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A Convenção das Lendas

Resumo

A história divide-se em cinco atos ambientados em uma trilha dentro da


floresta por onde passam pessoas, em situações diversas e, uma por vez,
encontra um personagem do folclore amazônico. Nas falas ocorridas entre os
personagens se verifica a descrença no imaginário popular nas lendas e a
perda gradativa da cultura regional, em substituição a jogos eletrônicos, filmes
de terror e novos costumes culturais construídos pelo contato com a cidade
grande e a cultura de outras regiões.
Construída no formato de comédia, a peça objetiva discutir de forma
divertida a perda da identidade cultural amazônica, diante do avanço
tecnológico-científico e pelas mudanças sociais resultantes da incorporação de
novas culturas.

Resumo por Atos

Ato 1 – O Lobisomem
Resumo: Menina que sai de sua casa tarde da noite para ver um jogo de futebol. No
caminho pela floresta encontra o Lobisomem, mas acostumada a filmes de terror e
personagens fictícios mais assustadores, a menina desmoraliza a lenda que se retira
magoada. Neste ato é usada a rivalidade entre os dois maiores times paraenses:
Remo e Paysandu, cujos mascotes são, respectivamente, um leão e um lobo.

Ato 2 – O Boto
Resumo: O Boto encontra duas ribeirinhas a caminho de uma festa e tenta seduzi-las
sem sucesso. Ao se identificar e assinalar suas características mais evidentes, termina
sendo tomado por um homem abusivo e apanha das duas moças.

Ato 3 – Matinta
Resumo: Menino jogando vídeo game não escuta os assobios da Matinta Perera, que
vai até sua janela para cobrar-lhe a oferta de tabaco. Não sendo reconhecida pela
criança a lenda é confundida com um personagem de filme de terror e se irrita
profundamente.

Ato 4 – O Curupira
Resumo: Em suas andanças fiscalizando a floresta o Curupira encontra uma menina.
Sem ter tempo de se apresentar o personagem folclórico é confundido com um
desenho animado e ridicularizado pela criança que, inocentemente, o ignora.

Ato 5 – A Convenção
Resumo: Curupira, indignado com os acontecimentos, marca uma convenção com as
outras lendas, num clarão da floresta, para achar uma solução conjunta para a perda
de credibilidade. Cada uma começa a relatar às outras o que lhe ocorreu quando
aparece um personagem desconhecido que os assusta. Com medo as lendas fogem
deixando o novo monstro sozinho.

Moral da história: ainda que se busquem meios de manter as tradições, elas


acabam sucumbindo e se rendendo ao poder da modernidade, que é o
verdadeiro “monstro devorador” das populações tradicionais e povos originários
da Amazônia.
A Convenção das Lendas
(ambiente: Trilha na floresta)

Cena 1 – O Lobisomem
Personagens: a) Lobisomem b) menina c) mãe

(menina grita para a mãe desde a porta)


Menina – Mãe, tô indo ver o jogo do Remo na Libertadores, lá na casa da tia!
Mãe – (preocupada) Mas a essa hora?? Já são nove e meia e tá chegando a hora
que o lobisomem aparece na mata!
Menina – (descrente) Que nada, mãe, isso não existe!
(fecha a porta e sai pela trilha)

Lobisomem – (com pose de valentão) Auuuuuuuuu!!!


Menina – (achando estranha a figura) Quem é você??
Lobisomem – (com cara de assustador) Eu sou o lobisomem, au au auuuuu
Menina – (desmerecendo) Além de feder a cachorro molhado é gago...
Lobisomem – (indignado) Gago coisa nenhuma, eu sou um lobo mau! Devoro
quem anda pela mata sozinha...e quem fede a leão molhado é esse teu time
porcaria, fique sabendo.
Ao escutar a frase a menina começa a refletir.
Menina – Lobo??? Lobo é do Paysandú e hoje tem jogo do Remo... (conclui)
Paysandú dando sopa no meio da mata em dia de jogo do Remo... É SECADOR!!!!
SAI PRA LÁ MUCURA, VAI SECAR MEU TIME NÃO, AQUI É O MAIOR DO
NORTE!!!
Lobisomem – (gritando) O QUE QUE EU TENHO A VER COM JOGO, EU VIM
PRA TE COMER, SUA GAROTINHA CHATA E IRRITANTEEEEE!!!!
Menina – (rindo) Me comeeeer??? Com esse dente careado que eu tô vendo aí,
que deve ter uns dez anos que não vê um dentista???? Vai vendo!! Tá quase
banguela, não come nem tapioca molhada.
Lobisomem – (começando a se irritar) Eu estou me enfurecendo contigo, garota!!
Menina – (zoando) Ai, ai, ai...o “Jacob” ficou raivoso. Tô com “meda” dele!!
Lobisomem – (furioso) AGORA ME ENFEZEI CONTIGO, MANINHA, EU SEI LÁ
QUEM É ESSE “JACOB”???? ahhh, nem quero saber, PODES TE PREPARAR
QUE TU MORRES HOJE!!!
Menina – (com as mãos na cintura e cara de paisagem) Égua, mas só se for de
desilusão porque tu nem existe!
Lobisomem – (imitando a pose dela) Quem não existe é esse jogo que tu estás
indo, ora vê se pode “Remo na Libertadores”... mal sai da Série C!! (voltando a
fazer pose de mau) Mas isso não vem ao caso, VOU TE COMER E PRONTO, JÁ
CANSEI DE TI.
Menina – (olhando as unhas) Me morde que eu chamo a Zoonoses pra te levar, aí
quero ver. Deve nem ter recebido antirrábica ainda, vais é me deixar doente, isso
sim. (enxotando com as mãos) Cai fora logo, pirento, xô xô!
Lobisomem – (chorando deprimido) Auuuuuuuuu, TU VAIS VER, VOU ME
VINGAR DE TI! Vou te denunciar pro IBAMA!!!! Auuuuuuuu, Cain, Cain, Cain....
(Lobisomem vai embora por um lado e menina segue saltitante para o outro)
Cena 2 – O Boto
Personagens: a) Boto b) 2 moças ribeirinhas (roupa de balada)
(As ribeirinhas conversam quando chega o boto e começa a dançar, insinuante, ao
redor de uma delas. Começa som de lundú)

Moça 1 – (olhando para o boto com desprezo) Arrepara, mana! Acho que tem
algum terreiro aqui perto, esse pai de santo tá perdido.

(o Boto começa a girar ao redor da outra)


Moça 2 – (desconfiada) De rocha! Tá perdido e bêbado, com uma inhaca de peixe
que parece que veio nos barco Ver-o-Peso.

(o Boto para de dançar e fica em frente às moças)


Boto – (tom sedutor) Vocês dançam lundu comigo?
Moça 1 – (cara de nojo) Lundú?? Mas credo! Não tem um Techno brega, um
“treme-treme”, não? isso sim é que é bom de dançar!
Boto – (olhando as moças intrigado) Bem, as roupas estão meio diferentes, nada
de saião, nada de flor no cabelo...mas não importa (animado) Já que vocês não
querem dançar, que tal um passeio no fundo do rio?
Moça 2 – (incrédula) Ulha mana, espia só essa pavulagem! Isso é roupa de
dançarina de grupo folclórico, seu leso e, (sarcástica) por um acaso, tu não tens
um lugarzinho melhor pra passear, não?
Moça 1 – (sussurrando para a amiga) Mana, tu não estás vendo que o boy é
“liso”? Tá até descalço!
Moça 2 – (olhando de alto a baixo o rapaz) Maninho, tu tens uma moto pra andar
na cidade...ou pelo menos um rabudo, uma rabetinha, um casco que seja?
Boto – (ignorando as falas e ainda tentando seduzir) Não, eu não preciso disso, eu
sou u Butu!
Moça 1 – (irritadiça) Tu “buta” onde, seu “pomba lesa”??Tu não tens nem um
casco pra gente dar uma volta remando e ainda vem com esse papo furado de
“butar”??? Tá querendo passear no rio a nado é?? Eras de ti!
Boto – (convencido) Moças, eu sou O BO-TO, o maior conquistador das águas.
Sou conhecido por seduzir as meninas bonitas, levá-las ao fundo do rio, engravidá-
las e partir!
Moça 2 – (empoderada e brava) Me erra, que isso pra mim tem outro nome!
Moça 1 – (com as mãos na cintura) Égua não!! Mas é muita esculhambação! Um
enxerido desse vem e conta vantagem na nossa cara de ficar engravidando mulher
por aí e fugindo e ainda acha bonito isso. Tá pedindo pra levar o farelo!!!
Boto – (ficando sério, mas confuso) Farelos?? Não, não busco comida, eu busco
moças mesmo... minha arte é seduzir, encantar...
Moça 2 – (indignada) Cavalo mordeu tua cabeça?? Com essa “ropitcha” palha tu
vais encantar quem, filho duma égua??
Boto – (recuando) Calma donzelas, eu não sou de violências, vamos conversar?
Moça 2 – (indo pra cima do Boto) Tu gela é?? Peraí que primeiro a gente vai te
levar no rio, sim, mas pra tirar esse pitiú que tu tens na marra, seu seboso e depois
vamos te ensinar a não mexer com a mulherada. Tem macho que só aprende
tomando pisa, amiga!
Moça 1 – (furiosa) Não que não! Bora, rasga istrupicio, que tu vais já te ferrar na
minha mão pra deixar de ser folgado.
(O Boto corre e as moças correm atrás dele)
Cena 3 – A Matinta Perera
Personagens: a) Matinta Perêra b) menino
(menino joga vídeo game tarde da noite. Janela da casa está aberta)

Matinta – (assobio)
Menino – (continua jogando e torcendo)
Matinta – (assobio)
Menino – (continua jogando e torcendo)
Matinta – (assobio)
Menino – (continua jogando e torcendo)
Matinta – (brava) Sumano, tu não ouviu meu assobio? Cadê meu tabaco?
Menino – (olhando com desdém) Tu conhece o Quico?
Matinta – (intrigada) Que Quico?
Menino – (irônico) “o quico tenho a ver com isso?”. Eu te prometi alguma coisa por
se acaso? (voltando ao jogo) A senhora errou o caminho, tia, a boca de fumo é
mais lá pra esquina!
Matinta – (confusa) Boca de quem?... (impositiva) Tu sabes com quem estás
falando, maluvido??
Menino – (olha pra ela indiferente por alguns segundos e solta animado)
Ahhhh...lembrei,... tu é a Samara! Pow, fantasia maneira, tia, comprou onde?
Matinta – (curiosa) Que Samara, piqueno?
Menino – (mantendo animação) Aquela que fez o filme “O Chamado”, conhece?
Matinta – (irritada) Chamado??? EU é que tô chamando faz tempo e tu fica aí,
lesando. Não sei de Samara nenhuma, meu nome é Filica e (grita) TÔ
QUERENDO MEU TABACO!
Menino – (constata sério) Ah, era a senhora que tava fazendo barulho ao redor da
casa?...(repreendendo) Ei tia, tu não se manca de perturbar os outros a essa hora,
não? Vai fazer um tricô, assistir uma novela, procurar um grupo de terceira
idade...sei lá, vai procurar o que fazer!
Matinta – (furiosa) EU QUERO FUMAAARRR!!!! (respira fundo e explica) Escuta
piqueno: eu me transformo em pássaro agourento e pouso nas casas assobiando,
até alguém me prometer tabaco, café, peixe...aí eu paro e volto no dia seguinte pra
cobrar e se não pagar, algo de muito ruim vai acontecer...(explode) E TÁ PRA
ACONTECER CONTIGO AGORA MESMO!!
Menino – (o menino escuta sério por alguns segundos e responde) Na moral, tia, a
senhora já tá no nível do NA, viu? Que foi que a senhora andou fumando??
Viciada nessa idade...se bem que tu tens a maior cara de papudinha...
Matinta – (saltando furiosa e indignada) EU NÃO SOU VICIADA, NÃO SOU ESSA
TAR DE SAMARA, NÃO SOU DA 3ª IDADE E NÃO QUERO VER NOVELA!!!
QUERO SÓ MEU TABACOOOOOO!!!!! (ameaçadora)Tu tá querendo é que eu
jogue um agouro na tua costa, seu gazeteiro????
Menino – (espantado) Égua, tiaaaaa, além de viciada a senhora é dedo duro e
feiticeira??? Tedoidé? Quem foi me dedurar pra senhora já?? Olha, só gazetei
aula uma vez, não vai contar potoca pra mamãe, também, porque potoqueira áí já
é demais!
Matinta – (furiosa e estressada) TU NÃO VAIS ME DAR TABACO???
Menino – (com ar de retidão) Não mesmo! Não posso ajudar seu vício. (zombando
e rindo) Te vira, tia, tu não é jabuti!
Matinta – AHHHHH, DESISTO! JÁ ME VU! CANSEI DE TI, PIQUENO!!!! ÉGUA!!
(menino dá de ombros e retoma seu jogo e a Matinta vai embora)
Menino – (rindo) Hum, tá cheirosa! Vira pássaro é? Égua da viagem da tia! É cada
uma que me aparece...
Cena 4 – O Curupira
Personagens: a) Curupira b) menina
(menina vai saltitando pela trilha quando aparece o Curupira)

Curupira – (com sorriso assustador) Ha, ha, ha,...Quem ousa penetrar nos meus
domínios???
Menina – (eufórica) NOSSAAAAA, QUE EMOÇÃOOOO!!!! FIONAAAAA!!!!!
(puxando a roupa do Curupira) Me dá um autógrafo, vai, diz que sim, diz que sim,
diz que sim, siiiiiiimmmmm????
Curupira – (confuso e incomodado) Que Fiona que nada! Meu nome é CU-RU-
PIRA!!! O protetor da floresta!
Menina – (intrigada) “Curu”?... (pensativa) Ahhhh....a mamãe já me falou sobre
essa tal de “pira”... mas a mamãe falou que dava em outro lugar.
Curupira – (com raiva) Ah e eu tô cagado?? Eu sou o Curupira! Eu protejo a
floresta contra os desmatamentos!
Menina – (confusa) mas quem faz isso não é o Greenpeace??
Curupira – (furioso) QUE GREENPEACE???? EU SOU O ESPÍRITO DA
FLORESTA!!!
Menina – (assustada) TÁ AMARRADO!!! (sussurrando) Se a mamãe te escuta vai
te dar vassourada, que ela diz que esse negócio de espírito é coisa do demônio!
Curupira – (inconformado e incrédulo) Eu não acredito que você não me
conhece?! Olhe pra mim: tenho cabelos vermelhos, ando pela floresta, sou verde e
tenho os pés virados pra trás!!
Menina – (convicta) Égua!!...Não fosse os pés virados pra trás eu jurava que era a
Fiona!? Tem certeza que tu não é ela?
Curupira – (sério) NÃO!!! Eu sou MENINO!! Além de não saber quem eu sou, não
saber meu nome nem o que eu faço, fica fazendo graça com a minha cara e ainda
quer me dar vassourada!!
Menina – (tentando justificar) Bom...com essa história de mudar de sexo isso não
seria problema, até explicaria a questão dos pés...cirurgia mal feita...erro médico...
Curupira – (inconformado) MAL FEITO É TEU PASSADO!! NÃO SOU A FIONA E
PONTO FINAL. (cansado) Pelo menos tu tens uma pinga ou fumo pra me dar?
Menina – (rindo irônica) Égua, tio, se eu fosse tu parava de beber, o fígado tá só a
placa dizendo “aqui jaz”, tu tá até ficando todo verde (solta a gargalhada)
Curupira – CHEGAAAA!!! VOU EMBORA! JÁ FUI MUITO DESRESPEITADO!!!
(A menina continua pulando seu caminho e o Curupira vai embora para o outro
lado, furioso)
Cena 5 – A Convenção
Personagens: a) lendas b) vampiro
(Na trilha chegam reclamando baixinho o Boto, o Lobisomem e a Matinta, quando
chega o Curupira, todos visivelmente indignados e falando ao mesmo tempo. O
curupira começa a reunião)

Curupira – (chateado e formal) Lendas e mitos aqui presentes, marquei esta


reunião porque precisamos tomar uma atitude...Tô mordido! Esses zinhos de hoje
estão demais! Vocês acreditam que eu fui confundido com uma tal de Fiona e que
eu fiquei verde porque tô papudinho???
Lobisomem – isso não é nada. (choroso) me chamaram de Jacob,... (chocado) de
PIRENTO e disseram que eu nem existo...buáááá, au, au, auuuuu, cain, cain, cain
Boto – (inconformado) E eu?? Criticaram minha roupa, meu perfume e ainda
apanhei de duas donzelas...(cobrindo o rosto) que vergonha!
Matinta – (disfarçando) Olha boto, eu não chamaria isso de perfume, mas tudo
bem. (furiosa) O zinho me chamou de viciada, feiticeira, potoqueira e dedo duro e
me confundiu com uma tal Samara!
Curupira – (assombrado com os relatos) ISSO NÃO TÁ CERTO! É UMA FALTA
DE RESPEITO CONOSCO!!!
(Estão todos concordando quando aparece um Vampiro)
Vampiro – (amistosamente) Boa noite, alguém pode...

(todos se assustam e começam a gritar)


Boto – (se jogando água) Mãe d’água nos acuda, uma osga gigante!!! E eu nem
corro direito!!!
Lobisomem – (fugindo) Capa o gato, cambada, é um purpurinatus
crepusculantus!!
Matinta – (desorientada) Corre que é visage!!! Curupira, esse deve ser dos teu, dá
teus pulo!
Curupira – (enquanto corre) Branquelo desse jeito? Não mesmo! Isso veio lá da
caixa prego! Ai, tô com passamento, tô com passamento, me acuda santo Walcyr
Monteiro!!

(saem correndo cada um para um lado deixando o vampiro sem entender nada)
Vampiro – (tirando a máscara) Poxa, o que assustou eles? Eu só ia perguntar
como eu chegava até festa de Halloween da escola.

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