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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES


DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

CURSO: JORNALISMO PERÍODO: 2021.1 DISCIPLINA: ESTUDOS CULTURAIS


EM COMUNICAÇÃO PROFESSOR(A): MARGARETE ALMEIDA NEPOMUCENO

ALUNOS (AS):
CLEYTON ARAUJO FERREIRA 20190056952
GEISYELLEN THÁFFYNE SOUSA FABRICIO 20190117619
THAIS GOMES LIRA 20190117010

A edição da revista Veja SP de 21 de janeiro de 2021 tem recebido duras críticas nas
redes sociais devido sua manchete especial de aniversário de São Paulo como “Capital do
Nordeste”.

A reportagem, aparentemente busca mostrar a mudança no perfil da migração de


estados do Nordeste para a cidade, mas, tem sido acusada, principalmente por sua capa, de
exibir uma visão preconceituosa, hegemônica, etnocêntrica, limitada e estereotipada do
Nordeste com relação ao Sudeste.

Em diversas redes sociais como: twitter, instagram, facebook, whatsapp, etc,


internautas externaram suas indignações acerca da forma com a qual a Veja retratou os
imigrantes nordestinos. Eis alguns comentários postados:

- O Nordeste virou estado e a capital é São Paulo.

- A cada segundo que eu olho pra essa capa da Veja


São Paulo me dá mais raiva. É por isso que eu falo
mal. O tanto de preconceito, xingamento,
desmerecimento do meu trabalho em 3 anos apenas
porque vim do nordeste e os caras vêm dizer que são
a capital? Me respeita.
- Capa da Veja SP que trata do nordeste, uma das
regiões mais negras no Brasil, não tem uma pessoa
negra. Se apoia em estereótipos visuais para falar da
região e resume uma região plural e complexa a uma
caixinha.

- 1- Se o Nordeste tivesse uma capital, não seria São


Paulo; 2- Mania de achar que nordestino só dá certo
quando vai para o sudeste; 3- Um dos nordestinos
entrevistados lamentou não ter mão-de-obra
nordestina, como os azulejistas. Se adaptou ao
modus operandi. Não levem a sério.

É recorrente que edições da revista veja virem piada, ou sejam motivo de protestos
por trazer algum tipo de preconceito. Esta edição da Veja São Paulo, uma revista que na
maioria dos seus colaboradores são do Sudeste, e que comemora os 467 anos da cidade,
pecou feio ao sugerir em sua capa que São Paulo seria a capital do Nordeste.

Dificilmente pensarão sob o ponto de vista Nordestino. Era a mesma coisa de Baby
Consuelo, que é carioca de Niterói, se intitular Bahiana apenas por ter sido casada com o
Baiano Pepeu Gomes, e ter por algumas vezes tocado em trio elétrico como participação
especial em algum bloco de carnaval de Salvador, e posar comendo um “Bolinho de
Jesus”[1].

Sobre esses aspectos, Santos[2] diz o seguinte:

“Etnocentrismo consiste em privilegiar um universo


de valores, propondo-o como modelo referencial.
Basicamente, encontramos em tal posicionamento
um grupo étnico se considerar como superior a
outro, reduzindo à insignificância seus costumes” .
(Santos, 2009, p.1)

Nesse sentido, a Veja errou feio! Não é sob o ponto de vista unilateral que se entende
o Brasil. Essa manchete polêmica só corroborou para escancarar esse preconceito velado que
sempre existiu entre sudestinos e nordestinos (“é tudo Paraíba”, “cabeça chata”, “fala
arrastado”, “só servem para pedreiros”, “são todos Baianos").

Lamentável que em tempos de extremismos ainda apareça mais essa. O nordestino


não é e nem quer viver um separatismo, um país independente como já falava em tom de
protesto contra o preconceito sulista, Elba Ramalho, na música Nordeste Independente, de
Bráulio Tavares[3]. O que o Nordeste quer, é apenas respeito. O escritor e diplomata
Guimarães Rosa, dizia:
“Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar
com país de pessoas, de carne e sangue, de
mil-e-tantas misérias… Tanta gente – dá susto de
saber – e nenhum se sossega: todos nascendo,
crescendo, se casando, querendo colocação de

emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante,


querendo chuva e negócios bons…”.[4]

Uma falha grosseira! As Capitais nordestinas (Recife , João Pessoa, Aracaju, Maceió,
Natal, Fortaleza, Teresina e São Luís) têm muito mais beleza, riqueza, grandeza e História.
Não há o que se invejar ou pormenorizar. O Nordeste é a região que possui o maior número
de estados. A resiliência dos nordestinos vai muito além do que qualquer definição literária e
científica, assim sendo, não cabe detrimento ou juízo de valor em relação à nenhuma outra
região ou população, pois, cada uma tem suas peculiaridades, identidades, costumes, etc, e
precisam ser respeitados como são.

Quando se julga qualquer outra cultura à partir do seu ponto de vista ou apenas da
realidade em que o olhador está, comete-se etnocentrismo, o que Meneses diz:

“Assim, o etnocentrismo julga os outros povos e


culturas pelos padrões da própria sociedade, que
servem para aferir até que ponto são corretos e
humanos os costumes alheios. Desse modo, a
identificação de um indivíduo com sua sociedade,
induz à rejeição das outras.” (Menezes, 1999, p.1)

Sabemos que durante anos, vários nordestinos migraram para o Sudeste, buscando
incertas oportunidades de trabalho atreladas à esperança de uma vida financeira estável. O
mestre da música popular brasileira, estudado nas faculdades de música do mundo inteiro,
Luiz Gonzaga, também conhecido como Rei do Baião, retratou em seus versos tão bem as
angústias e amargor de estar longe de casa buscando melhorias de vida. Lula Gonzaga soube
traduzir para o cosmopolitismo sudestino e a partir daí ganhar o mundo: “Minha vida é andar
por esse país, pra ver se um dia descanso feliz. Guardando as recordações, das terras onde
passei, andando pelos sertões, e dos amigos que lá deixei”[5]

No livro ‘Os Sertões’, Euclides da Cunha diz a célebre frase: “o sertanejo é


antes de tudo um forte”, nesta brilhante obra, o autor descreve suas experiências na Guerra de
Canudos. São movimentos ocorridos na história do Brasil que abalaram muitos dos governos
e regimes das classes exploradoras brasileiras. As atuais riquezas deste país só foram
erguidas, graças à aguerrida força desse povo que muito contribuiu para a história.

Desse modo, não passa de zoada a propaganda dos supostos modelos de


desenvolvimento, que apresentam, apesar de terem concedido direitos já elementares, como o
acesso à luz e a precária expansão do ensino, não alteram estruturalmente a situação da região
mais castigada do Brasil.

A capa e propósitos da Veja com a referida matéria, mesmo que se diga “não
intencionalmente”, apresenta sim esse etnocentrismo, que muitas vezes se apresenta de forma
camuflada, intrínseca, ou já está tão enraizado como o racismo estrutural, que faz com que
digam por exemplo “é um negro de coração branco”, por repetir aquilo que lhe foi ensinado
como “inocente” e mesmo que a pessoa não perceba está sim, cometendo racismo ao dar
continuidade àquele comentário. E sobre esse etnocentrismo camuflado, Menezes diz:

“É camaleônico, recorre às camuflagens e


mimetismos: apresenta-se sob formas benignas em
que parece irreconhecível, ao assumir a aparência de
seu contrário. Há maneiras de “valorizar”, de
“promover” que são mais eficazes para
descaracterizar o outro do que um combate
franco.”(Menezes, 1999, p.3)

Análise da capa da revista Veja São Paulo

Ao analisar com cautela os elementos que compõem a capa, percebe-se que estes
elementos foram escolhidos e colocados em pontos estratégicos através de uma visão
estereotipada a respeito do nordeste, em que, nessa visão, o nordestino vive em condições de
pobreza e seca. Esse estereótipo é reforçado mediante a cor escolhida para a parede ao fundo,
em um tom terroso que faz referência a casas de taipa, dando a entender que na região não
tem casas de alvenaria. Para reforçar essa ideia de seca e pobreza, são posicionados também
alguns cactos, planta característica do nordeste conhecida pela incrível capacidade de
sobreviver em ambientes extremamente quentes ou áridos. O olhar apresentado aos leitores
da revista é de que a região nordeste se resume à seca e pobreza, desvalorizando então a
cultura, a história, as crenças desse povo que é rico em cultura e valores.

Ainda falando sobre a capa, se a intenção da Veja era ressaltar o papel positivo do
nordestino em São Paulo, o mesmo não foi obtido com êxito. Segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), as regiões Norte e Nordeste têm como maioria dos
habitantes as pessoas negras. Entretanto, das seis pessoas escolhidas para representarem os
nordestinos na capa da revista, nenhum é negro, o que reforça a ideia de que para o
nordestino cresce na capital Paulista, é preciso ter pele clara. O que nos lembra de todo o
preconceito vivido por pessoas negras nessa grande capital, são frases como: “Esses
Paraíbas”; “são todos Baianos"; “cabeça chata”; “só servem para pedreiros e diaristas”, além
de todo o preconceito com seu sotaque. São frases como essas que o nordestino que mora em
São Paulo escuta ao menos uma vez por dia.
“A capital do nordeste”, neste título a Veja elege São Paulo como a capital de uma
região que nem sequer a cidade faz parte, e reforça também a ideia de que São Paulo é o
centro do Brasil. Além da problemática de diminuir o nordeste a um mero estado, e não ao
que realmente é: uma região do Brasil. O nordeste conta com nove estados, cada um com
suas próprias capitais e suas individualidades, mas nesse caso, foi resumido a um simples
estado, como se os nove estados que a compõem fosse um só, como algo homogêneo.

A reportagem conta, de forma romantizada, dos migrantes que foram para São Paulo
em busca de uma vida melhor, como se isso fosse uma espécie de sonho ou meta de todo
nordestino, o que não é verdade quando a vontade é mudar de vida. São Paulo foi construído
através de mão de obra nordestina barata, sempre muito mal remunerada, trabalhando o dobro
do que deveriam para conseguir o mínimo para sua sobrevivência. A maioria vive com baixos
salários e tem baixo nível educacional, devido a ter que escolher entre trabalhar para poder se
alimentar e estudar. Em razão disso e com os altos aluguéis que tem que pagar, grande parte
mora nas periferias da cidade, muitas das vezes tendo que pedir autorização para poder entrar
e sair da favela, pois lá o aluguel é mais barato, e muitas vezes têm que conviver com o crime
do lado de fora da janela. Além de toda essa problemática, os empregos geralmente são
distantes do local onde vivem, com isso, gastam tempo e dinheiro para se locomover até o
trabalho. Chegando lá, o trabalho também não é dos melhores, a maioria dos nordestinos
trabalha como diarista e pedreiros, pois são as áreas de trabalho, em sua maioria, que são
ofertadas para eles.

Etnocentrismo e apropriação cultural

“Os migrantes nordestinos do século XXI transformam a metrópole por meio da


gastronomia, do design, de startups inovadoras e até da construção de prédios — mas, desta
vez, no papel de donos das construtoras. A nova força do nordeste em São Paulo”
Esta foi a legenda da postagem nas redes sociais da Revista Veja sobre a edição do
dia 21 de janeiro de 2021 em comemoração ao aniversário de 467 anos da cidade de São
Paulo. Iniciam a matéria com a seguinte justificativa:

“Não é mais com calos nas mãos e sacos de cimento nas costas
que muitos migrantes nordestinos constroem uma nova São
Paulo. Durante o século XX, quando se tornaram a maior
população da cidade vinda de fora da capital, eles carregaram o
estigma de ser uma força de trabalho para serviços duros e mal
remunerados. Agora, transformam a metrópole por meio da
gastronomia, do design, de startups inovadoras e até da
construção de prédios — mas, desta vez, no papel de donos das
construtoras. É o que revelam dados oficiais e os personagens
destas páginas, feitas como uma homenagem de Vejinha ao
Nordeste no aniversário da capital paulista, que completa 467
anos na segunda-feira (25).”
(https://vejasp.abril.com.br/cidades/capa-migrantes-nordestinos
-sao-paulo/)

É fato que foram os nordestinos que construíram a cidade de São Paulo às custas de
muita exploração de trabalho em um momento em que migrar para o sudeste era a única
alternativa para quem sofria as consequências da desigualdade social impostas aos
nordestinos como forma de manutenção do monopólio regional.
Ao migrarem para a cidade de São Paulo, os nordestinos levaram também os seus
costumes, tradições, memórias e, mais do que isso, a saudade de sua terra. Também é fato que
o trabalho manual dos nordestinos foi bem utilizado pelas indústrias e construtoras de São
Paulo, mas a cultura nordestina foi subestimada e marcada pelo preconceito etnocêntrico que
se utilizou de diversos meios para concretizar as ideologias que reduzem a arte produzida
pelos nordestinos.
O preconceito etnocêntrico se deu por diversos meios e pela disseminação de
diferentes ideologias. Uma destes meios foi a apropriação cultural, que consiste em absorver
elementos de uma cultura, historicamente oprimida, fora do contexto, recontando a história e
o significado de forma centralizada na cultura que estabelece poder.
A publicação da revista Veja foi etnocêntrica não só ao ao realizar esta apropriação
sugerindo São Paulo como capital nordestina e contando a história a partir de uma visão do
Sudeste, mas também apresentou um nordeste desterritorializado e embranquecido,
invisibilizando as pessoas negras e indígenas que também fazem parte do Nordeste. “A
cultura Nordestina é antes de tudo negra- indígena”, comentou um internauta no Twitter.
A edição quer parecer uma valorização do nordeste trazendo pessoas nordestinas que
conseguiram se desenvolver em São Paulo, afirmando que houve a mudança do perfil dos
migrantes e que isso se deve a uma elevação na qualidade da educação no Nordeste. Dessa
forma, a reportagem coloca São Paulo como superior, sugerindo que o motivo para os
nordestinos não terem se destacado até então tenha sido por falta de uma educação,
relacionando a educação formal à capacidade de criar para além do trabalho braçal.

“Ainda que as duas principais fontes de informação sobre as


migrações (o Censo e a Pnad) estejam desatualizadas, a
mudança no perfil dessas novas personalidades é atestada por
especialistas e levantamentos oficiais. (O Censo mais recente é
de 2010; a Pnad, em 2012, deixou de medir mais a fundo o
fenômeno). “De lá para cá, a principal novidade é a inclusão
escolar. A chance de uma criança estar matriculada no Piauí é
maior do que no estado de São Paulo (nos dois casos, é
próxima de 98%). Assim, mesmo sem dados recentes, é seguro
afirmar que a grande diferença dos migrantes do século XXI é a
educação mais elevada”, diz Herton Araújo, diretor adjunto de
Estudos e Políticas Sociais do Ipea.
(https://vejasp.abril.com.br/cidades/capa-migrantes-nordestinos
-sao-paulo/)
Se os nordestinos não tiveram um destaque ao migrarem em São Paulo foi por causa
do preconceito que inviabiliza e reduz as chances para as pessoas. O discurso de que o
problema é a falta de educação adequada para algo faz parte da ideologia de que há uma
civilização ideal, nesse caso, seria a educação padrão sul. O que é um problema, a partir do
momento em que o ensino escolar também é etnocêntrica.

[1] Termo que os evangélicos usam para descaracterizar o alimento sagrado das religiões de
matriz africana, Acarajé.

[2] Aluna do 5° Semestre do curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.


Pesquisadora pelo

Programa de Iniciação Científica da mesma instituição de ensino com orientação do Prof. Dr.
Edson Capoano.

Email: aline.lilian.santos@gmail.com, em: “ O Etnocentrismo Ocidental Refletido Nos


Meios: O Oriente Médio e a Cultura

Islâmica Inferiorizada e Ameaçadora Na Esfera Mundial”

[3]Escritor, compositor, letrista, poeta, dramaturgo e pesquisador de literatura fantástica,


nasciem em Campina Grande, PB, em 1950.

[4] Grande Sertão: Veredas. Romance experimental modernista escrito pelo autor
brasileiro João Guimarães Rosa e publicado pela Livraria José Olympio Editora, em 1956.

[5]Música de Luis Gonzaga, lançada em 1978.

[6] (https://vejasp.abril.com.br/cidades/capa-migrantes-nordestinos-sao-paulo/)

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