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Huh… por onde eu começo? Muitas coisas aconteceram na minha vida, pra falar a verdade.

Bem, acho que nada mais justo do que ir para onde tudo começou… meu nascimento. Sendo
sincero, não lembro muito dos meus pais, também dúvido que eles se lembrem de mim,
afinal, não teriam se dado ao trabalho de me largar pelado em um gueto qualquer. O frio era
intenso e a ausência de qualquer tipo de fonte de calor, a exposição do meu pequeno corpo
aos dejetos pútridos daquele lugar, somados a minha fome e sede traduziriam em uma
morte rápida e breve. Acho que as estrelas me sorriam naquele dia, pois não demorou
muito para alguém me encontrar à beira da morte… mas com forças o suficiente para buscar
a vida.

Minha salvadora? uma puta qualquer… ou cortesã, se você preferir. É como ela se referia a
sua profissão… uma das poucas tarefas que forneciam algum tipo de sustento em
Winterwoodsum subúrbio de uma cidade maior do império, a grande Polaris uma pequena
metrópole reconhecida por seu frio intenso em grande parte do ano, dado sua localização
geográfica, além de exportações de minérios de ferro e as ocasionais pedras preciosas… as
grandes cadeias gélidas escondiam muitos tesouros e mascaravam as pequenas corrupções
que existiam naquele lugar… praticamente amontoadas no lugar que eu chamei de casa por
grande parte de minha vida.

Ainda me questiono o que levou minha mãe a me socorrer dessa forma, quando tudo que
esse lugar lhe ensina é crueldade, egoísmo e depravações… acho que esse comportamento
empático e gentileza inata moldaram grande parte do que eu sou… muitos consideram isso
uma fraqueza, mas minha mãe, Noelle Neves, acreditava nessa bondade e que um dia… ela
poderia transformar esse lugar num paraíso… huh… é até cômico pensar nisso… mas até eu
acreditei nisso… eu compartilhava desse mesmo sonho.

De certa forma, tínhamos um certo reconhecimento da comunidade… a Damae o


Vagabundo… eram alguns apelidos que recebíamos. Enquanto minha mãe era recebida com
elogios, caprichos e todo tipo de mordomia… não tive tanta sorte. Acho que meu sangue
híbrido, além de minha curiosidade ávida e senso pelo certo resultaram em muitos inimigos
aos meus pés… e poucos aliados. Costumava me meter em vários problemas, sempre
tentando entender a natureza deles e buscando a verdade… único cerne da questão é que a
maioria das pessoas desse lugar gostam de manter os seus segredos na escuridão… e
prezam muito por privacidade.

Com o tempo, aprendi a controlar boa parte desses “maus” hábitos e desenvolvi habilidades
mais… sutis… para fazer o que eu quisesse nesse buraco… a maioria das pessoas nunca
duvidava dos apetrechos e roupas exóticas que minha mãe vestia regularmente, já ela,
assumia que eram presentes de algum admirador secreto… como já houveram algumas
vezes. Eu sempre tentei fazer minha parte para ajudar ela no trabalho e até para conseguir
algum tipo de sustento para nós, tendo muito cuidado de onde, ou melhor, de quem eu
estava tirando… afinal, pra quem tem muito, perder um pouco não faz falta.

Contudo, nosso pequeno paraíso, que aos poucos tornava-se realidade, foi estilhaçado da
noite para o dia duma forma que eu não esperava e, muito menos, pudesse evitar. De início,
eu pensava que não era nada demais… ela dizia que se encontrou com um novo rapaz… que
ele era diferente… imaginei que isso fosse algo mais efêmero e que em breve iria passar,
pois, ela já havia deparado-se com situações assim antes e, quando a decepção chegava,
engolia suas lágrimas e seguia adiante. Porém, não foi isso que aconteceu… os seus
sentimentos por aquele homem só aumentavam e ela começou a plantar ideias na minha
cabeça… de que o tal homem poderia nos tirar dessa vida.

Comecei a acreditar nisso também, assim como acreditei no primeiro sonho de minha mãe…
porém, não esperava que este imundo fosse apenas um pedaço de merda nesse lugar
maldito… a diferença? Ele sabia esconder isso bem… muitobem… eu deveria ter duvidado
quando ninguém nunca ouviu falar em seu nome… quando ele era evasivo em suas
respostas sobre seu passado… como ele ostentava de tanto dinheiro e, mesmo assim,
escolheu estar ali… ele queria estar ali… ele buscava algo… quando o encontrou, sumiu sem
deixar rastros. Quando acordei no dia seguinte, não consegui encontrar nenhum sinal da
minha mãe… roupas… pegadas… pertences… nada. O pior é que as pessoas se fingiam de
idiotas… como se não a conhecessem… e me olhavam com pena e diziam para eu esquecer
também, para não me envolver… desgraçados.

Por alguns anos, eu tentei de tudo. Cada lembrança, cada pista mínima, cada boato, cada
fofoca… nenhuma informação concreta… nenhuma respostas… e só mais perguntas. Quando
eu achei que tinha finalmente encontrado uma chance, uma oportunidade de entender o
que aconteceu… sofri minha primeira retaliação. A partir desse ponto, a realidade começou
a cair sobre mim e a minha esperança desabou… chorei por muitos dias e quase morri de
fome, pois mal tinha vontade de levantar da cama. Ainda me pergunto como sobrevivi
naquela noite, mas desde que ganhei a cicatriz em minha jugular que eu desisti de tudo.

Provavelmente eu não teria escapado dessa, se não fosse por uma de minhas poucas
amizades aqui: SallyRooney, nossa história é longa e entediante, mas ela tinha uma dívida
de gratidão comigo. Não só por minha proteção contra clientes aproveitadores, mas
também, por ter salvado sua vida durante uma tentativa de latrocínio, se não fosse por sua
aparência, talvez ela se juntasse às demais garotas do bordel, mas acredito que ela esteja
feliz com o que faz sendo costureira e maquiadora das mesmas.

Achei que tinha superado isso, que podia seguir em frente, mas as amarras do passado e
cicatrizes de minha ineficiência pra sempre mancharam o meu futuro e nunca pude deixar
isso de fato. Entretanto, tudo mudou num fatídico dia que encontrei uma máscara… ou “ela”
me encontrou. Não lembro exatamente das condições ou do dia em si, parece que eu bati a
cabeça ou algo do tipo… o que eu lembro é de ver um enorme brilho verde no céu estrelado,
rasgando os céus em direção a essa cidade. De telhado em telhado, rapidamente eu cheguei
ao local e me deparei com o objeto em uma pequena cratera… daí em diante é tudo um
breu pra mim.

Acordei no dia seguinte em minha humilde residência, com a máscara aderida ao meu rosto.
A removi com estranheza e comecei a inspecioná-la… parecia algo velho e… místico.Toda
vez que eu segurava esse objeto em minhas mãos, eu escutava sussurros em vozes
desconhecidas, em línguas estranhas… me sentia estranho e com um pouco de medo. Achei
melhor me livrar de tal objeto, mas assim que eu tentava fazê-lo, algo na minha cabeça me
fazia mudar de ideia… talvez fosse a máscara, talvez fosse minha curiosidade.

Tentei deixar ela de lado, ao invés, prosseguindo com os meus dias normalmente… contudo,
a normalidade me deixou de lado a partir do momento que encontrei esse objeto. Sonhos,
visões… coisas que eu não compreendia… outras pessoas… outras máscaras… vários
indivíduos mascarados olhando pra mim. Acho que esperavam algo de mim… ou estavam
me analisando, não sei dizer ao certo… mas isso estava me destruindo mentalmente. Eu só
queria ter a minha paz, só queria ter averdadeque eu buscava… mas tudo que recebo é o
tormento do desconhecido e do meu passado.

Numa madrugada, enquanto tentava buscar algum tipo de sossêgo sob a luz do luar,
manuseio a máscara em minhas mãos, analisando sua superfície e sua aparência… e
continuo tão confuso quando a encontrei… mas… eu percebo algo de errado, algo de
estranho… ela sempre foi assim? Parecia estar diferente… não só em aparência, mas… algo
dentro dela parecia ter mudado… ou despertado. Minha ousadia superou minha hesitação,
minha curiosidade venceu o meu medo e… coloquei mais uma vez a máscara.

Quando recobrei meus sentidos, meu corpo estava completamente dolorido, meus pés
totalmente inchados e minha garganta implorando por água e qualquer tipo de comida, eu
estava em um lugar diferente… um lugar muito longe de casa. Estava confuso, sem entender
o que acontecia… talvez fosse um sonho? Acho que não, o barulho do meu estômago
roncando parecia real demais pra mim… até me belisquei algumas vezes para ter certeza.

Andando por mais alguns minutos, encontrei um pequeno córrego próximo a uma área mais
urbana… a água era cristalina e parecia muito refrescante. Acho que minha prioridade agora
era descansar, antes de tentar entender o que estava acontecendo. Me sentei ao lado dessa
fonte de água e descansei um pouco, lavando meus pés, minhas mãos e… meu rosto?!

Era quase imperceptível para mim, mas ela estava lá: a máscara. Aproximei meu rosto do
córrego e pude ver que a mesma estava bem fixada… também notei que meus olhos
estavam verdes, mas eu tinha certeza que eles eram castanhos. Tentei removê-la de
imediato, mas mal consegui afastar ela do meu rosto… apenas consegui levantar ela um
pouco, revelando minha boca. Isso me deixou mais preocupado ainda… bom, ao menos, eu
consigo beber e comer.

Passei longos minutos, talvez horas ali. Estava tentando entender o que me aconteceu,
enquanto alternava entre teorias sobre o que aconteceu e tentativas de retirar o objeto do
meu rosto. Magia? Maldição? Sequestro? São muitas hipóteses, mas com certeza essa
máscara fez alguma coisa comigo, ou melhor, ela me fez fazer algumas coisas. À beira de um
verdadeiro ataque de pânico, sou inundado por uma onda de lama… cortesia de uma
carroça muito veloz que passou nas proximidades… os desgraçados nem pararam para pedir
desculpas… porém, observo algo interessante… um símbolo na mesma.

Para muitos… isso não seria nada demais, mas para mim… aquilo era tudo. O resultado de
anos de investigação, de barganha, de suor… tudo perdido numa noite, quando fui atacado
por figuras encapuzadas… que, apesar de não levarem minha vida, me tiraram de minhas
descobertas, minhas anotações… e da única prova sólida que eu tinha… esse brasão… o
mesmo brasão que vi de relance nos bolsos daquele homem.

Talvez fosse coincidência, a máscara, o destino ou algum tipo de poder sobrenatural agindo
sobre mim… não importa, eu tô pouco me fodendo. Não importa o que aconteceu ou o que
deixou de acontecer, o que importa é isso: eu tenho mais uma chance… tenho mais
experiência… tenho uma maior determinação… e não vou deixar essa oportunidade ir em
vão… Conforme acompanho ao longe a carroça com aquele brasão, não posso deixar de
notar o formigamento em meu rosto, meus sentidos aguçados, os meus olhos
luminescentes… e os sons de risadas em minha cabeça.
“Ha…Ha…Ha…Ha…”

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