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Introdução
O Grupo de Estudos sobre Cotidiano Escolar e Culturas (GECEC) iniciou a pesquisa
interinstitucional “Como preconceitos e discriminações impactam os processos de ensino
aprendizagem? Um estudo longitudinal no ensino fundamental”, em 2015, a fim de
compreender as possíveis relações entre preconceito e discriminação no processo de ensino-
aprendizagem, com alunos do sétimo ano do ensino fundamental.
Para esta pesquisa, o GECEC optou pela metodologia de Estudo Longitudinal para
possibilitar o acompanhamento posterior desses mesmos sujeitos, ao migrarem para o Ensino
Médio. O objetivo mais amplo é prosseguir com as análises referentes às situações de
“preconceito e discriminação no ambiente de aprendizagem e as taxas de evasão escolar,
repetência escolar, distorção idade-série e desempenho acadêmico dos estudantes” (Andrade,
2012) dos sujeitos amostrais durante os anos finais do ensino fundamental e durante todo
ensino médio.
Tendo em vista que o GECEC trabalha com diferentes temas relacionados ao
preconceito e à discriminação, e com o propósito de aprofundar os temas para melhor atender
a nossa proposta central de estudo, na primeira etapa da pesquisa fizemos estudos de teorias
que pudessem nos ajudar a compreender as diversas vertentes do preconceito e da
discriminação no ambiente escolar, referentes a: (i) moral, ética e luta por reconhecimento;
(ii) religião e intolerância religiosa; (iii) questões étnico-raciais e racismo; (iv) questões de
gênero e sexualidades e sexismo e homofobia; (v) deficiências e capacitismo.
Posteriormente aos estudos teóricos, a equipe de pesquisa elaborou um questionário
contendo dez questões para cada um dos cinco temas estudados no GECEC. Durante o ano de
2016, os questionários passaram por análises, testes e validação por especialistas em cada um
dos temas tratados. Atualmente, a pesquisa encontra-se no período de aplicação dos
questionários em dez escolas públicas municipais selecionadas para a pesquisa.
Neste relatório, me proponho a expor e analisar os achados da pesquisa referente às
questões sobre o tema da deficiência, que para ser apurado foram utilizadas afirmativas em
que os alunos deveriam marcar seu nível de concordância, segundo a escala de Likert
(concordo muito, concordo, discordo, discordo muito), com dez frases, a saber:
1. Estudantes com deficiência atrapalham a aula.
2. Estudantes com deficiência deveriam estudar em escolas especiais.
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Peregrino (2015), em sua tese de doutorado, nos lança as seguintes questões: O que é
preconceito? Como se manifesta? De onde/quem parte? Para quem se dirige? Por que se fala
tanto nele em pleno século XXI? Por que ainda é notícia? E será que, um dia, deixará de sê-
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base em algumas investigações realizadas pelo Instituto de Pesquisas Sociais – cujo objetivo
era definir quais eram as energias e reações humanas mobilizadas em todos os casos de
grande expansão dos movimentos totalitários – que os indivíduos por trás dos atos
preconceituosos, apresentaram profundas lesões psíquicas, assim como um ego vulnerável,
que os tornam incapazes de “aceitar” tudo o que estiver fora de seus interesses pessoais ou
grupais limitados.
Neste sentido, Peregrino (2015) explica que, para Crochík (2001), o preconceito pode
servir como um mecanismo de defesa a ameaças imaginárias. Nestes casos, entende-se que o
indivíduo não aceita que os elementos negados por ele são, na verdade, elementos que ele
gostaria de ter para si e não se permite tê-los. Por exemplo: “o preconceito contra a pessoa
homossexual pode hospedar o desejo rejeitado da homossexualidade, e quanto mais tal desejo
fica perto da consciência, mais a aversão e o ódio ao homossexual aumentam” (Crochík, 2001
apud Peregrino, 2015).
Crochík (2001), para melhor identificar o preconceito, aborda ainda dois temas: o
preconceito contra imigrantes e o preconceito contra deficientes. Aqui, neste relatório, em
razão do tema central da minha pesquisa, me limitarei em relatar apenas o segundo estudo
citado.
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No entanto, Monteiro et al. (apud Crochík, 2001) explica que apenas proporcionar o
contato entre esses grupos não é o suficiente na busca pela diminuição do preconceito. Para
que isto seja possível, apontam que devem existir condições para que o contato seja
proveitoso, tais como: “freqüência, diversidade, duração, o estatuto dos grupos dos membros
em relação, se essa é competitiva ou cooperativa, se é de dominação ou de igualdade, se é
voluntária, se é real ou artificial, o tipo de personalidade dos indivíduos e as áreas do
contato”.
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O que podemos concluir, provisoriamente, é que não existem fórmulas prontas que nos
darão garantias de que desta ou daquela maneira o preconceito e a discriminação serão
eliminados, pois, “a luta contra os tipos de preconceito esbarra nos limites de uma sociedade,
cuja organização, voltada mais aos interesses do capital que aos dos homens, leva à constante
luta de todos contra todos” (Crochík, 2001). Contudo, se existem alternativas que nos
permitem tentar atenuá-los, devemos ir em busca de suporte e persistir nessa luta. É nesta
perspectiva que a pesquisa interinstitucional do GECEC também aposta.
Objetivos
A pesquisa tem como objetivo analisar como os alunos se posicionam sobre o tema da
deficiência a partir das respostas dadas aos questionários aplicados nas escolas públicas
municipais de ensino fundamental, bem como compreender a possível relação desse
posicionamento com o processo de ensino-aprendizagem.
Metodologia
2- Analisar essas respostas a partir dos referenciais teóricos que discutem a respeito desse
tema.
Os estudos da deficiência – disability studies (Diniz, 2007) –, nas últimas décadas vêm
desenvolvendo uma área de reflexão sobre a deficiência (disability) que escapa ao discurso de
médicos, educadores e especialistas diversos. Isto porque, a partir desses estudos, iniciou-se
um questionamento sobre o conceito por detrás do termo “deficiência”, e o quanto este
poderia estar carregado de preconceitos e discriminações.
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Devemos lembrar que a cobrança pela perfeição física está presente em praticamente
todos os tempos. No curso da história, o tratamento dado às pessoas com deficiência sofreu a
influência de questões culturais e religiosas. Na antiguidade, assim como através dos séculos
da era cristã (como na Inquisição e na luta eugenista), as pessoas com deficiência foram
objeto de eliminação direta ou indireta, ora em função de sua “inutilidade funcional”, ora
porque eram consideradas manifestação do demônio ou de castigo divino (Nunes et al., 2015).
Com o passar do tempo, os povos das mais diversas nações passaram a praticar o
assistencialismo ou a promover a readaptação da pessoa com deficiência.
Ortega (2009) explica que o modelo social da deficiência surge como alternativa ao
modelo hegemônico médico-individual com sua ênfase no diagnóstico e que constrói o
indivíduo deficiente como sujeito dependente. Para os teóricos do modelo social, a deficiência
não é uma tragédia pessoal; é um problema social e político. Para eles, só existem atributos ou
características dos indivíduos considerados problemáticos ou desvantajosos em si, por
vivermos em um ambiente social que considera esses atributos como desvantajosos.
A afirmação “sou deficiente” (surdo, cego, autista, entre outros) constitui uma
afirmação de auto-categorização, um processo de subjetivação e de formação de identidade.
Para os teóricos dos estudos da deficiência, essa afirmação permite um deslocamento do
discurso dominante da dependência e anormalidade, para a celebração da diferença e o
orgulho da identidade deficiente. O argumento básico é o seguinte: se a deficiência é um
fenômeno criado socialmente e perpetuado culturalmente, então também a cura e os valores a
ela associados são igualmente socialmente construídos. Para Ortega (2009), se você não
acreditar que há deficiência, se não acreditar que há algo que necessita ser “curado” ou
“prevenido geneticamente”, então, você será igualmente libertado da necessidade de cura.
A inclusão de alunos com algum tipo de deficiência no sistema regular de ensino tem
sido tema de uma série de debates desde que, em 1994, a Declaração de Salamanca foi
assinada, divulgando uma série de diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas
e sistemas educacionais, a partir do conceito ampliado de necessidades educacionais especiais
(NEE) e da necessidade da educação especial aplicar-se ao princípio “educação para todos”,
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iniciado a partir dos anos 90 (UNESCO, 1994). Após a Declaração de Salamanca, o conceito
de NEE passou a incluir, além das pessoas com deficiência, aquelas com dificuldades
temporárias ou permanentes, oriundas de situações como exclusão social e abusos sofridos.
Nas últimas duas décadas, a garantia dos direitos das pessoas com deficiência tem
ocupado espaço crescente no debate e na política educacional, com destaque para o ano de
2009, em que a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
gerou uma multiplicidade de novas ações e ajudou a redimensionar as já existentes. O
envolvimento da maioria dos ministérios e o grande número de ações e programas específicos
para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência indicam que a questão saiu da
órbita restrita da atenção às minorias para tornar-se um assunto de interesse geral. Esse
movimento revela, também, a compreensão de que a inclusão escolar é o produto de um
processo que envolve inúmeros fatores intra e extra-escolares e que ela não se efetivará se eles
não forem contemplados. Assim, os programas e projetos devem, ainda, ajustar-se à dinâmica
das práticas escolares para que resultem em uma participação bem-sucedida no sistema de
ensino (Laplane, 2014).
De acordo com os dados obtidos, 74,4% dos respondentes relatam nunca ter sofrido
preconceito quanto alguma limitação física, cognitiva ou sensorial. Por conseguinte, 17,7%
relata ter sofrido poucas vezes, 7,3% muitas vezes, e 0,6% relata sempre sofrer esse tipo de
preconceito. Portanto, podemos concluir, nesta tabela, que a maioria dos respondentes relata
nunca ter sofrido preconceito por algum tipo de limitação física, cognitiva ou sensorial, mas,
somando os percentuais de respostas positivas, temos uma porcentagem de 25,6%, ou seja, ¼
dos respondentes sofrem esse preconceito, dado que não deve ser ignorado e precisaria ser
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melhor aprofundado, o que será feito através de entrevistas com alguns selecionados, num
momento futuro da pesquisa.
(i) Cor:
Considerando que o respondente tenha sofrido algum tipo de preconceito alguma vez,
ou seja, as respostas “pouca vezes”; “muitas vezes” e “sempre”, veremos que este percentual
é maior entre negros do que entre brancos, ou seja, 26 alunos negros afirmam terem sofrido
alguma discriminação por limitação física, cognitiva ou sensorial e apenas 6 alunos brancos
afirmam terem sofrido o mesmo tipo de discriminação. Não é possível afirmar que as
respostas foram dadas apenas por limitação física, cognitiva ou sensorial e, tampouco, por
questões raciais, mas chama atenção a diferença percentual entre os dois grupos, o que
demanda a necessidade de mais estudos sobre o tema.
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(ii) Sexo:
Nunca 62 59 121
61,2% 48,8% 100,0%
Poucas vezes 12 17 29
41,4% 58,6% 100,0%
Muitas vezes 8 4 12
66,7% 33,3% 100,0%
Sempre 1 0 1
100,0% 0,0% 100,0%
Total 83 80 163
(iii) Religião:
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Muitas 2 4 5 1 12
vezes
16,7% 33,3% 41,7% 8,3% 100,0%
Sempre 0 0 1 0 1
0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 100,0%
Total 38 53 52 17 160
Considerando, mais uma vez, ter ou não ter sofrido alguma discriminação por
limitação física, cognitiva ou sensorial, ou seja, somando-se as respostas para poucas vezes,
muitas vezes e sempre, encontramos uma diferença entre os evangélicos. Eles somam 18
respondentes, enquanto católicos e “Acreditam em Deus, mas não tem religião” somam cada
um 8 respondentes.
Dentre as dez questões sobre deficiência do questionário escolhi, para este trabalho,
analisar três questões que vão ao encontro da percepção dos respondentes no que diz respeito
a se alunos com deficiência e alunos sem deficiência devem frequentar e participar, ou não,
das mesmas escolas, turmas e atividades.
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um consenso entre os estudantes sobre se deve aceitar ou não os estudantes com deficiência
no cotidiano escolar.
De acordo com os dados desta tabela, 40 respondentes acreditam que os grupos para as
tarefas escolares não devem ser formados por estudantes com e sem deficiência, e 123
concordam que os grupos devam ser formados tanto por estudantes sem deficiência quanto
por estudantes com deficiência. Neste caso, temos uma diferença quantitativa grande entre os
dois grupos, predominando o grupo que acredita que as tarefas devam ser feitas por todos os
tipos de estudantes juntos, revelando um maior índice de acolhimento dos alunos com
deficiência no cotidiano escolar.
De acordo com os dados dessa tabela, 103 dos respondentes discordam que deva
existir uma sala separada para os alunos com deficiência, e o número de respondentes que
concordam que deve haver uma sala separada é de 58. Com esses dados podemos concluir
que as opiniões referentes à separação ou não da sala de aula para alunos com deficiência
tentem a discordância, ou seja, parece ser que os respondentes aceitam que os alunos com
deficiência freqüentem a mesma sala que eles próprios. No entanto, não é irrelevante o
número daqueles que preferem que os alunos com deficiência estudem em salas separadas
(58). Neste sentido, esta também é uma questão que merece um maior aprofundamento. Os
alunos que concordam com salas separadas, responderam dessa forma desejando o melhor
para os alunos com deficiência ou desejando a não convivência com os mesmos durante as
tarefas escolares?
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Considerações finais:
Referências
1- ANDRADE, Marcelo. Como preconceito e discriminação impactam a
aprendizagem? Um estudo longitudinal com estudantes do ensino fundamental.
Rio de Janeiro, 2014.
2- DINIZ, Débora. O que é Deficiência. In: Coleção Primeiros Passos. São Paulo:
Brasiliense, 2007.
3- CROCHÍK, José Leon. Teoria Crítica da Sociedade e Estudos sobre o preconceito.
In: Revista Psicologia Política, 2001.
4- HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Temas Básicos da Sociologia. São
Paulo: Cultrix, 1973. P 172-183
5- LAPLANE, Adriana Lia Friszman de. Condições para o ingresso e permanência de
alunos com deficiência na escola. Cadernos CEDES. Vol. 34, 2014, p. 191-205.
6- NUNES, Sylvia da Silveira; SAIA, Ana Lucia; TAVARES, Rosana Elizete. Educação
Inclusiva: Entre a História, os Preconceitos, a Escola e a Família. Revista
Psicologia Ciência e Profissão. Vol. 35, 2015, p. 1106-1119.
7- ONU. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas
na Área das Necessidades Educativas Especiais, 2004
8- ORTEGA, Francisco. Deficiência, autismo e neurodiversidade. Ciência & Saúde
Coletiva, vol.14, no.1, Rio de Janeiro, Jan./Fev. 2009
9- PEREGRINO, Giselly dos Santos. Secreto e Revelado, Tácito e Expresso: o
preconceito contra alunos surdos. Rio de Janeiro, 2015. P 21-51
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