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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

CURSO DE CINEMA

DISCIPLINA: LEITURA E ESCRITA DE TEXTOS ACADÊMICOS

PROFESSOR: RONEI GUARESI

ARNALDO RIBEIRO

VIDA MARIA

-RESENHA-

Vitória da Conquista, 4 de novembro de 2021


VIDA MARIA

Arnaldo Ribeiro1

"Vida Maria" é um filme de curta-metragem produzido em 2006, dirigido por


Márcio Ramos, e vencedor do 3º Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo. Ele conta
a história de várias gerações de "Marias" de uma mesma família no sertão
cearense, mas ele poderia muito bem ser identificado com qualquer lugar do
árido nordeste brasileiro, onde as dificuldades reais, vividas por muitas
daquelas pessoas, se confundem com a obra. Nele é possível identificar
elementos das relações familiar e social que se perpetuam no cotidiano de
famílias inteiras até hoje. Relações patriarcais e matriarcais excludentes e
limitadoras, especialmente para as mulheres, privadas do acesso à educação
e outros meios básicos tão comuns em outras regiões mais desenvolvidas do
país.

A relação da mulher com a sua família e a comunidade da qual faz parte é


quase uma obrigação, uma imposição social. As meninas, ainda crianças,
fazem o trabalho doméstico e são assim ”preparadas" para assumirem
responsabilidades e obrigações para manutenção e perpetuação das famílias,
como os relacionamentos amorosos, o casamento e a maternidade. Nesse
aspecto, Claude Lévi Strauss (1982, p. 41) parece identificar muito bem o real
significado da mulher no contexto social de determinadas culturas.

Todo casamento é um encontro dramático entre a natureza e a cultura,


entre a aliança e o parentesco [...] uma vez que é preciso ceder à natureza
para que a espécie se perpetue, e com ela a aliança social [...] Este acordo
entre a natureza e a cultura estabelece-se de duas maneiras, pois dois
casos se apresentam, um no qual a cultura deve ser introduzida porque a
sociedade é todo-poderosa, o outro em que a natureza deve ser excluída
porque desta vez é ela que governa.

Em uma análise à obra de Claude Lévi Strauss, citada acima, Beauvoir (1949),
em uma das poucas resenhas publicadas à época do lançamento de As

1
ARNALDO RIBEIRO, graduando do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, e-mail: 202020771@uesb.edu.br
Estruturas Elementares do Parentesco, expõe a sua opinião sobre o
casamento.
Em um sentido, todo casamento é um incesto social, já que o marido
absorve em si algum bem ao invés de desviá-lo na direção de outrem [...]
ao menos a sociedade exige que no centro desse ato egoísta a
comunicação com o grupo seja mantida: é por isso que, ainda que mulher
seja outra coisa além de um signo, ela é todavia, como a palavra, uma
coisa que se troca.

Se for observada atentamente, a menina Maria José, que aparece logo no


início do curta, é apenas "objeto" de um círculo vicioso que se estende por
gerações. E não há nenhum outro elemento que possa ser identificado como
ruptura desse movimento circular. Um outro aspecto observado é que único
elemento a identificar a passagem temporal da família é um caderno escolar,
testemunha sem voz de um processo que se estende por um número
incontável de tempo, ainda assim apenas um caderno em que se lê os nomes
das mulheres que vêm e vão, sucessivamente, deixando os seus únicos
registros de uma infância efêmera, corrompida pela pobreza e pela ignorância,
para uma posteridade amarga e sem perspectivas.

Do ponto de vista estético podemos observar ainda que mesmo para um filme
curto de animação, o tema abordado propõe questionamentos sobre a dura
realidade vivida por milhões de brasileiros, algo que só a sensibilidade poética
do cinema é capaz de fazer. Eisenstein, citado por Turner (1997), propunha
que o cinema era um meio de comunicação que pode transformar o real, e tem
sua própria linguagem e seu próprio modo de fazer sentido. Mas para
compreender qualquer obra cinematográfica ou videográfica é preciso ir além
dos elementos estéticos, e aprofundar na narrativa para encontrar os
elementos que sustentam essa cultura.

Por fim, "Vida Maria", com todo peso da carga emocional que carrega,
entrelaçada na sua narrativa fluida e envolvente, vai além de uma obra
audiovisual e serve muito bem como ferramenta didática para aqueles que se
propõem a questionar e transformar a sociedade brasileira, tornando-a menos
desigual e mais humana. E como diz Caetano Veloso na letra da sua canção
(O Estrangeiro, 1989), "É chegada a hora da reeducação de alguém".
BEAUVOIR, Simone de. As estruturas elementares do parentesco, de Claude
Lèvi Strauss. 1949, Trad. Marcos P. D. Lanna ( UFSCar) e Aline Fonseca Iubel
( PPGAS/ UFPR ).

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. São


Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Editora Vozes, 1982.

TURNER, Graeme. Cinema como prática social. São Paulo: Summus Editorial,
1993.

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