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Resenha

LANGER, Johnni. Na trilha dos Vikings: Estudos de religiosidade nórdica. João


Pessoa: Editora da UFPB, 2015. 284p. ISBN: 978-85-237-0992-1.

Jéssica de Souza Lira*

A publicação do livro NA TRILHA DOS VIKINGS: estudos de religiosidade


nórdica expande o pequeno leque de leituras disponíveis em língua portuguesa a
respeito da história, cultura, e, sobretudo, religiosidade dos povos que habitaram
a Escandinávia na Era Viking. O professor Dr. Johnni Langer elabora
cuidadosamente um panorama com alguns dos aspectos fundamentais para
compreensão do que hoje conhecemos como sendo as principais fontes que
trazem representações descritivas do imaginário destes povos.

Trazendo conceitos e apresentando conteúdos das Eddas, sagas, estelas e


outras fontes das quais obtemos as informações sobre os meios de vida do povo
viking, o autor utiliza-se de um vasto acervo bibliográfico para explicitar ideias de
diversos pesquisadores a respeito do tema e firmar seu ponto de vista no interior
das discussões. Logo na introdução da obra esclarece que o termo viking é
empregado para designar o povo que habitava a Escandinávia entre os séculos
VIII e XI d.C. Essa será, portanto, a maneira que também empregaremos no
presente trabalho.

Várias são as dimensões a serem percebidas quando se trata de pesquisar


as formas de religiosidade nórdicas. A interpretação pode ser diferente de acordo
com diversos fatores. As informações variam se levados em conta a região que
está sendo retratada, a fonte utilizada (escrita, imagética e etc.), o período
histórico (pré-cristão ou cristianizado) e até mesmo o autor embasador da
pesquisa. É certo que houve formas de religiosidade entre o povo da
Escandinávia pré-cristã, o que o autor está a questionar é se as fontes literárias
utilizadas para expor essa religiosidade, são adequadas, ou ainda, se narram os
fatos com verossimilhança.

*
Mestranda vinculada ao Programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões da Universidade
Federal da Paraíba. E-mail- jessicacz2007@hotmail.com

PLURA, Revista de Estudos de Religião, ISSN 2179-0019, vol. 7, nº 2, 2016, p. 368-372.


Resenha
J. S. Lira – Resenha de J. Langer. Na trilha dos Vikings… 369

A obra traz discussões referentes à composição da literatura e uma


perspectiva crítica a respeito da mesma, questionando se ela retrata os
acontecimentos fidedignamente; se a tradição oral perdeu ou não sua essência ao
ser transferida para a escrita; se o autor de textos como o Codex Regius foi fiel
em seus escritos; se autores que permearam o período de passagem da oralidade
para a escrita estavam qualificados para desenvolver as narrativas e até mesmo
se eram imparciais ao elaborar seus textos. Este debate torna a discussão ampla
e mostra diversas possibilidades de explicações para figuras míticas e seus feitos.

A prática de feitiçaria, por exemplo, era um dos pilares que


fundamentavam a crença desse povo no período pré-cristão. Eles acreditavam
que algumas pessoas eram capazes de movimentar a natureza para beneficiar ou
prejudicar a comunidade através de suas práticas, que envolviam grande
proximidade com elementos naturais, além de haver todo um mistério e
isolamento social por parte de quem praticava os ritos. As duas primeiras partes
da obra são dedicadas justamente a explanações a cerca de práticas de magia e
de feitiçaria, supondo-se em um primeiro momento que há uma distinção entre
essas práticas.

Assim, o autor compreende que a feitiçaria pode ser situada no ambiente


mágico como objeto da magia ou como fonte de poder da magia. Os conceitos de
magia e feitiçaria estão interligados, haja vista que às praticantes de magia eram
dados os “títulos” de feiticeira ou bruxa. Termos que, conforme está disposto no
capítulo primeiro do livro, foram utilizados de modo inadequado pelos tradutores
das Eddas e das sagas, pois os mesmos relacionam-se ao imaginário cristão que
só adentraram o mundo nórdico por volta do século XIV e não no período viking
que é o período narrado por esses escritos. O que acontecia de fato na Era Viking
no que diz a respeito a práticas mágicas e de feitiçaria, segundo o que defende
Johnni, é narrado por algumas sagas, como a Bósa saga, que é inclusive trazida
para obra através do poema Buslubæn, o qual é transcrito, traduzido, explicado
e interpretado neste livro. Ainda segundo a avaliação dada pelo autor ao poema,
há influência cristã em sua transcrição, porém grande parte do conteúdo do
poema é de origem mítica pré-cristã e traz relatos importantes para compreender
as reais práticas mágicas do referido período.

Outra forma importante de prática mágica citada pelo autor é o seiðr, uma
espécie de composição religiosa que estava presente na vida das comunidades

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rurais e que se relacionava com a deusa Freyja. A essa forma de magia eram
atribuídas práticas que manipulavam o tempo e elementos da natureza, como
composição de porções (venenos), além de estar relacionada com mistérios como
descoberta de segredos ligados ao espírito. Uma prática conhecida como
predominantemente feminina, mas que incluía vínculos à figuras masculinas
como a de Óðinn, que segundo o que é trazido na obra, utilizava-se dessas
práticas para adquirir e controlar o conhecimento, conhecer o futuro, trazer a
morte, entre outras coisas.

A magia nórdica é ainda vista sob duas perspectivas pelos pesquisadores.


Há os que apregoam a ideia de que a magia pode ser vista como um dado real
presente na história e os que a defendem como mero tema ficcional. Ambas as
perspectivas podem ser embasadas por interpretações feitas das sagas
islandesas. O autor defende que nos tempos pré-cristãos podem sim ter havido
figuras vinculadas a estas práticas e apoia sua teoria na comparação que faz
entre a interpretação de vários pesquisadores e na recorrência de narrativas a
respeito dessas profetisas nas sagas islandesas e nos poemas éddicos.

Uma das investigações centrais trazidas pelo autor diz respeito ao


questionamento do uso das sagas como fonte de pesquisa das formas de
religiosidade nórdica. Outra perspectiva importante da obra versa de uma
elaboração concisa de comparativos feitos entre os períodos pré-cristão e cristão,
das proximidades e diferenças que são encontradas nas fontes durante a
transição de um período para o outro e da influência da cristianização na
composição de fontes literárias e imagéticas para pesquisas do tema. O autor
atenta ainda para o fato de que ao pesquisar a religiosidade na Era Viking não se
deve ater a princípios universalistas, nem a regionalismos exacerbados, mas que
devem ser feitas avaliações do que há de prática análoga entre várias
comunidades e também das particularidades de algumas regiões.

O terceiro capítulo, em nossa opinião, é outro ponto importante da obra,


pois nele, encontramos rica descrição de detalhes a respeito dos períodos pré-
cristão e cristão e da influência desse fenômeno histórico sob o que conhecemos
hoje a respeito do povo da Escandinávia que viveu entre os séculos VIII e XI d.C,
já que durante o período de cristianização grande parte da cultura local foi
reelaborada, reinterpretada e por muitas vezes até desfeita. A respeito disso,
percebemos a partir da leitura desta obra que grande parte da literatura

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disponível para pesquisas a respeito dos vikins sofreu influência cristã ao ser
composta; essa regra se aplica tanto para as fontes escritas como para as fontes
iconográficas. Para ilustrar a passagem da tradição oral para a escrita, por
exemplo, Johnni traz no capítulo supracitado uma análise da conversão da Njáls
saga, que era transmitida de forma oral, foi escrita por autor desconhecido, que
por sua vez não teve seu manuscrito original preservado acreditando-se que a
cópia mais antiga que se tem acesso sofreu influências cristãs ao ser composta
(ou reescrita). A saga traz tanto elementos cristãos como elementos mágicos,
típicos das crenças pré-cristãs, talvez esse fato se deva a uma prática comum do
cristianismo, a saber: trazer para si o que pode ser readaptado de culturas pré-
cristãs e renegar e condenar o que não pode ser inserido no seu campo de
crenças.

No capítulo que segue o tema central são as fontes iconográficas para a


pesquisa dos mitos nórdicos e algumas estelas que tratam a respeito da
religiosidade desse povo. Segundo o autor o uso de fontes iconográficas para
pesquisas nessa área vem sendo utilizado há pouco tempo, mas tem trazido
outras possibilidades de interpretação de mitos nórdicos, pois alcançam uma
representação do imaginário que o texto escrito não consegue resguardar. Nas
estelas de Gotland, que são as utilizadas nessa obra, a maior parte das pinturas
e gravuras são imagéticas e a escrita existe em um escala muito pequena. Por
serem de origem mais primária existe a possibilidade destas estelas serem mais
fiéis ao imaginário nórdico. Deste modo, as estelas são interpretadas em
conjunto, uma sequência de imagens compõe uma representação mítica passível
de compreensão e interpretação. As estelas tratam de temas míticos, de símbolos
religiosos e cenas históricas, o que faz com que seja possível uma explanação
mais aprofundada do comportamento religioso de um povo.

No próximo capitulo há uma proposta de releitura das fontes literárias que


tratam de mitos escandinavos. Uma primeira coisa a se pensar aí diz respeito à
questão da filtragem que as informações vão sofrendo, já que, primeiro são
passadas de forma oral e depois convertidas para escrita, o que nos traz
informações de “segundo grau” muitas vezes distanciando fato e narrativa.
Deparamos-nos, pois, com questionamentos relacionados a uma das principais
fontes literárias, as Eddas, que podem ser divididas em poética e em prosa,
aquelas mais próximas da tradição oral e trazendo textos com pouca ordem
formalizada, esta com estrutura formal e perspectiva mais racionalizada do mito.

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Também nesta parte da obra, como em todas as outras, o autor traz parte de
uma fonte (neste caso o poema Þrymskviða) e o analisa.

Nos dois últimos capítulos trata-se sobre um tema importante para uma
melhor compreensão da crença nórdica, o mito do dragão nas Eddas e nas sagas.
De modo geral, estes capítulos explicam o papel que os dragões representam
para o imaginário do povo viking e expõe que essas criaturas são responsáveis
por promover desordem, e sob algumas interpretações, ordem no mundo. Há
algumas diferenças e semelhanças entre os dragões descritos pelas sagas e pelas
Eddas, mas interpretando o todo, há muito mais proximidades entre as
narrativas.

O tema do livro é tratado pelo autor com bastante seriedade e


profundidade, por isso, infelizmente, não se faz possível explicar a obra com mais
detalhes em um trabalho de síntese, como este. Por isso, elaboramos um
panorama geral de cada capitulo e tentamos expor as principais ideias e
posicionamentos do autor a respeito do tema. Assim, propomos a leitura da obra
para melhor compreensão dos temas que citamos de modo rápido. Apesar de o
livro parecer estar se voltando para um público acadêmico, acreditamos que
também pode ser apreciado por leitores eventuais, já que as informações trazidas
pelo mesmo são bem articuladas e podem enriquecer o conhecimento de
qualquer pessoa que esteja interessada na história, cultura e crenças do povo
viking.

Partindo das conclusões tomadas pelo autor no decorrer de cada capítulo


e especialmente ao final deles, interpretamos que ao pesquisar a religiosidade
nórdica devemos atentar para todas as dimensões sociais, além de tomar
conhecimento de perspectivas trazidas por vários autores. Portanto, quando
formos pesquisar religiosidade nórdica, não podemos limitar nossa visão para
uma verdade absoluta, nem tomar por verdadeira a primeira fonte com a qual
nos deparemos, pois não se trata de afirmar que uma teoria está certa, mas sim
de elaborar uma reflexão adequada a respeito do tema de modo que no decorrer
da pesquisa possamos aderir a um determinado ponto de vista.

Recebida em 15/01/2016, revisada em 06/07/2016, aceita para publicação em


06/07/2016.

PLURA, Revista de Estudos de Religião, ISSN 2179-0019, vol. 7, nº 2, 2016, p. 368-372.


IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH
TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA

A ANTROPOLOGIA COMO PANO DE FUNDO PARA A CRIAÇÃO DE DEUS E


DAS RELIGIÕES EM LUDWIG FEUERBACH
Antunes Ferreira da Silva1
Jéssica de Sousa Lira2
RESUMO

Analisar o ateísmo proposto por Feuerbach apresentando-o como antropologia é


um dos principais objetivos da presente pesquisa. Tendo em vista que o referido
filósofo está preocupado não com a negação de Deus, mas com a autoafirmação
do homem, pode-se afirmar que essa forma de ateísmo é, em suas bases,
antropologia. Para o estudo do tema foi desenvolvida uma revisão bibliográfica e
utilizado o método dedutivo, de modo que a apresentação das teorias está
fundamenta em obras do filósofo e de alguns comentadores. Feuerbach afirma que
o homem cria Deus e não o contrário, que teologia é antropologia e que a essência
divina é mesma que a essência humana. A partir desses três pontos já se faz
possível defender que a antropologia é norteadora das teses do referido filósofo.
Feuerbach explica que o homem cria Deus pela necessidade de um padrão no qual
possa se pautar para atingir a perfeição, no entanto, essa realidade aliena o
homem, haja visto que o homem não pode ser perfeito para um ser além físico.
Para o filósofo, o homem só pode ser perfeito para si, para seu gênero. Assim, ele
propõe que se dê um processo de desalienação. Para que isso ocorra, uma nova
religião entra em cena, a religião antropológica, que permite ao homem religar-se a
si e pautar seu comportamento no próprio gênero. Esse é o apogeu no ateísmo
antropológico identificado nas obras do autor; uma religião que tome o homem por
193
Deus e o faça buscar sua essência, ou seja, que mostre as coisas por meio delas
mesmas e não através de algo alheio a realidade material do indivíduo. Para
Feuerbach o homem só pode ser objeto do próprio homem e a busca pela essência
humana o faz consciente e o desaliena. Diante disso conclui-se que o ateísmo
defendido por Feuerbach e grande parte de sua filosofia estão voltados para campo
antropológico, ou ainda, que a antropologia é o escopo fundamental do
pensamento do filósofo.
Palavras-chave: Antropologia. Homem. Essência. Deus.

ABSTRACT

Analyze the atheism proposed by Feuerbach presenting it as anthropology is one of


the main objectives of this research. Considering that the said philosopher is
concerned not with the denial of God, but with the self-affirmation of man, it can be
stated that this form of atheism is, in his bases, anthropology. To the theme of the
study was developed a bibliographic review and used the deductive method, so that
the presentation of the theories are founded on the works of the philosopher and
some commentators. Feuerbach affirms that man creates God and not the opposite,
that theology is anthropology and that the divine essence is same as the human

1
Mestre em Filosofia (UFPB). Professor de Filosofia da Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG).
2
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (UFPB). Graduada em
Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (FAFIC).

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essence. From these three points is already be possible to defend that anthropology
is guiding the referred philosopher of that thesis. Feuerbach explains that the man
criates God in the need for a pattern in which can be guided to achieve perfection,
however, this reality alienates the man, given the fact that man can not be perfect
for a being beyond physical. For the philosopher, the man can only be perfect for
himself, for his gender. So, he proposes to take a disalienation process. For this to
happen, a new religion arrives on the scene, the anthropological religion, which
allows man to reconnect themselves and guide their behavior in the genre itself.
This is the apogee in the anthropological atheism identified in the works of the
author; a religion that takes the man by God and do and make then search for own
essence, in other words, that shows things by means of themselves and not by
something alien to the individual's material reality. For Feuerbach man can only be
the object of man himself and the pursuit of human makes him conscious and
disalienated. Therefore, it is concluded that atheism defended by Feuerbach and
much part of his philosophy, are directed to the anthropological field, or even, that
the anthropology is the essential scope of the philosopher's thought.
Keywords: Anthropology. Man. Essence. God.

INTRODUÇÃO

Em muitos cenários de discussão da filosofia de Feuerbach (1804-1872),


são expostos argumentos e interpretações capazes de demonstrá-lo como sendo
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um filósofo ateu. É certo que essas afirmações são pertinentes e adequadas. No
entanto, não se trata de reduzir a isso o pensamento desse pensador. Por trás do
ateísmo feuerbachiano, ou arraigado a ele, está sua proposta de uma antropologia.
Afirmar a existência de uma antropologia nas obras de Feuerbach, que tanto
tratam sobre críticas à religião, é possível, particularmente, quando a teologia, de
acordo com seu pensamento, é exposta como antropologia. Essa afirmação faz
referência a uma das ideias principais difundas pelo filósofo: a ideia de que o
homem deve se pôr no centro dos próprios questionamentos e que deve tornar-se
Deus para si mesmo, ou seja, objeto de si.
Um segundo motivo que justifica a existência de uma antropologia no
pensamento feuerbachiano é a pergunta pela essência humana. Feuerbach postula
que a essência humana consiste no ato do homem tornar-se objeto de si, como
forma de se chegar à sua essência. Outra razão pertinente que pode levar à
percepção de uma antropologia feuerbachiana é a opinião do próprio Feuerbach a
respeito de Deus, pois ele afirma a não criação do homem por parte de Deus, mas,
sim, o contrário.

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Perguntar por Deus é, de modo estrito, o mesmo que perguntar pelo homem
e por sua essência. No entanto, para que se chegue a essa conclusão, é
necessário passar por todo um processo que pode ser chamado de desalienação.
O que se pretende aqui afirmar é que o homem, em um primeiro momento, aliena-
se a uma realidade dogmática na qual se afirma que Deus criou o homem sua
imagem e semelhança e que por conta disso são encontradas no homem
características divinas. Nesse cenário de crenças dogmáticas, o homem se
encontra num estágio de consciência adormecida e atribui a Deus muitos dos
fenômenos presentes em sua vida. Essa realidade além de alienar o homem, o
afasta de sua essência. A busca pela essência humana em Deus (enquanto ser
divino e metafísico) não é admissível, segundo Feuerbach, uma vez que essa
essência está no próprio homem enquanto gênero. Uma coisa só faz sentindo se
for interpretada a partir dela mesma.
Partindo desses princípios é que se há de expor no texto algumas premissas
que fundamentem a afirmação de uma antropologia ou ateísmo antropológico nas

195
obras de Feuerbach. Para tanto, utilizaremos os conceitos de consciência,
essência e hipostatização.

O HOMEM CRIA DEUS E FAZ-SE OBJETO DE SI

Feuerbach elabora sua crítica à religião levantando questionamentos acerca


de Deus; pondo em dúvida sua divindade e transcendência; afirmando que tanto
Deus quanto a religião são criações humanas e, por esse motivo, suas
características e sua essência são reflexo das características e essência humanas.
Note-se que há uma inversão, se comparados o pensamento deste filósofo e a
proposta do cristianismo. Nesse estágio de consciência, o homem percebe que os
predicados que se atribuem a Deus são, na verdade, predicados humanos.
Consoante afirma: “[...] a religião é a reflexão, a projeção da essência humana
sobre si mesma” (FEUERBACH, 2012, p. 88). Assim, é possível afirmar que Deus é
reflexo daquilo que o homem é em sua essência. Entretanto, a autoafirmação do
homem não implica a negação de Deus. Ressalta-se que a pretensão, aqui, é
apenas certificar-se de que Deus e religião são criações humanas. Como diz
Aleixo:

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[...] da mesma maneira, longe de negar Deus, apenas o reconduz àquilo


que considera ser a sua verdadeira personalidade, o homem. O homem é
o criador de todos os Deuses ou, dito por outras palavras, o sujeito de
qualquer religião só pode ser humano. Foi este pressentimento que levou
a teologia a inventar um Deus homem – Cristo (ALEIXO, 2009, p. 7).

Em outras palavras, o homem só se afirma enquanto homem, em sua


essência, quando é objeto de si mesmo. Desse modo, buscar em Deus a forma
mais sublime e perfeita das características humanas é em vão, porque tomar
conhecimento da essência de algo extratemporal, metafísico e ilimitado não é
provável para o gênero humano que é temporal, material e limitado. Para conhecer
a essência de Deus ou do homem é necessário, primeiro, que deles se tome
consciência e a “[...] consciência no sentido rigoroso existe somente quando, para
um ser, é objeto o seu gênero” (FEUERBACH, 2012, p. 35).
É razoável afirmar, em linhas gerais, a respeito da consciência, que relações
estabelecidas com elementos metafísicos são de cunho racional, esse raciocínio,
somente é possível, quando se interpreta a consciência enquanto ato puro de
pensar algo, de exercer a racionalidade caracteristicamente humana. No entanto, a
196
consciência aqui ressaltada, ou seja, em sentido estrito, faz referência não ao ato
deliberado de pensar, mas o ato de pensar a si mesmo, de tornar-se objeto do
próprio pensamento. Tendo em vista que a característica da racionalidade é uma
particularidade humana, apenas o ser humano pode tomar consciência de si, uma
vez que apenas ele é capaz de fazer-se objeto próprio de seu pensamento. Assim,
diz-se que a faculdade da consciência confere predicado peculiar ao gênero
humano e que esse é hábil ao conhecimento de sua essência, pois é capaz de
tomar consciência de si.
Para que se estipulem as relações referentes à razão e à essência, fazem-
se necessárias as participações efetivas de sujeito e objeto. O sujeito é entendido
como o agente ativo, participante direto do processo de busca pela essência, e o
objeto como produto final dessa busca, ou seja, a própria essência humana. Pode-
se, então, dizer que Deus não é o sujeito, mas que o sujeito é o próprio homem
que, ao fazer de Deus seu objeto, imprime-lhe predicados humanos, cria-o à sua
imagem e semelhança, produz uma essência divina a partir de qualidades
humanas e, ao buscar a essência desse Deus, acaba por se deparar com a própria
essência. “Se, pois, Deus tal como é, necessária e essencialmente – é um objecto

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do homem, então na essência desse objecto exprime-se apenas a própria essência


do homem” (FEUERBACH, 2008, p. 10). Portanto, sujeito, objeto, ser, essência,
homem e Deus sintetizam-se no homem e em sua atividade racional.

[...] assim como em geral as determinações metafísicas ou ontoteológicas


só têm verdade e realidade quando se reconduzem às determinações
psicológicas ou, antes, antropológicas, assim também a necessidade do
Ser divino na antiga metafísica ou ontoteologia só tem sentido e intelecto,
verdade e realidade, na determinação psicológica ou antropológica
(FEUERBACH, 2008, p. 8).

Somente por meio do homem, ser dotado de razão, é que a existência de


Deus pode ser efetivada e a religião criada. O homem cria uma divindade moral
(Deus metafísico) e uma física (Deus da religião, ou que se efetiva através dela), e
se aliena a essa realidade, sem se dar conta de que ele mesmo é criador e não
criatura, quando ainda se encontra num estágio de consciência adormecida e razão
condicionada. Ao relacionar-se com Deus e fazer-se instrumento da religião, o
homem abdica de grande parte dos anseios que lhe são inerentes, nisso consiste a
sua verdadeira limitação, fazendo com que a religião castre muitas das ações
197
humanas, o que pode representar retrocesso para seu gênero.
Para que o homem possa elevar a si, favorecendo o desenvolvimento de sua
consciência, ele carece do rompimento com a religião, devendo desprezar as suas
regras morais escravizantes ditadas. Esses são critérios primordiais para que o
homem possa pensar e agir por si e tomar o próprio gênero por parâmetro
comportamental. Assim, ele passa de um estágio de consciência adormecida para
a consciência de sua essência, como se pode perceber nas palavras do filósofo:

[...] minha intenção era mostrar que os poderes diante dos quais o homem
se curva e os quais teme na religião, diante dos quais ele não se intimida
nem mesmo de praticar sangrentos sacrifícios humanos a fim de aplacá-
los são apenas criações de sua própria afetividade servil e medrosa, assim
como de sua razão ignorante e inculta (FEUERBACH, 2009, p. 35-36).

Esse mecanismo de voltar-se para própria essência ou tomar consciência de


si enaltece o gênero humano, uma vez que faz com que o homem perceba que não
há necessidade de um ser metafísico que regule suas experiências, já que é capaz,
por si só, de reger o andamento de sua vida. O que interessa aqui é a negação dos
predicados de Deus em detrimento da afirmação dos predicados humanos, pois

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estes últimos satisfazem as necessidades do gênero, sem que seja necessária


intervenção divina.

RAZÃO, SENTIMENTO E VONTADE: A TRINDADE HUMANA OU ELEMENTOS


QUE CONSTITUEM A CONSCIÊNCIA

Para que o homem seja conhecedor de sua essência e possa voltar-se para
si como parâmetro comportamental, ele utiliza-se de três elementos que são a
própria composição dessa essência, a saber: a razão (entendimento), o sentimento
(coração ou amor) e a vontade (ato de desejar). Essas são características
específicas do gênero humano e lhe atribuem a possibilidade de viver em função
de si mesmo, tendo em vista que o homem contemplado por essas qualidades é
tido como completo; segundo o próprio Feuerbach (2012, p. 36) “um homem
completo possui a força do pensamento, a força da vontade, e a força do coração”.
O pensamento consiste no conhecimento iluminado pela razão, é o uso que

198
o homem dela faz quando já se encontra em seu estado de consciência. O
sentimento é o amor ou capacidade humana de amar, ou ainda, enfatizando o
homem como objeto de si, a inclinação do indivíduo de amar o seu gênero. A
vontade, “a energia do caráter” (FEUERBACH, 2012, p. 36), é a força que objetiva
as escolhas livres, é o querer humano. Como esses atributos são particularidades
humanas, eles constituem sua essência e fundamentam sua existência, pois o que
está em sua essência é o que regula o curso e o sentido de seu existir, logo “[...]
querer, pensar, amar, são os propósitos que movem o homem” (ALEIXO, 2009 p.
10).
Por meio dessa tríade, o homem mostra-se capaz de bastar-se do próprio
gênero, sem a necessidade de um Deus ou de seus predicados, pois já aí está a
perfeição da espécie humana, aí está o que a limita e ao mesmo tempo embeleza,
já que o homem que reconhece suas restrições como perfeição é o homem
consciente e conhecedor de sua essência. Assim, como afirma o filósofo, “[...]
razão, amor e vontade são perfeições, são os mais altos poderes, são a essência
absoluta do homem enquanto homem e a finalidade de sua existência. O homem
existe para conhecer, para amar e para querer” (FEUERBACH, 2012, p. 36).

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O homem esclarecido de que nessa tríade consiste a efetivação de seu


gênero, enquanto perfeito para si mesmo, é o mesmo que se liberta da realidade
alienante da religião.
No entanto, o próprio Feuerbach (2012, p. 36) levanta questionamentos
acerca da finalidade da razão, do sentimento e da vontade, afirmando que “[...]
conhecemos para conhecer, amamos para amar, queremos para querer, i.e., para
sermos livres”. Partindo dessa afirmação, apresenta-se um dos pontos mais
importantes da antropologia feuerbachiana trabalhados nesta pesquisa: o
entendimento de que uma coisa só pode ser fundamenta e objetivada a partir de si
mesma, uma vez que, “[...] verdadeiro, perfeito, divino é apenas o que existe em
função de si mesmo” (FEUERBACH, 2012, p. 36). Em outras palavras, se o ato de
conhecer é o fundamento do conhecimento, o ato de amar embasa o sentimento e
o ato de querer justifica a vontade, então, o homem só pode ser objeto de si
próprio.
Essa trindade se apresenta ao homem como sua essência e, portanto, está

199
acima do ser individual, levando-se em conta que esses predicados são a essência
do gênero humano, que a religião dele suprime, pois retira do homem essas
características com a única finalidade de fazer com que ele acredite que há uma
necessidade de buscar tais predicados em um Deus. No entanto, o homem que
busca em si essas qualidades e torna-se consciente de que elas fazem parte de
sua essência, desprende-se da religião e suas imposições alienantes, percebendo
que é ele próprio dotado de todas as características que a religião o fez acreditar
que só existiam em Deus. Assim, o homem reconhece a si mesmo como Deus,
pois “[...] não há distinção entre os predicados da essência divina e da essência
humana” (HARTMANN, 2012, p. 68). Logo, ao reconhecer-se como Deus, percebe
que o seu objeto é sua essência, e que sua essência é a já citada trindade. Desse
modo, se dá conta de que seu real objeto é ele mesmo e não Deus, como pretende
a religião.

AFIRMAÇÃO DA ANTROPOLOGIA FEUERBACHIANA POR MEIO DE SEU


ATEÍSMO: TEOLOGIA É ANTROPOLOGIA

FORTALEZA - CE
19 A 23 DE MAIO DE 2015
IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH
TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA

Pautando-se no que foi exposto até então, afirma-se: Deus e a religião são
criações humanas. A imagem de um Deus perfeito se dá pelo fato de o homem
atribuir a ele características que lhe são próprias. Desse modo, a religião deturpa a
essência do homem, quando o faz crer que ela é apenas uma ínfima parte da
essência divina. A busca do homem por um ser absoluto nada mais é que a
procura por sua própria essência, que é auto-objetivação, autoafirmação e
autoconsciência.
Ao ato de atribuir a Deus qualidades pertencentes ao gênero humano, pode-
se dar o nome de hipostatização. Esse mecanismo de projetar um ser metafísico
com características exclusivamente humanas lança os fundamentos do ateísmo
proposto por Feuerbach. O filósofo não pauta seu ateísmo na negação de Deus,
mas na explicação de que um ser divino estabelece relação de dependência diante
do gênero humano. Em outras palavras, a existência de Deus depende do homem.
Tal ideia constitui um dos principais fundamentos para se afirmar que o
ateísmo feuerbachiano é, antes, antropologia que puro ateísmo, visto que o

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embasamento de tal ateísmo consiste na afirmação do homem.
A teologia feuerbachiana se identifica com a antropologia, ou ainda, toda a
teologia é, na verdade, uma antropologia velada, na qual o homem esquece-se de
si, pois a religião, especificamente aquela que se pauta na teologia cristã, o aliena.
Quando essa religião dogmática deixa de oferecer respostas plausíveis, ou seja,
quando o homem toma consciência de sua condição de ser divino, ele funda uma
nova religião que se pauta na antropologia, esquecendo os dogmas teológicos e
elevando seu gênero a Deus. Ora, o que seria essa nova religião senão a própria
antropologia?
Assim, se funda a nova religião embasada em dois pilares: no ateísmo, à
medida que seu Deus não é um ser metafísico, mas material; e na antropologia,
tendo em vista que seu Deus é o próprio gênero humano. De acordo com essa
religião, “[...] como o homem pensar, assim é o seu Deus; o valor que tiver o
homem, este será o valor atribuído a Deus” (HARTMANN, 2012, p. 68). Tais
postulados resgatam o valor que o homem perdeu ao exteriorizar suas qualidades,
porque o faz perceber que ele mesmo é o centro do problema religioso.

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Partindo dessa exposição, chega-se ao artifício que melhor resume a


proposta desta pesquisa: o pensamento de Feuerbach é, acima de tudo,
antropologia, uma vez que, como ele mesmo afirma:

[...] esta minha doutrina é simplesmente: teologia é antropologia, ou seja,


no objeto da religião a que chamamos théos em grego, Gott em alemão,
expressa-se nada mais do que a essência do homem, ou: o deus do
homem, portanto a história da religião ou, o que dá na mesma, de Deus
[...] nada mais é do que a história do homem (FEUERBACH, 2009, p. 29-
30, grifos do autor).

Portanto, mesmo quando o filósofo direciona suas pesquisas e escritos à


religião e a Deus, a questão que está por trás é a afirmação do homem por meio
dele mesmo e sua busca pela essência que lhe é perfeita e divina, já que “o sujeito
divino só pode ser humano” (ALEIXO, 2009, p. 14), especialmente porque uma
espécie não se limita a ela mesma, uma vez que só se reconhecem limitações
entre espécies diferentes. Sob essas condições, o homem é limitado apenas
quando cria uma realidade metafísica a qual atribui seus predicados, tornando-se
ilimitado e divino quando é parâmetro de comportamento moral para si mesmo.
O ateísmo e humanismo postulados por Feuerbach consistem nesse
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retornar do homem a si mesmo, passando esse a desejar, de acordo com sua
própria vontade, a amar a partir de seus próprios padrões e pensar por meio da
própria racionalidade, livre de condicionamentos. Ao ser para si o próprio objeto de
estudos, o homem, sob a perspectiva feuerbachiana, educa sua espécie para que
ela o baste, para que acredite nos próprios predicados e não recorra à realidades
exteriores a ele. Hartman, sobre tal temática, escreve:

Feuerbach tem a intenção de desmascarar e desmistificar Deus e os


deuses, apoiando o homem para que encontre em si mesmo a fonte de
sua atuação e não fora ou acima de si. É pelo progresso da ciência e da
educação que se alcançará tal objetivo; progresso de superação da
dependência, do temor, do desamparo e da ignorância, ou seja, a partir do
ateísmo, ou, melhor dizendo, do antropoteísmo (HARTMANN, 2012, p.
72).

A antropologia é, pois, responsável pelo esclarecimento das coisas que


estejam relacionadas ao homem e, tomando-se por pressuposto o pensamento
desse filósofo, postular que, conforme Hartmann (2012, p. 74), “sua antropologia é
a única chave para explicar tudo”. Assim, a ideia de fazer da antropologia

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parâmetro norteador da vida humana é ainda mais veemente. E, em se tratando da


religião, essa função da antropologia ganha acuidade ainda maior, tendo em vista
que a antropologia torna-se religião e o homem protagonista integral de sua própria
vida e ações.
De acordo com essa nova realidade imposta pela religião que se pauta no
antropoteísmo, a ordem do mito da criação se ajusta, tendo em vista que afirmação
de Deus como criador do homem inverte a ordem adequada das coisas, ou ainda,
“[...] a filosofía da identidade absoluta inverteu completamente o ponto de vista da
verdade” (FEUERBACH, 2008, p. 72), pois, ao concreto não deve ser atribuído
caráter abstrato, mas o abstrato precisa ser pensado concretamente. Não se deve
pensar que Deus cria o homem, mas que o homem cria Deus.
Para que o gênero humano conquiste o espaço que lhe cabe no mundo,
tornando-se ser divino para si mesmo e podendo viver sem repressões advindas de
regras impostas por um pseudo Deus, cabe a cada homem, em sua
individualidade, reconhecer seu gênero como Deus para si, enaltecer sua essência

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tornando-a objeto do próprio pensamento e, consequentemente, fazendo de si
também esse objeto. Para que seja possível a efetivação da antropologia proposta
por Feuerbach, o homem passa por todo um processo:

[...] num primeiro momento, o homem seria como que tomado de vertigem
face ao abismo da incomensurabilidade da sua própria essência. Num
segundo momento, através de um mecanismo psicológico vagamente
freudiano, o homem negaria a sua essência e projectála-ia num sujeito
autónomo e independente a que viria a chamar Deus, ou seja, à negação
dos predicados próprios suceder-se-ia a transferência desses predicados
para uma personalidade fictícia. Este processo exigiria que o homem se
empobrecesse e diminuisse, para assim enriquecer esse ser
simplesmente imaginado. O homem tornar-se-ia então objecto da sua
própria subjectividade alienada. Mas, no fundo, este Deus inventado não
seria mais que a sublimação da própria essência: a auto-negação seria na
realidade auto-afirmação (ALEIXO, 2009, p. 32).

O homem, enquanto centro dos referenciais religiosos, passa por estágios


de consciência adormecida, acreditando haver um ser metafísico e adorando-o por
considerar tal ato de adoração necessário. Posteriormente, retorna à sua
consciência e mantêm-se, ainda assim, no núcleo desses referenciais, uma vez
que é o criador e não criatura. Esse é o homem do qual Feuerbach trata; por meio
dele, é possível afirmar uma antropologia presente em sua filosofia, conforme

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alegava: “[...] verdadeiro, perfeito, divino é apenas o que existe em função de si


mesmo” (FEUERBACH, 2012, p. 36).

CONCLUSÃO

O problema antropológico abordado nesta pesquisa, elaborada a partir de


Ludwig Feuerbach, apresenta acuidade fulgente, principalmente se forem
consideradas as influências provocadas por seu pensamento, através de suas
pesquisas acerca do homem, e de suas ideias inovadoras que tratam de conteúdos
antropológicos. O filósofo tece uma crítica à religião, redirecionando a função
antropológica para além da fé.
Consoante esse pensamento, Feuerbach se afirma como um expressivo
filósofo no que se refere à dissertação acerca da antropologia e da filosofia, com a
proposta de que o homem deve ocupar o papel que lhe cabe e dele fazer uso
pleno. Assim, por trazer uma visão diferenciada do campo antropológico em sua

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filosofia materialista, Feuerbach torna-se um referencial de significativa acuidade
no estudo sobre o homem. Portanto, o filósofo/antropólogo traz, em sua obra, uma
discussão relevante ao unir filosofia e antropologia.
A proposta de Feuerbach é apontar o homem como senhor de si, a partir do
reconhecimento de si como ser perfeito. Deste modo, o tema estudado desponta
como relevante contribuição para a compreensão do homem em sua essência.
A partir do pensamento de Feuerbach, afirma-se que o homem basta-se com
as características peculiares do gênero e com elas sente-se satisfeito, pois
reconhece a si como próprio parâmetro comportamental; não há necessidade de
um absoluto que mascare a consciência humana e que se faça impossível de
cognição por estar situado em outro plano, pois o homem pode ter consciência de
si, por estar em um plano finito, mas não pode ter consciência do absoluto, pois
esse fazer parte de um plano desprovido de temporalidade.
Diante do exposto, conclui-se que há forte presença da antropologia nas
obras feuerbachianas, tendo em vista que o homem é o objeto direto das pesquisas
e centraliza todas as discussões. A religião constitui, desse modo, mais uma
antropologia do que uma teologia. É sugerida por Feuerbach, inclusive, a
construção de uma nova religião que se paute na antropologia, uma religião, por

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assim dizer, ateia. Ateia no sentido de não haver Deus metafísico a ser adorado,
pois nessa religião a essência do gênero humano é objeto do próprio homem, o
que, consequentemente, o afirma como Deus.
Embora a pesquisa não objetive esgotar a discussão a respeito do referido
tema e que estas considerações finais não pretendam conferir caráter categórico à
interpretação atribuída ao pensamento do filósofo em questão, o que se almeja
afirmar, a partir do que foi desenvolvido, é que o homem que toma consciência de
si e faz-se objeto para si mesmo é capaz de desempenhar todas as suas atividades
pautando seu comportamento no próprio gênero. Para tanto, sua essência é seu
objeto e a antropologia toma o lugar da teologia. Com esse mecanismo, o gênero
humano é beneficiado, tendo em vista que não mais se sentirá limitado, pois, para
seu próprio gênero, o homem é ilimitado. Além disso, ao aderir às propostas de
Feuerbach, o homem readquire sua autonomia e passa a pensar, agir e viver por
meio de seus próprios moldes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEIXO, Alice. Ludwig Feuerbach: um manifesto antropológico. Covilhã:


LusoSofia, 2009. (Artigos lusosofia).

FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Tradução José da Silva


Brandão. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

______. Preleções sobre a essência da religião. Tradução José da Silva


Brandão. Petrópolis: Vozes, 2009.

______. Princípios da filosofia do futuro. Tradução Artur Morão. Covilhã:


LusoSofia, 2008. (Textos clássicos de filosofia).

HARTMANN, Paulo Airton. Feuerbach e o ateísmo antropológico. 2012. 84 f.


Dissertação (Mestrado em filosofia) – Faculdade de Ciências Humanas, Pontifìcia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

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