interesse do seu filho. Vejamos um exemplo de regime de convivência
progressivo:

“Nos próximos 12 meses, o pai terá o filho consigo em finais de


semana alternados, buscando-o no lar de referência (materno)
no sábado, às 9h, e devolvendo-o no domingo, às 19h. A partir
de ___/___/____, o pai terá o filho consigo em finais de semana
alternados, buscando-o na escola, na sexta-feira, às 12h (final da
aula), e devolvendo-o na escola, segunda-feira, às 7:30h (início
da aula. A partir do dia ___/___/___, haverá nova ampliação do
período de convivência. O pai terá o filho consigo, ainda, uma
vez por semana, buscando-o na escola, todas as quartas-feiras,
às 12h (final da aula) e devolvendo-o no dia seguinte (quinta-
feira), na escola, às 7h (início da aula)”.

Muitas vezes, o pai/mãe, após considerável período de tempo afastado, resolve


estreitar os laços com seus filhos e buscar a modificação da guarda. Ora, se esse pai/mãe
se manteve afastado durante um tempo, dificilmente vai obter um ótimo regime de
convivência, notadamente porque terá que restabelecer os laços afetivos com seus
filhos.
É claro que o fato de o pai/mãe ter sido uma pessoa ausente não significa que
ele não poderá restabelecer os laços com seus filhos. Aliás, o restabelecimento é algo

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Prática Processual nas Ações de Família

saudável. O pedido de guarda unilateral é medida equivocada. A fixação de um regime


amplo também pode não ser a melhor solução.
Muitas vezes, para se obter o resultado almejado, é preciso dar um passo para
trás. Aqui entra a chamada “sucumbência estratégica” (“perder para ganhar”).
Imagine o seguinte exemplo: após 2 (dois) anos de separação de fato e ausência
do pai em relação a seus filhos, a mãe resolve ajuizar a ação de divórcio e requerer a
guarda unilateral dos filhos. O pai, arrependido do período de ausência, quer a guarda
compartilhada para estreitar os laços com seus filhos. Será que essa é a melhor
estratégia? Havendo resistência por parte da mãe (autora), o que fazer?
Insistir na disputa pode ser prejudicial e frustrar qualquer tentativa futura de
fortalecimento dos laços. A experiência tem mostrado que é melhor o pai ceder para
buscar a ampliação do período de convivência em um futuro próximo. Como assim? A
melhor solução, muitas vezes, é buscar um acordo no sentido de fixar a guarda unilateral
à genitora e estabelecer um regime de convivência progressivo, como no exemplo
anterior. Ao reconhecer a guarda unilateral, haverá uma natural ampliação do canal de
diálogo entre os pais. Além disso, é possível (e recomendável, neste exemplo) fazer
constar no acordo que o regime de convivência progressivo tem por objetivo o
fortalecimento dos vínculos afetivos entre pai e filhos, a fim de que seja possível, no
futuro a adoção da guarda compartilhada.
Com isso, se o pai cumprir exatamente os termos acordados, cumprindo,
efetivamente, a sua função de pai, o caminho estará aberto para, em um futuro próximo,
conseguir a guarda compartilhada. Isso porque a sentença homologatória de acordo não
impede a rediscussão, no futuro, do regime de guarda.

5. GUARDA A TERCEIROS

É possível que o juiz verifique que nenhuma das partes tem condições de
exercer a guarda da criança/adolescente. Nesse caso, nos termos do § 5º do art. 1.584
do CC, “se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da

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Prática Processual nas Ações de Família

mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida,
considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e
afetividade” (ex.: guarda deferida em favor dos avós).

6. SENTENÇA

Não havendo acordo entre as partes, o juiz, ao final, prolatará sentença,


considerando as provas produzidas nos autos. Contra essa sentença caberá recurso de
apelação. Havendo acordo, a sentença será meramente homologatória.
Havendo descumprimento do acordo por uma das partes, será cabível buscar,
nos mesmos autos, o cumprimento da sentença. É o que ocorre, por exemplo, quando
uma das partes não observa os dias de devolução do filho (ex.: deve devolver na
segunda-feira, mas só devolve na quarta-feira). Nesse caso, o STJ admite a fixação de
astreintes (multa diária) para força o adimplemento da obrigação.
Vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO


INTERPOSTO NA ÉGIDE DO CPC/73. FAMÍLIA. DIREITO DE
VISITAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL DO VISITANTE E DO
VISITADO. ACORDO HOMOLOGADO PELA JUSTIÇA. EXECUÇÃO.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. FIXAÇÃO PREVENTIVA DE ASTREINTES
PARA A HIPÓTESE DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO
IMOTIVADO DO REGIME DE VISITAÇÃO. POSSIBILIDADE.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Inaplicabilidade do NCPC
neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo
nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos
recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a
decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser
exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista,
com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça. 2. O direito de visitação tem por
finalidade manter o relacionamento da filha com o genitor não
guardião, que também compõe o seu núcleo familiar,
interrompido pela separação judicial ou por outro motivo,
tratando-se de uma manifestação do direito fundamental de
convivência familiar garantido pela Constituição Federal. 3. A
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Prática Processual nas Ações de Família

cláusula geral do melhor interesse da criança e do adolescente,


decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana,
recomenda que o Poder Judiciário cumpra o dever de protegê-
las, valendo-se dos mecanismos processuais existentes, de
modo a garantir e facilitar a convivência da filha com o visitante
nos dias e na forma previamente ajustadas, e coibir a guardiã de
criar obstáculos para o cumprimento do acordo firmado com a
chancela judicial. 4. O direito de visitação deve ser entendido
como uma obrigação de fazer da guardiã de facilitar, assegurar e
garantir, a convivência da filha com o não guardião, de modo que
ele possa se encontrar com ela, manter e fortalecer os laços
afetivos, e, assim, atender suas necessidades imateriais, dando
cumprimento ao preceito constitucional. 5. A transação ou
conciliação homologada judicialmente equipara-se ao
julgamento de mérito da lide e tem valor de sentença, dando
lugar, em caso de descumprimento, à execução de obrigação,
podendo o juiz aplicar multa na recalcitrância emulativa.
Precedente. 6. A aplicação das astreintes em hipótese de
descumprimento do regime de visitas por parte do genitor,
detentor da guarda da criança, se mostra um instrumento
eficiente, e, também, menos drástico para o bom
desenvolvimento da personalidade da criança, que merece
proteção integral e sem limitações. 7. Prevalência do direito de
toda criança à convivência familiar. 8. Recurso especial não
provido. (REsp 1481531/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 07/03/2017)

Por fim, é importante frisar que, nos termos do § 4º do art. 1.584 do CC, “a
alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda
unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao
seu detentor”.

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