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A adoção poliafetiva na sociedade

contemporânea

Atualmente, são perceptíveis as mudanças nas definições das estruturas familiares no


Brasil. Porém, o surgimento de novas espécies de família causa certa polêmica por ferir
o tradicionalismo, principalmente no âmbito jurídico, visto que o direito de família
brasileiro carrega uma vasta influência do Direito Romano, extremamente patriarcal e
tradicional no que se trata das relações familiares.

Hoje, as estruturas familiares já não são mais formadas apenas pela união matrimonial
patriarcal como nos séculos passados (nos quais as leis canônicas eram impostas aos
cônjuges como lei maior) mas sim por laços amorosos e afetivos entre os membros. Isso
porque, com o surgimento da sociedade contemporânea e o afastamento (de certa
forma) das leis canônicas, a questão afetiva foi posta como um princípio norteador do
direito de família, para amparar decisões que envolvam, por exemplo, a poliafetividade.

O poliamor é uma espécie de relação não monogâmica, caracterizado pela relação


afetiva entre duas ou mais pessoas. Tais pessoas podem ser homossexuais ou
heterossexuais. Muito confundida com a poligamia – prática está proibida em território
brasileiro – o poliamorismo difere da primeira exatamente pela questão afetiva.
Enquanto a poligamia se caracteriza por diferentes relacionamentos paralelos, que não
necessariamente contam com o conhecimento e consentimento de todas as pessoas
envolvidas, no poliamor há um único relacionamento entre mais de duas pessoas, pois
todos os membros desse tipo de relação têm sentimentos e intimidades entre si, não
necessariamente sexuais, e buscam preservar o princípio da boa convivência e a
honestidade entre todos: todos se conhecem, se aceitam e consentem em se relacionar.
Inclusive, nesse tipo de relacionamento, os integrantes dessa estrutura familiar podem
ser fixos, podendo uns se envolverem com os outros com o intuito de manter-se uma
exclusividade entre os mesmos [1].
Desta forma, surge a questão do princípio da afetividade, muito discutido no âmbito
jurídico, por ser um princípio norteador do direito de família e por, de certa forma,
resguardar todos os direitos e possibilidades de constituição familiar para as famílias
poliafetivas, como por exemplo a adoção. Assim, da mesma forma que se reconhece a
afetividade entre uma mãe ou um pai e seu filho adotivo, a afetividade serve de base
para a proteção jurídica de qualquer relação entre duas ou mais pessoas, independente
de grau de parentesco, consanguinidade ou formalização de laços matrimoniais.

Especificamente sobre a adoção, percebe-se a importância da afetividade dentro deste


instituto que busca, a princípio, o bem-estar do adotado. Para tanto, estimula, por
exemplo, uma quantidade mínima de tempo nos centros adotivos, prevenindo um
desgaste emocional maior na criança ou no adolescente e contribuindo para a saúde da
futura convivência familiar.

A adoção de crianças e adolescentes é regulada pela Lei Nacional de Adoção (Lei n°.
12.010/09) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n°. 8.069/90) e hoje
é dividida em espécies. Uma das modalidades é, inclusive, a adoção homoafetiva,
permitida jurisprudencialmente desde que respeitando todos os requisitos legais do
processo adotivo. Porém, atualmente, devido a não aceitação da estruturação familiar
poliafetiva, a adoção por famílias poliafetivas enfrenta barreiras no âmbito jurídico, e o
seu não reconhecimento legal dificulta decisões delicadas dentro do direito de
família [2].

Mas, apesar das barreiras, o direito de família continua a evoluir e algumas decisões
judiciais dão esperança de um futuro mais inclusivo. Por exemplo, a decisão proferida
pelo juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude, Élio Braz Mendes, que deferiu o pedido de
guarda compartilhada feito pelos três responsáveis de uma criança de quatro anos,
levando em consideração o princípio da afetividade e o bem-estar da criança envolvida
no processo. Tal decisão configurou uma adoção poliafetiva, visto que na certidão da
menor constará dois pais biológicos e um socioafetivo, este último tendo relação
amorosa com um dos pais biológicos, configurando o papel de madrasta da criança e
com ela tendo desenvolvida uma relação socioafetiva [3].

Assim, percebe-se que o princípio da afetividade abrange todas os tipos de estruturas


familiares. É, em grande parte, devido a situação fática da falta de regulamentação para
a estrutura poli afetiva que esse instituto passa por diversas discussões desgastantes,
inflamadas por princípios monogâmicos e uma não aceitação social, ferindo o princípio
da dignidade humana e o da isonomia a estes tipos de família, não permitindo a
formação familiar através da adoção.

Portanto, deve-se priorizar o reconhecimento judiciário dessa espécie familiar para que
com ele sejam assegurados todos os direitos que lhes são resguardados, buscando uma
maior efetivação do direito de família com relação à adoção e ao parentesco civil
socioafetivo.

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