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ORAL de Família

Sobre este tema, importa, em primeiro lugar, fazermos uma referência/ fazermos uma
densificação do conceito de residência alternada, já que esta difere de diversos conceitos, entre
os quais: guarda conjunta, guarda compartilhada, guarda conjunta.

Ora, a vulgarmente designada guarda conjunta inclui uma componente jurídica traduzida no
exercício conjunto das responsabilidades parentais, por ambos os progenitores, que
corresponderá à guarda legal e uma componente material que respeitará à vivência diária do
filho, ou seja, à sua guarda física.

Nesta última perspetiva, a criança pode residir com um dos progenitores, gozando o outro de
um amplo direito de visita, caso em que terá uma resi- dência habitual e outra ocasional, ou
pode habitar alternadamente com ambos, de acordo com determinado ritmo temporal,
situação em que terá duas resi- dências, em alternância, uma junto de cada um dos seus
progenitores.

Em situações como esta, as decisões imediatas do dia-a-dia relativas à disciplina, dieta,


atividades, contactos sociais, cuidados urgentes (etc.), ou seja, aos atos da vida corrente,
pertencerão ao progenitor com quem a criança reside no momento19.

A residência alternada, que constitui objeto da presente reflexão, não se confunde, por isso,
com as situações de guarda alternada, em que cada um dos progenitores exerce em exclusivo
as responsabilidades parentais nos períodos em que tem a criança aos seus cuidados,
contendendo apenas com a denominada guarda física, ou seja, a sua residência habitual,
deixando incólume o regime regra definido no artigo 1906.o do Código Civil, para as
responsabilidades parentais, que aponta para o seu exercício conjunto por ambos os
progenitores, no que tange às questões de particular importância para a vida do filho, e para o
exercício individual pelo progenitor com quem este reside habitualmente, no tocante aos atos
da sua vida corrente20.

Ora, é sabido que, tradicionalmente, se tem pugnado pela impossibilidade de implementação


deste regime à margem do acordo dos progenitores ou em casos de conflito e incumprimento,
arvorando-se que a residência alternada poderia causar instabilidade na criança, pelas
deslocações e constante alte- ração de rotinas, sendo fonte de insegurança e de problemas de
adaptabilidade.

Os partidários de tal entendimento têm defendido, pois, que a residência alternada


compromete o equilíbrio da criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e
unidade da sua educação, acarretando para a criança graves inconvenientes, pela instabilidade
que cria nas suas condições de vida e pelas separações repetidas relativamente a cada um dos
seus pais, determinadas pela constante mudança de residência, concluindo, assim, que esta
forma de guarda traduz “um sistema salomónico que, repartindo a criança entre ambos os
pais como se de um objeto se tratasse, satisfaz os interesses dos pais, sacrificando o dos
filhos”21.
As mais promissoras investigações sobre a residência alternada vêm, porém, de um país
Europeu, a Suécia, onde o Centre for CHESS — Health Equity Studies tem publicado vários
artigos sobre a temática da residência alternada, com dados muito significativos.

De uma forma geral, estes estudos têm demonstrado que as crianças que não convivem
habitualmente com um dos progenitores têm mais proble- mas psicossomáticos do que as
crianças que vivem em famílias nucleares.

No entanto, as crianças em residência alternada, em análise longitudal, apresentam melhor


saúde psicossomática do que as crianças que apenas convivem com um dos progenitores.
Assim, as crianças em residência alternada, em comparação com as crianças em residência
única, têm um maior nível de satisfação mental, mostram melhores resultados quanto aos
fatores psicológicos, têm melhor relacionamento com ambos os progenitores e estão mais
satisfeitas com a sua satisfação escolar, sendo que, por exemplo, os casos de bullying têm
menos expressão numérica do que as situações de crianças com residência única.

Ora, não sendo indiferente às conclusões dos estudos citados, entendo que os mesmos
servem, desde logo, para desmistificar a ideia de que a residência alternada é necessariamente
fonte de instabilidade para a criança, comprometendo, por isso, o seu são desenvolvimento.

A apontada instabilidade é, de resto, consequência da própria desagre- gação familiar, com a


qual a criança tem que conviver após a separação dos pais, recolhendo-se dos estudos
referidos que a convivência constante com os dois progenitores, em condições de igualdade,
poderá, bem ao invés, contribuir para uma melhor estruturação da sua personalidade em
formação.

Acompanho, por isso, o entendimento daqueles que, superando as reser- vas inicialmente
levantadas ao regime de residência alternada (fundadas nas necessárias mudanças de casa,
maior exposição ao conflito e nas diferenças de modelos educacionais dos pais), veem neste
modelo de residência uma forma de consagração do direito da criança ao relacionamento com
ambos os pais, bem como um importante instrumento para afastar o conflito e man- ter ou
construir a sua família, pois que permite manter ambos os pais impli- cados na vida dos
filhos, ajudando a desenvolver plataformas de funciona- mento conjunto que, no sistema de
residência única, se mostram totalmente desnecessárias36.

Na verdade, a experiência tem demonstrado que o grande problema da regulação das


responsabilidades parentais após a desagregação consiste na dificuldade de os progenitores
separarem as questões da conjugabilidade das relativas à parentalidade, acabando por projetar
na relação parental as suas mágoas emocionais e contaminando o exercício da
coparentalidade e a convivência familiar.

Estabelecer regimes de residência alternada ou de convivência equili- brada, de forma o mais


ampla possível, permite, assim, retirar ao guardião o domínio da relação com a criança,
fazendo-o perder poder e terreno e invia- bilizando constantes situações de conflito de
lealdade, fomentando tal resi- dência a partilha da afetividade entre progenitores e filhos, da
mesma forma que permite àqueles continuarem a compartilhar a afetividade dos filhos em
moldes próximos dos que existiam durante a vida em comum
A concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência com o
filho e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada
um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, perfila-se, assim, como o
mecanismo adequado a tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de meio, sendo uma
forma de organização familiar que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das
responsabilidades entre os pais, da mesma forma que dá adequada satisfação ao princípio da
igualdade dos progenitores40, salvaguar- dando, igualmente, o princípio41 de que os filhos não
devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais
para com eles

Assim, acompanhando, no essencial, o entendimento transcrito, afigura- -se que a norma do


artigo 1906.o, número 3, do Código Civil apenas regula a forma como hão de ser exercidas as
responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho, deferindo o seu
exercício ao progenitor com quem a criança reside habitualmente ou àquele com quem se
encontra temporariamente.

A redação do artigo (especialmente, pelo uso da conjunção “ou”) permite claramente que a
criança tenha residência com os dois progenitores, caso em que um e outro terão residência
habitual com o filho e exercerão, como tal, as correspondentes responsabilidades pelos atos
da sua vida corrente, ficando, neste caso, prejudicada a aplicação da segunda parte da norma,
prevista para os casos, manifestamente mais frequentes, de coexistência de uma residência
principal com outra ocasional ou temporária.

Ora, este interesse da criança é consabidamente um conceito indetermi- nado, que está, como
tal, em desenvolvimento contínuo e progressivo, sem- pre em instância, em atividade,
permitindo, por isso, uma mais fácil adaptação às conceções de cada época, da mesma força
que facilita a consideração das caraterísticas próprias de cada caso particular e as
necessidades espe- cíficas de cada criança concreta.

O interesse de uma criança é, assim, individual, específico e é, ele pró- prio, suscetível de se
modificar. A noção de interesse da criança está, por isso, intimamente dependente de um
determinado projeto de sociedade e de um projeto educativo preciso. Trata-se, afinal, de uma
noção cultural intima- mente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento,
em cada sociedade, sobre a pessoa da criança, sobre as suas necessidades, as condições
adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar cul- tural e moral46.

Sendo um conceito indeterminado, a densificação valorativa do interesse da criança, no que


tange à definição dos termos da sua residência, demanda uma análise interdisciplinar da sua
situação concreta, na sua individualidade e envolvência externa, tarefa na qual o juiz não se
poderá desligar das orien- tações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais, a
saber: a) a segurança e saúde da criança; b) o seu sustento, educação e autonomia; c) o seu
desenvolvimento físico, intelectual e moral; d) a sua opinião47.

Não se poderá, pois, cair na tentação de pensar que este modelo de residência alternada é
adequado a todas as crianças e famílias. O que se deve ter em consideração, na busca da
solução que melhor acautele o superior interesse da criança, é que a distribuição do tempo
deve assegurar o envolvi- mento de ambos os progenitores nas rotinas diárias do filho (v.g.,
rituais de adormecimento, transições para a escola, atividades de lazer), tendo em vista o
fortalecimento dos seus laços de vinculação com cada um deles e a corres- ponsabilização
efetiva de um e outro no seu processo de crescimento e edu- cação, no que o tribunal não
poderá deixar de levar na devida conta as neces- sidades de desenvolvimento, o
temperamento e as circunstâncias individuais de cada criança, bem como as características
únicas de cada família

A esta luz, o modelo de residência alternada mostra-se claramente desa- dequado em


situações que envolvam progenitores negligentes, não respon- sivos ou abusivos ou que,
deliberadamente, não tiveram qualquer convivência com a criança antes da separação

Tal modelo de residência postula, por outro lado, que ambos os proge- nitores disponham de
adequadas competências parentais, bem como condi- ções profissionais, económicas,
habitacionais e motivacionais ajustadas a assegurar a residência da criança em regime de
alternância, o que pressupõe a prévia análise da sua situação concreta, na qual o tribunal não
poderá prescindir da intervenção dos serviços de assessoria técnica, designadamente, no
âmbito de avaliações psicológicas50 e da audição técnica especializada51.

Aspetos como a proximidade geográfica das residências dos progenitores, a opinião e a idade
do filho, a sua ligação afetiva com cada um dos pais, serão, outrossim, critérios orientadores
na tarefa de densificação do superior interesse da criança quando se trate de fixar os termos
da sua residência 52, considerando-se prejudicada a aplicação do modelo de residência
alternada nos casos em que, nos termos do disposto no artigo 1906.o-A do Código Civil, o
exercício em comum das responsabilidades parentais seja julgado contrário aos interesses dos
filhos

O tema integra-se na problemática do exercício das responsabilidades parentais por


progenitores que não vivem juntos, designadamente por se terem divorciado ou separado.

As responsabilidades parentais consistem no conjunto de situações jurídicas que,


normalmente, incumbem aos pais com vista à protecção e promoção do desenvolvimento
integral do filho que ainda não completou 18 anos de idade (cf. artigos 1877.o e 1878.o do
Código Civil).

Em matéria de exercício das responsabilidades parentais, é relevante a circunstância de os


pais viverem ou não juntos. Se viverem juntos, a titularidade do exercício cabe a ambos de
modo indiferenciado. Se os progenitores não viverem juntos, a titularidade do exercício pode
incumbir a ambos ou exclusivamente a um deles; quando haja então exercício em comum ou
bilateral das responsabilidades, ou o filho reside apenas com um dos pais ou reside
alternadamente com os dois.

Considera-se que a situação é de residência alternada sempre que a repartição do tempo de


convívio da criança com os pais se situar entre 33 a 50%. De outro modo, deparar-nos-iamos
com a residência única- em beneficio do progenitor que dispuser de mais tempo com o filho.
Ou seja, a questão da residência alternada versus residência única refer-se mais à convivência
entre pais e filhos do que ao espaço físico que a criança habita.

Na realidade, como refere o Professor Guilherme Oliveira, A residência alternada não é


mais do que a expressão visível – depois da separação dos titulares das responsabilidades
parentais – daquilo que verdadeiramente importa: a partilha das responsabilidades. Ora,
a partilha das responsabilidades parentais tem de começar durante a vida em comum, e a
intensidade que tiver alcançado naquela época deve importar e condicionar a
determinação da residência do filho, depois de cessada a vida em comum.

Segundo esta regra, o ponto de partida para a distribuição dos tempos de contacto entre os responsáveis parentais,
depois do divórcio ou separação, seria a distribuição que eles tinham praticado durante a vida em comum,
corrigida por vários fatores então consagrados nos Princípios. As ideias em que se baseava esta doutrina
eram as seguintes: a) promove-se a continuidade e a estabilidade da vida familiar, em favor dos filhos; b)
encoraja- se os responsáveis parentais a partilhar as suas contribuições logo durante a vida em comum,
sabendo- se que o investimento na vida familiar é reconhecido no momento de uma eventual separação; c)
a imposição de uma partilha diferente no momento da crise da família é perturbadora para todos e
potencialmente ineficaz; d) os tribunais ficam mais confortáveis e seguros se tiverem de apreciar a prova de
factos passados (como é costume) em vez de se proporem avaliar qual é o responsável mais apto, para
tentarem decidir com base em prognósticos sobre o futuro (exercício para que estão menos preparados); e)
se o regime assentar na prática anterior à crise, pode baixar-se o nível de conflitualidade; f) a separação
dolorosa do casal não parece ser o momento ideal para revolucionar as relações parentais, na sociedade.

Eu também creio que a continuidade dos tempos de prestação de cuidados adotado espontaneamente pelo
casal durante a vida em comum pode dar mais sustentabilidade ao regime que há de vigorar depois da
separação, apesar de ser imperioso considerar que, a partir dessa altura, cada membro passará a viver por
sua conta, e devem ser tidos em mente outros fatores que o tribunal entenda relevantes (como uma disposição
clara e viável, por parte de um dos responsáveis, de aumentar o tempo de prestação de cuidados; ou a
verificação de violência doméstica).

Deste modo, e concordando com a opinião do Professor Guilherme Oliveira, a residência


alternada será tanto mais viável quanto mais tiver sido criado o hábito de partilha durante a
vida em comum, desde o nascimento do filho.

Na verdade, suponho que a prática da residência alternada será tanto mais pacífica e mais
vulgarizada, depois da separação, quanto mais estiver enraizada nas famílias a partilha das
responsabilidades, através de hábitos adquiridos durante a vida em comum. Assim, depois da
separação, será mais “natural” para os pais assumirem tarefas quotidianas de cuidado; será mais
fácil para as mães confiarem na boa execução, por parte dos pais, dessas tarefas; será mais
habitual para os filhos aceitarem os gestos de cuidado provindos de um ou de outro titular das
responsabilidades parentais, indiferentemente. Se esta ideia for certa, as estatísticas da
residência alternada poderão crescer, sem sacrifícios para qualquer dos membros da família e,
sobretudo, sem a violência de impor aos filhos um cuidador sem prática e cujos modos de
atuação eles conhecem mal.

Por isso, parecem-me que a lei deve, sim, fomentar a corresponsabilização durante a vida
em comum.

Mesmo que as leis não tenham o poder de imposição que já tiveram. Por exemplo, a
proteção da parentalidade- licença obrigatória para o pai.

A concessão de uma licença especificamente para o pai – com caráter obrigatório – serve o
propósito de marcar o início da prática dos cuidados com filho, logo a partir do nascimento,
para criar a habituação do exercício das responsabilidades parentais pelo pai que,
tradicionalmente, tendia a alhear-se desses cuidados.
Uma reforma relevante e sustentável será a que vise fomentar a partilha do interesse e da
prática dos cuidados parentais, durante a convivência familiar, em todos os domínios – na
família, na escola, na saúde. Por esta razão, julgo que a reforma mais importante que já se fez
foi a adoção da licença paternal obrigatória; pelo contrário, considero menos importante a
reforma que os Projetos discutidos na Assembleia desenham, porque estes estão focados no
regime do art. 1906.o, para valer depois da cessação da convivência, quando já não é a altura
própria para adquirir hábitos de partilha de responsabilidades parentais.

Admito como verosímil que um pai não queira assumir a residência alternada simplesmente
porque não sabe como executar as tarefas indispensáveis. Admito como verosímil que a mãe
não queira entregar o filho na casa de um pai que não sabe do que o filho precisa ou do que o
filho gosta. Admito como verosímil que o filho se sinta desconfortável a viver com um pai
que não tem hábitos de cuidador nem sabe o que fazer.

Por outras palavras — e para além das circunstâncias externas da vida dos membros da
família que o tribunal terá de considerar9 – a determinação de alguma forma de residência
alternada depende mais das práticas e dos hábitos intrafamiliares concretos já adquiridos do
que dos seus méritos teóricos, que têm sido generalizados. Creio, portanto, que a residência
alternada ou se constrói durante a convivência, ou pode ser forçada depois da cessação da
convivência.

No campo específico das responsabilidades parentais, em que se situará a reflexão a que me


proponho, assistiu-se a uma progressiva acentuação do papel da criança, que deixou de ser
vista como objeto de direitos para passar a ser reconhecida como titular de direitos6 e, mais do
que sujeito de direito(s) suscetível de ser titular de relações jurídicas, como uma pessoa
dotada de sentimentos, necessidades e emoções7 e carecida de proteção, fruto da sua especial
situação de vulnerabilidade.

Que lugar deve ocupar a residência alternada na lei?

Como sabemos, antes de 1976, vigorava um estatuto de autoridade dos pais, uma posição
desigual e de supremacia do poder paternal sobre filhos comuns e o peso das vicissitudes da
relação do casal na configuração jurídica da relação dos filhos com mais pais separados ou
divorciados.

A Constituição da República Portuguesa veio consagrar uma nova visão de família, como
grupo no seio do qual se assegura a realização pessoal dos seus membros (cf. artigo 68.o), ainda
que sejam crianças (cf. artigo 69.o), e a igualdade entre progenitores (cf. artigos 13.o e 36.o,
n.os 3 e 5).

Não obstante o esforço de alteração, o texto do Código Civil ficou aquém das determinações
constitucionais em matéria de exercício das responsabilidades parentais. E a distância entre o
texto do Código e os imperativos da Lei Fundamental agravou-se com a Revisão Constitucional
de 1982: na versão de 1976, o artigo 68.o reconhecia a maternidade como valor social eminente
e aludia à “insubstituível acção” da mãe quanto à educação dos filhos; na
Nos casos em que os progenitores não viviam juntos, a versão de 1977 do Código Civil optava
por desconsiderar o papel de um deles. Se eles não tinham casado, o artigo 1911.o previa que
o exercício do poder paternal caberia ao progenitor que tivesse a guarda do filho (n.o 1),
estabelecendo ao mesmo tempo a presunção, só ilidível judicialmente, de que esse progenitor
seria a mãe (n.o 2). Havendo divórcio ou separação dos pais, o artigo 1906.o, n.o 1, dispunha
que apenas um deles exerceria o poder paternal.

Foi preciso esperar até 2008, para que ocorresse uma maior adequação do Código Civil
em matéria de exercício das responsabilidades parentais.

A Lei n.o 65/2008, de 31 de Outubro eliminou do texto do Código a regra do exercício


unilateral das responsabilidades parentais, ao abolir a presunção maternal, que figurava no
antigo artigo 1911.o, e ao exigir a fundamentação de decisões que, nos casos de divórcio,
optassem pelo exercício exclusivo (novo artigo 1906.o, no 2).

O artigo 1906.o contempla expressamente duas possibilidades: exercício em comum das


responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida
do filho por ambos os progenitores, com residência única (habitual) da criança; e
exercício das responsabilidades parentais por um só dos progenitores.

O modelo de exercício em comum consagrado no artigo 1906.o distingue entre


responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho
e relativas a actos da vida corrente do filho. Correspondem a questões de particular importância
as questões existenciais graves e raras na vida de uma criança9; todas as demais se reconduzem
à noção de actos da vida corrente

A residência alternada à luz dos grandes princípios do direito português


atual- igualdade e superior interesse da criança

O princípio da igualdade entre progenitores, que se funda no princípio geral da igualdade,


consagrado no artigo 13.o da Constituição da República Portuguesa, encontra guarida
específica no artigo 36.o, n.os. 3 e 5, e no artigo 68.o, n.os 1 e 2, da Constituição, revelando-se
ainda no artigo 18.o, no 1, primeira parte, da Convenção sobre os Direitos da Criança,
instrumento a que Portugal está vinculado desde 1990.

Ora, este princípio proíbe a discriminação de um progenitor na sua relação com os filhos, em
razão do sexo ou do estado do seu relacionamento com o outro progenitor. Como resulta
inequivocamente do mencionado artigo 68.o da Constituição da República Portuguesa, pai e
mãe são iguais12. Como decorre do artigo 36.o, n.os 3 e 5, da Constituição, e do artigo 18.o, no
1, primeira parte, da Convenção sobre os Direitos da Criança, é vedada a discriminação

de um progenitor por não viver com o outro progenitor. Assim sendo, impõe-se solução que,
por um lado, traduza a igualdade entre pai e mãe e que, por outro lado, permita relação entre
filhos e pais que não vivam juntos que seja o mais semelhante possível da que se observa na
relação entre filhos e pais que vivem juntos.
À luz do princípio da igualdade dos progenitores, na falta de elementos concretos em contrário,
justifica-se a residência alternada, e não a residência única, em caso de divórcio ou separação13.
A residência alternada não diferencia um dos progenitores relativamente ao outro, nem introduz
corte radical no perfil de relação com o filho conforme haja ou não vida em comum entre os
progenitores. A residência única implica que o tempo de convivência quotidiana com o filho
que cabe a um progenitor seja menor do que aquele que cabe ao outro progenitor; e traça uma
demarcação profunda entre a situação dos pais que vivem juntos, que beneficiam de acesso
paritário ao convívio com o filho, e a situação dos pais sem vida em comum, em que a um deles
é negada centralidade na vida corrente do filho.

A violação do princípio da igualdade entre progenitores, com a recusa arbitrária da


residência alternada, não tem efeitos somente na relação com os filhos, mas em muitos
outros domínios de realização pessoal: a residência única onera especialmente um dos
progenitores com os cuidados parentais, reduzindo a sua disponibilidade para actividades
profissionais, tempos livres e reconstituição da vida familiar.

Na hipótese de vida em separado dos pais, o princípio da igualdade dos filhos implica que eles
residam alternadamente com cada um dos progenitores, não legitimando eventual regra de
residência única. É a residência alternada, e não a residência única, que se aproxima mais da
realidade que ocorre quando os pais vivem juntos. Não é compreensível conceder a um filho a
possibilidade de convívio quotidiano com os dois progenitores, se estes vivem juntos, e negar
ao mesmo filho ou a outro a possibilidade de convívio quotidiano com um desses mesmos dois
progenitores, a pretexto de divórcio, separação ou falta de convivência entre os pais, salvo se
existirem elementos concretos que fundem tal diferenciação.

• O princípio da inseparabilidade dos filhos dos progenitores surge no artigo 36.o, n.o
6, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 9.o da Convenção sobre os
Direitos da Criança.

O princípio do superior interesse da criança, subjacente ao artigo 69.o da Constituição da


República Portuguesa e proclamado no artigo 3.o, n.o 1, da Convenção sobre os Direitos da
Criança, obtém consagração também no artigo 4.o, alínea a), da Lei de Protecção das Crianças
e Jovens em Perigo, sendo erigido a princípio orientador da regulação do exercício das
responsabilidades parentais, por força dos artigo 3.o, alínea c), e 4.o do Regime Geral do
Processo Tutelar Cível, e a critério primordial de decisão judicial quanto ao exercício das
responsabilidades parentais, nos termos do artigo 1906.o, n.o 7, do Código Civil.

O princípio do superior interesse da criança, na sua dimensão genérica, atribui prevalência


nítida à residência alternada sobre a residência única, conforme a validação cientifica.

As duas concretizações do interesse superior da criança que foram acima indicadas apoiam o
entendimento de que em, princípio, se deve decidir pela residência alternada, aplicando-se
excepcionalmente a solução da residência única, isto quando não seja, em concreto, viável ou
recomendável a residência alternada (por exemplo, se um dos progenitores não tem capacidade
para prestar quotidianamente os cuidados de que a criança carece).
A residência única colide com o interesse do filho na “continuidade de relações, de afecto
de qualidade e significativas” com o progenitor não residente e com o interesse do filho
em manter também com este progenitor “relação de grande proximidade”. Na residência
única, um dos progenitores é excluído do convívio corrente com o filho. Na residência
alternada, ambos os progenitores podem partilhar o quotidiano com o filho, conservando e
intensificando conhecimentos e sentimentos mútuos.

No actual direito português, a solução justa é, normalmente, a da residência alternada. No


entanto, não é apenas justa – é também a mais segura para o decisor. Se não existirem
elementos concretos contrários à solução da residência alternada, como se pode impor a
residência única, optando por um progenitor em detrimento do outro? Qual a base desta
selecção? Há a certeza de que um deles é/será melhor/pior progenitor do que o outro? Os
elementos de decisão são firmes, objectivos ou, pelo contrário, produto de preconceitos e
impressões subjectivas?

Razões para se acreditar que

Num estudo em que defende a residência alternada, o juiz Joaquim Manuel da Silva invoca
igualmente o trabalho de Kruk e o artigo 1906.o, n.o 7, do Código Civil, esclarecendo por
que razão abandonara entretanto a sua opinião inicial, favorável à residência

Os 16 argumentos são os seguintes: 1. Preserva a relação da criança com os ambos os pais; 2. Preserva a
relação dos pais com a criança; 3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família; 4. Respeita
as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse; 5. Respeita
as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança; 6.
Reflecte o esquema de cuidados parentais praticados antes do divórcio; 7. Potencia a qualidade da relação
progenitor-criança; 8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a
litigância; 9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício
das responsabilidades parentais; 10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão
judicial; 11. Reduz o risco e incidência da alienação parental; 12. Permite a execução dos regimes de
exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais;
13. Considera os imperativos de justiça social relativos à protecção dos direitos da criança; 14. Considera os
imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, igualdade, direitos e
responsabilidades; 15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem
suporte empírico; 16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais
tem suporte empírico.

A juíza Cidalina Freitas considera que é possível estabelecer a residência alternada por
sentença contra a vontade de um progenitor, tendo em conta que não está cientificamente
demonstrado que a residência alternada prejudica os filhos ou cria instabilidade emocional e
que “considerar que a residência alternada é o monstro da instabilidade, porque a criança terá
duas casas, é sobrevalorizar o espaço físico da casa, ao conforto emocional de ter o
progenitor junto de si”
Há vários acórdãos que acabam por ser dissidentes da opinião e da prática comum ds tribunais
em não aplicarem a residência alternada.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/09/2018 também nos vem falar desta
questão. Vem fazer uma análise profunda e desenvolvida sobre a Residência Alternada,
terminando com o sublinhado de que constitui a solução adequada desde que seja conforme ao
interesse do filho, como é quando permite à criança manter relação muito próxima com ambos
os progenitores, o mais semelhante à que se manteria se não tivesse havido separação, e sempre
que se não detet nenhum dado concreto contrário a este modo de partilha das responsabilidades
parentais,

A juíza Conselheira Clara Sottomayor acaba por ter uma opinião contrária à residência
alternada ao defender e dizer que:

A criança de tenra idade cria, normalmente, um vínculo mais intenso com um dos pais e quando
muda para a residência do outro, tal não significa que o vínculo principal de segurança e afecto
se transfira automaticamente para este progenitor, ou que a criança tenha com ambos os pais
necessariamente uma vinculação igual, sobretudo se um dos pais, durante a vida em comum,
não cuidava da criança ou se nunca coabitou com a mãe. A redução do tempo da criança com
o seu progenitor de referência, que tem com a criança uma vinculação mais forte, geralmente
a mãe, pode, nalguns casos, colocar em perigo a segurança do vínculo primário, o que produz
uma série de consequências negativas para o desenvolvimento da criança.

Mas afinal qual é a realidade vivida?

Apesar de Portugal estar a avançar, principalmente nos últimos 13 anos, após a introdução da
Lei nº 65/2008, a verdade é que

Há cerca de 19 mil decisões judiciais por ano que estabelecem a regulação das
responsabilidades parentais e, na maioria delas, os juízes continuam a estipular a residência
única com a mãe e um regime de visitas ao pai: normalmente em fins de semana alternados
e, eventualmente, um dia a meio da semana.

Em nome do melhor interesse da criança, continuaram a estabelecer-se todos os dias, nos


tribunais, muito mais regimes de residência única com “direito de visitas”.

Houve, de facto, um e há uma perceção de que existe uma mudança cada vez maior nos
comportamentos dos magistrados no sentido de, pelo menos, privilegiar amplos contactos
da criança com ambos os progenitores.
Antes da alteração legislativa que houve em 2020 desta questão das responsbailidades parentais
e, consequentemente, do artigo 1906º CC.

A última grande alteração legislativa portuguesa em matéria de exercício das responsabilidades


parentais ocorreu em 2008, quando se substituiu a regra do exercício unilateral pela do
exercício em comum.

Contudo, decorridos mais de dez anos, o exercício das responsabilidades parentais pelos dois
pais continua a ser preferencialmente traduzido na lei por um modelo em que um deles “reside
habitualmente” com o filho, enquanto o outro é aquele com quem o filho “se encontra
temporariamente” (é o que se lê no artigo 1906.o, n.o 3, do Código Civil).

Mas não será tal alteração desaconselhável por beneficiar progenitores que praticam
violência doméstica e se pretendem subtrair à imposição de uma obrigação de alimentos
para com a criança?

A questão, no fundo, pode suscitar-se relativamente a qualquer hipótese de exercício em


comum das responsabilidades parentais, seja com base em residência única ou residência
alternada32.

A violência doméstica é um fenómeno que tem de ser energicamente combatido e o dever de


sustento da criança tem de ser efectivamente tutelado. Todavia, nada disto impede referência
legal expressa à residência alternada (como não obstou à previsão do exercício em comum
assente em residência habitual única). Não se pode partir do princípio de que o patológico é o
normal, de que a maioria de metade dos progenitores que se separa ou divorcia é violenta ou
não quer satisfazer as necessidades materiais dos seus filhos. Há, sim, que acautelar o risco e
reagir ao crime e à desresponsabilização, sem atingir os progenitores que são pacíficos e
cumpridores.

Na verdade, há duas vagas para cuidar a título principal da criança. Se há um concurso entre
dois pais que não vivem juntos, é um concurso quotidiano para ambos darem o seu máximo,
em posição de igualdade, com vista ao bem-estar, à protecção e à promoção do filho.

Ora, impondo aos pais a preservação dos laços afetivos dos filhos, a salvaguarda da sua
necessidade de vinculação impetra a existência de um quadro de partilha de responsabilidade
pelo seu destino, a qual está pressu- posta no exercício conjunto das responsabilidades
parentais, que envolva ambos na vida quotidiana e na educação da criança, de modo a
estimular a convivência e o relacionamento mútuos com os filhos, depois do desenlace
conjugal, incrementando a participação de um e outro no processo do seu desenvolvimento e
crescimento e permitindo a sedimentação e fortalecimento da autoridade conjunta dos
progenitores1
É, portanto, nesta discussão que se pretende tomar parte com a presente reflexão, recolhendo-
se na jurisprudência, na doutrina e na ciência, em espe- cial, na psicologia, na pediatria e na
pedopsiquiatria, os contributos mais significativos e apresentando-se um caminho que,
ultrapassando uma perce- ção cristalizada dos papéis de género na família e a tradicional
hiperbolização da importância da figura materna no desenvolvimento dos filhos, se pretende
apenas escorado na prossecução do melhor interesse da criança e no respeito pelo dever de
obediência à lei, respondendo, noutra perspetiva, à evolução verificada ao nível da realidade
social, no âmbito da conjugalidade e da parentalidade, a que os Tribunais não podem
permanecer indiferentes17.

Questão da Presunção jurídica da residência alternada: Qual é a realidade vivida?

Alias, parece-me a mim que “reforçar a jurisprudência”, que já existe e até é tendencialmente
“mais frequente do que no passado”, mas “não revolucionar a forma como estas coisas se
processam”, continuando a caber sempre a decisão ao magistrado encarregado de cada
processo.

um projeto para que no que no Código Civil passasse a ficar consagrado que "o
tribunal privilegia a residência alternada do filho com ambos os progenitores,
independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de
alimentos, sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, tal
corresponda ao superior interesse daquele".

Agora, porém, o que vai constar do documento é que “quando corresponder ao


superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o
tribunal pode determinar a residência alternada do filho com ambos os
progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da
fixação de alimentos”.

Que impactos tem

Inúmeros investigadores têm procurado avaliar o impacto que as várias modalidades de guarda e residência,
após um divórcio, podem ter no desenvolvimento e bem-estar das crianças. Malin Bergström, psicóloga,
mediadora familiar e investigadora no Instituto Karolinska, em Estocolmo, realizou vários estudos ao longo
das últimas décadas e todos apontam a mesma conclusão: os indicadores de saúde física e mental e os
níveis de bem- estar das crianças filhas de pais divorciados que vivem em residência alternada são
melhores do que os daquelas que vivem apenas com o pai ou com a mãe. E isto tanto para as crianças
mais velhas e adolescentes, como para as crianças pequenas, entre os dois e os cinco anos. Na Suécia, mais
de 40 por cento das crianças cujos pais se separaram dividem o tempo entre a casa da mãe e a casa do pai.

A ideia de que o pai e a mãe têm sempre de estar de acordo para haver residência alternada é
um mito, Mesmo quando não existe esse acordo, este é o modelo que melhor serve os interesses
da criança, contribuindo mesmo para a diminuição do conflito.
A investigadora americana Linda Nielsen revelou mesmo que as situações de conflito entre os
pais e mães diminuem em 40% quando a opção é a residência alternada; mantém-se em 60%
dos casos e apenas em 1% se regista um aumento da conflitualidade.

Lendo o actual artigo sobre responsabilidades parentais, fica claro que o legislador até hoje tinha em mente sobretudo duas
situações a de residência exclusiva ou maioritária com um dos progenitores. É assim que o Código Civil estabelecia (e não
foi alterado) que para as questões de particular importância na vida do filho deve existir um exercício comum de
responsabilidades parentais (a menos que se julgue contrário ao interesse deste), mas que a responsabilidade relativa aos
actos da vida corrente do filho cabem ao progenitor com quem ele vive habitualmente (números 2 e 3 do arto 1906). No caso
da residência alternada a proposta é omissa quanto às responsabilidades parentais. Outra ambiguidade é introduzida pela
referência à pensão de alimentos. A opção agora aprovada pelo legislador foi de que a atribuição da residência alternada
pode ser feita “sem prejuízo da fixação de alimentos”. É certo que a lei não deve estimular uma eventual defesa da residência
alternada, como instrumental por parte do pagador da pensão de alimentos que esteja menos tempo com o filho, no
pressupostos que com isso poderia obter a sua eliminação.

Porém, também me parece lógico que uma alteração de acordo de residência parcial com um dos progenitores que paga x de
pensão de alimentos,

para um acordo de residência alternada, deverá implicar uma pensão menor (y<x) e eventualmente a supressão dessa pensão.
O critério aqui deve ser assegurar as necessidades objetivas e o bem-estar do menor e não a mera existência de uma
desigualdade de rendimentos dos progenitores. Não deve caber aos juízes serem instrumentos da política redistributiva do
Estado. Teria sido necessário pois densificar minimamente a questão da pensão de alimentos no Código Civil. Não o tendo
sido conviria que a AR se debruçasse agora sobre a secção “alimentos devidos a criança” do Regime Geral do Processo
Tutelar Cível. ´

Mas, infelizmente, não é o caso. Apenas aceitam que haja guarda alternada se as seguintes condições se verificarem
cumulativamente, passo a citar: «(a) Ausência de suspeita ou indícios de violência doméstica e de abuso sexual de crianças
intrafamiliar; (b) ausência de conflitualidade entre os pais; (c) proximidade geográfica; (d) capacidade de cooperação
elevada entre os pais; (e) modelos educacionais centrados na criança, em que esta é parte integrante da forma como os pais
organizam a logística da alternância; (f) compromisso de ambos os pais para fazer com que a parentalidade partilhada e a
residência alternada funcionem; (g) ambos os pais devem gozar, no seu local de trabalho, de práticas laborais amigas da
família; (h) estabilidade financeira de ambos; (i) confiança de cada um dos pais na competência do outro como progenitor.»

Em relação à residência alternada como pressuposto, mas não como presunção jurídica.

Defendo que não deve haver um regime regra a ser aplicado a todas as famílias, sem que determinadas variáveis
sejam previamente tidas em conta. Receio que um regime regra, de forma estanque e rígida, invalide a avaliação
prévia dessas mesmas variáveis. Cada caso é um caso e cada família tem as suas especificidades

Em segundo lugar, a residência alternada é um modelo que tem uma virtude social: favorece a igualdade parental e a
diminuição das diferenças de género, e pode destruir, em teoria, a perceção social de que o pai é pagador e a mãe é
cuidadora.

Porém, essa perceção, muitas vezes partilhada por não poucos juízes, não decorre da lei, mas da própria sociedade. É
discutível que essa imagem (pai pagador, mãe cuidadora) esteja em desaparecimento: não é isso que dizem os estudos que
indicam que, ainda na pendência dos casamentos ou das uniões, os homens e as mulheres portuguesas mantêm a defesa da
ideia de que a cada um dos sexos cabe um papel diferente na educação e na vida das crianças. É por isso que, apesar de
praticamente todos os técnicos e especialistas na matéria revelarem que a residência alternada se tem tornado a regra, o que
os dados demonstram é que a maioria das famílias monoparentais continua a ser composta pelas mães e não existem dados
objetivos sobre a repartição de residências. Ainda, é muito discutível que os homens portugueses sejam, em 2018, mais
participativos nas tarefas domésticas ou na educação diária dos seus filhos do que eram há dez anos.

Em quarto lugar, o que muitas vezes está em causa com a definição da residência dos menores em casos de divórcio é a
temática da alienação parental – isto é, os casos em que o progenitor dominante priva o outro do contacto com o filho de
ambos. A residência alternada, sobretudo quando definida em tenra idade, é útil na prevenção dessas situações, já que a
partir dela as crianças mantêm o contacto regular com ambos os pais e a consequente vontade em manter esse contacto. Mas,
como se disse, a residência alternada é permitida pela nossa legislação. Relativamente a este problema, o essencial seria
legislar no sentido de mais facilmente identificar e punir os progenitores alienadores, na medida em que a privação dos
menores do contacto com um dos seus pais constitui, na verdade, mau trato sobre a própria criança. E, antes disso, adotar um
modelo mais parecido com o canadiano, que assegure desde a primeira hora que, manifestando essa vontade, ambos os
progenitores têm direito à residência com os seus filhos.

Em suma, parece drástico criar na lei a presunção jurídica da residência alternada. O que neste ensaio se propõe, com base
nas referidas observações, é um passo mais moderado: que a legislação seja alterada no sentido de expressamente prever essa
possibilidade, de lhe criar condições e limites, e de avançar no sentido de evitar situações de alienação parental ou outro tipo
de maus tratos sobre crianças relativamente ao contacto com um dos progenitores. Uma coisa é certa: quando estamos a falar
de crianças, a regra tem de ser a do seu interesse, avaliado casuisticamente. E esse princípio não pode ser afastado.

Modelos em outros países


No Canadá, os canadianos têm um regime curioso que vale a pena analisar com mais detalhe.
Com efeito, o Canadá apenas prevê a guarda partilhada se os progenitores manifestarem a sua
opção por ela através de acordo.

Se os pais não chegam a esse acordo, a guarda é atribuída a apenas um deles. O entendimento
é então o de que não se pode obrigar um pai a colaborar na educação de um filho se não tem
interesse nisso.
Por outro lado, e ao mesmo tempo, os canadianos preveem situações de alienação parental, não
permitindo que pretendem permanecer em contacto com os seus filhos se vejam privados dessa
possibilidade.

Ou seja, a legislação e os tribunais canadianos não permitem que se mantenha a típica situação
de um pai que sustenta materialmente o seu filho não tenha a oportunidade de manter contacto
e residência com o mesmo.

A legislação europeia. Sem grandes reticências, o Conselho da Europa, através da Resolução 2079, de 2015, recomendou
aos Estados-membros a introdução na sua legislação do princípio de residência alternada depois da separação, limitando as
exceções aos casos de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na
residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses. Países como França, Holanda, Suécia e Bélgica
legislaram nesse sentido.

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