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Capítulo XIII

OTOTOXICIDADE
Edson Ibrahim Mitre

Ototoxicidade é definida como a lesão da orelha interna provocada por


agentes químicos, que podem atingi-la por via hematogênica, linfática, liquórica ou
diretamente através de perfuração da membrana timpânica que possa existir (3,5).
Os agentes ototóxicos têm a capacidade de lesar diretamente o órgão de
Corti, promovendo, inicialmente, degeneração das células ciliadas externas, com início
nas espiras mais basais da cóclea e se propagando em direção ao ápice coclear. Caso a
exposição ao agente ototóxico persista, a degeneração celular se extende, agora, às
células ciliadas internas, com início no ápice da cóclea. A partir daí, é possível a
ocorrência de degeneração das neurofibrilas do nervo acústico. Existe, também, a
possibilidade de lesão do neuroepitélio no sáculo e no utrículo, assim como nas
ampolas dos dutos semicirculares (1,4).
A ototoxicidade nem sempre diz respeito a lesões determinadas por
medicamentos; existem alguns agentes ototóxicos que foram utilizados em guerras,
como é o caso da mostarda nitrogenada (o conhecido gás amarelo da guerra do
Vietnã), enquanto outros estão presentes no cotidiano de muitas pessoas, como o
quinino, ainda bastante utilizado na região norte do Brasil para tratamento da malária,
porém também presente em algumas marcas de água-tônica.
Alguns agentes ototóxicos são bastante conhecidos, como é o caso dos
antibióticos aminoglicosídeos, mas outros são, ainda, amplamente utilizados sem a
preocupação com a possibilidade de lesão auditiva ou vestibular.
Os antibióticos aminoglicosídeos têm alto poder de destruição das células
ciliadas do órgão de Corti, mas também provocam lesões secundárias nas células
bipolares do gânglio espiral. Infelizmente, a deficiência auditiva nem sempre aparece
na vigência da utilização do antibiótico, podendo se instalar após muitos meses de
seu uso. Outro ponto importante a considerar é a capacidade de tais antibióticos de
atravessarem a barreira placentária e provocar lesões auditivas no feto, sendo, portanto,
absolutamente proibidos em gestantes.
Outra droga que merece ser comentada é a garamicina, que pode provocar
disacusia sensório-neural profunda, irreversível, associada a lesões vestibulares também
importantes. Infelizmente, ainda hoje, esta droga vem sendo muito utilizada para o
tratamento de infecções importantes em berçários, com grandes riscos de lesões auditivas
nos bebês, e que somente serão identificadas mais tardiamente.
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Tabela 1. Exemplos de fármacos que podem causar ototoxicidade, reconhecidos
pelo Food and Drug Administration e pela Academia Americana de Audiologia.

Natureza do Fármaco Substância Ativa Nome Comercial (exemplos)


Agonista serotoninérgico Zolmitriptano Zomig®
Rizatriptano Maxalt ®
Antidepresivo Bulpropiona Zyban®
Carbonato de lítio Litocar ®
Fluoxetina Prozac ®
Nefasodona Serzone ®
Venlaxina Efexor ®
Antidistônico Benzodiazepina Diazepan ®
Zaleplom Sonata ®
Antiparkinsoniano Promipexol Mirapex ®
Tolcapone Tasmar ®
Antipsicótico Risperidona Risperdal ®
Quetiopina Seroquel ®
Olanzapina Zyprexa ®
Euípnico Triazolan Halcion ®
Inibidor da captação da serotonina Sertralina Zoloft ®
Anti-histamínico Cetirizina Zyrtec ®
Ciproeptadina Periatin ®
Loratadina Claritin ®
Prometazina Fenergan ®
Streptomicina ®
Garamicina ®
Aminoglicosídeo
Netromicina ®
Netilmicina
Antibacterianos Zitromax ®
Dinabac ®
Macrolídeos
Cipro®
Floxin ®
Quinolona Maxaquin ®
Levaquin ®
Antivirais Ritonavir Norvir ®
Saquinavir Invirase ®
Imunomodulador Interferon Intron-A ®
Imunossupressor Ciclosporina Sandimmune ®
Vacina Anti-hepatite B Engerix-B ®
Recombivax ®
Continuação Tabela 1.
Natureza do Fármaco Substância Ativa Nome Comercial (exemplos)
Analgésico / Anti-inflamatório Ácido Acetil-salicílico Aspirina ®, AAS ®
Diclofenaco Sódico Voltaren ®
Ibuprofeno Naprozyn ®
Indometacina Indocid ®
Paracetamol Excedrin®, Tylenol ®
Piroxican Feldene ®
Rofecoxib Vioxx ®
Anestésico Lidocaína Xilocaína ®
Propofol Probofol ®
Antiagregante plaquetário Teclopidina Ticlid ®
Antiarrítmico Mexiletina Mexitil ®
Quinidina Quinidini ®

Anti-hipertensivos
Telmizartan Micardis ®
Antagonista dos receptores
da angiotensina
Fulzipropil Monopril ®
Inibidor da enzima de Lisinopril Privinil ® /Zestril ®
conversão da angiotensina Lisinopril + Hidroclortiazida Zestoretic ®
Prazosina Minipress ®
Diurético de alça
da angiotensina Moduretic ®
Furosemida Lasix ®
Antineoplásico Methotrexato Methotrexate ®
Hipolipemiante Artovastatina Lipitor ®
Inibidor de prostaglandinas Mizoprostol Cytotec ®
Inibidor de Fosfodiesterase Sildenafil Viagra ®
Beta-bloqueador Timolol Timoptic ®

O ácido acetil-salicílico, possivelmente o medicamento mais difundido no


mundo, também não é isento de propriedades ototóxicas. Amplamente difundida
como droga com efeitos cárdio-circulatórios muito benéficos, principalmente em
doses menores, consideradas infantis, pode provocar disacusia sensório-neural,
felizmente transitória. O principal sintoma observado com o uso contínuo desta
droga é o zumbido, principalmente em pacientes idosos. Com freqüência, a suspensão
de seu uso é suficiente para provocar a remissão de zumbidos que, por vezes, existem
há muito tempo .
No quadro 1 estão relacionados alguns medicamentos que podem provocar
lesões na orelha interna (2).
A manifestação auditiva mais comum é de disacusia sensório-neural de início
em freqüências agudas, progredindo para as médias e graves com a continuidade de
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exposição à droga, geralmente manifesta pelo paciente no decorrer do emprego de
determinada medicação ototóxica. Quando isto ocorre, existe tempo para interromper
o emprego da medicação e evitar maiores lesões à orelha interna. Quando a lesão é muito
acentuada, talvez seja necessário recorrer às próteses auditivas para melhor audição, porém
sua adaptação pode ser mais dificultosa em função do possível comprometimento da
discriminação auditiva.
1. Ganança MM, Caovilla HH, Fukuda Y, Munhoz MSL. Afecções e síndromes otoneurológicas In: Lopes Filho OC, Campos
CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.835-43.
2. Guércio JOS. Na análise de um programa de reabilitação para pacientes com zumbido (P.R.P.Z.). [mestrado]. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); 2002.
3. Hungria H. Disacusias - implante coclear: a criança surda. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2000. p.429-42.
4. Jerger S, Jerger J. Auditory disorders. Boston: Little Brown; 1981.
5. Oliveira JAA. Ototoxicidade de drogas medicamentosas. Acta AWHO 1993;12(3):91-8.

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