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ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
O trabalho de ouvir pessoas é algo que, normalmente, é designado aos profissionais que
lidam com os aspectos subjetivos do ser humano. O psicólogo é um destes profissionais e,
neste sentido, espera-se que ele, em especial, tenha um ouvir diferenciado do ouvir leigo.
Sobre esse assunto, Amatuzzi (1989) em seu livro: O Resgate da Fala Autentica e também
no livro: Por uma Psicologia Humana (AMATUZZI, 2001), traz importantes contribuições.
outro e não simplesmente um falar voltado para o outro. Este tipo de diálogo se diferencia
daquilo que Buber chama de palavreado, o qual nada mais é do que falar a si mesmo, pois
não existe troca, mas sim um falar sem a intenção de se relacionar com a fala do outro.
Amatuzzi (1989, p.42) comentando o pensamento de Buber diz: “Quando as pessoas estão
apenas preocupadas em falar e não escutam (portanto apenas preocupadas consigo
mesmas), por mais inteligentes que possam ser os discursos não há propriamente o
diálogo, mas só palavreados”.
No que se refere à relação terapêutica, Buber e Rogers (2005) não tem pontos de
vista concordantes. Para Buber este tipo de relação (terapia) não é uma relação eu-tu, uma
vez que não é uma relação pura, mas sim socialmente planejada e com uma hierarquia da
qual não podemos fugir (o terapeuta não está no mesmo nível hierárquico do cliente, pois
se estivesse, o cliente não o procuraria enquanto profissional). Já Rogers acredita que a
psicoterapia, quando autêntica, é o melhor exemplo de relação eu-tu, ou pelo menos deve
ser tomado como meta chegar á este tipo de relação para que o sujeito obtenha um bom
resultado em termos de crescimento pessoal, o qual é o objetivo final da psicoterapia.
Mauro Amatuzzi fala sobre o resgate da fala autêntica (1989). Para o autor a
possibilidade de não-expressividade da fala e a significação de entrar na relação são
questões interligadas. Por ter formação em psicologia e também em educação, carrega
fortes influências das ideias de Carl Roger e Paulo Freire. Neste sentido, a compreensão
das ideias de Amatuzzi será útil para a compreensão sobre o ouvir e o falar da experiência
religiosa.
Amatuzzi ressalta que o que se pode fazer por uma pessoa que está tentando se
comunicar, mesmo que no momento não sinta o sucesso de seu empreendimento, é
basicamente ouvi-la. Mas não um ouvir mecanizado, e sim um ouvir terapêutico que vai
além do simples escutar. Receber as formulações, por mais aproximativas que sejam sem
parcializar ou introduzir esquemas de escuta é o que permite o fluxo expressivo e, com ele
o aprofundamento (pelo próprio sujeito) em direção a maior expressividade e
consequente crescimento pessoal: “se eu não tiver a quem falar e quem me ouça
totalmente, eu não me expresso e, consequentemente, não atualizo o meu ser”
(AMATUZZI, 1989 p.172).
Depois desta breve introdução sobre o falar, podemos agora aprofundar o ouvir,
mas, antes, cabe esclarecer ao leitor que essa separação de conceitos deu-se apenas por
motivos didáticos e que, na prática, o falar e o ouvir acontecem de forma integrada.
2. METODOLOGIA
3. RESULTADOS E ANÁLISE
Sobre esse assunto é possível observar nos sujeitos de pesquisa de Antunes (2005)
e Baungart (2010) algumas situações nas quais eles se sentiram o oprimido de que fala
Paulo Freire. O exemplo da entrevista com Maria (nome fictício de um dos participantes
da pesquisa) revela tal situação.
Maria, ao termino de nossa entrevista relatou que sentiu, pela primeira vez, que havia
conseguido falar tudo aquilo que sente em relação a sua experiência religiosa. Disse
ainda que em outros momentos de sua vida já havia sido questionada a respeito de sua
religiosidade, mas, ao falar sobre esse assunto, era tomada por uma forte sensação de
‘incompletude’ em relação à sua fala.
Sobre o sentimento descrito por Maria, acredito que suas tentativas anteriores de
expressão em relação àquilo que para ela era essencial poderiam ser consideradas falas
banais, no sentido de Merleau-Ponty, palavreado no sentido de Martin Buber, ou uma fala
não autentica no sentido de Roger e Amatuzzi. O ultimo autor diz que:
[...] uma pessoa que não consegue dizer aquilo que gostaria de dizer de fato é alguém
que não está conseguindo sentir-se verdadeiramente ouvida. Quando a palavra viva é
recebida (ouvida), ela se torna disponível para operações ulteriores. Ser ouvida significa
ser plenamente pronunciada. (AMATUZZI, 1990 p. 15)
Paulo Freire diria que a consequência do não sentir-se ouvida é a pessoa voltar a
insistir em dizer aquilo que verdadeiramente gostaria de dizer até sentir-se plenamente
ouvida, ou ainda desistir de dizer aquilo que é essencial e substituir a ‘sua palavra’ por
outras que não são suas.
Ao refletir sobre a colocação da entrevistada (de que pela primeira vez ela sentiu-
se verdadeiramente ouvida) a autora passou a analisar o que havia de diferente em sua
atitude, que gerou na entrevistada tal sentimento. A conclusão foi que, ao enfatizar seus
sentimentos, repetindo-os na fala da pesquisadora durante a entrevista, Maria se sentiu
verdadeiramente ouvida. Pode-se pensar que naquele momento, a relação que a
entrevistadora estava estabelecendo com Maria tenha sido uma relação eu-tu. Isto porque
a entrevistadora procurou repetir os sentimentos que também a tocaram na fala de Maria,
ou seja, procurou-se ressaltar os sentimentos dela que primeiramente tocaram a
pesquisadora. Neste sentido, não estava acontecendo, naquele momento, uma relação
hierárquica (pesquisador – sujeito), mas sim uma relação entre duas pessoas na qual uma
estava reproduzindo, através do contato, aquilo que a outra estava tentando concretizar
em seu discurso.
O resultado deste tipo de diálogo é um libertar-se de falas que não são autenticas
ou que estão hospedadas na pessoa por algum opressor. Além disso, ao sentir-se
verdadeiramente ouvida em sua fala à pessoa é capaz de vivenciar situações inesperadas
ou desconhecidas em relação a si mesma, como é o caso das experiências de religiosidade.
Amatuzzi (1998, p. 59) ressalta que: “(...) a experiência religiosa é algo que não pertence ao
plano das ideias e diante da grandeza do experienciado a pessoa se sente como nublada,
infinitamente pequena e entregue”. Esta experiência, pois, repercute diariamente na vida
da pessoa, abrindo para a mesma um mundo inteiramente novo.
Quando digo que gosto de ouvir alguém estou me referindo, evidentemente, a uma
escuta profunda. Quero dizer que ouço as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos
sentimentos, o significado pessoal e até mesmo o significado que subjaz às intenções
conscientes do interlocutor. Em algumas ocasiões ouço por trás de uma mensagem que
superficialmente parece pouco importante, um grito humano profundo, desconhecido e
enterrado muito abaixo da superfície da pessoa. (ROGERS, 1983, p. 5).
REFERÊNCIAS
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