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Lobato
uma micro-história construída a partir das falas de seus moradores
Editora da Universidade Estadual de Maringá
Reitor
Prof. Dr. Décio Sperandio
Vice-Reitor
Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo
Diretor da Eduem
Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado
Editor-Chefe da Eduem
Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini
Maringá
2008
Projeto gráfico e diagramação Marcos Kazuyoshi Sassaka
Capa – arte final Luciano Wilian da Silva
Imagens Fornecidas pelos autores
Revisão textual e gramatical Ivonete Veraldo Gasparello
Cleide de Assis Durante
Normalização Marinalva Aparecida Spolon (CRB 9-1094)
Ficha catalográfica Edilson Damasio (CRB 9/1123)
Fonte CG Omega
Tiragem (versão impressa) 350 exemplares
ISBN 978-85-7628-148-1
Moravam lá umas dez famílias. Mas, depois que meu irmão pegou ela, foi
que ele foi mandando pra vim o povo do Norte, de Pernambuco. Vinham
aqueles caminhões de gente, jogava lá, os conhecidos que tinha lá. O
povo se iludiu, vinha muita gente, mas foi muita gente pra sofrer, porque
lá na fazenda, além de nós encontrar só aquele mato, que nós não tinha
nada, que a casa era nem matajuntada não era, era tudo aberto.
Prefácio............................................................................... 11
Introdução.......................................................................... 15
1
De acidente geográfico a experiência histórica...................... 23
2
A Água Araçá: narrativa construída a partir dos relatos de
Iracema e Durval................................................................... 39
3
Um cotidiano de tentativas e incertezas em fazendas e em
Águas de Lobato: as experiências de Olindina e Manoel....... 63
4
Quando reinava sua majestade o café: a (re)ocupação espacial
das Águas.............................................................................. 87
5
A construção dos espaços sociais: as escolas e o perfil dos
habitantes das Águas............................................................. 103
6
A construção dos espaços sociais: a presença das capelas...... 129
7
Vigiar e punir........................................................................ 145
8
O grande êxodo e a reconversão econômica, 1969 – 1975... 167
9
História local, micro-análise e fontes orais. A história regional
revisitada .............................................................................. 175
Referências......................................................................... 193
Anexo.................................................................................. 199
PREFÁCIO
das usinas de cana de açúcar que passaram a adquirir e/ou arrendar as propriedades
rurais da região.
A modernização do campo no Paraná, iniciada em meados dos anos 70, resultou
no fim da vida social das comunidades das Águas, inclusive com a destruição
material de sua presença ao longo dos cursos d’água.
Thomas E. Sheridan, historiador norte-americano, mostra que a ocupação do
vale do rio Tucson, no Arizona, tinha levado os espanhóis até a água, nos mesmos
locais onde diversas populações indígenas já se tinham estabelecido há muito tempo.
As várzeas dos rios Tucson e Santa Cruz, em meio aos desertos do grande sudoeste
americano, eram locais preferenciais de ocupação dos primeiros agricultores que
ali se fixaram desde o ano 1.000 antes de Cristo. Ele afirma que a continuidade de
povoamento dessa região do rio Tucson foi o resumo de um “imperativo ecológico
irresistível”; todas as populações que ali permaneceram se fixaram onde havia água
disponível. O autor ainda acrescenta que esses locais não só foram palco de relações
interculturais entre diversos povos diferenciados, mas também de ecoltuturacão,
isto é, de interação entre seres humanos e a natureza local.
O mesmo poderíamos dizer do vale do rio Pirapó, que também foi local
privilegiado para os assentamentos das primeiras populações de caçadores coletores
que ali chegaram por volta de 8.000 antes do presente, assim como foi local
escolhido pelos Guarani, que estabeleceram seus Tekoha (moradias) nas margens
de suas corredeiras. Da mesma forma, os jesuítas também acharam o local bom
para instalar suas Reduções no século XVII, e o governo do Império brasileiro,
para montar as colônias Indígenas no século XIX. E, no século XX, as Águas do rio
Pirapó e seus afluentes também atraíram para perto de suas corredeiras e poços as
populações de migrantes mineiros, paulistas, paranaenses e nordestinos.
O imperativo ecológico também esteve presente no processo de reocupação
moderna da região. Os topógrafos da CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná,
posteriormente Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, não tiveram outra
maneira senão delimitar os lotes de terras com estradas nas cabeceiras e águas nos
fundos, pois ninguém, com certeza, compraria um lote de terras que não tivesse
aguadas boas e disponíveis o ano todo para consumo da família e dos animais e
para tocar monjolos e outras maquinarias do tempo.
Dessa maneira, com esse desenho, tivemos a quinta ocupação da região
iniciada nos anos 40, com os “pioneiros” plantando café nas cabeceiras livres das
geadas e construindo suas casas nos fundos dos lotes, formando as sociedade das
Águas, que duraram até meados dos anos 70, em todos os afluentes dos rios Pirapó
e Bandeirantes.
A história dessas comunidades foi magnificamente narrada e analisada neste
livro pela Marcia, pelo Andréas e pela Marcia Rodrigues. Pela primeira vez, um
livro sobre a história da ocupação moderna do Norte do Paraná aborda a questão
trazendo o conceito de “sociedade das águas”, enquanto uma interpretação sócio-
12 −
PREFÁCIO ■
histórica capaz de explicar a vida social das populações rurais aqui estabelecidas
no período de 1940 a 1975.
De volta aos vestígios materiais dessas comunidades, encontrados pelos
arqueólogos, misturados aos de populações pretéritas, pergunta-se o que levou à
dissolução desse modo de vida? O que rompeu o “imperativo ecológico” e fez que
as pessoas que viviam, de certa forma tranqüila, em suas moradias, com suas roças,
seus animais, suas pescarias ao longo dos riachos que desaguavam nos rios Pirapó
e Bandeirantes se mudassem desses locais para viverem na sede do município de
Lobato ou mesmo em outras cidades?
As respostas podem estar na reflexão proposta por Donald Worster, outro
historiador norte-americano, de uma aproximação entre o materialismo cultural de
Marvin Harris com o materialismo dialético de Karl Marx. Ela poderia nos trazer
luz sobre o complexo funcionamento entre natureza e passado, entre ambiente e
história.
O entendimento poderia estar um pouco na explicação de Harris, de que
as sociedades exploram a natureza, mas sempre com rendimentos decrescentes
enquanto não modificam suas ferramentas, seus métodos de exploração, criando
novos tecno-ambientes. É a teoria do materialismo cultural. Mas, com certeza, outro
tanto, na explicação de Karl Marx, de uma história impelida pela luta de classe,
pelos conflitos internos, pela competição entre formas de reprodução do capital, em
que o esgotamento do ciclo do café e a introdução do agronegócio não deixaram
margens para continuidade da vida social das comunidades das Águas de Lobato.
− 13
INTRODUÇÃO
16 −
INTRODUÇÃO ■
1 Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) não é o nome original da empresa que loteou parte do Norte
e do Noroeste paranaense. Essa empresa se instalou em São Paulo, em 1925, sob a denominação Companhia de
Terras Norte do Paraná (CTNP) e era subsidiária da empresa inglesa “Brazil Plantations Syndicate Ltd”. Somente
em 1944, ao ser adquirida por um grupo de empresários brasileiros, ela passou a se chamar Companhia Melhora-
mentos Norte do Paraná (CMNP). Para informações detalhadas: (COMPANHIA MELHORAMENTOS NORTE DO
PARANÁ, 1977).
− 17
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
3. O espaço de 25 anos que percorre a pesquisa revelou que, na maior parte desse
tempo, a vida dessas pessoas, migrantes e imigrantes de várias regiões do país e do
mundo, foi composta por um constante recomeçar; por uma série de tentativas que
levava os moradores das Águas a viverem em um eterno clima de insegurança e de
incerteza que os induzia a estarem sempre criando e recriando seu espaço social e
econômico.
É sobre a história dessa sociedade construtora que discorreremos. De certa
forma, a questão dos agentes responsáveis pela transformação ambiental e social
empreendida no Norte paranaense em meados do século XX é um dos pontos que
mais se destaca nos levantamentos históricos feitos sobre a região. Entre esses
agentes, encontram-se os já conhecidos interesses imobiliários e financeiros da
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) e do Governo do Estado,
18 −
INTRODUÇÃO ■
Srta. Alice Cafofo Sr. Agripino Lúcio dos Santos Sr. Satoru e Dona Miyoko Inoue
Sr. Henrique Oelke Sr. João do Soutto Mello Sra. Nair Marques de Oliveira
Sr. Durval Colontonio Sr. Olírio Xavier Cotrim Sr. Nilo Lampugnoni
Srta. Tânia Martins Costa Sr. Raimundo Saraiva Peixoto Sra. Iracema Coleto Colontonio
Figura 2: Memorialistas
Fonte: As Águas [(2001)]. Coleção Particular Andreas L. Doeswijk.
20 −
INTRODUÇÃO ■
4. Narrar traços da construção do espaço social construído nas Águas de Lobato, por
meio da experiência daqueles que protagonizaram aquela transformação, tornou-se
um argumento e um vetor2 para abordarmos a ocorrência de elementos históricos,
durante o processo que consolidou a introdução do sistema capitalista na região
Norte do Paraná, e a forma como os habitantes do mundo rural se organizaram para
conduzir a transformação da região.
Todas as histórias de vida utilizadas como evidência histórica durante a pesquisa
são representativas daquele processo, e esse jogo de escalas não se contenta em
ilustrar e em evidenciar acontecimentos, partindo do princípio de que há apenas
duas escalas, a macro e a micro, mas sim várias escalas que se juntam para compor
o todo social. No caso da pesquisa nas Águas, a memória local ativada revelou
um universo de experiências vividas que, compôs aquele momento histórico e
que pode ser, em muitos sentidos, representativo da história de outros municípios
fundados durante o mesmo período.
Analisamos o processo ocorrido no Norte paranaense a partir de um levantamento
histórico-social tendo em vista dois aspectos em particular: a participação dos seres
humanos, sujeitos e sujeitas do devir histórico, e o jogo de escalas necessário para
discorrer sobre tal processo sem cair em uma crônica narrativa simplificadora e
excludente. Imbuídos dessas prerrogativas, desenvolvemos um trabalho procurando,
como orienta Simona Cerutti (1998, p. 175), “acompanhar percursos individuais a
fim de reconstituir a variedade” de experiências que compõe os diferentes campos
da vida social.
Concluímos que os moradores das Águas viviam os tempos de uma vida
comum, repleta de experiências compartilhadas, e não somente o tempo vetorial,
progressista e economicista sobre o qual costumamos caracterizar o processo em
questão. Os habitantes das Águas objetivavam melhorias quer na colheita de boas
safras de café, quer na colheita de outra alternativa econômica viável. No seu dia a
dia, todavia, travavam lutas constantes para garantir o acesso básico a itens relativos
à sobrevivência humana.
Construir casas, preparar a terra para receber o café, plantar hortas, derrubar a
mata, buscar água no rio para os afazeres domésticos - antes de ter o poço em casa
-, adaptar-se a região e a climas diferentes dos até então conhecidos são dramas e
tramas vividos no dia-dia das Águas, revelando outros tempos que também estiveram
presentes durante o processo que consolidou o sistema capitalista na região.
Vislumbramos toda a riqueza da abordagem microanalítica e de sua proposta,
aprofundando as análises e enfatizando o olhar minucioso, como o de um
investigador sobre as fontes. É um olhar que possibilita que sejam reconhecidos
aspectos particulares de determinados processos sem que se perca a noção de todo
2 Alfredo Bosi (1996, p. 30), utiliza a palavra vetor para significar um “tempo-flecha que avança na direção de um estágio
que deverá superar os anteriores. Um ritmo que quer queimar etapas; de resto, sabe-se que acelerar o processo se diz
também: aquecer a economia”
− 21
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
o processo, pois o que houve, nos primeiros anos de Lobato, e mais especificamente
nas Águas, foi a formação de uma sociedade que reproduziu aspectos de vida
em sociedade, considerados de ordem capitalista, cuja maior característica é o
predomínio dos interesses materiais. Por outro lado, essa sociedade também produziu
outras formas de reprodução humana, consideradas tradicionais: a religiosidade,
a solidariedade, os núcleos de convivência coletiva, os medos e os dramas que
acompanharam os habitantes em sua saga pelas Águas de Lobato. No encontro
entre essas duas sociedades, ao se valorizar somente as características capitalistas
que de fato existiram nas Águas, o analista daquela sociedade pode perder de vista
aspectos que fogem a essa caracterização e que procuramos registrar nesta obra.
5. É obvio que nossa exposição não contempla todos os aspectos que envolveram
o processo de evolução daquela sociedade, mas apresenta vários elementos que,
em conjunto, formam uma figura na qual são vislumbrados momentos daquela
experiência vivida. Outra peça do quadro, com a figura da vida nos primeiros anos
da zona rural lobatense, será fornecida ao discorrermos sobre o perfil regional e
cultural dos moradores, como forma de demonstrarmos a diversidade do grupo
social que habitou a localidade. Desse modo, não será através de uma narrativa
unívoca que a história das Águas de Lobato será contada, e sim a partir de um grupo
de narrativas construídas através das experiências de moradores e de ex-moradores
daqueles espaços e também por meio de informações contidas em documentos que
registram traços daquela vivência.
Nesse sentido, a pesquisa microanalítica desenvolvida nas Águas de Lobato
difere da maioria dos trabalhos de micro-história, porque apresenta seus resultados
por meio de diversas narrativas e quadros que representam a evolução daquela
sociedade, e não por meio de uma narrativa em particular, a qual perpassa todos
os capítulos. Não há, na história das Águas, um personagem central, e sim diversas
personagens, cujas histórias foram utilizadas para discorrer sobre uma história
coletiva, ou seja, utilizamos uma escala micro para discorrer sobre uma escala
de maior amplitude, que tanto pode ser a sociedade das Águas quanto a história
de pessoas em particular, ou, até mesmo, a história da introdução de elementos
pertinentes à sociedade capitalista e outras culturas regionais e nacionais na região
Norte paranaense.
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1
DE ACIDENTE
GEOGRÁFICO A
EXPERIÊNCIA HISTÓRICA
24 −
DE ACIDENTE GEOGRÁFICO A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA ■
3 Para os fins do que se pretende explicitar com o significado de espigão, é importante esclarecer que o termo "espigão",
segundo o Dicionário Aurélio Buarque Ferreira (1993), significa “pico de serra, monte ou rochedo”. Desse modo, quan-
do a palavra espigão for utilizada durante o texto, ela explicitará a parte elevada de um relevo que tem na parte baixa
um córrego ou rio, ou seja, a parte interfluvial.
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meio natural utilizado para estabelecer então onde começava e onde terminavam
os direitos de uma posse.
Segundo Wachowicz (1987), havia uma diferença entre a forma de posse
empreendida pelos tropeiros e proprietários do final do século XIX, no Norte do
Paraná, e aquela praticada pela CMNP. Enquanto esta negociava a posse dos lotes
sob pagamento imediato ou parcelado, no século XIX tropeiros e proprietários se
apossavam de uma determinada área considerada devoluta, tornando-se proprietários
de grandes extensões de terra diretamente no trato com a região em que haviam
decidido se estabelecer. Em alguns casos, as áreas eram ocupadas por populações
indígenas que delas eram expulsas por não serem consideradas proprietárias das
terras em que viviam.
Geralmente eram áreas conhecidas como territórios devolutos, isto é, locais em
que se queria fazer crer fossem desabitados e cobertos por extensa mata virgem 4.
Outra diferença é que, no Norte Velho, uma aguada delimitava uma posse desde a
nascente até o encontro com outra aguada, ao passo que para a CMNP a aguada era
dividida em várias propriedades entre 5 e 15 alqueires, ou seja, ela servia de limite
para várias posses. Em termos sociais, possibilitava um contato mais fluido entre seus
moradores quando eram construídos os campos de futebol ou as escolas, as vendas
e as capelinhas, as quais se localizavam na parte alta do espigão e contavam ainda
com um poço e com instalações sanitárias para suprir as necessidades daqueles que
freqüentavam esses locais.
De volta à questão da posse como direito de propriedade sobre a terra,
Wachowicz (1987) recorda que, desde a Independência até 1850, as propriedades
eram adquiridas por meio da compra de terras tituladas, que outrora haviam
sido sesmarias, ou da formação de posses a partir de terras devolutas. No
início da década de 40 do século XIX, os meios governamentais discutiram
sobre o sistema fundiário brasileiro, fato que teria levado tropeiros mineiros e
proprietários a iniciarem a tomada de posses nos vales do Itararé e do rio das
Cinzas, divisa entre Paraná e São Paulo. Essa região era por eles conhecida pelo
trabalho desenvolvido com os animais trazidos do extremo sul do país e pelo
fato de ela ser considerada terra devoluta e, portanto, passível de aquisição
por meio do direito de posse e não de compra. Os tropeiros passaram, então,
a se estabelecer na região, que ficou conhecida como Norte Velho, antes que
o sistema fundiário brasileiro titulasse as terras chamadas devolutas, ou seja,
terras adquiridas somente mediante a sua compra. Essa prática foi diferenciada
com o passar dos anos e, já em 1848, antes mesmo da lei de 1850, Wachowicz
(1987, p. 82) registrava possiantes negociando suas terras em termos monetários
com prováveis interessados.
4 Para uma discussão mais profunda sobre os grupos indígenas que habitavam o norte do Paraná ver: Mota e Noelli
(1999) Exploração e guerra de conquista dos territórios indígenas nos vales dos rios Tibagi, Ivaí e Piquiri, Noelli e Mota
(1999) A pré-história da região onde se encontra Maringá, Paraná. Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história
regional.
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Eu cortei muita madeira lá. Eram quatro donos. Que era uma sociedade,
o chefe mesmo era o Antonio Ferraz. Era o Antonio, tinha o Celso, tinha
o ‘Io’ e tinha o outro que eu não estou lembrado o nome dele. Sei que
hoje é a fazenda Três Marias que aí cortaram. Era uma fazenda só de
4700 alqueires; quando começou aquele negócio do INCRA, eles foram e
cortaram a fazenda em quatro partes. Ficou uma parte para seu Celso que é
a Remanso antiga, e a Da Barra, que é aquela que beira o rio e chega lá na
ponte. Aí ficou a fazenda da Barra para o Antonio Ferraz, a Remanso para o
seu Celso, as Três Marias ficou com a três irmãs que eles tinham, e a outra
que eu esqueço o nome, a Rosário ficou com o ‘Io’.
5 Esse mapa foi reproduzido parcialmente e com alterações na Figura 3 de forma a poder acomodar outros dados refe-
rentes ao recorte dos lotes rurais e do perímetro urbano de Lobato e também as construções coletivas como escolas,
vendas, capelas e campos de futebol que puderam ser identificadas quer nas falas dos depoentes, quer na documentação
analisada – cartográfica e do município.
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DE ACIDENTE GEOGRÁFICO A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA ■
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DE ACIDENTE GEOGRÁFICO A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA ■
Meu pai na ocasião, ele tinha, com o amigo dele em Minas uma fazenda.
Uma fazenda pequena e tinha um tio nosso que havia vindo para Astorga e
esse tio sempre escrevia lá, dizendo que o Paraná era o celeiro do Brasil e
que vinha muita gente para cá e isso foi animando meu pai. Daí resolveu,
vendeu essa fazendinha lá que era sócio com o amigo dele, comprou na
ocasião um caminhão 51 aqueles chevrolet, em 1951. Botou a família em
cima e partiu para Astorga. Chegando em Astorga, meu tio informou: existe
um patrimônio ai que está iniciando e que se chamava Lobato’. E meu pai
ainda brincou: ‘mas lá não tem saída não é?’ E ele disse: ‘não’. Então meu
pai disse: ‘então é para lá que eu vou’. Ai ele chegou aqui em Lobato, mas
foi por influência dessa euforia que o Paraná estava. Que as terra eram
muito boas. Esse é o motivo que ele veio para cá.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Entrei numa balsa um dia e a balsa foi para frente. Quando o caminhão
pegou a balsa, ele estava com três toras dentro só, mais três ‘bichonas’. O
recurso foi jogar as toras n’água, amarrar o caminhão e soltarmos as toras.
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DE ACIDENTE GEOGRÁFICO A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA ■
quase total da mata quando os dados do IBGE registraram, para aquele ano, uma
área de 1.495ha de matas naturais (IBGE, 1970). Ou seja, houve aproximadamente
85% de redução das matas lobatenses em um período de dez anos, fato que leva à
conclusão de que essa atividade acompanhava as frentes agrícolas, principalmente
nos períodos iniciais desse movimento, e que se sustentava sobre os recursos
naturais existentes nas áreas comercializadas pelas empresas colonizadoras. Embora
haja evidências sobre a exploração de madeira no Município, essa prática não ficou
registrada na memória local pela sua importância monetária, mas sim pela forma
quase folclórica de não se vislumbrar o sentido de transformação ambiental com ou
sem prejuízo para seus habitantes. Ficou registrado, sim, como uma atividade lógica
para as condições daquele momento, tendo em vista que objetivavam acomodar
principalmente a lavoura cafeeira.
Os ideais negativos sobre a floresta vão de encontro ao que alguns
autores como Neil Smith (1988) e Warren Dean (2002) consideram uma das
mais importantes características da sociedade capitalista: o conceito altamente
mercatilizado que esse sistema remete à natureza. A visão capitalista faz uso
indiscriminado dos recursos existentes em áreas naturais ou sociais, até a sua
exaustão, sem considerar as perturbações ou as mudanças trágicas que esse uso
indiscriminado pode suscitar. Warren Dean (2002), historiador americano que
escreveu a história da destruição da Mata Atlântica, introduz alguns parágrafos
em sua obra, nos quais discorre sobre esse processo que também atingiu o
Norte e o Oeste paranaense. A visão desse autor sobre a ocupação não é nada
apologética, ao contrário, é extremamente crítica quanto à forma como foi
empreendida a ocupação do Norte do Paraná pela CMNP. Para Dean (2002, p.
255), o projeto da Companhia queria “não mais estabelecer grandes fazendas
e sim, ao contrário, subdividir suas terras em lotes para venda em prestações a
todos os interessados”, como uma nova forma de grilagem que contava com sua
própria “força policial privada cuja atuação, propalava-se, não diferia da dos
pistoleiros contratados por loteadores menos escrupulosos”. Ainda segundo o
autor, as terras Norte-paranaenses eram supostamente adequadas para o cultivo
do café e a CMNP teria vendido milhares de lotes a esperançosos pequenos
produtores “até ser obrigada pelo falido governo britânico, durante a Segunda
Guerra Mundial, a vender tudo aos capitalistas brasileiros” (DEAN, 2002, p.
255).
A questão do olhar sobre a mata insere a formação da sociedade das Águas em
um contexto de maior amplitude dentro da história nacional - projeto modernizante
para o Paraná e para o Brasil -, da qual os habitantes acreditaram estar fazendo
parte. Na verdade, esse projeto encobria interesses imediatos de lucros exorbitantes
por parte de empresários ingleses e brasileiros, que pouco se preocupavam com
o alcance da transformação acelerada e sem planejamento ambiental, como a
empreendida em Lobato e em outros municípios fundados na ocasião. Dessa forma,
os moradores iniciaram os trabalhos em suas propriedades derrubando a mata
existente para plantar o cafezal e construir as demais dependências necessárias à
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DE ACIDENTE GEOGRÁFICO A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA ■
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2
A ÁGUA ARAÇÁ:
narrativa construída a partir dos relatos de Iracema e de
Durval
1. A Água Araçá foi um dos núcleos sociais mais bem equipados da zona rural:
possuía duas escolas, campo de futebol e uma venda. Localizada a Leste da
cidade de Lobato, o ribeirão batizado pelos topógrafos da CMNP com o nome
de Araçá (cujo significado pode ser tanto o nome de um município mineiro
quanto o de uma fruta brasileira) serviu como viga-mestra para a demarcação de
81 lotes no plano original (Figura 5). Essa demarcação acabou por se transformar
em 86 lotes após divisões ocorridas durante a venda ou revenda de alguns lotes.
Os primeiros moradores chegaram a Araçá bem antes da data em que foi aberto
o Patrimônio de Lobato, em finais de 1950 ou início de 1951, como lembra um
de seus primeiros habitantes, o senhor Durval Colontonio 12:
E tinha alguns moradores já na Água Araçá [...] que veio [...] deve ter
vindo aqui em 48 que se chama Joaquim Barbosa, Joaquim Bernardes
com a família e outros mais que tinha família lá, que eu também não
lembro o nome de todos né. Bom, já moravam na Água Araçá esse
pessoal.
13 É importante esclarecer que os Registros de lotes urbanos ou rurais em Lobato não estão mais disponíveis para pesquisa,
uma vez que o Escritório da Companhia Melhoramentos (CMNP) não se encontra mais ativado em Maringá desde o ano
2000, meses após esse levantamento.
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A ÁGUA ARAÇÁ ■
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
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A ÁGUA ARAÇÁ ■
aos quinze anos, tinha professoras que mal eram alfabetizadas e já eram
professoras! Eu como inspetora tinha bastante dificuldades, bastante
problemas, do professor desconhecer o próprio conteúdo que ensinava,
então a gente tinha de trabalhar com eles, quantas vezes o professor
chegava até a mim pedia para eu dar a lição para ele para ele poder dar
a lição para o aluno. Era uma situação bastante difícil [por exemplo, na]
Escola da Água Araçá: antes de fazer o transporte de professor, porque hoje
nós fazemos o transporte escolar, trazemos o aluno para escola na sede, e
no início, quando nós ingressamos em 69, a maioria dos professores era do
local. Depois nós criamos o sistema de transporte do professor. Antes de
criarmos esse sistema, na Escola Araçá, a professora ela ia a pé, daqui lá tem
o que, uns três, quatro quilômetros, ela ia a pé, com um balde de merenda
na mão. Ela, era uma situação muito dificultosa17.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
tinha suas próprias fichas cadastrais de compra de propriedade e como nada mais
consta nessas fichas, não há evidências de que tenha havido a revenda de um
mesmo lote.
O que ocorreu com essa documentação empresarial? Os funcionários da
empresa, em algumas ocasiões, fizeram novas fichas quando da revenda de um
lote e, em outras, recuperaram a ficha da primeira venda e efetuaram anotações
sobre uma segunda e, até terceira venda, como observamos ao manusearmos essa
documentação nas dependências da CMNP em Maringá no ano 2000? Acreditamos
que as duas hipóteses podem ser verdadeiras, mas esse fato leva um crítico de
fontes escritas a mensurar a dimensão de incoerências que uma fonte pode conter.
Por mais verdadeira que seja a existência de um discurso implícito nas fontes
escritas, há que se render ao fato de que elas não estão livres de erros estatísticos e,
até mesmo, como vimos acima, de incoerências quanto ao real detalhamento das
informações e dos dados que elas se propõem fornecer.
O trabalho com fontes originais, como as usadas na pesquisa em Lobato,
revelou a dimensão e, ao mesmo tempo, os limites dos documentos escritos ou
construídos a partir da oralidade. Esses limites podem ser reduzidos às incoerências
existentes nos dois tipos de fontes citadas e, quanto à dimensão, considerada aqui
um universo de possíveis informações, essa revela que os aspectos subjetivos, ou
qualitativos, são tão ou mais importantes que os quantitativos quando tratam de
assuntos históricos. Desse modo, presumimos, e os Registros nos autorizam a isso,
que o senhor Waldevino Dornelles vendeu parte de seus lotes aos senhores Antonio
Coletto, Adriano Aparecido Pires e Sílvio Meschiari. Ele, todavia, não o fez apenas
repassando os lotes a um novo comprador ou compradores, mas sim redistribuindo
o tamanho e a numeração dos lotes 227 e 227A. Originalmente, os dois lotes
somavam 25 alqueires, que foram redimensionados para a revenda, formando 3
lotes menores, dos quais dois de 6 alqueires, que ficaram com os senhores Antonio
Coletto e Sílvio Meschiari, e um terceiro, com apenas 3 alqueires, que teria ficado
com Adriano Pires.
Segundo dados da CMNP, o Senhor Joaquim Américo de Oliveira adquiriu o lote
número 226 e o integrou à sua fazenda. Após trabalho de campo realizado no local,
consideramos que o lote redividido em propriedades de dimensões menores foi o de
número 227A, ao passo que o lote 227, originalmente com 15 alqueires, ficou, depois
da revenda, com 10 alqueires no total. Podemos especular ainda mais e considerar que
esses 10 alqueires restantes foram vendidos inteiros ou, ainda, em partes menores a
outros compradores cujo registro não consta nos documentos da Companhia.
Foi assim que, em julho de 1950, o pai de Iracema Coletto comprou o primeiro
e único sítio da família com 6 alqueires no total. Adolescente nos anos 50, Iracema
chegou a Lobato com 15 anos de idade, meses após o pai ter comprado um
sitiozinho, como ela costuma se referir à propriedade de sua família. Chegaram a
Lobato durante o dia, após terem passado a noite no então Patrimônio de Ângulo,
depois que o caminhão de mudança quebrou:
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Alimento era na roça. A gente colhia o arroz, feijão. Batata a gente não
plantava. No começo foi muito difícil, porque nós comíamos arroz e feijão
puro, porque a gente não tinha com que comprar! Tinha nossos vizinhos
vinha fazer compra em Astorga, eles já compravam carne seca, essas coisa.
Já como a gente era muito pobre e não tinha, então nós comíamos arroz e
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A ÁGUA ARAÇÁ ■
Outros alimentos cultivados pela família foram repolho, cebolinha, “cheiro verde
que fala hoje”, o almeirão, este último fazia parte da alimentação porque “italiano gosta
muito de almeirão”, esclarece dona Iracema. Além desse hábito étnico reproduzido
pela família, outros costumes foram sendo incorporados ao dia-a-dia na Água Araçá e
no contato entre os vizinhos (dificilmente se matava um porco sem dividir com os mais
próximos). Como acontecia nas demais Águas, na Araçá tinha muita gente morando
tanto de um lado como do outro do córrego e
Segundo ela, essa prática perdurou “por muito tempo. Desde quando eu morava
lá no sítio”, acrescenta ela. Noutra parte do depoimento, Iracema descreve como a
participação das mulheres foi substancialmente importante na lida com a roça e com
outros afazeres rurais, como cuidar de criações – suínos, galináceos -, entre outras
atividades, fato ilustrativo de que a submersão desses afazeres sob o rótulo trabalho
doméstico esconde na verdade uma vida de dupla jornada que sobrecarregava esposas
e crianças no cotidiano das Águas.
− 47
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Jantar não era necessariamente o que a jovem Iracema e sua mãe faziam. Quando
voltavam para casa após o trabalho na roça, iniciavam os preparativos relativos ao
jantar porque “no sítio faz aquela janta como se fosse o almoço. E ficava aquela
louça pra lavar, eu que lavava. Lavava as crianças pra por pra dormir. Antigamente
era muita criança pequena”. Era uma jornada dupla que se estendia até altas horas,
pois, assim que as crianças dormiam, tinha de passar roupa, costurar, remendar o
que estivesse precisando. A esse cotidiano exaustivo ela ainda acrescenta muitas
outras atividades: “quando matava o porco fazia tudo, fazia sabão, derretia gordura,
fazia tudo, fritava a carne, enlatava [...]”.
Todas as atividades citadas, que se iniciam com a matança do porco, duravam
até dois dias e exigiam das mulheres concentração e conhecimento antecipado.
Iracema descreve como se davam tais atividades executadas por ela e por sua mãe,
Dona Genoveva Meschiari Coletto, irmã de Sílvio Meschiari:
Sabão? É só por [...] pega a barrigada do porco, lavava ela no córrego. Nós
íamos lá no córrego lavava ela bem, tirava aquela sujeira, depois vinha
no tacho e punha assim, couro, essas coisas que a gente não ia aproveitar
punha lá. Gordura que sobrava durante aquele tempo que a gente ia
fritando aquelas gorduras, então ia guardando e no dia punha, punha no
sabão. E aí punha soda com água e ia mexendo com fogo até que ficava
um sabão bem ‘liguento’ e depois tirava do fogo ele endurecia22.
Passava-se o dia cozinhando aquela barrigada que era mexida com uma pá de
madeira sobre um fogão improvisado no quintal que era feito
Assim com uma pilha de tijolo, punha o tacho em cima, punha fogo. E para
matar o porco era assim também: a gente fervia água naquele tacho, matava
o porco lá no chiqueiro, punha em cima de uma tábua, e água fervendo
naquele tacho jogava no porco assim, tirava aquele cabelo dele, limpava
com água fervendo, com a faca, raspava23.
48 −
A ÁGUA ARAÇÁ ■
Ah! A gente punha em latas. Aí meu pai já comprava as latas nas vendas; que
tinha as latas que tinham umas tampas. Então ali punha a gordura, fritava as
carnes naquele mundo de gordura dentro do tacho, cortado tudo pedaços
graúdos. Aí depois, fritava em bastante gordura, jogava tudo dentro da lata.
Que a gordura conservava a carne, que aquele tempo não existia geladeira,
era só assim! E os toicinhos a gente derretia tudo e fazia quatro, cinco latas
de banha, e a gente não tinha óleo. O óleo era só para fazer salada. Alguma
latinha que a gente comprava. Era tudo banha de porco24.
E nós plantamos café e foi, graças a Deus, a gente com saúde a gente
fez tudo isso. E por fim, quando o café estava com quatro anos e ia dar a
primeira carga, veio a geada e matou tudo. Nós ficamos tudo, ai Deus...
desorientados. Mas, fazer o quê, aí depois eu casei. Depois eu casei.
Depois daquela geada eu casei. A geada parece que foi em julho, eu casei
em setembro. Não, foi no outro ano que eu casei25.
Ah, acabou. Acabava viu. Acabava por que cada uma foi para um lado.
Eu era muito amiga da Odete do Benevides aqui. A Odete, e eu; tinha
essa Aparecida, desse amigo do meu pai que nós viemos do Estado de
São Paulo junto, nós éramos inseparáveis. E tinha minhas primas, que
moravam do outro lado, a turma dos Meschiari. E tinha, a Odete tinha
umas primas também que moravam do outro lado, então a gente se
juntava. Era muito legal, nossa! Quase todo domingo a gente vinha para
Lobato, era tão gostoso! Porque juntava aquela moçaiada e vinha ... aqui
encontrava com os rapazes, que eles já tinham vindo, já estavam aqui, ai
− 49
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
quando à tarde a gente ia embora, ia todo mundo junto. Meu irmão, que
eu tinha um irmão, mas meu pai era muito severo, não deixava a gente ta
saindo sozinho, então meu irmão sempre estava junto com a gente. Se ia
nesses bailinhos no sítio, os irmãos tinham que estar junto senão não ia
no baile. Era muito bom26.
O irmão citado era Maurício que, por sua amizade com Iracema, transformou-
se em fio condutor da próxima narrativa. Ela relata que seu pai, homem com algum
conhecimento escolar, costumava juntar em sua casa, no horário da noite, alguns
meninos para ensinar a ler e a escrever, principalmente durante os dois primeiros
anos, quando em Araçá ainda não havia escola, fato superado quando Joaquim
Américo de Oliveira construiu uma em sua fazenda, que era vizinha à fazenda
de Antonio Coletto. Antes disso, porém, seu Antonio teria iniciado a atividade
de professor a pedido do compadre Ernesto Gatti, que desejava que seus filhos
recebessem educação escolar, mesmo informal:
Porque meu pai, engraçado, que meu pai tinha [...] porque aqui não tinha
escola, esse Ernesto Gatti, que é o padrinho da minha irmã, ele tinha uns
rapazotes e ele queria que eles aprendessem alguma coisa. Meu pai era
meio estudado, ele pegou e arrumou umas mesas, umas cadeiras na sala,
que nós tínhamos uma salona grande, e ensinava eles e eu ele não quis.
Disse que mulher não precisava aprender ler. Eu ia arrumar cozinha, eu ia
passar roupa à noite, porque de dia a gente ia na roça. E ele ensinou meus
irmãos, porque eles já estavam estudando lá em São Martinho, então eles
continuaram com meu pai. E as mulheres não ligavam para estudar. Depois
eu aprendi porque eu gostava, eu tinha uma loucura! Eu tinha loucura
para aprender assim [...] aí eu comecei, depois que eu casei eu comecei
a ler aqueles [...] ai meus Deus do céu [...] aqueles que vinham aqueles
capítulos. Não é gibi, revista [...] que vinham aqueles capítulos como se
fosse uma novela27.
As moças antigamente eram muito presas. Que nem minha mãe falava
assim: ‘você vai no baile mais seu irmão, se ele for, você vai, se não você
não vai.’ E eu ia, sabia que tinha que respeitar ele, o que falava era ordem
para mim. Só que eu gostava muito dele, que ele era muito bom para mim!
Meu irmão era muito bom para mim28.
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A ÁGUA ARAÇÁ ■
Então a gente nossa, namorava, era só namorar, dançava junto só, e vinha
embora junto assim: mas nem pegar na mão não pegava. Porque Deus o
livre se meu irmão visse eu pegar na mão do namorado! Chegava em casa,
contava para o pai, o pai ficava bravo. Quer dizer que ele nunca me bateu
nada, mas, a gente sabia que tinha aquele respeito, que não podia, então
não podia mesmo!29
[...] essa fazenda do tio era da família Bertucci. Vendeu para o meu tio, e na
fazenda Bertucci tinha 43 mil pés de café para o lado de cá da Água Araçá
orelha de onça tudo dentro da cova. Mas estava na ‘quiçaça’, no mato. E
a gente então, na outra fazenda que foi vendida no Estado de São Paulo,
a gente conseguiu uns empregados bons e trouxemos para a fazenda para
tocar esse café que estava abandonado30.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
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A ÁGUA ARAÇÁ ■
Olha, a primeira gestão foi assim muito difícil para montar a prefeitura. Você
veja que Lobato emancipou, elegeu prefeito, a câmara mas foi abandonada
completamente pela Comarca de Astorga. E não ajudaram com nada. Então
o prefeito Portela, ele teve que começar da borracha, o lápis, tudo quanto e
coisa ele teve que começar de tudo. Alugou um ‘prediozinho’ de madeira e
era o salão na frente e uma residência no fundo. Então desmanchou as paredes
de dentro e fez a câmara e na frente a prefeitura. E tinha a Casa Gaúcha, a
antiga Casa Gaúcha de Astorga, que até me parece que não existe mais a Casa
Gaúcha, ela emprestou máquina de escrever, alguma coisa para a prefeitura
começar a trabalhar. E foi montada a Prefeitura e a Câmara. E a Câmara não
tinha mesa, não tinha cadeira. Então a gente pegava dos vizinhos as cadeiras
emprestadas, a mesa, e, assim que terminava a sessão nós íamos entregar para os
donos o material. E já começamos fazer os lançamentos territoriais, aprovamos
o orçamento, e foi solto para os proprietários e alguns deles já começaram a vir
fazer o pagamento na Prefeitura e o prefeito já começou a se movimentar. Por
sinal, o prefeito precisava de um contador pago e na época estava difícil mais
um filho do fazendeiro até o falecido meu tio, um primo meu, eu conversei
com ele para ser o contador da prefeitura de Lobato. Ele trabalhou seis meses
de graça, ele não quis nada, só para ajudar o município31.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Legendas:
1. Água Araçá
2. Sede
3. Terreiro de café
4. Tulha
5. Residência onde viveram Iracema e Durval
6. Colônia
7. Mangueira de Porco
8. 9. 12. 13. Lotes que faziam parte da propriedade de José Sandin, proprietário da fazenda São José, e que foram distribuídos
para os senhores Ferrucci (15 alqueires); Pitarro (10 alqueires); Ricieri Carbelin (10 alqueires) e Santo Gasola (15 alqueires). Esses
senhores receberam os lotes de José Sandin como forma de pagamento por serviços prestados como meeiros de café nas
propriedades de Sandin em Estrela do Oeste, estado de São Paulo.
10. Lote da fazenda São José, cuja responsabilidade pela produção cabia a dois empregados.
11. Lote doado por Sandin à família de Durval Colontonio.
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E a gente como toda vida foi assim um religioso, só que eu, por exemplo,
sou um religioso assim meio safado para religião. Mas a religião que eu
gosto é a católica. Meus pais na época, meu sogro, Adriano Pires, Ernesto
Gatti, Mário Martins, a gente começou a fazer, bem aqui no fundo da
casa onde mora meu cunhado hoje, naquele tempo ele não morava aqui,
era um salão com uma residência. E tinha uma data vazia ao lado então
a gente fez um barraco de encerado, cobriu de encerado e começou
a rezar os primeiros terços ali. E depois do terço saía um leilãozinho
para angariar fundos para construir a primeira igreja. Embora que a
igreja também, as madeiras foram doadas pelos proprietários, as toras a
serraria serrou, e os carpinteiros trabalharam de graça e o comércio aqui
deu prego. Mas, sempre que faltava alguma coisa para comprar fazia as
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Segundo Durval, isso tudo ocorre no período em que Lobato ainda era
Patrimônio de Astorga, em 1954, quando
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
E depois meu marido me levou lá pro sertão. Ai que coisa triste. Fiquei
quatro anos para lá. Lá, perto de [...] município de Assis Chateaubriand, mas
em Brasiliana. O lugar feio, meu Deus do céu! E lá não existia nada, pior
do que aqui, quando nós viemos morar aqui! Depois fomos para Altônia,
depois viemos para Lobato de novo36.
Dessa forma, traços das experiências vividas por Durval e Iracema narram
a trajetória do cotidiano de muitos dos moradores das Águas: uma sucessão de
tentativas em busca de uma vida tranqüila, a qual só poderia ser atingida por meio
do trabalho. Um olhar sobre o passado demonstra, contudo, que houve uma série
de tentativas frustradas que minaram as energias dos dois ex-lavradores. Já na
cidade, após a tentativa de manter uma confecção de roupas infantis, hoje, Iracema
trabalha com sua filha Elizabete em uma pequena fábrica de roupas também infantis.
Durval abandonou a política institucionalizada e auxilia sua esposa na fábrica e nos
afazeres domésticos.
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A ÁGUA ARAÇÁ ■
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3
UM COTIDIANO
DE TENTATIVAS E
DE INCERTEZAS EM
FAZENDAS E EM ÁGUAS
DE LOBATO:
as experiências de Olindina e de Manoel
quatro homens e duas mulheres -, seu Manoel, desde criança, costumava lidar com
vários tipos de criação no sítio do pai:
A lembrança que eu tenho da minha infância é que nessa fase de, que
acabou a escola eu vim para a agricultura trabalhar e tinha os irmãos tinha
os divertimentos dele e eu era assim meio, tinha assim, era meio ressabiado.
Eles saíam assim para brincar pelos matos e eu não ia, eu gostava só de estar
junto com a criação, cuidando de uma coisa e outra, e inclusive eu era
quem era o campeiro das ovelhas, dos cabritos, do gado. Tudo era eu que
comandava, pequeno, assim, na infância de dez, doze anos, treze anos. Era
essa a minha infância. Não teve assim uma infância, como se diz hoje, de
brincar de bola, essas coisas eu não tive39.
Ah, ali eu namorei com ela ali até, 50, quase 3 anos. Em 50 nos casamos.
No dia 28 de maio de 50. Ali eu fiquei ali, mas desde mais novo que eu
tinha vontade de vir para cá [para o Paraná]. Ali, quando eu casei, já fiz
uma casa boa. Quase como essa aqui, até comprei de um irmão dela a casa
pertinho da casa dos pais dela. Aí, combinei, casei, quando foi com 2 meses
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esse irmão dela pegou a fazenda Moron para tocar, escreveu para lá, para
nos virmos embora para cá. Aí foi que eu vendi tudo41.
Vender tudo não foi exatamente o que Manoel fez, pois, na seqüência de seu
depoimento, encontra-se a seguinte frase: “Só deixei a casa lá com um terrenozinho
e no dia 25 de agosto de 50 viajamos de lá para cá”. Não sabemos os motivos
que levaram Manoel a conservar essas propriedades em Pedra Buíque; se foi por
desconfiança da nova empreitada ou se foi por falta de compradores. Sabemos que
em 1975 Manoel voltou para Pedra Buíque para rever a mãe - o pai havia morrido
em 1971 - e os irmãos que lá ficaram ou que para lá voltaram após migrarem para
outros estados do país como São Paulo. Segundo Manoel, dois de seus irmãos ainda
moram naquele estado: “o Cazuza mora em São Paulo, o José, em Paulo Afonso, e
o Antonio, a Alice e a Severina moram lá [em Pernambuco] nas propriedades que
o velho deixou” .
Em agosto de 1950, Manoel e Olindina iniciam a viagem que os traria para o
Paraná. Vieram sozinhos e de ônibus e, antes de chegarem ao destino previsto, o
jovem casal cumpriu o seguinte itinerário, segundo Olindina:
Para Lobato mesmo naquela época, só viemos nós. Porque meu irmão
veio, mas foi aquele que já veio que pegou a fazenda para administrar. Nós
viemos para, nós chegamos em São Paulo ficamos uns oito dias lá, depois
viemos pra Arapongas que tinha meu irmão lá, porque lá em São Paulo eu
tinha minha irmã, meus irmãos lá, aí eu fiquei uns dias lá, depois viemos
para Arapongas fiquei mais uns dias, [...] na fazenda. Aí quando chegamos
na fazenda já tinha esse Adolfo, meu irmão, que era o administrador de lá
[...]42.
A impressão foi mal. Eu pensei que a gente vinha para dentro de uma
lavoura de café, e quando eu cheguei na beira da Fazenda, que só tinha
ela de aberto, e era tudo mato para cá e para lá, aí falaram ‘o café é aqui’.
Aí eu respondi para um cunhado meu: ‘cadê o café?’. E ele disse: ‘está
dentro da cova aí’. Estava o café tudo varando a madeira, já com um ano
de plantado e punha a madeira por cima assim, para não dar sol, para não
queimar o cafezinho orelha de onça que nem o senhor falou ontem? Aí eu
falei assim: ‘mas, ‘vichi’ Maria, isso aqui é um capoeirão” que parecia a
mata mesmo que sem ser derrubada. Aí ele falou: ‘mas, não Manoel, isso
aqui nós vamos carpir esse mato e o café com 2, 3 anos já está dando’. Aí,
eu entrei naquela fazenda com aquela impressão ruim. Mas, aí cheguei na
sede da fazenda já tinha 6 casas que tinha. Aí meu cunhado já estava lá.
Aí ele falou: ‘Manoel, você vai ficar numa casa mais eu’. Aí fiquei mais ele
numa casa. Carpir aquela quiçaça, aquele mato. Aí ele ordenou para eu
tomar conta de uma turma no machado na frente cortando de machado
aqueles matos dessa grossura assim, como brabo, aqueles brotos que tinha
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
nascido já tudo grande que foi cortado tudo a machado. E outra turma atrás
de enxadão carpindo, tirando aquele mais, mais pequeno43.
Eram sete [famílias], mas tinha mais. Porque tinha casa, moravam bem umas
doze famílias, porque tinha casa que moravam duas famílias. Que nem eu,
eu morava em dois cômodos, e tinha outro que morava nos três. Porque as
casas eram sete casas, mas, de cinco cômodos cada uma. Esse negócio de
banheiro, essas coisas, ninguém tinha46.
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Mas, depois que o meu irmão pegou ela [a fazenda], foi que ele foi mandando
pra vim o povo do Norte, de Pernambuco. Vinham aqueles caminhões de
gente, jogava lá, os conhecidos que tinha lá. O povo se iludiu, vinha muita
gente, mas foi muita gente pra sofrer, porque lá na fazenda, além de nós
encontrarmos só aquele mato, que nós não tínhamos nada, que a casa não
era nem matajuntada não era, era tudo aberto, aí eu tive aquela Osfélia
minha, era uma menina doente, e eu, aí, Deus me livre, que sofrimento,
eu ficava dia e noite com aquela menina nos braços chorando, não tinha
tempo pra nada, e eu lavava roupa, e ela chorando, não tinha remédio,
ninguém procurava também não tinha ônibus também. Tinha que vim em
Arapongas, se fosse preciso. E foi assim, assim aquela luta da gente aqui
nessa Fazenda Moron47.
Nos primeiros três anos na fazenda, Manoel participou das atividades relativas
à produção cafeeira quando, segundo ele “então era, só carpindo o café, cuidando
do café” e Olindina também se iniciou nas atividades da fazenda em construção.
Além do mato para ser cortado, café a ser plantado e cultivado, havia um número
significativo de bocas para serem alimentadas entre outros trabalhos considerados
domésticos. O dia costumava amanhecer com as mulheres já no fogão à lenha e,
pra dar conta da alimentação desse pessoal, Olindina e sua cunhada Terezinha,
esposa do administrador Adolfo,
Usava bem as panelas, mas assim, nós não tínhamos nem com que arear
louça, era aquela areia de córrego. Era um atraso! Mas eu, na casa de minha
cunhada eu ajudava muito ela porque ela era casa de muita gente, porque
minha cunhada tinha bastante filho também, e na casa dela, vinha aqueles
caminhões de gente só ia para a casa dela primeiro. Então ela tinha uma
luta muito grande.A gente ralava milho com um ralo, punha a espiga de
molho, aí então deixava para amolecer e ralava no ralo para fazer bolo para
aquele povo, tomava café. Senão pegava aquela massa, a farinha de trigo e
mexia aquele molinho e fazia aqueles bolinhos pra dá para o povo tomar
café, porque era muita luta, muita luta mesmo. A gente não ia na roça mais
ninguém tinha sossego48.
Não ir à roça, porém, não era necessariamente uma preocupação para essas
mulheres e seus inúmeros afazeres. Para a jovem esposa, no entanto, não foi somente
o imenso trabalho a ser desenvolvido no dia-a-dia da fazenda que a preocupou.
Havia também outros fatores de ordem física e pessoal. Olindina teve dificuldade
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
com a alimentação que era consumida no Paraná, o que tornou sua adaptação à
região ainda mais difícil:
Seis meses depois, quando, o jovem casal se mudou para sua própria casa,
Olindina ainda não tinha se habituado à nova alimentação e, grávida do primeiro
filho, cozinhava para vários camaradas, doze ao todo:
Eu não sei, eu era muito fraca, parece que eu não tinha muita disposição,
não sei se é porque eu tinha mudado de lugar, e eu sei que a gente era
aquela luta, puxando água naquele poço, e eu só tinha dois cômodos só,
aqueles dois, tinha a sala e a cozinha, minha sala era a cozinha, e era
o quarto e a cozinha só. E pegava depois aquela criança era chorão, eu
não tinha tempo de lavar, tinha que esperar o domingo para o Manoel me
ajudar a olhar para eu poder lavar roupa. A mulherada vivia assim, era só
fazendo comida, levar na roça, porque só tinha mato não tinha o que as
mulheres fazerem51.
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2. A vida considerada “de luta” por Olindina continuaria ainda por muitos anos
e se configuraria sob os mais variados aspectos no cotidiano da zona rural. Após
quatro anos da venda dos primeiros lotes rurais, o então Patrimônio Lobato era
coberto por considerável mata nativa, fato que amedrontava Olindina e a deixava
muito insegura. Para ela, que vivia momentos de adaptação a um novo ambiente
cuja transformação acontecia de forma abrupta a cada instante e sob seus olhos, a
questão relativa à mata revelava os sentimentos mais sofridos e inseguros. Segundo
ela, quando via “aquele mato horrível, a gente olhava assim os mato, fazia derrubada
e queimava, eu tinha tanto medo, parecia que o mundo estava pegando fogo, tanta
fumaça, tanta quentura tinha assim aqueles matos” 52.
Esse cotidiano de medo e de insegurança levou Olindina a expressar sua
vivência na zona rural como momento de luta, pois a adaptação ao novo espaço,
cuja geografia e clima eram desconhecidos, foi para esses migrantes nordestinos
uma fase de conflitos constante e, muitas vezes, de mudança indesejada.
Assim, havia uma luta para se adaptar às novas condições, criando, ou melhor
dizendo, recriando um espaço social em que o já conhecido fosse inserido no
desconhecido, de forma a dar à imagem criada por tal metamorfose um aspecto
que fizesse sentido para seus ocupantes. Imbuídos dessas preocupações, os
moradores da fazenda Moron, com o passar do tempo, foram organizando as
construções relativas à produção cafeeira e às atividades que visavam atender
às necessidades de lazer daquele grupo social:
Com o tempo foi descobrindo, foi animando e meu irmão, festa nós não
tinha, passeio nós não fazia, aí então quando era tempo de São João assim,
esse seu Valdir da farmácia, era que tocava trombone, e sei que meu irmão
inventava aquelas festinhas lá na Fazenda Moron, e eu dançava lá na
cozinha, a gente saía dançando lá na cozinha, só assim de ano em ano, São
João. O seu Valdir tocava e nós dançávamos lá na cozinha, lá na cozinha
que não tinha nem a sala53.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Olindina. Constatar esse fato é buscar no particular o conteúdo para uma história
social em que a ação de pessoas consideradas comuns é o que realmente importa
se se quer atribuir a esses personagens o papel de protagonistas da história sobre a
qual se queira discorrer.
Ainda sobre os primeiros anos em Lobato, Olindina dá mostras do cotidiano da
fazenda ao recordar de uma forte geada ocorrida no ano de 1953, quando o casal e
seus dois primeiros filhos, Felix e Maria Osfélia, sofreram com problemas relativos
à sobrevivência em uma região cujo clima lhes era totalmente novo:
Nunca briguei porque a gente tinha vindo embora. Porque tinha mulher,
olha, brigava com os maridos, reclamava porque tinha vindo, porque estava
ali naquele sofrimento, mais eu não, eu sofri só calada, naqueles tempos
de frio, que não tinha, aquela Maria Osfélia minha, uma geada grande, eu
não sei se em, ela é de 52, não sei se foi 53, ela pegou uma geada grande
que ela só vivia sentada no chão, esfriou a bundinha assim, no chão frio. A
gente não era prevenida de roupa, a gente não era prevenida de nada. Lá
em Pernambuco nós não precisávamos de roupa de frio assim, eu nunca
usei um casaco, nada de frio lá. Agora a gente vai lá tem [...], mas, naquela
época não. E ela só vivia no chão, aquele frio que nós não tinha nada
mesmo era só o chão, e ela ‘dispeiou’ a bundinha no chão, de ficar no
chão frio54.
Teve uma época que deu uma tempestade que eu morri, quase morri de
medo, a casa começou a descobrir, e a casa ia descobrindo e enchendo
de água, e eu gorda, estava bem gorda, da Odete, eu tinha, não, eu estava
gorda da Odete sim, eu peguei a Osfélia no braço e pegava na mão do
Felix e a casa assim cheia d’água. Eu peguei um medo de água, de chuva
que bastava um relâmpago assim no mundo que eu já ficava tremendo
assim de medo. Peguei um trauma [...] de chuva, agora não, mas eu passei
tanto medo, tanto medo, meu Deus! E ficava sozinha, o Manoel sempre
trabalhando longe [...] quer dizer, era colônia, mas não da pra ficar nas
casas dos outros, nem os outros na casa da gente. Ele só chegava no escuro,
lá pelas nove horas da noite que ele chegava, saía de madrugada e só
chegava essas horas assim55.
Era comum Manoel ficar fora de casa trabalhando até tarde da noite. Ainda
nos tempos em que havia mata para ser derrubada, o jovem costumava trabalhar
para outros proprietários quando o café ainda não estava pronto para a colheita.
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Esse trabalho, além de render algum dinheiro extra, tomava muitas horas, não só de
Manoel, mas também de seu cunhado e de parentes que moravam na fazenda:
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Araçá, por exemplo, foi confirmada em conversa informal com o Senhor Benevides
Bérgamo, morador de Lobato desde 195157. Esclarecemos, todavia, que, em alguns
casos, apenas a localização aproximada desses estabelecimentos foi identificada. O
espaço das Águas com a produção canavieira que se estende em grande parte do
município, sobretudo na parte Norte, transformou radicalmente a zona rural, muitas
vezes impossibilitando aos ex-moradores a identificação do local exato de muitos
estabelecimentos. Desse modo, as vendinhas identificadas na figura 3, com exceção
das vendinhas nas Águas Grajaú, Valmarina e Silex, têm por base somente a Água
em que estavam estabelecidas, mas não seu local exato. O mais importante, porém, é
que a descrição da existência de tais estabelecimentos reafirma a hipótese de que os
moradores foram os responsáveis pela organização e pelo desenvolvimento de uma
vida social particular no núcleo formado pelas Águas de Lobato. Ademais, o fato de
nem sempre se lembrarem de todos esses estabelecimentos foi assim expresso pelo
senhor Manoel: “é que a gente quase não saía da fazenda sabe?” Na documentação
educacional institucional de Lobato, constatou-se que, no ano de 1957, havia
naquela fazenda uma escolinha (DIVISÃO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 1957), mas
os depoimentos apuraram ainda mais a data da sua existência e foi possível chegar ao
ano de 1955, ano de sua fundação. Manoel conta detalhes sobre essa fundação:
57 O senhor Benevides Bérgamo, funcionário da Prefeitura de Lobato durante uma das fases da pesquisa de campo reali-
zada no município, assíduo frequentador da zona rural de Lobato desde 1951 e motorista que acompanhava o trabalho
realizado nas Águas, foi o responsável por essa informação. Lobato, julho de 2002.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
A casa em que moravam na Potiguara era melhor que a da Moron, pois tinha
cinco cômodos; entretanto não tinha banheiro. Lá na Moron, o costume era tomar
banho no quarto com a bacia e fazer as necessidades físicas na mata: “naquele
sacrifício medonho, era um povo sem experiência”, conta Olindina. Já na Potiguara,
Manoel construiria uma privada alguns meses depois: “naquele tempo a gente
chamava privada”, explica ela. Os anos na Potiguara, em termos de convívio com
outras pessoas, foram os mais sofridos para Olindina, Manoel e seus filhos. Como
vimos pelo depoimento, os vizinhos espanhóis recebem os novos moradores de
forma mais comedida. Apenas trinta dias após o parto é que vão fazer uma visita
para o casal. São desconhecidos os motivos que teriam levado os espanhóis a não
se aproximarem dos novos vizinhos, mas, quanto a Olindina, pode-se inferir que
esperava uma aproximação mais efusiva, como a que recebera de seus parentes
quando chegara a Moron anos antes.
Observamos que na propriedade da Água Potiguara surgem novas relações entre
os moradores. A recepção por parte de uma família de vizinhos espanhóis é tão pouco
calorosa que Olindina nem cita seus nomes em seu depoimento; surge, novamente
nas lembranças dessa senhora, nos anos vividos nessa propriedade, a participação dos
filhos e de parentes que se deslocam de outras Águas para vir auxiliá-la em problemas
relativos a sua saúde, que se tornou muito debilitada naqueles anos.
Por meio dos relatos, observamos uma profunda unidade entre esse núcleo
de pernambucanos lobatenses. Laços que se reforçam em momentos decisivos
nos trabalhos dentro e fora da fazenda, nas atividades consideradas domésticas e
femininas e, ainda, no caráter solidário das relações entre o núcleo cujo parentesco,
além de consangüíneo, era também regional. Essa união parece inclusive ser a viga-
mestra que sustenta a vida desse núcleo no município emergente. A lembrança
constante da participação de conhecidos nos episódios recordados por Olindina e
Manoel ocupa aproximadamente oitenta por cento de seus depoimentos, de forma
que é difícil encontrar uma frase que não seja iniciada por “eu mais aquele meu
cunhado” ou “minha prima que morava mais eu”, quando os protagonistas recordam
os momentos vividos na zona rural.
5. De volta aos anos vividos na Água Potiguara, Olindina, agora mais experiente
depois de cinco gestações completas e outra já no final, cuidou de aprontar os
afazeres da casa quando percebeu que a hora do parto estava chegando. Sem se
abalar, como fazia em outras ocasiões, saiu logo cedo para lavar roupa em um poço
bem fundo do qual as mulheres retiravam a água e a colocavam em um tanque de
madeira para lavar a roupa. Esse tanque, na verdade, era uma tábua e, segundo
Olindina, “era mais fácil”, pois, na Moron, havia que lavar roupa no riacho. Depois
da roupa lavada, outros afazeres aguardavam a parturiente:
74 −
U M C O T I D I A N O D E T E N TAT I VA S E D E I N C E RT E Z A S ■
limpas, aí ela não deu muito tempo assim, ela logo nasceu, porque quando
as meninas nasciam logo, os meninos demoravam mais um pouco, mais eu
nunca fiquei um dia assim pra ter um filho. Quando as parteiras chegavam
demorava uma meia hora assim, já ganhava, era mais rápido60.
Em seu sexto parto, Olindina contou com a ajuda de sua prima Ingrácia, o que
a deixou mais tranqüila:
Ela [Ingrácia] tinha vindo do Norte e ela tinha vindo morar comigo, naquela
casa que tinha vizinha. Aí quando eu fui para eu ganhar a menina, eu
demorei, porque eu tinha muita coisa pra fazer, quase que a menina nasce
(risos) sem a mulher chegar, quando a mulher chegou já a menina tinha
nascido a Rosilda, já, eu estava com essa Ingrácia aí as meninas queriam
entrar no quarto, e essa Ingrácia fechou a porta, era a Odete e a Marizete.
A Odete era minha e a Marizete era da Ingrácia. E ficava batendo na porta
chorando querendo entrar, e a porta trancada, um calor, que estava! Aí
depois a mulher chegou cortou o umbiguinho da menina. Que é a
Rosilda61.
Dez dias depois que Rosilda nasceu, a esposa de Manoel ficou novamente
doente. Mais uma vez, Ingrácia torna-se importante na vida do casal e de seus
seis filhos. Ela cuida dos afazeres domésticos e das crianças: “ela cuidou de mim”,
relembraria Olindina anos depois.
Durante três anos o casal de pernambucanos e agora também seus seis filhos
vivem e trabalham nessa fazenda que pertencia a um senhor chamado Leonel. Três
anos depois, porém, Manoel recebe uma proposta de trabalho: “me deram uma
administração numa fazenda vizinha com esse sítio. Aí fiquei mais três anos. De 60
a 63”. Nesse primeiro ano vivido na fazendinha do senhor Leonel, primeiro Manoel
diz ter formado o cafezal, depois, quando o senhor Leonel vendeu para o senhor
Antonio Ortiz, Manoel continuou como administrador, mas a produção da fazenda
passaria a ser mais diversificada:
Na Água Potiguara eu, que é no sítio do Leonel, que foi onde eu fiquei só
esses três anos, cuidei só de lavoura de, fui formar o café novamente e aí
fiquei três anos lá Aí o seu Leonel vendeu para Antonio Ortiz o sítio, aí ele
chegou e falou: ‘não vamos mais mexer com café não Manoel, você pode
plantar o que quiser aí dentro que eu vou encher de pasto.’ Aí que eu fiquei
mais dois anos ali cuidando da lavoura, da minha parte e a outra parte
ele já tomou conta que não tinha empreiteiro, estava abandonada. Aí eu
fiquei cuidando só de lavoura, plantando arroz, milho, algodão, mamona
ali onde era minha empreita. O resto ele já tomou conta, já foi plantando
capim. Aí quando foi no derradeiro ano que eu tinha ido entregar para ele,
ele já foi plantando capim, aí eu mudei para a outra fazenda onde eu fui
ser administrador62.
− 75
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Eh! Chi! Porque em todo lugar aqui havia um incêndio no sítio. Aí, a geada
caiu no dia 6 de agosto, fiquei com a criação só sustentada no milho e
na mandioca. Um bocado de criação de gado e animais. E aí tinha que
entregar a fazenda no dia 30 de setembro [de 1963] e com aquela situação
que não tinha quem arrendasse um pedaço para por a criação. Aí eu fiquei
procurando um ‘sitinho’ para comprar aí, comprei um ‘sitinho’ aqui no
aterro. Aí, no dia 30 de setembro, eu entreguei a fazenda lá e mudei para
um ‘sitinho’ aqui no aterro63.
6. O aterro a que se refere Manoel fica na Água Colorado, divisa com o município
de Flórida. A propriedade por eles comprada tinha cinco alqueires, mas, segundo
Olindina, a terra não era boa:
Aí nós fomos para aquele sítio lá, parece que ficamos lá três anos, e foi no
tempo que o João nasceu, foi 63, e deu aquela seca grande e a geada e o
café virou pó, queimou tudo, e o café virou pó, queimou tudo, e o homem
vendeu aquela fazendinha, e o Manoel comprou esse sítio aqui no aterro,
eram cinco alqueires, só que a terra era ruim. A terra não era boa. Tinha
café, ele plantou mamona. Só que depois saiu aquela lei do governo de
cortar os cafés, aí ele recebeu para poder cortar esse café, ele parece que
estragou, andou muito sabe!64
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U M C O T I D I A N O D E T E N TAT I VA S E D E I N C E RT E Z A S ■
Enquanto Manoel saía pelo mundo, como costuma dizer Olindina, ela e
as crianças passaram a trabalhar em propriedades vizinhas como lavradores
assalariados:
Eu na roça mais as crianças e ele para o mundo. Ele saía cedo e só chegava
uma hora da manhã, mais, todo dia. E a besta lá, só lutando. Chegava ia
lavar roupa, no outro dia cedo [Manoel] sumia outra vez. Eu ia panhar
algodão numa quiçaça que o mato dava assim até o pescoço. [...] Eu
trabalhei nesse negócio de panhar algodão. Na nossa não tinha. As crianças,
os mais pequenos ficava em casa e os grandes iam comigo para roça depois
iam para escola. Ficavam só. Ficava, era um sitiozinho e tinha vizinho meio
longe, perto da estrada66.
Veja, nesse sítio vizinho com meu sítio, era um sítio só, só que era repartido
de duas famílias, era metade para nós, metade pro outro homem. Eu acho
que lá eram umas quatro pessoas, e tinha eu, mais perto da estrada e do
outro lado tinha umas duas casas, tinha ainda mais família, só que a gente
não era assim de tinha amizade assim, tinha amizade mais não ia na casa
de ninguém, cada um era nas suas casas67.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
porque não tinha com que comprar, não tinha o que levar de lanche, não
tinha nada68.
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Olha, são várias coisas. As coisas que melhor me aconteceu foi eu ter a
felicidade de ter criado a família com todo sacrifício, mas tão todos criados,
isso me trouxe um prazer muito grande. E outro prazer que eu tenho, que
agradeço a Deus [...], foi ter vindo essa doença para mim depois que a
família estar tudo criado, que eu ainda hoje penso, foi uma grande vitória
que Deus me deu de eu não ter tido essa doença em tempo que eles
eram todos pequenos. Que eu não pudesse mais cuidar deles. Isso é uma
das coisas que me traz uma satisfação muito grande. E a outra coisa que
eu tenho, de maior prazer é de ter casado com uma mulher muito mais
responsável do que eu viu? Todo dia eu agradeço a Deus ter me dado essa
companheira tão fiel, tão ‘lutadeira’, tão cheia de respeito como ela69.
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8. Há na história de vida de seu Manoel várias viagens que são narradas de forma
tal que nos levam à suspeita de que seu significado extrapola sua informação inicial.
Primeiro, está a viagem de Manoel e Olindina de Pedra do Buíque, Pernambuco,
até a Fazenda Moron, na Água Sarandi de Lobato, acontecimento que já foi narrado
no começo do presente capítulo. Mas, em segundo lugar, há uma viagem muito
mais difícil de ser interpretada: a de seu Manoel a Céu Azul, Paraná.
No decorrer das entrevistas realizadas junto aos antigos moradores de Lobato,
houve três viagens que nos chamaram a atenção. Primeiramente, a travessia a cavalo de
Erexim, Rio Grande do Sul, até Campo Mourão, Paraná, do pai de seu Nilo Lampugnoni,
em 1942. Em segundo lugar, a viagem do senhor Henrique Oelke à cidade de São
Paulo, uma verdadeira odisséia de um pai que tenta salvar seu filho doente, experiência
que assume um caráter vital, pois leva à conversão de seu Henrique a uma vida
evangélica ativa. E, por último, em 1970, a mencionada viagem de seu Manoel a Céu
Azul para se encontrar com o dono de um lote que pretendia alugar. Por uma única
vez, no transcurso deste livro, transcreveremos as palavras do próprio seu Manoel para
mostrarmos esse relato tão extenso e tentarmos interpretá-lo:
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
senhor ir pela beira da estrada. Ele mora bem na beira da estrada, tem um
lote de 20 alqueires pegado com ela, só que ela fica para o lado de baixo,
mais para o lado leste e ele mais para o norte. E Aí, eu vim para casa e falei:
‘eu vou lá’. Peguei, e tinha vontade de arrendar o sítio, sítio todo de mato,
terra boa até. Aí fui para lá, posei de Céu Azul, no outro dia bem cedo...
aí quando eu cheguei lá, conversando com um homem, ali era fiscal do
parque nacional ali em Céu Azul. Aí ele já falou que no outro dia me levava
lá e cobrou uma quantia, acho que paguei 70 ou 80 reais para ele me levar
ali na casa dela. Chamava seu Moacir. Aí saímos. Logo chegamos em Vera
Cruz, em Vera Cruz descemos e perguntamos a estrada que saía na casa do
seu Vitório agrimensor já, ali ensinaram, e aí nos descemos, e quando foi
umas 8 horas do dia já estava na casa dela. Aí arrendei o sítio dela por três
anos. O primeiro ano eu pagava 500 reais de arrendamento. No segundo
700, e o terceiro, deixava, ou uma casa ou dava 1000 reais, 1000 contos
para ela. Naquele tempo era [...] Hoje é 1000 reais. Aí eu, abrimos o sitio,
derrubamos o sítio, e no fim de 71 colhi muita mamona, apurei uns 8/10
mil reais naquele tempo. Quando tava terminando a colheita, um dia, levei
o caminhão começou um dor assim no queixo, eu nem me incomodei,
pensei que era por causa de muito balaio de mamona que eu tinha posto
assim de lado nas costas, e pondo saco de mamona para dentro de casa lá,
e eu senti aduela dor no cangote, aí chegou o caminhão para pegar 55 sacos
de mamona que eu tinha mandado eles vinham com caminhão para pegar
dia de sábado, e eu [...] tudo aquela sacaria de mamona na cabeça e punha
em cima do caminhão para Flórida. Até chamava seu Evaristo o dono do
armazém em Flórida. Aí,... de lá, descarregou a mamona, fez a conta, ele
me pagou, quando eu cheguei em casa, olha, não agüentava, aquilo desceu
de uma vez [...]70.
71 Farnsworth-Alvear (1995) descobriu que, nos relatos sobre uma rainha de beleza das fábricas de tecelagem de Medellín,
Colômbia, na década de 30, a insistência na história de uma “rainha que não era virgem” extrapolava amplamente o
significado desse fato em si, já que afetava toda a disciplina industrial da área na época. Se as lembranças das mulheres
entrevistadas não conseguiram interpretar o alcance desse acontecimento, ao menos as suas falas remarcaram, insisten-
temente, todos os detalhes desse acontecimento histórico que acabou com as eleições de rainhas industriais na cidade.
A idéia geral está no fato de que há um limite entre o que pode e o que não pode ser dito, e que nós, historiadores da
oralidade, devemos procurar os significados ocultos em relatos que não conseguem expressar isso plenamente.
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toda a história de vida do seu Manoel, poderemos nos aproximar de algumas razões
para tamanha importância dada a essa viagem.
Em primeiro lugar, em 1971, seu Manoel encontra-se em um momento crucial
de sua vida. Como vimos, na década de 1960 ele havia perdido duas propriedades: a
primeira, ainda que só uma promessa, em Paramirim, devido à geada do ano 1963, e
a segunda, em 1966, mais concreta, no aterro da Água Flórida por causa da seca do
ano anterior e por negócios malsucedidos, Nesse sentido, o arrendamento dessa terra
virgem em Paramirim poderia parecer uma tábua de salvação. O fato de essa terra
estar abandonada e improdutiva e de poder ser arrendada por um preço mais que
razoável fazia ainda mais sedutora a operação. De fato, como vimos no relato, seu
Manoel conseguiu arrendar a gleba em condições bastante vantajosas. Em segundo
lugar, no caso de êxito, essa viagem possibilitava a permanência na Água Paramirim,
um lugar conhecido, onde a família já tinha morado e que seguramente tinha deixado
algumas lembranças boas. Também não devemos esquecer que o relato de Manoel
é uma construção a posteriori. Visto desde o presente, essa viagem foi o início do
fim, a última experiência de Manoel (para aquela época, Dona Olindina e seus filhos
já moravam em Lobato) com a lavoura agrícola e a última esperança de realizar a
sua utopia de agricultor abastado, morador em uma fazendola de café. Por último,
e também a partir de um olhar desde o presente, esse lote de Paramirim foi o lugar
onde ele adoeceu, fato que acabou finalmente com a sua persistência em continuar
trabalhando na zona rural e que o obrigou a se radicar definitivamente na cidade e a
exercer os ofícios urbanos de pedreiro e de marceneiro. Assim ele se expressa:
Fiquei mais 10 dias. para encurtar a história, o dinheiro que eu tinha livrado
na colheita da mamona gastei todinho com a doença. Aí, sarei, fiquei trinta
dias sem poder trabalhar, ir lá para o sítio, e tinha que entregar o sítio, aí
quando foi no dia primeiro de setembro, eu tava mais ou menos bom, aí
peguei o carrinho, arriei o cavalo e fui lá para o sítio aí acabei de colher
as mamonas que eu tinha no sítio, e eu já entreguei o sítio. Ela já tinha
vindo aqui já tinha vendido o sítio para o Tonico doceiro, o finado Tonico
doceiro. E o finado Tonico doceiro tinha vendido para o Getúlio que tinha
aquela oficina mecânica ali. Aí dia 30 de setembro de 71 eu entreguei o
sítio para o Getúlio e vim para cá. Aí falei: ‘olha, eu não quero mais mexer
com sítio que já sei que eu não tenho sorte com sítio não’. Aí, comecei a
ingressar no serviço de pedreiro e carpinteiro que já tinha um começo, já
sabia mais ou menos né, aí trabalhei até o dia que me deu esse problema
na vista72.
Nessa última parte do relato, parece-nos fundamental a frase “eu não tenho sorte
com sítio, não”. Na verdade, em 1971 estamos já em pleno processo de reconversão
econômica, de concentração e de tecnificação da agricultura. Pessoas trabalhadoras
como seu Manoel, porém sem capital ou acesso a créditos, não podiam continuar
sonhando com utopias agrárias. O fato de ter de entregar a terra em Paramirim, mais
que uma questão de sorte, era um sinal dos tempos [...] Como seu Manoel, outros
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
9. As experiências aqui narradas são uma ínfima parte dos momentos e dos
acontecimentos vividos nas Águas de Lobato. Concluímos que os que se dirigiram
para a zona rural do município sabiam, ao menos em parte, que estavam se
dirigindo para um local em construção. Não se davam conta, porém, da significativa
importância histórica de sua participação nesse processo construtor. As relações
sociais aqui descritas - negociações para a compra de uma propriedade, formas
parentais de relacionamentos, mutirões, interminável recomeçar após uma geada,
casamento, nascimento de um filho, lazer, fé, adaptação a um novo clima e,
principalmente, ressignificação da cultura conhecida em meio a um ambiente
divergente - são elementos que, em conjunto, surgem na narrativa daqueles que
viveram nas Águas e que dão conta da construção social da qual estamos falando.
É, pois, com vistas a essa rede de relações sociais que percebemos as
estratégias utilizadas pelos moradores para construir um espaço social em uma
região, ao menos naquele momento, praticamente desabitada ou destituída de outra
forma de sociedade73. Os moradores das Águas são os empreendedores daquela
transformação. Se eles o fizeram conscientes desse poder de transformação e de
implantação de uma sociedade, não deixaram transparecer em seus relatos. Na
verdade, suas narrativas evidenciam que buscavam atender às necessidades imediatas
de sustento familiar. A construção de núcleos formados por escolas, vendas, capelas
e campinhos tornou-se mais uma forma de organização desses núcleos através de
73 Embora tenham sido encontrados vestígios de que grupos indígenas tenham habitado as margens das Águas de Loba-
to - através da ocorrência de sítios arqueológicos e de cultura material indígena – por parte da equipe do Laboratório
Interdisciplinar da Universidade Estadual de Maringá (LAEE/UEM), tal discussão não foi incorporada no texto, pois os
dados se encontram em fase de análise, de mapeamento e de sistematização para determinar quais teriam sido os povos
que lá viveram.
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aqueles espaços por meio da criação de pontos sociais estratégicos que buscassem
suprir, sobretudo, necessidades imediatas e menos elaboradas de vivência social,
sem que os moradores precisassem se locomover constantemente à cidade ou a
outras localidades.
86 −
4
74 Os dados de 1968 constam do Livro CMNP (1977), ao passo que os números para 1975 foram extraídos do IBGE/Censos
Demográficos- 1975.
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Quando nós chegamos a Lobato tinha apenas duas casas [...] a nossa era a
terceira (Alice Cafofo)75.
Era mato ainda, só tinha duas casas. Tinha muito mato, muito forte. (Satoru
Inoue)76.
Quando cheguei a Lobato, no 52 mais ou menos, era uma cidadezinha
pequena, era um distrito e existia mata, muito mato, depois foi começando
a abrir (Raimundo Saraiva Peixoto)77.
Era aquela linha São Paulo, Londrina, Arapongas. E Lobato era o fim da
linha [...] Era só mato, umas quatro, cinco casinhas de madeira. (Valdir
Cotrim Ribeiro)78.
Meu pai chegou em 51. Ele conta que chegando aqui ficou impressionado
com a beleza das matas [...]. A impressão dele foi essa. Quando aqui
chegou, tinha uma área, 30 alqueires, 20, e só tinha as 4 casas. Animais
transitavam assim, que era mato.
80 Um livro de interesse que tem como tema esses trabalhadores é o de Vieira (1999) Jacus e Picaretas (A história de uma
colonização). A obra é uma mistura de memórias do autor e de um romance social. Tem o mérito de adotar o ponto de
vista desses trabalhadores que ainda não tiveram um lugar na historiografia da região.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
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Quando cheguei a Lobato, a impressão que eu achei foi muito ruim. Porque
a gente foi morar no sítio [...] tinha medo do sítio. Medo das crianças ficarem
doentes. Mais difícil era médico. Até também não tinha condução para ir ao
médico. O medo sabe? Aí se a gente fica angustiada porque vai escurecer.
[...] Porque vai escurecer e não tinha luz. Você tinha que ascender um
candeeiro a óleo ou então a lamparina85.
4. Chama-nos a atenção a rapidez com que foram vendidos os lotes rurais. Com
efeito, entre 29 de abril de 1948 e 26 de novembro de 1949, foram vendidos 355
lotes rurais sobre um total de 464, o que representava 78% de todo o território
vendido (direta ou indiretamente) pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
(1979). De fato, o povoamento da zona rural foi bem mais lento que a venda dos
87 O único caso de um trabalhador rural que chegou a ser proprietário é o de Manoel que, como foi visto no capítulo
anterior, perdeu sua pequena propriedade.
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
seus lotes, evidenciando que muitos compravam terras para especular e jamais
pensaram em se radicar em Lobato. Isso fez que os novos habitantes vindos depois
de 1950, verdadeiros agricultores, tivessem de pagar um ágil considerável para
adquirir seus lotes rurais.
Com referência aos lotes urbanos, a sua venda transcorreu de uma forma
bem mais lenta que a dos lotes rurais. Parece-nos que a especulação dos lotes
urbanos, naquela época, era bem menos interessante do que a especulação da
terra destinada à agricultura. Se em 1948 foram vendidos 252 lotes rurais, ou
seja, 54,31% do total, quando abriram a venda de lotes urbanos foram vendidos
somente 48 no primeiro ano (1950), quer dizer, 9,34% do total. A venda de lotes
urbanos foi constante até 1972, com alguns picos entre 1950 e 1952 e entre
1960 e 1968 (COMPANHIA MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ, 1979).
Esses dados explicam, parcialmente, o porquê de as Águas serem povoadas
muito mais rapidamente do que o Patrimônio e também nos dão pistas sobre a
existência da autonomia relativa das grandes Águas. Dentre as datas vendidas
na cidade, três quarteirões inteiros foram adquiridos pela Prefeitura de Lobato
para a construção do cemitério e de uma praça pública (a futura praça Monteiro
Lobato). Nessa praça se localizariam a prefeitura e a igreja. Como veremos em
momento oportuno, em 1954 a primeira capela de madeira foi construída sobre
a praça da cidade.
As primeiras casas foram construídas não antes da segunda metade de 1950, já
que só em outubro daquele ano seria aberto o Patrimônio. O Sr. Durval Colontonio 88
esclarece:
Foi em 1950. Nós entramos em julho de 1950. Só que quando nós entramos
aqui em Lobato era puro mato, a cidade não tinha nada de [...] era tudo
mata. Só tinha a primeira rua que era a Fernão Dias na entrada de Lobato,
de Flórida para Lobato, tinha a primeira rua aberta e o resto era picada com
balizas aonde ia sair as outras ruas. E em agosto, ah não!, em julho começou
também a derrubada do mato. Queimaram o mato mais queimaram muito
mal. Quer dizer, a madeira não estava seca não queimou nada. E aí foi
loteado as datas e a Companhia veio e cortou as datas em cima daquela
pauleira e os proprietários das datas ele tinha que vir aqui, limpar a data e
construir a sua casa.
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no livro organizado por Faissal El-Khalib, em 1969. Todos esses escritos, por sua
vez, fundamentam-se (melhor seria dizer: copiam) em um texto de Jurandir Pires
Ferreira, de 1959, em que se lê: “Os primeiros moradores da localidade onde hoje
se encontra o município de Lobato estabeleceram-se ali no ano de 1948. Entre esses
pioneiros figuram os Srs. Ildefonso Martins Portelinha, Haride Cavalete e Oscar
Cotrin Ribeiro” (FERREIRA, 1959, p. 304).
Exatamente dez anos depois, em 1969, o livro Municípios de Paraná, na
página dedicada à localidade comenta: Lobato foi fundado em 1948 e, entre
seus primeiros moradores, podemos citar os senhores Oscar Coutrin Ribeiro,
Ildefonso Martins Portelinha e Haride Cavalete (EL-KHALIB, 1969, p. 163). Como
mencionamos, a mesma frase se repete, com pequenas variantes, no livro de
João Carlos Vicente Pereira, de 1996, e no site do Associação dos Municípios do
Setentrião Paranaense - Amusep, dos anos 2000 e 2003. (repete-se, inclusive, o
mesmo erro ortográfico ao citar o nome de Cotrim Ribeiro). É de destacar que a
professora Alice Cafofo, em seu depoimento oral, já nos havia alertado para essa
história bastante arbitrária:
Quando nós chegamos aqui de mudança aqui em Lobato tinha duas casas,
duas famílias morando. A nossa foi a terceira casa. E essas duas pessoas
que foram os primeiros moradores, o nome deles não aparece como os
fundadores de Lobato. Aparecem outras pessoas que vieram depois, e que
eram envolvidas na política então [...]91.
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ao fato de Portelinha ter sido o primeiro prefeito. Para a história oficial que começa
imediatamente após a ocupação, o pioneiro é a pessoa política e socialmente
relevante. Assim, já em 1959, Martins Portelinha e Cotrim Ribeiro se auto-apresentam
como “pioneiros” ou “primeiros moradores”. Também como já se mencionou, os
nomes de pioneiros, com os quais se nomeiam as ruas de Lobato, homenageiam as
figuras importantes da política urbana lobatense - ainda que não necessariamente
os mais ricos - e a data de chegada se perde em uma nebulosa, que vai de 1948 a
1956.
Acreditamos ter encontrado em Lobato dois significados para o que Nelson
Tomazi define como pioneiro. A primeira é o indivíduo que – como em Londrina
ou Maringá, por exemplo – se auto-apresentasse como pioneiro, na pessoa de
Satoru Inoue, da Água Grajaú. Como já mencionamos, o Sr. Durval usa o termo
“fundador”, só que esses fundadores não são os mais ricos da localidade, tais
como os irmãos Ferraz, donos da Fazenda Remanso, da Barra e Três Marias
ou José Moron, residentes em Marília 92, no estado de São Paulo, da Fazenda
homônima, ou a família Tanaka, dona de terras e de indústrias, e sim aqueles
que dominavam, de fato, a política local e que eram comerciantes, profissionais
liberais e, inclusive, agricultores-vereadores representantes dos interesses das
Águas.
Se para o professor Tomazi o pioneiro da região é um dirigente da Companhia
de Terras ou um empresário agrícola ou urbano, para João Laércio Lopes Leal
é qualquer morador que chegou à região nos primeiros tempos e que possui a
capacidade de relatar os acontecimentos do passado. Pioneiro é a pessoa que conta
histórias, define Lopes Leal. Essa visão não carece de interesse para a micro-história
local, ainda que possamos perguntar se, nesse caso, o arquétipo aproxima-se de
uma criatura inventada pelo próprio historiador93. A pesquisa em Lobato, todavia,
demonstra que os pioneiros ou, melhor, os fundadores, como quer o Sr. Durval, são
escolhidos entre os que chegaram nos primeiros oito anos e que, em sua maioria,
formaram parte da elite política e social da localidade; mas geralmente não inclui a
elite econômica. Ultimamente, acreditamos que essa antiga elite política virou uma
elite depositária da memória oficial do Município, uma espécie de reserva tanto
ética como histórica da região.
6. Ora, de onde vem o nome Lobato? O único dado que temos é que a denominação
constituiu uma homenagem ao escritor de Taubaté, estado de São Paulo, Monteiro
Lobato (1882 – 1948), falecido no ano de fundação do Município. O resto é
especulação. Segundo a obra já citada, O Paraná e seus municípios, de 1996, foi
o engenheiro russo Wladimir Babkov, agrimensor da Companhia, quem nomeou
92 É de notar que os irmãos Ferraz sempre estiveram mais ligados ao município de Colorado que ao de Lobato. José Moron,
originário de Marília, SP, também nunca chegou a residir no Município. Dessa forma, a sua influência social e política
não tem muito destaque.
93 João Laércio Lopes Leal, Maringá, 2000, naquela época Secretário de Cultura de Maringá.
96 −
Q U A N D O R E I N AVA S U A M A J E S TA D E , O C A F É ■
7. A operação de desalojar a floresta pelo café foi vista em Lobato, aliás, como em
toda a região, como o triunfo da civilização sobre a natureza. Como já foi dito,
depois de comprar a terra, era comum contratar um empreiteiro para desmatar o
lote, pagando esses gastos com a venda das toras de peroba, de gurucaia, de marfim
ou de cerejeira. À pergunta se ele próprio fez o desmatamento, o senhor Satoru
testemunhou:
− 97
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Tinha muita gente. Tinha plantio de café, de algodão de mamona, então era
o custeio do povo, era a vida do pessoal, vivia disso aí. A gente tocava a
porcentagem; pegava uma lavoura de café, pagava 40%, 50% para o dono
da propriedade. A plantação que dava no meio daquela lavoura era da
gente: feijão, arroz, milho. E depois algodão, mamona, era a porcentagem
também95.
Em algumas falas, esse tempo que transcorre entre 1948 e 1960 é um tempo
de fartura, sobretudo por conta da horta e da criação de porcos e de galinhas para
consumo próprio. Essa fartura compensava de certa forma a ameaça das geadas e a
precariedade das moradias e das estradas:
98 −
Q U A N D O R E I N AVA S U A M A J E S TA D E , O C A F É ■
Batata, mandioca, além de outras coisas Batata doce sim. Agrião, arroz,
feijão. A gente mata porco, geralmente tem os porcos para engorda. Cada
época ele mata um boi e dividia: um quarto para mim, um quarto para
o cunhado. Tinha que fazer era: para conservar no óleo, salgar e secar.
Porque não tinha geladeira97.
− 99
■ NNAASS ÁÁGGUUAASS DDEE LLOOBBAT
ATOO
100 −
Q U A N D O R E I N AVA S U A M A J E S TA D E , O C A F É ■
− 101
5
A CONSTRUÇÃO DOS
ESPAÇOS SOCIAIS:
as escolas e o perfil dos habitantes das águas
tinha escola em quase todas as Águas 100, relembra a professora aposentada Alice
Cafofo, recordação que, como se verá adiante, repete-se em relação à existência
dos campos de futebol. De fato, com o significativo número de vinte escolinhas
rurais (Quadro 2) não só a maior parte das Águas teve suas escolinhas, mas também
algumas fazendas.
104 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
Agripino sorri o tempo todo ao relembrar esses detalhes de sua vida, fato que,
como já foi dito, evidencia um tom de mistério, como se ele escondesse algo pelo
puro prazer de não revelar maiores detalhes. Indagado sobre os motivos de sua vinda
para Lobato, ele, no entanto, é incisivo: veio em busca de dinheiro. Convidado por
um primo da esposa, denominado por ele como Zezinho barbeiro, Agripino conta
que foi convencido a vir para Lobato sob os seguintes argumentos:
106 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
É, (primo) de sua mãe. Veio o primo dela, e sempre telefonava que aqui era
bom de ganhar dinheiro, que aqui ganhava dinheiro no rodo. E nós viemos.
Aqui foi bom! Eu lhe digo: aqui foi bom! Esse Paraná aqui por onde eu
andava, aqui foi bom para ganhar dinheiro. Aqui um dia, o senhor chegava
aqui, o senhor saia aí na roça às pilhas de arroz estava tudo atravessada
assim em riba dos paus óh, ali. De milho, eles queimaram, tinha valor.
Nesse ponto aqui foi bom. Nesse tempo aqui, peão não passava fome. Peão
saía aí andando nas roças, banana, banana e mamão era à vontade, peão
enchia a barriga, peão caia no mundo103.
Com o objetivo de lucrar com todo o investimento que estava sendo feito
na região, Agripino se juntou ao senhor Martins, de sobrenome desconhecido,
trabalhando como furador de poços. Costumava furar poços entre vinte e cinco
e trinta metros de profundidade e os três ou quatro mil réis que eram pagos pelo
trabalho “era barato” e então, “muitas vezes, para terminar o serviço, quando não
achava [água], muitas vezes aí a gente estourava o preço porque queria acabar, tava
no fim, tinha que fazer essas “nojiças”.
Como furador de poços e depois como trabalhador autônomo da lavoura,
Agripino freqüentou o meio urbano emergente e a zona rural, o que fez dele pessoa
conhecida. Mas também ficou conhecido entre os moradores por apreciar brigas e
por ter recebido duas picadas de cobra – uma em cada perna – quando trabalhava
na fazenda Ferraz limpando um poço:
Tal fato faz que ele nada revele ao ser questionado sobre suas atividades naquela
fazenda, pois, em sua lembrança, ficaram registradas, de forma mais contundente, as
picadas que levou da cobra em um “triozinho” coberto por capim seco. As picadas
resultaram em um atrofiamento dos seus membros inferiores; a partir de então,
passou a locomover-se com dificuldade. Homem de poucas palavras, certamente
descendente de escravos, Agripino revelou uma identidade que pode ser facilmente
reconhecida como a de um homem que preza a liberdade. Embora tenha trabalhado
na lavoura do café, furando poços, derrubando mato, construindo estradas, é visível
como ele faz questão de frisar o sentimento de liberdade que permeia sua vida:
− 107
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Era meu ofício quase era quase no mato, derrubando o mato. Quando foi
indo, foi indo que eu, quando eu não derrubava mato eu ia carpir café.
Quando o povo chamava, o situante que eu nunca gostei de trabalhar em
fazenda, não gostava, que o povo chamava de pé de ferro. Aqui situante
era pé de ferro: ‘vou botar um pé de ferro!’. E também nunca gostei de ficar
dentro da casa dele. Meu negócio era esse: que tivesse um rancho para
eu queimar a minha lata. Eu gostava de queimar a minha lata para lá, de
‘meano’ levanta ir para o trabalho, eu era assim. Até hoje, eu sô. Que eu lhe
digo a verdade, tenho minhas duas filhas, elas são boas para mim, ‘percure’
a elas que eu adoro muito lá dentro de casa? E são boas né. É porque minha
natureza [...] eu moro aqui não sei quantos anos, eu não vou na casa de
vizinhos, quem quiser me achar, que eu não tiver deitado aqui, ou sentado,
que nem o dia que o senhor viu que eu estava sentado ali, pode ir, só me
acha lá em cima no boteco de Alfredo aonde ela me achou, ali na Rosa, que
não tiver aqui, ou na casa de uma vizinha que tem lá em cima. Também,
tirando dessa, pronto 105.
Quando eu cheguei aqui? Quando eu cheguei aqui tudo era mato. Ali onde
é o jardim, aquilo ali tudo era mato. Aquilo lá era mato ali tudo. Eu ajudei
ainda fazer uma igreja de pau que tinha ali no meio do jardim, eu ajudei
ainda ajudei abrir a estrada daqui para Colorado. Carro vinha de Arapongas,
tinha dia que só chegava até Santa Fé, era pior do que aqui. Chegava tinha
dia que a gente não podia, quem morava aqui quisesse, vinha que vim de
Santa Fé a pé. Quanto eu vim para aqui, no dia o carro só veio até Santa Fé.
Até aqui não veio. Veio eu e meu companheiro de lá aqui a pé 106.
Sabe-se que a Igreja de madeira a que ele se refere foi construída em 1954 e que
a estrada que ligou Lobato a Colorado data de 1953. Desse modo, estabelecemos
o ano de 1953 como provável ano de chegada de Agripino e de seu companheiro
anônimo a Lobato. O fato de ele estar trabalhando na construção da estrada revela
que o seu entrosamento com a população local já se encontrava em um nível
razoável de conhecimento mútuo.
O que revela a história desse baiano de Feira de Santana? Negro, que chegou a
Lobato sem dinheiro algum para investir, sem família, tendo apenas por referência um
primo e um companheiro cujos nomes nem cita em seu depoimento? A resposta a essas
questões é múltipla: a trajetória de vida de Agripino ilustra traços de interesses e de
anseios em lucrar com os investimentos que estavam sendo feitos no Norte do Paraná.
Ele, como tantos outros, tentou a sorte em uma região que, embora constantemente
108 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
caracterizada como agrícola, não deixava de ter espaço também para outros tipos de
atividades lucrativas, como a perfuração de um poço. Noutra perspectiva, o migrante
baiano é um indivíduo cujo exemplo maior está ligado à forma como preza e como
vive o sentimento de liberdade. Imbuída dessa última característica, a figura de Agripino
representa a capacidade de os seres humanos conduzirem suas vidas observando
as oportunidades e se lançando sobre elas, apesar dos riscos e das transformações
inerentes às mudanças. O relato de Agripino também revela a eficácia da propaganda
feita pela CMNP e pelo Estado, em diversas partes do país, sobre a imponência da
implantação da sociedade capitalista no Norte paranaense. Essa propaganda, como se
viu, deu-se não só por meio de cartazes e de propagandas encomendadas pela CMNP,
mas também por meio de cartas, no caso de Agripino, e, em outros casos, por meio de
conhecidos que vinham para Lobato e depois voltavam para seus Estados e convidavam
amigos e parentes para lá se estabelecerem. Vejamos outros casos:
O motivo principal foi o profissional. Nas cidades maiores a gente não tinha
condições, primeiro condição legal. Os farmacêuticos tinham mais direitos.
O meu direito se resumia onde não tivesse farmácia. Então São Paulo, se eu
quisesse, primeiro teria que ter condições financeiras. Mas não era o meu
caso. Então eu me vi forçado a vir para o Norte do Paraná, que se falava
muito naquela época, que era Terra da Promissão. E, de fato, aconteceu isso
e eu passei a exercer a profissão aqui. Lá eu trabalhei um certo tempo em
farmácia como funcionário108.
Não, eu tinha um irmão mais novo que eu sabe, ele veio na frente, eu era
casado, ele já era solteiro. Ele veio na frente. Ele gostou muito daqui e ele
informou para muita gente lá e muita gente interessou. E de lá nos viemos.
Um foi contando para o outro, você sabe como é mineiro, é o seguinte: um
conta para o outro, o outro vai na casa do outro, e oferecia: ‘vamos para lá,
porque lá não sei o que tem, tal, papá’. Aquele negócio. [...] aqui tinha uma
minerada danada, agora já tem menos110.
− 109
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
111 Depoimento de José Cavalcanti da Silva. Lobato, outubro de 2001. Na atualidade o Sgto. José está na Reserva da Polícia
Militar.
110 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
− 111
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
a Lobato, em 1952, ela conta que estranhou sobremaneira a vida na zona rural. A
má impressão que teve da nova moradia foi assim relatada:
Então eu cheguei, fomos morar no sítio que era do sogro. Tinha muito
medo de sítio. Porque quando vim de Minas para Astorga nós fomos para
a cidade. Ali não sofri tanto. Mas quando vim para o sítio passei muito
medo. Medo das crianças ficarem doentes. Mais difícil era médico. Até
também não tinha condução para ir ao médico. Sempre era difícil. Quem
trabalha na lavoura não tem dinheiro todo dia. A vida era muito difícil. E
eu sofria muito por causa das crianças. Com medo das crianças ficarem
doentes. Quando estava todo mundo com saúde, tudo bem. Até que ia
levando. Você acostuma um pouco. E o Jair sempre foi muito caprichoso.
Não deixava faltar as coisas em casa por eu não poderia sair para comprar
qualquer coisa115.
Uma das propriedades mais equipadas da zona rural, a fazenda onde morava
Dona Nair é constantemente lembrada como aquela que contou com um gerador
de luz, ainda nos primeiros anos da década de 1950, e com a primeira escola do
Município. Dona Nair chama o gerador de usina e, segundo ela, a sua instalação
melhorou muito sua vida:
− 113
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Ali já era melhor. Porque às seis horas [da tarde] ele ligava a luz que era
dentro do quarto. Mas quando dava umas 10:00h [da noite] ele apagava.
A hora em que ele ia dormir ele apagava a luz. Mas já era melhor. Porque,
às vezes, no começo da noite você deixava para dar janta, assim, seis, sete
horas [da noite] tinha que ascender o aparelho para dar luz. Ai ficava bom
porque já tinha luz118.
Olha, a vida toda meu marido gosta assim, muita carne. E lá, graças a
Deus, a gente tinha fartura. Além da carne, a gente fazia muita coisa que
era trazida da lavoura. Lá a gente colhia, a gente tinha verdura de toda
qualidade. Podia escolher: batata, mandioca, além de outras coisas que eles
traziam lá de baixo que eu não sei o nome. Umas batatas escuras que no
momento eu esqueci o nome119.
A dieta de sua família era realmente farta. Além do café da manhã, preparado
com leite, queijo e requeijão, havia também pão caseiro, alimentos que para
ela eram sagrados nessa primeira refeição. Uma simples fornada de pão revela
aspectos de um cotidiano cujo conteúdo histórico e social é altamente relevante
para a pesquisa em questão. Por meio desse relato, constatamos aspectos da
relativa autonomia existente entre a zona rural e a urbana. Trata-se de momentos
de atividades coletivas entre vizinhas e crianças e formas veladas de relações
sociais que visavam à promoção de encontros para dar conta de outros tipos de
relacionamentos, como veremos na seqüência.
Nair conta que era comum seu marido ir à cidade para comprar, entre outros
mantimentos, sacas de até 20kg a 25kg de farinha de trigo, que eram guardadas na
despensa até o momento em que “a gente arranjava umas comadres por ali, e fazia
aqueles pães sabe?” Noutros momentos, ela costumava reunir vizinhas, primas,
geralmente, para jantarem em sua casa:
Uma prima, que ela chama Iraci, tinha uma menina que é a Lucília, que
era amigona da Darci minha. Então, sabe, por causa dos filhos a gente
sempre faz coisas né? A gente reunia e fazia um jantar ou um almoço.
Frango, macarronada, maionese, essas coisas. E bebida, acho que fazia
suco120.
114 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
Mas, segundo ela, não era comum fazer festas na fazenda, ao menos não entre
os patrões. Quanto aos empregados, era freqüente a promoção de festejos, sobretudo
no interior da colônia, onde se divertiam. Mas ela acrescenta que não havia muita
familiaridade entre colonos e patrões; conhecia-os apenas de vista. Observamos a
existência de uma vida particular entre os moradores da colônia, fato que revela
um distanciamento entre as duas esferas; distanciamento esse que vai da distância
material (que, de fato, os separava), à distância social e, porque não, cultural.
Sobre o dia-a-dia na fazenda, Nair conta que cuidou da horta e da criação e
que suas atividades se restringiram ao âmbito doméstico:
Não cheguei a trabalhar na roça. Até porque não tinha muito tempo. Eu
toda sofri muito com meus filhos. Eu queria Ter dado tudo para eles. Toda
dificuldade que eu passei eu queria ver se eles não passavam dificuldade.
Eu estava sempre protegendo, compensado eles. [...] O serviço de casa
tinha que ser a gente que fazia, porque não tinha mesmo... E a gente dormia
muito cedo. Escurecia já colocava as crianças para dormir, porque não tinha
muita coisa para faze. Não tinha como passear. Às vezes dava uma volta
pelas lavouras, era bonito121.
O quadro pintado por Nair da vida nas Águas não é uma tela colorida ou cheia
de luz. Seu relato traz, sim, uma vivência de sofrimento e de muito medo, como
se pôde constatar nas citações anteriores. Essa vida de sofrimento é ainda mais
detalhada quando passa a se referir aos momentos de diversão.
Segundo ela, não era costume virem até a cidade para se divertirem nos finais
de semana, principalmente quando as crianças ainda eram pequenas e ainda não
tinham carro: “às vezes era muito difícil. Porque antes da gente ter nosso carrinho,
se quisesse vir tinha que vir a pé. Era longe, não dava para andar com bastante
criança. Então era preferível não vir”. Iam a casamentos e a outras comemorações
somente se se tratasse de parentes ou de amigos próximos. Dessa forma, poucas
eram as ocasiões em que Nair encontrava motivos para se divertir em Araçá e, ao
discorrer sobre aqueles momentos, evidencia uma aversão desmedida por tal local
e vida. Quando, no início da década de 1970, a família se mudou para a cidade
“para os filhos poderem estudar”, uma nova fase de sua vida teve início, uma fase
com a qual ela, sem dúvida, parece ter se entrosado muito mais.
O depoimento de Dona Nair revela que muitos se dedicaram à vida nas Águas
na esperança de dias melhores, resultantes dessa própria vivência; outros, entretanto,
viveram em mundos isolados de interesses financeiros ou empreendedores. O perfil
apresentado pelo relato de Nair demonstra alguns dos conflitos pessoais vividos
durante a fase de consolidação da sociedade das Águas. Ao apresentarmos traços da
vida de Nair, multiplicamos os tipos de relacionamentos existentes entre homens,
mulheres e meio-ambiente nas Águas de Lobato. Seu depoimento revela aspectos
subjetivos e muito pessoais sobre as experiências vividas nas Águas. Trata-se de um
− 115
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
elemento que surge como uma característica ainda inexplorada da vivência em uma
sociedade rural emergente: a não-adaptação a um novo espaço, principalmente
pelo fato de Nair ter vivido na zona urbana de Astorga. O isolamento espacial,
representado pela falta de um automóvel para levá-la e aos filhos à cidade, denota
a amargura que a distância entre a fazenda e a cidade, de aproximadamente 3km,
causava em Nair. Isolamento esse que ela sente também ao se referir às festas que
havia na colônia da fazenda e das quais não participava. Entre o medo da noite e as
atividades diárias, ela traça os conflitos e as sociabilidades praticadas por ela e por
outras famílias da fazenda, por exemplo, o encontro entre vizinhas para preparar
pães ou almoços a pedido dos filhos. Ao dividir a carne proveniente do gado do
pasto e também das caçadas do marido, surgem práticas de sociabilidades inscritas
em tempos anteriores à vinda para a fazenda, assim como são a reprodução de
um cotidiano já conhecido: a construção de hortas e a criação de porcos e de
galináceos ao redor da sede.
A existência incipiente da primeira escolinha, exatamente na fazenda de seu
sogro, e que Nair não cita em seu depoimento, e a construção do gerador de luz
são detalhes que representam o interesse do proprietário em organizá-la de forma
a torná-la o mais autônoma possível. A venda, do tipo armazém, uma outra escola,
fundada anos depois, e um campo de futebol são espaços coletivos que também
fizeram parte da estrutura organizacional que havia na Água Araçá e das quais
partilhavam não só os moradores da fazenda, mas também moradores vizinhos. A
existência desses espaços coletivos ou dessas organizações sociais básicas revela a
autonomia existente na fazenda e também na Água Araçá.
6. Alguns detalhes da vida de Nair Marques de Oliveira apontam ainda para o perfil
regional e cultural da população que migrou para o município de Lobato, como a
colônia que havia na fazenda em que vivia e na qual moravam descendentes de
italianos e migrantes baianos. Sem dúvida, o número de paulistas que se dirigia
para o Norte do Paraná durante o período analisado foi expressivo. Apesar disso,
no confronto entre os documentos da CMNP relativos à venda de propriedades
no Município, os registros de matrícula escolar de Lobato e as fontes orais, surgiu
um elemento não-contemplado na historiografia paranaense sobre o perfil regional
daqueles que migraram para o Município.
Embora essa historiografia destaque a importância da migração paulista para
o Norte do estado do Paraná, o confronto entre as fontes revelou que migrantes
do Norte e do Nordeste do País, bem como do estado de Minas Gerais, além de
imigrantes de outras nacionalidades, deslocaram-se em número significativo para o
Município, formando, inclusive, colônias nas Águas e nas fazendas.
Como a maior parte da população que se estabeleceu no Município não deixou
registro serial de sua passagem por Lobato, construiu-se um quadro, a partir do
local de origem de alguns alunos matriculados na zona rural, a fim de traçarmos
o perfil regional e a diversidade de regiões brasileiras representadas no corpo de
116 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
ALUNOS
ANO ESCOLA/ÁGUA ORIGEM
MATRICULADOS
33. São Paulo
10. Paraná
1957 Água Ibitipoca 48 03. Minas Gerais
01. Pernambuco
01. Ceará
22. São Paulo
14. Paraná
13. Ceará
1961 Fazenda Remanso 62 04. Minas Gerais
02. Pernambuco
02. Rio de Janeiro
03. Procedência não declarada
Na fazenda onde vivia Dona Nair houve, entre 1952 e 1955, uma colônia na
qual viviam nove famílias, das quais oito foram dispensadas pelo dono da fazenda
após uma geada ocorrida em 1955. A itinerância praticada pela população que se
deslocou pela região nesse período pode ser representada ainda pela experiência
da família do senhor Raimundo Saraiva Peixoto:
− 117
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Depois que eu fiquei, morava junto a meu pai [...] nós moramos em vários
lugares [...] morei em Astorga, na Colônia primeiro. Depois nos mudamos
assim, definitivamente, para Lobato em 54. Nós moramos aqui em Água
Colorado, aí inauguramos uma lavoura de café. Em 58 mudei para Munhoz
de Mello, junto com ele, em 61 nós voltemos para Lobato novamente, nós
voltamos em definitivo. Eu fiquei na lavoura de café até o 72. 72 eu mudei
para Lobato e 73 eu entrei na prefeitura e estou aqui até hoje122.
118 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
/... continuação
Rio Grande do Sul 01 0,31 01 0,30
Japão 04 1,21 04 1,21
Lituânia 01 0,31 01 0,30
Argentina 01 0,31 -- --
França -- -- 01 0,31
Espanha 01 0,31 -- --
TOTAL 329 100% 330 100%
123 O universo total de batizados para esse ano é de 381, mas só conseguimos deduzir a origem de 329 pais e 330 mães.
Ainda assim, entendemos que a amostra é representativa.
124 Ver, por exemplo, France Luz (1999, p. 129). Maringá: a fase de implantação: “Em geral os pioneiros já estavam acos-
tumados ao trabalho da terra. Vinham de regiões agrícolas de São Paulo, em busca de novas oportunidades no Norte de
Paraná” e também Stadniky e Barros Pinto (1999, p. 239). Contribuição ao estudo da presença nipo-brasileira no Norte
Novo de Paraná. “A colonização do Norte do Paraná é resultado de uma frente de expansão e ocupação procedente
do Estado de São Paulo”. Ambos os artigos se encontram em: Dias e Rollo Gonçalves (1999) em Maringá e o Norte
do Paraná. Estudos de história regional. Os exemplos dessas afirmações podem-se multiplicar infinitamente dentre da
historiografia tradicional sobre o Norte do Paraná. No caso da professora France Luz, a frase contradiz as suas próprias
estatísticas apresentadas em sua tese de Doutoramento defendida em 1988.
− 119
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
numerosos, ainda que se possa considerar que alguns moradores não professavam a
religião católica (PARÓQUIA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, 1975) 125.
Nos registros paroquiais, contudo, encontramos outro dado importante: além
de ser mencionado o local de nascimento dos pais, também é registrado o local do
casamento religioso. Dessa forma, constatamos que muitos casais que batizaram
seus filhos em 1959 tinham se casado no seu estado de origem; muitos outros,
porém, são provenientes de São Paulo, de Minas Gerais, do Norte e do Nordeste
e se casaram em Jaguapitã, em Sabáudia, em Astorga, em Iguaraçu etc, ou seja,
no Norte do Paraná. Esse dado é confirmado também pelas entrevistas orais e é
relevante porque mostra que em Lobato houve a imigração direta do lugar de
origem e a migração por etapas ou escalas, em que os nordestinos ou mineiros,
por exemplo, permaneceram durante um período no estado de São Paulo, antes de
entrar no Norte do Paraná. Da mesma forma, há numerosos casos de migrantes que
chegaram primeiro ao Norte Velho do Paraná antes de entrar no Norte Novo.
8. Com referência à evolução populacional dos moradores das Águas, das fazendas
e da cidade de Lobato, o número de crianças batizadas na Paróquia permite ter
uma visão aproximada da evolução demográfica anual do Município. O Livro de
Batizados da Paróquia de Lobato começa os seus registros em janeiro de 1959 e a
estatística completa é a seguinte:
125 Para 1959, o Livro de Batizados menciona o batismo de três japoneses adultos de uma mesma família. O Padre Ângelo,
no Livro Tombo, também menciona a conversão de algumas famílias japonesas ao catolicismo.
120 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
Como interpretar esses dados sem cair no óbvio e no banal? É evidente que, a
partir de 1969, diminui o número de batizados, devido ao grande êxodo rural de
Lobato e do Norte do Paraná. Além disso, há várias outras questões relevantes: a
redução do número de filhos por casal nessas quatro décadas; uma possível redução
do número de católicos e o aumento do número de crianças não-batizadas, que
pode ser justificada pelo crescimento das igrejas evangélicas. Há outras variáveis
pouco estudadas, por exemplo: Que tipo de população emigra de Lobato e qual
sua faixa etária? Não se trata de uma questão muito tranqüila, visto que, entre
1969 e 1973, o número de batizados diminuiu muito menos do que supunham
as estatísticas demográficas. A partir de 1973, constatamos uma queda vertiginosa
no número de batizados. Se confrontarmos esses dados com os das matrículas das
escolas e dos censos do IBGE, o panorama demográfico de Lobato e do Norte do
Paraná começa a mostrar características desconhecidas para a história tradicional
da região.
Comprovamos que, de 1959 a 1967, a média de batizados por ano é de 422,
começando em 1965 [sic] e terminando em 1973 [sic], um declínio lento e constante.
A partir desse último ano até 1979, ocorre um descenso muito acentuado. Se entre
1959 e 1967 essa média supera o número de 400 e se a média de 1968 até 1972
(inclusive) gira em torno de 272, nos sete anos seguintes essa média é de apenas
104 batizados por ano. Isso quer dizer que, nos primeiros oito anos da década de
60, o número de batizados em Lobato superava em mais de quatro vezes aquele dos
últimos sete anos da década de 70. É possível que, na década de 60, o número de
habitantes pudesse ter superado amplamente os pouco mais de 10.000 moradores
censados pelo IBGE em 1960126.
Uma outra conclusão provisória consiste na relativa redução dos batizados
a partir de meados da década de 60 - em especial, a partir de 1966 -, fato que
apontaria para o grande êxodo começado em 1969/70, que foi antecedido por
pequenos êxodos em plena década de 60127. Depois de cada geada, um número
importante de arrendatários era demitido e alguns proprietários vendiam seus
lotes para comprar unidades maiores no Norte Novíssimo. E isso sem considerar
a política de erradicação do café, que começou em 1966 e não, por exemplo, em
1970. Uma outra constatação reside no fato de que (se bem que pode ser defendida
a hipótese de que o grande êxodo começou realmente em meados de 69) houve,
a partir de 1973, uma nova aceleração da emigração. Em resumo, estaríamos na
presença de um êxodo em escala reduzida, a partir de meados da década de 60, do
êxodo maior de 1969/70 e de uma aceleração desse mesmo êxodo a partir de 1973.
Se compararmos o número de 247 batizados para 1972, com o de 90, em 1974,
fica evidente o que demonstramos. Ora, se elaborarmos as médias de batizados por
período, chegaremos à seguinte tabela:
126 Igualmente a questão é problemática: por um lado diminuiu o número de filhos por casal; por outro, um crescente
número de moradores abandonou a Igreja Católica [...].
127 O Programa da erradicação do café foi criado em 1961 e se efetiva em meados de 1960.
− 121
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
128 Segundo a opinião autorizada do geógrafo e professor Dr. Dalton Áureo Moro, “em geral”, os dados dos censos do IBGE
são confiáveis. Ora, como explicar esses algarismos tão elevados do livro da Companhia para 1968 para o Município de
Lobato e, de forma proporcional, para todos os demais Municípios da região, colonizados pela mesma Companhia?
129 Esse número de 17.080 habitantes coincide com a memória coletiva de Lobato, porém não com os números oficiais e
extra-oficiais. Por exemplo, o Livro Tombo menciona para dezembro de 1967 somente 7.323 habitantes. Pelo número
de batizados, crianças matriculadas nas escolas, etc., acreditamos que os dados da Companhia Melhoramentos são
realmente confiáveis.
122 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
9. Nas fichas dos compradores de lotes rurais também detectamos algumas lacunas.
Muitos compradores das propriedades lobatenses constantes das fichas da CMNP
citam como cidade de residência o município de Arapongas ou outras cidades da
região, ainda que, muitas vezes, eles estivessem há apenas alguns dias morando
nessas cidades. Os casos a seguir comprovam essas informações equivocadas.
O senhor José Batista Sobral, que comprou da Companhia o lote n.º 281-A, em
19 de novembro de 1948, declarou que residia em Cambé, estado do Paraná. Consta,
todavia, em observação no Registro dos Lotes de compra da CMNP (1979), que esse
senhor de nacionalidade brasileira teria vindo de Fernandes Prestes, estado de São
Paulo, havia 32 dias. Nesse mesmo dia, outros compradores são registrados como
residentes em Astorga e em Rolândia. O primeiro, Nelson Rodrigues de Oliveira,
declarou ter vindo de Monte Alto, Minas Gerais, havia 32 dias, ao passo que José Luiz
de Souza, que viera de Santa Sofia, São Paulo, havia 16 dias, dizia-se residente em
Rolândia. Casos desse tipo se repetem nos registros rurais e urbanos, pondo em dúvida
a origem exata daqueles que se estabeleceram em Lobato como proprietários.
Esses exemplos evidenciam que o número de proprietários paulistas e mineiros
pode ter sido maior do que o da estatística formulada a partir dos dados da CMNP,
pois, embora alguns casos registrem a real origem dos compradores, outros, no
entanto, trazem-na obscurecida. Além disso, os registros de vendas rurais trazem
o local de residência com significado de origem do proprietário, mas os registros
urbanos apresentam somente a nacionalidade dos compradores, fato que dificulta
ainda mais a formação de quadro fidedigno sobre a origem dos compradores que
se estabeleceram em Lobato como proprietários. Apesar disso, um fato interessante
é não constar, nesses mesmos registros, vendas de lotes ou de datas a compradores
de origem nordestina. Sabe-se, porém, que havia um número significativo de
moradores dessas regiões em Lobato. Segundo o senhor João do Soutto Mello 131,
“quando nós chegamos aqui tinha muito é nortista”, e não mineiro ou paulista, e
sim “mais do nordeste”.
130 Estamos falando dos moradores das Águas e das Fazendas, sem incluir os da cidade de Lobato.
− 123
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
132 O sargento José Cavalcanti da Silva é Lobatense de origem. Sua entrevista versou principalmente sobre informações
referentes ao tempo em que seu pai, Valdemar Galdino e ocupou o cargo de Delegado na década de 60. O senhor
Valdemar chegou ao município ainda nos primeiros anos da década de 50, com 17 anos aproximadamente. Tanto o pai
do Sargento como sua mãe eram pernambucanos de origem. Depoimento de José Cavalcanti da Silva, 29 de setembro
de 2001.
124 −
A CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS: AS ESCOLAS E O PERFIL ... ■
É. Veio de Arapongas. Hoje mesmo acho que morando esse que trazia
cinema. É passavam filme japonês. Passava na escola no clube, na escola
ou alguma família dava a casa, juntemos sempre para assistir. Todo mês,
cinema de japonês também teve139.
− 125
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
− 127
6
A CONSTRUÇÃO DOS
ESPAÇOS SOCIAIS:
a presença das capelas
140 A grande maioria dos dados utilizados neste capítulo foi extraída do Livro Tombo. Daqui em diante, se não houver
indicação específica, as citações são dessa fonte.
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
141 A exceção é a capela de Santa Rita da Água Potiguara, de alvenaria e de construção mais bem tardia. Todas as outras
eram de madeira e foram demolidas. A capela da Água Potiguara substituiu uma outra localizada na Água Paramirim.
Em 1973, foi trasladada ao sítio da família Palodetti, pouco distante da localização anterior.
130 −
A C O N S T R U Ç Ã O D O S E S PA Ç O S S O C I A I S : A P R E S E N Ç A D A S C A P E L A S ■
142 O padre José Bedin, de Santa Fé, era um sacerdote carmelita, natural de Venegazzú, Itália. Segundo Dulcilene Bram-
billa, foi “engenheiro, arquiteto, pintor construtor, marceneiro e técnico em contabilidade” e “construiu a igreja (de
Santa Fé) em tempo recorde com uma beleza arquitetônica que honrou a cidade e a região”. Essa igreja, construída na
mesma época em que foi edificada a Matriz de Lobato, ou seja, em 1960, foi derrubada por um ciclone, no dia 10 de
outubro de 1972, às 5h30min. Brambilla ([198-], p. 88, 203).
143 Participantes da Comissão da esquerda para a direita: Ernesto Gatti (lavrador empreiteiro); Mário Martins (proprietário
de uma máquina de arroz); Antonio Colontonio (administrador da Fazenda São José e pai de Durval Colontonio); Ricieri
Carbelin (proprietário de um sítio na Água Araçá, recebido como pagamento por serviços prestados ao senhor José
Sandin no estado de São Paulo); Antonio Coleto (pai de Iracema Coletto) e de Garoso (morador e proprietário na Água
do Trigo). Foto de meados da década de 1950, tirada ao lado da primeira Igreja católica construída em Lobato.
− 131
■ NNAASS ÁÁGGUUAASS DDEE LLOOBBAT
ATOO
144 Festividades religiosas em que os moradores das Águas se dirigiam à cidade representados por cores diversas.
132 −
A C O N S T R U Ç Ã O D O S E S PA Ç O S S O C I A I S : A P R E S E N Ç A D A S C A P E L A S ■
Existe uma opinião geral e que constitua uma pré-história de que, antes de
nossa Paróquia (ou seja, Iguaraçú) ser definitivamente atendida por Astorga,
a nossa vasta região geográfica – que incluía Santa Fé, Lobato, Flórida,
Ângulo, Munhoz de Mello e outros lugares – estava sob os cuidados
espirituais de um Padre que vinha de Arapongas. Esse padre não é nada
mais, nada menos do que o padre alemão, Pe. Bernardo Merkel SAC. Por
um tempo, até que se foram organizando as paróquias, esse padre atendia
todo este vasto território, à cavalo, além de atender, é claro, Sabáudia,
Astorga, etc. (AZZOPARDI, 2002, p. 17).
145 Acreditamos que o padre Lucas comete um pequeno erro ao considerar que a paróquia de Lobato foi criada a partir do
desmembramento da de Iguaraçu. Na realidade, Santa Fé, desmembrada em 1956, compreendia também a região de
Lobato e de Flórida.
134 −
A C O N S T R U Ç Ã O D O S E S PA Ç O S S O C I A I S : A P R E S E N Ç A D A S C A P E L A S ■
Uma vez mais constatamos nessa pequena amostra a presença dos moradores
nortistas, nordestinos, mineiros e paulistas.
Como relatamos, a primeira capela se localizava na praça Monteiro Lobato, no
lugar onde se encontra agora o Ginásio. Por lógica, também a Igreja de alvenaria
deveria ser construída ali. Entretanto, houve uma divergência entre o Padre
Maximiliano e a Prefeitura Municipal acerca de umas barracas de madeira que
se encontravam em frente a essa capela, as quais o Prefeito Ildefonso Portelinha
queria erradicar, atitude com a qual o padre Maximiliano não concordava. O pleito
foi solucionado com uma troca de terrenos entre a Prefeitura e a Paróquia, troca
sancionada pela Companhia Melhoramentos do Norte de Paraná. Com efeito, em
23 de agosto de 1960, a Prefeitura de Lobato doou um terreno de 10.360m 2 à Mitra
Diocesana de Londrina, ou seja, as datas de 1 a 6 e de 8 a 18 da quadra 11. Nessa
época, os nomes das ruas que as compreendiam eram: Palmeiras (NE); Ponta Grossa
(SE), Pirapó (SO) e Paraná (NO). Estiveram presentes nessa transação, o prefeito
Ildefonso Martins Portelinha, como donatário, o padre Maximiliano Sanavio,
representando a Diocese de Londrina, as testemunhas Juvenal de Oliveira Motta
e Sebastião Baroni e, como anuentes por parte da Companhia Melhoramentos, os
procuradores Aristides de Souza Mello e Vladimir Revensky 146.
146 Esses anuentes da Companhia deviam autorizar o cancelamento da doação à Prefeitura desse mesmo terreno, feita dois
anos antes.
− 135
■ NNAASS ÁÁGGUUAASS DDEE LLOOBBAT
ATOO
147 O Sr. Joaquim Francisco Pinto foi Prefeito de Lobato na gestão 1961-1964.
136 −
A C O N S T R U Ç Ã O D O S E S PA Ç O S S O C I A I S : A P R E S E N Ç A D A S C A P E L A S ■
− 137
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
1967 não foi o ano da fundação das primeiras capelas nas Águas. Segundo
a mesma fonte mencionada, em 1963, ou antes, parece que houve três capelas,
possivelmente as das Águas do Trigo, do Colorado e do Valmarina pelo seu
tamanho e importância. Destacamos que antes de abril de 1967 já havia
algumas capelas rurais no Município, segundo o que menciona, em janeiro de
1967, o padre Ângelo no Livro Tombo: “11 a 16 de janeiro de 1967. Visita
pastoral do bispo Dom Romeu Alberti de Apucarana que se realizou na matriz,
nas capelas e nas Águas do Município” (PARÓQUIA SAGRADO CORAÇÃO
DE JESUS, 1975). A evidência resulta importante: a visita do bispo não só
mostra a existência de capelas anteriores a 1967, mas também a presença de
comunidades religiosas em Águas desprovidas de capelas. As recomendações
do bispo também coincidem:
1964, o vereador Sebastião Augusto Valim esclareceu que o Padre Ângelo ainda não
cogitava começar a construção da torre naquele ano, fato que levou à formação de
uma Comissão para estudar melhor o Projeto (CÂMARA MUNICIPAL DE LOBATO,
1963a, f. 197). Essa decisão de Padre Ângelo foi confirmada no mês seguinte com
uma carta dirigida à Câmara. De sua parte, a Comissão designada ad hoc emitiu um
parecer desfavorável e o Projeto foi rejeitado por três votos contra e dois a favor,
estes últimos por parte de seus autores, enquanto Antunes Filho manifestou que a
Comissão foi contrária à subvenção “por motivo de política” (CÂMARA MUNICIPAL
DE LOBATO, 1963b, f. 3). Ainda na sessão seguinte, o Projeto foi novamente
rejeitado, dessa vez com cinco votos contra e os mesmos dois votos favoráveis
(CÂMARA MUNICIPAL DE LOBATO, 1963b, f. 6). Ora, lendo cuidadosamente as
Atas da Câmara, apesar das acusações do vereador Antunes Filho, não parece haver
neste episódio da subvenção da Torre alguma questão religiosa de partidários e de
inimigos da Paróquia de Lobato. Em um primeiro momento, Pereira de Carvalho
menciona a inconstitucionalidade do Projeto; em seguida, todos concordam em
outorgar a subvenção para o ano seguinte, e a decisão de Padre Ângelo de não
começar com a referida construção decidiu o voto da maioria.
De 11 a 16 de janeiro de 1967, o bispo de Apucarana, Dom Romeu Alberti,
realizou a visita pastoral a Lobato. 148 Essa visita de quase uma semana não se
restringiu somente à cidade de Lobato, mas se estendeu também às capelas das
Águas. Nos conselhos do bispo ao padre Ângelo, nota-se uma grande preocupação
em integrar as comunidades religiosas das Águas em torno da Igreja Matriz. Dessa
forma, algumas das recomendações com referência ao que chama “pequenas igrejas
domésticas” rezavam assim (PARÓQUIA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, 1975):
148 Com efeito, a partir do três de março de 1965, Lobato começou a pertencer à nova diocese de Apucarana.
140 −
A C O N S T R U Ç Ã O D O S E S PA Ç O S S O C I A I S : A P R E S E N Ç A D A S C A P E L A S ■
150 Elaboração de Andréas Doeswijk a partir de documentos da Paróquia Sagrado Coração de Jesus de Lobato, como o
Livro Tombo e o Livro de Batizados. Em caso de ausência de dados sobre a data de saída, fizemos coincidir essa com
a chegada do novo pároco. Destaque: elaboramos a listagem de sacerdotes responsáveis por Lobato a partir da criação
da paróquia em 1959. Porém, os primeiros padres que visitaram e atenderam a comunidade católica da incipiente cida-
dezinha foram, provavelmente, Bernardo Merkel e, com certeza, Luciano Ambrosine, Ambrosio Marks e José Bedin, de
Astorga, de Iguaraçu e de Santa Fé, respectivamente.
− 141
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
142 −
A C O N S T R U Ç Ã O D O S E S PA Ç O S S O C I A I S : A P R E S E N Ç A D A S C A P E L A S ■
O senhor Valdir contou que às vezes as reuniões contavam com até 50 pessoas,
porém, com o tempo, “esse salão foi acabando e no fim mudaram quase todos,
ficou só eu e meu irmão e nós ficamos tomando conta dali, mas sem funcionar
porque depois começou a cair tudo”. Finalmente, resolveram demolir o prédio
e manter o terreno cercado por um muro e um portão. Quanto à crença espírita
em geral, ele acredita na reencarnação e possui um determinado espírito racional,
científico e liberal frente às grandes questões da vida humana. Mais que uma religião
transcendental, as suas práticas revelam um humanismo fundamentado em alguns
princípios espirituais cristãos.
Vários depoimentos comprovam a profunda fé religiosa dos habitantes de
Lobato. Por exemplo, a senhora Olindina mostra em sua fala sua grande crença
− 143
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
144 −
7
VIGIAR E PUNIR
Quem era esse soldado Valdemar? De onde veio e por que decidiu entrar
na polícia se sua primeira intenção foi a de adquirir uma chácara das terras da
Companhia Melhoramentos? O filho de Valdemar, Sargento José Cavalcanti da
Silva, narrou a história do seu pai a quem devota uma admiração notável. Nascido
em maio de 1933 em Pedra de Buíque, Pernambuco, chegou a Lobato aos 17 anos
de idade, ou seja, em 1950. O lugar de chegada foi a Fazenda Moron, administrada
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Geralmente ia. Então qualquer diversão do povo era nos bailes. Todo
baile que tinha era convidado a ir, às vezes pela profissão, às vezes para
participar do baile porque ele era muito querido e popular entre as pessoas
e todos os sábados tinha um baile numa água. Era a animação do povo era
o baile e, fatalmente, no fim do baile dava uma briga, uma, duas ou mais
brigas, variava de lugar em lugar160.
146 −
VIGIAR E PUNIR ■
Ah, às vezes achava aí dez, doze peixeiras de uma vez. Daquelas peixeironas
danadas. Aquilo que se pegar a gente espeta aqui e sai do outro lado”. “Um
dia chegamos numa festinha que foi uma coisa interessante: nós fomos à
Fazenda São Tiago, tomar uma água. E você, de noite, você ia, passava
a mão assim, sabe, e quando passei a mão peguei uma faca. ‘Uai, uma
peixeira aqui!’. Os caras quando viram a polícia chegar jogaram todas as
facas lá dentro. Aí eu passei a mão e peguei outra. Aí o soldado que estava
comigo falou, ‘vamos pegar outra que tem mais aqui’. Pegamos umas cinco
ou seis facas ali.
Outras ocasiões de briga eram as partidas de futebol. O seu Olírio Cotrim 162
jogava no time da Igreja, chamado “Os Marianos”; ao ser questionado sobre brigas
durante os jogos de futebol nas Águas, contou: “Dava, briga dava; quando um
marcava um gol e o juiz não marcava direito o pau torava, pancadaria. [...] Saía
embora correndo e já falava: ‘domingo vocês vão e vocês vão nos pagar’. Aí o outro
já amanhecia doente no domingo. Era uma barbaridade”.
O seu Agripino163 também se recorda das brigas, porém, dessa vez, entre os
torcedores. Com seu jeito carismático de cativar a atenção da audiência, narrou a
seguinte situação:
− 147
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Havia brigas nos bailes, nas partidas de futebol, nos bares de Lobato e, às vezes,
até nas festas do Salão Paroquial. Mas, ainda que algumas lembranças parecessem
enfatizar a violência, outras insistiam no fato de que Lobato era uma grande família,
na qual reinava a paz. É óbvio que a memória de um delegado de polícia tenderá
a enfatizar os conflitos, ao passo que a memória popular postulará que todo tempo
passado foi melhor. Também havia roubos de galinhas, de sacas de café ou de algum
bezerro ou cavalo, porém em uma proporção mais que modesta. Os registros, por
vezes, são cômicos, porém não para as vítimas dos roubos. Vejamos, por exemplo,
esta queixa registrada na Delegacia de Policia de Lobato, em 20 de abril de 1957:
148 −
VIGIAR E PUNIR ■
O filho de seu Valdemar sintetiza bem o perfil dos roubos na Lobato dos velhos
tempos:
Aliás, muitas das queixas que se registram são de brigas entre vizinhos, tanto na
cidade como nas Águas. Essas brigas ocorriam muitas vezes por questões de limites
e algumas vezes por roubo de animais. Ora, os escassos documentos que ainda
são conservados na Delegacia não são suficientes para desenhar uma estatística
da freqüência desses crimes, transgressões ou brigas, mas são suficientes para
descrever alguns casos em particular. Em 1976, por exemplo, João Aguitone, da
Água Paramirim, na beira do rio Pirapó, denuncia o esfaqueamento de uma cabra e
o roubo de um cabrito e de vários porcos. Embora não chegue a acusar alguém de
forma direta, faz questão de declarar que “um ‘vulgo’ M., daquela data em diante
ficava expressamente proibido de passar dentro da sua propriedade agrícola e muito
menos onde existe o mangueirão (DELEGACIA DE POLICIA DE LOBATO, 1990).
Apesar dos casos mencionados, esses roubos não eram muito freqüentes na
Lobato dos anos 50 e 60. Se esses pequenos crimes contra a propriedade predominam
no Livro de Queixas, no Registro de Presos Correcionais do período de 1957 a 1961
as infrações mais comuns eram a desordem, a embriaguez e o desacato à autoridade,
transgressões todas que fazem referência ao isolamento social dos habitantes das
águas e das fazendas e às normas sociais vigentes nessa época e nesse lugar.
− 149
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Ainda que o inspetor de quarteirão pudesse prender algum infrator, isso era raro.
O comum era se comunicar com Lobato para que os policiais fossem prender o infrator.
Segundo o senhor Durval e o Sargento José, o cargo de inspetor não era remunerado e
era aceito mais pelo prestígio conferido. José filosofa com uma certa nostalgia:
Status. Status, porque ali ele se sentia uma autoridade. Então o inspetor
de quarterão de certa forma era uma autoridade, então ele tinha um status
como autoridade. E de ali os motivos que moviam uma pessoa naquele
tempo não são os motivos que existem hoje. Eles realmente achavam que
podiam contribuir167.
150 −
VIGIAR E PUNIR ■
/... continuação
03/05/1959 Benedito Batista do Amaral / I. Lobato Idem
12/06/1959 Cipriano de Aguiar Sales / I. Lobato Idem
02/11/1959 José Venâncio da Silva / I Lobato Olimpio M. de
Barros
10/02/1960 Vicente Gomes Ferreira / I. Salto de Pirapó Henrique Siquieri
Port.5/1960 Avelino Morandi / I. Água Sílex Idem
Port.6/1960 Augusto Borges / I Lobato Idem
Port.7/1960 Abílio Zuntini / I. Lobato Idem
Port.8/1960 Guilherme B. de Freitas / I. Salto de Pirapó Amilton Feltz
12/10/1960 Alfonso Ramos / G Lobato Idem
08/02/1961 Osvaldo Crespo Morato / G Lobato João Soutto Mello
15/07/1961 Edgar Antunes de Oliveira / G Lobato Idem
02/12/1961 Antonio G. Granito / Ag.R. 168
Balsa Sta. Rita Pirapó Idem
10/01/1962 Shingi Inatomi / Agente Res. Lobato (?) Idem
10/01/1962 Alfredo de Souza Lima / Ag. R. Fazenda Remanso Idem
12/05/1962 José de Meira / Ag. R. Lobato (?) Idem
28/08/1962 João Pinto da Silva / Ag. R. Lobato (?) Idem
11/10/1962 Rafael Riskalla / Ag. Res. Lobato (?) Idem
01/11/1962 Sebastião A. da Silva / Ag. Res. Lobato (?) Idem
11/11/1962 Sebastião A Gomes /Ag.R. Lobato (?) Idem
24/11/1962 Marcionelio C. de Sales.Ag. Res. Lobato (?) Idem
05/08/1964 Cícero Soares Leitão / Ag. Res. Lobato (?) Idem
17/07/1965 Jorge D. de Andrade / Ag. R. Lobato (?) Idem
24/07/1965 José F. Moreira / Ag. Res. Água Valmarina Idem
12/05/1966 Francisco Bueno / G. Lobato Idem
09/07/1966 José Ramos da Silva / I. Água Valmarina Idem
20/07/1966 (Falta o nome / há uma foto / I.) Fazenda Cristina Idem
25/07/1966 Iago Romanini / I. Água Ibitipoca Idem
30/11/1966 Pedro Fabretti / I. Água do Trigo Idem
05/05/1967 Ernesto Nunes Barbosa / I. Lobato (?) Idem
12/03/1969 João Aguitoni / I . Foi secretário da Polícia Ág. Pirapó / Paramirim Versedino Chicozzi
04/05/1970 Luiz Ferreira de Mello/I. Água Valmarina Idem
168 Agente Reservado da Delegacia de Polícia de Lobato. Lobato (?). Acreditamos que o lugar de ação de muitos desses
agentes reservados sejam as Águas ou fazendas, já que a cidade não necessitava de tantos agentes responsáveis. O
formulário impresso omite maior precisão.
169 No livro aparecem algumas anotações como “Exonerado por analfabeto” e “Exonerado por não ser verdadeiro mante-
nedor da Ordem conforme o pedido do Dr. Legista desta cidade de Lobato”, o que indica que nem todos eram capazes
de exercer essa função tão delicada nas Águas.
− 151
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Of. Circular
Sr. Comandante do Destacamento;
I. - Pelo presente, retero o conteúdo do ofício datado do 2 do corrente,
onde contêm o seguinte: dando atendimento a determinação do sr. Cél.
Comandante Geral da corporação, contida em radiograma nr. 54, ésse
Comando de Destacamentio Policial Militar, deverá informar a êste comando
diariamente, qualquer anormalidade nos setores, políticos, tranquilidade
pública, terras devolutas, atos de terrorismo e subversivos.
II. – No caso acima mencionado, faz-se claro, onde grifado, as palavras;
deverá informar a êste comando diariamente.
ATENCIOSAMENTE
(assinatura ilegível)
Médico Chefe do Posto de Higiene
Ilmo. Sr. Antonio Ferreira Lópes
M. D. Delegado de Polícia. Lobato.
quando mais uma vez foi solicitado que se fizesse, o mais breve possível, a mudança
da casa de meretriz (CÂMARA MUNICIPAL DE LOBATO, 1965, f. 131). Na décima
nona sessão, voltou-se a deliberar sobre essa mudança, cogitando-se, inclusive, a
compra, pela Prefeitura, da propriedade onde estava instalada a Casa de Tolerância.
Caso o proprietário viesse a adquirir outro imóvel na cidade, este ficaria obrigado a
fazer um atestado junto à Delegacia de Polícia do Município (CÂMARA MUNICIPAL
DE LOBATO, 1965, f. 146). Em 20 de janeiro de 1967, o assunto volta a ser
debatido, agora com um abaixo-assinado pedindo a proibição do funcionamento
e posterior concessão de novo alvará de licença à Casa de Meretrício (CÂMARA
MUNICIPAL DE LOBATO, 1965, f. 146). Na maior parte das vezes, as solicitações
contra a Casa eram feitas em nome da moral e dos bons costumes da cidade e
da população. Não há nas atas qualquer referência a proprietários que tivessem
tomado conhecimento de que tramitava junto à Câmara pedido de fechamento
de seu estabelecimento. Inferimos, a partir da menção aos meios legais nos quais
a instituição podia se amparar, que a Câmara podia fazer pouco em relação aos
pedidos feitos pelos grupos religiosos que se organizavam e pediam o fechamento
da Casa. A persistência do assunto nos debates da Câmara demonstrou a força do
estabelecimento em permanecer no Município, talvez por causa dos dispositivos
legais que a amparassem, embora houvesse vontades contrárias à sua existência.
Evidentemente, a presença da prostituição em Lobato e a sua institucionalização
pela estrutura policial levam à realidade de uma população agrícola com uma alta
taxa de masculinidade, própria de um espaço de fronteira. Essa população coincide
parcialmente com a classe considerada perigosa, a de lavradores das Águas e das
fazendas, que se constituíra na freguesia desordeira que ia para a cadeia - ainda que
só no fim de semana porque segunda-feira tinha de continuar o trabalho no eito.
Delegacia de Lobato.
No dia 28 de Janeiro de 1960
Compareceu nesta Delegacia de Lobato o Sr. A K. M. com 57 anos de idade
residente em Arapongas. Sendo proprietário neste município, situado na
Água Ibitipoca. Prestou queixa contra seus colonios de nomes Sr. J. R. d.
S., S. e P. R. d. S., A S. d. C., F. A d. S. e seus irmãos. Que o queixoso Sr.
A K. M. Declara que seus Colonos fugiram de sua propriedade. Sem nada
antecipar. Algem-se quer. E apoderandose de 2, Duas porcas grandes de
cria e mais 3 treis chapas de Fogão que os mesmo acuparão aindo sem os
quais sem A dar satisfação aa propietario. (Assinado: A K. M).
Quadro 11: Origem dos presos correcionais por estado ou país. Lobato, 1957-
1961
Fonte: Elaborado a partir de documentos da Delegacia de Polícia de Lobato (1961).
− 157
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
171 As percentagens não são excludentes. Por exemplo, “embriaguez” freqüentemente se associa a “desordem”, e assim por
diante.
158 −
VIGIAR E PUNIR ■
172 É interessante assinalar que os dados presentes nesse documento – Registro de Presos Correcionais - não são simétricos.
Em alguns casos registrados os dados estão incompletos com referência à residência, à natureza do crime e às datas
de entrada e de saída da cadeia. Aliás, em alguns casos registrados não se conservaram nem mesmo os registros dos
incidentes ocorridos.
− 159
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
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VIGIAR E PUNIR ■
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■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
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VIGIAR E PUNIR ■
/... continuação
Difamação / calúnia 01 01,33 05 03,04
Atentado ao pudor 01 01,33 01 00,60
Escândalo 00 00. 02 01,21
Embriaguez / escândalo 00 00. 01 00,61
Desrespeito 00 00. 02 01,21
Estupro / tentativa de estupro 00 00. 01 00,60
Averiguação de antecedentes 00 00. 06 03,65
Maus tratos à família 00 00. 02 01,21
Maus tratos à família / embriaguez 00 00. 01 00,60
Agressão / vias de fato / briga 00 00. 15 09,14
Briga / esfaqueamento 00 00. 01 00,60
Agressão / briga / embriaguez 00 00. 13 07,92
Vadiagem 00 00. 13 07,92
Embriaguez e vadiagem 00 00. 02 01,21
Não especificado 03 04. 05 03,04
TOTAL 75 100 % 169 100 %
175 O fato de a soma das percentagens superar generosamente o 100% se deve, em muitos casos, aos delitos como embria-
guez e desordem, que são mencionados em conjunto.
− 163
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
Olha houve (brigas) sim. No começo de Lobato houve até uma morte aqui,
discussão besta. Um matou o outro. Outro foi na Fazenda Ferraz e outro
foi ali, perto dessa escolinha lá entre Flórida e Lobato, na Água Colorado.
Mas é coisinha é, teve um assassinato ali na Água Valmarina. Então são
coisinhas, e, em proporção da cidade grande, não é nada177.
O Sargento José também reconhece que houve alguns crimes graves e também
menciona os três homicídios. Lembra-se, ainda, possivelmente pelos relatos de seu
176 Em outros documentos voltamos a encontrar no mesmo período infrações mais comuns como: embriaguez, desordem,
agressão ou vias de fato, furto, desacato à autoridade e maus tratos à família. Num certo sentido, ainda que os documen-
tos apresentem lacunas ou imprecisões quanto aos dados dos casos registrados, o resultado é um número significativo
de infrações cometidas no município.
164 −
VIGIAR E PUNIR ■
pai, que houve fraudes com referência aos limites das propriedades rurais, sobretudo
nas recém-conquistadas ao mato e dos proprietários ausentes: “Era comum a pessoa
adulterar a marca, o limite da terra, quando construía a cerca a construía um metro
dentro da propriedade do outro [...] Mas dizer que eram fatos assim comuns, não,
mas [...] aconteciam”. Uma razão, aliás, a principal, para que os crimes mais graves
não apareçam nas fontes policiais da localidade está no fato de que os processos
dos delitos maiores eram transferidos à Comarca de Astorga.
− 165
8
O GRANDE ÊXODO
E A RECONVERSÃO
ECONÔMICA, 1969 –
1975
As escolas do sítio muitas fecharam porque não tinha aluno, tinha dia que
saíam, quatro, cinco, dez mudanças de Lobato. Bom isso na época de uma
geada, eles falaram para vocês quando foi? 76 que deu uma geada muito
grande aí a população de Lobato em pouco tempo, só casa fechando,
fechando.
Mato Grosso, entretanto, não foi o único destino tomado pela população;
muitos foram ‘embora para Assis Chateaubriand, a tudo quanto é lugar no Paraná e
até, às vezes, fora do estado, foram mudando’, é a forma como o senhor Raimundo
explica a mobilidade demográfica lobatense. O crescimento da produção pecuária e
o conseqüente deslocamento de muitos moradores das Águas para a cidade fizeram
que os vereadores refletissem sobre o material com o qual as escolas deveriam ser
construídas em 1969. O vereador Benedito Siqueira Ita (CÂMARA MUNICIPAL DE
LOBATO, 1969, f. 58) era da opinião que deveriam ser construídas com tábuas,
pelo fato de o Município estar “em fase de desenvolvimento pecuário, o que vem
diminuir o número de alunos que então as escolas deveriam serem construídas de
tábuas, de tipo móvel, para que sejam em qualquer tempo transferidas para lares
onde há maior freqüência de alunos’. Outros, todavia, sugeriram a alvenaria.
Inicia-se, então, o deslocamento ou a desativação de escolinhas na zona rural,
fato ilustrativo da reorganização do espaço social das Águas sob novas perspectivas
e interesses e de uma nova fase na organização espacial e social do Norte do Paraná
que, de receptor de migrantes, passa a ser uma região de migração.
Os motivos que trouxeram para Lobato as famílias de Durval e Iracema,
Olindina e Manoel, bem como as dos memorialistas Agripino, Nabio, Satoru,
Darcy, Nair, Nilo, Henrique, João, José, Raimundo, Olírio, Tânia, Alice, Valdir e
Zailson, em certo sentido, não diferem muito dos de outros trabalhadores da lavoura
e dos demais trabalhadores que para lá se dirigiram. Todos esses memorialistas e
seus depoimentos revelaram traços de como se deu a organização espacial e a
evolução social das Águas e de como, em sua maioria, vieram para trabalhar tendo o
conhecimento como suporte das relações. Imbuídos desses conhecimentos, dirigiam-
se a uma região onde estava se formando uma nova sociedade para lá oferecerem
seus préstimos, contando com um provável sucesso financeiro que possibilitaria um
também provável enraizamento na região. Nesse sentido, aqueles que se dirigiam
para Lobato não o faziam na certeza de que haveria um estabelecimento definitivo,
mas na esperança de que isso aconteceria. Isso transformou esses homens e mulheres
em pessoas que vieram para o Norte do Paraná contemplando em seu horizonte
a possibilidade da tentativa. Desse modo, é possível que nem mesmo aqueles
que se estabeleceram em Lobato como proprietários estivessem certos de que tal
empreitada seria positiva, fato que nos leva a considerar a questão da incerteza
168 −
O GRANDE ÊXODO E A RECONVERSÃO ECONÔMICA, 1969 – 1975 ■
Ah sim! De fato, você vê, em 53 veio uma geada forte, e esses 43 mil pés
de café já estava para produzir a fruta dos quatro anos, levou no tronco!
Queimou todo o café, aí tivemos que formar o café de novo, começar tudo
de novo. E como a gente não tinha outra renda, a minha família não tinha
outra renda, a gente tocava dez mil pés de café, e o patrão então consentiu
então de plantar quatro ruas de arroz e uma rua de café. Então a gente
batia as máquinas assim, quatro ruas de arroz nas ruas de café geado, que
estava cortado no tronco. E, por sinal, correu um ano muito bem. A gente
180 Durval e Iracema Colontonio: quatro filhas; Manoel e Olindina de Freitas: sete filhos; Agripino Lúcio dos Santos: cinco
filhos; Olírio Xavier Cotrim: dez filhos; Satoru Inoue: dez filhos; João do Soutto Mello: sete filhos; Nair Marques de
Oliveira: oito filhos.
− 169
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
tirou uma safra de arroz muito boa e faltou arroz lá no Estado de São Paulo,
Fernandópolis, veio os caminhões aqui buscar arroz e nós vendíamos a
safra todinha. Tudo empilhado na roça ficou um ano todinho empilhado na
roça, o arroz de palha, depois que o caminhão feio aí foi bater e vendemos
esse arroz para Fernandópolis.
Nós viemos para Lobato (em 1958) porque meu pai tinha um sítio no
Município de Astorga, e era café, ne, mais aí veio a geada do 55 e matou
tudo. E aí ele disse, vamos a pegar a colheita deste ano e comprar um
pedaço de terra e vocês formam o capim, põem o gado e começam a
mexer com capim. [..] Eu entrei aqui, eu sempre plantava, digamos, dez,
15 alqueires de milho e uns dois, três alqueires de arroz. Mas a atividade
era a pecuária.
170 −
O GRANDE ÊXODO E A RECONVERSÃO ECONÔMICA, 1969 – 1975 ■
3. Os entrevistados acreditam que a geada foi uma das causas dessa decadência e
desse êxodo, seguida das políticas públicas de erradicação do café. O seu Satoru 184,
com sua experiência adquirida em 50 anos de trabalho na Água de Grajaú, comenta
laconicamente que “Depois veio a geada e matou tudo o café. Pra manter a despesa
plantemos mamona que salvou bastante aqui os lobatenses. [...] Matava o café,
brotou, tudo brotou. [...] 53, 58, 62 [...] sempre em 4 ou 5 anos vem uma geada”.
Como uma pessoa acostumada à adversidade, o agricultor japonês, até a data
da entrevista em 2000, possuía um hectare de café junto a plantações de acerola,
amoreira para bicho de seda, gado de corte e gado leiteiro. O caso particular de seu
Satoru ilustra o que ocorreu com a lavoura no município de Lobato. A reconversão
produtiva significou, como nos outros municípios do Norte de Paraná, uma grande
reconcentração de terras e o fim da tão elogiada reforma agrária capitalista da
− 171
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
CMNP. Lobato185, todavia, não virou um sertão verde de trigo e de soja; a maioria
de suas terras destinou-se à criação de gado, com destaque para o gado leiteiro, a
cana-de-açúcar e a uma variedade grande de outras culturas, como recorda Zailson
Lemos:
Olha na nossa região, passou o ciclo de café, entrou a pecuária. Aqui não
teve como hoje trigo, soja, muito pouco. Isso aí é mais lá em Maringá. Então
aqui o pessoal foi arrancando o café. Teve período de algodão, mamona.
Lobato foi um dos maiores produtores de mamona do Paraná. Algodão
também186.
Iam para Assis Chateaubriand, Altônia, Pérola, outros iam para Mato Grosso.
Matto Grosso está cheio de gente de Paraná188.
185 Não nos foi possível, dadas as grandes limitações de tempo e de financiamento que enfrentamos, entrar nos detalhes da
reconversão econômica da região. Por isso só mencionaremos algumas especificidades de Lobato.
172 −
O GRANDE ÊXODO E A RECONVERSÃO ECONÔMICA, 1969 – 1975 ■
Mudar muda no mundo inteiro, foi uma mudança assim... [...] Uma mudança
houve, porque o comércio caiu bastante os alunos também com a mudança
foram embora. As escolas do sítio muitas fecharam porque não tinha aluno.
Tinha dia que saíam 4, 5, 10 mudanças de Lobato190.
− 173
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
174 −
9
HISTÓRIA LOCAL,
MICROANÁLISE E
FONTES ORAIS:
a história regional revisitada
191 O autor assinala algumas exceções importantes, como as representadas pelos artigos de Brasil Pinheiro Machado, que
utilizou amplamente as categorias próprias da sociologia.
176 −
HISTÓRIA LOCAL, MICROANÁLISE E FONTES ORAIS ■
192 Não nos queremos erigir em donos da alfândega da ortodoxia marxista. Porém, com a parcial exceção de Anna Yara
P. Lopes (1982), não conseguimos enxergar nessa historiografia algum tipo de fundamento marxista coerentizado, nem
do marxismo estruturalista então de moda e, menos ainda, de um marxismo humanista, o qual, no caso da obra de
Thompson e Hobsbawm, já não eram totalmente desconhecidos nos médios acadêmicos do Brasil. Uma teoria marxista
pode privilegiar os aspectos econômicos ou sociais, mas dificilmente consideraria às fontes primárias como o arcabouço
teórico da sua pesquisa.
178 −
HISTÓRIA LOCAL, MICROANÁLISE E FONTES ORAIS ■
de Ana Yara Lopes e, em um grau extremo, nos casos de France Luz e de Sandino
Hoff). O documento se auto-interpretava e chegava a constituir a verdade sobre
as etapas da expansão do capitalismo na região e as conseqüências econômicas e
demográficas que essa expansão carregava em seu bojo.
Uma outra consideração cabe ser debatida aqui ainda que superficialmente.
Essa tradição historiográfica de 1977 a 1988 fazia história regional ou utilizava
a região como ilustração daquilo que acontecia no Brasil como um todo? A
nossa resposta já está embutida na formulação da pergunta. A história é regional
pela limitação geográfica; não é regional, todavia, pelas suas perspectivas
de identidades sociais ou culturais. A região é definida espacialmente, por
exemplo, quando compreendida entre determinados rios. Ora, a formação de
uma sociedade regional parece ser mais o produto da ação do Estado e das
Companhias Colonizadoras que o resultado da ação de homens e de mulheres
que ressignificaram as suas práticas para reproduzir as suas vidas sociais em
um habitat novo. Socialmente, a historiografia da tradição inaugurada por
Cancian (1981) não é regional por um pré-conceito acadêmico da época - mas
que os sociólogos da USP vinham rejeitando desde finais da década de 1940.
Para ser cientificamente respeitáveis, os historiadores não podiam nem descer
ao reino do particular, nem incursionar pela história social, abandonando –
nem que fosse temporariamente – a economia, a demografia e a abordagem
macroestrutural.
Uma frase da Folha de Londrina de 1973 expressa não somente o que os
pioneiros consideravam (e consideram) a história da região, mas também o que os
próprios historiadores acadêmicos consideravam:
− 179
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
193 Concordamos com Tomazi (1997), sobre o caráter inovador e o rigor do trabalho científico de Nadir Cancian (1980).
Mas dificilmente podemos concordar com a inesperada benevolência de Nelson Tomazi (1997) quando afirma: “Apesar
de, em alguns poucos momentos, reproduzir elementos discursivos que aqui estamos questionando, pode-se dizer que
este trabalho é uma linha divisória em termos de produção acadêmica até então”. Toda a tese de Cancian reproduz
aquilo que o sociólogo de Londrina está criticando, tanto como os outros autores – esses sim fortemente questionados
por Tomazi – que a tomam por modelo e a imitam. Não é melhor conservar a memória de uma pessoa de carne e
osso, que cristalizá-la em um mito? Ou estamos novamente na presença de um exercício de dominação, desta vez não
econômica?
194 A maioria dos artigos publicados na revista Matizes & Comentários, da Unioeste/Cascavel, dirigida pelo historiador
Marco Antonio Lopes, seria uma boa ilustração dessa historiografia de intelectuais.
− 181
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
195 Por exemplo, um projeto de pesquisa de mestrado, cujo objeto era a deslocação de uma população rural a causa da
construção de uma barragem, se fundamentava, teoricamente, no mundo de representações de Chartier e não sobre
autores que teorizam as experiências coletivas de movimentos sociais.
182 −
HISTÓRIA LOCAL, MICROANÁLISE E FONTES ORAIS ■
5. Finalmente, queremos dizer duas ou três palavras sobre o uso das fontes orais
aplicadas à história regional. Construir e utilizar fontes orais no processo de
produção de uma história regional e, sobretudo, nos casos em que se quer resgatar
experiências sociais, a cultura material ou aspectos etno-históricos, significa utilizar
um instrumental de uma riqueza virtual incomparável. Contrariamente ao que
mentalidades preguiçosas e ignorantes tendem a propagar, não se trata de um
método menor, fácil de ser levado à prática e que prescinde de refinação teórica. Ao
contrário, a construção e o uso de depoimentos orais exigem mais preparo teórico
e vigilância epistemológica que o trabalho com fontes documentais impressas
ou manuscritas e isso se deve a dois motivos básicos. Primeiramente, trata-se de
fontes autoconstruídas pelo historiador da oralidade e, se ele mesmo utilizará esse
material como fundamento para seu discurso histórico, o perigo de torcer as fontes
para efeitos de demonstração de possíveis hipóteses não resulta imaginário, se bem
que nenhum tipo de fonte historiográfica está imune a manipulações arbitrárias ou
desonestas. Em segundo lugar, é preciso manusear cuidadosamente as fontes orais,
pois os métodos para trabalhar com elas e o próprio estatuto da oralidade ainda se
encontram em vias de construção. Por exemplo, quem é o autor e o proprietário
intelectual do depoimento oral: o entrevistador, o entrevistado ou ambos segundo
acordos previamente estabelecidos? Até que ponto a presença de um entrevistador
estranho ao depoente não induz (apesar dos cuidados mais extremados) ao livre
fluxo da memória? Até que ponto a transcrição do discurso falado para o papel não
modifica radicalmente o produto final? Como falar em história oral, se o produto
desse processo é apresentado ao leitor, não só de forma escrita, mas já classificado,
interpretado e, às vezes, engessado e domesticado pelo historiador? Acreditamos
que para trabalharmos adequadamente com fontes orais devemos nos prevenir
contra perigos, tais como: memorialismo, populismo conservador, armadilhas da
memória e tendência a trabalhar com escassas exigências teóricas e hermenêuticas.
Antes de mais nada, é no memorialismo, ou seja, na simples conservação do
anedótico, do pitoresco, do aleatório e do excepcional, que radica um dos maiores
inimigos da história oral. Uma pesquisa fundamentada nesse tipo de fonte deverá
partir de problemas, de hipóteses e de marcos teóricos específicos como qualquer
outra pesquisa em ciências sociais. Não são os discursos gravados que orientam
a pesquisa e impõem a trama histórica, senão um planejamento prévio e uma
interpretação a posteriori.
Se o memorialismo é o inimigo número um da história oral, o populismo
conservador lhe segue, imediatamente, visto que enfatiza o caráter ideológico do
conteúdo da pesquisa, mostrando uma excessiva complacência frente aos discursos
do sentido comum. Para agradar aos depoentes, os historiadores legitimam aquilo
estabelecido e tradicional, perdendo a oportunidade de conhecer outras histórias.
184 −
HISTÓRIA LOCAL, MICROANÁLISE E FONTES ORAIS ■
186 −
CONCLUSÕES E
PROPOSTAS
Ah, sim. Lobato realmente tinha muito nordestino, paulista, mineiro e foi
muito importante a cultura deles. A cultura do paulista, do mineiro e do
nordestino, do baiano, do pernambucano, do meu caso que é o Rio Grande
do Norte. Eu acho que essa mistura deu certo.
188 −
C O N C L U S Õ E S E P R O P O S TA S ■
192 −
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− 197
■ N A S Á G U A S D E L O B AT O
198 −
ANEXO
Entrevistados em Lobato entre 2000 e 2002:
2. ZAILSON LEMOS
LUGAR DE NASCIMENTO: Passos - MG
DATA DE NASCIMENTO: 22 de maio de 1941
CHEGADA A LOBATO: 1955 (a família chegou em 1951)
PROFISSÃO: Farmacêutico
3. SATORU INOUE
LUGAR DE NASCIMENTO: Sapporo, Japão
DATA DE NASCIMENTO: 11 de setembro de 1924
CHEGADA A LOBATO: 20 de agosto de 1951 (chegou ao Brasil em 1930)
PROFISSÃO: Agricultor
7. ALICE CAFOFO
LUGAR DE NASCIMENTO: Batatais - SP
DATA DE NASCIMENTO: 18 de abril de 1941
CHEGADA A LOBATO: dezembro de 1949 (chegou da zona rural de Astorga)
PROFISSÃO: Professora
9. DURVAL COLONTONIO
LUGAR DE NASCIMENTO: Olímpia - SP, perto de Rio Preto
DATA DE NASCIMENTO: 19 de setembro de l929
CHEGADA A LOBATO: julho de 1950
PROFISSÃO: Agricultor/Vereador/Industrial
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