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Sinopse:

Sonhos, frustrações, dificuldades, preconceito e, também,


ascensão social, sucesso financeiro, vitória. A história da
migração nordestina para os estados do Sudeste do Brasil
carrega esses e outros elementos.

Entre as décadas de 1930 e 1980, milhares de pessoas


abandonaram a terra onde nasceram e foram para outro estado
- que, para elas, era como se pertencesse a outro país: São
Paulo era outro mundo, tinha outra forma de organização, de
lutas, de sociabilidade, de trabalho e até mesmo de falar o
português.

Com seu estilo coloquial e direto e uma narrativa envolvente,


sem perder o rigor com os fatos, Marco Antonio Villa, autor dos
best-sellers Mensalão, Ditadura à brasileira e Um país partido,
oferece aos

leitores a voz não do narrador, mas dos próprios migrantes:


são eles que relatam a viagem no pau de arara, a chegada à
capital paulista, a dificuldade de adaptação, os empregos, a
melhoria de vida, a educação dos filhos, a construção da tão
sonhada casa própria. Também estão presentes as reações, os
exemplos de solidariedade, as angústias e as alegrias.

Quando eu vim-me embora descreve e analisa a expulsão do


sertanejo, a permanência da miséria e a mudança em escala
jamais vista na história do Brasil. São histórias individuais
pungentes e emocionantes que, somadas, compõem um dos
mais ricos processos históricos do país. Com elas, você
conhecerá a complexa migração de homens, mulheres,
crianças e idosos nordestinos e os sentimentos diversos que
fizeram parte de suas vidas - da esperança à frustração, da
fome e da sensação de desterro à conquista de espaço numa
grande metrópole, da crença num futuro de oportunidades ao
desencanto e o preconceito enfrentados na "Terra da Garoa".

Um livro imperdível para quem deseja conhecer em detalhes


um processo fundamental da história do Brasil e se emocionar
com a trajetória tocante de pessoas comuns, que ajudaram a
transformar São Paulo na maior metrópole da América do Sul.

Depois de dissecar a ditadura brasileira, o escândalo do


mensalão e a eleição presidencial mais suja desde a
redemocratização, o historiador Marco Antonio Villa conta a
história da migração nordestina

- em particular, a vida daqueles que foram para São Paulo.

Com seu estilo coloquial e direto e uma narrativa envolvente,


sem perder o rigor com os fatos, Villa oferece aos leitores a voz
não do narrador, mas dos próprios migrantes: são eles que
relatam a viagem

no pau de arara, a chegada à capital paulista, a dificuldade de


adaptação, os empregos, a melhoria de vida, a educação dos
filhos, a construção da tão sonhada casa própria. Também
estão presentes as reações, as frustrações, as vitórias, os
exemplos de solidariedade, as angústias e as alegrias.

É uma história, em boa parte das vezes, de vitoriosos, que


enfrentaram as dificuldades sem esmorecer. Muitos
ascenderam socialmente, participaram da vida empresarial,
cultural, sindical e também política do país.

Entre as décadas de 1930 e 1980, essas pessoas abandonaram


a terra onde nasceram e foram para outro estado - que, para
elas, era como se pertencesse a outro país: São Paulo era outro
mundo, tinha outra
forma de organização, de lutas, de sociabilidade, de trabalho e
até mesmo de falar o português.

SUMÁRIO

Apresentação

Capítulo 1: Vou deixar a minha terra

Capítulo 2: As levas nativas

Capítulo 3: Chamam eles de morrendo-andando

Capítulo 4: Os operários adventícios

Capítulo 5: Me alembro como se fosse hoje

Capítulo 6: Não sou de encostá corpo, não

Considerações finais: A vida aqui é fogo, mas se ganha


dinheiro Referências bibliográficas

APRESENTAÇÃO

"A carta roubada", célebre conto do escritor americano Edgar


Allan Poe, tem como tema principal o desaparecimento de uma
carta. Na história, muitos estão à procura da correspondência,
que vinha sendo

utilizada como instrumento de coação e chantagem. Apesar de


todos os esforços, ninguém a encontra. O apartamento do
chantagista é revirado. Porém a carta não é achada.
Diversamente do que se imaginava, ela estava colocada
displicentemente num porta-cartas, em cima de uma mesa, à
vista de todos. De tão visível, estava oculta.

A migração nordestina para São Paulo é uma espécie de "carta


roubada". Está à vista de qualquer um. É difícil encontrar algum
espaço urbano na capital paulista onde direta ou indiretamente
não haja uma

referência à presença nordestina. Contudo, ainda são poucos


os estudos sobre a importância desta migração para São Paulo,
diferentemente do que ocorre com a imigração europeia ou
asiática.

A lembrança da migração nordestina parece ainda incomodar.


Seus participantes ainda são vistos como intrusos, sem direito
a memória nem história. Não são lembrados nas novelas da
televisão ou em monumentos.

Suas festas não fazem parte do roteiro turístico tradicional da


cidade. Nem têm direito, sequer, a serem corretamente
vinculados a seus estados de origem.

Pelo contrário, são chamados genericamente de

"baianos", tenham eles vindo do Rio Grande do Norte ou de


Sergipe.

Se hoje a hostilidade contra os "baianos" é quase nula, durante


décadas ela esteve presente no cotidiano urbano, nas
denominações depreciativas, nos xingamentos, nas piadas.
"Baianada" foi sinônimo de burrice, assim como a expressão
"parece baiano", que possuía um amplo significado, sempre
depreciativo, indo desde a forma de se vestir, passando pela de
se comportar, de agir.

Não foi nada fácil escrever este livro. Como "A carta roubada"
de Poe, apesar de tão visível, não há base documental
suficiente para o trabalho do historiador. Não foi necessário
queimar os arquivos,

tal qual a determinação do célebre decreto assinado por Rui


Barbosa, ordenando a destruição dos documentos sobre a
escravidão. Evidente que há registros, porém em número
insuficiente frente a um dos maiores deslocamentos
populacionais ocorrido no mundo ocidental no pós-Segunda
Guerra Mundial até 1970, sem que o Estado fosse o elemento
indutor do processo.

A migração nordestina se espalhou pelo estado de São Paulo.


Inicialmente, a ampla maioria destinou-se às fazendas de café
ou algodão. Posteriormente dirigiram-se para a região
metropolitana de São Paulo, especialmente a capital e o ABC
(Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul).
Este livro faz algumas menções à região do ABC, contudo o
foco da pesquisa está concentrado na cidade de São Paulo.

Em grande parte do livro, a voz não é do narrador, mas dos


migrantes. São eles que relatam a viagem no pau de arara, a
chegada a São Paulo, a dificuldade de adaptação, os empregos,
a melhoria de vida,

a educação dos filhos, a construção da tão almejada casa


própria e o sentimento de solidariedade. É uma história, na
maioria das vezes, de vitoriosos, que enfrentaram dificuldades,
mas não esmoreceram.

Muitos ascenderam socialmente, participaram da vida


empresarial, cultural e sindical, e alguns fizeram carreira
política. O êxito obtido foi produto de uma decisão individual,
difícil de ser tomada: tiveram

de partir, abandonar a terra natal. Não foram para outro país,


porém é como se tivessem ido. São Paulo era outro mundo,
com outra organização espacial, de trabalho, outras formas de
sociabilidade, de lutas

sociais e até mesmo outra maneira de falar o português. O


universo tão presente das festas sertanejas inexistia. E
enfrentando todas essas adversidades, dezenas e dezenas de
milhares de nordestinos chegaram a São Paulo.

Analiso, igualmente, o processo de expulsão do sertanejo da


sua localidade de origem, do seu mundo. Procurei apresentar
como a elite nordestina tudo fez para se livrar do excedente de
força de trabalho

visto como elemento perturbador da ordem estabelecida, da


ordem coronelística. A permanência da miséria - como se a
roda da história não tivesse movimento e o presente fosse um
eterno passado - paradoxalmente levou os sertanejos à
mudança, à ruptura dos seculares laços de dominação, num
processo individual de migração para o sul em escala nunca
vista na história do Brasil.

Se o foco principal é o migrante nordestino, o livro não deixa de


lado a repercussão da grande migração no debate parlamentar
e nas ações dos governos estaduais da região nordestina e do
governo federal, especialmente entre os anos 1930-1980. E a
cidade de São Paulo - com todas as suas contradições sociais
e políticas - também é parte ativa desta história.

CAPÍTULO 1

VOU DEIXAR A MINHA TERRA

A migração nordestina para São Paulo tem uma longa história.


Desde o último quartel do século XIX, especialmente após a
grande seca de 1877-1879, quando morreram 600 mil
nordestinos, cerca de 4% da população brasileira da época, há
notícias de migrantes em São Paulo. Da região, entre 1879 e
1890, emigraram "mais de 350 mil pessoas maiores de dez
anos, fato que só se repetiria com tal intensidade na década

de 1950-1960".1
Como grande parte dos migrantes nordestinos era cearense, o
governo provincial acabou financiando a viagem dos
sertanejos. Foi criada na capital paulista até uma Hospedaria de
Imigrantes e Retirantes Cearenses, de onde posteriormente
eram encaminhados para fazendas no Vale do Paraíba ou do
Oeste Paulista.2 Na imprensa cearense foram publicados
diversos artigos defendendo que "o sul é pois hoje a nossa
tábua de salvação. Em nome, pois, dos 800 mil infelizes
condenados à morte, pedimos ao governo imperial que
estabeleça a corrente de emigração, em todos os vapores".3

Nesse período, os migrantes passavam pela capital paulista e


se dirigiam para o interior. São Paulo, em 1886, já era a maior
cidade da província (com 47 mil habitantes), porém Campinas
(com 41 mil habitantes)

era o principal polo econômico e somente não se transformou


em capital estadual devido aos sucessivos surtos de febre
amarela ocorridos ali. O clima de São Paulo acabou pesando a
favor de mantê-la como

capital, pois economicamente a cidade nem sequer era o ponto


de partida ou de chegada das principais ferrovias.4

O registro do número de "trabalhadores nacionais" - como


eram denominados os migrantes - era muito falho,
diferentemente do que ocorria com os estrangeiros. Isso pode
explicar por que entre 1820 e 1900

existe somente a anotação da entrada de 965 migrantes contra


973.212

estrangeiros, para o mesmo período.5 Tudo indica que no início


do século XX as estatísticas começaram a incorporar os
migrantes, em
parte porque seu número efetivamente passou a ser importante
no mercado de trabalho paulista.

Na passagem do século XIX para o XX e nas duas primeiras


décadas deste último, era evidente o predomínio inconteste da
força de trabalho estrangeira, especialmente a italiana, que
chegou a ocupar três

quartos do mercado de trabalho nas indústrias. São Paulo era


uma cidade europeia, ao menos na configuração da sua
população. Na capital, de acordo com Antonio Picarollo -
imigrante italiano, professor e militante político -, tinha-se a
"impressão de estar na Itália, na Itália de além-mar para onde,
juntamente com a língua, são transportados os costumes, as
tradições domésticas, as festas populares,

tudo, enfim, o que nos pode lembrar de coração a nossa terra


de origem".6

Entre 1890 e 1920, a população do Brasil cresceu pouco mais


de 100%, porém o número de imigrantes teve um salto de mais
de 300%. No estado de São Paulo a população quase triplicou
no mesmo período, enquanto a de imigrantes aumentou 1.000%
- mais da metade dos estrangeiros que viviam no país estava
sediada no estado. E na capital estadual estavam concentrados
70% deles. Havia uma variação em sua origem. Entre 1890 e
1910, o domínio dos italianos era inconteste; já nos 1910 foram
superados pelos espanhóis e portugueses. Em parte, a
diminuição do número de italianos deveu-se à Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e à consequente mobilização militar na
Itália.7

Das capitais brasileiras, São Paulo foi a única que na época


moderna teve mais estrangeiros do que brasileiros. Em 1886,
os brasileiros representavam 74% da população; em 1893, esse
número tinha caído
sensivelmente. Eram 44%, ou seja, os estrangeiros já
representavam a maioria dos habitantes da cidade. Sua
população havia triplicado graças à imigração. E

branqueado: em 1872, os brancos totalizavam 55%;

em 1886, já eram 77%; quatro anos depois, chegaram a 81%; e,


em 1893, representavam 87% dos habitantes.8 Até nos espaços
urbanos de sociabilidade a presença de negros, mulatos e
caboclos foi desaparecendo.

No lugar das congadas e dos batuques foram surgindo salões


de bailes, teatros e, no início do século XX, cinemas.

Nesse momento, o deslocamento de mão de obra nacional para


São Paulo foi de pouca importância. Por um lado porque não
havia meios de transporte que permitissem um fluxo
significativo de trabalhadores

do Nordeste para o Sudeste; além disso, era o momento do


auge da extração do látex na Amazônia, realizada, em grande
parte, por nordestinos, em particular pelos cearenses,
obrigados a migrar para a região

desde a grande seca dos "três setes" (1877-1879). Outro fator


limitador foi a construção ideológica, produzida desde a crise
do trabalho escravo, de que o trabalhador nacional era
indolente, pouco afeito

às dificuldades do trabalho agrícola e sem aptidão para o


mundo fabril: "Existia um forte preconceito contra a mão de
obra nacional, indisciplinada, ociosa e violenta. Provavelmente
era um preconceito

com raízes claras na realidade. Ambas, imagem e realidade,


surgiam da identificação do trabalho disciplinado com o
trabalho forçado (escravo) e da tradição e possibilidade de uma
economia de subsistência com terras livres."9

À indolência - acentuada até pela literatura - era acrescido o


gosto pela bebida, pelas festas, o absentismo, a violência, a
indisciplina. Um, entre tantos outros exemplos, é o do
personagem Jerônimo,

do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo. Era um português


que tinha chegado ao Brasil, casado e com uma filha. Morava
no cortiço de João Romão e trabalhava na pedreira, próxima à
sua moradia: "Acordava todos os dias às quatro horas da
manhã, fazia antes dos outros a sua lavagem à bica do pátio
(...). A sua picareta era para os companheiros o toque de reunir.

Aquela ferramenta movida por um pulso de Hércules

valia bem os clarins de um regimento tocando alvorada. (...) E


quando o sol desfechava sobre o píncaro da rocha seus
primeiros raios, já encontrava de pé, a bater-se contra o gigante
de granito, aquele

mísero grupo de obscuros batalhadores. Jerônimo só voltava à


casa ao descair da tarde, morto de fome e de fadiga." O
português era o símbolo do bom trabalhador, representando
para seus colegas um exemplo a ser seguido. Era o imigrante a
caminho da ascensão social graças ao trabalho, à poupança e à
perseverança.

Porém, Jerônimo conheceu Rita Baiana, "volúvel como toda


mestiça", e tudo mudou: "Uma transformação, lenta e profunda,
operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o
corpo e alando-lhe os

sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua


energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e
amoroso. A sua vida americana e a natureza do Brasil
patenteavam-lhe agora aspectos

imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos


seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades
novas, picantes e violentas; tornava-se liberal; imprevidente e
franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos,
tomava gosto aos prazeres; e volvia-se preguiçoso resignando-
se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo
com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio
entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.

E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus


hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-
se."10

Aos "trabalhadores nacionais", aqueles que chegaram à capital


paulista, eram reservados trabalhos com salários mais baixos,
geralmente no setor terciário e sem qualquer qualificação
profissional: "A preferência pelos trabalhadores estrangeiros
estava associada a uma rejeição em relação aos modos de
viver da parcela nacional pobre, descritos como inadequados a
uma cidade que procurava se desenvolver seguindo os

moldes europeus de comportamento."11

A seca de 1915, fartamente noticiada na imprensa paulista,12


acabou permitindo, pela primeira vez na história do estado,
uma tentativa de deslocamento em larga escala de força de
trabalho nordestina, sobretudo do Ceará, para o interior de São
Paulo, especialmente para as fazendas de café. Pelos jornais foi
defendida a ideia da migração de cearenses sem que o estado
pudesse ficar despovoado, pois, "dada a natalidade ali, pode-se
dizer que em pouco tempo os claros serão preenchidos. Afinal,
o Ceará é a China americana".13 O próprio governador
cearense solicitou do presidente da República facilidades para
transportar flagelados para o Norte e para o Sul14 - e esta
última região foi a novidade, tendo em vista que a migração
para a Amazônia ocorria, de forma acentuada, há meio século.

Se até 1919 a entrada de migrantes nacionais no sul do país


nem sequer tinha ultrapassado 5 mil pessoas por ano, a partir
de 1923 o fluxo acabou se intensificando, enquanto a entrada
de estrangeiros diminuía percentualmente. Em 1928, pela
primeira vez, o número de trabalhadores nacionais superou o
de estrangeiros: do total de 96.278, 55.431 eram brasileiros.15
Logo começaram a surgir notícias de superexploração dos
nordestinos, como a publicada no jornal O Combate, de que
"retirantes cearenses", na Fazenda Santa Gertrudes, em Rio
Claro, propriedade do conde de Prates, estariam sendo
"maltratados e explorados, até que, cansados de tanto sofrer,
procuraram o administrador e pediram suas contas, não sendo
porém atendidos. Os maus-tratos continuavam, e os desditosos
cearenses não podendo mais suportar o regime implantado
pelo administrador da fazenda, algumas famílias - em número
de seis - fugiram, indo para Rio Claro. Nessa cidade, andaram
os infelizes pelas ruas acompanhados de policiais juntamente
com o administrador

que levava um 'rabo de tatu', fazendo lembrar os tempos


bárbaros de escravidão".16

Dois anos depois, o Congresso Nacional foi palco de


acaloradas discussões sobre a questão da imigração. Ainda
não havia um apoio oficial explícito à migração dos "nacionais"
(nordestinos e mineiros) para o sul. Surgiu uma proposta de
imigração de negros norte-americanos para o Brasil, que logo
contou com a enfática oposição dos deputados Cincinato
Braga e Andrade Bezerra - que apresentaram um projeto na

Câmara dos Deputados proibindo - e dos articulistas dos


jornais cariocas.
Segundo O País, "os nossos bons pretos ver-se-iam logo
suplantados e humilhados pelos outros, e irromperia dentro em
pouco a mesma hostilidade rancorosa e recíproca que separa
na União Americana as populações das duas cores". E que
deveria ser mantida "severa vigilância na defesa desse
patriotismo moral que é o caldeamento natural do sangue num
tipo de evolução étnica do preto e do vermelho para o branco,
que é o ideal, digam lá o que disserem". Já para o Correio da
Manhã, "virá criar tal preconceito no país. Poderá despertar
sentimentos que não temos". O Jornal foi mais direto: "O Brasil
não pode se transformar em um refúgio de elementos étnicos
inferiores", secundado por O Dia: "Ser-nos-ia um fator de
degeneração a mais", e também por

O Imparcial, no qual José Maria Bello escreveu que a chegada


dos negros americanos "viria perturbar toda esta obra lenta e
pacífica de depuração étnica".17

Não se sabe quantos dos migrantes nordestinos acabaram se


dirigindo para a capital paulista ou se permaneceram no interior
do estado. Estima-se que uma parte tenha se dirigido a São
Paulo após ter passado

alguns anos no interior. Mesmo entre os chegados do "norte"


entre 1920-1923, por exemplo, há sempre uma diferença de 15 a
20% entre o número de chegados e aqueles encaminhados à
hospedaria, estes últimos normalmente destinados às fazendas
no interior do estado. Ou seja, uma parcela desses migrantes
ficava, ao menos inicialmente, na capital.18 Como destaca José
de Souza Martins, para os migrantes a "cidade de São Paulo
aparecia para eles no fim de uma escala sucessiva de opções
temporárias, experimentais, de deslocamento e busca. Esses
são os extremos das migrações para a capital, que se
desenham quando
a cidade deixa de ser o alternativo para se tornar o inevitável. É
por meio deles que se pode compreender o mundo de
significados, de ganhos e perdas, de invenções e supressões,
que fazem de São Paulo

um desembocar de Brasil".19

As reflexões contrárias à imigração indiscriminada,


especialmente de Alberto Torres e de Manoel Bomfim,
influenciaram os constituintes de 1933-1934. Para Torres, era
necessário controlar os núcleos coloniais,

onde, segundo ele, se perpetuavam línguas e costumes alheios


aos do Brasil, e onde governos estrangeiros começavam a
exercer uma espécie de fiscalização política: "Insistimos na
política de colonização, apesar da prova evidente de seus
desastrosos resultados." Já Bomfim insistia que "dado o nível
médio-mental, social e político das populações, não é possível
a grossa e intensa injeção de imigrantes, sem que o
desenvolvimento natural se desequilibre profundamente, sem
que a vida geral da Nação se perturbe, e que todo o caráter
nacional se ressinta".20 A crítica à imigração - no caso, a
japonesa - era extensiva à literatura modernista: "O
imperialismo japonês disciplinava a alma dos amarelos
pequenos, retacos, dissimulados."21

O que estava ocorrendo no Brasil não era um fenômeno


isolado. Depois da Primeira Grande Guerra "propagou-se no
mundo inteiro uma vaga de nacionalismo que, uns após os
outros, atingiu todos os países.

Dessas tendências nacionalistas provém a preocupação de não


deixar formar em seu seio núcleos estrangeiros capazes de
reivindicar a autonomia cultural ou política e de comprometer a
unidade moral e política da nação".22
As grandes greves operárias que marcaram o primeiro quartel
do século XX, com presença hegemônica de trabalhadores
estrangeiros, serviram como sinais de alerta para os
empresários sulistas. Vários decretos de expulsão foram
promulgados contra os "estrangeiros indesejáveis". Logo após
a Revolução de 1930 manteve-se a política de proteção do
trabalhador nacional, agora sob o manto nacionalista, e dessa
forma foram limitadas as oportunidades de emprego aos
operários estrangeiros.

O decreto 19.482, de 12 de dezembro de 1930, pouco mais de


um mês após a posse de Getúlio Vargas na chefia do Governo
Provisório, restringia a entrada no território nacional de
passageiros estrangeiros

de terceira classe. Entre as justificativas, além da intervenção


do Estado "em favor dos trabalhadores", estavam o
desemprego e a mobilização política liderada pelos operários
estrangeiros; "uma das causas do desemprego se encontra na
entrada desordenada de estrangeiros, que nem sempre trazem
o concurso útil de quaisquer capacidades, mas frequentemente
contribuem para o aumento da desordem econômica e da

insegurança social".23

Quase dois anos depois, a "lei dos dois terços", de 1932,


restringia as empresas a aceitarem, no máximo, um terço de
mão de obra estrangeira.24 No extremo, isso limitava o
crescimento das indústrias e da própria agricultura,
transformando a mão de obra nacional em elemento
indispensável para o desenvolvimento dessas atividades.
Como havia escassez de trabalhadores no Sudeste, abria-se
como único caminho

o deslocamento de outras regiões, onde havia abundância de


força de trabalho.
Seria do Nordeste e de Minas Gerais que se deslocariam
centenas de milhares de trabalhadores para o Sudeste.

Retomava-se em escala nunca vista na história nordestina a


emigração, já registrada na poesia popular:

Vou deixar a minha terra,

Vou para os matos d'além...

Que aqui não acho serviço

Para ganhar meu vintém!

Vou soluçando saudoso

Do Ceará, do meu bem! (...)

E é dever de quem precisa,

Por longe alcançar o pão,

Se o não tem dentro de casa,

Se o não tem no seu torrão...

Deus ajuda a quem procura

Cumprir sua obrigação.

Vou, pois, às outras paragens,

Como vai o passarinho

Buscar comer para os filhos,

Que choram dentro do ninho...

Como volta ele contente


Trazendo cheio o biquinho!

Assim, ó terra querida,

Em Deus espero voltar,

Para em teu seio mimoso

Das fadigas descansar,

Comendo o meu pão ganhado

Em tão longínquo lidar.

Que eu te amo tanto, ó pátria,

Como não posso dizer;

De teu sertão nas campinas

Nasci e espero morrer:

De ti me arrancaram somente

Hoje a pobreza e o dever...25

Não é acidental, portanto, que durante os trabalhos da


Assembleia Constituinte fosse duramente criticada a imigração
de trabalhadores estrangeiros e, em contrapartida, valorizado o
trabalhador nacional.

Para um constituinte, o Brasil "tem uma raça tão forte (...) não
pode trazer para o seu solo, prejudicando a sua vida social, a
sua vida econômica, a sua vida política, e pondo a todos os
instantes em

perigo o sossego de seus filhos, uma espécie de gente que é,


no dizer dos colegas que estudaram profundamente o assunto,
por demais perniciosa para os interesses nacionais".26

Um grupo de constituintes centrou suas críticas na imigração


asiática (entenda-se, a japonesa) e de africanos, o que não se
colocava no momento, mas funcionava como uma espécie de
prevenção frente a alguma iniciativa neste sentido. Segundo o
constituinte Miguel Couto, conceituado médico da época,
deveria ser "proibida a imigração africana ou de origem
africana, e só consentida a asiática, na proporção de 5%,
anualmente, sobre a totalidade de imigrantes dessa
procedência existentes em território nacional".

Outros constituintes eram mais radicais, como Xavier Oliveira:


"Para efeito de residência, é proibida a entrada no país de
elementos das raças negra e amarela, de qualquer
procedência." E justificava:

"De orientais pouco assimiláveis, bastam no Brasil os cinco


milhões que somos, os nordestinos e planaltinos de Minas,
Bahia, Mato Grosso e Goiás, sem falar nos autóctones da
Amazônia, os quais, quatro

séculos de civilização passaram indiferentes à sua inferioridade


patenteada numa decadência incontestável, que marcha para
uma extinção talvez não remota."27 Opinião que não era
compartilhada pela maioria dos constituintes. Um deles, Gaspar
Saldanha, afirmou que o colono nacional

"em nada é inferior ao estrangeiro e, ao contrário, lhe é


superior na inteligência e, até, nos rudimentos de cultura,
porque

é necessário dizer, posto pareça ser um absurdo, que o colono


estrangeiro não tem as mesmas luzes que o colono
nacional".28
Se o discurso nacionalista impunha o trabalhador nacional -
leia-se, nordestino

- como a solução para a carência de força de trabalho nas


regiões Sul e Sudeste em oposição ao imigrante, tanto pelo
lado

da soberania nacional como pela "adaptação aos valores


nativos", a elite nordestina não desejava manter o excedente de
força de trabalho na região.

Temia eventuais tensões: "O flagelado do século XX não tem a


mesma mentalidade do flagelado dos séculos anteriores. Já na
última seca registrou-se fato quase inédito; a invasão de
retirantes nas cidades férteis, não para pedir esmolas, mas para
tomar à viva força os alimentos de que precisavam para não
morrer de fome. Demos aos flagelados o direito do trabalho se
não quisermos que eles usem do direito do roubo."29

Assim como na grande seca de 1877-1879, a defesa da


emigração dos sertanejos não foi uma determinação do
governo central, algo que veio de fora e foi imposto à força no
Nordeste. Pelo contrário: foi adotada enfaticamente pela elite
regional como instrumento de contenção social. E que poderia
servir, em caso de necessidade, como uma punição aplicada
aos indóceis, aos contestadores da ordem coronelista:
"Satisfazendo,

assim, a mais urgente necessidade daquelas regiões e prestaria


o governo um relevante serviço à nossa população, e quiçá à
ordem pública."30

A 16 de julho de 1934, foi promulgada a segunda Constituição


do período republicano. O artigo 121, parágrafo sexto,
restringiu a imigração: "Sofrerá restrições necessárias à
garantia da integração étnica e capacidade física e civil do
imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada
país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total
dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos
cinquenta anos." Também vedava, no parágrafo sétimo, "a
concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da
União, devendo a lei regular a seleção, localização e
assimilação do alienígena".

De 1848 a 1932, a Europa forneceu para o continente americano


cerca de 52

milhões de emigrantes - somente no quinquênio 1906-1910 a


média anual alcançou 1.415.000. Porém, desde então, ocorreu
uma sensível queda, tanto que entre 1933-1937 o número de
emigrantes transatlânticos caiu para apenas 100 mil pessoas.
Esse fato deve ser atribuído principalmente às medidas
"adotadas pelos Estados totalitários a fim de impedir o
escoamento da sua substância viva, até mesmo pela Itália,
onde a fecundidade ainda se mantinha elevada. Já não havia
mais migrações internacionais, exceto a de refugiados
políticos".31

O reflexo no Brasil foi drástico. Em 1930, entraram pouco mais


de 30 mil estrangeiros, nos dois anos seguintes o número caiu
para cerca da metade. Já em 1933, saltou para 33 mil, caindo no
ano seguinte

para 30 mil e em 1935 para 21 mil. Em 1936, diminuiu ainda


mais: 14 mil; e em 1937 chegou a 12 mil.32

Em São Paulo, a expansão econômica foi acentuada no decênio


dos 1930, apesar dos efeitos da crise de 1929, que atingiu em
cheio a produção de café, tanto que a participação brasileira no
mercado mundial caiu 10% em relação ao decênio anterior -
enquanto cresceu a da Colômbia, rival brasileira no mercado
internacional, em razão do baixo custo de produção e da recusa
de restringir o plantio.

No campo paulista houve um significativo crescimento da


produção de algodão e açúcar. 33 No caso do algodão, a
produção estadual era de 3.934 toneladas no ano de 1930; isso
quando, em 1931, em três estados nordestinos (Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do Norte) era de 52 mil toneladas, ou
seja, treze vezes superior. Dez anos depois, a produção paulista
tinha saltado para 307 mil toneladas, e a dos três estados
juntos era de 91 mil toneladas, ou seja, tinha crescido 75%, e a
paulista tinha dado um salto de quase 78 vezes.34

Na capital, incluindo a região do ABC, a indústria e o setor


terciário da economia tiveram crescimentos acentuados. No
caso do ABC, "o surto industrial é posterior a 1930, tendo se
iniciado o movimento

na década de 1920-1930, quando surge a tecelagem Matarazzo e


a cerâmica São Caetano". Em 1924, havia na região 121
fábricas, em 1938 já eram 178, e em 1950 o número saltou para
413.35

O crescimento econômico fez com que aumentasse a demanda


por mão de obra. Contudo, como havia o limite constitucional,
além da lei dos dois terços, isso levou ao incentivo para a vinda
de migrantes, mineiros e nordestinos, em sua ampla maioria.
Daí que, como escreveu Mário Neme, de

"1932 para cá o total de nacionais entrados em São Paulo


passou de 18.345 -

sempre crescendo - a 100.139. Basta dizer que de 716.813

nacionais entrados durante mais de um século (1827 a 1939),


mais da metade, 416.970, aparece de 1932 a 1939".36
O predomínio de trabalhadores nacionais, entre os recém-
chegados, incluindo os estrangeiros, se acentuou de tal forma
que, no primeiro semestre de 1937, entre os 42.203 entrados no
estado, 36.457 eram

brasileiros. Para efeito de comparação, basta lembrar que, no


mesmo período, entraram no estado somente 507 italianos - a
corrente imigratória mais importante desde o último quartel do
século XIX até o início da década de 1930 do século XX. Em
1935-1936 os imigrantes europeus nem sequer atingiram a cota
estabelecida pelo Departamento Nacional do Povoamento. De
1930 a 1937 a imigração predominante foi de japoneses, que
desbancaram os italianos: o ápice foi em 1933, com 24.151

pessoas. Mas as dificuldades colocadas pelo governo e a


proximidade do início da guerra fizeram com que em 1938
chegassem 2.740

japoneses, e no ano seguinte somente 1.631.37

Dos brasileiros, a maior parte eram homens, ao menos aqueles


que ingressaram pelo porto de Santos. A chegada dos
migrantes a São Paulo não contava com pleno apoio dos
estudiosos. Henrique Dória de Vasconcellos, por exemplo,
acreditava que o deslocamento da população "prejudicará a
economia dos mesmos e redundará em prejuízo para o próprio
estado de São Paulo, cuja indústria tem interesse no aumento
das riquezas das outras regiões do país, qFue absorvem o
excesso dos seus artigos manufaturados. O resultado geral é,
portanto, prejudicial aos interesses do país".38 A crítica, nesse
momento, não era mais em relação ao suposto atraso cultural
dos migrantes, especialmente dos nordestinos, que
representavam a maioria daqueles que chegavam a São Paulo,
mas à intensificação da migração que poderia conduzir à queda
da produção agrícola, além da perda de mercado para a
indústria nas regiões mais atrasadas.
O processo em desenvolvimento, porém, era muito distinto:
havia amplo estoque de força de trabalho ocioso no campo,
muito mais do que um exército de reserva, e sem qualquer
perspectiva, a curto prazo,

de inserção no mercado formal. Dessa forma, o deslocamento


para a região economicamente mais desenvolvida, São Paulo,
impulsionaria o desenvolvimento capitalista, em vez de criar
um obstáculo para seu crescimento, ampliando o mercado
urbano de consumo, sem atingir a demanda de força de
trabalho no Nordeste. Pelo contrário, a migração distensionou a
região, criando uma válvula de escape social, isso

num momento ainda marcado pelo banditismo rural - um caso


clássico é o de Lampião.39

A chegada dos nordestinos serviu também para "abrasileirar"


São Paulo, alterando profundamente a origem étnica da
população. Isso num estado onde, desde a segunda metade do
século XIX, tinha se concentrado a imigração. Basta recordar
que, em 1950, na capital, havia mais estrangeiros que
brasileiros naturais de outros estados - recordando que a
migração tinha superado a imigração havia mais de vinte anos.

Também acabou servindo para diversificar a população e seus


eleitores, rompendo vínculos construídos ao longo dos
decênios e enfraquecendo as lideranças tradicionais do velho
Partido Republicano Paulista.

É associada à elaboração da legislação trabalhista e sua


vinculação com a figura de Getúlio Vargas, levando à formação
de um sólido núcleo de apoio ao presidente-ditador, como nas
eleições de 1945 e 1950, quando obteve consagradoras
votações no estado, particularmente na capital paulista,
elegendo-se deputado federal, senador e presidente da
República.
A entrada de migrantes continuou crescendo. De nada valeram
medidas como a do governo baiano, que criou um imposto
sobre as passagens de terceira classe vendidas para viagens
interestaduais. A migração era uma tendência e não seria
interrompida por medidas legais. Vinha desde 1928, quando,
pela primeira vez, a chegada de brasileiros ao estado de São
Paulo foi superior à de estrangeiros. Naquele ano,

foram 55.431 brasileiros contra 46.847 estrangeiros. De 1928 até


1933 retomou o predomínio da entrada dos estrangeiros, mas a
partir de 1934 os trabalhadores nacionais voltaram à liderança,
que não mais perderiam, mesmo com o fim do subsídio pago
pelo governo estadual.

Basta registrar que, em 1939, ano inicial da Segunda Guerra


Mundial, chegaram a São Paulo 100.139 brasileiros, dos quais
66.492 provenientes da Bahia, contra somente 12.207
estrangeiros. A seca daquele ano, que atingiu duramente a
Bahia, a melhoria das vias de transporte, a queda na entrada de
imigrantes e, especialmente, a procura por força de trabalho em
São Paulo explicam esse enorme crescimento migratório.

O predomínio dos baianos era evidente. De 1936 a 1939


entraram no estado 247.966 migrantes, dos quais 120.623 eram
baianos, cerca de 50%. Logo depois vinha Minas Gerais, com
56.034, seguido de Alagoas

e Pernambuco, com 23.378 e 20.444, respectivamente.40

Nos últimos 11 anos (1928-1939), nem sempre as secas


estiveram relacionadas com a intensificação da migração. Em
1930, chegaram ao estado apenas 8.720

migrantes, isso quando em 1928 tinham alcançado a

cifra de 55 mil, e em 1929 pouco mais de 50 mil. Evidentemente


que a Crise de 1929 e seus trágicos efeitos na economia
cafeeira paulista explicam essa queda. Mesmo com a seca de
1932-1933 a migração ainda foi baixa (18.345 e 30.330,
respectivamente), apesar de ter aumentado sensivelmente em
1933. Daí para diante o número sempre cresceu.41

A adoção, por parte do governo estadual, de um sistema de


contrato com companhias particulares para a introdução de
trabalhadores nacionais - quando da gestão de Armando de
Salles Oliveira - teve, principalmente, o objetivo de alocar mão
de obra à expansão agrícola da Alta Paulista e Alta
Araraquarense. Em 1935, do total de 52.747 migrantes, 19.784 o
foram por iniciativa estatal. Para efeito de comparação, basta

ver que, dos trabalhadores estrangeiros entrados no estado no


mesmo ano, um total de 19.846, somente 429 tiveram apoio
governamental, os outros 19.417

estão entre os considerados espontâneos.42

Em 1939, foi criada a Inspetoria de Trabalhadores Migrantes


(ITM).

Funcionários foram designados para os terminais ferroviários


de Montes Claros e Pirapora, de onde selecionavam os
migrantes e os encaminhavam para São Paulo. A participação
direta do governo estadual foi determinante para o aumento
significativo da migração de trabalhadores nacionais,
especialmente nordestinos e mineiros da região do Polígono
das Secas.43

A premente necessidade de força de trabalho relegou a


segundo plano as considerações negativas - e preconceituosas
- acerca do migrante nordestino.

Mesmo assim, no campo político, o tema acabou sendo


muito explorado, especialmente devido aos acontecimentos
relacionados à Revolução de 1932 - e dessa vez no próprio
Nordeste. A imprensa local aproveitou o conflito para especular
que uma possível derrota do governo central interromperia a
ajuda econômica à região, isso em plena seca: "500 mil
famintos invadiriam as nossas vilas e cidades, no delírio da
fome. Que seria do comércio? Que seria dos barcos?

Que seria das propriedades? E deles próprios? 500 mil


desamparados pelo ódio regional?"44

Durante todo o ano de 1932 chegaram à capital pela via


ferroviária, vindos de Pirapora, Minas Gerais, cidade às
margens do rio São Francisco, 4.433

nordestinos - e nos dois primeiros meses de 1933 entraram


quase que em mesmo número que o total do ano anterior:
4.295. Nesses dois momentos houve um predomínio de
baianos, de 80 a 90% do total, de homens (62%) e de
analfabetos (67%).45

Setores minoritários da elite política paulista insistiam em


desqualificar e acentuar as "diferenças" entre São Paulo e o
resto do Brasil, especialmente o Nordeste. De acordo com
Alfredo Ellis Júnior,

nada nos unia: nem a raça, nem os costumes, nem a economia:


"As diferenças raciais, entre nós, ainda são tão nítidas, tão
transparentes, que não pode haver quem de boa fé se possa
enganar." Continua o

autor: "São Paulo, por exemplo, tem, como Santa Catarina, 85%
de brancos puros. A Bahia só tem 33%." Por isso, no sul, "o
índice craneano desses brasileiros se eleva um pouco mais, e
as proporções somáticas tendem ainda a se diversificar na
mesma relação". Enquanto que o
"amongoilamento do tipo nordestino já é clássico e por demais
conhecido, para que honestamente possa ser contestado. Se às
vezes esse amongoilamento desaparece, deixa entretanto a
platicefalia, vestígio do amerindiano".

Já o retrato do italiano, para Ellis Júnior, era muito distinto:


"Ainda que toda tradição histórica de suas famílias seja
italiana, esses filhos de italianos não possuem mentalidade de
italianos. Adaptaram-se

de tal forma ao ambiente em que vivem que essa gente hoje


tem mentalidade idêntica à dos paulistas. São, sob esse
aspecto, tão paulistas quanto os descendentes dos
companheiros de Martim Afonso." E concluiu:

"Preferem admirar toda a rudeza selvática de um João


Ramalho, ou a bravura agreste de um Borba Gato, ou a poesia
que envolve as lendas de Pedro Taques, ou ainda a firmeza
rígida de um Feijó, do que toda

a habilidade mágica de um Rafael, toda a ferocidade mórbida de


um César Bórgia, ou a previsão de um Cavour, o cavalheirismo
épico de um Garibaldi, ou a arte sublime de um Verdi."46

O Brasil ainda estava marcado pelo regionalismo. E os


estereótipos eram explorados politicamente pelas elites locais.
Basta observar este poema popular, de 1932, de viés
antipaulista:

O povo daquele Estado

É inimigo do Norte

Eles não ligam importância

A nossa boa ou má sorte,


Por isso é que nós devemos

Mover-lhe guerra de morte.

Os paulistas chamam o Norte

Atraso do seu Estado,

Lhe chamam carro de boi

Que por eles é arrastado

Entendem que o Nordeste

Deve ser abandonado.

Para eles o nordestino

É preguiçoso, é ruim,

Entendem que o Nordeste

Merecia levar fim,

Agora eles vão saber

Que a coisa não é assim.47

Na década de 1940, chegaram ao estado pouco mais de 430 mil


pessoas; dessas, 396 mil por via terrestre. Dos que entraram
pelo porto de Santos, 32 mil eram migrantes, e apenas 2.854
embarcaram em portos

estrangeiros. A Segunda Guerra Mundial teve influência direta


nesses números: em 1942, foram 334; em 1943, apenas 45; no
ano seguinte, 76; e em 1945, último ano da guerra, ingressaram
no estado por via

portuária somente 473 estrangeiros.48

Dos 396 mil que chegaram por via terrestre, a maioria era
nordestina, com a ampla predominância dos baianos - quase
149 mil -, ficando em segundo lugar os pernambucanos, com 33
mil, seguidos de muito

perto pelos alagoanos, que alcançaram o incrível número de 32


mil, isso num estado pequeno e com população sensivelmente
inferior à de Pernambuco ou da Bahia. Vale destacar que, no
início dos anos 1930, São Paulo estava em quinto lugar entre os
destinos preferidos pelos migrantes baianos. Isso começou a
mudar a partir de 1936, e desde então o estado passou a liderar
a lista.49

Os migrantes mineiros alcançaram o segundo lugar, com 118


mil pessoas, 48%

das quais oriundas das regiões norte e noroeste do estado


marcadas pela seca.

Do total geral de migrantes, dois terços eram componentes de


famílias (268.044) e 307 mil tinham mais de 12 anos. Os homens
eram claramente predominantes (284 mil), e o número de
solteiros (267 mil) pouco mais do que o dobro em relação ao de
casados.50 Se compararmos esses números com os dos
imigrantes entrados pelo porto de Santos, entre 1908 e 1936,
temos porcentagens muito parecidas. Portugueses, espanhóis,
italianos, japoneses, alemães e turcos, sempre os de sexo
masculino, representaram mais de 60% das entradas. Entre os
espanhóis, 72%

eram analfabetos, entre os portugueses eram 57%, 40% entre


os italianos e 61% entre os turcos. O nível de escolaridade era
baixo tanto entre os migrantes como entre os imigrantes - e o
predomínio dos homens era evidente nos dois tipos de
trabalhadores.51

O crescimento da migração esteve também vinculado ao


sucesso econômico paulista e à decadência do setor primário
nordestino, que reforçava os fatores para a expulsão de mão de
obra. Na agricultura, a

produção de São Paulo, em 1939, representava 25% da


produção nacional. Em 1950, havia saltado para 34%. Já o setor
industrial estadual participava, em 1939, com 39% da produção
nacional; em 1950 esse número tinha saltado para 49%.52 Foi o
dinamismo econômico que possibilitou absorver os milhares
de migrantes e, ao mesmo tempo, estimular a chegada de mais
nordestinos. Por outro lado, a agricultura nordestina

mantinha-se com técnicas atrasadas. A produtividade era muito


baixa. Basta observar os dados do Censo de 1940. Em todo o
Nordeste havia 8.429 arados, enquanto São Paulo contava com
168 mil; o número de

semeadeiras em São Paulo chegava a 60 mil, e no Nordeste não


passavam de 2.110; já em relação aos tratores, São Paulo tinha
seis vezes mais que todo o Nordeste.53

De símbolo do atraso nacional, o sertanejo nordestino retornou


ao primeiro plano da cena política, agora como solução para o
problema de mão de obra nas áreas mais dinâmicas da
economia nacional: Rio

de Janeiro, Paraná e, especialmente, São Paulo. A célebre


passagem de Os sertões, de Euclides da Cunha, voltou a fazer
parte do linguajar cotidiano da política brasileira: o sertanejo
era novamente um

forte.
CAPÍTULO 2

AS LEVAS NATIVAS

Em 1948, Monte Azul, pequena e pobre cidade mineira do


noroeste do estado, com pouco mais de dois mil habitantes,
recebeu a extensão do ramal Estrada de Ferro Central do Brasil,
vinda de Montes Claros.

De lá partia outra linha, em sentido oposto: a da Viação


Ferroviária Leste Brasileiro, que alcançava a capital da Bahia,
Salvador. A facilidade do transporte ferroviário até a cidade, o
preço da passagem

- mais barata que o caminhão pau de arara -, a proximidade do


sertão baiano -

estava a pouco mais de cinquenta quilômetros da divisa entre


os dois estados -

fizeram com que Monte Azul se transformasse

numa das estações mais movimentadas da Central do Brasil.


Somente em 1951

embarcaram de lá com destino a São Paulo 41.115 passageiros


- número vinte vezes superior ao da população da cidade;
enquanto que de Montes Claros foram 11.230, e de Pirapora
pouco mais de 3.200.1

Monte Azul se transformou em passagem quase que obrigatória


para todos aqueles que fugiam da seca e das mazelas do
mundo sertanejo: "Saía-se daqui a cavalo ou a pé até o
Inhambupe, a sete léguas de chão batido nos cascos. Em
Inhambupe, esperava-se à beira da estrada por um transporte
motorizado qualquer para Alagoinhas. Mais oito léguas.
Dormia-se na estação de Alagoinhas, à espera do trem de
Aracaju

ou o de Juazeiro para Salvador, a capital do estado. Mais umas


dezoito ou vinte léguas. E todas as esperas e baldeações eram
só os preparativos da grande viagem, que começava mesmo
em Salvador, que o velho

povo chamava de cidade da Bahia. A grande viagem levava sete


dias e sete noites, num trem que descarrilhava sempre num
lugar chamado Monte Azul, lá pelos ermos de Minas Gerais, no
meio do caminho. Sobreviver

ao descarrilamento era o melhor da viagem."2

O cearense Moacir Assunção partiu de Araripe, no sul do


estado, passou pelo Crato, percorreu todo o estado da Bahia
até chegar a Monte Azul, acompanhado de 11 conterrâneos
num caminhão pau de arara. Nas

paradas comia o mínimo possível: "A gente era tão matuto que
a moça do restaurante perguntou para um primo meu se queria
palito de dente e ele disse que estava com a barriga cheia."
Com os trens sempre lotados, a saída foi invadir o vagão de
carga: "Lá viajava uma burra brava que dava coice para todo
lado." Os cearenses viajaram num extremo do vagão, e a burra
no outro. Poucas horas depois, com o sacolejar

do trem, a burra acabou se soltando, tornando impossível a


permanência deles naquele vagão. Acabaram tendo que viajar
em outro vagão de carga ocupado por dormentes: "A gente
dormia em cima da madeira duríssima, quase morrendo de dor
nas costas."3

Em outras secas também tinha ocorrido uma migração em


direção às estradas e às estações ferroviárias: "As estradas
que levam aos portos de Mossoró, Areia Branca e Macau estão
cheias de retirantes, que

vão se arrastando, fugindo do calvário da sua miséria, havendo


entre esses muitas vítimas que caem inanimadas por não
suportarem as fadigas e a duração da viagem." Ou: "Os trens
da Great Western e da Central chegavam abarrotados, porque,
numa espécie de delírio da fuga, todo mundo, à margem das
estradas de ferro, perdida a esperança de inverno gastava o
último vintém na compra de uma passagem para esta capital."4

O que distinguiu esses anos de outros momentos de forte


migração foi a quantidade numérica de retirantes e o sentido do
deslocamento. O destino não eram as cidades médias do sertão
ou o litoral, mas o

sul, especialmente São Paulo, a capital federal e o Paraná. Em


Monte Azul chegavam centenas de migrantes por dia, muitos
deles após longa caminhada pelo sertão, "através da caatinga,
cortando-a de todos os lados. Vêm de todas as partes do
Nordeste na viagem de espantos, cortam a caatinga abrindo
passo pelos espinhos, vencendo as cobras traiçoeiras,
vencendo a sede e a fome, os pés calçados nas alpargatas de
couro, as mãos rasgadas, os rostos feridos, os corações em
desespero."5

Vá logo ao chiqueiro

Amarre a cabritinha

E mate a galinha

Que está no terreiro,

Leve o candeeiro

E duas panelas,
Arrume as tigelas

E se tiver xerém,

Cozinhe o que tem,

Prepare as canelas.

E lá se vai de estrada afora

O velho com um matulão,

Um chapéu velho de couro,

Uma calça de algodão,

Com uma enxada no ombro,

Dizendo adeus ao sertão.6

O rádio também teve importante papel na migração. Revistas,


jornais, filmes raramente chegavam ao sertão. O que se sabia (e
se imaginava) do sul era construído pelo sertanejo através das
ondas do rádio.

As emissoras cariocas, especialmente até meados dos anos


1960, eram as mais ouvidas no sertão: "Rodando, depois da
meia-noite, no piso de terra da Rio-Bahia, atravessamos, sob a
luz da lua cheia que parecia dia, o arruado baiano de uma longa
fila de casas cobertas de palha. No silêncio do começo da
madrugada, a voz possante de Carlos Lacerda, à medida que o
carro passava diante das janelas, saltava de um

rádio para outro, sem que se perdesse uma palavra."7 Diz uma
migrante do sertão da Paraíba: "Todo mundo falava em São
Paulo. Eu acordava às três horas da manhã, quando o rádio
pegava programas de longe,
e ficava ouvindo."8

Um repórter testemunhou uma dessas peregrinações:


"Caminhavam, cambaleantes, e vários mortos já haviam ficado
para trás. Voando sinistramente sobre os retirantes, um bando
de urubus se projetava contra o azul do céu. Os fugitivos
cambaleavam e alguns deles permaneciam alguns minutos
deitados, procurando descansar sobre a terra que parecia
arder.

Bastava que se deixassem ficar deitados para que o bando de


urubus se atirasse sobre o retirante caído. Esfomeados,
atacavam a vítima ainda em vida. Somente quando o retirante
corria para junto dos demais companheiros é que deixavam de
atacá-los."9 O quadro descrito pela reportagem é muito
semelhante às imagens aterradoras dos retirantes do livro
Vidas secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938, e das
telas a óleo Os retirantes e Criança morta, de Cândido Portinari,
ambas de 1944.

Logo após a chegada a Monte Azul, dirigiam-se à estação


ferroviária, sempre superlotada. Queriam partir para São Paulo
o mais rápido possível. Porém, o trem saía somente uma vez
por dia, uma composição

com cinco vagões, um de primeira classe e os restantes de


segunda classe - às segundas e sextas havia também o
chamado noturno baiano, com a mesma capacidade. Além de
tudo, a cota de passagens destinada à cidade era insuficiente
frente à demanda. Muitos tinham de permanecer mais de uma
semana aguardando a partida do trem: "Chegava lá, ficava
quinze dias, vinte, esperando comprar passagem pra São
Paulo;

era na fila, ficava aquele bando de gente. Ficava aquele povo


ali, passava fome até, dava certo e ia embora."10 Era comum a
presença média de 4 mil retirantes nas proximidades da
estação, quase que o dobro da população de Monte Azul.

Xique-xique, mucunã,

Raiz de imbu e cole,

Feijão brabo, catolé,

Macambira, imbiratã,

Do pau pedra, a carimã,

A paneira e o murrão,

Maniçoba e gordião,

Comendo isso todo o dia,

Incha e causa hidropisia,

Foge, povo do sertão! (...)

Os que para o brejo vão

Morrem de epidemia;

Sofrem fome todo o dia

Os que ficam no sertão,

Neste pego de aflição.

Vai o sertão ficar vago!

À memória tudo eu trago

Repassando de tristeza,
Ó Deus, que és pai da pobreza,

Dai-nos pão, dai-nos afago!11

Os guichês tinham filas intermináveis. As famílias aguardavam


a abertura pacientemente. Exaustos, depois de uma longa
viagem, com pouco dinheiro para os gastos e com uma reserva
escassa de víveres - de farinha seca e rapadura -, espalhavam-
se pelo saguão da estação com seus filhos, sacolas, trouxas e
tudo o que de precioso possuíam: "Algumas mulheres
levantam a cabeça. Viram para mim o rosto de feições

endurecidas, como se fosse de barro. Seus olhos de córnea


muito branca, sem nenhuma veia, ficam parados. Tem o rosto
amarelo-pálido (quando elas dormem parecem estar mortas), os
cabelos corridos e sujos,

que caem sobre a boca."12

Para os migrantes, qualquer sofrimento parecia menor do que o


que tinham acumulado ao longo das suas vidas. E tinham a
esperança de uma vida melhor em São Paulo. Restava, mais
uma vez, esperar: velhos, moços, homens, mulheres e crianças
dormiam espalhados pelo chão. Às 22

horas, os motores movidos a diesel que geravam eletricidade


eram desligados, e a cidade ficava às escuras. O silêncio da
noite era entrecortado pelo choro das crianças com fome.
Muitas pessoas estavam doentes e, como não havia
atendimento médico, morriam antes da partida do trem.

Enquanto aguardavam, os migrantes eram explorados por


vendedores e aliciadores. Donos de pensão - e eram 18
estabelecimentos, quando na cidade havia somente 17 ruas -
enviavam seus empregados à estação oferecendo seus
serviços. Como o convite não era aceito, passaram a
uniformizá-los como se fossem policiais. Na estação, os falsos
policiais comunicavam aos migrantes que era proibido dormir
naquele lugar.

Estes se retiravam para a área externa e lá encontravam os


agenciadores, que indicavam onde se localizavam as pensões.
Nelas os migrantes permaneciam até conseguir comprar as
passagens. A de segunda classe, em 1952, custava 94
cruzeiros; já a passagem de primeira classe era bem mais cara:
260 cruzeiros.

Quando recebiam a notícia da chegada do trem, que


constantemente atrasava, corriam para a estação. Mal a
composição parava, os passageiros entravam pelas portas e
janelas à procura de lugares para sentar.

Cada trem partia com dezenas de passageiros sem terem


assento, pois a empresa vendia mais passagens do que a
lotação regular. Os "bancos são pregados no sentido
longitudinal, isto é, encostados às paredes do vagão. A lotação
assim pode ser aumentada de muitas vezes; é para setenta
pessoas, viajam 150. Muitos viajam em pé, razão pela qual as
pernas chegam a inchar. Algumas mulheres, já com varizes,
são obrigadas a interromper a viagem".13

Um passageiro mostrou seu pé para um jornalista do Última


Hora: "Está enorme, disforme. Tirou o sapato pois não mais
aguentava de dor. Pouco depois informa que há sete dias está
na mesma posição. De vez em quando, assim que o pessoal se
afasta um pouco, dá uns passos para evitar a paralisia. Está
febril, doente, visivelmente acabado. Perguntamos como se
arruma para dormir em pé. Em pé mesmo, foi a resposta."14

E muitos viajaram desta forma: "Fui em 1951, fui de trem.


Pegamos aqui em Manuel Vitorino [Bahia], dia de quarta-feira,
duas horas da tarde. Fomos em pé daqui até lá porque não
tinha lugar de sentar, em
pé, o trem vinha superlotado. Para entrar em Manuel Vitorino,
foi jogar as malas pelas janelas (...). Nós jogamos a mala por
cima; jogamos as malas e entramos.

Ficamos no lavatório, banheiro aqui, lavatório

ali. Viajamos daqui até São Paulo em pé."15 Outros se


abrigavam nas plataformas, fora dos vagões, pois não havia
lugar para ocupar no interior das composições. Passavam a
maior parte da viagem acordados, com medo de dormirem e
caírem do vagão. Alguns pediam que fossem amarrados ao
gradeado do vagão para poderem descansar, com receio de
despencarem nos trilhos.

A composição partia com os vagões superlotados. Passavam


por várias cidades até chegar, 239 quilômetros depois, a
Montes Claros, espécie de capital regional, isto após 18 horas
de viagem e vinte estações

pelo caminho. Esta cidade recebia principalmente migrantes


que vinham de outras localidades do norte de Minas Gerais e
da região central da Bahia, destacando-se a Chapada
Diamantina. De Montes Claros, o trem percorria 263
quilômetros até Corinto, a antiga Curralinho, onde havia um
entroncamento de três linhas: a que vinha de Montes Claros, o
ramal de Diamantina e o de Pirapora.

Pirapora era o ponto final de uma longa viagem pelo rio São
Francisco. Os passageiros embarcavam em Juazeiro - onde
chegavam pelas estradas de ferro Leste Brasileiro e Petrolina-
Teresina -, vindos principalmente do Ceará, Sergipe, Alagoas,
Piauí e Pernambuco; além de milhares que alcançavam a
cidade a pé, deixando pelo caminho parte da família, morta:

"Interesse era embarcar quanto antes, deixar para trás a


lembrança da viagem pela caatinga, a saudade dos mortos, a
recordação de tanto sofrimento. Não havia entre tantas famílias
acampadas na praça quase nenhuma que contasse com o
mesmo número de pessoas com que partira.

Todos tinham histórias para narrar, e nenhuma delas era alegre.


Por tudo isso, o que desejavam era embarcar quanto antes."16

Subiam o rio até Pirapora, numa viagem de 1.353 quilômetros,


gastando, muitas vezes, 19 dias nesse trajeto. Havia inúmeras
paradas pelo caminho: iam entrando passageiros oriundos das
cidades e dos povoados próximos ao rio. As "acomodações de
segunda classe, onde os trabalhadores viajam, são precárias,
porque os mesmos vêm misturados com a carga, inclusive o
gado. Não é possível, nessas condições, proporcionar um
mínimo de higiene e de conforto, que tanto seria desejável.
Queixam-se ainda os trabalhadores amargamente da
alimentação que lhes é fornecida".17

Muito antes da grande migração, em 1923, as condições da


viagem eram péssimas: "Os vapores, quando descem, como
nos afirmam, apanham o mais que podem desses viajantes, e
voltam da Lapa a Pirapora levando-os literalmente empilhados
como sardinha em lata, deixando um grande stock que fica à
espera de outro vapor e às vezes vai sendo engrossado por
novos emigrantes que chegam do sertão." Na segunda classe,
os passageiros viajavam ao lado das máquinas e do
carregamento de lenha:

"Tomei o vaporzinho 'Juazeiro' que já chegara a Lapa atulhado


de passageiros da segunda classe. Em Malhada, trinta léguas
acima, o Comandante admitiu mais 118. Foram cinco dias da
mais torpe condição de higiene e desconforto, a que somente a
suprema irresponsabilidade da administração poderia conduzir.
Um jacaré que se apontasse à margem, o barco inclinava-se
perigosamente com a deslocação dos curiosos.

'Volta, pessoal.' Eram gritos aflitos dos mais prudentes."18


O trânsito das embarcações pelo rio não era nada fácil:
"Durante sete ou oito meses de cada ano (período normal de
estiagem), a navegação, além de precária, chega a ter riscos.
Raro é o navio que, de

torna viagem, não precisa entrar para o estaleiro, dando origem


a gastos extraordinários de material, pessoal e de tempo
roubado no tráfego." Eram

"más as condições de navegabilidade do rio, cheio de abrolhos


e corredeiras, quando não são os bancos movediços e até
madeiros enormes que, frequentemente, obstruem canais e
passagens forçadas". Desta forma,

"sobrevivem, então, dificuldades sem número, os encalhes, os


naufrágios, a demora das baldeações".19

A estadia forçada em Pirapora era um custo adicional para os


migrantes, pois viajavam com poucos recursos: "Peguei um
trem em Jacobina pra Juazeiro, de Juazeiro peguei um vapor
pra Pirapora, Minas Gerais,

e de lá para São Paulo, mas em Juazeiro o vapor São Francisco


levou quinze dias para aparecer porque ele tava devagar no São
Francisco porque o rio tava seco."20

Em Corinto, mal desciam do trem. Muitos estavam doentes,


famintos, sem dinheiro. E exaustos. Tinham viajado 502
quilômetros, passado por quarenta estações e permanecido
mais de um dia dentro do trem, sendo que alguns continuavam
viajando de pé. E somente tinham percorrido um terço do
caminho para São Paulo.21 De lá, em pleno sertão mineiro, até
Belo Horizonte, eram mais 35 estações. Chegando à capital

mineira, tinham de fazer a baldeação. Contudo, nem sempre


encontravam pronta para a partida a composição que se
destinava a São Paulo. Só restava se abrigar na estação:
"Enrolados em lençóis, em panos brancos, tentando conciliar o
sono, no ladrilho, no cimento, nos bancos, tendo malas e sacos
por travesseiro."22

Da capital mineira, o trem seguia para Barra do Piraí, no estado


do Rio de Janeiro, onde havia o entroncamento com destino a
São Paulo. Percorriam mais centenas de quilômetros, passando
por dezenas de

estações. Mas para chegar à Terra da Promissão ainda


restavam 391

quilômetros e 74 estações. Em todo o trajeto percorreriam 1.637


quilômetros e 225 estações em três estados, sem esquecer que,
em boa parte delas, a composição parava para carga e
descarga.23

A comida seca aumentava a sede. Faltava água. Nas estações,


alguns desciam desesperados à procura do precioso líquido.
Na maioria das vezes nada encontravam. Isso quando não eram
abandonados na estação com a partida súbita do trem. Disse
uma passageira, depois de dez dias dentro do trem: "Nunca
mais, nunca mais faço essa viagem. Isto é pior que o inferno.

Quase todos doentes, na miséria, só se ouve gritos

e gemidos a todo instante. A passagem que paguei levou quase


todas as minhas economias, o resto foi gasto pelo caminho em
comida. Que vou fazer agora em São Paulo? Sem dinheiro, sem
emprego em vista, sem nada?"24

Minas Gerais era o estado com a maior malha ferroviária no


Brasil no final dos anos 1940: 8.449 quilômetros. O intenso
tráfego dos trens (de cargas e de passageiros) e o mau estado
de conservação das
ferrovias facilitavam a ocorrência de graves acidentes, sempre
com um grande número de mortos e feridos. O maior número
de desastres ocorria justamente nas linhas por onde
transitavam os migrantes e, geralmente, no período noturno.
Um deles, a 20 de setembro de 1951, próximo a Barbacena, teve
vinte vítimas fatais e cem feridos, boa parte em estado grave.25
Em outro, a 12 de fevereiro do mesmo ano, em Taubaté,

no Vale do Paraíba paulista, um trem de carga descarrilou e


interrompeu o tráfego entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Os desastres nem sempre deixavam vítimas, porém, ao impedir


o fluxo normal de trens acabavam criando outro grave
problema: nas estações anteriores a Taubaté, os trens que
saíam do Rio de Janeiro rumo

à capital paulista iam parando nas localidades, aguardando os


reparos e o restabelecimento do tráfego. Como as condições de
higiene eram precárias, logo os vagões ficavam em estado
deplorável. Além de

tudo, faltavam alimentos e água: era comum a morte de


passageiros, especialmente crianças subalimentadas e
doentes.

Muitos passageiros tinham crise nervosa e eram internados


pelo caminho em Casas de Saúde.26 A viagem estava cercada
de tragédias: "Um deslocado viajava em carro apinhadíssimo
de passageiros. Estava de pé, com um filhinho nos braços,
enquanto a mulher, sentada, cuidava dos outros. Fora
empurrado até a janela e ocupava um pequeno espaço. Moído e
cansado, quando cochilava, recebeu involuntário e imprevisto
empurrão, e deixou escapulir o garotinho pela janela também.
Foi dado o alarma. O trem parou. A criança morrera na queda. O
homem se ferira também, pois caíra sobre pedras. E veio ele
chorando, ao longo dos trilhos, com o cadaverzinho nos
braços."27

A morte de crianças era uma rotina nas viagens. Mal-


alimentadas, cercadas por um ambiente fétido, adoeciam e
muitas morriam: "Uma criança de apenas um mês de existência
chora, já sem forças, nos braços da mãe. Está com fome e não
há quase nada para comer. Não traz roupa alguma. Seu
pequeno corpo está sujo, coberto de equimoses e mordidas de
inseto. Os mosquitos passeiam livremente pelo rosto do
menino.

Uma disenteria fortíssima consome as poucas energias do


recém-nascido. A mãe está desesperada. Seus olhos tristes
bem demonstram o sofrimento."28

Devido à superlotação do pau de arara em que veio, faltavam


lugares e as crianças viajavam debaixo dos bancos. Uma delas
morreu no percurso e viajaram quase um dia com a menina
morta, até chegarem a uma cidadezinha, onde puderam enterrá-
la.29

E o trem continuava sua marcha para São Paulo: "O sertão


estava todo se mudando para o sul."30 E mudando em escala
nunca vista na história do Brasil.

Em 1951, dos 210 mil migrantes que entraram no estado de São


Paulo, um número ínfimo, pouco mais de 4 mil, chegou por via
marítima -

estes viajavam na terceira classe dos navios, aportavam em


Santos e dali seguiam para a capital paulista. Por estrada de
ferro chegaram 163 mil, dos quais mais de 72 mil vindos da
Bahia, 16 mil de Minas Gerais e mais de 12 mil de Alagoas -
número expressivo tendo em vista a pequena extensão
territorial do estado e a população
sensivelmente inferior aos grandes estados do Nordeste (por
via rodoviária chegaram mais de sete mil, perfazendo um total
de quase 20 mil alagoanos em um só ano). Para efeito de
comparação, basta citar

que, de acordo com as estatísticas oficiais, entraram em 1951


somente um migrante do Rio Grande do Sul e outro de Santa
Catarina.

A onda migratória para São Paulo foi uma verdadeira revolução


demográfica.

Em 1952 chegaram mais de 250 mil. Em 1951, o coeficiente de


emigração de algumas cidades superou 20%, como os de
Monte Azul,

em Minas Gerais; Brumado e Caculé, na Bahia; ou Parnamirim,


em Pernambuco.

Pequenos estados, como Alagoas, tinham um número de


emigrados em São Paulo próximo ao de Pernambuco. Nos anos
1950-1952, a participação dos mineiros entre os migrantes
nacionais entrados em São Paulo caiu de 27%

para 21% no ano seguinte e foi para 17% em 1952. A maioria


deles eram membros de famílias, 70% eram homens, 96%
analfabetos e a maioria absoluta era de brancos.31

O predomínio da ferrovia era inconteste: se 72 mil chegaram da


Bahia por este meio de transporte, pouco mais de três mil
vieram por estrada de rodagem. O

que demonstrava que a maior parte dos migrantes,

nesses anos, ainda era proveniente do sertão e não de áreas


mais próximas à Rio-Bahia. Pela via rodoviária entraram, em
1951, no estado de São Paulo, mais migrantes vindos de
Pernambuco, Ceará e Alagoas,

nesta ordem, do que baianos. Dos pouco mais de 205 mil


migrantes terrestres, mais de 75% estavam constituídos em
famílias, 35% eram casados, 71% eram do sexo masculino, 76%
tinham mais de 12 anos, pouco

mais de 95% viajavam por conta própria, e somente 4,6%


tinham obtido ajuda do governo estadual paulista.32

A inauguração, em agosto de 1949, da estrada Rio-Bahia, cuja


construção fora iniciada em 1937, ampliou ainda mais o
deslocamento dos sertanejos para o sul. Se, como vimos, em
1950, 85% dos migrantes chegavam a São Paulo pela ferrovia,
no ano seguinte esse número caiu para 80%, e nos dois
primeiros meses de 1952 foi para 58%,33 e a tendência de
queda continuou até o trem ser superado pelo pau de arara,
meio

de transporte cujo uso se intensificou ainda mais devido à


entrega da via Dutra, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, em
janeiro de 1951, dias antes de Eurico Gaspar Dutra passar a
Presidência da República

a Getúlio Vargas.34

A maioria dos migrantes que passava pela Rio-Bahia tinha


como destino São Paulo: quase 80%. Entre 1951-1953 a maior
parte dos viajantes chegava de Pernambuco e da Paraíba35 - os
baianos ainda preferiam o transporte ferroviário, pois
provinham de sub-regiões próximas às ferrovias.

Mas o país estava gradualmente substituindo o transporte


ferroviário pelo rodoviário. Havia, em 1928, 113 mil quilômetros
de rodovias, em 1943 esse número saltou para 276 mil
quilômetros. A Transnordestina, com 1.275 quilômetros, estava
em ritmo avançado de construção, ligando Salvador a Fortaleza
e passando por três estados.

Os 1.718 quilômetros da Rio-Bahia36 iniciavam-se em Feira de


Santana, na Bahia, entrando em Minas Gerais pelo nordeste do
estado, percorria boa parte da região leste do estado, indo até
Além Paraíba,

quando penetrava no estado do Rio de Janeiro, rumo à então


capital do Brasil.

Nove anos após a sua inauguração estavam pavimentados


somente 230

quilômetros.37 Mesmo assim, pelo leito da estrada de terra


passaram dezenas de milhares de migrantes como passageiros
dos caminhões pau de arara.38

Os caminhões eram veículos de carga, e acabaram


improvisados para transportar passageiros. Em 1951 havia 210
mil caminhões de carga no país; dois anos depois já eram 289
mil, dos quais 105 mil no estado de São Paulo e 55 mil do
Distrito Federal. O número de ônibus era infinitamente menor:
saltou de 16 mil, em 1951, para 23 mil, dois anos depois, dos
quais 10

mil estavam em São Paulo ou no Rio de Janeiro;

o que não permitia atender à demanda, sempre em


crescimento.39

Os caminhões eram precariamente adaptados para transportar


passageiros. Na carroceria eram colocados bancos de madeira
no sentido vertical. Ganhavam uma cobertura de lona.
Transportavam, em média, de
setenta a cem passageiros, entre adultos e crianças.40 Na
boleia ia o motorista, um ajudante e, eventualmente, um
passageiro mais aquinhoado. A denominação de paus de arara
para os caminhões - e que também foi extensiva aos sertanejos
- acabou se consagrando na década de 1950. Para uns, a
denominação originou-se devido à cobertura e aos bancos que
lembrariam uma gaiola, e como os passageiros tinham de ficar
agarrados ao gradil do caminhão para se proteger dos
solavancos da viagem, era reforçada a analogia com os
pássaros.41 Logo a expressão foi também adotada na poesia
popular:

A vida aqui só é ruim

quando não chove no chão.

Mas se chuvê dá de tudo

Fartura tem de purção.

Tomara que chova logo

tomara, meu Deus, tomara.

Só dêxo o meu Cariri

no último pau de arara.

Enquanto minha vaquinha

tivé o couro e o osso

e pudé com um chucaio

pendurado no pescoço

vou ficando por aqui.


Deus no céu me ajuda.

Quem foge da terra natal

em outro canto não para.

Só dêxo o meu Cariri

no último pau de arara.42

O transporte de migrantes era um negócio próspero. Tanto que,


em Pernambuco, em 1953, em apenas um trimestre, tinham sido
comprados 515

veículos, novos e usados, que seriam utilizados para esse fim.


Havia até um temor, por parte das autoridades, de que o estado
teria problemas de transporte de carga com a continuidade
dessas transações.43 O caminhão só partia quando estava
lotado. A saída levava algum tempo.

Havia um ritual que se repetia: o proprietário do caminhão


utilizava-se de um agenciador que noticiava a viagem,
priorizando os locais de concentração popular, como as feiras.
Posteriormente, notificava

os passageiros do dia da partida.

Em 1952, a passagem saía, em média, por quinhentos


cruzeiros. Porém, nem sempre o passageiro tinha como pagar.
A alternativa era deixar os documentos pessoais com o
motorista como garantia de que pagaria ao chegar ao destino.
Muitos migrantes, nesta situação, de acordo com denúncias
divulgadas à época, sem ter conhecimento, eram vendidos por
1.500

cruzeiros para fazendeiros de Goiás e do Triângulo Mineiro.


O motorista percorria diversas estradas do sertão até chegar à
Rio-Bahia. Ao longo do caminho ia recebendo novos
passageiros. Viajava inclusive à noite.

Quanto mais rápido chegasse ao seu destino, mais

cedo retornaria ao Nordeste para mais uma viagem. Daí que as


paradas eram reduzidas ao mínimo, geralmente de 15 minutos.
Em muitas delas os passageiros eram roubados do pouco que
levavam: ou quando estavam dormindo ou, ao descer, deixando
seus pertences no caminhão.

As condições de viagem eram péssimas. Dois repórteres de O


Cruzeiro, a principal revista do Brasil dos anos 1950, tiveram
oportunidade de fazer uma viagem junto com 102 migrantes
num caminhão da marca

Fargo, antigo e em más condições de conservação. É o melhor


relato jornalístico da saga dos nordestinos em direção ao sul:
"Quem não espremia roupas dentro de malotas ou sacos de
farinha de trigo, discutia por migalhas de espaço. E ao fim não
se conseguia mais que trinta centímetros quadrados para
arrumar o corpo, com pernas, braços e tudo. (...) Os mais
experientes amaciavam os bancos com trapos. A bagagem foi
distribuída por cima da cobertura de lona furada ou mesmo
dentro da carroceria. (...) Sete pessoas em cada banco, o de
trás com os joelhos obrigatoriamente nas costas do da frente,
imprensado pelos dois lados e sentindo a tortura da quina das
tábuas no osso da canela. Gaiolas encarcerando papagaios
pendiam da cobertura, e pequenas redes de criancinhas
balançavam sobre as cabeças da boiada humana.

Mães enfermiças pediam licença aos vizinhos: 'Meu senhor, o


senhor deixa eu botá o meu menino nas suas costas? Ele não
pesa nada não.'"44
A longa viagem - algumas vezes durava até três semanas -
esgotava as provisões. A farinha, rapadura e carne-seca que
traziam eram logo consumidas.

E não tinham dinheiro suficiente para comprar alimentos pelo


caminho, inclusive porque os preços eram muito altos. Onde
comer? O

relato dizia ainda que as "pensões (que usam este nome por
não terem inventado outro) são bodegas imundas, com tapetes
voadores de moscas, pratos rachados, talheres enferrujados,
toalhas ensopadas de gordura de bode".45 Em muitos pontos
da estrada nem sequer existia uma vila.

Foram sendo construídas "rancharias": abria-se um clarão na


vegetação e eram improvisados acampamentos. Redes eram
armadas e as famílias ficavam aguardando transporte.

Além da fome, faltava água potável. Dada a escassez de água,


raramente tomavam banho durante a viagem. E como a quase
totalidade das estradas por onde passava o caminhão era de
terra batida, os rostos e as roupas ficavam tingidos de poeira
vermelha:

Tá vendo essa roupa cáqui?

Ela é branca, meu patrão.

Acontece que eu vim de longe

Em cima de um caminhão.

E a poeira é de morte

Naquela estrada do norte.

Tem dó de mim, meu patrão


E vê se ajuda teu irmão!

Eu quero trabaiá o dia intero

Nem que seja pra ganhá um tostão.

Eu já não posso mais,

E vortá pra trás

Eu não quero, não!

Chega de vivê torrado

pelo sol malvado

que só qué mata!

Chega de sabê que a fome

é o direito do home

que não qué roubá!46

O perigo da viagem aumentava à noite: "As nuvens de poeira


tomam proporções gigantescas e sua tonalidade cinzenta
desafia os holofotes dos caminhões, que estacionam à beira da
estrada, cegos de pó."47

Não havia banheiros pelo caminho e a assepsia dos bebês era


realizada com o caminhão em movimento: "Na viagem os
adultos atendem a necessidades fisiológicas em sanitários dos
postos de abastecimento ou

'indo no mato', nas paradas, geralmente, de três em três horas.


Quando 'vão ao mato', convenciona-se, os homens tomam a
margem esquerda da estrada, as mulheres, a da direita. Prefere-
se 'ir ao mato' que
às privadas por serem essas sempre imundas e espalhadoras
de doenças."48

As grávidas eram as que mais sofriam. Caso se sentissem mal,


o caminhão não parava: o motorista não queria perder tempo e
dinheiro. Sabemos o nome de uma delas: Alice: "O estômago
não lhe aceitava os alimentos. Tinha de expulsá-los a cada
instante. Fazia uma ginástica acima de suas forças. Galgava os
ombros da vizinhança, até alcançar o extremo da carroceria,
onde se entregava ao suplício de suas náuseas."49

Mendigos ficavam aguardando a passagem dos caminhões


para pedir esmolas.

Entre tantas cenas que chocaram os repórteres, uma delas foi


numa parada.

Alguns adultos gastaram o pouco que tinham num prostíbulo


de beira de estrada, onde mulheres deixavam com suas colegas
os filhos de colo e vendiam o corpo por 15 cruzeiros (preço de
meio quilo de carne de sol).

As crianças também estavam entre as vítimas. Muitas faleciam


nas hospedarias das cidades à margem das estradas, outras
morriam pelo caminho:

"Uma criança chorou muito à noite. Noutro dia, logo que o carro
partiu, continuou chorando. Ao cair da tarde ela cessou de
chorar. E não choraria mais jamais. Morreu. A mãe constatou,
avisou o marido. Várias pessoas bateram na boleia para que o
motorista parasse. Este não dava atenção. Lá pelas tantas,
parou e, muito mal-humorado por ter de interromper a viagem,
consentiu em esperar que enterrassem o 'anjinho'. Não havia
uma ferramenta para se cavar, uma enxada, nada.

O motorista ensinou: 'O que devem fazer é amontoar pedras em


cima do anjinho, assim bicho do mato nem carcará virá comê-
lo.' Todos desceram e cada qual pegava as pedras que podia e,
na margem esquerda da estrada que descia para o sul, sobre o
corpo inerme daquela criança, foram colocando pedras e mais
pedras."50

Na passagem pelas cidades, os caminhões não eram bem


vistos pela população local. Seus ocupantes eram
considerados violentos, acusados de ladrões e portadores de
doenças. Em Montes Claros, nem sequer

podiam descer para comprar alguma mercadoria.


Destacamentos policiais à margem da estrada impediam o
desembarque dos sertanejos. A Casa de Saúde local recusava-
se a atender migrantes.

A situação se agravava quando a viagem atrasava e os


passageiros não tinham mais alimentos nem dinheiro para
comprá-los. A tensão aumentava entre o motorista, seu
ajudante e os sertanejos; e entre estes e a população local.
Como em fevereiro de 1952, quando uma chuva de grandes
proporções interrompeu o tráfego da Rio-Bahia: "Seiscentos
caminhões de transporte de retirantes estão desarranjados e
atolados, sem socorro imediato ou mesmo remoto,
encontrando-se os passageiros na mais completa miséria."51

Por outro lado, as cidades à margem das estradas por onde


passavam, especialmente na Rio-Bahia, tiveram grande impulso
comercial. Feira de Santana, ponto de partida da rodovia, foi
uma delas. Além da conexão com o sul, a cidade estava ligada
por estradas de rodagem com os estados de Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Em
1950, mais de mil caminhões passavam por ela a cada dia,
transformando-a em importante polo comercial, também como
distribuidora de mercadorias provenientes do sul. Em 1930,
possuía 25
caminhões; vinte anos depois, saltou para 348. Havia ainda 42
postos de gasolina e 35 garagens, além de seis hotéis e
cinquenta pensões, voltados, fundamentalmente, para o
trânsito de pessoas e mercadorias.52

Outras localidades, distantes da Rio-Bahia, porém com


conexões com a grande via da migração, tiveram importante
papel nesse processo. Montes Claros, como vimos, foi uma
delas. Para lá se dirigiam migrantes mineiros e principalmente
baianos. Muitos chegavam a pé; alguns com algum animal de
carga, como o jegue - que também transportava as crianças e
os poucos bens que ainda possuíam. Logo vendiam o animal
para poder se manter na cidade até a partida de um pau de
arara. Como as pensões cobravam diárias caras, alguns não
tinham alternativa senão alugar a

"sombra de árvores situadas nos quintais das casas, a fim de


não ficarem inteiramente desabrigados".53

A viagem era para o desconhecido. Quando da grande onda


migratória - no decênio dos 1950 - poucos tinham parentes em
São Paulo. Desconheciam os dissabores da viagem. A maioria
dos sertanejos nunca tinha percorrido aquelas estradas -
grande parte nem sequer tinha saído da sua cidade natal -, e
eles não sabiam quanto tempo levariam até chegar ao destino
final. Aproveitando-se disso, alguns motoristas encerravam
uma viagem para São Paulo em Feira de Santana, na Bahia, ou
em qualquer cidade mais próspera do caminho, dizendo que
tinham chegado ao seu destino.

Outros simulavam a quebra de alguma peça do caminhão,

diziam que não tinham dinheiro para o conserto e exigiam que


os passageiros se cotizassem para poder pagar ao mecânico:
nada mais era do que mais um meio de ampliar os lucros e a
exploração dos passageiros.
Na via Dutra chamava a atenção o tráfego intenso dos
caminhões pau de arara:

"No trajeto que fiz, num ônibus, do Rio para São Paulo, por
diversas vezes alcancei caminhões de emigrados do Nordeste.
Com

a última seca flagelatória, uma verdadeira população deslocou-


se do tórrido torrão natal para o planalto fértil de Piratininga."
Continua o escritor Oswald de Andrade: "Já na rodovia Dutra,
última etapa

da viagem, eles aparecem endomingados, de chapéu, as


mulheres em matinê limpa, as crianças de setineta, os olhos
esperançosos e travessos."54

Em São Paulo, a imprensa apresentou várias denúncias sobre


as agências que vendiam passagens para os caminhões pau de
arara que retornavam ao Nordeste. Um comerciante português
que se dedicava a essa atividade teve sua agência fechada.
Porém, nas imediações da estação Roosevelt, no Brás, outras
agências continuaram funcionando, apesar da proibição do
delegado da região, certamente influenciado também pelos
proprietários das empresas de ônibus que atuavam na linha
São Paulo-Nordeste-São Paulo, que não desejavam ter
concorrentes.

Um "transportador" de migrantes disse que em apenas um


trimestre "já desceu com mais de seiscentas cabeças". Seu
sogro arregimentava os homens no sertão da Paraíba,
combinava o preço da passagem, recebia um adiantamento e,
em São Paulo, depois de arranjarem um emprego, iam
amortizando a dívida. Na Paraíba, cabia ao agenciador propalar
as vantagens da vida paulistana: "Vá gozar a vida em São
Paulo, filho.
Aquilo é que é terra, lugar de ganhar dinheiro. A viagem você
começa a pagar quando estiver ganhando seus 200, 250
'mirréis' por dia. Comida, no caminho, Sérgio dá." Porém,
durante a viagem, quando os

migrantes esgotavam a comida que tinham levado, o motorista


do caminhão não efetuava nenhum empréstimo. A maioria
passava fome. O motorista durante toda a viagem carregava
ostensivamente um revólver na cintura. Um dos migrantes
contou seu drama logo ao chegar a São Paulo:

"Sérgio cortou o meu feijão com farinha e, quando 'alisei' [ficou


sem dinheiro], fiquei fazendo careta pro sol o dia inteiro, de
fome."55

Os desastres serviam momentaneamente como instrumento de


pressão junto ao poder público para extinguir o transporte
clandestino. Acidentes eram rotineiros, como o ocorrido em
setembro de 1953, em Leopoldina, Minas Gerais, com um morto
e dezenas de feridos, além do motorista do caminhão ter
fugido, abandonando 51 passageiros, entre os quais mulheres
grávidas e crianças.56 Mas logo o assunto caía no
esquecimento e os caminhões continuavam a chegar a São
Paulo.

Um inquérito aberto na delegacia de polícia da oitava


circunscrição da capital paulista investigou os agenciadores
dos paus de arara: "Todas as agências, que vão abaixo
relacionadas, estão instaladas,

a maioria delas, em cômodos impróprios, dando com a frente


para a rua, as quais, devido à grande afluência de nordestinos
pretendentes às viagens, expõem os pretensos viajantes pelas
calçadas das ruas, homens, mulheres e crianças (a maioria
descalços, sujos e malvestidos), que ali ficam horas e dias à
espera da condução prometida, que contataram e já pagaram
adiantadamente, oferecendo à população e aos

transeuntes um espetáculo de miséria e penúria, pondo em


contraste o grau de adiantamento dos paulistanos. Tais
agências, que funcionam irregularmente, sem qualquer licença
dos poderes públicos, pois sobre elas não existe a menor
fiscalização, pelo menos na capital, quer municipal, estadual ou
federal e mesmo policial, prestam-se às maiores barbaridades e
negociatas."

E continuava: "Transportam elas passageiros para todos os


estados do Nordeste, fazendo assim desleal concorrência às
empresas de ônibus que funcionam regularmente, mediante até
a concessão federal, com seus impostos em dia. Essas
agências de 'paus de arara', na sua ganância desenfreada,
iludindo a boa fé e ignorância dos nordestinos humildes,
segundo apurei, prometem até transportá-los para até além-
continente, explorando-os vergonhosamente, sendo de se notar
que seus agentes ou agenciadores, a maioria deles, são
indivíduos de um passado duvidoso, vagabundos e
desordeiros. Existem, entretanto, nesses locais, diversas
agências de transportes em ônibus, todas elas funcionando
regularmente e com autorização dos poderes públicos, sobre
as quais não constatei qualquer irregularidade, que caracterize
quaisquer reclamações."57

Contudo, nada interrompia o fluxo dos nordestinos. Da Bahia


vinham notícias de dezenas de caminhões em trânsito
diariamente pela Rio-Bahia. Souza Lima, ministro da Viação e
Obras Públicas (1951-1953),

viajou para o Nordeste por determinação de Getúlio Vargas.


Ficou impressionado com o que viu: "Não são apenas as
criações que morrem. Morre gente de todas as idades e
condições. Povoações há que já foram abandonadas. Todos
correm para a margem da rodovia Rio-Bahia, na ânsia de vir
para o sul."58 Outro ministro, João Cleofas, da Agricultura,
encontrou uma explicação bem ao estilo da Guerra Fria: "Acho
que há infiltração comunista no Nordeste promovendo o êxodo
de homens do campo. Voltei impressionado e certo da
participação comunista nesse movimento."59

O ministro Cleofas propôs, pelos jornais, que os migrantes


deveriam ser fixados à margem da Rio-Bahia,60 mas não
explicou as razões da proposta, pois a estrada era
simplesmente o caminho rumo ao sul e

não o local onde moravam e que gerava os fatores de expulsão


- deve ser recordado que parte da estrada passava em áreas de
antiga ocupação e produtivas, para os padrões da época.
Mesmo os baianos que se utilizavam da estrada vinham de
outras regiões do estado. Desta forma, não causou estranheza
que a proposta logo fosse esquecida.

José Américo de Almeida, ministro da Viação e Obras Públicas


(1953-1954), responsável pela política federal em relação ao
Nordeste, em pronunciamento na Câmara dos Deputados,
durante audiência pública,

considerou que a "evasão do Nordeste é inevitável. O homem


do interior, naturalmente, prefere trocar a enxada por outros
instrumentos de trabalho. E o êxodo não é apenas uma
consequência da seca: é um

fenômeno inelutável, devido a várias causas, principalmente


aos agenciadores, que não foram, infelizmente, reprimidos
nessa empresa de atração dos nossos elementos de vida".61
Permanecia, portanto, o governo imputando a migração à ação
de agenciadores de mão de obra, como algo inevitável, sem
identificar as razões econômicas.
A visão conspirativa do grande êxodo não era patrimônio
somente de alguns políticos. O professor Fernando Azevedo,
da Universidade de São Paulo, sociólogo, chamado para
explicar o fenômeno, optou pela criminalização do processo
histórico: "Só o fato de ter quase quadruplicado o número de
imigrantes de 1948 para 1952 já é profundamente sintomático e
parece revelar uma ação organizada no Nordeste e de

aliciamento criminoso de trabalhadores, com o intuito de


estimular as correntes migratórias. Estaríamos, então, diante de
um caso de polícia."62

Opinião muito distinta da exposta pelo escritor Oswald de


Andrade, também no momento da grande migração - e com
tons nacionalista, xenófobo e racista:

"Por que querer fazer refluir esse magnífico povo nordestino e


evitar que ele venha ganhar a sua vida e subir nos meandros do
trabalho paulista? Por que em vez de impedir, não incentivar a
migração dessa raça magnífica que é nossa? Até quando São
Paulo

será povoada da escória desajustada da estranja e verá


prosperar somente o judeu asqueroso, o sírio bestial e o
italiano ladravaz? Que venham essas levas nativas que trazem,
além dos braços, o coração

brasileiro. Que venham fazer submergir aqui o estrangeiro


velhaco, restaurando se possível a nossa amável cultura
tradicional. Nós, paulistas, já sentimos que a pátria nos foge
dos pés, porque nela somente

transitam o usurário, o avarento e o crapuloso achacador dos


dinheiros privados e públicos. Que essa injeção generosa do
sangue nordestino venha reabilitar a vida nacional que aqui se
perdeu."63
CAPÍTULO 3

CHAMAM ELES DE MORRENDO-ANDANDO

A migração de dezenas de milhares de sertanejos em direção


ao Sudeste deixou a elite política nordestina em dificuldades.
Apesar da gravidade da situação, os governadores não sabiam
o que fazer. Octavio Mangabeira, da Bahia, tentou por todos os
meios justificar a inoperância governamental: "Os que
censuram os cuidados do atual governo em favor da imigração
europeia, com o desinteresse pela sorte de tantos baianos que
emigram para outros estados, esquecem ou ignoram: (1) que
um dos meios de evitar o desequilíbrio proveniente da
mobilidade de uma população é estabelecer outra mobilidade,
no sentido inverso, isto é, a uma corrente emigratória
anteponha-se uma corrente imigratória; (2) esses movimentos
em sentido horizontal, na Bahia, têm se compensado com a
entrada de outros brasileiros provindos do Norte;

e (3) a uma mobilidade no sentido horizontal, se se opuser


outra no sentido vertical, ou seja, a entrada de elementos mais
bem-qualificados para ascender na escala econômica e social,
vale por acrescer

essas economias, criando um fator de equilíbrio."1

Há meio século, o governo estadual da Bahia tentava viabilizar


a imigração, concorrendo com outras áreas do Sudeste do país,
mas com escasso sucesso.

Em 1900, o governador Luiz Vianna incentivou a ida

de estrangeiros para a Bahia: "De uma leva de quatrocentos


que aqui aportaram e foram recebidos na Hospedaria dos
Imigrantes, teve o governo conhecimento de que mais de
duzentos fizeram seguir logo suas
bagagens para o Rio e Santos, desembarcando tão somente a
fim de fazerem jus à passagem que haviam tido para o nosso
porto."2 Nove anos depois, mantinham-se a preocupação e o
fracasso: "As nossas condições não nos permitem a
preocupação de raça e precedências. Os imigrantes jornaleiros,
versados em artes e ofícios, que nos procuram, não sendo
veículos de ideias subversivas, são preciosos fatores
econômicos."3

A "mobilidade vertical" de Mangabeira eram os imigrantes


"mais bem-qualificados". Entre 1949-1950, apesar dos esforços
oficiais, chegaram à Bahia somente quinhentos, entre italianos,
franceses, portugueses e japoneses. Não ocorreu qualquer
mobilidade no sentido inverso, como apregoado por
Mangabeira. Tanto que o número de migrantes de outros
estados que acabaram se fixando na Bahia foi muito inferior em
comparação ao número de baianos que migraram para o
Sudeste.

Se no decênio dos 1940 entraram em São Paulo 184.609


baianos, somente nos anos 1950-1951 chegaram 109.917,4
número três vezes superior ao total de imigrantes chegados em
dois anos, com amplo financiamento do governo baiano. Em
1952 saltou para 113 mil - maior número da história das
migrações para São Paulo - e caiu no ano seguinte, devido ao
abrandamento da seca, para 38 mil.5

Nos anos seguintes, a argumentação dos governadores


baianos foi se modificando. O fenômeno foi considerado "um
problema nacional", de

"proporções assustadoras", um "deslocamento alarmante de


braços para a zona mais próspera do país", "êxodo terrível",
como se as autoridades locais não tivessem condições de
enfrentá-lo, dada a sua grandiosidade. Uma das razões
apontadas identificava a razão do atraso na
esfera técnica: a "agricultura baiana, sem mobilidade e
mecanização, quase retratando condições de trabalho da Idade
Média".6 Mas logo o tema foi desaparecendo do debate político,
substituído pelas velhas divergências intraoligárquicas.

No caso baiano, o deslocamento populacional, em termos


numéricos, foi o maior de todos os estados brasileiros. O
coeficiente de emigração anual para São Paulo, que foi de 0,7%,
relativamente ao total

da população do estado da Bahia no quinquênio anterior à


Segunda Guerra Mundial, dobrou em 1951 e quadruplicou em
1952. Mesmo assim, a população estadual não parava de
crescer à razão de 2,4% ao ano; de um lado, devido à elevada
taxa de natalidade; de outro, devido à entrada de migrantes
vindos de outros estados do Nordeste e que acabaram se
fixando na Bahia.7 Em 1950, a Bahia deveria ter 8 milhões de

habitantes. Contudo, o Censo registrou 5 milhões: a sensível


diferença - que correspondia, à época, à população do Paraná -
deveu-se ao processo de migração.

Na Bahia, a predominância das mulheres era inequívoca:


representavam a maioria em 130 dos 150 municípios.8 Por
outro lado, segundo dados do Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem, pesquisando o trânsito dos migrantes
na Rio-Bahia, "os baianos, uma vez emigrados, raramente
regressaram a seu estado natal, ao contrário do que sucede
com os naturais de outras unidades do Polígono das Secas.
Assim, a taxa de retorno dos baianos é de apenas 8% contra
70% dos pernambucanos, 60% dos cearenses, paraibanos,
sergipanos e rio-grandenses-do-norte e 44%

dos alagoanos".9

Os governos estaduais estavam paralisados. Deve ser


destacado que as áreas de maior migração eram as mais
atrasadas. Em alguns estados, como na Bahia, o fluxo
migratório passava longe da capital - e dos

olhares do governo e da oposição. O tema só reaparecia,


momentaneamente, quando se transformava em moeda de
troca na barganha por verbas federais para a região,
especialmente em época de seca. Depois era logo esquecido.

Em São Paulo, os jornais cobravam insistentemente do


governo federal medidas urgentes para conter o êxodo. O
Estado de S. Paulo publicou um editorial exigindo providências
para "mantê-los na terra natal",

pois havia o receio do "despovoamento do Nordeste" e de


"revoltas no sul".10

Em outro, conclamou o presidente a "interromper o êxodo


imediatamente".11

De acordo com o jornal, só em janeiro de 1952 tinham

entrado em São Paulo 23 mil nordestinos: era necessário limitar


o transporte dos migrantes,12 muitos "dos quais são
portadores de doenças contagiosas".13

Sem ter uma política para enfrentar este deslocamento, o


governo federal, inicialmente, transformou um problema
socioeconômico numa questão legal.

Para Costa Miranda, do Departamento Nacional de Imigração,


como não havia lei que impedisse o livre trânsito pelo território
nacional, sugeriu que fosse aplicado o Código Nacional de
Trânsito, que, segundo ele,

"proíbe o transporte humano em carros de carga".


O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem decidiu
aplicar o código de trânsito e proibiu o tráfego de caminhões
paus de arara pela Rio-Bahia e a via Dutra. De nada adiantou.
Somente aumentou o risco

da viagem, pois muitos motoristas optaram por viajar à noite


para fugir da fiscalização, além de aumentar o valor da propina
a ser paga para os guardas rodoviários pelos motoristas de
caminhão.14

Na passagem pelos postos de vigilância da Polícia Rodoviária


Federal, o caminhão geralmente era parado. Muitos motoristas
subornavam os policiais para autorizar seguir viagem. Como
não era prevista a reincidência, o motorista levava o recibo da
multa durante toda a viagem.

Mostrava-o pelo caminho, aos outros guardas, como uma


espécie de salvo-conduto, durante 72 horas.15 A multa, em
1952, era de quinhentos cruzeiros. Como uma passagem
custava entre seiscentos e setecentos cruzeiros,16 o prejuízo
do motorista não era superior ao de uma passagem.

Simplesmente acrescentava aos custos da viagem a multa,


junto com os gastos de combustível, óleo, dos pneus e de
eventuais consertos do veículo, além da remuneração do
ajudante. Se os motoristas eram simplesmente multados e
seguiam viagem, o mesmo não ocorria com os sertanejos. Seus
pertences eram sempre revistados. Como disse um policial:

"Esta gente do Norte é ruim e todo cuidado é pouco."17

Pneus carecas, carrocerias em mau estado de conservação e


motores velhos transformavam a viagem numa arriscada
aventura. A "Rio-Bahia transformou-se num cemitério. Suas
curvas são assinaladas por cruzes.
E cada cruz é uma história: caminhões que perderam o freio e
se chocaram com barrancas, outros que saltaram da estrada
nos abismos laterais, outros que pegaram fogo, explodiram."18

Os jornais registravam inúmeros acidentes pelas rodovias por


onde transitavam os paus de arara. Num deles, ocorrido em
fevereiro de 1952, na estrada de Petrópolis, um caminhão
lotado de migrantes caiu num abismo: oito morreram e 79
ficaram feridos.19 Em Salinas, norte de Minas Gerais, um
caminhão com 83 passageiros caiu num riacho e 21
morreram.20

A poesia popular registrou este momento:

Estribilho

- Não quero i a S. Paulo

A caminhão

Eu não vou

- Eu tenho medo de morrê

- Eu não vou

- Eu tenho medo de morrê

Não saio não

Eu fico por aqui

Não quero i

A S. Paulo a caminhão

Quando há razão
Para o sinhô compreendê

Bota a perdê,

Queima-se o carboradô

E eu não vou

Tenho mêdo de morrê

Só se fô de avião

Olhe lá eu fico aqui

Não quero i

A S. Paulo a caminhão

Pode perdê a dereção

E ele pode bebê

E matá o meu amô

Mas eu não vou

Eu tenho medo de morrê

Vou brincá no cardeirão

Eu quero fica alí

Porque eu não quero i

A S. Paulo a caminhão

Representa uma paixão

queria compreendê
Pode o chofrê bebê

Matá eu e meu amô

Mas eu não vou

Tenho medo de morrê.21

Na chegada a São Paulo havia um sentimento de alegria e


temor. Depois dos sofrimentos da viagem e de ter superado
tantos obstáculos, agora era hora de encontrar os parentes -
quando os tinha - e buscar

um emprego o mais rápido possível. A situação era pior quando


coincidia a chegada com a estação do inverno. Na época, a
cidade era muito mais fria do que na atualidade. Era, ainda, a
terra da garoa, do

final da tarde enevoado. Conta um migrante: "Chegamos num


domingo de frio, com fome, sem dinheiro ou documento." Em
seguida, foi abrigado na Hospedaria dos Imigrantes: "Lá, tomei
uma sopa que era só água suja e quente, com um osso sem
carne, que a gente ia empurrando de um lado a outro."22

Na Hospedaria era rotineiro encontrar crianças espalhadas


"pelos pátios ou nas salas frias, tiritando de frio sem agasalho
porque no Nordeste não faz frio.

Entre 1950-1952, a temperatura mínima no inverno chegou a


três graus, enquanto em Salvador as mínimas durante o
inverno, nesses mesmos anos, nunca foram inferiores a 18
graus.23 O choque térmico dos recém-chegados era inevitável:
"Meninas com ralos vestidos de algodão, encolhidas no colo
das mães, chorando de frio, buscando calor nos corpos magros
e também sem agasalho das genitoras. Meninos com calcinhas
de brim, descalços, enfrentando a brusca mudança de
temperatura, sem ter uma roupinha de flanela, uma blusinha de
lã para vestir."24 Diz outro relato:

"Naquela época, ainda caía geada em São Paulo. Não é o frio


que faz hoje em dia. Quando peguei aquele frio, bah, deu
vontade de voltar. Dá o desespero, velho, dá o desespero. Um
dia, dois, três, uma semana."25

A recepção nem sempre era calorosa. A escritora Rachel de


Queiroz, cearense

- autora do célebre O quinze -, morando no Rio de Janeiro, foi


testemunha dos preconceitos que acompanharam a chegada
em massa

dos migrantes: "Muitos de vocês sofrem de uma prevenção


tradicional contra o nordestino - cabeça chata, amarelo e
baixote, entrão e falador, que mete o ombro a qualquer porta,
empurra os outros, conta

vantagem, e disputa asperamente o seu lugar ao sol. Com toda


caricatura, esse retrato tem muito de verdade; temos um pouco
disso tudo, mas também temos muita coisa boa. E grande parte
dos nossos defeitos

se explica: se lutamos mais de rijo que os outros, é porque


somos mais sofridos. Se temos tamanho, cor, estatura e cara e
cabeça chata de índio, é porque na nossa terra pobre não
houve escravaria tratando ricas lavouras que nos desse mais
forte e boa pinta de negro; e igualmente a terra pobre não atraiu
emigrantes, que nos irmanasse com os meio-sangue europeus
do Sul. E somos pacientes, sofredores, resistentes.

Corajosos, agradecidos, decentes, com quem é decente


conosco. E brasileiros como o diabo."26
A chegada de milhares de nordestinos a cada mês, criava uma
série de problemas aos poderes públicos: na habitação,27 no
transporte e na educação.28 Com relação à saúde pública, na
Câmara Municipal paulistana, diversos vereadores
manifestaram o temor de alguma epidemia. Para um deles,

"grave perigo para a saúde dos paulistanos representa o


lastimável estado sanitário dessa pobre gente (...) portadoras
de moléstias

infectocontagiosas, entre as quais a lepra e a tuberculose."


Outro solicitou a

"vacinação contra a varíola de todos os imigrantes que


cheguem à divisa do nosso estado".

Efetivamente havia muitos casos de migrantes doentes, o que


poderia levar à transmissão de doenças, como ocorreu outras
vezes na história, quando do deslocamento de grandes levas
de um continente para

outro ou no interior de um mesmo país. Porém, era um exagero


imaginar que a cidade estava próxima, como afirmavam os
vereadores, de "um surto epidêmico", devido "à afluência
desordenada dos nordestinos, pondo em perigo a saúde da
população". Pode-se sustentar, por outro lado, que os
organismos dos recém-chegados a um novo ambiente social e
físico eram, muito mais facilmente, receptivos a tipos de
doenças

variadas.

Em 1957, no relatório anual do governador Jânio Quadros


referente às atividades do ano anterior, consta a informação de
que havia chegado ao estado 100 mil migrantes, a maioria deles
da Bahia, de Pernambuco e de Alagoas. Destes, foram
atendidos 32 mil como doentes, quase que um terço do total.29
Isso ampliava a discriminação aos recém-chegados. Como
disse um personagem do romance Chão, de Oswald de
Andrade:

"Esses não dão nada. É gente que vem a pé de Pirapora. Sem


família. Não tem parada. Chamam eles de morrendo-andando.
Dão 50% de rendimento do europeu ou do amarelo."30

O discurso conservador não perdeu oportunidade para


desqualificar o migrante nordestino. O vereador Gabriel
Quadros, pai de Jânio Quadros, resumiu esse sentimento: "Sai
uma verdadeira fortuna para a Nação e com esse ônus arca São
Paulo, pois é o que mais contribui com a sua tributação para o
Erário. Ainda desta vez é São Paulo que paga o pato. Quero
dizer que não somos contra os nordestinos. Os queremos em
nossa terra, mas é preciso que o governo federal contribua com
recursos para que São Paulo tenha meios de prover esses
pobres coitados, cujas necessidades não são apenas de
alimentação e moradia, mas também tratamentos de saúde.
Sabemos como podem disseminar verdadeiras epidemias,
enchendo nossos nosocômios e ocasionando verdadeiros
problemas sociais, problemas de ordem sanitária e
higiênica."31

Mas a discriminação também esteve presente no próprio


Nordeste. No Rio Grande do Norte, em 1950, os migrantes se
concentravam nas cidades de Florânia, São Vicente e Currais
Novos: "Chegados esses retirantes àquelas localidades,
imediatamente os agenciadores entram em ação pagando mais
aos que se apresentam em melhores condições. Para um lado
são atirados os 'perfeitos'; para outro, os inválidos, como se ali
não se tratasse de cristãos, mas sim de animais, como se
procede nos currais quando se vai fazer a escolha da boiada
para a matança."32
Foram produzidas reportagens mostrando São Paulo como "o
paraíso de nordestinos". Os sertanejos, suas mulheres e seus
filhos eram apresentados sempre alegres e bem-dispostos. Os
bebês ganhavam enxovais completos e recebiam assistência
médico-hospitalar. Como escreveu um jornalista, era "um oásis
nunca dantes imaginado".33 Em contrapartida, a Hospedaria
Presidente Vargas, em Fortaleza, com capacidade para
seiscentas pessoas, tinha, em 1958, 12.300 retirantes. Era um
quadro macabro: "Crianças esquálidas, no último estágio da
subnutrição, mulheres que são verdadeiros mulambos, homens
que de homem só

tem a vaga forma, sujeira indescritível, miséria difícil até de


calcular, fome, promiscuidade, doenças."34

O afluxo de migrantes coincidiu com as comemorações do IV


Centenário da fundação de São Paulo, em 1954. Pela última vez
- ao menos em grande escala -

foram usados à exaustão os mitos do regionalismo paulista


construídos no fim do século XIX, no início da República: o
padre Anchieta, os bandeirantes, o desbravamento do interior,
o pioneirismo econômico (café e indústria). A nova
configuração populacional tornava

inútil a busca de um passado comum. Grande parte dos


habitantes tinha, em São Paulo, uma história muito recente.
Isso acabou servindo para relegar a um plano secundário o
regionalismo, rompendo com uma

visão política excludente e oligárquica.

Num bizarro processo de elogio da destruição, São Paulo,


nesse momento, foi retratado como o símbolo maior do
progresso, do novo, em contraposição ao Nordeste, de onde
provinha a maioria dos migrantes:
"São Paulo é um viçoso broto de quatrocentos anos! Nas ruas
e logradouros centrais não há uma capela, uma casa, um muro
de taipa, uma ruína sequer anuncia ancianidade. Um único
prédio que seja, com mais de cem anos! Todo o seu passado
arquitetônico foi varrido. A famosa 'picareta do progresso' tem
friccionado continuamente as suas faces, desfazendo as
marcas do tempo. Vive a cidade muito mais em função

do futuro do que das glórias arquitetônicas do passado. O


orgulho dos paulistas jamais será o de possuir a Igreja de São
Francisco, como os baianos, e sim de construir seis casas por
hora e sustentar o

título de 'cidade que mais cresce no mundo'."35

A Câmara dos Deputados assistiu ao grande êxodo


concentrando os debates apenas nos efeitos imediatos da seca
de 1951-1953: exigindo envio de verbas federais e acusando o
governo de não dar importância

ao Nordeste. Os argumentos não eram novos. Desde a seca de


1877-1879 era recorrente na história da Casa pronunciamentos
de parlamentares reclamando atenção do governo central.
Porém, dessa vez, dado o

fluxo de mão de obra que estava migrando para o sul, os


deputados insistentemente denunciaram o que chamaram de
despovoamento da região.

Era uma questão econômica, com um profundo aspecto social,


mas muitos parlamentares estavam mais preocupados com a
diminuição do número de eleitores e uma possível redução das
bancadas dos seus estados. Como resumiu um migrante
baiano: "Meu estado secou todo este ano. Não há mais homem
em toda a região."36
Na tribuna os parlamentares usavam e abusavam da retórica
vazia.

Denunciavam o fato, mas sem associá-lo a qualquer proposta


orgânica de transformação econômica da região. Um deputado
bradou que teria encontrado na estrada entre Natal e o Rio de
Janeiro "uma média de 35

caminhões de retirantes do Nordeste por dia".37 Outro criticou


a tentativa de resolver a migração através de medidas
administrativas.

Um terceiro enfatizou a necessidade de pagar melhores


salários nas frentes de trabalho. O sertanejo recebia 14
cruzeiros como pagamento diário, o que não permitia sequer
comprar alimentos indispensáveis

para a manutenção da família.

Outros identificavam no serviço militar a principal razão da


migração.

Solicitavam que o recruta deveria atender à convocação na


região que vivia.

Pois, segundo os parlamentares, ao se dirigir às grandes


cidades dificilmente retornaria ao sertão: "Atualmente só
ficamos com os velhos, os aleijados, os mendigos e
incapazes." Outro disse: "Infelizmente nós, do Rio Grande do
Norte, não temos indústria. Enquanto os magnatas gozam boa
vida nas grandes capitais do sul, os nossos trabalhadores
lutam para ganhar a importância de 10 a 12 cruzeiros por dia,
quando encontram serviço." 38

Em 1952, com a extensão da seca, as notícias do êxodo


estiveram presentes nas intervenções dos parlamentares. Um
deles leu cartas de dois eleitores de Palmeira dos Índios,
Alagoas. A primeira informava

que "estamos perdendo uma média de 1.500 pessoas por


semana, a contar pelo número de caminhões que se destinam
para São Paulo e o norte do Paraná". A outra lembrava "o
êxodo dos habitantes, processado tão aceleradamente,
lançando mão de caminhões e estradas de ferro, que nos
deixam estarrecidos". E concluiu: "Foge-se do sertão de
Alagoas como se fora uma região afetada por peste
devastadora e de natureza desconhecida."39

Do sertão baiano também vinham telegramas com notícias


semelhantes:

"Pobres passando fome, emigrando para São Paulo e Paraná."


Ou: "Seca sem precedentes história sertão Bahia assola este
município [Coité].

Víveres atingiram preços verdadeiramente exorbitantes


provocando êxodo calamitosa gente humilde." No Rio Grande
do Norte, as "populações estão descendo dos sertões aos
bandos, como descem os bandos de aves naquela região,
arrastando-se por baixo das árvores".40

Em 1953, quando a seca estava diminuindo de intensidade,


permaneceram os pronunciamentos na Câmara dos Deputados
de denúncias, ora identificando a migração com o tráfico de
escravos negros, extinto em 1850, ora imputando a causa aos
bons salários pagos no sul. A migração era chamada de
espetáculo melancólico, de destruição demográfica. De nada
adiantaram os reclamos: o deslocamento de centenas de
milhares de sertanejos tinha uma dinâmica própria e não seria
interrompido pela verborragia dos parlamentares.41

Em março de 1952, o deputado federal Paulo Abreu (SP)


apresentou um projeto de lei para, segundo ele, regularizar e
humanizar o êxodo das populações do Norte e do Nordeste.
Propunha instalar nos estados

nordestinos postos de controle de migrantes. Os nordestinos


ficariam não menos que quinze dias nesses postos, como uma
espécie reduzida de quarentena. Receberiam tratamento
médico e ao chegar ao sul teriam um "trabalho previamente
arranjado". Só poderiam continuar a viagem após receber um
salvo-conduto. Na justificativa, o deputado alertou: "O
problema da migração nordestina para o sul vem de muitos
anos,

não é de hoje, e a sua solução pelo aspecto catastrófico com


que agora se apresenta é de solução urgente e inadiável, sob
pena de vexame aos nossos foros de civilização, pois estamos
em face de uma calamidade pública, como que diante da
mesma gravidade que se enfrenta nas grandes epidemias."42 O
projeto, que acabou repercutindo favoravelmente na imprensa
paulista, acabou arquivado.

E o processo migratório continuava. Tanto que, em 1954, em


São Tomé, no Rio Grande do Norte, segundo informou o
deputado José Augusto, permanecia em larga escala o
deslocamento rumo ao sul, mesmo após

o término da seca. Em 1950, habitavam o município 17.850


pessoas. Em 1951, seiscentas tinham migrado; no ano seguinte
o número saltou para 750; em 1953

foi para 1.250; e nos dois primeiros meses de 1954

já tinham abandonado São Tomé trezentas pessoas, o que


poderia levar a suplantar o número total do ano anterior. Ou
seja, em quatro anos, um quarto da população tinha deixado a
cidade à procura de um futuro melhor. E, preferencialmente,
sempre eram os mais jovens que migravam.43 Na Bahia, no
primeiro trimestre de 1951, de Condeúba saíram 4 mil pessoas,
de Paratinga, mais 2 mil, Caetité e Paramirim, 1,5 mil

cada. Era possível estimar até uma emigração anual de 20% da


população de alguns municípios.44

Em 1947, o governo federal identificou na migração um


problema. O presidente Eurico Gaspar Dutra, na Mensagem
presidencial encaminhada ao Congresso Nacional, fez duas
menções ao deslocamento dos sertanejos.

A primeira, na abertura do documento, relacionou o aumento


dos preços nas grandes cidades com a migração: "Com o surto
inflacionista - era inevitável -

sobreveio o cortejo clássico dos seus malefícios:

especulação, alto custo da vida, insatisfação, intranquilidade.


Também a

'bandeira inversa', que atraía para o litoral homens e recursos


do interior, acentuava as nossas dificuldades, para as quais
concorria ainda a ação canalizadora das instituições de seguro
e previdência social, a drenar recursos da periferia para o
centro." O presidente prometeu que iria encaminhar um projeto
"que facilite acesso à terra"

a fim de "conter o êxodo para as cidades e de atrair para os


campos parte da população marginal existente nos centros
urbanos - objetivo que só poderá ser atingido mediante uma
substancial elevação do

padrão de vida das populações do interior".45

Ainda dentro dos marcos do conservadorismo que caracterizou


o seu governo, em 1948, Dutra considerou o êxodo para o sul
uma manifestação de "ilusória crença de que ali reside a fonte
da independência

econômica". Sem ter programa para enfrentar o problema,


identificou a presença dos comunistas no processo migratório,
bem ao gosto dos tempos da Guerra Fria: "Dentre os males
decorrentes dessa fuga às atividades agropecuárias, um dos
piores é o fenômeno do desemprego, que torna o indivíduo fácil
presa de propaganda subversiva. De tal estado de coisas
advém sérias consequências para a ordem social e

econômica, pois que, via de regra, os trabalhadores migrantes


dificilmente regressam ao campo onde não encontram algumas
das vantagens da assistência social existente nos centros
urbanos."46 Do projeto anunciado no ano anterior, de "facilitar
o acesso à terra", nenhuma palavra.

No último ano do seu mandato, fazendo um balanço de 1949,


destacou como uma vitória o "serviço de fornecimento de
passagens a desajustados profissionais, estimulando o
descongestionamento dos centros urbanos em benefício das
zonas rurais". Evidenciando mais uma vez o distanciamento em
relação ao drama dos sertanejos, destacou a entrega de 4.501
passagens como um grande êxito.47 Isso quando, naquele ano,
mais de 250 mil nordestinos tinham migrado para o sul. Para o
velho marechal, distribuir passagens gratuitas era o limite
máximo de uma política pública social.

Em 1951, Getúlio Vargas voltou ao Palácio do Catete. Na


primeira Mensagem presidencial encaminhada ao Congresso
Nacional tocou tangencialmente no problema. Recordou que o
"Governo procurará estender aos homens do campo,
progressivamente, os benefícios de um programa de
assistência e de uma legislação específica que lhes assegure
mais eficazes garantias de trabalho e salários mais
compensatórios, proteção contra acidentes do trabalho, além
de aposentadoria e pensão nos casos de invalidez ou velhice.
Nesse sentido, a revisão e efetivação do salário mínimo para o
trabalhador rural e a extensão a ele dos benefícios

e das vantagens de que gozam os trabalhadores urbanos, será


um dos objetivos do meu governo, para eliminar a disparidade
de tratamento, responsável, em grande parte, pelo êxodo rural".
Dois meses após a posse, Vargas incumbiu o ministério da
Viação e Obras Públicas de "estudar o mais depressa possível
os meios de reter em suas próprias regiões essas massas
nacionais de emigrantes".48 Porém, se a linguagem do poder
era mais amena, mesmo assim, o pedido caiu no esquecimento.

O olhar do presidente estava voltado para a imigração. Criticou


o governo anterior que, segundo Vargas, não tinha sabido
aproveitar a conjuntura imigracionista favorável do pós-guerra,
como outros países da América Latina. Entre 1946-1948, o país
recebeu somente 52 mil imigrantes, enquanto na Europa havia
700 mil refugiados, os deslocados de guerra,

"displaced persons". No caso do estado de São Paulo retoma-


se o fluxo de correntes imigratórias tradicionais, formada por
portugueses e italianos. Em 1950, dos 20 mil imigrantes que
chegaram ao estado, 15 mil eram portugueses e italianos.49

Em 1950, houve "uma diminuição do número de estrangeiros,


cuja proporção, no conjunto da população, decresceu para 2%,
em comparação com os 3%, em 1940".50 Em setembro de 1945,
o governo federal havia reaberto a imigração, porém não
estabeleceu uma política agressiva para o recebimento de
refugiados. Havia resistências, como pode ser observado nos
artigos publicados na Revista de Imigração e Colonização.

Os europeus eram chamados de "escória", "legião de


desajustados",
"neuróticos", "rebotalho humano", "indivíduos tarados",
"proxenetas" e "falsos trabalhadores".51

Ainda durante a guerra, na revista Novas Diretrizes, vários


artigos criticavam a chegada de imigrantes indesejáveis. Os
judeus tinham "vida parasitária", aspecto "indecoroso e
indigno", além de propagar

"ideias subversivas entre os incautos brasileiros". Temia-se


também a

"remoção" dos negros americanos para o Brasil. Eram


considerados "peso morto" e "etnograficamente inferiores aos
nossos porque, ao contrário dos portugueses, que sabiam
escolher, os ingleses trouxeram para suas colônias 'o rebotalho
das populações inferiores da África'".52

No ano seguinte, Getúlio Vargas apresentou medidas que o


governo já tinha adotado, como a Comissão Nacional de
Política Agrária, porém, ressaltou que tudo tinha sido
absolutamente insuficiente, frente

ao grande número de paus de arara que chegavam ao sul do


país: "O efeito dessa imigração desordenada no Distrito
Federal foi, por exemplo, o agravamento das condições
habitacionais na capital da República sujeita a um crescente
favelamento, o aumento descontrolado das exigências em
abastecimento, transporte e outros serviços, congestionando o
sistema existente e provocando a escassez e a carestia dos
gêneros;

e ainda a formação de uma enorme população marginal,


socialmente desorganizada e sensível a agitações subversivas
e a que se relaciona forte criminalidade."53

Entre os anos 1941-1950, no Distrito Federal a entrada de


migrantes foi de 440
mil pessoas. Diferentemente de São Paulo, a maior parte era
proveniente do interior do estado do Rio de Janeiro, de Minas

Gerais e do Espírito Santo (279 mil migrantes). Os originários


da Bahia não passaram de 23 mil, quando, em São Paulo, foram
mais de 184 mil.54 Ainda em 1950, a população carioca era
superior à de São Paulo, 2,4 milhões contra 2,2 milhões, porém
a diminuição da diferença tinha se acentuado: em 1940 era de
aproximadamente 450 mil.55

Em 1953, a Mensagem presidencial procurou focar na migração


como uma questão socioeconômica, numa clara mudança de
rumo. Vargas, influenciado pela assessoria econômica, na qual
se destacava o economista baiano Rômulo de Almeida,
apontou como causas do deslocamento populacional as
necessidades da industrialização e da agricultura sulista e a
permanência do latifúndio e do minifúndio no Nordeste.
Criticou as medidas policiais, "pois cerceiam o direito
individual de locomoção dentro do território nacional". Pediu
que o Congresso aprovasse o Serviço Social Rural

"cuja criação vos solicitei há dois anos".

Da sindicalização rural, nenhuma palavra. Isso quando, até


aquele ano, somente havia um sindicato rural em todo o país,
sediado em Campos, estado do Rio de Janeiro.56 Contudo, fez
questão de mencionar as obras da hidrelétrica de Paulo
Afonso, os programas do Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas, as atividades de colonização do São
Francisco e a criação do Banco do Nordeste do Brasil. E
concluiu:

"Somente medidas de longo alcance, que promovam a


modificação da estrutura econômica dos estados
emigrantistas, podem, a longo termo, reduzir as correntes
migratórias internas."57
Na última Mensagem presidencial, em 15 de março de 1954,
Getúlio Vargas demonstrou otimismo com o final da seca de
1951-1953 e com a diminuição do número de paus de arara,
"fenômeno que tanto vinha alarmando certos setores mais
esclarecidos da Nação". Creditou a mudança à melhoria das
condições naturais no Nordeste e à queda na procura de mão
de obra pelas lavouras e indústrias sulistas, bem como aos
organismos que criou - em 1953 surgiu o Instituto Nacional de
Imigração e Colonização - e às obras realizadas na região.58

O otimismo presidencial era exagerado, embora o número de


migrantes entrados em São Paulo tivesse efetivamente caído.
Se em 1950 eram 100 mil, no ano seguinte tinha mais que
duplicado, chegando a 208

mil. Em 1952, o número saltou para 253 mil e em 1953 caiu


sensivelmente para 113 mil, e mais ainda no ano seguinte,
quando alcançou 99 mil migrantes.59 A queda devia-se mais ao
preenchimento dos postos

de trabalho existentes do que à ocorrência de melhorias no


sertão nordestino.

Se as medidas tinham um sentido modernizador, seus efeitos


demorariam décadas para se efetivar. Os sertanejos precisavam
de soluções de curto prazo.

Tanto que, entre os migrantes que chegaram a São Paulo em


1950, dos 84 mil que foram pelo "trem baiano", 72 mil pagaram
suas próprias passagens, assim como outros 16 mil que vieram
por via rodoviária ou marítima.60

Diversamente de outros momentos da história regional, quando


foi possível direcionar o fluxo dos sertanejos, como, por
exemplo, para a Amazônia, desta vez os migrantes não
aguardariam a morte no sertão
ou a transferência forçada imposta pelo Estado. De forma
autônoma buscaram um caminho para construir uma nova vida,
longe do sertão.

A explosão musical do baião e da toada popularizou o drama


nordestino:

"Acauã", "Baião na garoa", "O retirante", "Lamento


jaguaribano", "Aquarela cearense", Vozes da seca", "Ajuda teu
irmão", "Meu Cariri",

"Adeus Maria Fulô", "Paisagem sertaneja", entre outros.61 A


denúncia da seca e da opressão sofrida pelos sertanejos na
música popular - e com enorme sucesso popular -, boa parte
cantada por Luiz Gonzaga, antecipou em uma década a
chamada "música de protesto" dos anos 1960.

Ah, se eu pudesse falá

num poema, o sentimento...

Porém, o que mais lamento

é num ter cunsentimento

só pá mi disabafá!

Pru via disso aqui vai

cum cuidado e muito jeito

um poema qui foi feito

pra quem quisé me escutá. (...)

Falava dos arretirante

que cumo judeu errante


vive a vaga sem distino

pru causa duma marvada

seca amardiçuada

que ao passá pul'as estradas

dêxa seu rasto assassino.

Falava!

Sái cum a corage na cara

pegá um desses pau de arara

e parte pras capitá

cum promessa de miorá.

Chega aqui se aparvora

sem tê lugá pra ficá!

Falava!

Falava dos doutorado

que ganha a vida sentado

que vence nas eleção.

Promete fazê açude

e adispois diz:

- "Eu... eu não pude

vê ainda esta questão".


Falava! (...)

Ah, seu moço, se eu pudesse

e se meu talento desse

e eu chegasse a sê douto!...

Mas douto com arturidade

pra mandá, sem piedade

acabá cum esses doutô!62

O que durante um século ficou restrito aos reclamos das elites


e às denúncias da imprensa, principalmente durante as grandes
secas, graças à migração de dezenas de milhares de
nordestinos, se transformou

em grave problema nacional, que deveria ser enfrentado de


forma urgente. A chegada dos paus de arara ao sul modificou a
agenda política brasileira: o Nordeste passou a ser a bola da
vez, e durante uma

década ocupou espaço privilegiado no debate político nacional,


como nunca na história.

CAPÍTULO 4

OS OPERÁRIOS ADVENTÍCIOS

A chegada dos migrantes nordestinos à cidade de São Paulo


transformou-os em objeto de estudo de comportamento
político. O artigo "O voto operário em São Paulo", de Aziz
Simão, inaugurou esta vertente.

Afinal, o número de eleitores no estado inscritos em 1933,


quando da eleição para a Assembleia Constituinte, foi de
299.074. E no momento do restabelecimento da democracia, em
1945, até a primeira eleição para o governo do estado, em 1947,
o eleitorado saltou para 1.565.248, um crescimento de mais de
400%. Só na cidade de São Paulo, o eleitorado alcançava a cifra
de 571.507, excluindo a região do ABC.1

Em 1955 subiu para 900 mil, e quatro anos depois para 1,1
milhão,2 o maior eleitorado de uma cidade brasileira.

O universo da política não poderia ignorar esses novos


eleitores: "Depois de 1950, começou a diminuir o fluxo
migratório para o campo. Fatores ligados à industrialização e
urbanização atraem cada vez

mais os migrantes em direção aos centros urbanos mais


desenvolvidos; em primeiro lugar a capital (São Paulo), que
passou a absorver quase 50% da mão de obra oriunda de
outros estados."3

As antigas práticas do Partido Republicano Paulista eram


coisas do passado:

"A dominação exercida pelas parentelas tradicionais repousava


largamente em condições de inércia. As alterações no poder
central

da República auxiliaram a quebrar essa inércia e a promover a


renovação dos quadros humanos na estrutura de poder da
cidade. Do outro lado, muitas atitudes, concepções e
avaliações obsoletas, ligadas ao recente passado rural ou ao
código ético das famílias tradicionais, acabaram encontrando
substituição. O patrão com tendências patrimonialistas tornou-
se antiquado. O temor de degradação vinculado aos

'trabalhos mecânicos' entrou em declínio. O medo de imitar o


imigrante e de concorrer ou de cooperar com ele também
sofreu um colapso. A tendência a depreciar a capacidade de
julgamento ou de ação do homem comum conheceu uma
reviravolta, que acarretou a substituição do 'voto de cabresto'
pela 'demagogia'. E assim por diante. É nesta fase que se inicia
a formação dos traços mais marcantes do 'estilo urbano

de vida' em São Paulo."4

O "voto de cabresto", controlado e manipulado pela velha


oligarquia, ou o discurso oposicionista, voltado para a defesa
do liberalismo clássico, tal qual a campanha civilista de 1910,
eram inadequados

a uma complexa conjuntura política. Um bom exemplo foi a


eleição legislativa de 1947 no bairro de São Miguel Paulista,
com forte concentração de migrantes nordestinos. O Partido
Comunista Brasileiro (PCB)

foi o partido mais votado, com 36% dos votos, seguido do


Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 30%, e depois, bem
distante, pelo Partido Social Progressista, com 18%. PCB e PTB
receberam mais de dois terços dos votos e eram considerados
partidos identificados com as demandas da classe
trabalhadora.5

O varguismo jamais conseguiu se enraizar em São Paulo,


apesar dos excelentes resultados eleitorais de Getúlio em 1945
e 1950. Depois de 1950, o PTB foi apresado por Ivete Vargas e
usado em negociações nebulosas. O espaço político ficou
aberto para outras lideranças que conseguissem dialogar com
um eleitorado ainda não enraizado na cidade e sedento pelo
atendimento de um conjunto de reivindicações advindas do
rápido crescimento urbano.

A antiga elite política, tanto a dos partidos conservadores


tradicionais como da esquerda - nesse caso com larga tradição
e combatividade -, foi amplamente derrotada por dois novos
líderes: Ademar de
Barros e Jânio Quadros. O primeiro foi membro do PRP,
interventor em São Paulo durante o Estado Novo, e lançou-se
ao governo do estado em 1947, aliado com os comunistas.
Venceu - e foi o único governador

de oposição eleito naquele ano. O segundo se destacaria, seis


anos depois, ao vencer as eleições para a prefeitura, de forma
surpreendente.

Para Simão, a grande votação que Vargas obteve em São Paulo,


nas eleições de 1945, quando se elegeu deputado federal e
senador pelo estado, deveu-se aos migrantes, aos "operários
adventícios". Para estes, segundo ele, "a possibilidade de viver
na capital do estado e as disposições legais sobre o trabalho e
a assistência social apresentaram-se como dádivas
inesperadas e recebidas de uma só vez, graças ao

governo do chefe do PTB". Curiosamente, na eleição direta


para a prefeitura da capital, a primeira da história da cidade, os
eleitores não preferiram nem o candidato apoiado pelo Partido
Social Progressista

nem o apoiado pelo PTB. Escolheram Jânio Quadros. A escolha


deveu-se aos fatores da luta política concreta, advindas dos
dilemas criados pelo rápido crescimento populacional e não
pela "persistência de certos elementos da ação política, como
as vinculações de natureza paternalística ou carismática, as
diferentes atitudes com referência ao Executivo e Legislativo e
a flutuação do voto por indiferença em relação ao
preenchimento de certos cargos ou pessoa dos candidatos".6

A campanha eleitoral de 1953 demonstrou a mudança de


percepção do eleitorado. O candidato oficial, o médico
Francisco Cardoso, apesar de apoiado por uma ampla
coligação de oito partidos - entre os quais a UDN, o PSD, o PTB
e o PSP, de Ademar de Barros -, acabou derrotado. Durante a
campanha, Cardoso aparecia sempre trajado elegantemente.
Seus cartazes, onde ao fundo de destacavam as figuras do
padre José

de Anchieta e de um bandeirante, faziam referência a um


passado que não era compartilhado pela maioria dos eleitores.
Já o opositor, após uma passagem pela Câmara dos
Vereadores e outra pela Assembleia

Legislativa, apresentava-se informalmente, buscava identificar-


se com as lutas urbanas - apoiou a grande greve de 1953 - e
falava uma linguagem do presente, para uma cidade em
transformação.

Desta forma, a liderança carismática, identificada por Simão - e


que era uma realidade -, alicerçava-se também no
enfrentamento de demandas urbanas urgentes, como a
ampliação de linhas de ônibus, o calçamento de ruas, a questão
da moradia, a construção de pontes, a extensão do saneamento
básico, a eletrificação, entre tantas outras medidas defendidas
na campanha. No período de oito anos entre a
redemocratização, no final de 1945, até a eleição de Jânio,
portanto, a cidade teve oito prefeitos, todos nomeados ou pelo
governador interino ou pelos governadores eleitos, Ademar de
Barros e Lucas Nogueira Garcez.

Esses anos foram marcados por denúncias de corrupção na


administração municipal, desvios de verbas públicas e
contratações irregulares. O descaso com a cidade chegou ao
ponto de Ademar de Barros nomear

Milton Improta, contador da fábrica de chocolates Lacta, de sua


propriedade, prefeito da capital. Permaneceu somente quatro
meses à frente do Executivo municipal. Foi exonerado depois
de um sem-número
de denúncias de corrupção e favorecimentos. Chegou a criar
um cargo para si na Secretaria da Fazenda do município
recebendo um alto salário.7

O eleitorado sinalizou mais uma vez que não aceitava a antiga


política e que o voto estava relacionado ao atendimento de
suas reivindicações. É certo também que a urbanização em
escala nunca vista na

história da cidade fez com que proliferassem políticos que


utilizavam formas pouco tradicionais de fazer propaganda
eleitoral, como foi o caso de Hugo Borghi, candidato do
pequeno Partido Trabalhista Nacional, que distribuía nos
comícios pacotes de macarrão e decorava o palanque com uma
enorme marmita de três metros de altura. Simbolizava, segundo
ele, sua identidade com os operários. Assim, seria o candidato
dos marmiteiros, referência ao epíteto que cunhou na
campanha presidencial de 1945, de que Eduardo Gomes (UDN)
não queria receber votos de marmiteiros. Tal acusação, apesar
de desmentida, teve grande efeito eleitoral.8

Evidentemente que as mensagens contra a corrupção


administrativa também sensibilizavam o eleitorado, que
encontrava no voto o instrumento de combate aos poderosos -
o que não era possível nas regiões

de onde migraram, marcadas pelo coronelismo, pelos senhores


do baraço e do cutelo, no dizer de Euclides da Cunha.

Assim, a obtenção do título de eleitor pelo migrante era mais


um instrumento de libertação, de construção da cidadania. E
eles agiam como qualquer eleitor em uma democracia, ora mais
integrados aos debates

políticos, ora distanciados do que estava acontecendo e


escolhendo a esmo seus candidatos.9 Basta observar a
votação dos bairros de forte concentração de nordestinos,
onde o janismo sempre foi muito influente.

Nas eleições para o governo do estado, em outubro de 1954,


em que houve uma disputa acirrada entre Jânio e Ademar, o
primeiro venceu com 34,2% dos votos (Ademar ficou com
33,3%). Observando os votos em

São Paulo e no ABC (incluindo Guarulhos), Jânio saltou para


40,8%, justamente onde habitava a maioria dos migrantes.10

Os migrantes acabaram solicitando o título de eleitor por


obrigação, devido à exigência dos empregadores. Entre os
documentos obtidos em São Paulo, três eram fundamentais: a
carteira de identidade, a

carteira de trabalho e o título de eleitor. Em pesquisa de campo


realizada entre os anos 1958-1960 somente com migrantes
nordestinos, num total de cem informantes, Alfonso Trujillo
Ferrari constatou que

59% conheciam parte dos partidos políticos da época, um


número expressivo, e a maioria identificava-se com o PTB,
certamente vinculado à herança varguista.

Já entre 99 informantes, 97 conheciam Ademar

de Barros ou Jânio Quadros, demonstrando estar sintonizados


com a intensa luta política em São Paulo e com a bipolaridade
das principais lideranças da cidade e do estado; e a fraqueza da
representação

parlamentar do PTB. Simpatizavam com o partido, contudo


votavam nos candidatos apoiados por Jânio ou Ademar,
principalmente o primeiro, considerado trabalhador, honesto e
bom administrador. Numa simulação de eleição presidencial,
34% escolheram Jânio, bem à frente do segundo colocado,
Ademar, com 17% das preferências.11

A participação política dos nordestinos, naquele momento, em


nada diferiu do antigo morador de São Paulo, ou do migrante
de outra região, ou mesmo daquele que viera do interior para a
capital. A sucessão de eleições - só no decênio dos anos 1950
foram oito - acabou produzindo certo esgotamento político.
Muitas vezes o eleito nem sequer permanecia um ano no cargo
- como ocorreu com Jânio Quadros na prefeitura.

Eleito em 1953, renunciou no ano seguinte para se candidatar


ao governo do estado. Apesar disso, cresceu em grande escala
o número de eleitores - e o número de votos nulos ou brancos
foi, nas várias eleições, relativamente baixo.

O populismo foi um fenômeno nacional e com forte presença


nas áreas urbanas, sem esquecer que, em vários países da
América Latina, este processo se repetiu. O ritmo acelerado da
urbanização acabou impondo ao poder público o
enfrentamento de diversas demandas populares que exigiam
prontas respostas, mais rápidas do que o desejado, isso numa
sociedade que não tinha ainda uma história de lutas urbanas.

A política era um espaço da elite, um tema para poucos. Com a


grande migração isso foi mudando rapidamente. O conflito
social direto - típico das democracias nascentes - marcou o
cotidiano dos habitantes de São Paulo. A jovem democracia
ainda não tinha espaços institucionais suficientemente abertos
que formalizassem as reivindicações dos trabalhadores. A
tensão era permanente, nos bairros, nos terminais de ônibus,
nas fábricas, na construção civil. E o espaço político ficava
aberto para os oportunistas, os demagogos, os sem partido.

*
Estava se formando uma nova classe operária,
fundamentalmente com trabalhadores nacionais; boa parte
deles era de migrantes e nordestinos. O

perfil era distinto daqueles dos operários estrangeiros da


primeira fase da industrialização brasileira. Agora tinham de
conviver num espaço industrial muito mais avançado, distante
do universo do trabalhador manual do início do século XX. Ao
adentrar o mundo

fabril encontraram um processo de trabalho caracterizado por


uma sofisticada divisão do trabalho e com a presença
dominante da máquina: foi um enorme salto histórico.

Na década de 1950, os sindicatos viveram momentos de relativa


liberdade, comparativamente ao controle exercido pelo Estado
Novo ou o do governo Dutra. A participação sindical,
experiência nova para o nordestino, encontrou um ambiente
distinto daquele das célebres greves de 1905, 1906, 1917 e
1919, ainda durante a República Velha. O anarquismo tinha se
transformado apenas em registro histórico, sem

ter mais qualquer presença na luta operária.

Por outro lado, a defesa do socialismo, da socialização dos


meios de produção

- bandeiras dos comunistas -, dificilmente encontraria eco entre


os recém-chegados. Na Europa, o desenvolvimento do
movimento

sindical e das lutas socialistas foi um processo que durou


décadas. No Brasil,

"os temas das lideranças operárias anarquistas e marxistas


lhes pareciam demasiado abstratos e vagos, de consecução
quase
impossível. Em compensação, o novo governo lhes oferecia
vantagens imediatas no que dizia respeito à proteção do
trabalho, ao direito de férias, a garantias contra dispensas etc.".
Mais do que um descolamento ideológico entre as massas
migrantes e a liderança operária, a participação na luta sindical
voltava-se para as reivindicações concretas, de melhoria das
condições de vida e de trabalho. Não foi, como

analisou Leôncio Rodrigues, devido às "imagens e símbolos do


anarquismo e do marxismo [serem] estranhos à cultura
tradicional, às suas construções teóricas, abstratas e
racionais".12

O migrante desejava obter ganhos materiais no interior da


ordem capitalista, melhorando o salário, as condições do
transporte coletivo, da moradia, da escola. A luta estrutural
contra o capitalismo não

fazia parte do seu universo político. O salto histórico dado pelo


migrante, vindo do semiárido nordestino para a metrópole
paulista, tinha sido tão grande, historicamente falando, que
seria pouco plausível

imaginar que também fosse um simpatizante do marxismo,


como se isso fosse condição indispensável para adaptação ao
mundo moderno.

A chegada dos migrantes e o rápido crescimento industrial


levaram a uma verdadeira explosão sindical. Eram 299
sindicatos no final dos anos 1950. O

número de sindicalizados saltou 60% entre 1953 e 1957.

Entre os trabalhadores industriais, os índices eram bem


superiores aos de outras categorias. Em 1960, 40% dos
metalúrgicos estavam sindicalizados, enquanto na construção
civil não passavam de 23%. Entre os primeiros, 37% dos
associados eram migrantes, porém na construção civil
representavam quase o dobro: 65%.13 O que era justificado
pelas exigências de formação de mão de obra nas indústrias e
o trabalho

não especializado na construção civil.

Mas, paulatinamente, o recém-chegado, após se sindicalizar, foi


participando da vida do sindicato, chegando a fazer parte da
diretoria das entidades: "Até esta última década, os postos de
direção superiores

e médios foram preenchidos quase exclusivamente por


sindicalizados naturais do município da capital e de outros
núcleos do estado. Só ultimamente, acompanhando o aumento
de adventícios de outros estados na indústria e nos quadros
sindicais, vem crescendo seu número até mesmo nos mais
altos cargos da direção associativa."14

Foi na cidade de São Paulo que ocorreram as maiores greves


operárias dos anos 1950, o que reforça a hipótese de que a
migração não formou uma classe operária amorfa,
desmobilizada, satisfeita com a melhoria das condições de vida
e, portanto, a serviço do populismo e da política conservadora
dos dirigentes pelegos ligados ao Ministério do Trabalho.

O controle sindical pelo Estado criava enormes dificuldades


para as lideranças sindicais independentes. Apesar do direito
de greve ser reconhecido pela Constituição de 1946, ele não foi
regulamentado.

No momento do conflito, o governo usava o decreto-lei 9.070,


de março de 1946, editado antes da promulgação da
Constituição, e que concedia amplos poderes à Justiça
Trabalhista para a solução do impasse.
O intenso crescimento populacional trouxe diversos problemas
para a cidade.

Um deles foi a inflação. Em 1950, a taxa de inflação cresceu


11%, no ano seguinte manteve esse índice, e em 1952 chegou a
21%.

O movimento operário tinha no aumento de salário sua


principal bandeira. Os preços aumentavam e os salários
estavam congelados. Entre 1952-1953

ocorreram diversas passeatas da "panela vazia". A carestia


afetava a população mais pobre e a falta de produtos era
rotativa: uma semana era o açúcar, noutra a farinha de trigo, em
mais outra a carne, e assim sucessivamente.

Na grande greve de 1953, as lideranças sindicais exigiram um


aumento de 60%

dos salários e os patrões ofereceram no máximo um terço do


pleiteado. Não restou outro caminho para os trabalhadores
senão a

greve, dada a intransigência patronal. A paralisação começou


no dia 23 de março e durou 29 dias, em meio a diversos
conflitos de rua com a polícia.

Inicialmente atingiu 60 mil operários metalúrgicos e

têxteis. Dias depois aderiram os trabalhadores de outros


setores: construção civil, sapatos, vidros, gás, telefones. No
ápice do movimento grevista estavam paradas 276 empresas. A
greve terminou no dia

24 de abril - após uma assembleia em que foi realizado um


plebiscito -, e o aumento médio obtido pelos operários foi de
32%.15
Quatro anos depois, em outubro, uma nova mobilização
operária parou São Paulo, o ABC e algumas cidades do interior
do estado: era a greve dos 400 mil.

Durante dez dias, têxteis, metalúrgicos, gráficos,

vidreiros, trabalhadores em usinas de refino de açúcar e em


curtumes e papeleiros desafiaram os patrões. Como de hábito,
o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, prendeu
várias lideranças sindicais

e piquetes foram reprimidos. Apesar disso, foram realizadas


assembleias no hipódromo da Mooca com 50 mil trabalhadores
e piquetes percorriam os bairros operários com mais de 25 mil
pessoas. A enorme mobilização terminou vitoriosa, obtendo em
média 25% de aumento salarial.16

O sociólogo Juarez Brandão Lopes estudou duas fábricas na


segunda metade dos anos 1950, uma das quais em São
Paulo.17 Partiu do pressuposto de que o migrante não tinha o
perfil clássico do operário, tanto na origem como no cotidiano
da fábrica e nas lutas sindicais: "Mesmo quando permanecem
por um longo período de tempo em fábricas, os migrantes
rurais, estando, por assim dizer, subjetivamente orientados

para fora da indústria, não se identificam com a condição de


operário." A solidariedade de classe "além de ser fraca, não se
expressa em ações formalmente organizadas que envolvam
todo o grupo. Em outras palavras, não se traduz em ações das
quais os operários em geral participem, independentemente
das relações pessoais de amizade ou parentesco que os una".
Segundo o autor, os "operários estudados, vindos do campo,
não se adaptam de maneira duradoura à estrutura industrial".18

Portanto, pensando segundo os conceitos marxistas, os


migrantes, mais do que não ter uma consciência de classe -
segundo a célebre dualidade marxista "classe em si" e "classe
para si" -, nem sequer conseguiam fazer parte da classe
operária.

Assim, de acordo com essa leitura, os nordestinos, em São


Paulo, assemelhavam-se aos camponeses franceses do século
XIX. Para Karl Marx, eles não estabeleciam relações entre si,
não incorporavam o progresso técnico e viviam isolados: "A
grande massa da nação francesa é, assim, formada pela
simples adição de grandezas homólogas, da mesma maneira
como batatas num saco constituem um saco de batatas." E
continua:

"Na medida em que existe entre os pequenos camponeses


apenas uma ligação local e em que a similitude de seus
interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação
nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida
não constituem uma classe. São, consequentemente, incapazes
de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome,
quer através de um parlamento, quer através de uma
convenção."19

Descrevendo a greve de 1957 na fábrica pesquisada, Lopes


apresentou o depoimento de um operário: "Estavam todos nas
redondezas da fábrica, em pequenos grupos. Quando chegou a
hora, mandaram tocar a sirena.

Houve aquele movimento entre os operários, aquele zum-zum,


mas ninguém queria ser o primeiro a entrar. Ninguém entrou.
Havia um pequeno grupo de piquetes na esquina. Estavam
observando uma pequena fábrica perto da nossa, onde
estavam trabalhando. Não houve nenhuma demonstração,
intimidação, nada."

No dia posterior, pouco antes do início do trabalho, logo pela


manhã, continua o autor, "um soldado da Força Pública passou
entre eles afirmando a um e a outro que poderiam entrar, que
'teriam proteção'.

Afastou-se e todos continuaram a esperar, olhando em direção


à fábrica. Tocou a sirena. À porta estavam dois milicianos da
Força Pública e dois ou três guardas da Companhia. Como os
operários não entrassem, fecharam os portões e deixaram
apenas uma pequena porta aberta.

Lentamente, foram se desfazendo nas imediações da fábrica os


pequenos grupos de trabalhadores. As últimas aglomerações
foram dispersadas por alguns cavalarianos". E concluiu:
"Informaram alguns operários que enquanto estavam lá viram
entrar no serviço apenas três ou quatro empregados."20

A passagem do mundo rural para o urbano, com todos os seus


significados, foi, na Europa, realizada durante décadas. Já no
Brasil, nesse período, o relógio da história caminhou
aceleradamente. Algumas

vezes, essa transição foi realizada em semanas. É provável que


uma das razões dessa dificuldade no processo de
conhecimento da classe operária de origem migrante -
principalmente nordestina - deve-se à

especificidade dessa formação, processo sensivelmente


distinto do que ocorreu na Europa Ocidental.

Pelo relato, o que tivemos não foram "batatas num saco", foram
operários conscientes das reivindicações que defendiam por
meio da liderança do sindicato. Evidentemente que estamos no
campo das lutas específicas, salariais, e não políticas. Nas
greves, a ação policial sempre esteve presente, reprimindo
piquetes e prendendo operários. E o fantasma da demissão
rondava os operários-migrantes, o que era um ônus
suplementar, além da discriminação que sofriam dos próprios
operários que já viviam em São Paulo.
A Nitro Química, com mais de 4 mil operários, sediada em São
Miguel Paulista, bairro chamado de Bahia Nova,21 devido à
grande presença de trabalhadores nordestinos, e de Cidade
Vermelha, pois lá o PCB

tinha a maior célula em São Paulo, com mais de mil militantes,


é outro bom exemplo da participação dos migrantes nas lutas
operárias da época. Em 1946, lá ocorreu uma das maiores
greves do período. Foram

treze dias de paralisação do trabalho, de repressão e de


demissões em massa.

Em outubro de 1957, uma nova greve parou a empresa. Dessa


vez foram nove dias de intensa mobilização e de vitória:
obtiveram

20% de aumento.22

Apesar da mudança radical de ambiente histórico, das


novidades encontradas em São Paulo, de novos laços de
sociabilidade aqui criados, das contradições que o mundo
urbano apresentava - principalmente

numa metrópole -, os nordestinos conseguiram não só


participar dos conflitos gerados pelo mundo industrial, como
também manter no imaginário alguma coisa do seu éthos rural.
Ressalta, com propriedade,

Florestan Fernandes, que "indivíduos e grupos, que se


apeguem às formas obsoletas ou pré-urbanas de pensamento e
de ação, dificilmente conseguem ajustar-se satisfatoriamente
às exigências da situação.

Certas avaliações tradicionais sobre o 'dever', a 'reciprocidade',


a 'palavra de honra' ou a integridade do próprio 'homem' não
possuem mais pontos de referência sociais. O indivíduo que se
mantenha fiel

a elas sujeita-se a sofrer decepções em todos os níveis da vida


prática. Pode comprar por alto preço móveis de baixa
qualidade, pode ser vítima de transações ilícitas, pode fazer
contratos verbais de trabalhos sem equidade (em prejuízo
próprio) e por aí vai".23

A forte ligação com o sertão manteve-se presente no imaginário


do migrante nordestino. Basta recordar as relações de amizade
e de solidariedade familiar, bem como o sonho - na maior parte
das vezes não

realizado devido à fixação em São Paulo, ao casamento e à


formação de uma nova família - de um dia poder regressar em
situação melhor do que aquela do momento da migração. Na
música esta relação é explícita, como na célebre toada "Triste
partida", de Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré: Agora
pensando

segui outra tria

chamando a famia

começa a dizê:

- Eu vendo meu burro

Meu jegue e meu cavalo.

Nóis vamo a São Paulo

vivê ou morrê!

- Nóis vamo a São Paulo

que a coisa tá feia.


Por terras aleia

nóis vamo vagá...

Se o nosso distino

não fô tão misquinho

pro mesmo cantinho

nóis torna a vortá.

E vende o seu burro

o jumento e o cavalo.

Inté mesmo o galo

vendêro também

pois logo aparece

feliz fazendêro

por pouco dinhêro

lhe compra o que tem.

Em um caminhão

se junta à famia

chegou o triste dia

já vai viajá...

A seca terrive

que tudo devora


lhe bota pra fora

Da terra natá. (...)

Chegaro em São Paulo

sem cobre, quebrado.

E o pobre, acanhado

percura um patrão.

Só vê cara estranha

de estranha gente.

Tudo é diferente

do caro torrão.

Trabáia dois ano

tréis ano e mais ano

e sempre nos prano

de um dia vortá.

Mais nunca ele pode.

Só véve devendo.

E assim vai sofrendo...

Ê sofrê sem pará! (...)

Do mundo afastado

sofrendo desprezo
ali véve preso

devendo ao patrão

O tempo rolando...

Vai dia e vem dia

E aquela famia

Não vorta mais não!

Distante da terra

tão seca, mas boa

exposto à garoa

à lama e ao pau...

Faz pena o nortista

tão forte, tão bravo

vivê como escravo

no norte e no sú!24

É manifesto o desejo de poder romper com a condição de


operário, não pela negação da luta por melhores salários e
condições de trabalho - que levaria a se omitir quando dos
movimentos grevistas -, mas

pelo desejo de construir um futuro autônomo, não dependente


da venda da força de trabalho. Este desejo foi mal
compreendido. Lopes considerou que "os operários não se
adaptam de maneira duradoura à estrutura industrial, (...) pois
procuram alcançar o seu interesse econômico imediato".25
Esse processo de negação tem um sentido inovador, de
desafio. O risco de criar um empreendimento era do ex-
operário. Poderia

prosperar ou não. Nesse sentido, diferenciou-se também do


operário-padrão clássico, da Europa Ocidental, que
permaneceu na fábrica. Isso só foi possível graças à
modernização econômica que estava ocorrendo

em São Paulo, que abria possibilidades para novos negócios,


para o pequeno capital. Também diferentemente do capitalismo
central, o progresso econômico não ocorria da mesma forma
em todos os setores, o

que abria a possibilidade para os nordestinos se transformarem


em pequenos empresários.

Dessa forma, a inserção dos nordestinos nas lutas sociais, em


São Paulo, foi um processo distinto do que ocorreu com os
estrangeiros ou operários nacionais que viviam havia décadas
na cidade. Estes foram rapidamente assimilados, tanto na
esfera social como até na vida política. Já sobre os nordestinos
acabaram pesando diversos estigmas.26

Se a greve é o momento de conflito aberto entre trabalhadores


e patrões, outros confrontos foram estabelecidos na cidade,
como os referentes aos preços abusivos dos gêneros
alimentícios e ao aumento das passagens dos transportes
coletivos. Todos vinculados ao processo de expansão
vertiginosa da cidade. A criação de novos bairros na periferia
dependia do transporte coletivo: "Apoiou-se não no bonde ou
mesmo não só nos subúrbios, mas num fator novo: as linhas
de ônibus, cuja teia de itinerários, por ínvios caminhos às
vezes, sustenta o a princípio tênue arcabouço urbano e lhe
possibilita o crescimento
vertiginoso."27

Em 29 de outubro de 1958 ocorreu na cidade um quebra-


quebra. A passagem de ônibus subiu de CR$ 3,50 para CR$
5,00 e o bonde de CR$ 2,00 para CR$

3,00, sem que o prefeito Ademar de Barros comunicasse com


antecedência à população. Pior, viajou para a capital federal
após assinar a autorização do aumento das passagens.28 No
dia seguinte, pela manhã, ocorreram pequenos protestos, mas
no final da tarde começou um grande quebra-quebra nas
praças da Sé, Clóvis e João Mendes, que funcionavam como
terminais de ônibus; atingindo também a avenida Nove de
Julho, a praça 14 Bis, o largo São Francisco e a praça Ramos

de Azevedo: "Por volta das 18 horas, já São Paulo apresenta


características de cidade conflagrada." Às 18h30 pipocaram
pelo centro da cidade, em diversos pontos, conflitos entre os
manifestantes e a polícia.

A repressão foi violenta: a polícia atirava a esmo. Cerca de 120


ônibus foram incendiados, todos da Companhia Municipal de
Transportes Coletivos (CMTC).29

Na praça da Sé foram jogadas bombas de efeito moral e de alto


poder explosivo, "o que não foi suficiente para afugentar os
revoltados, como também não surtiram grande efeito as
contínuas cargas de cavalaria.

A fúria popular aumentava a cada instante, provocada por


excessos cometidos por elementos da Força Pública. Tanto
assim que, mal os cavalarianos passavam, os populares saíam
em seu encalço, procurando desmontá-los mesmo sob ameaça
de balas e dos golpes de baioneta calada".30

Às 21 horas a calma estava de volta ao centro, deixando


setenta feridos e seis mortos.
Um dos melhores relatos dos incidentes e da violência policial
foi publicado na Folha da Manhã: "Desde o início do tiroteio, os
policiais mantêm os fuzis com baioneta calada. Aqueles que
perseguem os

manifestantes adotam idêntica providência. Um dos populares


tenta enfrentá-los com um pedaço de pau ou guarda-chuva,
mas é espetado com a baioneta. O

miliciano vira a arma e desfere, ainda, diversas coronhadas na


cabeça do homem, que tomba, ensanguentado. Seu
companheiro - o operário Paulo Tavares (Vila Esperança) -, que
segura uma marmita, ajoelha-se e implora por misericórdia aos
soldados. Leva uma coronhada

e sai a correr gritando, como um louco, que mataram seu


amigo. Diversos disparos são feitos em sua direção, sem,
contudo, atingi-lo." O repórter ainda consegue falar com o
operário, que informa o nome

do morto: Arlindo Silveira. Tinha 30 anos, era casado, pai de


três filhos.

Também morava na Vila Esperança, Zona Leste.31

A carestia era outro importante móvel de mobilização política -


e até mesmo do que se chamava à época de luta "anti-
imperialista". No Rio de Janeiro, o presidente da Cofap, general
Ururaí Magalhães, tentou enfrentar o problema da escassez de
carne nos açougues, onde se formavam imensas filas desde a
madrugada, propondo ao presidente Juscelino Kubitschek a
ocupação dos frigoríficos Armour, Swift, Wilson e Anglo e das
invernadas: "É a única solução. Assim, não ficariam fazendo
pouco dos brasileiros. Nunca temi o poder econômico dos
frigoríficos estrangeiros."
Já em São Paulo, o problema principal, em setembro de 1959,
era o aumento do preço do feijão. Durante semanas, sempre às
segundas-feiras, foram realizados comícios na praça da Sé
organizados pela Campanha Contra a Carestia. Nos discursos,
os oradores dramatizavam o problema: "É

preferível morrer lutando a morrer de fome!" ou "Só nos resta


assaltar os armazéns e arrancar à força a comida para nossos
filhos".

Os preços dos gêneros alimentícios tinham sido congelados,


contudo aumentavam em média 4% ao mês. Nas faixas de
reivindicações e protestos pediam-se "cadeia para os ladrões
do povo", "feijão barato para o povo", "os nacionalistas não
aceitam medidas demagógicas", "os nacionalistas exigem
medidas concretas contra a carestia".32

A capital paulista já era a sétima cidade do mundo em


população. E a que mais crescia. Entre "1950 e 1954,
construíram-se 90 mil prédios na capital paulista, enquanto, no
mesmo período, se construíram

50 mil em todas as demais capitais brasileiras reunidas". Entre


1900-1954, se compararmos São Paulo ao Rio de Janeiro, então
capital federal, e tendo o primeiro ano como número-índice 100,
em 1954, São

Paulo alcançou o número 1.175 e o Rio de Janeiro, 388. Se em


1950 o Rio ainda era mais populoso que a capital paulista,
quatro anos depois São Paulo já tinha superado a capital
federal.33

A nova face de São Paulo, a metrópole, era dada pelos


migrantes. Tendo o ano de 1953 como número-índice 100, dois
anos depois salta para 152, em 1958

chega a 284, três anos depois, a 342. Ou seja, em


nove anos os empregos mais que triplicaram em São Paulo.34
De 1952 a 1961

entraram oficialmente 1.140.065 migrantes, a ampla maioria


entre 18 e 40 anos, formada por homens, solteiros, brancos e
pardos

- os negros não passaram de 20% - e analfabetos (quase 88%).


Ao longo da década, com a permanência das condições no
sertão e o progresso econômico adquirido pelos migrantes, as
novas levas passaram a ser compostas por aqueles que
estavam numa escala social superior.

Entre seus mais ilustres moradores da cidade, muitos


criticaram esse momento de grande crescimento populacional.
O poeta Guilherme de Almeida considerava uma das grandes
desvantagens da cidade a "escassez de espaço, promiscuidade
doméstica, provocada pela vida em apartamentos, gerando a
degenerescência física e moral do homem". Quando
perguntado sobre qual era a vantagem de morar na cidade, o
ex-governador Lucas Nogueira Garcez respondeu: "Não vejo
nenhuma, (...) não a recomendo a ninguém."35 Recorda Jorge
Wilheim "que o desamor por São Paulo pode ser observado por
toda a parte: na ausência de poesia popular e canções que a
cantem (compara-se ao Rio de Janeiro...), no egoísmo e
descuido de seus habitantes pela coisa pública; na ignorância
que o paulistano tem de sua própria cidade, na entrega fácil
que a autoridade municipal fez dela à especulação de
loteadores etc. Se este desamor existe, suas raízes parecem-
nos históricas. Até meados do século passado, São Paulo não
existiu como 'urbs', como palco da vida quotidiana.

Seus habitantes viviam nos arredores e deviam ser ameaçados


com multas para serem obrigados a vir à Câmara ou às
procissões. Ser paulista significava, por exemplo, possuir
fazenda em Itu. Não havia correspondência entre o orgulhoso
adjetivo pátrio e a permanência ou vivência urbana".36

Evidentemente que havia muitos problemas decorrentes da


falta de planejamento e do rápido crescimento demográfico: "É
uma cidade inorgânica, sem perímetro de construção, sem
zoneamento, sem espaços verdes suficientes, sem áreas
reservadas, sem parques para recreio e esporte."37 Nos bairros
com forte presença nordestina, como Vila Matilde, Osasco (que
naquela época ainda fazia parte do município de São Paulo),

São Miguel Paulista, Guaianazes e Santo Amaro, havia a


predominância de homens; enquanto nos bairros tradicionais
ocorria o inverso, como na Aclimação, em Cerqueira César e na
Consolação.

Para os nordestinos, a cidade passava a ser sua morada,


mesmo tendo na memória a saudade do sertão. Em vinte anos,
entre 1940 e 1960, a maioria dos bairros que mais cresceram foi
aquela de recente ocupação pelos migrantes. Enquanto o Brás,
a Mooca e a Sé tiveram crescimentos populacionais negativos
nesses anos (a maior queda foi na Mooca, de 10,8%), na Zona
Norte, a Freguesia do Ó cresceu 901,3%, e a Vila Maria, 576,4%.
Na Zona Sul, Santo Amaro cresceu 647,5%, e a Capela do
Socorro, 216,4%. Já na Zona Leste, a Vila Matilde teve um
crescimento de 603,5% e o Tatuapé de 486,3%. Na Zona Oeste,
Pirituba deu um salto de 780,8%.38

São Miguel, na Zona Leste, é um caso exemplar. Entre os anos


1920-1940, a população cresceu 2,4% ao ano, em média,
enquanto na cidade a taxa era de quase o dobro, 4,2%; já entre
1940-1950, a taxa saltou para 7,7%, e a do restante da cidade foi
de 5,1%; na década seguinte teve um crescimento anual
assustador: 13,6%; o triplo do restante da capital, que foi de
5,6%. A expansão do bairro esteve vinculada
aos loteamentos: "Eram sempre relativamente grandes e,
seguindo a lógica do que acontecia na cidade como um todo,
descontínuos. Isso provocou o surgimento de inúmeras vilas e
jardins sem qualquer infraestrutura, a não ser um arruamento
precário que permitia colocar lotes à venda."39

Contudo, para o migrante, apesar de todos os problemas


urbanos, a cidade representava a libertação, a possibilidade de
se construir um futuro mais próspero. E com um espaço de
liberdade na esfera do trabalho, da vida social e política que
não possuía no sertão nordestino, marcado pelo domínio do
coronelismo, do mandonismo local. Aqui era um eleitor livre e
parte da sociedade democrática.

É nessa cidade que Ademar de Barros voltou a ganhar uma


eleição. Após as derrotas para o governo estadual, em 1954, e
para a presidência da República, no ano seguinte, em 1957
venceu a eleição para a

prefeitura. Dentro do velho estilo de governar, afinal disputava


a atenção da imprensa com o governador Jânio Quadros,
inventou o gabinete ambulante. Era um trailer dividido em três
partes. Na última,

tinha um quarto com uma cama. Ademar defendeu o trailer: "Já


estão me criticando por causa da cama, antes mesmo de
inaugurado o 'gabinete'.

Insinuam barbaridades. Malícia dessa gente." Visitava três


bairros por dia. Formavam-se grandes filas para as audiências.
Pedia-se de tudo: emprego, dinheiro para comprar remédio,
material de construção e aluguel. O

prefeito reclamava do assédio: "Como essa gente pobre se


reproduz." Ia rezar teatralmente numa igreja, consolava doentes
e prometia visitas. Representando o papel de líder popular, vez
ou outra reclamava dos visitados um cafezinho. Ao visitar a Vila
Formosa

pediu que alguém lhe trouxesse a bebida. Um prestativo


morador foi correndo até em casa e trouxe orgulhosamente o
café num copo. Em vez de agradecer, o prefeito reclamou:
"Espero que vocês não tenham enfiado o dedo no copo, hein,
seus pilantras!"40

Nas disputa pelos holofotes, Jânio Quadros não ficava atrás.


No exercício do governo estadual fazia de cada dia um ritual de
imolação ao povo. Reclamava do trabalho, da dificuldade de
defender a coisa

pública frente aos corruptos: "Estou enojado. Profundamente


enojado. Minha preocupação é tomar minha esposa e minha
filha pela mão e voltar para casa.

Governar com honestidade constitui um infortúnio e

uma tragédia." Quando perguntado sobre o que faria quando


deixasse o governo de São Paulo, respondeu que "voltaria para
as aulas". Sobre o futuro político foi taxativo: "Não tenho. Deixo
o governo sem

partido, sem fortuna e sem qualquer mandato. Não considero,


porém, esse destino, o do túmulo, mas o da ressurreição. Volto
a mim e aos meus."41

Apesar da ênfase, no ano seguinte foi eleito deputado federal


pelo Paraná e em 1960 venceu a eleição presidencial.

Se o fenômeno da migração de mão de obra nordestina para o


Sul-Sudeste do país não era novo, foi justamente nos anos
1950 que adquiriu importância no debate político nacional -
enquanto o tema da imigração acabou desaparecendo, o que
foi absolutamente natural. No decênio, entraram no país pouco
mais de 500 mil estrangeiros, isso quando a população total
cresceu em 20 milhões.42 Como já foi exposto no capítulo
anterior, o deslocamento de dezenas de milhares de paus de
arara é que impôs a questão regional na agenda política do
desenvolvimento nacional. Neste momento, a região estava
sofrendo os impactos da modernização do Sudeste, de duas
grandes secas, da migração sertaneja também para as capitais
e do aumento das tensões no campo.

Entre 1947 e 1960 aumentou-se o desnível regional. O Nordeste


tinha diminuído sua participação na renda nacional de 11,2%
para 10,6%, mesmo com o crescimento do produto real agrícola
em dez anos à taxa

de 6,1% ao ano. A política industrialista adotada após 1930


tinha aumentado o desequilíbrio inter-regional e concentrado a
renda e os grandes investimentos públicos no Sudeste.43 Além
do quê, não havia

uma política protecionista para os dois principais produtos da


região: o algodão e o açúcar. Com relação a este último, de
1946 a 1961, a produção nordestina duplicou, enquanto a
paulista decuplicou. E

também a política cambial favorecia o setor industrial em


detrimento do agrícola, especialmente dos estados mais
pobres, como os do Nordeste.44

O crescimento demográfico ainda era muito alto, favorecido por


algumas melhorias no campo da saúde e dos transportes. O
"ritmo do crescimento líquido da população nordestina elevou-
se de 2,1% ao ano para 2,4% entre os anos 1950 e 1960, não
obstante a região ter continuado a perder população para o
resto do país com intensidade absoluta (1.324 mil pessoas)
quase igual à do decênio anterior (1.377 mil pessoas)."45

As grandes secas de 1951-1953 e 1958, além do enorme


deslocamento populacional, transformou o enfrentamento dos
problemas estruturais do Nordeste numa questão que
ameaçava a "unidade nacional", como lembrou Celso Furtado:
"O ponto nevrálgico da economia nordestina está, portanto, em
sua agricultura. Se não resolvermos o problema da utilização
adequada das terras da faixa úmida - subutilizadas nos grandes

latifúndios do açúcar e nos chamados vales úmidos da zona


litorânea - não poderemos criar, no Nordeste, uma indústria
capaz de sobreviver."46

Em 1957, o governo paulista organizou uma missão econômica:


"O que nos leva ao Nordeste é o espírito de bandeirar,
colocando à disposição dos irmãos nordestinos o patrimônio
de São Paulo, suas manifestações tecnológicas, educacionais e
espirituais." O relatório destacou a importância do mercado
regional e as principais atividades econômicas. Identificou o
atraso industrial devido o Nordeste não ter tido uma

atividade lucrativa como o café, um "afluxo imigratório,


trazendo-nos o concurso de seu sangue, de sua inteligência, de
seu espírito de empreendimento e, em muitos casos, de suas
economias".

Depois de descrever as potencialidades econômicas da região,


acentuou que

"a área investidora por excelência no Nordeste deve ser


atribuída a São Paulo".

E concluiu reforçando o tradicionalismo paulista,


tão em voga no período: "Os nossos antepassados 'vergaram a
vertical das Tordesilhas', fizeram do Brasil a nação mais vasta
do Novo Mundo e alargaram as nossas fronteiras físicas, em
plenas entranhas da

América do Sul. Hoje, ou nos abalançamos à faina de alargar as


fronteiras econômicas do Brasil contemporâneo, plasmando-
lhe condições propícias à existência e à salvaguarda de um
largo e auspicioso mercado interno, ou então nos
despediremos prematuramente da nobre missão que,
juntamente com brasileiros de outros recantos da pátria
comum, temos de concretizar."47

A questão Nordeste tinha tal gravidade que não seria possível


deixá-la apenas nas mãos da iniciativa privada. Coube ao
Estado tomar as principais ações.

Durante a presidência Juscelino Kubitschek, o Nordeste foi um


dos focos principais das medidas governamentais. Mesmo
assim, nas Mensagens presidenciais, a região esteve presente
em apenas três das cinco enviadas ao Congresso Nacional. Em
1956, no primeiro

ano do governo, não estava clara a política que seria


implantada. A explosão populacional foi vista como sinônimo
de progresso: "É necessário que a taxa de população continue
a crescer, de modo que a expansão

demográfica possa promover em definitivo o aproveitamento


das reservas naturais dos espaços interiores e das áreas
retardadas do Brasil." Continua o documento: "Na costa
atlântica, em que os agregados econômicos se vêm ampliando
secularmente sob a injunção dos mesmos fatores geográficos
que orientaram a colonização, a concentração das massas
humanas tem gerado problemas de alta magnitude, porquanto
as áreas de maior densidade são as que mais apresentam
características típicas de subdesenvolvimento." E concluiu:
"Mas, além dessas áreas, dentre as quais sobressai a região
nordestina, onde se concentra uma quarta parte da população,
tem a nação brasileira a responsabilidade de estimular o
povoamento e de promover a ocupação dos vazios interiores
do Brasil Central e da Amazônia, diante da necessidade

de alargar as fronteiras econômicas, no sentido das latitudes


geográficas."

A formulação nebulosa da mensagem não inibiu o trabalho de


vários grupos criados pelo governo federal voltados para o
Nordeste. Em 1957 e 1958, a região não mereceu destaque
especial; em 1959 foi lembrado que o objetivo do governo era
"reorganizar a economia, tornando-a resistente ao impacto das
secas e melhorando o padrão de vida das populações. Está
sendo revista a política federal de inversões nas obras contra
as secas, busca-se modificar o sistema de produção rural da
zona semiárida, e bem assim abrir frentes de colonização. Na
faixa litorânea, a industrialização, à base do aproveitamento
das matérias-primas locais, apresenta-se como a forma
indicada para o desenvolvimento econômico.

Ao critério assistencial, que predominava nas obras do


Polígono das Secas, substitui-se rigoroso trabalho de
planejamento, no

qual se indicam soluções racionais para os problemas".

No ano seguinte a análise da ação governamental ressaltou o


aumento da acumulação de água de 3,5 bilhões de metros
cúbicos para 6,4 bilhões e retomou a necessidade de alargar a
fronteira agrícola. Curiosamente, não foi mencionada a
migração em nenhuma das mensagens, ou o drama dos paus
de arara, muito menos a seca de 1958, que tinham obtido amplo
espaço nos meios de comunicação, fazendo parte também dos
debates políticos, inclusive com a ida de missões
parlamentares ao Nordeste.48

A ênfase no aspecto técnico no enfrentamento da "questão


Nordeste" ficou patente quando da criação, em 1956, do Grupo
de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN). Dois
anos depois, surgiu o Conselho de Desenvolvimento
Econômico do Nordeste (Codeno) e, em 1959, em dezembro, foi
promulgada a lei que criou a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em março de 1959 foi
divulgado o documento que norteou a criação e os primeiros
anos da Sudene, "Uma política de desenvolvimento econômico
para o Nordeste", que teve Celso Furtado como principal
inspirador. Foi apresentado um arrazoado histórico situando a
região no conjunto do desenvolvimento brasileiro e
demonstrando que a renda média de um nordestino, em 1956,
mal chegava à terça parte da recebida por um habitante do
Centro-Sul: era uma das menores do hemisfério ocidental.

O documento definia a questão central: "Como elevar a


produtividade da economia da região semiárida?" A região era
dominada em grande parte pela agricultura de subsistência,
onde havia um considerável excedente demográfico. A
constante intervenção governamental mantinha o excedente de
mão de obra na região, o que era economicamente interessante
para os grandes fazendeiros. Para Furtado, a "capacidade de
produção da fazenda depende, essencialmente, do número de
moradores que pode alimentar, isto é, da quantidade de terras
aptas para a agricultura de subsistência, graças à qual se
manterá a mão de obra

sem maiores encargos monetários". Dessa forma,


"compreende-se, portanto, que o fazendeiro tenha preocupação
em reter na fazenda o máximo de gente possível". Como não
era possível manter o excedente de população na região, a
saída encontrada era a transferência da população para os
vales úmidos do Maranhão. A outra meta era "elevar a
produtividade média da força de trabalho concentrada na faixa
úmida,

o que exige, necessariamente, intensificação dos investimentos


industriais".

O relatório ignorou a grande migração para o Sudeste. Somente


no início do texto fez uma breve menção ao perigo da
existência de dois Brasis, um moderno e outro atrasado, o que
não era novidade para a época. A proposta de transferir
centenas de milhares de sertanejos para os vales úmidos do
Maranhão (no final é acrescido também Goiás) era de difícil
execução e de duvidosa eficácia econômica. Não havia

uma infraestrutura regional que pudesse receber milhares de


sertanejos, nem seria possível efetuar tal transferência num
curto prazo. Dificilmente um migrante optaria por, em vez de
dirigir-se ao Sudeste, onde poderia encontrar emprego,
deslocar-se para uma área de recente colonização e de destino
econômico incerto.

O desejo de mudar de status econômico, seguindo o exemplo


de familiares ou de conhecidos, era uma necessidade imediata
e que não passava pela transformação do sertanejo em colono
em outras áreas do Nordeste.

O sertanejo almejava ser assalariado onde predominavam as


relações capitalistas de produção, ou seja, no Sudeste. Afinal, a
miséria na região era secular e as notícias que recebiam
daqueles que tinham migrado era de que tinham conseguido
emprego e estavam vivendo melhor do que no sertão.

O Nordeste não teve na sua história nenhuma experiência


exitosa de colonização patrocinada pelo Estado ou por
particulares. E os efeitos das secas de 1951-1953 e 1958 foram
tão severos que desestimulavam qualquer nova aventura
agrícola; ainda mais em áreas pouco conhecidas pelos
sertanejos, como o sul do Maranhão ou o norte de Goiás, e
muito distintas do semiárido em termos de clima, vegetação e
solo.

Dar viabilidade econômica a um empreendimento de


colonização dessas proporções exigiria um grande
investimento do Estado, tanto em capitais como em pessoal
técnico.

A grave crise da economia nordestina exigia uma ação mais


profunda, que, evidentemente, tinha um alto custo político, pois
levaria a uma reestruturação não só das bases econômicas,
mas também das políticas, considerando que no Congresso
Nacional a bancada da região detinha cerca de 40% das
cadeiras e os principais partidos tinham entre seus líderes
políticos nordestinos. A referência à industrialização também

não permitiria uma alteração do statu quo na faixa litorânea,


pois o empresariado local, indispensável à viabilização do
projeto, estava voltado para as atividades comerciais ou do
setor primário, além

de ter de disputar o mercado com as indústrias sulistas.

Com a construção das novas estradas e a melhoria das


comunicações, a indústria nordestina foi afetada. Parte do seu
mercado devia-se justamente ao relativo isolamento da região.
A "rodovia Rio-Bahia teve, nesse contexto, papel arrasador
para a indústria têxtil do Nordeste. Quando Juscelino
Kubitschek, com esta rodovia, ligou o mercado do Nordeste ao
mercado do Sudeste, nos anos 1950, a produção têxtil de São
Paulo invadiu o Nordeste. Nessa hora, a competição inter-
regional passa a ser destrutiva em relação ao Nordeste. Essa
região vai viver uma profunda crise têxtil - até que surge a
Sudene e faz um poderoso
programa de modernização que reduz metade do emprego têxtil
e a maioria das empresas são fechadas".49

O documento não fez menção à reforma agrária, bandeira


considerada incendiária à época, principalmente na região,
graças à ação das Ligas Camponesas, ou a qualquer reforma
que pudesse atingir os privilégios seculares dos latifundiários e
viabilizar uma economia de pequenos proprietários, diminuindo
o êxodo para o sul. Sem a modificação estrutural do semiárido -
e de forma rápida -, qualquer programa de desenvolvimento
estaria fadado ao fracasso e não sensibilizaria os sertanejos a
permanecer na região.

Apesar de todos os cuidados de Celso Furtado, mesmo assim a


criação da Sudene foi duramente combatida pela oligarquia
nordestina: "A lei havia sido aprovada contra a maioria das
bancadas nordestinas,

graças ao apoio majoritário dos deputados do Centro-Sul."50


Um dos maiores adversários foi o senador Argemiro
Figueiredo, da Paraíba. Ele acusou Furtado de comunista, que
estaria agitando, com suas propostas de transformação
econômica da região, o Nordeste. O maior receio dos oligarcas
era perder o controle do Dnocs, fonte de dinheiro e de votos,
muito importante no momento eleitoral, principalmente quando
coincidiam as eleições com uma seca, como em 1958. Além do
quê, a equipe de Furtado era formada por quadros que não
comungavam com o coronelismo. A imprensa sulista apoiou
Furtado, mesmo quando reforçava estereótipos, como pode ser
observado na reportagem "Pau de arara da Sorbonne vai
comandar a Operação Nordeste".51

O avanço representado pela Sudene foi o estabelecimento dos


problemas estruturais da região e sua relação com as questões
nacionais. Foi deixado de lado o tema da seca como foco
central da discussão e
a solução hidráulica como tema principal. A última grande obra
realizada pelo Dnocs foi a construção do açude de Orós, no
Ceará. A pressa para a conclusão da obra, em março de 1960,
trinta dias antes da

inauguração de Brasília, agravada pelas grandes chuvas


daquele mês - 649

milímetros em uma semana, quando a média mensal era de 273


milímetros; além de a altura da barragem estar muito baixa,
com somente 37 metros, quando deveria alcançar 58 metros -,
colocou em risco não só o açude, mas também a vida de 100
mil pessoas que viviam às margens do rio Jaguaribe. Eram 700
milhões de metros cúbicos de água acumulados. A pressão das
águas levou a barragem a um rompimento de 200

metros. Foi uma tragédia que afetou gravemente municípios


como Morada Nova, Jaguaribe, Russas e Limoeiro.52

O estabelecimento de dezenas de milhares de migrantes a


centenas de quilômetros das suas comunidades de origem
acabou gerando uma série de dramas pessoais. Maridos
deixavam suas esposas com a promessa de levá-las,
juntamente com os filhos, para São Paulo, quando já
estivessem empregados e com condições de ter uma moradia
para abrigar a família. Muitos nunca mais voltaram. Formaram
outra família no sul

e abandonaram a que tinham no Nordeste. Outros demoraram


anos para regressar, sem, nesse intervalo de tempo, enviar
qualquer notícia. Aconteceu de mulheres, até por pressão da
vida comunitária, terem de buscar outro parceiro, dada a
ausência de notícias do marido e as dificuldades econômicas
para manter a família.
Numa pequena cidade alagoana com pouco mais de três mil
habitantes, um marido migrou, e por mais de dez anos não
mandou qualquer notícia. Nem sequer conheceu o filho, gerado
no dia da viagem para o sul.

Não enviou uma carta, aviso verbal ou qualquer soma em


dinheiro. Depois do silêncio de tantos anos, a mulher acabou
se casando com outro homem. Anos depois, o marido
regressou. Ao chegar à entrada da casa encontrou a mulher
dando de mamar a um bebê. Gregório, o marido ausente,
acabou sacando um revólver - pouco comum no sertão, fruto
da modernidade sulista - e atirando em Olindina, sua mulher,
que morreu com o bebê no colo. O assassino fugiu e nunca
mais foi visto.

Outras mulheres ficavam aguardando o retorno do marido. As


Penélopes sertanejas esperavam. Julinha esperou durante
quatro anos o regresso do marido. Trabalhava duro durante a
semana no cultivo de arroz.

Nos fins de semana vestia-se com as melhores roupas que


tinha, maquiava-se e ficava aguardando o marido. Em vão: ele
não chegava. Sua irmã mais velha não se conformava: "A
Julinha é uma tonta, tonta mesmo, muita gente já quis viver
mais ela. O seu Pimpão vive de cabeça inchada por causa dela,
mas ela não quer saber. Ela gosta mesmo daquele cabra de
peia que foi para São Paulo e nunca deu notícias. Já apareceu
quem quisesse casar com ela no civil, e ela não quis. Bem
podia, pois ela é casada só no religioso." Julinha continuou
esperando o regresso do marido, e a cada fim de semana a
expectativa aumentava. Certo

dia, recebeu a notícia de que ele tinha se casado no civil, em


São Paulo. Viu que a espera de cinco anos fora em vão. Teve de
esquecer o grande amor.
Acabou se casando novamente com um morador da cidade.53

Em alguns casos a mulher ficou trabalhando para pagar alguma


dívida do marido: "Tinha deixado minha patroa empenhada em
uma dívida de setecentos e cinco e quinhentos, trabalhando na
casa de um compadre, trabalhando de graça para o compadre e
a comadre, em Pirapora, para só mandar buscar a minha patroa
quando mandasse a importância. Quando eu mandei os
setecentos e cinco mil e quinhentos, aumentou mais duzentos
mirréis na conta. Aí trabalhei, arranjei dinheiro emprestado,
mandei buscar minha patroa."54

Os recursos enviados pelos migrantes aos parentes que


permaneceram no sertão eram fundamentais para sua
sobrevivência: "Porque com a saída deles pra São Paulo,
melhorou minha situação, porque o que eles ganham dá pra se
manter e sobra que dá ainda pra mandá um café pra mim, todo
mês, se não vem todo mês, mas ele me sustenta, como se diz,
do calçado ao vestido e aqui não tinha condição de ganhá pra
eles, quanto mais pra me ajudar. Eu quero ver alguém aqui
trabalhá o ano todo no alugado e consegui ganhar a roupa, o
que compra não ajuda os pais. Eu conheço muitos pais de
família aqui, que não tinha calça

pra vestir, eu mesmo era um, e hoje tenho as minhas malas de


roupa e outros o trem aí." Diz outra sertaneja: "Eu tinha moça
que zelava minha casa aqui, mas como eu não podia dar a ela
tudo o que ela precisava, aí me vi obrigada a deixar ela ir. Eu
não quero que eles venham pra aqui, não, já sofreu muito aqui.
Se ele vir pra casa, vai maldizê da sorte como se maldizia
antes." E concluiu: "Meu filho, quando foi

embora, sempre dizia: 'Todo mundo quando vai pra São Paulo
chora, eu não choro.' Aí quando foi pra ele se arrumá, começou
a chorar. Quando foi véspera da viagem, passou a noite
chorando, saiu daqui chorando."55
O sociólogo Costa Pinto resumiu esse momento da história do
sertão: "Temos a impressão de que, originalmente, quando o
fenômeno era de menor vulto e esporádico, a emigração de um
filho para o sul era

recebida como uma desgraça que recaía sobre uma família,


algo comparável ao recrutamento militar; depois, o fato passou
a ser encarado como um mal fatal e necessário para os homens
que fossem tentar a

vida noutra parte, enquanto moços, e depois voltassem em


condições mais prósperas, com pecúlio feito, para se
estabelecerem em sua terrinha própria no lugar em que
nasceram. Hoje, a impressão que colhemos no sertão é
inteiramente diversa: não se tem rebuços de falar de emigração
como uma esperança de melhores dias, e os que ficam em
regra esperam que o esposo, irmão, pai, parente, compadre,
amigo de lá

lhes enviem os meios de partirem também."56

Os dados econômicos do final dos anos 1950 permitem


entender as razões do grande êxodo: "Entre 1957 e 1961, o
setor industrial cresceu à razão de 12% ao ano e a indústria de
transformação quase atingiu

a média anual de 13%. A economia nacional cresceu 8,3% ao


ano, enquanto a agricultura registrou a média de 4,9%."57 E os
indicadores da economia nordestina ficaram muito abaixo dos
resultados nacionais, especialmente na região semiárida.

CAPÍTULO 5

ME ALEMBRO COMO SE FOSSE HOJE

O processo de substituição das importações, intensificado no


quinquênio juscelinista (1956-1961), criou as condições para
que a economia da região metropolitana de São Paulo tivesse
condições para incorporar as dezenas de milhares de
nordestinos ao mercado de trabalho. Sem o sucesso da
industrialização, o deslocamento populacional seria estancado
ou destinado a outras áreas do território nacional, além dos

possíveis efeitos no processo das lutas sociais, especialmente


no Nordeste.

A permanência da migração em larga escala foi uma


demonstração cabal do êxito econômico da industrialização,
independentemente das modificações políticas ocorridas em
1964, do fracasso das medidas desenvolvimentistas

no Nordeste e da concentração da produção industrial em São


Paulo, grande geradora de empregos diretos e indiretos. Basta
recordar que, em 1920, São Paulo representava 31% da
produção brasileira, em 1938, aumentou para 43,5%, vinte anos
depois, saltou para 55% e em 1965 alcançou 57,6%.1

Muitos dos migrantes ao chegarem a São Paulo dirigiam-se


para o interior do estado,2 o que continuou durante os anos
1960. A grande expansão da indústria automobilística no ABC,
especialmente em São Bernardo do Campo, chamada à época
de Detroit brasileira, produziu um rápido aumento da população
da

região. O depoimento de um cearense é bem ilustrativo desse


processo de deslocamento constante até a fixação

na região metropolitana: "Cheguei em São Bernardo em fins de


1958, quando isso aqui era um subúrbio insignificante. Sou do
Nordeste, do Ceará, sim, mas desde menino que ando por esse
mundão afora. Tentei

a vida em Fortaleza, no Recife, em Montes Claros, norte de


Minas Gerais, em São Miguel Paulista, no norte do Paraná, em
Marília e em outras cidades paulistas, mas destino é destino.
(...) Pois, sim, em 1958 estava me batendo aí pelo interior de
São Paulo, quando uns chapas me falaram de São Bernardo.
Pra lhe ser franco, antes nem tinha ouvido falar nessa cidade,
não. Pois então, o chapa me falou com

tanto entusiasmo de São Bernardo que fechei os olhos,


desliguei o juízo, e vim na imaginação direto para cá. (...)
Peguei um subúrbio na Luz e meia hora depois estava em
Santo André. Mais meia hora, desembarcava de um ônibus
caindo aos pedaços, na Marechal Deodoro. Me alembro como
se fosse hoje que descemos no finalzinho da rua, que naquele
tempo morria antes de encontrar a via Anchieta. (...) Quando a
noite chegou, descansamos os corpos mais mortos do que
vivos num escurinho próximo a uma fábrica de móveis, na rua
João Basso, onde fica hoje o Sindicato dos Metalúrgicos. (...) E
não é que bem não amanhecia o dia um pernambucano de
nome seu Antonio apareceu ali perto de nós e me deu umas
palavrinhas de incentivo que até me desliguei daquela canseira
toda de três noites sem dormir! E ainda por cima nos levou pra
tomar café num bar de esquina da João Basso com a Marechal
Deodoro. (...) pois é, ele foi quem me disse: 'Olha, a Volks tá
pegando.' Pois entonces, fui até lá na via Anchieta. Dois dias
depois estava trabalhando,

não na Volks, porque eles tavam pegando com facilidade era


gente para construir aqueles pavilhões que hoje eles estão
neles."3

São Caetano, o "C" da sigla ABC, também recebeu milhares de


nordestinos.

Raimundo da Cunha Leite - que depois chegou a prefeito da


cidade - foi um deles: "Natural de Rancharia, Juazeiro, Bahia,
criado
em Juremal, antiga Jurema, veio para São Caetano em
novembro de 1939."

Antes, juntamente com o pai e os primos, depois de chegar a


São Paulo foram para Colina, no interior do estado, onde
ficaram apenas três meses. De lá foram para São Caetano,
aproveitando o crescimento industrial da cidade. Depois da
Segunda Guerra, o fluxo de nordestinos não parou de
aumentar. A cidade se expandiu com os novos loteamentos,
como os das vilas Gerti, Nova e Gisela. Já em 1950 foi criada
uma sociedade de amparo aos migrantes.

O aumento da migração trouxe a discriminação local contra os


"baianos". Os jornais, quando noticiavam um crime, somente
citavam o estado de origem do acusado quando ele era
nordestino, fortalecendo o

estereótipo de que o migrante era violento, brigão e pouco


sociável. As três maiores cidades do ABC, especialmente São
Caetano e São Bernardo, tinham um importante núcleo
imigrante, principalmente de italianos, e que, inicialmente,
tiveram uma convivência difícil com os recém-chegados. A
empresa telefônica que operava na região era a CTBC
(Companhia Telefônica da Borda do Campo). Nos macacões
dos funcionários

estava escrita a sigla da empresa. Uma das piadas favoritas na


região era de que a sigla significava: Cuidado, tem baiano
cagando.4

No ABC, a partir dos anos 1950, a disputa política logo acolheu


os migrantes, principalmente como eleitores. Na região já havia
uma antiga tradição de luta operária. Em 1947, em Santo André,
foi eleito

o primeiro prefeito comunista do Brasil, que não chegou a


tomar posse pois foi cassado pela Justiça Eleitoral.5 Durante o
regime militar, muitos nordestinos tiveram importante
participação política como

vereadores ou prefeitos. No campo das relações de trabalho, os


dois principais sindicatos da região - o dos metalúrgicos de
São Bernardo e de Santo André -

foram decisivos quando das primeiras greves,

que ocorreram na região a partir de 1978.

A chegada à rodoviária Júlio Prestes, que acabou concentrando


ao longo dos anos 1960 boa parte dos ônibus que vinham do
Nordeste, era o primeiro momento de adaptação e de
estranhamento à vida na metrópole:

"Fervilhava, formigueiro de gente, luzidia, parecia dia. Segurei a


mala, pouco pesava, dentro uma troca de roupa, e perguntei
sondando, me orientando, as pessoas olhavam a minha roupa
do corpo suada da

estirada viagem, me olhavam de cima a baixo, fui perguntando,


me ensinaram e desci a rua me livrando dos carros no rumo da
Estação da Luz. Oito horas o relógio grande marcava, a neblina
branca já cobrindo

a luz forte das lâmpadas, a zoada ainda vigorando dos carros


buzinando aqui e lá longe, fui mais informado, um medo me
tomando o corpo, o endereço de um parente que já tinha vindo
gravado na cabeça, o

medo de esquecer aquele lugar e ficar perdido por todo o


sempre naquelas ruas cheias de casas, prédios, carros, de São
Paulo. Aí, no pergunta ali, no pergunta acolá, achei a entrada da
estação. Desci as
escadas, antes, primeiro, fiquei por um bom tempo olhando
como se pagava a passagem, pois nunca na vida tinha andado
de trem."6

Tudo indica que o número de migrantes na região


metropolitana de São Paulo tenha sido maior do que o
registrado nas estatísticas oficiais. Isso porque muitos
tentavam a sorte no interior e, depois, com

o fracasso na fixação como lavradores, iam para a capital. O


alagoano Benedito Laurindo foi um deles. Foi para São Paulo
em 1959. Viajou durante 22 dias desde Bebedouro, sua cidade
natal, até a capital

paulista. Foi para Lucélia com a família. Trabalhou em fazendas


plantando café, algodão, amendoim e milho. Depois de seis
anos sem conseguir se fixar e após a morte de seu filho de um
ano e meio - que

morreu porque o pai não tinha dinheiro para pagar a um médico


e os remédios necessários para combater os vermes -,
Benedito resolveu ir para São Paulo.

Um cearense, depois de sair do seu estado em 1949,

permaneceu no Paraná por 12 anos. Depois migrou para a


capital paulista: "Aí me aprumei depois de trabaiá 12 anos pra
tubarão sem saldar nada. Aí a famia cresceu e fui caminhando.
Vamos viver de emprego

que é meió. Vamos pra São Paulo. Viemo todo mundo."7

A retomada econômica, sinalizada já no fim de 1967, manteve o


fluxo migratório, tanto que "em 1971, 39,5% dos migrantes
nacionais que chegaram a São Paulo no ano eram provenientes
desta região. E, mesmo antes, embora os dados registrem a
região de Minas e do interior do estado de São Paulo como os
maiores fornecedores de contingentes populacionais para a
cidade, provavelmente, como a migração se fez por

etapas (campo - pequenas cidades - cidades médias - capital),


muitos dos que vinham das áreas contíguas do interior do
estado nasceram no Nordeste".8

Durante a década de 1960, em termos regionais, o Nordeste


ainda continuava representando a maioria absoluta dos
migrantes em São Paulo. Da Bahia chegava quase metade do
total regional, mas o número de alagoanos, tendo em vista a
pequena extensão do estado e uma população sensivelmente
menor do que a de outros estados do Nordeste, chamou a
atenção, pois alcançou 9% do total geral de migrantes.9

Deve ser lembrado que a aplicação no campo, especialmente


no estado de São Paulo, da legislação social, como o Estatuto
do Trabalhador Rural,10 além de ter causado modificações nas
relações de produção,

levou ao crescimento do fluxo de trabalhadores rurais do


interior do estado para a região metropolitana de São Paulo.11
Por outro lado, a expansão das obras públicas durante o
"milagre econômico" impulsionou

a construção civil, como o metrô, as obras viárias e a rodovia


dos Imigrantes, entre outras. Nas três décadas, entre 1940-
1970, a população dobrou a cada 12

anos, e a demanda por serviços urbanos cresceu

ainda mais. A população já existente pressionava o poder


público, que respondia vagarosamente às exigências pela
melhoria das condições de moradia, transporte, educação e
saúde.
Dado o estágio do desenvolvimento capitalista daqueles anos,
foi possível absorver rapidamente a nova força de trabalho.
Com o avanço da industrialização e a necessidade cada vez
maior de uma mão de obra especializada - as escolas do Senai,
especialmente, foram importantes na formação dos
trabalhadores -, a chegada dos migrantes a cada ano, sem a
mínima qualificação profissional, gerou também um problema
social para os governos. Isso explica, em parte, as advertências
do prefeito da capital, Figueiredo Ferraz (1971-1973), de que
São Paulo precisava parar. Surgiu um grande debate na
imprensa, e as advertências

técnicas do prefeito foram se transformando politicamente em


menções desqualificadoras dos nordestinos: portadores de
doenças epidêmicas, violentos, ociosos etc.

No decorrer dos anos, foi diminuindo a parcela dos migrantes


paulistas do interior, em termos percentuais, que se deslocava
para a capital. No quinquênio anterior à Segunda Guerra
Mundial, os oriundos

do interior representavam quase 70% do total de migrantes na


capital; durante a guerra, com as dificuldades para o
deslocamento interno interestadual, aumentou para 71%. Desde
então a queda foi drástica,

chegando a 22% entre os anos 1965-1970. A partir de 1950, a


Bahia suplantou Minas Gerais, mas no final dos anos 1960 os
mineiros voltaram à liderança entre os migrantes, chegando a
20%, enquanto os baianos representavam 17%.12

Na seca de 1970, a migração para o Sudeste foi pouco


significativa. De um lado, porque o fluxo de migrantes estava se
dirigindo à Amazônia, parte deles sob patrocínio estatal, para
ocupar as margens da
rodovia Transamazônica, nas agrovilas criadas pelo regime
militar. Outra onda estava indo para o Centro-Oeste,
especialmente o Distrito Federal, além da migração
intrarregional e o deslocamento para as

capitais nordestinas. Além disso, as obras emergenciais contra


a seca chegaram a empregar 500 mil sertanejos em 605 frentes
de trabalho.13

Para dificultar a marcha para o sul, foram estabelecidos,


novamente, diversos postos de fiscalização nas estradas
federais com o intuito de impedir a circulação dos caminhões
pau de arara.14 Sem o transporte improvisado não haveria
risco de um grande deslocamento de força de trabalho, pois
inexistiam ônibus em número suficiente para atender a uma
demanda de dezenas de milhares de migrantes. O governo
estadual

paulista criou três postos para controlar a entrada de


migrantes: em Santa Fé do Sul, Andradina e São José do Rio
Preto. De acordo com o secretário da Promoção Social, o
objetivo desses postos era evitar

o afluxo excessivo de migrantes à capital, além de contribuir,


segundo ele,

"para a solução do problema social que representa a migração


indiscriminada, responsável pela elevação do índice de
mendicância

e marginalização na capital".15

Mesmo assim, em São Paulo, surgiram denúncias da "venda"


de trabalhadores nordestinos.16 O número, no entanto, foi
pequeno, comparativamente aos períodos das grandes secas
dos anos 1950. Em parte por conta do custo da passagem de
ônibus, mas também porque muitos sertanejos acreditavam
que ainda choveria, e assim não precisariam partir para o sul,
salvando suas plantações. Acrescente-se a essas razões a
mudança do eixo principal migratório para outras áreas do
território nacional.

A desqualificação dos nordestinos era, agora, estabelecida por


meio de comparações com os mineiros, considerados
migrantes exemplares: "Enquanto de Minas chegam migrantes
capazes, pelo menos, de oferecer mão de obra para a lavoura,
os nordestinos chegam com quase nada a oferecer, mas
pedindo muito." De acordo com a reportagem, havia um grande
número de doentes, as famílias eram grandes, sempre com
muitos

filhos, sem escolaridade adequada e, portanto, propensos à


delinquência.

Estimava-se que setecentos nordestinos entravam por dia em


São Paulo, com previsão de que o número diário poderia
duplicar: "Com a chegada de levas de retirantes nordestinos
nos últimos dias, já foram notados novos focos de
esquistossomose no interior do estado."17

A mudança do padrão de acumulação e a dificuldade dos


migrantes de serem incorporados ao mercado de trabalho dos
setores mais dinâmicos da economia agravou ainda mais este
processo. Sem condições de adquirir um terreno nos
loteamentos, devido à diminuta renda familiar, restava-lhes
buscar as favelas - que se expandiram rapidamente - e, no caso
de São Paulo, os cortiços nas áreas deterioradas da cidade,
tanto

do centro como de bairros tradicionais, que passavam por um


processo de decadência econômica.

A região metropolitana "continuou concentrando a mais


expressiva parcela da indústria do país, mesmo a partir de
meados da década de 1970, com o redirecionamento das
atividades industriais para o interior do estado e outras regiões
do país - movimento que se traduziu no declínio de sua
participação de 43,5%, em 1970, para 33,6%, em 1980, e 30,6%,
em 1987".

A sensível diminuição da migração atingiu, inclusive, outras


cidades da região metropolitana, como Osasco, Santo André e
Diadema.18

Dos pouco mais de 55 mil migrantes cadastrados no Cetren -


Central de Triagem e Encaminhamento, criada em dezembro de
1971 -, 30 mil solicitaram, em 1976, passagens gratuitas para
retornar ao Nordeste.

Não conseguiram repetir a façanha dos seus conterrâneos que,


trinta anos antes, chegaram a São Paulo com muitos sonhos e
com determinação foram edificando uma nova vida. Dessa vez,
a aventura não durou mais que alguns meses, e tiveram de
voltar para Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Sergipe e Alagoas, sem dinheiro e sem perspectiva de
um futuro melhor. Como disse um deles: "Para

nós, em São Paulo, tudo ficou elas por elas. A gente ganha aqui
o dobro, mas também gasta o dobro." Desiludida com o
fracasso em São Paulo, Maria Filomena da Silva desabafou ao
chegar a Pernambuco: "Aqui o pobre mete a cara onde quiser,
aqui o povo tem compaixão, a gente tem liberdade."19

Surgiram diversas denúncias de maus-tratos no Cetren.20


Centenas de migrantes ficavam internados em condições
desumanas: "Corredores compridos e frios, abafados, de
paredes sujas e escuras, mal-iluminados, com ar viciado, urina,
restos de comida, lixo, vômito, onde crianças descalças e
desnutridas brincam entre mendigos, mulheres grávidas
alimentam seus filhos e débeis mentais seminus acocorados
quietos,

jogados nos cantos das paredes."21

O retorno de migrantes com passagens pagas pelo Estado não


era uma novidade. Em 1967, o governo estadual, com apoio da
Força Aérea Brasileira, promovera o regresso de setenta
famílias para o Nordeste.

Aproveitando as viagens dos aviões do Correio Aéreo Nacional,


os migrantes foram sendo embarcados. Um deles, Deposiano
Luiz da Silva, deixou Garanhuns esperando encontrar melhor
sorte em São Paulo. Ledo

engano: "A vida aqui é muito dura. A gente arranja um


trabalhinho por dois ou três meses, ganha pouco, fica doente,
perde o emprego. Depois começa tudo de novo. Fazia quatro
meses que eu não conseguia

trabalho. Mas não tive sorte: volta e meia ficava doente e não
podia trabalhar. E

pensar que eu deixei tanta coisa por lá..."22

Dessa vez não bastou mobilizar alguns aviões da FAB: a


quantidade de

"retornados" era muito maior. O trem saía da estação


Roosevelt, no bairro do Brás, rumo à Bahia todas as terças-
feiras, no fim da tarde.

Cinco dias depois, aos domingos, chegava a composição da


Viação Férrea Leste Brasileiro à pequena Iaçu, de apenas cinco
mil habitantes, no sertão baiano. O amargo regresso era
realizado mais rápido do que nos anos 1950. Contudo,
permanecia a miséria no interior de Minas Gerais e da Bahia. Os
passageiros, tais quais aqueles que tinham ido para São Paulo,
também viajavam em péssimas condições de higiene,

sem água, alimentos ou dinheiro. Os bancos ficavam apinhados


de embrulhos, malas de papelão e sacos plásticos com os seus
pertences. Crianças dormiam espalhadas pelos corredores dos
vagões. Não havia bancos suficientes para todos os viajantes.

Passava-se novamente por todas as estações, desde São Paulo


até Belo Horizonte. De lá até o sertão mineiro: Cordisburgo,
Curvelo, Corinto, Montes Claros e pela pequena Monte Azul,
que foi, no decênio dos 1950, a principal estação ferroviária de
partida de milhares de migrantes.

Nas paradas - algumas de várias horas, quando a locomotiva


quebrava - os adultos aproveitavam para desembarcar e dormir
no

pátio das estações. Deveriam ter muita sorte e chegar no


sábado a Monte Azul, o único dia em que partia uma
composição para Iaçu. Eram mais 575

quilômetros de viagem. Só que agora não tinham mais os


sonhos generosos. Não caminhavam para uma nova vida.
Regressavam como derrotados, para o eterno presente-
passado: "Está todo mundo voltando, mas ninguém quer
confessar que fracassou. Vêm passando fome pelo caminho.

Ficam até três dias sem se alimentar."23

Os "retornados" não imaginavam que a viagem terminaria em


Iaçu, isso depois de cinco dias de viagem e a mais de 270
quilômetros de Feira de Santana, ponto inicial da Rio-Bahia. Daí
para diante deveriam

buscar meios para alcançar as suas cidades. Surpreendidos


pela notícia e sem recursos próprios para seguir adiante,
passando necessidades, tensos pelo longo percurso, restava-
lhes pedir esmolas, de casa

em casa. Chegaram até a ameaçar saquear o comércio local. A


pequena cidade de 10 mil habitantes - pobre e sem recursos -
vivia um drama: não tinha condições de alimentar os migrantes
que desembarcavam vindos de São Paulo.

Num desses domingos, temendo a chegada de mais migrantes -


que já tinham ameaçado tomar a sede da prefeitura e a casa do
prefeito -, as autoridades municipais, entre as quais o prefeito e
o vice e o vigário local, viajaram para Milagres, cidade vizinha, a
cinquenta quilômetros de Iaçu.

Deixaram protegendo os prédios municipais e o comércio local


somente o delegado de polícia e um soldado. Dada a ocorrência

de conflitos constantes quando da chegada dos trens, a


Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social da Bahia
resolveu colocar na cidade caminhões para transportar
gratuitamente os "retornados" até Feira de Santana, de onde
teriam de obter meios para regressar até suas cidades.24
Voltavam da mesma forma que haviam partido: com os próprios
recursos. Daí o protesto de um dos migrantes: "Se minha alma,
depois de eu morrer, ainda for a São Paulo, é porque não tem
vergonha!"25

Outros retornavam com passagens rodoviárias fornecidas pelo


Cetren. A longa viagem de ônibus pela BR-116, de São Paulo
até Recife, durava três dias e duas noites. Como não tinham
dinheiro para se alimentar

nos restaurantes das paradas - eram vinte, no total -, levavam a


própria comida.

As refeições eram realizadas pelo caminho, dentro do ônibus,


que logo ficava atulhado de restos de alimentos: carne-seca,
paçoca e cascas de laranja. Os coletivos sempre estavam
lotados, alguns com 47 passageiros num espaço inferior a
trinta metros quadrados.

Havia aqueles que pagavam a viagem com os próprios


recursos. O pedreiro José Vieira de Melo, paraibano mas com
família vivendo em Orós, Ceará, foi um deles. Chegou a São
Paulo com 21 anos acompanhado

da mulher e de um filho. Permaneceu cinco anos. Teve mais um


filho. Trabalhou na construção civil e numa metalúrgica. Depois
de vários meses desempregado, resolveu retornar ao Ceará.
Vendeu o pouco que tinha para comprar as passagens. Viajou
dois dias e quase 3 mil quilômetros.

Na rodoviária de São Paulo, antes da partida, acabou sendo


assaltado e iniciou a viagem sem dinheiro. Tinham levado de
casa

uma panela de frango frito, acompanhado de farinha de


mandioca. Logo acabou.

Como tinha uma corrente folheada a ouro, restou-lhe vendê-la


para outro passageiro. Foi a única forma encontrada para
alimentar sua família até chegar ao sertão do Ceará.

De São Paulo, o pedreiro só levou para Orós um bem: um


quadro com uma enorme foto de uma Ferrari vermelha que
adquiriu numa feira, em Guarulhos.

Na capital paulista, durante todos os anos de permanência, a


família saiu de casa somente uma vez: para ir a um parque de
diversões no Parque Novo Mundo. Nunca foram a um
restaurante, a algum ponto turístico ou a outra região da
cidade. Ficaram confinados. Ficou
decepcionado com São Paulo desde a chegada: "Imaginava
que a cidade só tivesse casas ricas e gente bem-vestida."
Depois de cinco anos, concluiu que

"foi tudo uma ilusão, o esforço que fizemos não deu em


nada".26

Mesmo com a diminuição do fluxo de migrantes e do retorno de


milhares para o Nordeste, muitos ainda chegavam a São Paulo.
Com o encarecimento da vida urbana e a dificuldade de
encontrar onde morar - os

loteamentos eram cada vez mais distantes dos locais de


emprego, e a opção encontrada foram as favelas.
Diferentemente do Rio de Janeiro, em São Paulo as primeiras
favelas apareceram somente por volta dos anos 1940.
Cresceram lentamente nos anos 1950. Na década de 1960 eram
uma alternativa de moradia para os deserdados da migração e
para aqueles que viviam à margem do desenvolvimento
capitalista.

Em São Paulo, no bairro do Canindé, quase às margens do rio


Tietê, onde hoje se localiza o estádio da Portuguesa de
Desportos, surgiu uma favela que acabou ficando célebre, não
pelo tamanho - cerca de

duzentos barracos -, mas por uma moradora: Carolina de


Jesus. Negra, mãe de três filhos, sobrevivia catando papel e
ferro velho. Depois de diversas reportagens na imprensa,
acabou publicando seus cadernos com anotações da vida
cotidiana num livro: Quarto de despejo: Diário de uma favelada,
editado em 1960 e que obteve grande sucesso.

Boa parte dos moradores da favela do Canindé não tinha


emprego regular, o cotidiano era marcado por brigas e pelo
alcoolismo. Os nordestinos, quando citados por Carolina de
Jesus, são chamados de "baianos"

ou "nortistas". Sempre estão envolvidos com atos de violência:


"Hoje brigaram aqui na favela. Brigaram por causa de um
cachorro. A briga foi com uns baianos que só falavam em
peixeiras."27 Em outra passagem, a autora recorda outra
peleja, esta de proporções maiores: "Hoje teve uma briga. Na
rua A residem dez baianos num barracão de três por dois e
meio.

Cinco são irmãos. E as outras cinco são irmãs. São robustos,


mal-encarados. Homens que havia de ter valor para Lampião.
Os dez são pernambucanos. E brigaram os dez com um
paraibano. Quando os pernambucanos avançaram no
paraibano as mulheres abraçaram o paraibano e levaram para
dentro do barracão e fecharam a porta. Os pernambucanos
ficaram falando que matavam e repicavam o paraibano.
Queriam invadir o barracão. Estavam furiosos igual os cães
quando alguém lhes retira a cadela."28 Na descrição do
conflito, Carolina refere-se, paradoxalmente, a dez "baianos"
residentes num barracão que são, de fato, segundo as suas
mesmas palavras, pernambucanos. O espaço da favela
transformou-se em área de conflito entre antigos moradores -
alguns tinham vindo dos cortiços da própria capital e outros de
áreas rurais de São Paulo ou dos estados vizinhos - e os
"nortistas", sempre acompanhados de suas peixeiras.29

Começa as umilhações

Logo na sua chegada

Trazendo em seus sacos brancos

Sua mubilha amarrada

E o povo ria bastante


Vendo o velhinho gigante

Conduzindo a sacaiada.

E aquilo pra zé rodrigue

Era uma lamina afiada

Qui transpassavale o peito

Qual uma assacina espada

E dos olhos lágrima rolava

Vendo que o povo umilhava

Sua familha adorada.30

Em São Paulo, as primeiras favelas "formaram-se nos terrenos


públicos localizados em áreas bem próximas ao centro, onde
famílias recém-chegadas a São Paulo ou que tivessem sido
despejadas constroem casas precárias".31 Nas duas próximas
décadas o crescimento foi relativamente pequeno. Já em 1972
era pouco mais de 70 mil o número de favelados. Três anos
depois, tinha saltado para quase 120 mil; em 1979, já eram 270
mil; e no ano seguinte foram registrados 358 mil moradores em
favelas. Estimava-se que havia mais de 50 mil barracos nas
favelas, e as áreas mais críticas estavam localizadas na Zona
Norte

(Freguesia do Ó e Vila Maria) e na Zona Leste (São Miguel


Paulista, Itaquera e Guaianazes).

Embora o crescimento possa não ter sido tão acentuado -


sendo, provavelmente, o resultado de um maior conhecimento
pelo poder municipal do número de favelas e dos favelados do
que um aumento real -, representou um acréscimo da
população que não conseguia mais ter acesso à casa própria,
aos loteamentos e à autoconstrução, devido ao alto custo do
terreno e dos materiais de construção. Contudo, no Rio de
Janeiro,

o fenômeno era muito mais alarmante. Em 1950 os favelados


representavam 8,5% da população da então capital federal, dez
anos depois saltou para 16% e em 1970 tinha quase dobrado,
chegando a 32%, quase

um milhão de habitantes.32

Se em São Paulo as favelas se localizavam em áreas próximas


aos rios, córregos e eixos rodoviários, no ABC, como em São
Bernardo do Campo, acabaram se instalando também em
terrenos vizinhos às indústrias, até porque o crescimento
populacional da região foi mais intenso que na capital paulista,
com o consequente encarecimento do preço da terra, em
grande parte devido à ausência de um planejamento urbano por
parte do poder público. Em 1978, foi estimado para cada grande
cidade do ABC um déficit habitacional de dez a 15 mil casas.
Em São Caetano não havia favelas, contudo milhares viviam em
cortiços. Já

São Bernardo do Campo e Diadema tinham, cada uma, 30 mil


favelados, e em Santo André o número estimado era de 13
mil.33

Nas favelas paulistanas, parte dos moradores não era apenas


de excluídos, mas trabalhadores empregados com vínculos
formais de emprego, e que não conseguiam ter a própria
moradia, segundo a forma tradicional.

Outra distinção: grande parte dos favelados não era migrante,


recém-chegados, mas pessoas nascidas em São Paulo. O
processo de degradação da moradia dos trabalhadores
estendeu-se ao ABC, onde o crescimento demográfico foi
intenso: "Descontados os que ficam vivendo em favelas, e
sabe-se que, em muitos casos, esse é um período transitório,
eles têm que ir mais longe, obedecendo à lei dos pobres que os
manda

para os lugares onde houver uma esperança a mais de trabalho


e moradia mais barata. Vão, portanto, para os bairros da
periferia à procura de lugares próximos das possibilidades de
trabalho que, no mais

das vezes, se encontram nos municípios industriais vizinhos. E


isso significa que se a presença italiana tendia a compactar-se
perto do centro da pequena São Paulo da época, a presença
nordestina se diluía

na amplitude da Grande São Paulo."34

Para os que conseguiam inserção no mercado de trabalho - no


caso das mulheres, como empregadas domésticas - a estadia
na favela era passageira, como para a baiana Candelária de
Jesus: "O barraco onde moro é mais acochado do que a
saudade que a seca esturricou. Caso descubram que a gente é
favelada, dispensam e, com a vergonha que passamos,
entramos na fossa da desesperança, e nesse estado não se
consegue

mais melhorar. Mora-se aqui, mas logo que as coisas


melhorarem, compra-se um terreno nos subúrbios e a gente vai
pra lá, para a casa que foi feita aos sábados e domingos, com
muito sacrifício." Terminou a entrevista esperançosa: "Não vejo
o dia de poder deixar isto, só a necessidade que empurrou esta
devota do Senhor do Bonfim para este barraco."35

Muitos seguiram o caminho de Candelária, só que em


loteamentos cada vez mais distantes do centro da cidade e,
inclusive, nas cidades da região metropolitana, como Jandira,
Poá, Itapevi, entre outras, onde o preço dos terrenos permitia
comprar lotes e edificar a casa pela autoconstrução, com a
participação, nos fins de semana, de familiares e amigos. Essa
forma chegou a representar quase 90% das construções na
periferia: "Tornou-se um expediente de sobrevivência dos
trabalhadores e sua principal alternativa de moradia a partir de
1940, quando o governo federal passou a construir e financiar
habitações populares

por meio dos Institutos de Aposentadoria e Pensões e a


controlar os aluguéis, com as leis do inquilinato, afastando o
setor privado da produção de moradias para a baixa renda,
embora este tenha continuado

a criar loteamentos, em grande parte clandestinos ou


irregulares." Dessa forma, "entre 1940 e 1970, cerca de um
milhão de famílias tornaram-se proprietárias de uma casa em
São Paulo".36

As novas construções, muitas edificadas em loteamentos


clandestinos, acabavam pressionando o poder público devido à
necessidade de transporte, escolas, postos de saúde,
iluminação, calçamento. O atendimento dessas demandas
acabava gerando grandes lucros para os especuladores, pois
entre os loteamentos e os locais de trabalho havia inúmeros
terrenos vagos aguardando valorização. Essa estratégia foi
utilizada pelos incorporadores imobiliários em São Paulo e na
região metropolitana.

Em 1973, chegaram a São Paulo quase 90 mil migrantes, no ano


seguinte esse número caiu para 65 mil, em 1975 para quase 60
mil, e dois anos depois não passaram de 47 mil: a tendência
declinante permaneceu até o fim do decênio.37 E muitos dos
que vieram acabaram voltando. Gérson Pereira da Silva, 35
anos, deixou sua roça de feijão e arroz e rumou com a mulher e
a filha em busca da terra onde "as pessoas ficam ricas".
Trabalhou na construção civil como servente de pedreiro.
Contudo, desistiu e regressou para o sertão. Pedro Marcelino
da Silva também voltou - com a mulher e oito filhos -, pois não
conseguiu realizar seu sonho de "ganhar mais dinheiro,
comprar uma terrinha, construir uma casa e viver melhor".
Triste, disse ter ido porque "um compadre enricou aqui
trabalhando nas obras da Rodovia dos Imigrantes".

Dona Estelita Mara da Silveira, 44 anos, oito filhos, retornou


para Olinda, em Pernambuco, sem o marido. Como outros
tantos casos ocorridos durante a grande migração, dona
Estelita chegou com o marido

e os filhos a São Paulo. Venderam a casa em Olinda. (Disse do


marido: "Ele endoidou, queria vir para São Paulo de qualquer
jeito.") O dinheiro mal deu para pagar as passagens. Foram
morar na Zona Sul,

no Jardim Míriam, numa casa de quarto, sala, cozinha e


banheiro, isso para dez pessoas. Logo o marido acabou
abandonando a mulher e os filhos: tinha encontrado outra
mulher. Não restou outro caminho para dona Estelita a não ser
voltar com os oito filhos para Pernambuco: "Lá em Olinda
enganam a gente. Para o povo de lá, São Paulo é o céu. Mas é
tudo uma ilusão. Quando eu chegar, não vou mentir. Vou dizer

que São Paulo não presta." Maria Helena da Silva, de 37 anos e


seis filhos, também foi abandonada pelo marido e voltou para
Recife, buscando abrigo no barraco da mãe, na favela da Boa
Viagem. Chegou de

surpresa, mas foi bem recebida pela mãe: "Minha filha, aqui o
povo tem compaixão pelo seu sofrimento."

Já Rosângela Almeida, de 25 anos, estava voltando para o


Ceará depois de ter passado dois anos em São Paulo, boa parte
do tempo, desempregada. E pior: acabou engravidando e o
namorado desapareceu. Teve
de regressar sem dinheiro, com uma filha de quatro meses e
sem saber o que dizer para os pais. Claudete, pernambucana,
voltava com dois filhos e esperando mais um. O marido estava
desempregado e permaneceu em São Paulo. O casal começou
a brigar. Não aguentava de saudade de Recife.

Perguntada se Severino, seu marido, ficaria só, respondeu: "Ele


que se vire."38

Mas se Gérson, Pedro, Rosângela, Estelita e Maria Helena


estavam regressando, Raimundo Nonato Lima estava fazendo o
caminho inverso. Ele era proprietário de um sítio e fora para
São Paulo com a mulher e os oito filhos, todos menores de
idade, porque um primo, que vivia na capital desde 1965, tinha
prosperado. Lá, disse, "tudo é melhor e se ganha muito
dinheiro". Foi morar com o primo e trabalhar nas

obras do metrô. Desavenças familiares obrigaram que se


mudasse para a Zona Leste. Dispensado do emprego "por estar
sempre nervoso", não teve mais condições de pagar o aluguel
e foi despejado. Sem ter trabalho e para onde ir, restou morar
embaixo do viaduto da Vila Maria. Depois se instalou com a
família na favela Marconi, à margem da via Dutra. Três dos seus
filhos foram detidos furtando numa feira livre. O

sonho de ganhar muito dinheiro logo se esvaiu: é "o fim da


minha família, meus filhos virando bandidos. Hoje eu sou
chamado de mendigo".39

Dos chegados em 1973, 25% voltaram para suas terras no


mesmo ano. Quase todos eram analfabetos e sem qualificação
profissional. Obrigados a aceitar qualquer emprego -
geralmente na construção civil -,

o salário baixo mal dava para a subsistência pessoal, quanto


mais da família.
Pedro Augusto da Silva, 30 anos, levou 23 dias para chegar a
São Paulo, saindo de Pernambuco, pedindo carona durante
todo o

trajeto: "Falavam que aqui trabalho era mato, que o povo era
muito bom, que todo mundo era rico, mas qual o quê. Corri
construções e não consegui serviço, porque não tinha
documento nenhum e não achei

jeito de tirar."40

No documentário Caso Norte, do cineasta João Batista de


Andrade, há um depoimento de um migrante que não
conseguiu trazer a família: "'Bem, eu vim pra cá porque lá não
dava pra viver e trabalhar sustentando a família. Então eu vim
pra cá. Aqui eu trabalho e dá.' E eu lhe perguntei: 'Você manda
dinheiro pra família?' E ele: 'Eu mando dinheiro pra família lá.'
Continuei:

'Você vai trazer a família pra cá?'

E ele respondeu: 'Trazer a família pra cá não dá porque com o


que eu ganho aqui em São Paulo não daria. Agora, com a
família lá e eu morando aqui, e eu pagando o meu aluguel só, o
meu quarto pra dormir,

sobra dinheiro e eu mando pra lá'. Mas você pensa em voltar? E


ele explicou:

'Eu penso em voltar. Já voltei uma vez, inclusive. Voltei,


trabalhei lá, mas o dinheiro que eu ganho lá não dá para
sustentar

a família. Então, eu vim embora pra cá. E não podia trazer a


família porque eu já sabia que em São Paulo eu não iria ganhar
o suficiente para sustentar a família.'"41
Muito diferente do quadro de trinta anos antes, imortalizado na
toada "Meu Pajeú", de Luiz Gonzaga e Raimundo Granjeiro, de
1957: São Paulo tem muito ouro

corre pratas pelo chão

o dinhêro corre tanto

qui eu num posso pegá, não

Ai, hum! hum!...

Ai, meu Deus!

Ou como relatou um jovem sergipano chegado a São Paulo em


1946: "Veio só, e por conta própria. Quando chegou tinha só
uns doze cruzeiros no bolso.

Conseguiu emprego no dia seguinte ao da chegada numa

construção, em São Paulo. Dali passou a outro emprego, numa


fábrica. Entrou numa escola noturna para aprender a ler. Tirou
carta de chofer e conseguiu passar a chofer da companhia,
com ordenado melhor."

Isso tudo em pouco mais de um ano.42 No sertão, a


representação da capital paulista era de uma terra rica: "Os que
voltavam traziam novas histórias.

Contavam as aventuras de uma cidade com mais de trinta


léguas de ruas. Onde, durante o dia, um ajudante de pedreiro se
besuntava na massa e na cal preparando o reboco para os
edifícios em construção e, à noite, se lavava todo, se perfumava
e se vestia igual

a um doutor - para tanto o dinheiro dava."43


Uma pesquisa realizada com migrantes na Hospedaria
Visconde de Parnaíba, na capital paulista, entre 1972-1973,
identificou que a maioria deles já tinha ido uma vez para São
Paulo, mais de 70% eram provenientes do norte de Minas
Gerais (Monte Azul, Januária, Montes Claros), Bahia e
Pernambuco, dois terços tinham entre 18 e 35 anos, 70% eram
analfabetos e 72% pretendiam ficar em São Paulo.44 Da mesma
forma como foi construída uma São Paulo que não mais existia
- uma terra de oportunidades sem fim -, o fracasso da migração
transformava o local da partida em algo que também não era.
Um ajudante de pedreiro, baiano,

resolveu voltar para Vitória da Conquista: "Lá meu pai planta


milho e feijão.

Aqui a gente come carne uma, duas vezes por semana. Lá


comia melhor. Comia porco, comia galinha. Não tem vantagem
nenhuma aqui

em São Paulo."

José Barbosa da Silva, de 38 anos, pernambucano de Belo


Jardim, também resolveu regressar. Tinha quarenta alqueires
de terra. Voltou para cultivá-los:

"Terra boa de plantar, é só querer o homem fica rico, dá de


tudo, lá a pessoa mais manda do que é mandado, lá é só
querer." José Francisco do Nascimento foi da Paraíba para
Brumado, na Bahia. Lá trabalhou como operador de máquina de
beneficiar algodão. Mas,

como contou, "deu o destino de andar a três anos". Foi para


São Paulo e depois para o Paraná. Não gostou de lá: "Fazia
muito frio e eu voltei para cá."

Desempregado, voltou para Brumado para continuar


trabalhando nas máquinas de beneficiar algodão.

A combinação da nova realidade econômica com as incertezas


e dilemas na grande cidade e a saudade da terra natal foram
registrados na música. Aqui num mote em decassílabo:

O operário do Norte

Na capital bandeirante

É sujeito ao assaltante

Que usa arma sem porte

Se reage encontra a morte

É promovido a finado

É mais um pai sepultado

E mais fome invadindo lá

São Paulo eu quero voltar

Pra o lugar que fui criado

São Paulo dê-me o prazer

Deixe eu ir pra minha terra

Que eu quero ver minha serra

E olhar meu rio correr

Estou doido pra comer

Feijão novo do roçado

Milho verde e bem assado


Até a barriga inchar

São Paulo deixe eu voltar

Pra o lugar que fui criado.45

Os obstáculos colocados no caminho dos migrantes pelo


mercado de trabalho impediram que pudessem permanecer na
metrópole. Como disse um deles: "Já não fui embora porque
não deu pra arrumar nada. Eu acho muito feio a gente vim
praqui e chegar lá pior do que saiu. Quer dizer, fazendo isso,
até dando o que falar de mim: 'Olha, ele saiu daqui dizendo que
era ruim, voltou a mesma coisa ou pior.' Então vou

fazer um capricho pra ver se arrumo alguma coisa. Pra quando


chegar lá dizer:

'Bem, ele foi, mas também não chegou aqui muito feio.'"46

Vários dos retornados acabavam trabalhando pelo caminho,


passando meses em alguma cidade ou fazenda, até como meio
de obter recursos para continuar a viagem de retorno - como
milhares fizeram no sentido inverso nos decênios dos 1940,
1950 e 1960. As secretarias de Promoção Social chamavam
esse migrante de clientela de passagem. Dada a extensão
territorial e cortada por estradas de rodagem e ferrovias, era no
estado da Bahia que boa parte dos retornados pernambucanos,
paraibanos, cearenses ou alagoanos acabava permanecendo,
especialmente quando podia obter algum trabalho em
Salvador.47

Um morador do sertão

Que vive traumatizado

Se lastima todo o dia


Do serviço tão pesado

Dizendo vou para São Paulo

E termina sendo enganado.

Eu mesmo vim para São Paulo

Confiando na ilusão

Mas quando eu cheguei lá

Que vi a situação

Resolvi escrever versos

E mandar pro meu sertão.

Avisar para os meus irmãos

Que a vida lá é difícil

Pra quem não tem profissão

São Paulo é um precipício

O povo parece loucos

Correndo dentro de um hospício.48

Corrupção, violência, tráfico de influência, descaso


governamental. O migrante já não era uma força de trabalho
essencial para o desenvolvimento econômico de São Paulo.
Pelo contrário, foi sendo reforçado

ainda mais o discurso de que era a razão principal dos males


sociais, da violência, do banditismo, do inchamento urbano. O
melhor era que o migrante retornasse de onde partiu. E para
isso o Estado vai

organizar uma ação continuada, sistemática, de expulsão dos


indesejáveis rotulada de "amparo e integração social".

A literatura acompanhou esse processo. O quinze, de Rachel de


Queiroz, publicado em 1930, apresentava uma visão positiva e
otimista da migração, frente a uma realidade nordestina
impermeável às mudanças.

Chico Bento, um dos personagens do livro, depois da seca


migrava para São Paulo, pois "lá é muito bom. Trabalho por
toda parte, clima sadio. Podem até enriquecer". Como diz: "Eu
já tenho ouvido contar muita coisa boa de São Paulo. Terra de
dinheiro, de café, cheia de marinheiro."

No que foi apoiado por Conceição: "Pois então está dito: São
Paulo! Vou tratar de obter as passagens. Quero ver se daqui

a alguns anos voltam ricos.49

Em Vidas secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938,


Sinhá Vitória e Fabiano também não veem outro caminho para
romper o ciclo da miséria a não ser a migração para o sul:
"Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida.
Fabiano estava contente e acreditava nesta terra, porque não
sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as
palavras de Sinhá Vitória, as palavras que Sinhá Vitória
murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul,
metidos naquele sonho.

Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em


escola, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois
velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis,
acabando-se como a Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se,
temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada,
ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente
para lá." Contudo, "não voltariam nunca mais, resistiriam à
saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram bois
para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito
longe, adotariam costumes diferentes".50

Da mesma forma, a família de Seara vermelha, de Jorge Amado,


publicado em 1946, também migrou para o sul: "E através da
caatinga, cortando-a por todos os lados, viaja uma inumerável
multidão de camponeses.

São homens jogados fora da terra pelo latifúndio e pela seca,


expulsos de suas casas, sem trabalho nas fazendas, que
descem em busca de São Paulo, Eldorado daquelas
imaginações."51 Era impossível romper o círculo da miséria
permanecendo no Nordeste, mesmo migrando para uma de
suas capitais. Recorde-se o romance Os corumbas, de Amando
Fontes, publicado em 1933, que apresenta uma família que saiu
do interior de Sergipe para Aracaju. A cidade levou à
desestruturação familiar com a morte de uma filha, a
prostituição de outras três e a migração forçada do único filho
homem para o sul: "Há seis anos tinham vindo

tão cheios de esperança..."52

No mesmo ano da publicação de Seara vermelha saiu o volume


de contos Sagarana, de Guimarães Rosa. Um deles, "O duelo",
tem a migração para São Paulo como parte do cenário. Turíbio
Todo, depois de assassinar o irmão de Cassiano Gomes, fugiu
de onde vivia e encontrou um grupo de baianos que estava
migrando para São Paulo: "Iam para o sul, para as lavouras de
café. Baianos são-pauleiros. E um deles: 'Eh, mano veélho!
Baâmo pro São Paulo, tchente!... Ganha munto denheeêro...
Tchente! Lá tchove denhêro no tchão!...' Sentiu saudades da
mulher. Mas era só por uns tempos. Mandava buscá-la, depois.
Foi também."

Tempos depois, retornou. Era um homem da cidade grande.


Voltou para levar a mulher para São Paulo: "Saltou do trem
também com uma piteira, um relógio de pulseira, boas roupas e
uma nova concepção de universo."

Ao encontrar um capiau (o personagem Timpim) diz: "Por que é


que uns como você não vão também trabalhar lá? Podiam
ganhar dinheiro, aprender a viver.

Isto, por aqui, não é vida, é uma miséria-magra de

fazer dó!... Se você quiser ir, eu explico tudo direito, te ajudo


com dinheiro, até." Timpim não aceitou ir para São Paulo, assim
como o cigarro oferecido por Turíbio: "Eu pito é destes nossos,
dos de

palha." A negação dos valores chega até ao descumprimento


da promessa feita ao moribundo Cassiano, pouco antes da sua
morte, de que perseguiria e mataria o assassino do seu
irmão.53

O retrato mais sensível desta migração regional e sem


mudanças está no belo poema de João Cabral de Melo Neto "O
rio ou relação que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do
Recife", publicado em 1953: Tudo o que encontrei

na minha longa descida,

montanhas, povoados,

caieiras, viveiros, olarias,

mesmo esses pés de cana


que de tão iguais me pareciam,

tudo levava um nome

com que poder ser conhecido.

A não ser esta gente

que pelos mangues habita:

eles são gente apenas

sem nenhum nome que os distinga;

que os distinga da morte

que aqui é anônima e seguida.

São como ondas de mar,

uma só onda, e sucessiva.

A não ser esta cidade

que vim encontrar sob o Recife:

sua metade podre

que com lama se edifica.

É cidade sem nome

sob capital tão conhecida.

Se é também capital

será uma capital mendiga.

É cidade sem ruas


e sem casas que se diga.

De outra qualquer cidade

possui apenas polícia.

Desta capital podre

só as estatísticas dão notícia,

ao medir sua morte,

pois não há o que medir em sua vida.

Conheço toda a gente

que deságua nestes alagados.

Não estão no nível de cais,

vivem no nível da lama e do pântano.

Gente de olho perdido

olhando-me sempre passar

como se eu fosse trem

ou carro de viajar.

É gente que assim me olha

desde o sertão do Jacarará;

gente que sempre me olha

como se, de tanto me olhar,

eu pudesse o milagre
de, num dia ainda por chegar,

levar todos comigo,

retirantes para o mar.

A um rio sempre espera

um mais vasto e ancho mar.

Para a gente que desce

é que nem sempre existe esse mar,

pois eles não encontram

na cidade que imaginavam no mar

senão outro deserto

de pântanos perto do mar.54

Em meados dos anos 1980, Essa terra, de Antonio Torres,


retratou o momento dos retornados que fracassaram em São
Paulo, numa conjuntura marcada pela crise econômica durante
a presidência de João Figueiredo.

Nélio, principal personagem do livro, voltou para o Junco, no


sertão baiano, sua cidade, sem dinheiro e sozinho, pois foi
abandonado pela mulher. O que levou do sul foram os óculos
escuros e o rádio de

pilha. Fracassado - e sem poder contar à família que não


"enricou" -, não encontrou outro caminho a não ser se enforcar.
Quem voltava dizia que em São Paulo "qualquer um podia ser
pedreiro e doutor ao mesmo tempo, pois, no fim do dia,
tomava-se um banho, vestia-se roupa nova, e ninguém sabia da
vida de ninguém". E o personagem principal do livro, Nélio,
"um dia pegou um caminhão e sumiu no mundo para

se transformar, como por encantamento, num homem belo e


rico, com seus dentes de ouro, seu terno folgado e quente de
casimira, seus ray-bans, seu rádio de pilha - faladorzinho como
um corno - e um relógio que brilha mais do que a luz do dia".55

Mas o mais emblemático romance desse período e que tem no


migrante - no caso, uma migrante - sua principal personagem é
A hora da estrela, de Clarice Lispector, publicado em 1977.
Macabéa não consegue

em momento algum entender a dinâmica da vida urbana


carioca, de uma

"cidade toda feita contra ela". As relações de trabalho, sociais


ou afetivas são incompreensíveis para a nordestina. Quando
imagina que encontrou a felicidade, morre atropelada. E por um
automóvel Mercedes, carro de luxo e estrangeiro, como
simbolizasse a presença do capital estrangeiro e a necessidade
do aperfeiçoamento da força de trabalho

imposta pelo grande capital. Já Olímpico, também nordestino, e


seu namorado, logo a abandona para ficar com Glória, "carioca
da gema", representando a necessidade de se adequar a uma
nova vida, com novos

hábitos, palavras e valores. Olímpico é sertanejo e migrante


como Macabéa, mas, em consonância com o significado do seu
nome, deslocou-se para o sul do país com a finalidade de
conquistá-lo. O fato de

ser operário metalúrgico muito o envaidece, embora ostente


com orgulho a ética sertaneja da coragem e da bravura
pessoais. Casando-se com Glória, realiza o seu sonho, e,
talvez, o de todo migrante nordestino, de ser outro, de se
transmutar em homem urbano, das metrópoles litorâneas e
afluentes do país.

A perspectiva do romance sobre a representação do sertão é


apocalíptica. Os destinos de Macabéa e de Olímpico, embora
radicalmente diversos, exprimem um mesmo significado, a
destruição do mundo das origens dos migrantes, o sertão.
Macabéa, a sertaneja, é atropelada e morta por um ícone da
sociedade industrial; Olímpico sepulta o seu passado
sertanejo, incorporando-se à sociedade litorânea.56

CAPÍTULO 6

NÃO SOU DE ENCOSTÁ CORPO, NÃO

A relativa estabilização na migração nordestina não


representou a interrupção no fluxo de novos trabalhadores. O
"trem baiano" continuava chegando à estação Roosevelt de
São Paulo. Agora, somente duas

vezes por semana e não mais, como antes, superlotado. José


Casimiro, acompanhado da mulher e mais seis filhos - tinha
deixado outros dois em Pernambuco, vindo de Petrolina. Sem
ter familiares em São Paulo, acabou tendo de se abrigar
embaixo de um viaduto. Diz a esposa: "As pessoas passam e
dão comida, roupas para as crianças, sapatos." E conclui: "São
Paulo é uma cidade muito boa. Não falta nada para a gente.

Aqui, pelo menos, a gente come todo dia."1

Mas permaneciam os desencontros com a vida na metrópole.


Serafim Araruna, de Arapiraca, com algum dinheiro no bolso e
o endereço de parentes (que viviam no bairro de São Mateus), é
um bom exemplo. Dirigiu-se ao Brás. Atraído pelo novo, pela
diversidade das lojas, passeou, viu um parque de diversões e
ficou fascinado pelo tobogã, brinquedo muito popular naqueles
tempos. Logo chegou o anoitecer e teve de procurar
uma hospedaria. Acabou ficando num hotel utilizado pelas
prostitutas da região. Com uma delas caminhou pelas ruas do
bairro, após deixar sua mala no hotel. Como tantos outros, ao
voltar viu que fora roubado, e pior: com a mala se fora também
o endereço dos parentes de São Mateus.2

No Brás, depois das dez horas

Tem demais é cachaceiro,

Vagabundo pilherista,

Tem no largo o dia inteiro;

É de pouca confiança,

Se andar no Brás com dinheiro.

Ali roubam bicicleta,

Rádio novo de primeira.

Carro, caneta, relógio,

De pulso e de algibeira.

Em qualquer bar da Concórdia,

Tem batedor de carteira.3

Outro cantador retratou este momento: Ali o ponto é do Norte,

É um centro interessante,

Transporte para o Nordeste,

Toda hora a todo instante.


Mas também tem outro tanto,

De velhaco de assaltante. (...)

Pois qualquer mulher daquela

Pega o pobre do sertão.

Ilude o rapaz e leva,

No hotel, para o "Cantão".

Lá o pobre deixa tudo,

Pra ela e o ladrão.

Um moço do interior

Para o Norte viajando,

Demorou-se na Concórdia.

Pelo horário esperando,

Tudo que tinha roubaram,

Voltou pra roça chorando.4

Quando desembarcavam na antiga estação rodoviária Júlio


Prestes - os que tinham viajado em ônibus regulares - também
eram assaltados. Assim registrou este momento o cordelista:

No ano sessenta e nove

Cheguei na terra bandeirante

Na capital de São Paulo

Esta cidade gigante


Estranhando tudo e todos

Pois eu era um imigrante.

Na estação rodoviária

No meio de tanta confusão

Era gente pra todo lado

Com aquele barulhão

Mexeram no meu bolso

Uai gente! Era um ladrão.5

Ao longo das décadas, a origem dos migrantes foi se


diversificando. Até o final dos anos 1950, a Bahia ainda liderava
entre os estados fornecedores de mão de obra. Já nos anos
1960 foi suplantada por

Minas Gerais - apesar de o Nordeste continuar a ser a região


com o maior número de migrantes. Mas na metade dos anos
1970 o Paraná assumiu a dianteira.6 É provável que parte dos
migrantes do Paraná tivessem nascido no Nordeste ou em
Minas Gerais, permanecido alguns anos no estado e depois
tenham se dirigido a São Paulo. Nos anos 1970, o Paraná
deixou de ser uma terra de oportunidades. A possibilidade de o

migrante se transformar em proprietário de terra era remota. O


alto preço da terra empurrava os lavradores que almejam ter
uma pequena propriedade para novas áreas de fronteira: Mato
Grosso do Sul, Mato

Grosso, Goiás e até para Rondônia. E os que não tinham como


se transformar em proprietários, restava migrar para São Paulo
em busca de trabalho.
No Nordeste intensificou-se a migração intrarregional com o
crescimento populacional das capitais e cidades de médio
porte, processo que já vinha se desenvolvendo deste a metade
do século XX. A população de Fortaleza tinha saltado de 180
mil, em 1940, para 270 mil dez anos depois, chegando a 514 mil
em 1960. Já Recife, entre 1950-1970, teve sua população
aumentada em duas vezes e meia.7 A região metropolitana de
Salvador acabou sendo favorecida pelo desenvolvimento do
polo industrial de Aratu e do polo petroquímico de Camaçari, o
que levou a uma expansão do setor terciário e a um sensível
crescimento da população.

No caso da capital baiana, deve ser lembrado que a cidade vivia


um processo de estagnação econômica desde o início do
século XX. O crescimento médio anual da população entre
1872-1890 foi de 1,6%, no

decênio seguinte manteve esse patamar, entre 1900-1920 caiu


para 1,5% e nos vinte anos seguintes foi de apenas 0,20%, ou
seja, aumento quase nulo: "Sabe-se que, desde fins do século
passado até as primeiras décadas deste século, Salvador foi
duramente afetada pela decadência secular das duas culturas
tradicionais de exportação (cana e fumo) sobre as quais estava
alicerçada a sua economia e de sua região circundante, o
Recôncavo Baiano."8 Foi graças ao investimento estatal na
prospecção de petróleo e na petroquímica que fez Salvador
saltar para um crescimento médio anual de 4% nos três
decênios seguintes.9

A migração nordestina também teve como destino a Amazônia


ou seguiu o rumo do Centro-Oeste, principalmente para a
capital federal e áreas adjacentes. A população do Distrito
Federal cresceu de 142 mil, em 1960, para 546 mil, dez anos
depois. As construções das grandes usinas hidroelétricas,
como Tucuruí e Sobradinho, nas regiões Norte e Nordeste, e de
Água Vermelha, Ilha Solteira e Itaipu, no Sudeste,
também atraíram os migrantes, tendo em vista que eram obras
que exigiam grande volume de mão de obra, assim como as
rodovias Cuiabá-Santarém e a Transamazônica.

Apesar desse fluxo de mão de obra para outras regiões, a


população rural do Nordeste continuou crescendo. Em 1960 era
de 14.665.380 habitantes, dez anos depois subiu para
16.358.950 e em 1980 alcançou

17.245.514, enquanto no Sudeste, no mesmo período, a


população rural decresceu de 12.821.206 para 10.888.897,
chegando em 1980 a 8.894.044

habitantes.10 No caso nordestino, a população rural, apesar do

aumento em números absolutos, decaiu percentualmente em


relação à população urbana. Se em 1940 76,6% viviam no
campo, dez anos depois esse número caiu para 73,6%, em 1960
para 65,8% e em 1970 chegou a 58,2%; e o número de naturais
ausentes teve um crescimento brutal, saltando de 707 mil, em
1940, para quase quatro milhões em 1970.11

Houve uma diminuição geral do número de migrantes no país.


Em 1970 o Censo identificou 30 milhões de migrantes, dez anos
depois o número caiu sensivelmente. Nem sempre as
autoridades paulistas identificavam a razão da queda da
migração: "Penso que podemos creditar esta inversão no fluxo
migratório interno em relação ao Nordeste ao amadurecimento
dos projetos do II e III Planos Nacionais de Desenvolvimento,
que conseguiram promover maior fixação dos nordestinos em
sua região."12

O então superintendente da Sudene, José Lins Albuquerque,


tinha uma visão otimista das modificações que acreditava estar
ocorrendo na região: "Se mantiver o ritmo de desenvolvimento
no Nordeste previsto até 1979, poderemos dizer que
praticamente desaparecerá o desemprego." Daí
"não ver com pessimismo o quadro de migrações no Nordeste,
porque o programa de desenvolvimento social, lançado pelo
governo, promoverá a fixação do nordestino, através da criação
de novos empregos".13

O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979)


estabeleceu objetivos exclusivos para a região Nordeste: onde
"mais de 20% da população vive em áreas rurais em condições
de extrema pobreza. Para essa população, deverá o governo
executar programas especiais dos quais resulte o aumento da
produtividade do trabalho, não só através de um esforço no
sentido de ministrar-lhes rudimentos de educação, como

também lhes propiciando acesso aos meios de produção, ao


crédito às garantias mínimas de comercialização livre dos
intermediários". Propunha alterar inclusive o regime de
propriedade da terra: "O aproveitamento de grandes extensões
de terras ociosas ou subutilizadas, a incorporação de grandes
parcelas da população ao processo produtivo, a redução das
migrações para as grandes cidades e o aumento da oferta de
matérias-primas e de produtos alimentares para atendimento da
demanda do setor urbano."14

Como não ocorreu um processo significativo de distribuição de


terras ou de auxílio efetivo aos pequenos proprietários, os
dados do Censo Demográfico de 1980 reforçaram o quadro
tradicional das migrações.

A alteração ocorreu na ampliação das áreas de destino dos


sertanejos. Em vez de o Sudeste ser o destino preferencial,
ampliaram-se os caminhos: para o Centro-Oeste, especialmente
o Distrito Federal, a

Amazônia e as capitais nordestinas. Natal saltou de 264 mil


habitantes, em 1970, para 416 mil; Fortaleza ultrapassou mais
de um milhão de habitantes, assim como Recife e Salvador.15
O intenso crescimento de São Paulo e do Rio de Janeiro caiu
sensivelmente entre 1970 e 1980. A antiga capital federal teve
como taxa média geométrica de crescimento neste período
1,82%, enquanto na capital paulista o número foi bem superior,
mas inferior em relação às décadas anteriores: 3,67%. Na
região do ABC, o crescimento mais significativo ficou restrito a
São Bernardo do Campo (7,77%), enquanto em Santo André a
taxa foi de 2,82% e em São Caetano do Sul houve uma
estabilização (0,82%). No caso da região metropolitana de São
Paulo, os números deixam claro que entre os censos de 1940 e
1980 a participação dos migrantes no aumento populacional da
região caiu de 73% para 50%.16

Destacou Milton Santos que a "metrópole paulistana é, no


mundo, juntamente com Tóquio e Los Angeles, a aglomeração
urbana com o maior número de trabalhadores na indústria". Na
região metropolitana, em 1980, havia quase 2,5 milhões de
trabalhadores empregados no setor secundário, cerca de 400
mil a menos que no setor terciário.17

Especificamente em São Paulo, a desaceleração do


crescimento demográfico foi mais acentuada do que em outros
núcleos urbanos. Entre as cidades da região metropolitana, a
capital foi a que menos cresceu no período de 1970 a 1980:
entre os 571 municípios do estado, acabou ficando em 103º
lugar.18 Já as capitais nordestinas cresceram entre 4 e 5%,
enquanto que nas cidades-polos industriais os números foram
superiores, como Camaçari, na Bahia, que teve uma taxa de
10,32%.19

Apesar de a migração ter diminuído desde o início dos anos


1970, o preconceito para com o nordestino permaneceu. As
manifestações contra os nordestinos, ora chamados de
nortistas, ora chamados de baianos, não eram novidade em
São Paulo. Durante a guerra contra Canudos (1896-1897),
depois da derrota da terceira expedição, comandada pelo
coronel Moreira César, ocorreu uma temporada de "caça às
bruxas" em todo o Brasil, com perseguições, prisões e
assassinatos de supostos apoiadores de Antonio Conselheiro.
Em São Paulo ampliou-se a repressão: não só foram presos
conselheiristas e monarquistas, como se dizia à época, mas
também "baianos": "Quase todos os sertanejos baianos que
trabalhavam nas fazendas do coronel Gentil em São Carlos do
Pinhal, se acham listados nas forças de Antonio Conselheiro."
Isso sem apresentar qualquer prova, só por serem "baianos". E
pior: no dia seguinte foi noticiado que "estes indivíduos foram
encontrados armados, não provaram à autoridade ter profissão
alguma e são na sua maior

parte baianos".20

O preconceito acompanhou a presença ostensiva de


nordestinos na metrópole paulistana. Isso se consolidou na
década de 1950, pois até aquele momento havia o predomínio
da migração mineira, tanto que, em

1940, representavam 350 mil, mais do que o dobro dos baianos


e dez vezes mais do que os pernambucanos. Somando todos
os migrantes nordestinos, mesmo assim a migração mineira
ainda era sensivelmente superior.

Em 1950, o predomínio mineiro permaneceu, com 513 mil


pessoas; mas o número de nordestinos ficou bem próximo,
pois alguns estados da região tinham mais que dobrado o
número de migrantes, como Pernambuco e Alagoas.21

Um bom exemplo de preconceito foram as reportagens


publicadas em O

Estado de S. Paulo, posteriormente editadas em livro, de Júlio


de Mesquita Filho, proprietário do jornal. Filho viajou pelo
Nordeste e publicou suas observações num conjunto de
artigos. Identificou como primeiro problema para o atraso
agrícola nordestino a presença dos negros. Diz o jornalista: "A
porcentagem dos homens de cor (...), entra, em nossa opinião,
como fator preponderante na explicação do atraso em que se
encontra ali a agricultura." Mais adiante, apontou a preguiça e a
malevolência do trabalhador baiano: "Falta-lhes a constância, a
perseverança, a obstinação e o desejo de vencer na vida, que
distinguem as raças ocidentais que colonizaram as zonas
meridionais do país. O homem baiano adapta-se perfeitamente
às atividades pecuárias, que exigem dele um esforço menos
continuado e lhe proporcionam, ao mesmo tempo, maior soma
de lazeres." Já o sertanejo pernambucano continuava um ser
primitivo, de acordo com Mesquita: "A sua mentalidade média
não evoluiu nos últimos cinquenta anos. O choque verificado
no encontro das três raças básicas de que descende, reduziu-o
a um estado de primitivismo."22

A surpreendente eleição da paraibana Luiza Erundina à


prefeitura de São Paulo, no final de 1988, acabou reforçando o
preconceito, associado ao machismo. Comerciantes criaram
um movimento contra a migração:

"São Paulo não comporta mais nordestinos." Para outro, "esse


pessoal não trabalha no Nordeste e vem para cá em busca de
sossego". Um apoiador do movimento resumiu o pensamento
do grupo: "Os nordestinos deveriam sumir."

A associação da violência e da criminalidade com a migração


voltou à tona.

Disse um deles: "De cada dez marginais que existem em São


Paulo, nove são nordestinos." O vereador Bruno Feder
apresentou um projeto dificultando o acesso dos migrantes aos
serviços públicos (escolas, creches, empregos, habitação
popular). Grupos neonazistas chegaram a atacar a rádio Atual,
na Zona Norte da capital, com programação voltada para o
público nordestino. Um desses grupos propôs a criação de
campos de trabalho para os migrantes, que depois seriam
obrigados a voltar para o Nordeste.23 Sem espaço político,
estes movimentos acabaram desaparecendo.

A preguiça, a falta de iniciativa para o trabalho, a violência, o


"primitivismo atávico" seriam características atribuídas aos
nordestinos, símbolos de um suposto atraso cultural. A
associação entre desemprego e preguiça esteve presente até
na literatura de cordel: Na capital de São Paulo

Você se emprega ligeiro

Tendo os seus documentos

É o que pedem primeiro

A sua apresentação

É o norte brasileiro.

A facilidade é muita

Para quem quer trabalhar

Serviços de todo tipo

É só pedir, arranjar

Somente o preguiçoso

Diz que não pode encontrar.24

A predominância do discurso antinordestino perpassou as


classes sociais e atingiu inclusive os migrantes, que, no intuito
de uma rápida assimilação, assumiram para si as falas
conservadoras e desqualificadoras dos "baianos". Um
exemplo: migrante, pernambucano, auxiliar de escritório,
morador da Zona Leste, não gostava de ir a locais de diversão
frequentados pelos "cabeças-chatas": "Eu sou racista, o que eu
posso fazer. Tem a família do meu pai que é racista. Tem uma
negra que é casada com um irmão do meu pai. Ninguém fala
com ela na família." A entrevista foi realizada logo após a
eleição de Luiza Erundina: "Eu sou contra mulher pegar cargo
de prefeita, ainda mais em São Paulo, ainda mais por ser
nordestina. Acho que ela não vai ter capacidade para governar.

Sabe, eu não vou com a cara de nordestino. Baiano mesmo, eu


odeio."

Não se reconhecer como "baiano" ou filho de "baiano" era


considerado por alguns migrantes nordestinos um meio de se
integrar à modernidade, aos valores paulistas. Sem identidade
própria, restava-lhes dissolverem-se entre os paulistanos.
Antes da consolidação desse processo - e voltado mais para a
questão do folclore -, Florestan Fernandes ressaltou que a

"urbanização se faz à custa da desagregação

da 'cultura popular' e em condições que favorecem muito


pouco o influxo construtivo desta sobre a formação da
'civilização industrial e urbana'".25

A retenção de dois caminhões paus de arara no fim de 1988 em


Atibaia, próximo a São Paulo, chamou novamente a atenção
para a migração. O

primeiro fato foi justamente o transporte de sertanejos em


caminhões, isto quando tal prática já tinha sido substituída há
muito pelos ônibus. Outro foi a cidade de origem dos dois
caminhões: Presidente Jânio Quadros, isto justamente no
momento que o prefeito da capital,
já no fim do mandato, era Jânio Quadros. A cidade baiana, a
640 quilômetros de Salvador, estava passando por uma seca:
não chovia havia três anos. O prefeito resolveu transportar os
interessados a migrar

para São Paulo em dois caminhões, um deles de sua


propriedade. Já tinham realizado duas viagens sem encontrar
problemas. Mas quando estavam muito próximo de completar a
terceira viagem acabaram detidos.

Viajaram três dias, cinquenta pessoas em cada caminhão,


amontoadas embaixo do encerado, para evitar a fiscalização
rodoviária, isso no mês de dezembro, com temperaturas
superiores a trinta graus. Nos caminhões estavam crianças,
bebês, adultos, mulheres grávidas. Detidos, foram levados para
São Paulo em dois ônibus. Mesmo após tanta dificuldade,
chegaram animados à capital. Disse uma das passageiras,
Maria das Graças Jesus: "O nego [marido] já tem emprego de
pedreiro em uma construtora. Eu, se Deus quiser, vou trabalhar
de empregada em casa de família. Não sou de encostá corpo,
não. Aqui é tudo povo de luta."26

A detenção dos "últimos paus de arara" recolocou a questão da


migração no debate político. Para os adversários dos
nordestinos, a ascensão de Luiza Erundina à prefeitura poderia
estimular a migração para São Paulo, pois os nordestinos se
sentiriam protegidos pelo fato de terem uma conterrânea
governando a maior cidade da América do Sul. Novamente aos

"baianos" foram imputadas as mazelas do crescimento


desordenado da metrópole, como tinha ocorrido nas décadas
anteriores. O

aumento da prostituição no bairro do Brás foi relacionado à


chegada dos migrantes: "Paupérrimas, meninas e jovens são
lançadas à prostituição. A princípio, elas pensam apenas em
conseguir algum dinheiro para alimentar a família nos primeiros
dias de São Paulo. Mas depois, ao perceberem a dificuldade em
encontrar um emprego regular

e decente, e tentadas pelo ganho fácil da prostituição, elas


acabam se instalando num dos pequenos hotéis do 'gueto' em
que as ruas Paulo Afonso, Dr. Almeida Lima, Cavalheiro e
outras se transformaram."27

O preconceito também foi exposto, ainda que de forma bem-


humorada, na toada "Meu Pajeú", já citada anteriormente.

O qui é qu'eu vô faze...

paulista é gente boa

mas é de lasca o cano

eu nasci no Pajeú

e só me chamam de baiano.

A grande migração nordestina coincidiu com a representação


do ciclo do cangaço no cinema, na música e nas artes
plásticas. O cangaço floresceu no Nordeste durante a
República Velha, fruto da decadência

econômica e do fortalecimento do poder local advindo da


adoção do regime federalista, que transferiu parte da
autoridade do governo central para os governos estaduais. O
mais célebre cangaceiro foi Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, que acabou morrendo em 1938. Dois anos depois,
com a morte de Corisco - um dos líderes do grupo de Lampião
-, encerrou-se o cangaço como fenômeno social na região. A
decadência
do cangaço esteve relacionada com a maior presença do
Estado no sertão e, principalmente, com o fortalecimento do
poder central, especialmente após a implantação do Estado
Novo, em 1937: "Uma penetração mais eficiente da autoridade
governamental no sertão parece ter exercido uma influência
muito maior na eliminação do cangaço do que progressos
materiais ou migrações."28

Nos anos 1950, ocorreu um movimento duplo na mídia em


relação ao Nordeste.

De um lado, o pau de arara. De outro, a representação


simbólica da região por meio do cangaceiro no cinema e na
música popular.

No cinema, o filme Os cangaceiros, dirigido por Lima Barreto,


teve consagração nacional e internacional. Foi premiado na
categoria Melhor Filme de Aventura e recebeu menção especial
para música no Festival

de Cannes, na França, em 1953. Nas chanchadas dos anos 1950


e 1960, o nordestino sempre era representado de forma
caricata. Chamados de "cabeças-chatas", numa das comédias
um conjunto musical de origem nordestina não participava de
um show porque os telespectadores poderiam pensar que os
televisores estavam com defeito. Em outro, a piada de que os
nordestinos eram violentos: uma briga era chamada de

"baianicídio".29

Na música, o baião se transformou em grande sucesso graças,


principalmente, ao trabalho de Luiz Gonzaga. Tanto no cinema
como na música, acabou glorificada a figura do cangaceiro e da
violência sertaneja.

Gonzaga, em 1949, começou a se apresentar na rádio Nacional


do Rio de Janeiro com chapéu de couro ao estilo de Lampião.
Posteriormente incluiu todo o traje de couro, com direito a uma
cartucheira e um

revólver.30

Apesar do sucesso de Luiz Gonzaga, em São Paulo os


estereótipos permaneceram. O "nortista" era violento, não
respeitava as leis, tinha várias famílias, baixo nível cultural,
enfim, era o símbolo vivo do atraso, numa sociedade marcada
pelo progresso. Nas batidas policiais, os nordestinos,
especialmente os recém-chegados e que não tinham registro na
carteira profissional de nenhum vínculo empregatício, eram
alvos privilegiados da repressão.

Eu já ia na capital

Perdido na ilusão

Um dia meio acinzaiado

Mas era só poluição

Entrei num boteco de movimento

Para pedir informação

Lá recebi foi ordem de prisão

De uns cabra sem fardamento.

Apanhei que só jumento

Daqueles distintos rapazes

Amostrei a documentação

Aí que apanhei mais


Na frente da população

Agora eu pergunto aos companheiros

Esses são os policiais brasileiros

Dando cobertura à nação.

Fiquei dentro da escravidão

Lascado de aperreado

Cada dia mais borracha

Neste homem desprezado

Entrevista sem precisão

Tapa, chute, pancadaria

Essa foi a maior agonia

Que passei sem culpação.

Com muitos dias de prisão

Veio um meganha enrevolviado

Botou-me na frente

Para falar com o delegado

Na cadeia da cidade

Fui dizer o que não devia

Fui explicar o que não sabia

Para aquela autoridade.


Sentei na frente da autoridade

E começou a interrogação

Fui chamado do que não merecia

Naquela ocasião

Um cabra engravatado

Numa máquina de escrever

Mandando eu dizer

Quantos eu tinha matado.

A segurança de lado

O delegado das perguntações

Quantos roubos eu tinha feito

Em outras regiões

Eu continuava calado

Olhando para a autoridade

Faziam pergunta sem qualidade

Para esse homem desamparado.

Eu já estava lascado

Amurrinhado feito a peste

Olhei para a cara do cabra

E disse: Doutor, sou do Nordeste


Também sou cidadão, doutor

Estou velho acabado

Eu trabalhava no roçado

Doutor, eu era agricultor

Olhe aqui, doutor

Veja a minha situação

Pode vê a minha mala

Só tem uma camisa e calça não

Olhe aqui, minha documentaiada

Nunca matei, nunca roubei

Não sei por que tanto apanhei

E tou nesta vida arrombada.

Saí da prisão lascada

Todo abatido

Sem saber o que perguntar

Completamente desenganado

Comprei um jornal de leitura

Foi aquele rebuliço

Para arrumar serviço

Fora da agricultura.31
A incorporação dos novos valores de comportamento em outro
universo sociocultural foi um meio de o migrante que ascendeu
socialmente ser aceito nos espaços onde convivia e de se
sentir um "igual". Um industrial, que enriqueceu em São Paulo
e migrou do Piauí aos 16 anos, nos anos 1950, logo percebeu a
discriminação que pesava sobre os nordestinos assim que
perdeu a disputa por uma vaga de trabalho para outro jovem
que era nascido na capital. Na maturidade tornou-se um
industrial de sucesso e crítico do Nordeste e dos nordestinos:
"Aqui [em São Paulo] a nossa vida é de trabalho, enquanto lá
eles se dão

ao luxo de ficarem quatro ou cinco dias sem trabalhar. Por isso


eles estão pobres." Para ele, "somos nós, paulistas, que
pagamos uma verdadeira montanha de impostos destinada a
ajudar o Nordeste. A partir do momento que se corte essa ajuda
e que se responsabilize cada prefeito, a seca vai acabar.
Quando eles perceberem que os paulistas não vão mais
mandar recursos para eles, eles vão começar a gerar recursos".

E concluiu: "Hoje eu realmente sou um paulista."

Até na literatura de cordel encontram-se manifestações de


"paulistanidade", só que associadas à valorização positiva do
trabalhador nordestino:

São Paulo tem nordestino

muito mais do que no Norte

trabalham por essa terra

nosso nordestino forte

homens de pulsos de aço

que lutam até a morte.


O nortista é um guerreiro

de grande disposição

povo forte que merece

receber o galardão

desta cidade que acho

ser orgulho da nação.

Essa cidade é quem puxa

o trem de vinte e um vagões

porque de todos os estados

pra todas as regiões

vem gente trabalhar

em firmas e construções.32

Mas houve também aqueles que encontraram o preconceito e o


venceram pelo trabalho duro, persistente, sem sucumbir ao
discurso antinordestino. Eunice Pereira dos Santos foi uma
delas. Viúva, originária

de Garanhuns, Pernambuco, com nove filhos para criar. Da roça


foi trabalhar como doméstica, diarista, no bairro da Bela Vista.
Voltava a pé até o Brás, onde morava, para economizar na
condução: "Não vou

dizer que não sofri. Eu sofri muito mesmo. Muitas vezes não
tinha mais que um pouquinho de polenta para comer em casa.
Eu falava para os meus filhos comerem e eles me perguntavam:
'Mãe, a senhora não vai comer?' E eu tinha que mentir: 'Não,
filho, a mamãe já comeu.' E isso foi passando, até que Deus me
ajudou, eu comprei um fogão e fui montando minha casinha."

Para Eunice, "tendo o feijão e o arroz está tudo bem, não


preciso de mais nada.

Porque quanto mais dinheiro a gente tem, mais a gente quer.


Hoje, visto como eu cheguei aqui, eu posso dizer que sou
milionária.

Eu não tinha nem cama pra dormir nem roupa pra vestir. E
consegui comprar tudo, tijolo, telha, areia, bloco, fogão,
geladeira, cama. Na minha vila não tinha luz nem água. Hoje
tem. Meu terreno está todo

pago, tenho a escritura na mão e tudo". Encerrou a entrevista


dizendo: "Lá no Norte, se você não trabalhar na roça, não pode
fazer mais nada. Por isso eu nunca reclamo da vida, eu sempre
vou vivendo e

hoje eu até me considero muito rica diante do que eu tinha."33

Histórias de vitórias, como a de dona Eunice, que superou


obstáculos, rompeu barreiras, construiu um mundo pessoal
novo, não foram compreendidas por boa parte da pesquisa
acadêmica. Um bom exemplo é a

crítica da autoconstrução. Considera que a edificação como a


efetuada por ela e dezenas de milhares de migrantes acabou
gerando um modelo de "raízes claramente conservadoras e
pequeno-burguesas, tanto

no âmbito político mais geral, como no âmbito micropolítico, da


organização da vida privada. Essa passa a girar em torno da
família nuclear, consolidada, monogâmica e reprodutora dos
valores tradicionais,
concretizando um modo de vida individualista, pobre de
relações sociais e pouco receptivo aos processos coletivos de
organização e participação, fora aqueles absolutamente
necessários para viabilizar o

próprio projeto da casa própria".34

Maria Auxiliadora Guimarães veio de Pindaí, sertão baiano, para


São Paulo junto com a mãe e oito irmãos. Começou a trabalhar
na rua 25 de Março, principal centro atacadista da capital.
Depois de anos de trabalho como balconista, abriu seu próprio
negócio, uma pequena loja de calçados na mesma região.
Prosperou e transformou seu negócio num dos maiores do
setor. Já o potiguar Emetério Fernandes de Queiroz chegou a
São Paulo sem sequer estar alfabetizado. Trabalhou na
construção civil e frequentou um curso de alfabetização de
adultos. Fez supletivo e entrou na faculdade de química,
quando estava trabalhando

como propagandista de produtos farmacêuticos. Fez pós-


graduação na Universidade de São Paulo e recebeu o título de
doutor em ciências químicas.35

Nos anos 1970 consolidaram-se os espaços de sociabilidade


dos nordestinos.

Muitos eram informais, como o da Praça da Árvore, vizinho à


estação do metrô.

É provável que tudo tenha começado porque de lá

saía uma linha de ônibus clandestina para a Bahia. Habituados


a levar e receber parentes e amigos, acabaram, informalmente,
transformando a praça em local de encontro dos nordestinos.
Aos domingos se reuniam mais de duzentos nordestinos.
Tiravam fotos, recebiam cartas, escreviam outras contando
para seus parentes o cotidiano em São Paulo. Ouviam histórias
da cidade natal, ficavam sabendo das novidades e passavam o
domingo como se estivessem no sertão.36 Era no domingo que
o sertanejo retomava o controle do tempo, pois durante toda a
semana estava se dedicando ao trabalho:

Mas tem de pegar bem

No duro para comer

Se emprega de operário

Acorda ao amanhecer

E vai fazer horas extras

Até após o anoitecer.

Leva mais de quatro horas

Pra ir e vir do trabalho

Se diverte é dormindo

Ou então joga baralho

Pra ver se ganha algum

Trocado além do malho.37

Ter iniciado esses encontros num local de viagens é


absolutamente natural. O

momento da viagem para o Nordeste é cercado de preparativos.


Serve também para fortalecer os laços com outras famílias para
onde se dirige, levando notícias, dinheiro e presentes. O
encontro dos nordestinos se transforma em momento de
reafirmação da identidade dos migrantes. Como disse um
deles: "Vou esquecendo a Bahia pouco a pouco. Não demais,
mas vai saindo a metade da saudade." Outro preferiu usar um
artifício: "Eu estou em São Paulo pensando na Bahia, então eu
vejo os dois num só momento. São Paulo, eu estou lá presente;

e a Bahia eu uso no pensamento."

O encontro dos migrantes é também a busca de uma


sociabilidade inexistente na metrópole, que inclui as
dificuldades para fazer amizades num círculo que não seja o
familiar ou dos conterrâneos. Um baiano

definiu bem esse dilema: "Eu sinto que o mais grave para quem
vem praqui é a perda dos costumes, a perda dos costumes que
lá tinha. Aqui já não tem aquelas festas, aquele samba, que o
povo gosta lá; já não há aquelas missas que vão até o fim do
dia, onde a gente passa o dia inteiro e é o lugar onde você
encontra todo mundo da redondeza. Aqui é tudo apertado, tudo
para assistir o que os outros preparam.

O que me preocupa é isso: como é que a gente pode participar


das coisas?"38

Antonio Fagundes da Rocha, baiano de Botuquara, constatou


que as festas do sertão não eram as mesmas de São Paulo.
Quando assistiu a uma comemoração do Natal disse: "Me
parece que é uma festa de gente da cidade. Eu e minha família,
pelo menos, nunca tomamos conhecimento dele.

Ah, é hoje? Pois confesso que nem passava pelo meu


pensamento.

Vai ter foguetório?"39


O largo 13 de Maio, em Santo Amaro, Zona Sul da capital,
também se transformou em ponto de encontro dos nordestinos.
Antonio Pereira da Silva, cearense, era um frequentador
habitual do largo. Foi lá que conheceu sua esposa: "Aqui eu
recordo a minha terra. Ouço uma música com o sanfoneiro e
até posso comprar um pouco de jabá ou de carne de sol. Até a
autêntica pinga nordestina, no largo 13 vende." Como disse um
negociante do largo: "Aqui é o paraíso dos nordestinos. As
pessoas vêm para cá e sentem que estão em casa. Comem a
comida da terra e bebem o que estão acostumados."40

Meu senhor, minha senhora

Um largo foi escolhido

Como lugar de batismo

Do nordestino a migrar.

Passe o senhor, a senhora

No Largo Treze na hora

Que a garoa chegar...

É paulistana a praça

Onde o tempo se instala

Mas nordestina a graça

De sonhar, sonhar, sonhar.41

Outro espaço de encontro de nordestinos foi, desde os anos


1950, o bairro do Brás, próximo à estação Roosevelt. Casas
comerciais com produtos nordestinos dominam a paisagem
próxima. Nos bares, violeiros entoam desafios, nordestinos
contam suas histórias, procuram notícias de parentes e
relembram onde nasceram. Até a construção das estações Brás
e Bresser do metrô, na Zona Leste, cortiços ocupavam a região,
e eram habitados em sua maioria por nordestinos, "dividindo
quartos de até cinco metros quadrados com dois ou três
conterrâneos".42

Mas quando chegou o momento das desapropriações, os


nordestinos foram esquecidos: "Pois é", disse um baiano que
vivia há 21 anos em São Paulo,

"essas autoridades só homenagearam os italianos naquela


festa de início das obras do metrô, sábado passado. E nós
nordestinos, que estamos aqui também e que somos as
maiores vítimas?". Parte dos cortiços do bairro do Brás acabou
destruída pelas desapropriações, obrigando os moradores a
procurar outro lugar:

Quando eu voltar ao Nordeste

Levo comigo a delícia

Vou espalhar a notícia

Do sertão para o agreste

Na cidade eu fiz um teste

E esse teste em mim ufana

É o metrô paulistano.

Afirmo com realeza

Me encantei com a beleza

Da capital paulistana.43
No início da década de 1970, havia em São Paulo 64 forrós.44
Foi um crescimento fantástico, ignorado pelos meios de
comunicação de massa. Era um espaço musical de diversão e
sociabilidade, porém desqualificado pelos paulistanos,
considerado pouco familiar. O primeiro forró surgiu em 1963,
criado por Pedro Sertanejo, sanfoneiro nascido em Euclides da
Cunha, na Bahia, e residindo havia um bom tempo em São
Paulo.

Começou despretensiosamente, para promover a festa de São


João, a grande festa do sertão. Buscou atrair os milhares de
nordestinos que não tinham podido regressar, nesse mês, para
o sertão e que queriam festejar o São João. Pedro Sertanejo
organizou o forró na Vila Carioca. Foi um grande sucesso, mas
somente para os "nortistas".45

No Rio de Janeiro, durante tantas décadas a capital federal do


Brasil, os nordestinos foram relativamente assimilados, apesar
de existirem lá também formas de discriminação - como a
denominação pejorativa de "paraíbas", destinada aos
nordestinos. A própria expansão do baião no final da década de
1940, tendo como principal representante o cantor
pernambucano Luiz Gonzaga e a Feira de São Cristóvão, é
exemplo

dessa assimilação. O caso da feira é exemplar. Criada no início


dos anos 1950, no campo de São Cristóvão, próximo à
rodoviária Novo Rio, na Zona Norte, à zona portuária e à
avenida Brasil, portas de entrada

da cidade. Como lá era o ponto final dos caminhões pau de


arara, acabou se transformando em local de encontro dos
nordestinos, tanto dos que partiam como dos que chegavam.
Alimentos, cartas, documentos, dinheiro, notícias eram levados
e trazidos pelos migrantes. O cordelista José João dos Santos,
o Azulão, assim registrou esse momento: O Campo de São
Cristóvão

Foi palco de tradição

Dos primeiros nordestinos

Que deixaram seu torrão

Sua família querida

Vieram tentar a vida

Viajando de caminhão

Depois de dez, doze dias

Numa viagem sofrida.

O Campo de São Cristóvão

Era o ponto de descida

Onde cada nordestino

Procurava seu destino

Em busca de nova vida.

A tradição transformou os domingos no dia de encontro da


comunidade nordestina em São Cristóvão. Logo, o local se
transformou numa feira, tal como as existentes nas cidades
sertanejas. E mais: todos os domingos, milhares de "paraíbas"
começaram a visitá-la não só para encontrar seus amigos e
parentes, mas também para comprar produtos nordestinos: Ali
passavam momentos

De saudade e alegria
Comprando coisa do Norte

Que um e outro trazia

Fazendo reunião

No ponto de condução

De quem vinha e de quem ia.46

A feira teve problemas com a administração municipal, em


parte devido às reclamações dos comerciantes que já estavam
instalados nas proximidades.

Chegou a ser fechada. Depois de uma mobilização dos


defensores

da feira, acabou legalizada pela prefeitura e se transformou em


ponto turístico até os dias atuais.47

Em Niterói, do outro lado da baía de Guanabara, no final dos


anos 1970, o panorama era de maior tensão. Grande parte dos
trabalhadores da construção civil era de nordestinos. Eles
tinham dificuldade de

conviver em outra realidade social e sentiam-se rejeitados: "O


povo daqui é diferente, fala esquisito, olha a gente com riso."
Ou: "O povo daqui eu não dou confiança, porque pensam que
os nordestinos são

uma classe inferior."48

Na história paulistana não houve nenhum fenômeno parecido


com o da feira de São Cristóvão. Os pequenos núcleos no Brás,
em Santo Amaro ou no bairro do Limão (onde está instalado o
Centro de Tradições
Nordestinas), entre outros, não alcançaram a significação da
feira carioca. A cidade não absorveu culturalmente os
nordestinos da mesma forma que absorveu os imigrantes
portugueses, espanhóis, italianos ou até árabes (cristãos
maronitas ou muçulmanos). Uma hipótese é que no momento
da chegada desses imigrantes, a cidade estava passando por
um conjunto de transformações econômicas, sociais e
culturais, sem que houvesse consolidado um "passado
comum", o que permitiu integrá-los, diferentemente dos
migrantes da grande onda dos anos 1940-1980.

Este processo desenvolveu-se de forma contraditória. O


momento inicial da consagração nacional de Luiz Gonzaga,
ainda em meio à primeira fase do grande êxodo, teve como
base artística as rádios Record e Cultura, em São Paulo, onde o
cantor pernambucano participava de inúmeros programas. Foi
na capital paulista que Gonzaga foi consagrado Rei do Baião,
com direito a coroa de chapéu de couro e tendo como

cetro a sua famosa sanfona. O "centro nevrálgico do baião, a


estas alturas, era São Paulo". Conta a esposa do Rei do Baião,
que "quando Gonzaga tinha show na rádio Cultura, a polícia
tinha que fechar o

trânsito na avenida São João e ele cantava na marquise do


prédio da rádio.

Mesmo assim, o quarteirão ficava entupido de gente. Era uma


verdadeira loucura".49

Somente em 1963 surgiu em São Paulo um programa de rádio


voltado fundamentalmente para a música nordestina, o Chapéu
de Couro, na rádio Nove de Julho. Inicialmente chamava-se
Chapéu de Palha, e era destinado à música sertaneja,50 porém
seu criador, o radialista Jorge Paulo, notou que para esse
gênero já havia diversos programas, enquanto que para os
ritmos nordestinos, especialmente o baião, não havia nenhum.

O programa teve resposta imediata do público e foi um grande


sucesso. Jorge Paulo preparava o programa não só com
músicas, mas também contava casos, apresentava histórias da
região, tudo isso como se fosse um nordestino. Não era.
Nasceu na capital paulista: só foi conhecer o Nordeste pela
primeira vez em 1974.

O programa começava às sete e meia da manhã e era


retransmitido por outras dez emissoras. Inúmeros artistas
nordestinos se apresentavam diariamente, entre os quais Luiz
Gonzaga, o Trio Nordestino, Pedro Sertanejo e outros. O
sucesso foi tão grande que até o apresentador transformou-se
em cantor e gravou vários discos. Jorge Paulo não conhecia os
ritmos nordestinos. Foi por meio dos programas que tomou
conhecimento da música nordestina. Quando o sanfoneiro
Pedro Sertanejo convidava os ouvintes para um forró, o
apresentador nem sabia o que era. O

primeiro forró foi criado na Vila Sônia, na garagem de Zé Pedro,


onde se apresentava Pedro Sertanejo. Logo foi inaugurado
outro forró, na Vila Carioca, no clube União Mútua, com uma
apresentação de Zé Gonzaga, irmão do Rei do Baião. De acordo
com Jorge Paulo, havia uma multidão no dia da inauguração.

Foram sendo criados diversos forrós pela capital e zona


metropolitana. Pedro Sertanejo criou o seu na Zona Leste, onde
havia grande concentração de nordestinos, nos bairros do Brás
e do Belém. Além do

programa de rádio, foi criada também a versão televisiva do


Chapéu de Couro, que começou na TV Cultura, passando
posteriormente pelos canais Excelsior, Bandeirantes, Gazeta e
Record. Também foi realizado
um filme, evidentemente com o título Chapéu de Couro, que
teve a participação de Luiz Gonzaga, Quinteto Violado, entre
outros.

Jorge Paulo passou a realizar shows em teatros, cinemas,


clubes e circos.

Apesar de não falar de política nos seus programas,


candidatou-se a vereador, em São Paulo. Foi derrotado. Mas em
1972 foi eleito

vereador com uma quantidade significativa de votos. Dois anos


depois, tornou-se deputado federal com 133 mil votos, dos
quais 100 mil foram só na capital.

Foi reeleito em 1978, sempre com votações expressivas.

Aproveitando o sucesso eleitoral, lançou sua mulher, Nodeci


Nogueira, para a Câmara Municipal em 1976, e dois anos depois
para a Assembleia Legislativa, sempre com votações
consagradoras. Até então o casal

fazia parte do MDB, porque, como relatou Jorge Paulo, "era o


partido do povo".

Foi convidado para se filiar ao partido pelo senador Lino de


Matos.51 "Chapéu de Couro" e sua esposa foram o primeiro e
único

fenômeno eleitoral paulistano vinculado à migração nordestina.

Mesmo o uso político-eleitoral da migração foi temporário. Com


o processo de redemocratização e a pluralidade partidária, o
tema foi perdendo importância no discurso político paulista.
Eventualmente reapareceu, mas nas bordas de alguma
discussão mais central; porém, sempre de forma pejorativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A VIDA AQUI É FOGO, MAS SE GANHA DINHEIRO

Dorival Maciel Pinheiro tinha 30 anos. Morava em Santana do


Ipanema, sertão alagoano. Firmino, seu primo, tinha vindo para
São Paulo e o incentivou a migrar: "Dorival, bom trabalhador
não se aperta. A vida aqui é fogo, mas se ganha dinheiro, tem
muito divertimento e mulher.

Tenha coragem primo velho. Cobra que não anda não engole
sapo. Se lembre que a terra do dinheiro é São Paulo e aqui você
já tem casa e comida. O resto com Deus se arranja."1
Entusiasmado, Dorival vendeu tudo o que tinha: dois cavalos e
um anel. Juntou com mais trezentos cruzeiros de um
empréstimo, comprou uma passagem de ônibus

e rumou para São Paulo. O sonho foi interrompido no


quilômetro 1.290 da Rio-Bahia, próximo a Jequié. O ônibus da
empresa São Geraldo se chocou com uma jamanta, após ter
subitamente se desviado de um jumento.

No veículo viajavam 34 adultos e 19 crianças: 41 passageiros


morreram, entre os quais Dorival.

A carta e o acidente são simbólicos. São Paulo é a terra do


dinheiro, mas para quem gosta de trabalhar. Com dinheiro é
possível se divertir e conquistar uma mulher. A moradia na
nova terra não é um problema:

os laços familiares sertanejos se mantêm na cidade. Mas para


ter sucesso na vida é necessário se deslocar: no sertão, a roda
da história não se movimenta.

Porém, metaforicamente, o sertão - o jumento -


se antepôs ao migrante, impedindo que ele pudesse construir,
em São Paulo, o seu próprio caminho. E o poder público - que
deveria fiscalizar as empresas de ônibus e manter a estrada em
boas condições de

tráfego - manteve-se omisso, assim como em todo o processo


do grande êxodo dos nordestinos para São Paulo. Quando dava
sinal de vida, o Estado, por meio dos seus porta-vozes,
desqualificava os migrantes

e apresentava a sua face repressiva.

Os "paus de arara" tiveram de construir, cada um, a sua


história, muito longe de onde nasceram. Não o fizeram por
opção, mas como meio de sobrevivência.

Permanecer significaria aceitar como um dado eterno

e imutável o poder do coronel, a miséria e a fome. As agruras


da longa viagem em direção a São Paulo pouco representavam
frente à opressão secular de viver no sertão do abandono. Aqui
chegaram e numa cidade desconhecida encontraram onde
morar, trabalhar, estudar e se divertir.

Outros deslocamentos ocorreram no Ocidente no pós-Segunda


Guerra Mundial, como na Itália, nos Estados Unidos ou no
México,2 contudo nenhum se aproximou da magnitude do
ocorrido no Brasil. O grande êxodo esteve vinculado ao intenso
desenvolvimento capitalista em São Paulo. O

rompimento das "relações feudais" no sertão nordestino não


correu "por dentro", mas pela migração dos sertanejos para o
polo dinâmico

da economia nacional. A passagem de lavrador para


assalariado deu-se em questão de semanas, acelerando o
processo histórico em escala raramente vista no mundo
ocidental. O sertanejo não aguardou o Estado ou alguma
corrente política determinar seu futuro: foi ele próprio que
tomou a decisão de migrar e construir autonomamente o seu
futuro.

Chegando a São Paulo, o ex-sertanejo participou da vida


política e econômica.

Fez história - enquanto o Nordeste permanecia petrificado, sob


domínio das oligarquias. Viu o fim de uma ditadura, a
emergência

do populismo, depois outra ditadura - esta militar -, o processo


de abertura democrática, já no final dos anos 1970. No campo
econômico foi testemunha da decadência da economia
cafeeira, dos primeiros

tempos da industrialização, da modernização juscelinista e do


milagre econômico. Também assistiu a dois processos:
primeiro, a crise econômica do regime militar - que teve
interferência direta na sensível diminuição da migração para o
sul; segundo, a capital paulista se modificando em ritmo
intenso, expandindo-se, unificando-se com as outras cidades
vizinhas, formando uma imensa região metropolitana, a

maior da América do Sul.

Em alguns momentos a Antiguidade Clássica esteve presente


neste processo com suas Penélopes, Ítacas e Ulisses. Dar voz
ao sertanejo permite alçar ao primeiro plano um personagem
esquecido, sem direito

à história. As falas livres humanizam o processo migratório.


Rompendo as grandes estruturas, o que emerge são
existências humanas reais, não aquelas contabilizadas nos
números frios das estatísticas.
Os migrantes nordestinos encontraram um mundo novo. Novo
em tudo. Nas relações sociais, trabalhistas e políticas. O
desenho espacial das cidades era muito distinto dos pequenos
povoados do sertão. As

baixas temperaturas obrigaram a que convivessem com o frio.


Tiveram de confrontar o preconceito - e vencê-lo. Também
enfrentaram um discurso higienista que identificava no
migrante o portador de doenças, o infectado.

Os "baianos", de acordo com esta visão de mundo, serviam


como força de trabalho, na falta de melhor contingente.
"Baianada", "pau de arara", "cabeça-chata", "baianice" foram
expressões discriminatórias consagradas naquele momento.
Muitos dos migrantes fizeram de tudo para apagar o passado,
para serem assimilados como iguais. Se as correntes
imigratórias mantiveram-se em nichos reforçando seus laços
de identidade - como os italianos, espanhóis, portugueses,
entre outros - e acabaram sendo legitimados pela
paulistanidade, os nordestinos não tiveram a mesma sorte. O
apagamento, ao longo do tempo, dos preconceitos

- por mais paradoxal que seja - também levou ao


desaparecimento da memória dos migrantes.

Este livro pretendeu contar esta história.

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II - Jornais, revistas e outras publicações:

Agora São Paulo (1999)

Boletim do Departamento de Imigração e Colonização (1940,


1950, 1952) Boletim da Diretoria de Terras, Colonização e
Imigração (1937) Conjuntura Econômica (1951-1952, 1954, 1964)

Correio Paulistano (1958)

Diário de São Paulo (1951-1952)

Folha da Manhã (1953, 1958-1959)

Folha da Noite (1952)

Folha de S.Paulo (1967-1968, 1970-1974, 1988, 1992)

Folha da Tarde (1954, 1983, 1989-1990)

Jornal da Tarde (1977, 1987, 1988, 1989)

Jornal do Brasil (1977, 1979-1980, 1983)

Manchete (1954-1955, 1958-1960)

O Cearense (1877)

O Cruzeiro (1951-1953, 1955)

O Estado de S. Paulo (1897, 1915, 1921, 1932-1933, 1951-1953,


1970, 1977-1981, 1987-1989, 1992)

O Globo (1974-1975, 1977, 1981)


O Migrante (1976, 1978)

O Povo (1932)

O Retirante (1877)

Última Hora (1957-1958)

Veja (1973)

III - Documentos oficiais:

Anais da Assembleia Nacional Constituinte, vols. II, IV, XIII e


XVI. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

Anais da Câmara Municipal de São Paulo, vols. 1, 2 e 6. São


Paulo, 1952.

Anais da Câmara dos Deputados, 1951-1954.

Atos do Governo Provisório. Rio de Janeiro: Imprensa


Nacional, 1930.

Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado de


São Paulo. São Paulo: 1936, 1951-1960.

Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa da Bahia.


Salvador: 1900, 1909, 1948, 1950, 1951-1953.

Mensagens presidenciais, 1947-1964. Brasília: Câmara dos


Deputados, 1978.

1 Sylvia Porto Alegre, "'Fome de braços': Questão nacional",


em Cadernos Ceru, n. 2, p. 68, 1986.

2 Ver Denise Aparecida Soares de Moura, "Andantes de novos


rumos", em Revista Brasileira de História, vol. 17, n. 34, 1997. O
"Oeste Paulista" era a denominação dada à época à região de
Campinas, Piracicaba, Rio Claro.

3 O Retirante, n. 20, 7 de novembro de 1877.

4 Ver Pierre Monbeig, "O crescimento da cidade de São Paulo",


em Tamás Szmrecsányi (org.), História econômica de São Paulo
(São Paulo, Globo, 2004), pp. 44-46.

5 Ver Rosa Ester Rossini, "Estado de São Paulo: A intensidade


das migrações e o êxodo rural/urbano", em Ciência e Cultura,
vol. 29, n. 7, p. 783, julho de 1977.

6 Citado por Lúcio Kowarick, Trabalho e vadiagem (Rio de


Janeiro, Paz e Terra, 1994), p. 93.

7 A Itália entrou na Primeira Guerra Mundial em 1915.

8 Ver Carlos José Ferreira dos Santos, Nem tudo era italiano
(São Paulo, Annablume/Fapesp, 2003), pp. 35 e 39.

9 Jorge Balán, "Migrações e desenvolvimento capitalista no


Brasil: Ensaio de interpretação histórico-comparativa", em
Estudos Cebrap 5, p. 19, julho-setembro de 1973.

10 Aluísio Azevedo, O cortiço (São Paulo, Ática, 1975), pp. 43,


49 e 67. A primeira edição é de 1888, e a ação se passa no Rio
de Janeiro.

11 Carlos José Ferreira dos Santos, op. cit., p. 43.

12 O jornal O Estado de S. Paulo publicou durante vários meses


de 1915 uma coluna diária com o título "São Paulo e a seca". No
dia 10 de agosto, por exemplo, há uma longa carta do bispo do
Ceará, dom Manuel Gomes, relatando a situação no estado,
região por região.
13 A entrevista é de Nilo Vasconcelos, do diretório carioca pró-
flagelados. Ver O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1915.

14 Ver O Estado de S. Paulo, 21 de julho de 1915.

15 Secretaria de Promoção Social, Movimento migratório no


estado de São Paulo (São Paulo, 1974), pp. 12-14.

16 A citação do jornal O Combate é de 11 de maio de 1920, apud


Alba Maria Figueiredo Morandini, O trabalhador migrante
nacional em São Paulo (1920-1923) (São Paulo, PUC, 1978), p.
131.

17 Os artigos citados estão transcritos em O Estado de S.


Paulo, 3, 4 e 8 de agosto de 1921.

18 Essa possibilidade é sugerida por Alba Maria Figueiredo


Morandini, op. cit., p. 122.

19 José de Souza Martins, "O migrante brasileiro na São Paulo


estrangeira", em Paula Porta (org.), História da cidade de São
Paulo, vol. 3 (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004), pp. 178-179.

20 Ver, respectivamente, Alcides Gentil, As ideias de Alberto


Torres (São Paulo, Nacional, 1938), pp. 422-423; Alberto Torres,
O problema nacional brasileiro (São Paulo, Nacional, 1978), p.
22; Manoel

Bomfim, O Brasil (São Paulo, Nacional, 1935), p. 337.

21 Oswald de Andrade, A revolução melancólica (Rio de


Janeiro, Civilização Brasileira, 1971), p. 15.

22 Max Sorre, "Os problemas geográficos atuais das


migrações", em Boletim Geográfico, n. 122, p. 273, setembro-
outubro de 1951.
23 Atos do Governo Provisório (Rio de Janeiro, Imprensa
Nacional, 1930), pp.

82-83.

24 Ver Flávio Venâncio Luizetto, Constituintes em face da


imigração (São Paulo, USP, 1975).

25 Juvenal Galeno, Lendas e canções populares (Fortaleza,


Casa de Juvenal Galeno, 1978), pp. 527 e 528. A poesia faz
referência à migração dos cearenses para a Amazônia na
segunda metade do século XIX.

26 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro,


Imprensa Nacional, 1935), vol. XIII, p. 260.

27 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro,


Imprensa Nacional, 1935), vol. IV, pp. 492, 493, 546 e 549.

28 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro,


Imprensa Nacional, 1935), vol. XVI, p. 403.

29 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro,


Imprensa Nacional, 1935), vol. II, pp. 390-391.

30 O Cearense, 18 de março de 1877. O texto faz parte de uma


carta enviada de Sobral para a redação do jornal, em Fortaleza.

31 Max Sorre, op. cit., p. 271.

32 Ver Vicente Unzer Almeida e Octávio Teixeira Mendes


Sobrinho, Migração rural-urbana (São Paulo, Secretaria da
Agricultura, 1951), p. 79.

33 Ver Verena Stolcke, Cafeicultura (São Paulo, Brasiliense,


1986), pp. 102-104.
34 Amélia Cohn, Crise regional e planejamento (São Paulo,
Perspectiva, 1976), pp. 26-27. E o aprofundamento da
desigualdade entre o Nordeste e São Paulo no campo da
cultura canavieira só iria aumentar:

"De 1946 a 1961, enquanto duplicava a produção nordestina de


açúcar, São Paulo iria decuplicar sua produção." Ver Antonio
de Barros Castro, Sete ensaios sobre a economia brasileira (Rio
de Janeiro/São

Paulo, Forense, 1969), vol. I, p. 152.

35 Pedro Pinchas Geiger, Evolução da rede urbana brasileira


(Rio de Janeiro, CBPE/Inep, 1963), p. 214.

36 Mário Neme, "Estatística de imigração e outras estatísticas",


em Boletim do Serviço de Imigração e Colonização, n. 4, p. 179,
dezembro de 1941.

37 Ver Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, n.


2, p. 104, outubro de 1940.

38 Henrique Dória de Vasconcellos, "O problema da imigração",


em Boletim da Directoria de Terras, Colonização e Imigração,
São Paulo, n. 1, p. 14, outubro de 1937. Para os outros dados,
ver o mesmo boletim,

pp. 13, 15, 36 e 38.

39 De acordo com Billy Jaynes Chandler, o "sertão não oferecia


aos rapazes senão o trabalho no campo, com uma pá e uma
enxada, tal como acontecera com seus pais. A onda de
migração dos sertões para cidades como Rio e São Paulo ainda
não começara naquele tempo. Portanto, a falta de alternativas
talvez tenha sido um fator influente na escolha da vida do
cangaço" (Lampião: O rei dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1980, p. 241).
40 Ver Humberto Dantas, "Movimentos de migrações internas
em direção ao planalto paulista", em Boletim do Serviço de
Imigração e Colonização, n. 3, pp.

78-79, março de 1941. O mesmo autor informa que alguns

municípios baianos teriam apresentado índices de migração


entre 23 e 64%, como Caculé, Guanambi e Urandi, entre outros.
Certamente os dados estão superestimados. É que a pergunta
feita ao migrante, inquirindo-o de onde tinha vindo, geralmente
era respondida indicando a cidade-polo da região e não
necessariamente o município onde vivia.

41 Ver Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, n.


2, pp. 59, 60, 83 e 103-105, outubro de 1940.

42 Ver Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do


Estado de São Paulo, 9 de junho de 1936, p. 23.

43 A primeira definição dos limites do Polígono das Secas


ocorreu por meio da lei n. 175, de 5 de janeiro de 1936.

44 O Povo, 24 de agosto de 1932.

45 Ver O Estado de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1932 e 26 de


fevereiro de 1933.

46 Alfredo Ellis Júnior, Confederação ou separação (São Paulo,


Liga Confederacionista, 1934), pp. 27-28, 37, 46 e 47.

47 Thadeu de Serpa Martins, O levante de São Paulo (Belém,


Guajarina, 1932), p. 9, apud Mark Curran, História do Brasil em
cordel (São Paulo, Edusp, 2001), pp. 114-115.

48 Vicente Unzer Almeida e Octávio Teixeira Mendes Sobrinho,


op. cit., p. 79.
49 Conjuntura Econômica, n. 6, p. 41, junho de 1952.

50 Os dados dos dois últimos parágrafos foram extraídos do


Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, n. 5, pp.
31-48, dezembro de 1950.

51 Boletim da Diretoria de Terras, Colonização e Imigração, ano


1, n. 1, pp. 64 e 69, outubro de 1937.

52 Conjuntura Econômica, ano VIII, n. 7, p. 72, julho de 1964.

53 José Francisco Camargo, Êxodo rural no Brasil (Rio de


Janeiro, Conquista, 1960), pp. 72-73.

1 Jorge Calmon, As estradas corriam para o sul (Salvador,


Egba, 1998), p. 168.

2 Antonio Torres, O cachorro e o lobo (Rio de Janeiro, Record,


1997), pp. 69-70.

3 Depoimento de Moacir Assunção (cearense, 80 anos) ao


autor, em 1º de junho de 2007.

4 Notícias publicadas em A República em 23 de setembro de


1903 e em 25 de junho de 1919, respectivamente. A capital da
segunda notícia é Natal (RN).

Citadas em Itamar de Souza e João Medeiros Filho, Os

degredados filhos da seca (Petrópolis, Vozes, 1983), pp. 56 e 57.

5 Jorge Amado, Seara vermelha (São Paulo, Martins, 1961), p.


60.

6 Poema de João Martins de Ataíde citado por Mauro Mota em


Paisagem das secas (Recife, Instituto Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais/MEC, 1958), p.
99.
7 Villas-Bôas Corrêa, Conversa com a memória (Rio de Janeiro,
Objetiva, 2002), p. 75. A referência a Carlos Lacerda deve-se à
transmissão pelo rádio das sessões da Comissão Parlamentar
de Inquérito da

Câmara dos Deputados que tratava do jornal Última Hora, cujo


proprietário, Samuel Wainer, era acusado de ter recebido
tratamento preferencial no Banco do Brasil para a fundação do
periódico.

8 Cremilda Medina (org.), Forró na garoa (São Paulo,


CJE/ECA/USP, 1989), p. 39.

9 Diário de São Paulo, 5 de setembro de 1951. A reportagem é


de Nelson Gatto, e as fotos, de Oswaldo Juno. O local do relato
é no sertão da Paraíba, e os retirantes vinham do Ceará.

10 Ely Souza Estrela, Os sampauleiros (São Paulo,


Humanitas/Fapesp/Educ, 2003), p. 100. A citação refere-se a
Montes Claros, antigo ponto inicial da linha, mas é adequada
quando aplicada a Monte Azul.

11 Citado em José Américo de Almeida, A Parahyba e seus


problemas (Porto Alegre, Globo, 1937), p. 122. Informa o autor:
"Forneceu-me estes versos o sr.

Pedro Baptista, curioso colecionador da poesia popular da


Parahyba."

12 Folha da Noite, 24 de abril de 1952.

13 Alceu Maynard Araújo, Pentateuco nordestino (São Paulo,


Brasbiblos, 1972), pp. 56-57.
14 Última Hora, 27 de fevereiro de 1957.

15 Ely Souza Estrela, op. cit., p. 109. O depoimento é de José


Mota dos Santos e foi colhido pela autora.

16 Jorge Amado, op. cit., p. 112.

17 Humberto Dantas, "Movimentos de migrações internas em


direção ao planalto paulista", em Boletim do Serviço de
Imigração e Colonização, n. 3, p.

83, março de 1941.

18 As duas últimas citações estão em Ely Souza Estrela, op.


cit., p. 86. A primeira citação é do jornal A Pena de 22 de
fevereiro de 1923, e a segunda, do livro Rescaldo de saudades,
de Flávio Neves.

19 Mensagem apresentada pelo dr. Octavio Mangabeira,


governador da Bahia, à Assembleia Legislativa (Bahia,
Imprensa Oficial, 1948), pp. 29 e 30.

20 Depoimento de Arthur de Oliveira recolhido por Odair da


Cruz Paiva e citado em Caminhos cruzados: Migração e
construção do Brasil moderno (1930-1950) (Bauru, Edusc,
2004), p. 88.

21 Para uma história das estações ferroviárias, ver

<www.estacoesferroviarias.com.br> (acesso em 7 de junho de


2005). Sobre a passagem dos migrantes em Monte Azul, ver
Folha da Noite, 24, 25 e 28 de abril de 1952; O Cruzeiro, 21 de
abril de 1951 e 12 de abril de 1952.

22 O Cruzeiro, 21 de abril de 1951, reportagem de Álvares da


Silva e fotos de Eugênio Silva.
23 Ver IBGE, Ferrovias do Brasil (Rio de Janeiro, 1956), pp. 126-
130. Em 1976, a mesma viagem em direção à capital paulista
durava três dias. Ver "O migrante", outubro de 1976,
reportagem de Alberto Zambiasi.

24 Última Hora, 27 de fevereiro de 1958.

25 O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 1951; Moacir M.F.


Silva, Geografia dos transportes no Brasil (Rio de Janeiro,
Conselho Nacional de Geografia, 1949), p. 103. Os desastres da
Central do Brasil

também atingiam a área urbana. Os trens que atendiam a


cidade do Rio de Janeiro, ligando o centro aos subúrbios,
sempre estavam envolvidos em graves acidentes. Um deles, em
maio de 1956, na estação de

Mangueira, matou 111 passageiros. Ver Manchete, 24 de maio


de 1958.

26 Diário de São Paulo, 13 de fevereiro de 1951.

27 O Cruzeiro, 21 de abril de 1951.

28 Última Hora, 28 de fevereiro de 1957.

29 Maria Ignez Novais Ayala, No arranco do grito (São Paulo,


Ática, 1988), p. 45.

30 O Cruzeiro, 26 de abril de 1952. A frase é de Raul Soares,


prefeito de Salgueiro, Pernambuco.

31 Ver T.P. Accioly Borges, Migrações internas no Brasil (Rio de


Janeiro, Comissão Nacional de Política Agrária, 1955), pp. 30-
32.
32 Os dados dos dois últimos parágrafos foram obtidos no
Boletim do Departamento de Imigração e Colonização (São
Paulo, Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo), n. 7,
pp. 37-45, dezembro de 1952.

33 Ver Conjuntura Econômica, ano VI, n. 4, p. 43, abril de 1952.

34 A estrada foi aberta ao tráfego no dia 19 de janeiro de 1951.


Dos 405

quilômetros, foram entregues 338, cerca de 85% da obra.

35 Ver T.P. Accioly Borges, op. cit., pp. 33-34.

36 São 1.572 quilômetros da praça Mauá, no Rio de Janeiro, até


Feira de Santana. De lá, por uma linha transversal, são mais 146
quilômetros até chegar a Salvador, perfazendo um total de
1.718 quilômetros.

Ver Flávio Vieira, "A rodovia Rio-Bahia", em Boletim Geográfico


(Rio de Janeiro, IBGE), ano VII, n. 77, pp. 455-459, agosto de
1949.

37 Manchete, 20 de setembro de 1958.

38 Moacir M.F. Silva, op. cit., pp. 122, 126 e 130; e Humberto
Bastos, ABC dos transportes (Rio de Janeiro, Ministério de
Viação e Obras Públicas, 1955), p.
107.
39 Ver Anuário Estatístico do Brasil (Rio de Janeiro, IBGE, 1949-
1954).

40 Foram encontrados caminhões com mais de cem


passageiros. Um deles bateu o recorde: 128 pessoas viajavam
"socadas dentro de uma carroçaria imunda". Ver O Cruzeiro, 22
de outubro de 1955.

41 Ver Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do folclore


brasileiro (Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1988), p.
592; Marcos Vinicios Vilaça, Em torno da sociologia do
caminhão (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1969), p. 81.

42 Trecho da letra de "Último pau de arara", de Venâncio,


Corumbá e José Guimarães. A primeira gravação é de 1956,
com o Trio Feminino. Ver Fenelon Almeida, As vozes da seca
(Fortaleza, ACI, 1978), pp.

108-109.

43 O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1953.

44 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. O texto da reportagem é


de Ubiratan de Lemos e as fotos de Mário de Moraes. A
reportagem recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo, criado
naquele ano. Mário de Moraes acabou contraindo tifo na
viagem. Os dois repórteres viajaram como se fossem retirantes.
Moraes registrou boa parte da viagem, pois se apresentou ao
motorista do caminhão como fotógrafo que estava indo para o
Rio de Janeiro em busca de trabalho. Acabou quase morrendo,
quando numa parada fotografou uma das mulheres que
viajavam no caminhão. O marido não gostou e atacou o
fotógrafo pelas costas com uma faca.
Moraes acabou sendo salvo por um ajudante do motorista, que
impediu o assassinato.

45 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955.

46 Trecho da letra do baião-toada de Florentino Coelho e Elcide


Warthon, interpretado por Gordurinha, lançado em 1960. Ver
Fenelon Almeida, op. cit.

(Fortaleza, ACI, 1978), p. 117.

47 Manchete, 20 de setembro de 1958. A reportagem é de


Aluízio Flores, e as fotos, de Victor Gomes.

48 Marcos Vinicios Vilaça, op. cit., p. 81.

49 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955.

50 Alceu Maynard Araújo, op. cit., pp. 70-71.

51 O Estado de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1952.

52 Rollie E. Poppino, Feira de Santana (Salvador, Itapuã, 1968),


pp. 213-215 e 240.

53 Humberto Dantas, op. cit., p. 86.

54 Oswald de Andrade, Telefonema (São Paulo, Globo, 1996), p.


351.

55 Folha da Manhã, 6 de março de 1959.

56 Ver Folha da Tarde, 15 de dezembro de 1954.

57 O documento está transcrito na Folha da Tarde de 14 de


dezembro de 1954.

58 O Estado de S. Paulo, 6 de março de 1952.


59 O Estado de S. Paulo, 11 de março de 1952.

60 O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1952. No ano


seguinte, o ministro voltou ao tema solicitando 50 milhões de
cruzeiros para fixar os nordestinos às margens da estrada,
recurso que não foi liberado.

Ver O Estado de S. Paulo, 8 de janeiro de 1953.

61 José Américo de Almeida, As secas do Nordeste (Rio de


Janeiro, Ministério da Viação e Obras Públicas, 1953), p. 54.

62 Folha da Manhã, entrevista de Fernando Azevedo ao


jornalista Euclides Formiga, 4 de outubro de 1953.

63 Oswald de Andrade, op. cit., pp. 351-352.

1 Mensagem do governador do estado da Bahia (Bahia,


Imprensa Oficial do Estado, 1950), p. 5. Octávio Mangabeira
governou a Bahia entre 1947-1951.

2 Mensagem apresentada à Assembleia Geral Legislativa pelo


dr. Luiz Vianna (Bahia, Typographia do Correio de Notícias,
1900), p. 14.

3 Mensagem apresentada à Assembleia Geral Legislativa pelo


dr. João Ferreira de Araújo Pinho (Bahia, Oficinas da empresa
"A Bahia", 1909), p. 6.

4 Diário de São Paulo, 18 de março de 1952. Nesta edição está


transcrita na íntegra a Mensagem presidencial de 1952.

5 Conjuntura Econômica, ano VIII, n. 7, p. 76, julho de 1954.

6 Ver mensagem apresentada pelo dr. Luiz Régis Pacheco


Pereira, governador da Bahia, à Assembleia Legislativa (Bahia,
Imprensa Oficial do Estado, 1951, 1952 e 1953).
7 Ver T.P. Accioly Borges, Migrações internas no Brasil (Rio de
Janeiro, Comissão Nacional de Política Agrária, 1955), p. 14.

8 Jorge Calmon, op. cit., pp. 216 e 140.

9 Capes, Estudos de desenvolvimento regional (Rio de Janeiro,


1958), p. 38.

10 O Estado de S. Paulo, 26 de fevereiro de 1952. Três dias


depois, o jornal voltou ao tema em um editorial.

11 O Estado de S. Paulo, 6 de março de 1952.

12 O Estado de S. Paulo, 24 de fevereiro de 1952.

13 O Estado de S. Paulo, 1o de março de 1952.

14 Ver, respectivamente, O Estado de S. Paulo, 5 e 7 de março


de 1952; 12 de abril de 1951.

15 Ver O Cruzeiro, 14 de abril de 1951. O texto e as fotos da


reportagem são de João Martins; Alceu Maynard Araújo, op.
cit., pp. 66-67.

16 O Cruzeiro, 12 de abril de 1952. O texto da reportagem é de


Álvares da Silva, e as fotos, de Eugênio H. Silva.

17 Para acompanhar uma viagem, ver Júlio Jesum Carvalho,


Pau de arara (Recife, s.n., 1957); Otávio Carvalho Andrade,
Homem na estrada (São Paulo, Francisco Alves, 1963). A
citação do policial é deste último livro, p. 55.

18 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955.

19 O Estado de S. Paulo, 28 de fevereiro de 1952.

20 Anais da Câmara dos Deputados de 1954 (Rio de Janeiro,


Serviço Gráfico do IBGE, 1960), pp. 39-40.
21 Marcos Vinicios Vilaça, op. cit., p. 88. Informa o autor que o
poema foi recolhido em Alagoas por Théo de Barros.

22 Depoimento de Moacir Assunção (cearense, 80 anos) ao


autor, em 1o de junho de 2007.

23 Ver Anuário Estatístico do Brasil (Rio de Janeiro, IBGE, 1950-


1952).

24 Folha da Manhã, 5 de maio de 1953.

25 Cremilda Medina (org.), op. cit., p. 23.

26 O Cruzeiro, 7 de março de 1953. O título da crônica é "Seca:


Assunto nacional".

27 No mesmo momento, no Rio de Janeiro, estavam se


expandindo as favelas: eram 58. Em 1950, o número de
favelados alcançou 140 mil, dos quais 72% não eram cariocas.
Ver Conjuntura Econômica, ano VI, n.

5, pp. 34-42, maio de 1952.

28 Em 1953, dos 153 mil migrantes chegados a São Paulo,


apenas 4,8% eram alfabetizados. Ver Jorge Calmon, op. cit., p.
211.

29 Mensagem à Assembleia Legislativa do Estado de São


Paulo, 1957, p. 51.

30 Oswald de Andrade, Marco Zero II (Chão) (Rio de Janeiro,


Civilização Brasileira, 1978), p. 26.

31 Ver, respectivamente, Anais da Câmara Municipal de São


Paulo de 1952 (São Paulo, 1952), vols. 1, 2 e 6, pp. 353; 29 e 475;
100, 105 e 106. Gabriel Quadros nasceu no Paraná e só veio a
residir em São
Paulo aos 40 anos de idade.

32 Notícia de A Ordem de 11 de março de 1950. Citado em


Itamar de Souza e João Medeiros Filho, op. cit., p. 61.

33 Manchete, 22 de outubro de 1955. A reportagem tem texto de


Daniel Linguanotto e fotografias de Ivo Barretti. O prédio da
hospedaria tinha ficado entre 1945 e 1952 sob responsabilidade
do Ministério

da Aeronáutica, e sido utilizado para fins militares. Os


migrantes, nesse período, eram abrigados nos "hotéis e
pensões localizados nas proximidades da estação Roosevelt,
improvisados em hospedarias".

(Jordão Netto, Antonio. Aspectos econômicos e sociais das


migrações internas para o estado de São Paulo. Tese de
doutorado. São Paulo: PUC-SP, 1973, p.

16.)

34 Manchete, n. 347, 13 de dezembro de 1958. A reportagem é


de Dílson Martins.

35 Manchete, 23 de janeiro de 1954. A reportagem é de Daniel


Linguanotto.

36 Folha da Noite, 25 de abril de 1952.

37 Anais da Câmara dos Deputados de 1951 (Rio de Janeiro,


Imprensa Nacional, 1952), vol. I, p. 154.

38 Ver, respectivamente, Anais da Câmara dos Deputados de


1951 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1954), vol. IX, pp. 257,
333 e 334.
39 Anais da Câmara dos Deputados de 1952 (Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1952), vol. VII, pp. 494-495.

40 Ver, respectivamente, Anais da Câmara dos Deputados de


1952 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1953), vols. II e XLII,
pp. 204, 255 e 475; p. 279.

41 Ver, respectivamente, Anais da Câmara dos Deputados de


1953 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1953), vols. IV e V, pp.
87 e 205; pp. 80, 81 e 321.

42 Projeto de lei 1.710/1952. Foi apresentado no dia 4 de março.


Diário de São Paulo, 16 de março de 1952.

43 Anais da Câmara dos Deputados de 1954 (Rio de Janeiro,


Serviço Gráfico do IBGE, 1960), p. 39.

44 Conjuntura Econômica, ano VI, n. 6, p. 45, junho de 1952.

45 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial,


1947), pp. XX e XXI.

46 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial,


1949), pp. 170-171.

47 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial,


1950), p. 165.

48 Diário de São Paulo, 30 de março de 1951. Reportagem de


Samuel Wainer.

49 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial,


1951), pp. 239 e 217; e José Francisco Camargo, "Alguns
aspectos da imigração em São Paulo: O movimento imigratório
depois de 1930", em Digesto Econômico, n. 91, pp. 133-134,
junho de 1952.
50 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial,
1954), p. 259.

51 Ver Maria do Rosário R. Salles, "Imigração e política


imigratória brasileira no pós-Segunda Guerra Mundial, em
Cadernos Ceru, série 2, n. 13, pp. 99-124, 2002.

52 Ver citações em Neide Esterci, O mito da democracia no país


das bandeiras: Análise simbólica dos discursos sobre
migração e colonização do Estado Novo, dissertação
(mestrado) - Museu Nacional, Rio de

Janeiro, 1972, pp. 45-46.

53 Diário de São Paulo, 18 de março de 1952.

54 Ver Diário de São Paulo, 18 de março de 1952.

55 Ver Ernani Thimóteo de Barros, "As migrações interiores no


Brasil", em Revista Brasileira de Estatística, ano XV, n. 58, p. 82,
abril-junho de 1954.

56 Fernando Antônio Azevedo, As Ligas Camponesas (Rio de


Janeiro, Paz e Terra, 1982), p. 55.

57 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,


1953), pp. 219, 253 e 220.

58 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,


1954), pp. 263, 264 e 267.

59 Conjuntura Econômica, ano VIII, n. 7, p. 73, julho de 1954.

60 José Francisco Camargo, op. cit., p. 135.

61 Ver Fenelon Almeida, op. cit., p. 83.


62 O poema "Se eu pudesse falá" é de Luiz Vieira e foi
declamado em disco, com grande sucesso, em 1953,
acompanhado por violas. Ver Fenelon Almeida, op. cit., pp. 79-
81.

1 Aziz Simão, "O voto operário em São Paulo", em Revista


Brasileira de Estudos Políticos, vol. 1, n. 1, pp. 130-131, 1956.

2 Arnaldo Malheiros, "O comportamento do eleitorado


paulistano no pleito de 1959", em Revista Brasileira de Estudos
Políticos, n. 10, p. 59, janeiro de 1961.

3 Rosa Ester Rossini, op. cit., p. 782.

4 Florestan Fernandes, Mudanças sociais no Brasil: Aspectos


do desenvolvimento da sociedade brasileira (São Paulo, Difel,
1979), p. 305.

5 Ver Teresa Pires do Rio Caldeira, A política dos outros: O


cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder
e dos poderosos (São Paulo, Brasiliense, 1984), p. 43.

6 Aziz Simão, op. cit., pp. 140-141.

7 Ver Vera Chaia, A liderança política de Jânio Quadros (1947-


1990) (Ibitinga, Humanidades, 1991), pp. 20-22.

8 Num ato da campanha presidencial de 1945, o brigadeiro


Eduardo Gomes, candidato da UDN, afirmou que "não
necessito dos votos desta malta de desocupados que apoia o
ditador para eleger-me presidente da república. Hugo Borghi
conta nas suas memórias que buscou no dicionário o
significado de "malta". Um dos significados era o de
marmiteiro, caso dos trabalhadores encarregados de percorrer
as linhas ferroviárias em serviços de manutenção. Diz Borghi:
"O candidato da UDN dispensava os votos daquela malta, que
eram os marmiteiros, nome que escolhi para simbolizar o
humilde trabalhador brasileiro." O slogan criado por Borghi de
que o brigadeiro não queria o voto de marmiteiro teve enorme
repercussão eleitoral e ficou como um dos maiores símbolos
daquela campanha. Ver Hugo Borghi, A força de um destino
(Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995), pp. 162-163.

9 Em 1959, na eleição para a renovação da Câmara de


Vereadores, ficou célebre a votação recebida pelo rinoceronte
Cacareco. Em parte a votação de protesto, cerca de 80 mil,
deve-se à desilusão do eleitorado com os vereadores. Em São
Paulo não eram coincidentes as eleições para prefeito e
vereadores, e isso explica também a falta de interesse, além da
sucessão de eleições: em 1957 para a prefeitura; no ano
seguinte para o governo do estado, a Assembleia Estadual e o
Congresso Nacional; e em 1959 para a Câmara de Vereadores.

10 Oliveiros S. Ferreira, "Comportamento eleitoral em São


Paulo", em Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 8, pp.
171-172, abril de 1960. Durante sua breve passagem pela
prefeitura da capital, Jânio

fez uma grande anistia que permitiu a regularização de


inúmeros loteamentos, o que aumentou sua popularidade entre
a população da periferia, boa parte dela recém-chegada à
cidade e de origem nordestina.

Evidentemente que tal medida também favoreceu os


especuladores urbanos que tinham patrocinado a venda de
loteamentos sem a devida regularização.

11 Ver Alfonso Trujillo Ferrari, "Atitudes e comportamento


político do imigrante nordestino em São Paulo", em Sociologia,
n. 3, vol. XXIV, pp.159-180, setembro de 1962.

12 Leôncio Martins Rodrigues, Conflito industrial e


sindicalismo no Brasil (São Paulo, Difel, 1966), pp. 174-175.
13 Aziz Simão, "Industrialização e sindicalização no Brasil", em
Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 13, pp. 96-97, janeiro
de 1962.

14 Aziz Simão, op. cit., p. 100.

15 Sobre a greve de 1953, ver José Álvaro Moisés, Greve de


massa e crise política: Estudo da greve dos 300 mil em São
Paulo - 1953-1954 (São Paulo, Polis, 1978), especialmente as pp.
68, 82-83, 86-91,

127, 131, 134-139 e 142.

16 Ver Paulo Fontes, Trabalhadores e cidadãos - Nitro Química:


A fábrica e as lutas operárias nos anos 50 (São Paulo,
Annablume, 1997), pp. 148-156.

17 Juarez Rubens Brandão Lopes, Sociedade industrial no


Brasil (São Paulo, Difusão Editorial do Livro, 1971).

18 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 51, 68 e 82. Essa
concepção é hegemônica entre os trabalhos produzidos pela
sociologia paulista: "Se essa parcela de trabalhadores de
origem camponesa refuta

a condição operária, se se sente pouco integrada na vida fabril,


se essa só lhe aparece como um momento passageiro de sua
existência - embora, de fato, possa não o ser - sentir-se-á
pouco propensa à participação nas atividades sindicais e nos
movimentos operários." Ver Leôncio Martins Rodrigues, op.
cit., p. 187.

19 Karl Marx, "O 18 brumário de Luís Bonaparte", em


Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos
(São Paulo, Abril Cultural, 1978), pp. 396-397. Livro da coleção
Os Pensadores.
20 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 62-63.

21 De acordo com um antigo morador, "era um tal de baiano


chegar da Bahia praí! Bahia Nova, que aqui chamava Bahia
Nova, que eles trata. Ah, a turma começou a chamar aí que vou
te falar, abriu serviço

a torto e a direito, construção, estrada, tudo". Depoimento


reproduzido em Teresa Pires do Rio Caldeira, op. cit., p. 36.

22 Ver Paulo Fontes, op. cit., pp. 17, 104, 106, 110, 156-164.

23 Florestan Fernandes, Folclore e mudança social na cidade


de São Paulo (São Paulo, Anhambi, 1961), pp. 32-33.

24 A letra da toada é transcrita na íntegra em Fenelon Almeida,


op. cit., pp. 127-131.

25 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 82-83.

26 O livro de Lopes é, inegavelmente, uma obra de referência


sobre o tema.

Porém, está marcado pelo momento em que foi produzido, em


que o preconceito estava muito presente. Um exemplo: "Nada
da sua experiência anterior à migração para a indústria da
grande cidade prepara essa gente, ligada entre si apenas por
achar-se em condições semelhantes de emprego em uma
mesma empresa, a fim de participar junta de uma

ação coletiva para a qual os padrões tradicionais de


comportamento não lhe podem servir de guia." (p. 69)

27 O Estado de S. Paulo, 16 de agosto de 1958. Citado por


Teresa Pires do Rio Caldeira, op. cit., p. 40.
28 Em 1º de agosto de 1947, pouco após a posse de Ademar de
Barros no governo do estado, também houve um quebra-
quebra tendo como motivo principal o aumento das passagens
de ônibus e bondes. Veículos foram

depredados e incendiados. Os manifestantes chegaram a


ocupar por alguns instantes o prédio da prefeitura, na rua
Líbero Badaró. Não ocorreram mortes entre os manifestantes,
mas trinta foram feridos, e

mais de duzentos veículos acabaram destruídos.

29 Manchete, n. 347, 13 de dezembro de 1958. A CMTC foi


criada em agosto de 1946, como sociedade de economia mista,
tendo a prefeitura da capital como acionista majoritária.

30 Correio Paulistano, 31 de outubro de 1958.

31 Folha da Manhã, 31 de outubro de 1958.

32 Ver Manchete, n. 385 e 395, 5 de setembro e 14 de novembro


de 1959.

33 Aroldo Azevedo (dir.), A cidade de São Paulo: Estudos de


geografia urbana (São Paulo, Nacional, 1958), vol. II, pp. 159 e
169.

34 Ver Conjuntura Econômica, ano XVIII, n. 8, agosto de 1964.


Apud Pérsio Santiago, Imagem invertida: Desenvolvimento
econômico e condições sociais na cidade de São Paulo, 1946-
1961, tese (doutorado) -

USP, São Paulo, 2000, p. 54.

35 Ver Manchete, n. 250, 2 de fevereiro de 1957.


36 Jorge Wilheim, São Paulo metrópole 65: Subsídios para seu
plano diretor (São Paulo, Difel, 1965), p. 61.

37 A. Delorenzo Neto, "O aglomerado urbano de São Paulo", em


Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 6, pp. 121 e 113, julho
de 1959.

38 Pérsio Santiago, op. cit., pp. 67-68.

39 Teresa Pires do Rio Caldeira, op. cit., pp. 38-39.

40 Manchete, n. 264, 11 de maio de 1957.

41 Manchete, n. 256, 16 de março de 1957.

42 Paul Singer, "Urbanização e crescimento: O caso de São


Paulo", em Paul Singer et al., Caderno Cebrap 14: Cultura e
participação na cidade de São Paulo (São Paulo, Cebrap, 1973),
p. 74.

43 Amélia Cohn, op. cit., pp. 14, 17 e 21.

44 Ver Itamar de Souza, Migrações internas no Brasil


(Petrópolis, Vozes, 1980), pp. 68-69.

45 Hélio A. de Moura, "O balanço migratório do Nordeste no


período 1950/1970", em Migração interna: Textos selecionados
(Fortaleza, Banco do Nordeste do Brasil, 1980), p. 1.063.

46 Celso Furtado, A Operação Nordeste (Rio de Janeiro, Iseb,


1959), p. 37.

47 Fiesp/Ciesp, São Paulo e a economia nordestina (São Paulo,


Serviço de Publicações Ciesp/Fiesp, 1957), especialmente as
pp. 12-18, 122-123. São constantes na imprensa as acusações
de que a economia paulista estava sendo favorecida pelo
governo federal e o Nordeste seria "uma colônia de São Paulo".
Ver Manchete, 24 de outubro de 1959. O então governador
cearense, Parsifal Barroso, ataca o que considerava privilégio
paulista na compra do algodão nordestino.

48 As citações dos dois últimos parágrafos são das Mensagens


presidenciais de 1947-1964 (Brasília, Câmara dos Deputados,
1978), pp. 212-213, 316, 332-333. Em 1942, o Conselho Nacional
de Geografia dividia o país em cinco regiões: Norte, Nordeste,
Leste, Sul e Centro-Oeste. A Bahia e o Sergipe eram parte da
região Leste. Com a criação da Sudene, ambos passaram para
a área sob atuação da superintendência,

contudo, a formalização da inclusão dos dois estados na região


Nordeste ocorreu somente em 1969, com a nova divisão
geográfica do país e o surgimento do Sudeste, formado por São
Paulo, Rio de Janeiro, Guanabara (até 1975), Minas Gerais e
Espírito Santo (estes dois últimos faziam parte da região Leste,
na antiga divisão).

49 Tânia Bacelar, "A 'questão regional' e a questão nordestina",


em Maria da Conceição Tavares (org.), Celso Furtado e o Brasil
(São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000), pp. 74-75.

50 Celso Furtado, A fantasia desfeita (Rio de Janeiro, Paz e


Terra, 1989), p. 80.

O grifo é de Furtado.

51 Manchete, n. 359, 7 de março de 1959.

52 Celso Furtado, op. cit., pp. 83-85; Manchete, n. 486, 9 de abril


de 1960.

53 Para os dois casos citados, ver Alceu Maynard Araújo, "A


família numa comunidade alagoana", em Sociologia, vol. XVII,
n. 2, maio de 1955, especialmente as pp. 129-131.
54 Depoimento recolhido e citado em Maria Ignez Novais Ayala,
op. cit., p. 39.

55 Os depoimentos não estão identificados. Ver Centro de


Estudos Migratórios, Nordestinos (São Paulo, 1988), pp. 22 e 23
(Cadernos de Migração, 2).

56 Apud José Francisco Camargo, op. cit., p. 126.

57 José Almeida, Industrialização e emprego no Brasil (Rio de


Janeiro, Ipea/Inpes, 1974), p. 49.

1 Ver Henrique Rattner, Localização da indústria e concentração


econômica em São Paulo (Rio de Janeiro, Fundação Getulio
Vargas, 1972), p. 46.

2 No interior paulista, núcleos onde eram predominantes


migrantes originários da Bahia acabaram recebendo
designações de cidades e vilas baianas, como Paraguaçu
Paulista, Lençóis Paulista, Nazaré Paulista, entre outras. Ver
Jorge Calmon, op. cit., p. 132.

3 Depoimento recolhido e transcrito por Antonio Possidônio


Sampaio, A capital do automóvel: Na voz dos operários (São
Paulo, Edições Populares, 1979), pp.

44-47.

4 Os dois últimos parágrafos tiveram como base Ademir Médici,


Migração e urbanização: A presença de São Caetano na região
do ABC (São Paulo, Hucitec/Prefeitura de São Caetano do Sul,
1993), pp. 87-89.

5 O melhor livro sobre a mobilização dos trabalhadores do ABC


na primeira metade do século XX é o de John D. French, O ABC
dos operários: Conflitos e alianças de classe em São Paulo,
1900-1950 (São Paulo/São
Caetano do Sul, Hucitec/Prefeitura de São Caetano do Sul,
1995). Lembra o autor que a expansão da classe operária e
dada a sua importância eleitoral, "os políticos que buscavam
manter seu desempenho eleitoral também tinham que renunciar
ao conservadorismo ideológico que, no passado, havia sido útil
aos políticos locais". Ou seja: "Os políticos do ABC, quaisquer
que fossem suas tendências pessoais, já não podiam

apoiar abertamente os empregadores locais contra seus


operários. A reação dos políticos às greves oscilava agora
entre a adoção entusiástica da 'justa causa dos operários' e a
hostilidade dissimulada como neutralidade." (p. 257)

6 Roniwalter Jatobá, Crônicas da vida operária (São Paulo,


Círculo do Livro, 1982), p. 67.

7 Citado por Manoel T. Berlinck, Marginalidade social e relações


de classe em São Paulo (Petrópolis, Vozes, 1977), pp. 90-95.

8 Fernando Henrique Cardoso, "São Paulo e seus problemas


sociais", em Paul Singer et al., op. cit., pp. 92-93.

9 Ver Rosa Ester Rossini, "Considerações a respeito do êxodo


rural/urbano/rural: O exemplo paulista", em Cadernos Ceru, n.
12, p. 84, setembro de 1979.

10 O ETR foi adotado por meio da lei 4.214, de 2 de março de


1963. Concedeu aos trabalhadores rurais os mesmos direitos
dos trabalhadores urbanos.

11 Ver Antonio Jordão Netto, "Migrações e formação de


populações marginais em São Paulo", em Cadernos PUC:
Ciências Sociais 2 (São Paulo, março de 1980), pp. 37-39.

12 Ver Manoel T. Berlinck, op. cit., p.85.


13 Ver Marco Antonio Villa, Vida e morte no sertão (São Paulo,
Ática, 2000), p.
211.
14 Ver Alceu Maynard Araújo, op. cit., p. 51.

15 Ver Folha de S.Paulo, 15 de junho de 1971.

16 Ver Folha de S.Paulo, 7 de junho de 1972. A reportagem


"Doze nordestinos iam ser vendidos" relata a prisão de dois
motoristas de ônibus que traziam nordestinos para serem
vendidos a mil cruzeiros cada.

17 Ver O Estado de S. Paulo, 24 de março de 1970.

18 Sonia Regina Perillo, "Novos caminhos da migração no


estado de São Paulo", em São Paulo em perspectiva, 10 (2),
1996, pp. 80 e 76.

19 Ver O Estado de S. Paulo, 3 de novembro de 1988. A


reportagem é de Pedro Costa, e as fotos, de Ana Carolina
Fernandes.

20 Devido "ao desestímulo do mercado de trabalho agrícola do


estado de São Paulo (que passou a funcionar sazonalmente),
os fluxos populacionais estariam se orientando mais para as
zonas urbanas, sendo

que os verdadeiros migrantes estariam procurando menos a


Cetren, enquanto em contrapartida estaria havendo maior
procura por parte da população itinerante e indigente" (Jordão
Netto, Antonio. Migrações

e formação de populações marginais em São Paulo, p. 38).

21 Ver O Estado de S. Paulo, 30 de dezembro de 1979. A


reportagem é de Getúlio Alencar, e as fotos, de Sidney Corallo.
O repórter ficou uma semana no Cetren, passando-se por
migrante.

22 Folha de S.Paulo, 8 de dezembro de 1967.

23 Ver Jornal do Brasil, 9 de outubro de 1983. A reportagem é


de Teresinha Nunes. A declaração é de um motorista de ônibus
da empresa Itapemirim.

24 Ver O Estado de S. Paulo, 23 de julho de 1977, 26 de julho de


1977 e 14 de agosto de 1977; O Globo, 14 de agosto de 1977. A
reportagem é de João Santana, com fotos de Maria Lúcia de
Souza.

25 Ver Jornal da Tarde, 23 de julho de 1977.

26 Ver O Estado de S. Paulo, 12 de janeiro de 1992. A


reportagem é de Gérson Penha, e as fotos, de Vidal Cavalcanti.

27 Carolina de Jesus, Quarto de despejo (São Paulo, Ática,


1994), p. 47.

28 Carolina de Jesus, op. cit., p. 57. Na edição foi mantido o


texto original da autora.

29 No mesmo livro são relatados diversos conflitos envolvendo


nordestinos, como os das pp. 67-68, 70, 80, 84-85, 126 e 140.
Todas as referências são negativas.

30 O folheto chama-se A dor que mais dói no pobre é a da


humilhação. O autor é José Rodrigues. Citado por Joseph Maria
Luyten, A literatura de cordel em São Paulo (São Paulo, Loyola,
1981), p. 82.

31 Nabil Bonduki, "Crise de habitação", em Lúcio Kowarick


(org.), As lutas sociais e a cidade (Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1994), p. 123.
32 Ver Arlete Moysés Rodrigues, Processo migratório e
situação de trabalho da população favelada em São Paulo,
dissertação (mestrado) - USP, São Paulo, 1981, pp. 13-18; O
Estado de S. Paulo, 26 de julho

de 1977.

33 Ver O Estado de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1978.

34 Francisco Weffort, "Nordestinos em São Paulo: Notas para


um estudo sobre cultura nacional e cultura popular", em Edênio
Vale (org.), A cultura do povo (São Paulo, Cortez, 1984), p. 15.

35 Depoimento recolhido por Alceu Maynard Araújo, op. cit., p.


134.

36 Nabil Bonduki, "Habitação e urbanismo", em Tamás


Szmrecsányi (org.), op.

cit., pp. 304-305.

37 Ver O Estado de S. Paulo, 1º de fevereiro de 1978.

38 Ver Jornal da Tarde, 16 de fevereiro de 1989; O Estado de S.


Paulo, 3 de novembro de 1988; e Jornal da Tarde, 21 de
dezembro de 1987. A reportagem é de Rosa Bastos, e as fotos,
de André Fortes.

39 Ver O Globo, 2 de dezembro de 1975.

40 Ver O Globo, 10 de abril de 1974.

41 Depoimento citado por João Batista de Andrade na


publicação da Emplasa, Comunidade em debate: O migrante
(São Paulo, 1979), pp. 10 e 11.

42 Ver Celeste Souza Andrade, "Migrantes nacionais no estado


de São Paulo", em Sociologia, vol. XIV, n. 1, p. 125, março de
1952.

43 Antonio Torres, op. cit., p. 50.

44 Ver Arlete Lúcia Bertini Leitão, "Migração: Considerações


sobre migrantes de baixa renda em trânsito por São Paulo", em
Cadernos Ceru, n. 15, pp. 147-179, agosto de 1981.

45 Música de Oliveira das Panelas e Geraldo Amâncio, "São


Paulo eu quero voltar". Citado em Assis Ângelo, "A presença
dos cordelistas e cantadores repentistas em São Paulo", em
Cidade (São Paulo, Ibrasa, 1996), pp. 70-71.

46 Depoimento citado em Antonia Alves de Oliveira et al., Os


nordestinos em São Paulo (São Paulo, Paulinas, 1982), pp. 38-
39.

47 Ver Jornal do Brasil, 8 de julho de 1979.

48 O folheto chama-se Ilusões de um nordestino na capital de


São Paulo. O

autor é José Dalvino de Souza. Citado por Joseph Maria Luyten,


op. cit., pp. 48-49.

49 Rachel de Queiroz, O quinze (São Paulo, Siciliano, 1993), pp.


107 e 108.

50 Graciliano Ramos, Vidas secas (São Paulo, Martins, 1976),


pp. 134 e 130.

51 Jorge Amado, op. cit., p. 59.

52 Amando Fontes, Os corumbas (São Paulo/Rio de Janeiro,


Três/José Olympio, 1974), p. 181.

53 João Guimarães Rosa, Sagarana (Rio de Janeiro, José


Olympio, 1982), pp.
157, 164, 166 e 169.

54 João Cabral de Melo Neto, Antologia poética (Rio de Janeiro,


José Olympio/Sabiá, 1973), pp. 217-219.

55 Antonio Torres, Essa terra (São Paulo, Ática, 1986), pp. 18 e


63.

56 Clarice Lispector, A hora da estrela (Rio de Janeiro, Rocco,


1998).

1 Ver O Estado de S. Paulo, 26 de setembro de 1987. A


reportagem é de Rosana Ortiz.

2 Ver Folha de S.Paulo, 1º de agosto de 1971. A reportagem é de


Lourenço Diaféria.

3 O folheto é de Lourival Bandeira de Lima e chama-se A


malandragem do Brás.

Citado por Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 48.

4 Citado por Maria Ignez Novais Ayala, op. cit., p. 49.

5 O poema é de Téo Azevedo, e não é identificado o título.


Citado por Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 89.

6 Ver O Estado de S. Paulo, 1º de fevereiro de 1978.

7 Ver Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, As


migrações para Fortaleza (Fortaleza, Imprensa Oficial do Ceará,
1967), p. 22; Gilberto Osório de Andrade, Migrações internas e o
Recife (Recife,

Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1979), p. 21.

8 Guaraci Adeodato Alves de Souza, "Urbanização e fluxos


migratórios para Salvador", em Hélio A. de Moura (org.),
Migração interna: Textos selecionados (Fortaleza, Banco do
Nordeste do Brasil, 1980), p.

1.114.

9 Ver Vilmar Faria (org.), Caderno Cebrap 34: Bahia de todos os


pobres (Petrópolis, Vozes/Cebrap, 1980), pp. 104-105.

10 Ver Milton Santos, A urbanização brasileira (São Paulo,


Hucitec, 1996), p. 32.

11 Ver Sudene, II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-


1979): Programa de ação do governo para o Nordeste (Recife,
1975), pp. 33 e 35.

12 Ver O Globo de 29 de dezembro de 1981. A declaração é de


José Ávila da Rocha, identificado na reportagem como
coordenador das unidades de apoio social da Secretaria de
Promoção Social do Estado de São Paulo.

13 Ver Folha de S.Paulo, 4 de dezembro de 1974.

14 Sudene, op. cit., pp. 114-115.

15 Ver Sudene, População residente nas áreas de atuação da


Sudene e do Polígono das Secas, 1970-1980 (Recife, 1982).

16 Ver Seade, Análise demográfica regional (São Paulo, 1983),


pp. 26-27.

17 Milton Santos, Por uma economia política da cidade (São


Paulo, Hucitec/Educ, 1994), pp. 13 e 63.

18 Ver O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 1981. A


reportagem é de Getúlio Alencar.

19 Ver Centro de Estudos Migratórios, Migrações no Brasil: O


peregrinar de um povo sem terra (São Paulo, Paulinas, 1986),
pp. 52-54.

20 Ver O Estado de S. Paulo, 9 e 11 de março de 1897.

21 Ver Ernani Thimóteo de Barros, op. cit., p. 80.

22 Júlio de Mesquita Filho, Nordeste (São Paulo, Anhambi,


1963), pp. 14 e 21.

23 Ver Folha da Tarde, 7 de abril de 1989, reportagem de Mário


Simas Filho; O

Estado de S. Paulo, 5 de abril de 1989; Folha da Tarde, 23 de


agosto de 1990, reportagem de Mário Rosa com fotos de Sérgio

Andrade; Folha de S.Paulo, 26 de setembro de 1992,


reportagem de Cláudio Júlio Tognolli.

24 O folheto chama-se A Canaã dos nortistas e é de autoria de


Bernardino de Sena. Citado em Joseph Maria Luyten, op. cit., p.
47.

25 Florestan Fernandes, op. cit., p. 25.

26 Ver Jornal da Tarde, 9 de dezembro de 1988, e O Estado de


S. Paulo, 9 de dezembro de 1988. A reportagem é de Pedro
Costa.

27 Ver Folha de S.Paulo, 25 de maio de 1971.

28 Billy Jaynes Chandler, op. cit., pp. 260-261.

29 Ver Júlio César Lobo, "Cultura nordestina, sociedade


carioca: Representações de migrantes nordestinos na
chanchada, 1952-1961", em Sociedade e cultura, vol. 9, pp. 161-
172, janeiro-junho de 2006.
30 Ver Dominique Dreyfus, Vida do viajante: A saga de Luiz
Gonzaga (São Paulo, Editora 34, 2012), pp. 134-138.

31 É o poema "O nordestino no caminho da ilusão", de


Raimundo Nonato de Andrade, transcrito em Joseph M. Luyten,
"Migrações no Brasil: Estórias de retirantes", em Cadernos de
Estudos Sociais, vol. 6, n.

2, pp. 255-256, julho-dezembro de 1990.

32 O folheto chama-se O que faz o nordestino em São Paulo,


cuja autoria é de Jotabarros. Citado por Joseph Maria Luyten,
op. cit., p. 77.

33 As citações dos três últimos foram extraídas de Cremilda


Medina (org.), op.

cit., pp. 17-20, 54, 107-111.

34 Nabil Bonduki, Origens da habitação social no Brasil (São


Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 1998), p. 309.

35 Ver O Estado de S. Paulo, 26 de janeiro de 1980. A


reportagem é de Célia Romano e Getúlio Alencar, com fotos de
João Pires.

36 Ver O Migrante, março-abril de 1978.

37 O folheto chama-se O nordestino no sul, de autoria de


Franklin Machado.

Citado em Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 46.

38 As citações dos dois últimos parágrafos foram extraídas de


Antonia Alves de Oliveira et al., op. cit., pp. 25-26, 35-36.

39 Ver Folha de S.Paulo, 25 de dezembro de 1973.


40 Folha da Tarde, 7 de abril de 1989. Reportagem de Mário
Simas Filho.

41 Poema de Elen Cristina Geraldes, citado em Cremilda


Medina (org.), op. cit., p. 97.

42 Ver Folha de S.Paulo, 3 de maio de 1988. A reportagem é de


José Marcelo Espírito Santo, com fotos de Vidal Cavalcante.

43 Ver Jornal da Tarde, 4 de março de 1977. A reportagem é de


João Carlos Lourenço, com fotos de Luiz Carlos Kfouri. Os
versos são do repentista Luiz Pinto, natural de Itaporanga, na
Paraíba.

44 Folha de S.Paulo, 11 de dezembro de 1973.

45 Ver Dominique Dreyfus, op. cit., p. 229.

46 Versos do folheto de cordel Feira de São Cristóvão, do


Mestre Azulão.

47 Ver Maria Lúcia Martins Pandolfo, A feira de São Cristóvão:


Espaço sentimental do Nordeste no Rio de Janeiro, cadernos
avulsos da biblioteca do professor do Colégio Pedro II (Rio de
Janeiro, 1989), especialmente as pp. 10-18.

48 Ronaldo do Livramento Coutinho, Operário de construção


civil: Urbanização, migração e classe operária no Brasil (Rio de
Janeiro, Achiamé, 1980), pp. 64-65.

49 Ver Dominique Dreyfus, op. cit., pp. 145 e 158.

50 De acordo com Moraes, o "final dos anos 1920 e a década de


1930 foram, portanto, o período de formação daquilo que hoje
denominamos 'música sertaneja'. Nessa época, a cultura
caipira tradicional começou
a ser difundida pelos meios de divulgação de massa,
transformando-se, adquirindo aos poucos tons urbanos. No
início, os produtores e divulgadores da música caipira eram
exclusivamente pessoas vindas do

interior, que cantavam em duplas as modas de viola, com tom


anasalado, sobre intervalos de terça, até hoje características
definidoras das 'duplas caipiras'".

Ver José Geraldo Vinci de Moraes, Metrópole

em sinfonia: História, cultura e música popular na São Paulo


dos anos 30 (São Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 2001), p.
247.

51 Todas as informações sobre Jorge Paulo e o programa


Chapéu de Couro foram obtidas em depoimento prestado ao
autor, em 9 de maio de 2007.

1 Veja, 9 de maio de 1973.

2 No México também ocorreu um grande crescimento


populacional, mas esteve restrito à capital federal, a Cidade do
México. Tanto que, em 1980, além da capital, a única cidade
com mais de um milhão de habitantes era Guadalajara, capital
do estado de Jalisco (com 2,1 milhões). O Distrito Federal teve
um crescimento muito acentuado entre 1940, quando possuía
1,7

milhão de habitantes, e 1980, quando saltou para 8,8

milhões. Porém, no caso mexicano houve uma corrente


histórica de emigração em direção à fronteira norte, para os
Estados Unidos. Ver Instituto Nacional de Estadística,
Geografía e Informática, Estadísticas

históricas de México (México, 1985), pp. 13 e 27.


Quando eu vim-me embora descreve e analisa a expulsão do
sertanejo, a permanência da miséria e a mudança em escala
jamais vista na história do Brasil. São histórias individuais
pungentes e emocionantes que, somadas, compõem um dos
mais ricos processos históricos do país. Com elas, você
conhecerá a complexa migração de homens, mulheres,
crianças e idosos nordestinos e os sentimentos diversos que
fizeram parte de suas vidas - da esperança à frustração, da
fome e da sensação de desterro à conquista de espaço numa
grande metrópole, da crença num futuro de oportunidades ao
desencanto e o preconceito enfrentados na "Terra da Garoa".

MARCO ANTONIO VILLA é historiador, com mestrado em


sociologia e doutorado em história social, ambos pela
Universidade de São Paulo (USP). Foi durante 30

anos professor de instituições públicas de ensino

superior, e atualmente é comentarista da TV Cultura e da Rádio


Jovem Pan.

Pela LeYa, publicou Um país partido, Mensalão, A história das


constituições brasileiras e Ditadura à brasileira.

Índice

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DIREITOS AUTORAIS PÁGINA

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO 1: VOU DEIXAR A MINHA TERRA


CAPÍTULO 2: AS LEVAS NATIVAS

CAPÍTULO 3: CHAMAM ELES DE MORRENDO-ANDANDO

CAPÍTULO 4: OS OPERÁRIOS ADVENTÍCIOS

CAPÍTULO 5: ME ALEMBRO COMO SE FOSSE HOJE

CAPÍTULO 6: NÃO SOU DE ENCOSTÁ CORPO, NÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A VIDA AQUI É FOGO, MAS SE


GANHA DINHEIRO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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