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2004
Reflexões sobre a Geografia Física no Brasil pela Universidade de São Paulo (USP), transporta-
(Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2004, 280 p.) é o -nos ao século XIX e à importância que o filósofo
título de um livro organizado por António Carlos americano pragmatista Charles S. Pierce teve para
Vitte e António José Teixeira Guerra, professores de aqueles que foram considerados os primeiros geomor-
Geografia nas Universidades Estadual de Campinas fólogos- Karl G. Gilbert e William Morris Davis.
(UNICAMP) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), O pragmatismo, que o autor, citando o próprio Pierce,
respectivamente. considera ter tido as suas origens na Grécia Antiga,
Conforme se pode ver, desde logo, no Sumário continua claramente a comandar o modo com
(p. 5-9), trata-se de um conjunto de oito capítulos conduzimos hoje as nossas investigações.
independentes escritos por doze especialistas, devida- O segundo capitulo, escrito por António Carlos
mente apresentados logo a seguir ao prefácio assinado Tavares, também Doutor em Geografia Física pela
por Adilson Abreu. Universidade de São Paulo (USP), refere-se a "Mudan-
Todas as áreas tradicionais da Geografia Física ças climáticas", documentando bem toda a problemática
são tratadas neste livro. e mostrando uma síntese das que são projectadas e de
Um primeiro capítulo sobre " Os fundamentos algumas das suas consequências ambientais e socioeco-
teóricos da Geomorfologia e a sua influência no nómicas, de acordo com os Relatórios de 1997 e
desenvolvimento das Ciências da Terra", da autoria 2001 do Intergovernmental Pane! on Climate Change
de António Carlos Vitte, doutor em Geografia Física (IPCC). Tudo girando em torno da química da poluição,
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com base em comparações de dados meteorológicos água consoante o tipo de uso, lançam a discussão
dos últimos cem anos ou pouco mais, as previsões sobre muitos problemas de riscos de erosão acelerada
catastróficas são assustadoras. Não parece, todavia, ou de riscos de acção de produtos químicos. Sem se
que os cientistas responsáveis por aqueles Relatórios colocarem numa perspectiva de estudo de riscos, os
se tenham preocupado muito com os motivos que, autores mostram, até com fotografias, como remontam
em tempos históricos, deram à Terra épocas bem "voçorocas" (barrancos de grande dimensão), como
mais quentes do que as actuais, sem que a poluição se depositam enormes quantidades de sedimentos
existisse, ou com os que, pelo contrário, originaram em áreas de intervenção humana.
períodos tão frios que criaram calotes de gelo imensas Muito mais directo em termos de riscos naturais,
e fizeram aparecer glaciares em tantas montanlps o capítulo sétimo, assinado por dois professores de
que hoje nem sequer têm cobertura de neve durante Engenharia Civil, Cláudio Amaral e Rogério Feijó,
todo o Inverno. As razões de ordem cósmica que in titula-se "Aspectos ambientais dos escorregamentos
es.tarão certamente relacionadas com as mudanças em áreas urbanas". Após uma breve introdução os
climáticas, entre as quais a própria actividade solar autores falam de um "inventário de escorregamentos
que começa a ser cada vez melhor conhecida, não são urbanos do Rio de Janeiro", para logo a seguir
equacionadas. Mas o capítulo em causa faz pensar, apresentarem as suas características, tratarem da sua
muito especialmente, nas consequências que os localização pela cidade, mostrarem a sua tipologia e
aumentos de temperatura têm nas grandes cidades. magnitude e se referirem às suas consequências
Anderson Christofoletti, doutor em Geociências socioeconómicas. Vem depois a "análise dos condicio-
e Meio Ambiente pela UNESP- Rio Claro, é o autor nantes ambientais nos escorregamentos no Rio de
do terceiro capítulo, intitulado "Sistemas dinâmicos: Janeiro", feita segundo um escalonamento histórico
as abordagens da teoria do caos e da geometria das principais ocorrências e com ilustração através
fractal em Geografia", que nos dá uma nova visão de fotografias elucidativas. A "gestão de riscos de
teórica para abordagem aos velhos objectos de estudo escorregamentos nos grandes centros urbanos" centra-
geográfico. se também na área do Rio e é igualmente servida por
"Biogeografia: natureza, propósitos e tendências" boas fotografias. Entre muitas outras coisas, ficamos
é o titulo do quarto capítulo, assinado por Adler a saber que "os índices críticos utilizados no momento
Viadana, Doutor em Geografia Física pela USP, que pela GEO-Rio, para eventos catastróficos são de 50
trata de aspectos teóricos da especialidade, procurando mm de chuva acumulada em 1 hora e de 175 mm de
a exemplificação com um caso de estudo na bacia do chuva acumulada em 24 horas" (p. 217) ou que "no
Rio Corumbataí, no Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, 1663 boletins de escorregamentos
Lívia de Oliveira, Doutora em Geografia pela permitem acompanhar, ao longo de 63 anos as modi-
UNICAMP, e Lucy Machado, Doutora em Organização ficações de características e do grau de influência
do Espaço pela UNESP - Rio Claro, escreveram o dos factores deflagradores nos acidentes das encostas".
quinto capítulo - "Percepção, cognição, dimensão J. ROSS (2001) e J. B. CONTI (2002) escreveram
ambiental e desenvolvimento com sustentabilidade". sobre alguns destes aspectos.
Muito do que se salienta neste capítulo é já da área O oitavo e último capítulo é da responsabilidade
dos riscos, particularmente, dos chamados riscos de António José Teixeira Guerra, Doutorem Geografia
ambientais. Falando do tema, com frequência, a pela Universidade de Londres, e Jane Mendonça,
nível global, as autoras aproximam-se, por vezes, do Licenciada em Geografia pela Universidade Federal
que foi já tratado no segundo capítulo, mas acrescentam do Maranhão (UFMA)- "Erosão dos solos e a questão
exemplos concretos e muito variados de processos ambiental". Com uma boa fundamentação teórica,
naturais ou acidentes tecnológicos que tiveram, ainda vêm depois exemplos colhidos pelo território brasileiro,
têm ou virão a ter consequências nefastas. Sem o tanto em áreas urbanas, como em áreas rurais sobre
dizerem, apontam as vulnerabilidades que tornam "voçorocas" nos mais diversos estados de desenvol-
maiores os riscos ambientais- a pobreza e as dificul- vimento. Uma ou outra comparação com países da
dades de acesso à saúde ou à educação. Europa dita setentrional parece deslocada, mas a
Os riscos naturais como normalmente os enten- análise das características de um grande número de
demos, começam a aparecer no sexto capítulo, "Bacia "voçorocas" permite aos autores a proposta de muitas
hidrográfica e qualidade ambiental", da autoria de medidas para evitar o avanço da erosão dos solos
Rosangela Botelho, Doutora em Geografia Física através deste processo. As nossas ravinas são muito
pela USP, e António Soares da Silva, Mestre em pequenas (F. REBELO, 1994) quando comparadas
Geografia pela UFRJ. A ligação entre as bacias com estas formas tão típicas dos países tropicais
hidrográficas e a vegetação que apresentam, a agri- (L AMARAL, 2002), mas as propostas para as evitar
cultura ou a falta dela, as diferentes espécies vegetais, ou para lhes atenuar as consequências são por vezes
tal como a relacionação com as perdas de solo ou de as mesmas.
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Convirá, ainda, dizer que cada capítulo tem a sua CONTI, José Bueno (2002) - "Riscos naturai s na região tropical
bibliografia própria, quase sempre com grande número brasi leira". Territorium, 9, p. 117-122.
de espécies publicadas no Brasil, o que dá uma boa
imagem da Geografia Física brasileira. Além disso, REBELO, Fernando (1994) - "Do ordenamento do território à
gestão dos riscos naturais. A importância da Geografia Física
um índice remissivo de 12 páginas completa de modo
salientada através de casos de estudo seleccionados em
muito útil este livro que merece bem ser conhecido Portugal". Territorium , 1, p. 7-15.
dos geógrafos portugueses.
ROSS, Jurandyr Luciano Sanches (2001)- "Inundações e desliza-
Referências bibliográficas mentos em São Paulo. Riscos da relação inadequada sociedade-
natureza". Territorium, 8, p. 15-23.
AMARAL, Ilídio do (2002)- "Luanda e os seus dois arcos complexos
de vulnerabilidade e risco; o das restingas e ilhas baixas e o das
escarpas abarracadas". Territorium, 9, p. 89-115.
Primeiro, o Colóquio Internacional (cfr. F. REBELO, estratégias de investigação (Alfredo Lucia), de análise
2003), umanoemeio depois, o livro. Não propriamente de riscos, de seguros, de integração no quadro da
um livro de actas , mas um livro que, como se diz logo União Europeia, mas vai-se, por vezes, além dos
a abrir, "retoma as comunicações apresentadas quando riscos naturais.
do colóquio no Grande Arco da Defense, 22-24 de A conclusão final salienta aspectos fundamentais
Outubro de 2002". que, como sempre em colóquios deste género, acabaram
Risques Naturels et Aménagement en Europe, por revelar-se perturbadores. A terminologia consi-
obra publicada sob a direcção de Yvette Veyret, derada "muito héterogénea", torna-se particularmente
Gérald Garry e Nancy Meschinet de Richemond confusa quando se trata de falar em vulnerabilidade.
(Paris, Armand Colin, 2004, 254 p.) aparece-nos com Também os mapas, em função da diversidade de
21 capítulos organizados em três partes- "La F rance", escalas podem acarretar erros de localização ou
"L'Europe" e "Une Europe des Risques"- e termina mesmo nem dar a localização exacta de determinados
com uma conclusão assinada pelos três responsáveis. riscos. Curiosamente, uma das questões de terminologia
Alguns capítulos são grandes, na medida em que foi lançada por nós quando não demos o estatuto de
desenvolvem comunicações apresentadas; outros são risco maior aos sismos em Portugal continental e
pequenos, porque se limitam a reproduzi-las. Mas Madeira. Como deverão definir-se riscos maiores e
alguns títulos foram modificados. riscos menores. Pela frequência da sua manifestação
Sobre a temática em causa relativamente a França em crise? Pelo facto de se terem manifestado num
há sete capítulos tratando de assuntos tão diversos passado já longínquo com características catastróficas?
como a política de prevenção dos riscos (abordada Quando quase todos os livros que tratam de riscos
de vários modos por diversos autores), a cartografia naturais faiam mais ou menos demoradamente no
dos riscos naturais (Gérald Garry et ai.) ou as terramoto de Lisboa de 1 de Novembro de 1755, dão
vulnerabilidades (André Dauphiné) . No respeitante a entender que o risco hoje é igual ao dessa época.
ao resto da Europa, são nove os capítulos igualmente Será que o nosso país é ainda aquele país? As regras
variados quanto aos temas escolhidos, mas recaindo da construção sísmica não terão contribuído para
sobre oito países- Reino Unido (embora só Inglaterra diminuir as vulnerabilidades? Será que nas áreas das
e País de Gales), Suíça, Itália, Grécia, Portugal, construções antigas ainda vive tanta gente como
Espanha, Hungria e Roménia. A gestão de riscos de naquela época? É evidente que no Algarve e na região
vários tipos e a legislação sobre esta matéria dominam de Lisboa o risco sísmico existe com muito mais
na maior parte dos nove capítulos, mas o caso particular importância do que no resto do país. Há que estar
da cartografia do risco de movimentos de terreno no consciente desta realidade. E a Protecção Civil desde
Tiro! do Sul (Mário Panizza e colaboradores) também há anos que trabalha nesta área (F. REBELO, 1997).
não deixa de ser importante. Mas não se pode olhar para o Algarve e para a região
Os últimos cinco capítulos têm um carácter genérico de Lisboa como se não ti vesse havido grandes melhorias
e cabem perfeitamente na feliz designação dada pelos em termos de diminuição do risco sísmico relativamente
organizadores do livro à terceira parte. Fala-se de ao risco existente no século XVIII. O mesmo não se
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