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Resenha

LANGER, Johnni. Na trilha dos Vikings: Estudos de religiosidade nó rdica. Joã o


Pessoa: Editora da UFPB, 2015. 284p. ISBN: 978-85-237-0992-1.

Jéssica de Souza Lira*

A publicaçã o do livro NA TRILHA DOS VIKINGS: estudos de religiosidade


nórdica expande o pequeno leque de leituras disponíveis em língua portuguesa a
respeito da histó ria, cultura, e, sobretudo, religiosidade dos povos que habitaram
a Escandiná via na Era Viking. O professor Dr. Johnni Langer elabora
cuidadosamente um panorama com alguns dos aspectos fundamentais para
compreensã o do que hoje conhecemos como sendo as principais fontes que
trazem representaçõ es descritivas do imaginá rio destes povos.

Trazendo conceitos e apresentando conteú dos das Eddas, sagas, estelas e


outras fontes das quais obtemos as informaçõ es sobre os meios de vida do povo
viking, o autor utiliza-se de um vasto acervo bibliográ fico para explicitar ideias
de diversos pesquisadores a respeito do tema e firmar seu ponto de vista no
interior das discussõ es. Logo na introduçã o da obra esclarece que o termo viking
é empregado para designar o povo que habitava a Escandiná via entre os séculos
VIII e XI d.C. Essa será , portanto, a maneira que també m empregaremos no
presente trabalho.

Vá rias sã o as dimensõ es a serem percebidas quando se trata de pesquisar


as formas de religiosidade nó rdicas. A interpretaçã o pode ser diferente de acordo
com diversos fatores. As informaçõ es variam se levados em conta a regiã o que
está sendo retratada, a fonte utilizada (escrita, imagé tica e etc.), o período
histó rico (pré -cristã o ou cristianizado) e até mesmo o autor embasador da
pesquisa. É certo que houve formas de religiosidade entre o povo da
Escandiná via pré -cristã , o que o autor está a questionar é se as fontes literá rias
utilizadas para expor essa religiosidade, sã o adequadas, ou ainda, se narram os
fatos com verossimilhança.

*
Mestranda vinculada ao Programa de Pó s Graduaçã o em Ciências das Religiõ es da Universidade
Federal da Paraíba. E-mail- jessicacz2007@hotmail.com

PLURA, Revista de Estudos de Religião, ISSN 2179-0019, vol. 7, nº 2, 2016, p. 368-372.


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A obra traz discussõ es referentes à composiçã o da literatura e uma


perspectiva crítica a respeito da mesma, questionando se ela retrata os
acontecimentos fidedignamente; se a tradiçã o oral perdeu ou nã o sua essê ncia ao
ser transferida para a escrita; se o autor de textos como o Codex Regius foi fiel
em seus escritos; se autores que permearam o período de passagem da oralidade
para a escrita estavam qualificados para desenvolver as narrativas e até mesmo
se eram imparciais ao elaborar seus textos. Este debate torna a discussã o ampla
e mostra diversas possibilidades de explicaçõ es para figuras míticas e seus feitos.

A prá tica de feitiçaria, por exemplo, era um dos pilares que


fundamentavam a crença desse povo no período pré -cristã o. Eles acreditavam
que algumas pessoas eram capazes de movimentar a natureza para beneficiar ou
prejudicar a comunidade atravé s de suas prá ticas, que envolviam grande
proximidade com elementos naturais, alé m de haver todo um misté rio e
isolamento social por parte de quem praticava os ritos. As duas primeiras partes
da obra sã o dedicadas justamente a explanaçõ es a cerca de prá ticas de magia e
de feitiçaria, supondo-se em um primeiro momento que há uma distinçã o entre
essas prá ticas.

Assim, o autor compreende que a feitiçaria pode ser situada no ambiente


má gico como objeto da magia ou como fonte de poder da magia. Os conceitos de
magia e feitiçaria estã o interligados, haja vista que à s praticantes de magia eram
dados os “títulos” de feiticeira ou bruxa. Termos que, conforme está disposto no
capítulo primeiro do livro, foram utilizados de modo inadequado pelos
tradutores das Eddas e das sagas, pois os mesmos relacionam-se ao imaginá rio
cristã o que só adentraram o mundo nó rdico por volta do século XIV e nã o no
período viking que é o período narrado por esses escritos. O que acontecia de
fato na Era Viking no que diz a respeito a prá ticas má gicas e de feitiçaria, segundo
o que defende Johnni, é narrado por algumas sagas, como a Bó sa saga, que é
inclusive trazida para obra atravé s do poema Buslubæn, o qual é transcrito,
traduzido, explicado e interpretado neste livro. Ainda segundo a avaliaçã o dada
pelo autor ao poema, há influê ncia cristã em sua transcriçã o, poré m grande parte
do conteú do do poema é de origem mítica pré-cristã e traz relatos importantes
para compreender as reais prá ticas má gicas do referido período.

Outra forma importante de prá tica má gica citada pelo autor é o seiðr, uma
espécie de composiçã o religiosa que estava presente na vida das comunidades

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rurais e que se relacionava com a deusa Freyja. A essa forma de magia eram
atribuídas prá ticas que manipulavam o tempo e elementos da natureza, como
composiçã o de porçõ es (venenos), além de estar relacionada com misté rios como
descoberta de segredos ligados ao espírito. Uma prá tica conhecida como
predominantemente feminina, mas que incluía vínculos à figuras masculinas
como a de Ó ðinn, que segundo o que é trazido na obra, utilizava-se dessas
prá ticas para adquirir e controlar o conhecimento, conhecer o futuro, trazer a
morte, entre outras coisas.

A magia nó rdica é ainda vista sob duas perspectivas pelos pesquisadores.


Há os que apregoam a ideia de que a magia pode ser vista como um dado real
presente na histó ria e os que a defendem como mero tema ficcional. Ambas as
perspectivas podem ser embasadas por interpretaçõ es feitas das sagas
islandesas. O autor defende que nos tempos pré -cristã os podem sim ter havido
figuras vinculadas a estas prá ticas e apoia sua teoria na comparaçã o que faz
entre a interpretaçã o de vá rios pesquisadores e na recorrência de narrativas a
respeito dessas profetisas nas sagas islandesas e nos poemas é ddicos.

Uma das investigaçõ es centrais trazidas pelo autor diz respeito ao


questionamento do uso das sagas como fonte de pesquisa das formas de
religiosidade nó rdica. Outra perspectiva importante da obra versa de uma
elaboraçã o concisa de comparativos feitos entre os períodos pré -cristã o e cristã o,
das proximidades e diferenças que sã o encontradas nas fontes durante a
transiçã o de um período para o outro e da influê ncia da cristianizaçã o na
composiçã o de fontes literá rias e imagé ticas para pesquisas do tema. O autor
atenta ainda para o fato de que ao pesquisar a religiosidade na Era Viking nã o se
deve ater a princípios universalistas, nem a regionalismos exacerbados, mas que
devem ser feitas avaliaçõ es do que há de prá tica aná loga entre vá rias
comunidades e també m das particularidades de algumas regiõ es.

O terceiro capítulo, em nossa opiniã o, é outro ponto importante da obra,


pois nele, encontramos rica descriçã o de detalhes a respeito dos períodos pré-
cristã o e cristã o e da influência desse fenô meno histó rico sob o que conhecemos
hoje a respeito do povo da Escandiná via que viveu entre os sé culos VIII e XI d.C,
já que durante o período de cristianizaçã o grande parte da cultura local foi
reelaborada, reinterpretada e por muitas vezes até desfeita. A respeito disso,
percebemos a partir da leitura desta obra que grande parte da literatura

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disponível para pesquisas a respeito dos vikins sofreu influê ncia cristã ao ser
composta; essa regra se aplica tanto para as fontes escritas como para as fontes
iconográ ficas. Para ilustrar a passagem da tradiçã o oral para a escrita, por
exemplo, Johnni traz no capítulo supracitado uma aná lise da conversã o da Njá ls
saga, que era transmitida de forma oral, foi escrita por autor desconhecido, que
por sua vez nã o teve seu manuscrito original preservado acreditando-se que a
có pia mais antiga que se tem acesso sofreu influê ncias cristã s ao ser composta
(ou reescrita). A saga traz tanto elementos cristã os como elementos má gicos,
típicos das crenças pré -cristã s, talvez esse fato se deva a uma prá tica comum do
cristianismo, a saber: trazer para si o que pode ser readaptado de culturas pré -
cristã s e renegar e condenar o que nã o pode ser inserido no seu campo de
crenças.

No capítulo que segue o tema central sã o as fontes iconográ ficas para a


pesquisa dos mitos nó rdicos e algumas estelas que tratam a respeito da
religiosidade desse povo. Segundo o autor o uso de fontes iconográ ficas para
pesquisas nessa á rea vem sendo utilizado há pouco tempo, mas tem trazido
outras possibilidades de interpretaçã o de mitos nó rdicos, pois alcançam uma
representaçã o do imaginá rio que o texto escrito nã o consegue resguardar. Nas
estelas de Gotland, que sã o as utilizadas nessa obra, a maior parte das pinturas
e gravuras sã o imagé ticas e a escrita existe em um escala muito pequena. Por
serem de origem mais primá ria existe a possibilidade destas estelas serem mais
fié is ao imaginá rio nó rdico. Deste modo, as estelas sã o interpretadas em
conjunto, uma sequê ncia de imagens compõ e uma representaçã o mítica passível
de compreensã o e interpretaçã o. As estelas tratam de temas míticos, de símbolos
religiosos e cenas histó ricas, o que faz com que seja possível uma explanaçã o
mais aprofundada do comportamento religioso de um povo.

No pró ximo capitulo há uma proposta de releitura das fontes literá rias que
tratam de mitos escandinavos. Uma primeira coisa a se pensar aí diz respeito à
questã o da filtragem que as informaçõ es vã o sofrendo, já que, primeiro sã o
passadas de forma oral e depois convertidas para escrita, o que nos traz
informaçõ es de “segundo grau” muitas vezes distanciando fato e narrativa.
Deparamos-nos, pois, com questionamentos relacionados a uma das principais
fontes literá rias, as Eddas, que podem ser divididas em poé tica e em prosa,
aquelas mais pró ximas da tradiçã o oral e trazendo textos com pouca ordem
formalizada, esta com estrutura formal e perspectiva mais racionalizada do mito.

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També m nesta parte da obra, como em todas as outras, o autor traz parte de
uma fonte (neste caso o poema Þrymskviða) e o analisa.

Nos dois ú ltimos capítulos trata-se sobre um tema importante para uma
melhor compreensã o da crença nó rdica, o mito do dragã o nas Eddas e nas sagas.
De modo geral, estes capítulos explicam o papel que os dragõ es representam
para o imaginá rio do povo viking e expõ e que essas criaturas sã o responsá veis
por promover desordem, e sob algumas interpretaçõ es, ordem no mundo. Há
algumas diferenças e semelhanças entre os dragõ es descritos pelas sagas e pelas
Eddas, mas interpretando o todo, há muito mais proximidades entre as
narrativas.

O tema do livro é tratado pelo autor com bastante seriedade e


profundidade, por isso, infelizmente, nã o se faz possível explicar a obra com mais
detalhes em um trabalho de síntese, como este. Por isso, elaboramos um
panorama geral de cada capitulo e tentamos expor as principais ideias e
posicionamentos do autor a respeito do tema. Assim, propomos a leitura da obra
para melhor compreensã o dos temas que citamos de modo rá pido. Apesar de o
livro parecer estar se voltando para um pú blico acadê mico, acreditamos que
també m pode ser apreciado por leitores eventuais, já que as informaçõ es trazidas
pelo mesmo sã o bem articuladas e podem enriquecer o conhecimento de
qualquer pessoa que esteja interessada na histó ria, cultura e crenças do povo
viking.

Partindo das conclusõ es tomadas pelo autor no decorrer de cada capítulo


e especialmente ao final deles, interpretamos que ao pesquisar a religiosidade
nó rdica devemos atentar para todas as dimensõ es sociais, além de tomar
conhecimento de perspectivas trazidas por vá rios autores. Portanto, quando
formos pesquisar religiosidade nó rdica, nã o podemos limitar nossa visã o para
uma verdade absoluta, nem tomar por verdadeira a primeira fonte com a qual
nos deparemos, pois nã o se trata de afirmar que uma teoria está certa, mas sim
de elaborar uma reflexã o adequada a respeito do tema de modo que no decorrer
da pesquisa possamos aderir a um determinado ponto de vista.

Recebida em 15/01/2016, revisada em 06/07/2016, aceita para publicaçã o em


06/07/2016.

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