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Surdos no Planalto
Quatro mil pessoas e uma agenda política intensa foram
suficientes para que o centro nervoso do poder voltasse a
atenção para a principal demanda dos surdos: a escola bilíngue
A Feneis agradece a todos os
que colaboraram para o sucesso da
manifestação em defesa da escola bilíngue
para surdos, realizada em Brasília nos
dias 19 e 20 de maio. O nosso especial
agradecimento às autoridades que
tornaram possível o deslocamento de
milhares de surdos até a capital.
para surdos:
ção. A minha profunda gratidão a essas pesso-
as que se dedicam diariamente à nossa luta e
também às autoridades que nos apoiaram. Mas
peço também que não esmoreçam. O caminho
é longo e esse despertar do movimento surdo
longo caminho
precisa ser permanente. Ao menor deslize, os in-
teresses de um pequeno grupo sairão vitoriosos.
C
pós-graduação em Libras também será tratada
omeço este texto com a certeza de que neste número.
estamos no caminho certo. Fomos a Bra-
sília lutar pelos nossos direitos e conse- Avante comunidade surda!
guimos, ao menos, nos fazermos vistos e ouvi-
dos. É como se despertássemos um leão dentro Boa leitura!
de nós e a vontade de lutar e de fazer justiça.
A grande mobilização que a comunidade surda
fez no Planalto e no Mec mostra que estamos
verdadeiramente unidos no mesmo objetivo:
cuidar do futuro das nossas crianças. Nesse
ponto, todos concordam. A escola bilíngue é
comprovadamente a melhor para a socializa-
ção, alfabetização e inclusão social de surdos.
DE SURDOS
Neivaldo Augusto Zovico
Coordenador Nacional de Jovens Surdos
(31) 3225 0088 Rodrigo Machado
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Escritório Regional de Minas Gerais Foto capa
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Na reportagem intitulada “Preconceito ou desinformação?”, publicada na Revista da Feneis, Belo Horizonte-MG Imagens
nº 43, o título correto da pesquisa mencionada na página 19 é “Vozes do silêncio: juízos Responsável administrativo Diogo Madeira
morais de jovens e adultos surdos sobre situações de humilhação”. Rodrigo Rocha Malta Fernando H. Ferreira
Coordenação editorial Projeto Gráfico
Diferentemente do publicado na página 21 da Revista da Feneis, nº 43, a Associa- Patrícia Luiza Ferreira Rezende Thaís Magalhães Abreu
ção dos Surdos de Pernambuco (ASSPE) não faz a intermediação da compra dos Editora-chefe Diagramação
celulares. Ao contrário, quem é sócio recebe gratuitamente o aparelho e apenas paga as Regiane Lucas - Mtb 9.815/MG A2B Comunicação
mensalidades à operadora. O valor do sistema chega a R$ 1,8 milhões. Assessoria de Comunicação Thaís Magalhães Abreu
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Assinaturas e distribuição: Artigos científicos:
CONTATOS
Palavra da Presidente 03
Curtas 06
Opinião 07
Capa 08
Feneis pelo país 24
Página da Filiada 26
Espaço Acadêmico 27
Arte surda 31
Dissertação de mestrado discute o papel Intérpretes de Libras de Goiás
das tecnologias na vida dos surdos fundam associação
CURTAS
Arquivo pessoal
Ana Cláudia França, rodeada da orientadora e dos com a presença de vários representantes do governo e
participantes da banca de entidades e marcou o início dos trabalhos da Asso-
ciação. Em seguida, durante todo o dia 12 de março,
Investigar os principais desafios das interações de foi realizado um ciclo de palestras sobre a profissão.
surdos por meio de tecnologias. Esse foi o principal
objetivo da dissertação de mestrado defendida por A presidente da APILGO, Vanuzia Maria de Oliveira,
Ana Cláudia Veiga de França, em março, na Uni- acredita que o trabalho da Associação pode melhorar
versidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a qualificação dos intérpretes e a defesa de melhores
de Curitiba. Intitulada Interação social de pessoas salários. Ainda em fase de consolidação, a entidade
surdas no cotidiano, mediada por sistemas de produ- pretende fazer uma ampla divulgação no próximo
tos e serviços de comunicação, a pesquisa concluiu Encontro Nacional dos Estudantes de Letras (ENEL)
que a participação dos surdos no desenvolvimento de para buscar novos associados.
produtos e serviços de comunicação é indispensável
para garantir a acessibilidade. Para se filiar, basta entrar em contato pelo e-mail con-
tatoapilgo@gmail.com.
A pesquisa, orientada pela professora Maristela Mit-
suko Ono, foi realizada por meio de entrevistas com
pessoas surdas e ouvintes, aplicação de questionário
e observação. Ana Cláudia acredita que ainda há di-
versas lacunas na acessibilidade para surdos e que sua
dissertação pode servir para alertar empresas que es-
tejam interessadas em criar produtos e serviços para
essa parcela da população.
OPINIÃO
|Emiliano Aquino
Passa-se algo dessa relação interna à horda na relação cotidianamente desrespeitados.
das civilizações modernas com suas pátrias, suas cul-
turas, suas línguas. Ao seu tempo, Lênin deu a esse Quando os surdos exigem salas de aula e escolas bi-
chauvinismo nacionalista, então existente na Rússia, língues, nas quais “a Libras e a modalidade escrita
o nome de sentimento grão-russo. No Brasil de hoje, da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução
assistimos ao nascimento de algo parecido, a que po- utilizadas no desenvolvimento de todo o processo
deríamos nomear de sentimento grão-lusófono. educativo” (Decreto nº 5.626/2005, art. 22, § 1º), são
chamados de “segregacionistas” pelos comissionados
O escândalo em torno do famoso livro do MEC ex- do MEC e seus seguidores. O Ministro nada faz para
pressa bem esse sentimento de elevada indignação conter seus subordinados; com isso, autoriza que os
contra a defesa que sua autora faz da legitimidade da mínimos direitos legais dos surdos sejam cotidiana-
linguagem popular e do seu suposto desprezo à norma mente pisoteados por funcionários públicos negligen-
culta. Há aí um sentimento de superioridade linguís- tes de suas obrigações, permanecendo entre os ouvin-
tico-cultural, que expressa, antes de tudo, um senti- tes seus superiores uma terna complacência. Nossa
mento de superioridade social. É a fala dos de baixo, elite linguística é extremamente solidária e compla-
desses ignorantes e incultos, dessa gentinha incivili- cente com seus iguais, mas extremamente intolerante
zada, que não pode ser reconhecida e à qual não pode com as minorias linguísticas, seus diferentes.
ser dada qualquer legitimidade. Em outras palavras, o
problema não é gramatical, é político. Esse é o sentimento grão-lusófono, do qual agora o
próprio MEC é vítima.
Mas esse sentimento conservador não está apenas nos
inimigos do MEC, está também em sua Secretaria de Ouvinte, pai de surdo, professor de filosofia da
Universidade Estadual do Ceará
Diversidade e Inclusão (antiga Secretaria de Educa-
ção Especial). O tratamento preconceituoso dispen-
sado à Língua Brasileira de Sinais, o desreconheci-
mento de que ela constitui uma língua, com a mesma
estrutura gramatical e cosmovisão lexical de qualquer
outra, demonstra-se justamente em uma política edu-
cacional que aliena as crianças surdas do aprendizado
de e em sua língua natural.
A
ameaça de fechamento da educação O grande ato político e cultural, além de repre-
básica da principal escola de surdos do sentar uma marca histórica nas lutas dos surdos,
país, o Instituto Nacional de Educação pode ser considerado um divisor de águas. Cha-
de Surdos (INES), despertou na comunidade mou a atenção das autoridades para a força de
surda uma mobilização sem precedentes a favor um povo que quer ser visto na sua diferença cul-
da escola bilíngue. Cerca de quatro mil pessoas tural e não na perspectiva da deficiência.
estiveram em Brasília nos dias 19 e 20 de maio
para pedir mais participação dos movimentos
sociais na elaboração de políticas educacionais.
O
primeiro compromisso foi a audiência com
Foto: Fernando H. Ferreira o Ministro da Educação Fernando Haddad,
realizada na manhã de quinta-feira. Até as
vésperas, estava definido que quem receberia os
surdos seria a Secretária de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi),
Cláudia Dutra, reunião dispensada pelas lideranças
do movimento, devido à histórica falta de diálogo
imposta por essa secretaria.
Fernando Haddad abriu a reunião com uma breve Ao final da reunião, a Feneis entregou o abaixo-
explanação sobre a atual política de educação inclu- assinado pela permanência da educação básica no
siva do governo, e rebateu, de antemão, qualquer INES e um documento com as propostas para a edu-
possibilidade de fechamento do Colégio Aplicação cação de surdos anteriormente rejeitadas na Confe-
do INES e do Instituto Benjamin Constant, para rência Nacional de Educação (Conae). Além disso,
cegos. Além disso, defendeu a dupla matrícula dos propôs a criação de um grupo de trabalho para dis-
surdos e de alunos com deficiência em escolas re- cutir o tema, composto por representantes do Mec,
gulares e em espaços de atendimento educacional pesquisadores da área de linguística e de educação
especializado, conhecidos como AEE. “A dupla de surdos e integrantes do movimento. A Feneis
matrícula é uma forma de somar possibilidades, ainda não obteve resposta à solicitação.
e não de subtrair. Queremos oferecer as melhores
condições possíveis para as crianças com deficiên- Entre as principais lideranças da comunidade sur-
cia”, argumentou o ministro. da, participaram da reunião: Paulo Bulhões, vice-
presidente da Feneis, Flaviane Reis, pesquisadora
Em defesa das escolas e classes bilíngues, a dire- da Universidade Federal de Uberlândia, Nelson Pi-
tora de políticas educacionais da Feneis, Patrícia menta, mestrando em linguística, Messias Ramos,
Rezende, afirmou que, nos moldes atuais, a língua diretor da Feneis no Distrito Federal, Mariana Hora,
de instrução dos surdos continua sendo o português autora do abaixo-assinado contra o fechamento do
e que é impossível dar aulas para surdos e ouvin- Colégio Aplicação do INES, e Sueli Fernandes,
tes em línguas diferentes e ao mesmo tempo. A di- pesquisadora da Universidade Federal do Paraná.
retora explicou que, na prática, a atual política do
Foto: Diogo Madeira
Mec negligencia a Libras como língua de instrução,
relegando-a apenas aos espaços de AEE como ati-
vidade complementar. Com base nos resultados da
pesquisa do professor da Universidade de São Pau-
lo Fernando Capovilla (ver página 23) , os surdos
expressaram a preocupação em relação ao desen-
volvimento das crianças surdas, que comprovada-
mente é melhor em ambientes bilíngues.
U
Foto: Diogo Madeira
CAPA
N a noite do dia 19 de maio, a escuridão do gra- embaixo das camas e das mesas, nos refeitórios, ba-
mado do Congresso Nacional ganhou luz nas nheiros ou corredores.
chamas das velas levadas pela comunidade sur-
da. Centenas de manifestantes continuaram o protesto A presidente da Feneis e pesquisadora da história dos
iniciado pela manhã, mas de uma maneira diferente: surdos, Karin Strobel, explica que a metáfora da luz
na forma de homenagem aos surdos que estudaram no significa a própria luta dos surdos. “Na ausência de
INES na época da repressão à Língua de Sinais, inicia- luz, não nos comunicamos. Na ausência de uma escola
da no Congresso de Milão em 1880. bilíngue, não teremos como nos comunicar, nos de-
senvolver e nos transformarmos em sujeitos atuantes
Conta a história que a Língua de Sinais no Brasil so- no mundo. Estamos buscando essa luz, por meio de
breviveu principalmente graças a esses surdos que uma educação melhor”, explica Karin.
estudavam no INES no regime de internato. As con-
versas em Libras só eram possíveis longe dos olhos Sentados, com as velas acesas, os manifestantes for-
de professores e vigilantes, à noite, à luz de velas, mavam, no conjunto, o símbolo “Ser Surdo”, laço que
representa várias minorias.
à cultura surda
A
comunidade surda fez bonito nos dois dias de
manifestação. Paralelamente à agenda de reu-
niões e audiências, surdos e simpatizantes mo-
bilizaram a atenção da opinião pública, da imprensa
e das autoridades do governo para a causa das esco-
las bilíngues para surdos.
D
Foto: Fernando H. Ferreira
O documento distorce o conceito de educação bi- a educação bilíngue para estudantes com surdez
língue previsto no Decreto nº 5.626 e estabelece a caracteriza-se pelo ensino ministrado por meio da
criação do Atendimento Educacional Especializado Língua Portuguesa e da Libra [sic], devendo ser dis-
(AEE) como espaço bilíngue para surdos. Confor- ponibilizados os serviços de tradutor/intérprete e o
me a nota, “a educação bilíngue para estudantes ensino da Libras para os estudantes”.
com surdez, não está, pois, condicionada a espaços
organizados a partir da condição da surdez”. Partidários da política inclusiva do Mec saíram em
defesa das proposições do documento, instaurando
Em seu discurso, a diretora da Feneis apontou tre- na reunião um conflituoso debate acerca da inter-
chos da Convenção dos Direitos da Pessoa com De- pretação das normas e leis. O conselheiro Joiram
ficiência e do próprio decreto para comprovar que Medeiros da Silva, representante do Mec no Cona-
o AEE proposto pelo Mec secundariza a língua de de, apresentou dados referentes ao grande cresci-
sinais e a relega a um aprendizado complementar. mento do número de matrículas de crianças surdas
Segundo interpretação equivocada expressa na nota na rede regular e do alto investimento do ministério
técnica, “De acordo com este Decreto [5.626/2005], nessa política.
Audiência na Procuradoria
Federal da República:
amparo legal
Os delegados representantes dos surdos na
Conferência Nacional de Educação (Conae) fo-
ram recebidos na tarde do dia 20 de maio pela
subprocuradora Ana Borges Coelho Santos, da
Procuradoria-Geral da República. O objetivo
da reunião foi questionar os entraves impos-
tos pelo Mec no diálogo com os movimentos
surdos. Após relatarem as manobras realizadas
por gestores do ministério para excluírem as
propostas de educação bilíngue na conferên-
cia, os surdos entregaram à subprocuradora as
Arquivo pessoal
L
ogo que foi anunciada em fevereiro a possibili-
dade de fechamento do ensino básico no INES,
os surdos começaram a se mobilizar. O primei-
ro vídeo postado em uma rede social da inter-
net em março, de autoria do ator Nelson Pimenta,
revelava a profunda indignação com a determina-
Avaliação da manifestação
N
a opinião de Paulo Bulhões, vice-presidente escola bilíngue para surdos como escola especial.
da Feneis, a manifestação foi bastante positi- “A perspectiva cultural da educação de surdos ainda
va. Foi a primeira vez que os surdos se mobi- não é amplamente compreendida. Paira o estigma
lizaram nacionalmente. Antes a organização ficava da deficiência e das escolas especiais como o lugar
restrita aos estados. Segundo Bulhões, o sucesso da da segregação e do antigo modelo médico da reabi-
manifestação se deve a vários fatores. A legitimida- litação. Convencer os gestores de que a escola bi-
de da Feneis é grande junto às autoridades graças língue é o real lugar da inclusão é o nosso principal
à uma histórica luta da instituição à frente dos di- desafio”, explica Patrícia
reitos dos surdos. Além disso, existe uma confiança
da comunidade surda de que a Feneis representará Os dois diretores concordam que a aliança com as
seus anseios por uma escola bilíngue. Entretanto, outras deficiências nesse momento é importante
ele acredita que “é preciso estar vigilantes e acom- para garantir força política, mas é preciso deixar
panhar toda a tramitação das emendas, em todas as claro as especificidades linguísticas dos surdos.
instâncias. A luta ainda não terminou. Temos que “Há anos tentamos o diálogo com o Mec para es-
acompanhar as emendas do PNE e sua tramitação clarecermos o que é bilinguismo e nunca fomos
no Congresso, Senado e Executivo, e depois na ouvidos. Os gestores do MEC ignoram o nosso po-
fiscalização da implantação das políticas educacio- sicionamento e as pesquisas sérias. As escolas que
nais”, explica Paulo. recebem os surdos precisam mudar radicalmen-
te para entrarem numa concepção de bilinguismo
Para Patrícia Rezende, uma grande preocupação é o real. Há o mito da segregação criado para nos fragi-
frequente equívoco cometido pelos gestores de po- lizar. Essa inclusão proposta quer destituir e retirar
líticas educacionais, que insistem em considerar a a força os nossos direitos culturais e linguísticos já
alcançados”, afirma o diretor.
CAPA
assembleias legislativas estaduais, apresentando as
Atualmente uma comissão trabalha no acompanha- propostas para a educação bilíngue aos deputados.
mento das emendas do Plano Nacional de Educação Já foram realizadas audiências em Minas Gerais,
apresentadas pelos deputados federais. São quase Ceará, Paraná, Salvador, Rio Grande do Sul e Rio
três mil emendas sobre vários aspectos educacio- de Janeiro. Há também a atuação de representantes
nais, avaliadas uma a uma. Sugestões de mudança da comunidade surda no Movimento PNE pra Va-
de redação estão sendo feitas. As emendas estão ler, que também está em todos os estados.
sob responsabilidade do deputado Ângelo Vanhoni
(PT/PR), relator da comissão especial que discute o Em paralelo, o trabalho de mobilização da opinião
PNE. Após a análise, o relator deve abrir um prazo pública por meio da imprensa continua. Durante os
para emendas substitutivas. Um outro grupo atua na dias da passeata, o assunto recebeu ampla cobertu-
formulação da proposta para o seminário proposto ra da mídia, com reportagens em sites, impressos e
pelo ministro Fernando Haddad, em conjunto com emissoras de televisão e rádio.
outras deficiências.
questão
para as pesquisas.
de tempo
estar sujeito às interpretações equivocadas que são
feitas da legislação. “O trabalho aqui desenvolvido
nos caracteriza como uma instituição que trabalha
na perspectiva da educação inclusiva de surdos,
produzindo conhecimento para que possamos dar
A
ameaça de fechamento das escolas de surdos suporte às escolas brasileiras, que devem oferecer
já pairava no ar há alguns anos. O modo como educação de qualidade a esses cidadãos que deman-
a política de inclusão do Mec vinha sendo im- dam uma política de ensino que contemple sua di-
plantada revelava indícios do fim das escolas espe- versidade linguística”, explica a professora.
cíficas para surdos e da substituição gradual pelas
matrículas na rede regular. O Decreto nº 6.571, de Além disso, Solange Rocha aponta que a perma-
17 de setembro de 2008, e a Resolução nº 4, de 2 de nência da educação básica é também um anseio da
outubro de 2009, determinavam que o ensino deve- sociedade: “Temos mães que preferem acordar de
ria somente ser oferecido pelas escolas regulares. madrugada para trazerem seus filhos ao INES do
As escolas especializadas dariam somente o Aten- que matriculá-los em uma escola próxima às suas
dimento Educacional Especializado (AEE), como o casas. A Associação de Moradores de Laranjeiras
ensino complementar. Nesses casos os alunos pode- se solidariza com a luta. Vemos uma consternação
riam ter dupla matrícula. na sociedade com a notícia do fechamento. Como
é possível dar as costas às demandas da sociedade,
A condução da Conferência Nacional de Educação que é quem paga e mantém instituições centenárias
(Conae), rejeitando as escolas de surdos, foi mais como o IBC e o INES?”
uma derrota. Logo na sequência, o comentário da
Secretária de Educação Especial Martinha Clarete,
na Revista da Feneis nº 40, confirmava as suspei- O estopim
tas. Não havia um entendimento por parte do mi-
nistério de que houvesse cultura surda e que esta
devesse ser preservada. A notícia No dia 16 de fevereiro, a
diretora do Instituto Nacional
pegou todos de Educação de Surdos (INES),
Mas nada foi tão impactante quanto a possibilidade de surpresa Solange Rocha, foi informada
de fechamento do INES, berço da cultura surda e da de que a oferta da educação
resistência da língua de sinais. Além de ter sido o básica na escola deveria ser
encerrada até dezembro deste
espaço de formação das principais lideranças surdas
ano. Na reunião realizada em
de todo o país, o INES, fundado em 1856, é consi- Brasília, a representante da
derado o patrimônio cultural e símbolo máximo de educação especial do Ministério
resistência do povo surdo. da Educação, Martinha Clarete,
argumentou que a existência do
ensino básico no INES e no Ins-
Atualmente o INES oferece, por meio do Colégio
tituto Benjamim Constant, para
de Aplicação, educação precoce (de zero a três cegos, ia de encontro à pers-
anos), educação infantil, ensino fundamental e pectiva inclusiva da educação
médio. Neste ano foi formada a primeira turma de brasileira prevista em lei. Em 17
graduação em Pedagogia Bilíngue. É referência em de março, em visita ao INES, ela
reafirmou a decisão ao Conse-
pesquisas de materiais didáticos e na capacitação
lho Diretor da instituição.
O delegado
do Conae,
Cláudio Mourão,
vibra com a
audiência no
Senado.
U
fabética de palavras novas e conhecidas, compreensão
ma pesquisa conduzida pelo professor da Univer-
de leitura de sentenças e textos, qualidade ortográfica
sidade de São Paulo Fernando Capovilla revelou
da escrita, vocabulário de escrita para nomear objetos,
que crianças surdas cuja língua materna é a Libras
vocabulário de leitura orofacial, memória, entre outros.
aprendem mais e melhor nas escolas bilíngues, devido à
interação com professores e colegas sinalizadores. Por
As análises revelam que a mente da criança surda tem
outro lado, crianças com perda tardia da audição, cuja
uma especificidade psicolinguística importantíssima
língua materna é o português, se adaptam melhor às es-
que precisa ser respeitada. O estudo prova que o assim
colas inclusivas.
chamado Atendimento Educacional Especializado não
substitui a educação bilíngue de qualidade, ministrada
A pesquisa foi realizada por meio do Programa de Ava-
por sinalizadores fluentes em meio a uma comunidade
liação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo
linguística sinalizadora.
(Pandes), um dos maiores do mundo na avaliação do de-
senvolvimento escolar, de cognição e de linguagem de
Segundo Fernando Capovilla, os dados de pesquisa são
uma população escolar surda. A pesquisa foi realizada
evidentes e incontestáveis: “eu apoio este movimento
entre 2001 e 2011 com apoio do CNPq, da Capes, e do
não por causa de qualquer ideologia ou porque tenho
Inep (Observatório da Educação).
amigos ou parentes surdos, ou porque tenho qualquer
tipo de interesse pessoal ou político ou que o valha. Eu
Nesta última década, o programa avaliou 8 mil surdos
apoio este movimento simplesmente porque eu desco-
oriundos de 15 estados brasileiros com idades de 6 a 25
bri, por meio de pesquisa científica, que a causa que ele
anos, desde o primeiro ano do ensino fundamental até
defende é a correta. Eu descobri que a escola bilíngue é
o último ano do ensino superior. Nessa grande amos-
uma necessidade fundamental para a criança surda brasi-
tra do alunado surdo brasileiro, cada estudante surdo
leira. Não estou de nenhum lado da briga. Estou do lado
foi avaliado durante mais de 20horas em uma bateria
da criança surda, isso sim, e ouvi o que 8 mil delas têm
de dezenas de instrumentos (incluindo a Provinha Bra-
a dizer e a nos ensinar sobre o que é melhor para ela”.
sil e a Prova Brasil adaptadas) que avaliam leitura al-
R
FENEIS PELO PAÍS
ealizada no dia 26 de março na ma- rante todo o ano de 2010. Dentre as ativida-
triz, a Assembleia Geral Ordinária des estão as estratégias de empregabilidade,
da Feneis teve como principais ob- ações institucionais sociais e governamen-
jetivos a apresentação do Relatório tais, promoção de eventos e cursos, atendi-
Anual 2010 pela diretora administrativa mentos de interpretação de Libras gratuitos,
Shirley Vilhava, e do Balanço Patrimo- ações para a acessibilidade, comunicação e
nial, pelo vice-presidente Paulo Bulhões. projetos futuros.
Ambos foram aprovados por maioria abso- O relatório serve de documento para a
luta dentre as entidades filiadas presentes. renovação do registro no Conselho Nacional
O relatório é uma compilação de todas de Assistência Social e está disponível no
as atividades da matriz e das regionais du- site da Feneis.
P
Atendimentos de interpretação gratuitos 1072
ela sétima vez, em dez edições, a Feneis
Número de eventos (seminários, encontros e 24
participa da Feira Internacional de Tecnologias
passeatas) em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, a
Reatech. Realizado entre os dias 14 e 17 de abril, o evento
contou com palestras e oficinas, além de 230 expositores de
tecnologias e serviços voltados para diversas deficiências.
Cerca de 50 mil pessoas visitaram a feira.
No stand da Feneis, os visitantes puderam ter aces-
prefeituras mineiras
acessibilidade, proferida pelo coordenador nacional de
acessibilidade para surdos da Feneis, Neivaldo Zovico.
Outra palestra, sobre a profissionalização dos intérpre-
A
tes, reuniu cerca de 100 pessoas.
regional da Feneis em Minas Gerais foi convidada Vários stands apresentaram tecnologias de acessibili-
para participar do 28º Encontro Mineiro dos dade para surdos, tais como equipamentos de imagem
Municípios, realizado entre os dias 3 e 5 de maio, que transmitem traduções e interpretações de visitas
em Belo Horizonte. No stand da Feneis, os visitantes puderam guiadas a museus e outros espaços culturais. Uma das
conhecer mais sobre a Língua de Sinais e a realidade dos surdos grandes novidades é a tecnologia chamada Viable Bra-
no estado, além de obter informações sobre a implantação de sil, amplamente utilizada pelos surdos norte-americanos.
cursos de Libras nas cidades do interior. Durante as visitas, Por meio de um aparelho conectado a um monitor, os
os funcionários da regional distribuíram folders informativos
surdos podem fazer ligações telefônicas traduzidas por
e repassaram orientações sobre os surdos no mercado de
um intérprete.
trabalho. Todos os intérpretes de Libras do evento foram
cedidos pela Feneis.
O diretor regional da Feneis em Minas Gerais, Rodrigo Malta, O Reatec já faz parte da agenda da comunidade
acredita que a o evento foi uma boa oportunidade para divulgar surda paulista, que lota todos os anos o stand da Feneis.
os cursos de Libras para as prefeituras do interior do estado.
Divulgação Arquivo pessoal
Em defesa dos direitos dos surdos
PÁGINA DA FILIADA
ESPAÇO ACADEMICO
lhe dão um acabamento
|Neiva de Aquino Albres¹
E
ste texto apresenta reflexões sobre o processo No período de estágio a instituição de ensino deve
de estágio para a formação dos professores de “indicar professor orientador, da área a ser desen-
Libras do curso Letras Libras − LL. Para esta volvida no estágio, como responsável pelo acompa-
pesquisa, buscamos a fundamentação teórico- nhamento e avaliação das atividades do estagiário”
metodológica no método dialético (SAVIANE, (BRASIL, 2008). Este papel de orientador de estágio
2000) e para análise teórica a linguística enunciativa (OE) é desenvolvido, geralmente, pelos tutores que
(BAKHTIN, 2010). Neste estudo, os dados empíricos acompanharam os alunos durante o curso, sendo ne-
foram construídos com base em fontes documentais, cessário o aumento do número de profissionais, já que
e-mails e relatórios dos estagiários do curso LL. o número previsto por lei é de um OE para até dez
Constatamos que o ser professor é o inacabado estagiários simultaneamente. O supervisor de estágio
completado provisoriamente por palavras alheias é da parte concedente (escola), podendo ser o próprio
que o completam e o fazem sentir a devir de uma professor regente de onde o aluno está estagiando.
completude permanente. Com tal estrutura o aluno teria respaldo para desen-
volver seu estágio docente. Nóvoa (2002) acrescenta
Curso de Letras com habilitação para o ensino que a formação profissional pode ser o conjunto de vi-
de Libras vências formativas relacionadas diretamente ao exer-
cício da profissão, como a graduação na universidade,
A reflexão sobre formação docente se faz interes- cursos de atualização e aperfeiçoamento profissional
sante tendo como base as ideias de Bakhtin, pois nos e também as vivências formativas anteriormente à es-
instiga a pensar a relação do aprendiz com o outro. colha de ser professor, constituintes de nossas experi-
A prática educativa na orientação de estágio no LL e ências como alunos.
na coordenação pedagógica em escola de surdos1 nos Essas experiências são pensadas por Bakhtin, em
impõe uma responsabilidade como formadores. suas reflexões acerca do autor e do personagem: “É
“O estágio faz parte do projeto pedagógico do cur- nesse sentido que o homem tem uma necessidade es-
so, além de integrar o itinerário formativo do educan- tética absoluta do outro, da sua visão e da sua me-
do” (BRASIL, 2008). Dessa forma, o curso LL atende mória: memória que o junta e o unifica e que é única
a essa diretriz. O curso LL teve sua organização em capaz de proporcionar-lhe um acabamento externo”
formato de educação a distância, com currículo distri- (BAKHTIN, 2010, p. 55).
buído em oito semestres de formação, sendo destina- O acabamento é dado pela ação do outro, marcado
do o penúltimo semestre para disciplinas de metodo- pela incompletude de sua pessoa, e vice-versa. Ele é
logia de ensino e o último, para estágio docente. potencializado pelas múltiplas relações estabelecidas
com o outro, nesse caso o OE. Há uma complementação
na interação verbal para prover a apropriação do ser
docente, do conhecimento sobre o fazer pedagógico.
Constatamos que o ser professor O estagiário vai dialogar com várias vozes, com o OE,
com o supervisor de estágio (professor regente), com
é o inacabado completado seu colega de estágio (outro aluno), com os autores
dos textos das disciplinas cursadas nos quais busca o
provisoriamente por palavras referencial teórico para elaboração do seu projeto de
alheias que o completam e o fazem ensino e de seus planos de aula.
De acordo com Bakhtin (2004), a enunciação é
sentir a devir de uma completude considerada produto da interação entre dois indivíduos
organizados socialmente, visto que a natureza destes
permanente. é social. Logo, a enunciação se faz dentro de um