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SUMÁRIO
Apresentação
APRESENTAÇÃO
Não foi nada fácil escrever este livro. Como "A carta roubada"
de Poe, apesar de tão visível, não há base documental
suficiente para o trabalho do historiador. Não foi necessário
queimar os arquivos,
CAPÍTULO 1
de 1950-1960".1
Como grande parte dos migrantes nordestinos era cearense, o
governo provincial acabou financiando a viagem dos
sertanejos. Foi criada na capital paulista até uma Hospedaria de
Imigrantes e Retirantes Cearenses, de onde posteriormente
eram encaminhados para fazendas no Vale do Paraíba ou do
Oeste Paulista.2 Na imprensa cearense foram publicados
diversos artigos defendendo que "o sul é pois hoje a nossa
tábua de salvação. Em nome, pois, dos 800 mil infelizes
condenados à morte, pedimos ao governo imperial que
estabeleça a corrente de emigração, em todos os vapores".3
um desembocar de Brasil".19
insegurança social".23
De ti me arrancaram somente
Para um constituinte, o Brasil "tem uma raça tão forte (...) não
pode trazer para o seu solo, prejudicando a sua vida social, a
sua vida econômica, a sua vida política, e pondo a todos os
instantes em
autor: "São Paulo, por exemplo, tem, como Santa Catarina, 85%
de brancos puros. A Bahia só tem 33%." Por isso, no sul, "o
índice craneano desses brasileiros se eleva um pouco mais, e
as proporções somáticas tendem ainda a se diversificar na
mesma relação". Enquanto que o
"amongoilamento do tipo nordestino já é clássico e por demais
conhecido, para que honestamente possa ser contestado. Se às
vezes esse amongoilamento desaparece, deixa entretanto a
platicefalia, vestígio do amerindiano".
É inimigo do Norte
É preguiçoso, é ruim,
Dos 396 mil que chegaram por via terrestre, a maioria era
nordestina, com a ampla predominância dos baianos - quase
149 mil -, ficando em segundo lugar os pernambucanos, com 33
mil, seguidos de muito
forte.
CAPÍTULO 2
AS LEVAS NATIVAS
paradas comia o mínimo possível: "A gente era tão matuto que
a moça do restaurante perguntou para um primo meu se queria
palito de dente e ele disse que estava com a barriga cheia."
Com os trens sempre lotados, a saída foi invadir o vagão de
carga: "Lá viajava uma burra brava que dava coice para todo
lado." Os cearenses viajaram num extremo do vagão, e a burra
no outro. Poucas horas depois, com o sacolejar
Vá logo ao chiqueiro
Amarre a cabritinha
E mate a galinha
Leve o candeeiro
E duas panelas,
Arrume as tigelas
E se tiver xerém,
Prepare as canelas.
rádio para outro, sem que se perdesse uma palavra."7 Diz uma
migrante do sertão da Paraíba: "Todo mundo falava em São
Paulo. Eu acordava às três horas da manhã, quando o rádio
pegava programas de longe,
e ficava ouvindo."8
Xique-xique, mucunã,
Macambira, imbiratã,
A paneira e o murrão,
Maniçoba e gordião,
Morrem de epidemia;
Repassando de tristeza,
Ó Deus, que és pai da pobreza,
Pirapora era o ponto final de uma longa viagem pelo rio São
Francisco. Os passageiros embarcavam em Juazeiro - onde
chegavam pelas estradas de ferro Leste Brasileiro e Petrolina-
Teresina -, vindos principalmente do Ceará, Sergipe, Alagoas,
Piauí e Pernambuco; além de milhares que alcançavam a
cidade a pé, deixando pelo caminho parte da família, morta:
a Getúlio Vargas.34
pendurado no pescoço
relato dizia ainda que as "pensões (que usam este nome por
não terem inventado outro) são bodegas imundas, com tapetes
voadores de moscas, pratos rachados, talheres enferrujados,
toalhas ensopadas de gordura de bode".45 Em muitos pontos
da estrada nem sequer existia uma vila.
Em cima de um caminhão.
E a poeira é de morte
é o direito do home
"Uma criança chorou muito à noite. Noutro dia, logo que o carro
partiu, continuou chorando. Ao cair da tarde ela cessou de
chorar. E não choraria mais jamais. Morreu. A mãe constatou,
avisou o marido. Várias pessoas bateram na boleia para que o
motorista parasse. Este não dava atenção. Lá pelas tantas,
parou e, muito mal-humorado por ter de interromper a viagem,
consentiu em esperar que enterrassem o 'anjinho'. Não havia
uma ferramenta para se cavar, uma enxada, nada.
"No trajeto que fiz, num ônibus, do Rio para São Paulo, por
diversas vezes alcancei caminhões de emigrados do Nordeste.
Com
dos alagoanos".9
Estribilho
A caminhão
Eu não vou
- Eu não vou
Não quero i
A S. Paulo a caminhão
Quando há razão
Para o sinhô compreendê
Bota a perdê,
Queima-se o carboradô
E eu não vou
Só se fô de avião
Não quero i
A S. Paulo a caminhão
A S. Paulo a caminhão
queria compreendê
Pode o chofrê bebê
variadas.
só pá mi disabafá!
seca amardiçuada
Falava!
Falava!
e adispois diz:
e eu chegasse a sê douto!...
CAPÍTULO 4
OS OPERÁRIOS ADVENTÍCIOS
Em 1955 subiu para 900 mil, e quatro anos depois para 1,1
milhão,2 o maior eleitorado de uma cidade brasileira.
*
Estava se formando uma nova classe operária,
fundamentalmente com trabalhadores nacionais; boa parte
deles era de migrantes e nordestinos. O
Pelo relato, o que tivemos não foram "batatas num saco", foram
operários conscientes das reivindicações que defendiam por
meio da liderança do sindicato. Evidentemente que estamos no
campo das lutas específicas, salariais, e não políticas. Nas
greves, a ação policial sempre esteve presente, reprimindo
piquetes e prendendo operários. E o fantasma da demissão
rondava os operários-migrantes, o que era um ônus
suplementar, além da discriminação que sofriam dos próprios
operários que já viviam em São Paulo.
A Nitro Química, com mais de 4 mil operários, sediada em São
Miguel Paulista, bairro chamado de Bahia Nova,21 devido à
grande presença de trabalhadores nordestinos, e de Cidade
Vermelha, pois lá o PCB
20% de aumento.22
chamando a famia
começa a dizê:
vivê ou morrê!
Se o nosso distino
o jumento e o cavalo.
vendêro também
feliz fazendêro
Em um caminhão
se junta à famia
já vai viajá...
A seca terrive
E o pobre, acanhado
percura um patrão.
Só vê cara estranha
de estranha gente.
Tudo é diferente
do caro torrão.
de um dia vortá.
Só véve devendo.
Do mundo afastado
sofrendo desprezo
ali véve preso
devendo ao patrão
O tempo rolando...
E aquela famia
Distante da terra
exposto à garoa
à lama e ao pau...
no norte e no sú!24
embora, sempre dizia: 'Todo mundo quando vai pra São Paulo
chora, eu não choro.' Aí quando foi pra ele se arrumá, começou
a chorar. Quando foi véspera da viagem, passou a noite
chorando, saiu daqui chorando."55
O sociólogo Costa Pinto resumiu esse momento da história do
sertão: "Temos a impressão de que, originalmente, quando o
fenômeno era de menor vulto e esporádico, a emigração de um
filho para o sul era
CAPÍTULO 5
e marginalização na capital".15
nós, em São Paulo, tudo ficou elas por elas. A gente ganha aqui
o dobro, mas também gasta o dobro." Desiludida com o
fracasso em São Paulo, Maria Filomena da Silva desabafou ao
chegar a Pernambuco: "Aqui o pobre mete a cara onde quiser,
aqui o povo tem compaixão, a gente tem liberdade."19
trabalho. Mas não tive sorte: volta e meia ficava doente e não
podia trabalhar. E
Começa as umilhações
Conduzindo a sacaiada.
um milhão de habitantes.32
surpresa, mas foi bem recebida pela mãe: "Minha filha, aqui o
povo tem compaixão pelo seu sofrimento."
trajeto: "Falavam que aqui trabalho era mato, que o povo era
muito bom, que todo mundo era rico, mas qual o quê. Corri
construções e não consegui serviço, porque não tinha
documento nenhum e não achei
jeito de tirar."40
em São Paulo."
O operário do Norte
Na capital bandeirante
É sujeito ao assaltante
É promovido a finado
'Bem, ele foi, mas também não chegou aqui muito feio.'"46
Um morador do sertão
Confiando na ilusão
Que vi a situação
No que foi apoiado por Conceição: "Pois então está dito: São
Paulo! Vou tratar de obter as passagens. Quero ver se daqui
montanhas, povoados,
Se é também capital
ou carro de viajar.
eu pudesse o milagre
de, num dia ainda por chegar,
CAPÍTULO 6
Vagabundo pilherista,
É de pouca confiança,
De pulso e de algibeira.
É um centro interessante,
Um moço do interior
Demorou-se na Concórdia.
Na estação rodoviária
parte baianos".20
A sua apresentação
É o norte brasileiro.
A facilidade é muita
É só pedir, arranjar
Somente o preguiçoso
eu nasci no Pajeú
e só me chamam de baiano.
"baianicídio".29
revólver.30
Eu já ia na capital
Perdido na ilusão
Amostrei a documentação
Lascado de aperreado
Botou-me na frente
Na cadeia da cidade
E começou a interrogação
Naquela ocasião
Um cabra engravatado
Mandando eu dizer
A segurança de lado
Em outras regiões
Eu continuava calado
Eu já estava lascado
Eu trabalhava no roçado
Todo abatido
Completamente desenganado
Fora da agricultura.31
A incorporação dos novos valores de comportamento em outro
universo sociocultural foi um meio de o migrante que ascendeu
socialmente ser aceito nos espaços onde convivia e de se
sentir um "igual". Um industrial, que enriqueceu em São Paulo
e migrou do Piauí aos 16 anos, nos anos 1950, logo percebeu a
discriminação que pesava sobre os nordestinos assim que
perdeu a disputa por uma vaga de trabalho para outro jovem
que era nascido na capital. Na maturidade tornou-se um
industrial de sucesso e crítico do Nordeste e dos nordestinos:
"Aqui [em São Paulo] a nossa vida é de trabalho, enquanto lá
eles se dão
de grande disposição
receber o galardão
em firmas e construções.32
dizer que não sofri. Eu sofri muito mesmo. Muitas vezes não
tinha mais que um pouquinho de polenta para comer em casa.
Eu falava para os meus filhos comerem e eles me perguntavam:
'Mãe, a senhora não vai comer?' E eu tinha que mentir: 'Não,
filho, a mamãe já comeu.' E isso foi passando, até que Deus me
ajudou, eu comprei um fogão e fui montando minha casinha."
Eu não tinha nem cama pra dormir nem roupa pra vestir. E
consegui comprar tudo, tijolo, telha, areia, bloco, fogão,
geladeira, cama. Na minha vila não tinha luz nem água. Hoje
tem. Meu terreno está todo
Se emprega de operário
Acorda ao amanhecer
Se diverte é dormindo
definiu bem esse dilema: "Eu sinto que o mais grave para quem
vem praqui é a perda dos costumes, a perda dos costumes que
lá tinha. Aqui já não tem aquelas festas, aquele samba, que o
povo gosta lá; já não há aquelas missas que vão até o fim do
dia, onde a gente passa o dia inteiro e é o lugar onde você
encontra todo mundo da redondeza. Aqui é tudo apertado, tudo
para assistir o que os outros preparam.
Do nordestino a migrar.
É paulistana a praça
É o metrô paulistano.
Da capital paulistana.43
No início da década de 1970, havia em São Paulo 64 forrós.44
Foi um crescimento fantástico, ignorado pelos meios de
comunicação de massa. Era um espaço musical de diversão e
sociabilidade, porém desqualificado pelos paulistanos,
considerado pouco familiar. O primeiro forró surgiu em 1963,
criado por Pedro Sertanejo, sanfoneiro nascido em Euclides da
Cunha, na Bahia, e residindo havia um bom tempo em São
Paulo.
Viajando de caminhão
De saudade e alegria
Comprando coisa do Norte
Fazendo reunião
No ponto de condução
Tenha coragem primo velho. Cobra que não anda não engole
sapo. Se lembre que a terra do dinheiro é São Paulo e aqui você
já tem casa e comida. O resto com Deus se arranja."1
Entusiasmado, Dorival vendeu tudo o que tinha: dois cavalos e
um anel. Juntou com mais trezentos cruzeiros de um
empréstimo, comprou uma passagem de ônibus
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
I - Livros e artigos:
9, jan.-jun. 2006.
e Terra, 2004.
Santos, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano: São
Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo: Annablume/Fapesp,
2003.
O Cearense (1877)
O Povo (1932)
O Retirante (1877)
Veja (1973)
8 Ver Carlos José Ferreira dos Santos, Nem tudo era italiano
(São Paulo, Annablume/Fapesp, 2003), pp. 35 e 39.
82-83.
38 Moacir M.F. Silva, op. cit., pp. 122, 126 e 130; e Humberto
Bastos, ABC dos transportes (Rio de Janeiro, Ministério de
Viação e Obras Públicas, 1955), p.
107.
39 Ver Anuário Estatístico do Brasil (Rio de Janeiro, IBGE, 1949-
1954).
108-109.
16.)
18 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 51, 68 e 82. Essa
concepção é hegemônica entre os trabalhos produzidos pela
sociologia paulista: "Se essa parcela de trabalhadores de
origem camponesa refuta
22 Ver Paulo Fontes, op. cit., pp. 17, 104, 106, 110, 156-164.
O grifo é de Furtado.
44-47.
de 1977.
1.114.
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PÁGINA DE TÍTULO
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS