Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A partilha de bens foge ao objeto desta discussão, mas a questão da guarda e dos
alimentos estão intimamente ligadas, de forma que não se pode falar de uma
questão sem referir a outra; em razão disso, serão feitas referências incidentais a
questão da verba alimentar, embora o foco da discussão seja a guarda.
Impõe-se esclarecer desde logo que quando for feita referência a expressão
separação, não se está falando apenas em separação judicial litigiosa, mas sim em
qualquer espécie de rompimento de vínculo estabelecido no âmbito de entidade
familiar. Tanto poderá ser uma separação, quanto um divórcio direto ou uma
dissolução de união estável, pois em todas estas situações a questão da guarda dos
filhos menores aparece e precisa ser regulamentada em estrito atendimento ao
interesse da prole.
A guarda já existe dentro da família, pois é um dos atributos do poder familiar que
os pais exercem sobre os filhos menores de idade (ou seja, pela ótica do Código
Civil de 2002, com idade inferior a 18 anos), consoante dispõe o artigo 1631 do
Código Civil.
Compete aos genitores (artigo 1634 do Código Civil): (I) a direção da educação e
da criação, (II) tê-los em sua guarda e companhia, (III) conceder-lhes ou negar-
lhes consentimento para casarem, (IV) nomear-lhes tutor por testamento ou
documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não
puder exercer o poder familiar, (V) representá-los, até os dezesseis anos, nos atos
da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes,
suprindo-lhes o consentimento, (VI) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e
(VII) exigir que lhes prestem obediência, respeito e serviços próprios de sua idade
e condição.
Logo, os pais, em relação aos filhos menores, tem a guarda natural destes em
razão do poder familiar exercido.
Lembre-se que, nos dias que hoje correm, até mesmo em atenção estrita ao
princípio constitucional da igualdade/ isonomia, não mais vige a idéia de que a
guarda dos filhos menores será sempre da mãe, sendo cada vez mas comum que
no acordo dos genitores os filhos permaneçam na companhia paterna, sendo
assegurado à mãe o direito de visitas e o fixado encargo alimentar a ser por ela
suportado.
Consigne-se que a análise das condições, mesmo antes desta reforma legislativa,
não abrangia apenas verificar o equilíbrio psicológico do genitor, mas também sua
disponibilidade de tempo, interação com a prole, as condições de moradia e
habitação, bem como a capacidade de estabelecer limites para os filhos, o que é
absolutamente necessário para um desenvolvimento de um adulto saudável e
inserido socialmente. Em caso de idênticas condições, deverá ser atentado para o
interesse da criança/adolescente, mas sempre de forma a não constranger o menor
a fazer uma escolha entre os pais.
Muitas vezes é esquecido que aquele que detém a guarda também deve ser
responsável pelo sustento do filho. Conforme dispõe o artigo 1703 do Código
Civil, para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente
contribuirão na proporção de seus recursos. Exercendo pai e mãe atividade laboral
remunerada, ambos devem contribuir, na medida de suas possibilidades, para o
sustento da prole comum.
Lembre-se que, por óbvio, os alimentos prestados pelo guardião não são em moeda
corrente, mas sim in natura, neste sentido:
Faz-se tal parênteses abrangendo a questão alimentar uma vez que está
estreitamente vinculada a questão da guarda, pois é comum nas disputas desta se
verificar a existência de um objetivo concorrente, qual seja o não pagamento (ou o
recebimento) de pensão alimentícia. A questão alimentar muitas vezes aparece
como sendo um prêmio a ser obtido no processo de guarda.
É de se mencionar, também, que embora já se vão quase quatro décadas de
emancipação da mulher, bem como de intensa luta pelos direitos iguais, e estando
evidenciada a efetiva inserção feminina no mercado de trabalho, ainda hoje é
extremamente raro uma mulher se oferecer para pagar alimentos aos filhos
menores que permaneceram na guarda do pai. E mais, quando se oferecem,
pretendem o pagamento in natura através do fornecimento de material escolar,
roupas, brinquedos e utensílios variados. Quando está invertida a situação (a
guarda é materna), é pouco comum que seja aceito o pagamento de alimentos in
natura, sendo normalmente exigindo o pagamento em moeda corrente, sob o
argumento de que, do contrário, haveria uma indesejada ingerência do varão na
rotina doméstica.
No momento em que se luta por afirma a igualdade de direitos, não se pode deixar
de reconhecer a simultânea existência de deveres iguais, de forma que se impõe
que a mulher de hoje, apta a prover o próprio sustento e sendo economicamente
viável, dê sua contribuição efetiva para o sustento da prole.
Mais uma vez é de se repetir que as mudanças impostas pela vida moderna, aliada
a efetiva inserção da mulher no mercado de trabalho, bem como a existência de
uma geração de pais conscientes e participativos nos cuidados dos filhos, ainda que
recém nascidos, faz com que qualquer um dos genitores tenha iguais condições de
assumir a guarda da prole comum. Logo, pais e mães são iguais em direitos e
obrigações, cabendo ao Poder Judiciário partir desta premissa para identificar, em
caso de litígio, qual dos genitores será o melhor cuidador.
Nunca é demais repetir que a separação não deve modificar a convivência entre os
filhos, devendo os dois genitores, guardião e não-guardião, continuarem a dividir os
encargos dos cuidados para com a prole. Dispõe o artigo 1632 do Código Civil
que "a separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável não alteram
as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de
terem em sua companhia os segundos". Logo, todos os demais direitos
permanecem inalterados, de forma que o não guardião continua com o
direito/dever de dirigir a educação e criação, exigir obediência e respeito e todos os
demais encargos previstos no artigo 1634 do diploma civil substantivo.
Assim, parece desnecessário e até repetitivo o disposto na nova redação dada ao
artigo 1583, §3º, do Código Civil, segundo a qual "a guarda unilateral obriga o pai
ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos". Ora, isso
já estava previsto na redação original do nosso Código Civil, como se viu do teor do
artigo 1632; no momento em que a separação não altera as relações entre pais e
filhos, bem como que dentro destas está o dever de supervisionar a educação e a
criação da prole, por certo desnecessário gerar tal obrigação (como faz o já
mencionado § 3º do art. 1583).
Tal dispositivo é, sem sombra de dúvida, redundante, mas serve talvez para deixar
ainda mais claro o que já estava límpido, no intuito de se buscar a participação
mais efetiva do genitor não guardião. Infelizmente, ainda é bastante comum no
cotidiano forense, que após a separação dos pais, aquele que não ficou com a
guarda também se separe dos filhos, deixando de ter participação efetiva e
importante no cotidiano da prole.
Não apenas a lei já garantia (como vimos do teor do artigo 1632 do Código Civil),
mas também a jurisprudência já havia estabelecido que aquele que não é guardião
também tem o direito de participar da direção da educação do filho,
devendo ser buscada sempre a forma que melhor assegurar o superior interesse da
criança, atentando-se para a sua faixa etária, em função do seu desenvolvimento
físico, mental, emocional e, também, social. A conveniência do genitor em conviver
com o filho tem seu limite bem demarcado pelo interesse da criança, de
modo que não pode causar transtornos na rotina do infante, embora deva
ser incentivada por ambos os genitores, como bem aponta o Desembargador
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em diversos julgados.
Felizmente, hoje uma considerável parte dos pais separados (dentre aqueles que
não conseguiram ajustar de forma consensual a visitação livre e ampla), buscam
em Juízo um maior contato e uma maior participação no cotidiano da prole. As
crianças têm pai e mãe, os quais tem direitos e deveres iguais para com a prole.
Logo, os filhos têm o direito a um amplo convívio com ambos os genitores, não
havendo porque se restringir a convivência a finais de semana alternados.
O ideal é que o não guardião além dos finais de semana, de pernoites durante a
semana, também participe do cotidiano, levando e buscando da escola, dando
almoço ou jantar, fazendo temas, acompanhando em eventos sociais, festas
infantis ou familiares. Somente assim o direito ao amplo convívio estará de fato
sendo exercido.
É de se reconhecer que a justiça gaúcha está sendo bem receptiva a idéia de visitas
amplas, de forma que, sempre que possível é feita a opção pela visita livre, onde o
genitor tem participação intensa na vida e no cotidiano dos filhos.
É claro que nem sempre tudo transcorre de forma tranqüila. Sabido é que existem
abusos de parte a parte, pois assim como há guardiões que dificultam o acesso, há
não-guardiões que simplesmente não cumprem o acordado, deixando os filhos a
espera nos dias de visita, gerando intensa frustração da criança.
Dispõe atualmente art. 1583, § 1º, segunda hipótese, do Código Civil, que a guarda
compartilhada significa a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder
familiar dos filhos comuns.
Acresce, com perfeição, apontando que "a guarda compartilhada restará para
situações restritas que pedem abdicação, desprendimento e eterno esquecimento
das agruras que conduziram à separação; e onde as ambições devem submeter-se
à disciplina do amor maior" (artigo citado).
Repetindo a preocupação agora externada, refere Maria Luiza Póvoa Cruz que
"Direito de Família trata de relações afetivas, complexas. Não se resolve
questões complexas, impondo condutas, de forma objetiva. A flexibilização é
o melhor caminho. (...) Obviamente, compartilhar a educação dos filhos, seria o
ideal. Pais presentes, participativos. Porém, essa premissa não é a realidade das
Varas de Família. Nas relações judiciais, às vezes, o elo determinante da família, o
amor, o afeto, o respeito, perdem espaço para conflitos, desentendimentos. E os
filhos? Se encontram no meio da história da degradação pessoal dos pais. Poupar
os filhos, como o casal é tarefa preciosa do juiz e advogado, auxiliados por
estudiosos da psicologia, da psicanálise. Enfim, o caminho é sinuoso, porém repleto
de vitórias se assim for dirimido." (in Guarda Compartilhada ou Conjunta: Fere a
autonomia dos pais e relega o interesse do menor, disponível em
http://www.ibdfam.com.br/, acesso em 18.06.2008) - grifou-se.
Para que a guarda compartilhada de fato ocorra, impõe-se que os pais tenham
saído da separação sem mágoas ou ressentimentos insuperáveis, amadurecidos e
dispostos a continuar conjugando esforços para buscar o atendimento conjunto dos
interesses da prole.
Pede-se vênia para discordar do entendimento, pois parece claro que quando não
há consenso, não há como determinar a guarda compartilhada, por ausência de
premissas essenciais para que o instituto ocorra de forma satisfatória.
Compartilhar implica dividir, exige uma profunda mudança cultural e uma certa
evolução pessoal, onde ambos os genitores deixem de pensar em si próprios para
colocar como norte de seu agir o interesse da prole comum.
Infelizmente, enquanto não houver consenso, tem-se que impor uma guarda
compartilhada parece ser o melhor caminho para o desastre. Exigir de duas
pessoas, que necessitaram da intervenção do poder Judiciário para por termo ao
casamento, que consigam resolver os problemas cotidianos da educação e criação
dos filhos, é superestimar a capacidade humana de administrar conflitos.
Não se diga que tal situação ficaria superada pelo disposto no artigo 1584, § 3o , do
Código Civil, segundo o qual "para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os
períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-
profissional ou de equipe interdisciplinar".
Ou seja, o deferimento da guarda compartilhada pode vir a gerar ainda mais litígio
e desacerto, o que certamente vem em prejuízo da prole.
Sem negar que o interesse dos filhos é primordial é que o melhor genitor são
ambos os pais agindo conjuntamente, François Podevyn prossegue referindo que
esta idéia "tem um efeito perverso: se os pais não se entendem, o conflito é levado
aos tribunais e se degenera numa guerra onde cada um procura demonstrar que o
outro é um mau genitor.
Consigne-se que, por vezes, o processo de alienação pode ser desencadeada não
apenas pelo genitor, mas também por seu grupo familiar, que passa a tentar
invalidar a figura do outro, buscando a posse exclusiva da prole. Felizmente, hoje a
jurisprudência tem sido sensível a tal situação, visto amparada por diversos
serviços técnicos de apoio, que permitem melhor identificar a situação. Neste
sentido:
É de se repetir, o alienador não é uma pessoa má, mas sim alguém que não
consegue separar sua individualidade da individualidade da prole, entendendo como
o controle absoluto a única forma de dar amor e atendimento adequado. Estas
pessoas precisam de acompanhamento e tratamento (psicológico e terapêutico)
para que possam voltar a conviver com os descendentes de forma saudável.
No entanto, não se pode esquecer que também aqui o norte a ser seguido é o do
estrito interesse da criança. Neste sentido:
Este caso específico envolve um pai que está com o poder familiar (e
consequentemente, as visitas) suspenso em razão de abuso sexual cometido contra
o filho menor, situação reconhecida em processo judicial já com trânsito em
julgado. No entanto, o grupo familiar paterno não admite o abuso, entendendo
que houve grave injustiça, insistindo em convívio com o menino. Consigne-se que
as tentativas de visitação estabelecidas durante o processo foram retumbantes
fracassos, com o menino sendo sistematicamente exposto a figura paterna (que
não se fez presente fisicamente, mas por meio de fotografias e nas palavras de
seus familiares) ; tais visitas foram acompanhadas por terapeuta, que narrou tais
fatos ao Juízo Monocrático, ensejando o desacolhimento da demanda.
O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, com pertinência, referiu que "a família
paterna não aceitou a situação e não admite, em nenhuma hipótese, que o genitor
tenha praticado o abuso. Essa imagem de injustiça, mesmo sub-repticiamente -
isso é inevitável, a meu ver-, será inculcada na criança, criando nela conflitos que
devem ser evitados. Toda essa situação de visitas supervisionadas é uma situação
de estresse para a criança, não há como escapar disso. Penso que ela deve ser
poupada. (...) Em certas situações, amar é saber renunciar no momento certo,
quando essa pode ser eventualmente a melhor solução."
Logo, a visitação avoenga é uma realidade, mas deve ser sempre norteada pelo
princípio do melhor interesse da criança, que, aliás, rege toda a discussão travada
neste palco.
Fonte: IBDFAM