Você está na página 1de 65

2a edição | Nead - UPE 2010

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Pereira, Sônia Virgínia Martins


P436l Letras: Lingüística I/Sônia Virgínia Martins Pereira. – Recife: UPE/NEAD,
2010.
65 p.

ISBN 978-85-7856-048-5

1. Teoria da Linguagem 2. Lingüística 3. Educação à Distância I.


Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

CDD 410
Universidade de Pernambuco - UPE
Reitor
Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado
Vice-Reitor
Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello
Pró-Reitor Administrativo
Prof. José Thomaz Medeiros Correia
Pró-Reitor de Planejamento
Prof. Béda Barkokébas Jr.
Pró-Reitor de Graduação
Prof.ª Izabel Cristina de Avelar Silva
Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
Prof.ª Viviane Colares S. de Andrade Amorim
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coordenador Geral
Prof. Renato Medeiros de Moraes
Coordenador Adjunto
Prof. Walmir Soares da Silva Júnior
Assessora da Coordenação Geral
Prof.ª Waldete Arantes
Coordenação de Curso
Prof.ª Silvania Núbia Chagas
Coordenação Pedagógica
Prof.ª Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima
Prof.ª Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes
Prof.ª Anahy Samara Zamblano de Oliveira
Coordenação de Revisão Gramatical
Prof.ª Angela Maria Borges Cavalcanti
.Prof.ª Eveline Mendes Costa Lopes
Administração do Ambiente
José Alexandro Viana Fonseca
Coordenação de Design e Produção
Prof. Marcos Leite
Equipe de design
Anita Sousa
Gabriela Castro
Rodrigo Sotero
Romeu Santos
Coordenação de Suporte
Adonis Dutra
Afonso Bione
Prof. Jáuvaro Carneiro Leão
Edição 2010
Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares
Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro
Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
5

Linguística I
Prof.a Sônia Virgínia Martins Pereira
Carga Horária | 60 horas

Temática
Caminhos iniciais da linguística como a ciência da linguagem

Ementa
Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance
de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do
signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e
de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-
cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos
conteúdos.

Objetivo Geral
Refletir sobre as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística,
analisando o percurso dessa ciência, de seus postulados iniciais às teorias mais
recentes.

Apresentação
Prezado(a) aluno(a)

É com bastante satisfação que iniciamos este curso que pretende trilhar os ca-
minhos percorridos pela Linguística até adquirir o estatuto de ciência da lingua-
gem. E, para o percurso nessa trilha, sua companhia será indispensável, uma vez
que você, como estudante do Curso de Letras, deverá estudar as disciplinas que
embasam o seu curso de graduação, sendo a Linguística, dentre elas, um compo-
nente importantíssimo.

Então, em nossa caminhada, introduziremos as abordagens teóricas e metodoló-


gicas que constituíram a Linguística como ciência autônoma e com um objeto de
estudo próprio, no decorrer do século XX.

Assim, neste capítulo 1 da disciplina Linguística l, trataremos dos estudos da


linguagem e da constituição do campo da Linguística, trabalhando conceitos
como língua e linguagem e outros não menos importantes, dado o enfoque da
disciplina, a exemplo de questões relacionadas ao sistema, às normas da língua
e à fala. Também estudaremos aspectos sobre a linguagem oral e escrita pela
importância desses estudos para a composição dos domínios da ciência que nos
comprometemos em estudar.

Por fim, colocaremos, em evidência, o legado de Saussure para a constituição desse domínio e do objeto
de estudo dessa ciência, uma vez que o mestre genebrino é considerado o “pai da linguística moderna”,
por ter proporcionado à linguística a condição de ciência independente.

Por essas vias percorridas, esperamos que você se encante com esta disciplina e que isso seja, apenas, o
primeiro passo de um agradável encontro com essa ciência.

Então, o que você está esperando? Que tal começarmos agora a caminhada?

Abraço,
Prof.a Sônia Martins
Capítulo 1
Capítulo 1 7

Linguística I
Prof.a Sônia Virgínia Martins Pereira
Carga Horária | 15 horas
Temática 1
Os Estudos da Linguagem e a Constituição do
Campo da Linguística

Subtema: Língua, linguagem, sistema, norma, fala

• Língua e linguagem
• Comunicação animal e linguagem humana
• Sistema, norma e fala

Fonte: blig.ig.com.br /aquinoriono.kit.net

Língua
Caetano Veloso

Gosta de sentir a minha língua


roçar a língua de Luís de Camões(…)
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!
(…)
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
(…)
E deixa que digam, que pensem, que falem.
8 Capítulo 1

O que faz neste contexto a emblemática foto de referência desse fenômeno o ser humano. Alguns
Einstein junto com trechos da canção de teóricos utilizam até uma denominação diferen-
Caetano? ciada, quando se referem à comunicação animal.
Este autor defende que os animais possuem o seu
Aparentemente, não há nenhuma relação entre próprio “sistema de signos” que, em comparação
uma coisa e outra, ainda mais quando se pretende com a linguagem humana, apresenta uma signifi-
falar sobre os princípios fundadores da Linguística. cativa distinção não só quantitativa mas também
Entretanto, quando se tem em mente que esses qualitativa.
princípios estão ancorados em conceitos sobre a
língua, não apenas como estrutura do aparelho Então, já estabelecemos a primeira fronteira nesta
fonador – embora isto seja importante para a Fo- disciplina, quando nos voltamos para os estudos
nética e a Fonologia, áreas da Linguística que estu- da Linguística como ciência da linguagem huma-
dam os sons da fala – e também sobre a linguagem, na. Agora, vamos nos ater a questões importantes
parece-nos importante entender os princípios que que dizem respeito ao surgimento desse fenômeno
regem esses conceitos. próprio das relações humanas, na tentativa de aju-
dar você a entender como surgiu essa linguagem.
Primeiramente, gostaria que você refletisse sobre o
que é a língua. Não o órgão mostrado por Einstein Mas será que podemos dar apenas uma
na foto, mas como o sistema cantado por Caetano explicação para a origem da linguagem humana?
em sua música.
Diante das mais diferentes teorias que tentam
E então, já pensou? explicar como surgiu esse fenômeno, nosso papel
como profissionais, que têm como instrumento de
É, embora o primeiro verso da canção de Caeta- trabalho a linguagem, é o de tentar elucidar como
no traga uma fabulosa ambiguidade que nos deixa estudos atuais, sob as mais diversas perspectivas,
pensar sobre a língua de Camões, não só como ór- embasadas em estudos antropológicos ou de ou-
gão mas também e, principalmente, como sistema tras ciências que tentam explicar essa origem.
vivo que contribui para a comunicação e interação
humana, a língua a que nos reportaremos é aque-
la com a qual podemos interagir com as pessoas e
que nos leva a práticas de linguagem. VOCÊ SABIA?
o
teorias que explicam
Teorias - Dentre as em hu ma na , há
lin gu ag
Então, vamos trabalhar conceitos fundamentais desenvolvimento da a
voltam, apenas, para
para a Linguística, procurando entendê-los à luz aquelas que não se o foc o em no s-
eno com
gênese desse fenôm co-
de concepções teóricas específicas. ces tra is, ma s igualmente, para o
sos an é ap ro-
essa linguagem
nhecimento de como
no.
Você já questionou sobre como surgiu a priada pelo ser huma
linguagem? se voltam para essa
úl-
Um dos teóricos que go tsk y, pa ra
a está Vy
tima questão apontad co mu nic aç ão qu e
Pois saiba que esta indagação faz parte da condição e de
quem é a necessidad , o de sen volvi-
me nte
humana, visto que nós, seres humanos, procura- impulsiona, primeira n-
humana. Seu livro Pe
mos sempre uma explicação para tudo o que existe. mento da linguagem da ori ge m e do
trata
samento e linguagem to
so de de sen vo lvi mento do pensamen
proces e, seg un -
ser humano, qu
e da linguagem no s e de sen vo l-
Questões sobre a Origem da Linguagem ns diferente
do o autor, têm orige e-
seg un do tra jet órias diferentes e ind
Humana da Comunicação Animal vem- se
e ocorra a estreita lig aç ão
pendentes, antes qu
is fen ôm enos.
entre esses do
Para se falar sobre a linguística como a ciência da
linguagem, é preciso delimitar, primeiramente, a
que tipo de linguagem estaremos nos referindo. Dentre as tendências atuais que abordam o tema,
Logicamente que, para algumas pessoas, essa deli- temos a que interrelaciona o crescimento cultural
mitação é bem nítida, uma vez que entendem que significativo ocorrido há cerca de 50 mil anos ao
só se pode falar em linguagem, se tivermos como desenvolvimento da linguagem verbal, uma vez
Capítulo 1 9

que seria impossível esse florescimento sem as formas de linguagem estarem estruturadas. Por meio de
estudos que pesquisam os objetos construídos pelos seres humanos ao longo de sua evolução e de regis-
tros pictóricos, a exemplo das pinturas rupestres encontradas em vários continentes, os antropólogos têm
sustentado hipóteses interessantes sobre os caminhos percorridos pelos seres humanos, na construção de
sua cultura material e simbólica, o que fortalece a ideia de que a origem da linguagem humana é bem mais
remota do que se imaginava.

A visão de Faraco, em seu artigo No rastro da fala, publicado no periódico Discutindo a língua portuguesa que
trata da origem da linguagem humana a partir de uma perspectiva antropológica, a questão da linguagem
está amplamente ligada à própria origem e evolução da humanidade, uma vez que se entende que o ser
humano só pode construir cultura por meio da mediação da linguagem.

Atividade | Diante disso, pesquise, em ou- Citamos no início deste tópico que, ao diferenciar
tras fontes, o que diferentes perspectivas teó- a linguagem humana da comunicação animal, al-
ricas apontam como o início desse fenômeno, guns teóricos chegam a denominar essa comuni-
que é a linguagem humana. cação como sistema de signos . Esse sistema seria
tão limitado que não permite comparar, sequer em
Após essa pesquisa individual, procure entender termos quantitativos, o que alcança a linguagem
o porquê da linguagem, como realidade material humana com seu poder de decompor e recombi-
que se apresenta por meio de uma língua, a qual nar os signos verbais, o que gera infinitos enuncia-
se organiza por meio de sons, palavras, frases, ser dos bem como o poder de substituir a mediação da
autônoma; e como expressão de emoções, ideias, experiência pela mediação desses mesmos signos.
propósitos ser a própria linguagem, orientada pela
visão de mundo, pelas condições do contexto so-
cial, histórico e cultural dos falantes. VOCÊ SABIA?
tópico será visto
Signos - No terceiro
E quanto à comunicação animal , o que dizem nte o que é o signo,
mais amplame
as teorias a respeito disso? reensão inicial
mas para uma comp
s defini-lo como
do conceito, podemo
qu e rep res enta ou ex-
um elemento
evento, uma
pressa um objeto, um
VOCÊ SABIA? situação.
or-
- Outra questão rec
Comunicação animal nh eci - r, por exemplo,
ística, além do co O termo computado
rente para a Lingu ma na, resenta o objeto
da lin gu ag em hu é um signo que rep
mento sobre a origem lo 1 é um signo
tra ta so bre a co municação animal. computador; o sím bo
éa qu e
tid ad e um ; o desenho
para a quan
gua- um x sobre ele
Emile Benveniste, Lin de um cigarro com
O polêmico texto de e é ou ambiente é um
da a de fin ir o qu em um determinado
gem das abelhas, aju tar o fun- ica “n est e local não se
itindo confron signo que ind
não linguagem perm do s an im ais
a de sig no s pode fumar ”.
cionamento do sistem gu ag em hu ma -
s da lin
com as especificidade
na.
Por outro lado, os sistemas
dos outros animais estão do-
Fonte: (Foto: H.R. Heilmann/Divulgando)

Podemos definir minados pela mediação da


como se dá essa experiência, quer seja para
comunicação? indicar fontes de alimento
g1globo.com/noticias/ciencia

ou para a consecução de
Vejamos o que pode- procedimentos para outras
mos apreender sobre necessidades, tais como a
a forma como os ani- procriação.
mais de comunicam.
Comunicação elaborada ajuda animais a aproveitar
as melhores flores. Outra diferença significativa
10 Capítulo 1

entre os dois sistemas é no que se refere à significa- • o sistema, que é o conjunto de possibilidades
ção, ao aspecto semântico. Enquanto na comuni- de uma língua, definindo o que pode e não
cação animal os signos têm sentido único, ou seja, pode ser linguisticamente realizado;
são determinados semanticamente, na linguagem
humana, os signos tornam-se plurissignificativos • a norma, conjunto de imposições sociais e cul-
pelo seu uso na interação humana, que pode im- turais que favorecem o uso de determinadas
pulsionar a linguagem figurada, tornando, assim, a possibilidades do sistema em detrimento de
linguagem indeterminada semanticamente. outras.

Essas são apenas diferenças gerais que marcam a Na Linguística, os termos sistema, norma e fala re-
distinção entre a linguagem humana e a comuni- presentam realidades distintas, mas que mantêm
cação animal. Outros estudos sobre o tema podem entre si relações de interdependência.
levantar outras diferenças mais específicas a partir
da ótica adotada pelos pesquisadores. Leia abaixo o quadro que traz uma homenagem ao
Rio de Janeiro após esta cidade ter conquistado o
Acima destacamos a grande diferença que há entre direito de sediar as Olimpíadas de 2016:
a linguagem humana e a comunicação animal.

seja
Que diferenças são essas que apontam tanto
para uma distância quantitativa quanto quali-
tativa entre esses dois fenômenos?
maravilhosa
Pense nisso e aprofunde seus estudos sobre o
Parabéns, Rio de Janeiro. A cidade-sede dos Jogos
tema. Olímpicos de 2016.


veja
SAIBA MAIS! Ler é indispensável.
Problemas de lin-
O capítulo 5 do livro
nveniste, “Comu-
guística geral, de Be Fonte: Revista Veja Editora Abril edição 2133 – ano 42 – nº 40 7 de outubro de 2009
guagem humana”,
nicação animal e lin
s conhecimentos
para aprofundar seu
sobre esse tema. Esse enunciado mostra que por meio de uma úni-
ca unidade da língua, nesse caso, um grafema,
A partir do que foi exposto sobre língua e lingua- existe a possibilidade de variados sentidos serem
gem, vamos agora conhecer algumas definições im- construídos. A homenagem feita pela revista feli-
portantes acerca de sistema, norma e fala, que são cita o Rio de Janeiro, trocando, apenas, a palavra
aspectos das línguas. veja – numa referência ao nome do periódico - por
seja, aproveitando também o adjetivo atribuído à
Alguns linguistas conceituaram por diferentes cidade, chamada de maravilhosa.
perspectivas esses fenômenos, ampliando o que
Saussure – que estudaremos mais adiante - conce-
bia a respeito disso. Entretanto, o que nos interes-
sa neste momento é dar um panorama geral sobre VOCÊ SABIA?
eles, de forma mais didática. Em decorrência disso, a a unidade formal mí
-
vamos nos ater às concepções do linguista Eugénio Entende-se por grafem z sen do mí nim a,
uma ve
nima da escrita, que, r
Coseriu (1921-2002), que definiu assim os concei- div isív el, po is nã o pode se desmembra
não é m vir a ser
ais que pode
tos que estamos estudando: em dois ou mais sin abs-
gra fem as. É formal por ser
considerados to co nc ret am en-
de ser vis
Língua: sistema abstrato. trato, ou seja, não po ão . As-
a sua representaç
te, embora vejamos ilo s da let ra V
mas e os est
sim, as diferentes for um as oc orr ên cia s
Fala: realização concreta desse sistema. ões, alg
vvv são representaç
a.
possíveis de um grafem
Para Coseriu, a língua pode ser vista a partir de
dois níveis de abstração:
Capítulo 1 11

Isso serve para entendermos os conceitos vistos an- atos comunicativos, produzidos pelos falantes de
teriormente, uma vez que o sistema é o conjunto uma língua, a fim de atuarem interacionalmente
formado pelas unidades da língua que estão efeti- no mundo.
vamente em uso e também aquelas que podem vir
a ser usadas, segundo regras estabelecidas. Como E assim, “pegando carona” nos conceitos estuda-
no exemplo dado, há várias palavras na língua por- dos na temática 1, vamos iniciar os estudos sobre a
tuguesa em que a troca de um fonema/grafema temática 2 deste capítulo, discutindo sobre a natu-
pode representar aspectos bem distintos, e os usu- reza das modalidades oral e escrita da língua.
ários podem entendê-las, uma vez que os sentidos
desses vocábulos são construídos tacitamente pelos
usuários da língua, e não, pelos gramáticos, que, Temática 2
apenas, as descrevem. Embora a língua evolua com
a criação de novos termos que representam mais Modalidades Oral e Escrita da Língua
eficazmente a realidade de determinado contexto
sócio-histórico, as modificações no sistema linguís- Subtema: A linguagem oral e a linguagem escrita
tico só se concretizam, quando assumidas pela co- Subtema: A natureza da modalidade oral
letividade. Assim, o sistema é a própria língua ou Subtema: A natureza da modalidade escrita
código linguístico e corresponde ao conjunto das
possibilidades verbais dessa língua. Marcuschi (2001) ensina que a modalidade oral
e a modalidade escrita da língua não devem ser
vistas como realidades estanques, numa visão dico-
VOCÊ SABIA? tômica que tenta, por vezes, legitimar a superiori-
nor unida- dade da escrita sobre a fala.
O fonema é a me
gu a. A palavra
de sonora da lín
co ns titu ída a partir da Você concorda com essa visão de Marcuschi?
falada é
s un idades
combinação dessa
os fon em as.
mínimas de som, Para esse pesquisador, tais modalidades devem ser
vistas num contínuo1, em que as diferenças entre
Na visão de Cosèriu, norma consiste nos padrões elas se estabelecem pelas condições de produção
de uso da língua, na maneira como o sistema ou em que se manifestam.
código linguístico é utilizado pelos usuários. Em
decorrência da norma, os falantes utilizam certas Apesar de concordarmos plenamente com o que
possibilidades da língua ou descartam ou ainda diz Marcuschi, entendemos que tanto a fala quan-
nem utilizam outras. Daí, serem perfeitamente to a escrita apresentam particularidades de outras
aceitáveis manifestações sintático-semânticas como ordens que as tornam modalidades específicas
seja maravilhosa ou veja maravilhosa, ou ainda Para- da língua. Essas particularidades são, realmente,
béns, Rio de Janeiro ou Rio de Janeiro, parabéns. E não específicas de cada uma delas, a exemplo de ele-
serem aceitas construções como ler é maravilhosa. A mentos extralinguísticos, como a gesticulação, que
norma determina a aceitabilidade ou não de tais contribuem para a interação na fala ou a reescrita
construções. de um texto em que se pode apagar, literalmente,
trechos de texto anterior por meio de recursos do
Quanto à fala, esta é considerada a concretização computador ou de liquid paper e borracha, na lín-
ou realização do sistema. É a particularização, o gua escrita.
uso individual da língua pelos falantes. Por meio
da fala, a língua exerce o seu papel de instrumen- Em decorrência disso, apresentaremos, a seguir,
to de comunicação, de meio de interação entre algumas diferenças entre linguagem oral e lingua-
os usuários. Por isso, você, ao emitir a sequência gem escrita com base nos estudos de Chafe (1987),
[‘pa.ta], que se associa ao significado p a r a descritos por José Mário Botelho, o qual também
constituir o lexema ou palavra pata, está produzin- coloca em destaque a natureza dessas duas modali-
do fala. Esse fenômeno é constituído de infinitos dades da língua.

1
A ideia de contínuo em Marcuschi diz respeito ao que está fundado nos próprios gêneros textuais em que manifesta o uso da língua no dia-a-
dia. O princípio geral subjacente a isso é a visão não dicotômica entre oralidade e escrita.
12 Capítulo 1

Entretanto, outros estudos são importantes para limitada em extensão pela memória de curto prazo
essa compreensão sobre as particularidades dessas ou capacidade de consciência focal do falante como
modalidades, e, por isso, você deve procurar apro- também supõe o pesquisador, pela consciência que
fundar esse tema em suas pesquisas particulares. o falante tem das limitações de capacidade do ou-
vinte.
Botelho descreve o contexto, a intenção do falante
ou do produtor do texto escrito como sendo os fa-
tores responsáveis pelas diferenças entre oralidade VOCÊ SABIA?
ura
o é a variação de alt
e escrita. Entonação ou entoaçã bre um a pa lav ra
rec ai so
utilizada na fala que ba s. En -
fonemas e síla
Em resumo, apresenta as especificidades dessas di- ou oração e não sobre s da pro só dia
o elemento
tonação e ênfase sã .
ferenças a partir dos estudos de Chafe (1987), que ele me nto de estudo da Linguística
que é um
analisou produções discursivas da oralidade – con- (Wikipédia)
versação e conferência e produções discursivas da
escrita – carta e artigo acadêmico, buscando focali-
zar os modos como os produtores dos textos tanto
orais quanto escritos fazem suas escolhas lexicais VOCÊ SABIA?
a
ou sintáticas para exporem suas ideias. A partir mória existentes, há
Dentre os tipos de me me mó ria de tra-
dessas observações, temos pontuadas as primeiras zo ou
memória de curto pra ita-
com capacidade lim
diferenças entre as duas modalidades: balho, que é aquela inf orm aç õe s, de
to de
da de armazenamen xim o, de po uc os
, no má
• A escolha dos falantes é mais rápida enquan- alguns segundos ou
minutos.
to a dos produtores de textos escritos é mais
lenta, visto que estes podem desfrutar de mais
tempo para elaborar suas ideias e revisar suas O pesquisador tem por finalidade, através do seu
escolhas. estudo, demonstrar as propriedades da linguagem
oral e da linguagem escrita e, para isso, utiliza esses
• Em decorrência do processo mais longo na parâmetros que o ajudam a estabelecer as especifi-
escolha dos escritores, o vocabulário destes cidades de cada uma dessas modalidades: varieda-
tende a ser mais variado e adequado à sua con- de de vocabulário, nível de vocabulário, constru-
veniência. ção de oração, construção de frase, distanciamento
e envolvimento.
• Tanto a escolha lexical dos falantes quanto a
dos escritores resultam na formatação de um
estilo próprio e no monitoramento do grau de SAIBA MAIS!
formalismo e coloquialismo de suas produções ão descritos no artigo
Esses parâmetros est os
você pode estudá-l
discursivas. que sintetizamos e ch o do
uir. Leia o tre
acessando o link a seg
é Má rio Bo telho, disponível, na
• Quanto a esse monitoramento, a distinção artigo de Jos
entre fala e escrita não é precisa, visto que as íntegra, em: /03.htm
.br/ixcnlf/3
http://www.filologia.org
restrições operativas não estão ligadas propria- :
i Da fala para a escrita
mente à velocidade do processo. O livro de Marcusch a lei tur a
lização é um
atividades de retextua
ia pa ra o ap rofundamento sobre
de referênc l
• Em relação ao grau de formalismo ou de colo- o tre linguagem ora
en
a questão do contínu
quialismo, isso envolve escolas estilísticas e de
e linguagem escrita.
domínio do léxico que podem transferir-se de
um modo de produção para outro sem nenhu-
ma dificuldade. Vamos continuar nossa caminhada de estudos por
caminhos diferentes, mas perseguindo a mesma
O artigo ressalta que Chafe elege a prosódia como reta de chegada, pois ainda discutiremos funda-
a unidade relevante da fala, a qual chama de uni- mentos valiosos para os estudos linguísticos, foca-
dade de entonação . Na escrita, as unidades de en- lizando, apenas, as concepções de Ferdinand Saus-
tonação são mais longas do que na fala, sendo esta sure, o “pai da linguística moderna”.
Capítulo 1 13

Temática 3
Saussure e a Constituição do Domínio e do Objeto da Linguística

Subtema: A língua como objeto da Linguística


Subtema: O signo linguístico
Subtema: O estruturalismo europeu

Primeiramente, vamos sintetizar algumas ideias gerais sobre a história da Linguística e os processos viven-
ciados por essa ciência, para que você comece a construir algumas noções básicas a respeito dela, com base
em alguns pesquisadores.

Segundo Weedwood (2002), o termo Linguística passou a ser utilizado em meados do século XX, para
distanciar a nova abordagem dos estudos da linguagem que se passava a fazer, a partir de então, de uma
abordagem centrada na filologia . Atualmente, entretanto, a Linguística abarca todas as perspectivas que
examinam os fenômenos da linguagem, inclusive os estudos gramaticais tradicionais e a filologia. Ela
afirma que a Linguística tal como é vista hoje passou a demarcar seu território a partir de 1950, sob a
influência das ideias estruturalistas de Ferdinand de Saussure.

VOCÊ SABIA?
JÚNIOR, 1986,
Ma tto so Câ ma ra Junior (CÂMARA r
Filologia - Joaqu im ica literalmente “amo
qu e filo log ia é um helenismo, que signif esp eci alm en te
117) afirma tido de erudição,
princípio, com o sen na, estrita-
à ciência”, usado, a se do s tex tos literários. Hoje desig
ge
quando interessada
na exe nto, da linguística.
o da lín gu a na lite ratura, distinto, porta
mente, o estud

Essa afirmação sobre a influência de Saussure para Corroborando essas afirmações, Peter (2002) diz
o processo de constituição dos domínios da Lin- que
guística é bem aceita pelos pesquisadores, visto que
é apenas, no início do século XX, com a divulgação “Antes disso, a Linguística não era autônoma, submetia-se
dos trabalhos de Saussure, que a investigação sobre à exigência de outros estudos, como a lógica, a filosofia, a
a linguagem passa a ser reconhecida como estudo retórica, a história ou a crítica literária. O século XX ope-
rou uma mudança central e total dessa atitude, que se ex-
científico, tornando-se uma ciência independente
pressa no caráter científico dos novos estudos linguísticos,
chamada Linguística. A obra fundadora dessa ci-
que estarão centrados na observação dos fatos de lingua-
ência, o Curso de Linguística Geral , foi publicada gem”.
em 1916, por dois alunos de Saussure, a partir de
anotações de aulas ministradas pelo mestre gene- Alguns autores dividem o campo da Linguística
brino. por meio de três dicotomias, sendo elas, a linguísti-
ca sincrônica e a diacrônica, a linguística teórica e
VOCÊ SABIA? a aplicada, a microlinguística e a macrolinguística.
ca Geral é
O Curso de Linguísti
ma organiza- Como lemos acima, a Linguística passou a ser con-
uma obra póstu
arl es Ba lly e Albert
da por Ch siderada ciência com a contribuição dos estudos
de Ferdi-
Sechehaya, alunos de Saussure, que, apesar de ter publicado poucas
re. Tal obra
nand de Saussu obras relevantes, o livro atribuído a ele, o Curso de
e est rut ura lista dos
inicia a fas
e apre- Linguística Geral, editado a partir de anotações de
estudos da linguagem
nto s teó rico-
senta os fundame aula de seus alunos Bally e Sechehaye, construiu as
os de ssa esc ola,
metodológic bases da linguística moderna. Em vista disso, Saus-
inf lue nc iar am ou tras
os quais sure é referência para qualquer teoria linguística
ciências.
atual.
14 Capítulo 1

Então vamos conhecer um pouco mais sobre os ma de signos” – um conjunto de unidades que
fundamentos teóricos de Ferdinand de Saussure, se relacionam organizadamente no interior de
a começar da questão da língua como objeto da um esquema. É “a parte social da linguagem” e se
Linguística. apresenta exterior ao indivíduo, por isso não pode
ser modificada pelo falante, visto que obedece às
A Língua como Objeto da Linguística convenções sociais estabelecidas pelos usuários dos
sistemas linguísticos.
Um retorno – de novo, a língua, mas agora, sob a
visão de Saussure... Outro elemento importante para o binômio lin-
guagem-língua, conforme Saussure, é a fala. A fala
é um ato individual que resulta das combinações
“MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA” feitas pelo sujeito falante ao utilizar o código lin-
A LÍNGUA É MINHA PÁTRIA” guístico; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos
(atos de fonação), necessários à produção dessas
combinações.
Lembra-se dos versos da canção do Caetano?
Assim, tem-se a clareza de que a distinção lingua-
Pois é, reportamo-nos a eles novamente para falar gem/língua/fala situa o objeto da linguística para
que a língua é, segundo Ferdinand de Saussure, Saussure. Dessa distinção, resulta a divisão do es-
um sistema de signos, ou seja, um conjunto de uni- tudo da linguagem em uma parte que investiga a
dades que estão organizadas formando um todo. língua e outra que analisa a fala. Essas duas partes,
entretanto, são inseparáveis, pois mantêm uma re-
Peter (2008) diz com relação à noção de língua lação de interdependência entre si, visto que a lín-
definida por Saussure que este considerou a lin- gua é condição para se produzir a fala, embora não
guagem “heteróclita e multifacetada” por invadir haja língua sem o exercício da fala. Por essa pers-
vários domínios, sendo ao mesmo tempo pectiva, há necessidade de duas linguísticas: uma
da língua e outra da fala. Ferdinand de Saussure
• física, fisiológica e psíquica; focalizou em seu trabalho a linguística da língua,
• individual e social. por ser esta, em sua perspectiva, “produto social
depositado no cérebro.
visto que ela “não se deixa classificar em nenhuma
categoria de fatos humanos, pois não se sabe como O Signo Linguístico
inferir sua unidade” (1969:17).
Para você entender o que Saussure quis dizer sobre
Pelo fato de a linguagem envolver uma diversidade o sistema de signos, observe as imagens abaixo:
de problemas bastante complexos e de diferentes
ordens, ela necessita da análise de outras ciên-
Figura 1
cias, além da investigação linguística. Em decor- Identificação Fônica
rência disso, Saussure a desprezou como objeto Significado
Palavra portuguesa
dessa ciência, por não se enquadrar naquilo que borboleta

ele entendia como unidade. Decodificação

Para a configuração de um objeto de estudo,


Saussure separa uma parte da linguagem, a lín- [bor]- [bo]- [le]- [ta]

gua – um objeto, na visão dele, unificado e pas-


Pronúncia
sível de classificação. Ela é uma parte essencial portuguesa
da linguagem; “é um produto social da faculdade
da linguagem e um conjunto de convenções ne- [borboleta] Significado
sonoro
cessárias, adotadas pelo corpo social para permi-
tir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”
Fonte: cielo.com

O significante gráfico é apenas ligado ao significante sonoro,


(1969:17). único a pertencer ao signo.

signo linguistico
Para Saussure, a língua é, também, “um siste-
Capítulo 1 15

lações abstratas, a exemplo das fórmulas quí-


micas.

Fonte: studiofellixsatto.blogspot.com
Numa fórmula química ou de qualquer outro tipo,
há uma relação abstrata devido ao fato de tal rela-
ção ser apenas uma possibilidade de se concretizar
algo.
semiotica aplicada – Santaella
• emblemas são as figuras às
quais associamos conceitos,
Essas imagens, especialmente a figura 1, podem como a cruz, que nos remete
ajudar a esclarecer que signo é a combinação entre ao Cristianismo.
o significante (imagem acústica) e o significado (con-
ceito). É fundamental observar que, para Saussure, Ao vermos uma cruz cristã, reportamo-nos a uma
a imagem acústica não deve ser confundida com o série de conceitos referentes ao Cristianismo, seja
som, visto que ela, da mesma forma que o concei- aos que se ligam à morte e ressurreição de Cristo,
to, é psíquica e não, física. seja aos que nos induzem à ideia de expiação de
pecados, de perdão e outros que estão relacionados
A segunda imagem nos ajuda a esclarecer o que a fatos do Cristianismo. Assim, entendemos que o
Saussure afirma sobre a questão de que a ligação significado desse emblema como o de todo signo
entre o significante e o significado é arbitrária, depende da visão de quem o interpreta.
pois o sistema, que é a língua, é formado de uni-
dades abstratas e convencionais. Ou seja, não há • desenhos são os ícones e índices introduzidos
razão plausível para que cadeira se chame cadeira, por Peirce.
por exemplo.

Mas, uma vez que, na língua portuguesa do Brasil,


convencionou-se a identificar assim esse objeto, ele
passa a ter um valor na língua, as operações cogni-
tivas o associam em nosso cérebro com a ideia de
cadeira, e ninguém chama esse objeto por outro
nome, a não ser por aquele convencionalizado. É
assim que os signos constituem o sistema da lín-
gua.

A fim de ampliar suas ideias sobre signo, conheça


como diferentes téoricos o conceituam: Ao se valer da metáfora destacada na chamada da
notícia, o presidente Lula utilizou um ícone que
Umberto Eco é um dos pensadores que tentaram sin- mantém propriedades diretas com o objeto repre-
tetizar os conhecimentos sobre o signo, ampliando sentado, que no caso, seriam os partidos oposito-
o seu conceito a partir de outros já consolidados. res a seu governo. Os traços comuns das oposições
São estes os novos conceitos introduzidos por Eco: com os jogadores que ficam no banco de reserva é
que, assim como os reservas – que são beneficia-
• diagramas são os signos que representam re- dos seja por contusão, expulsão ou outro proble-
16 Capítulo 1

ma que ocorra com os jogadores que estão no time Esses símbolos adquirem significação pelo que se
principal, o que lhes dá a chance de entrar nesse convencionou atribuir a eles socialmente e não
time – é que há o desejo velado ou não de que algo porque mantêm relação direta com o que repre-
aconteça com o titular (Lula) para que os reservas sentam.
(oposição) possam assumir a vaga no time princi-
pal (governo federal).
VOCÊ SABIA?
Peirce, símbo-
Na perspectiva de
que a relação
VOCÊ SABIA? los são signos em
na seu objeto
são aqueles signos
que, signo-objeto desig
Ícones para Peirce me nte da semelhan-
jeto, ind ica m qu ali da de independente
na relação signo-ob m ele - como
ob jet o po r po ssu írem ça que mantenha co ações
ou propriedade desse a no caso do ícone – ou da s rel
mum, no mínimo um
características em co o exe mp los de causais com o ob jet o – co mo no
entado. Sã o,
com o objeto repres i- caso do índice. Os
símbo los sã
me táf ora s e co mparações, figuras lóg itrá rio s cu ja
ícones rut ura s, portanto, signos arb
ros, desenhos, est e-
cas e poéticas, quad ligação com seu s ob jet os é est ab
modelos etc. cionadas.
lecida por leis conven
em
Peirce, são os signos
Índices, na teoria de há um a rel aç ão
-objet o,
que na relação signo ob jet o. O po ntei- • sinais são as imagens às quais estão associados
co m seu
direta, casual e real
índice. conjuntos de conceitos, como as placas de
ro de um relógio é um
r do
trânsito.
irce foi o fundado
Charles Sanders Pe no s, a Se-
ncia dos Sig
Pragmatismo e da Ciê Nesta imagem, está
miótica. conjugada uma série
de conceitos resultan-
• equivalências arbitrárias são os sím- tes de um único, que
bolos referidos por Peirce. é o exposto, proibido
virar à esquerda.
A partir desse
conceito geral,
outros decorrem Proibido virar à esquerda
e alertam para o
fato de que, caso você desconsidere a orienta-
ção, pode colidir com outro veículo, pode ser
multado, pode desviar-se muito do caminho
pretendido etc.

Roman Jakobson nos ajuda a entender os sig-


nos linguísticos, porque introduziu o con-
ceito das funções da linguagem: emotiva,
injuntiva, referencial, fática, metalinguística
e poética.

Morris e Greimas sustentam a ideia de que


tudo pode ser signo, o que torna demasiada-
mente abrangente esse conceito. Entretanto,
Morris contribui com a seguinte divisão en-
tre os signos:
Fonte: casadart. com

• Quando o signo é considerado em sua


estrutura, no modo com que se relaciona e
suas possíveis combinações, temos um signo
símbolos kanji sintático.
Capítulo 1 17

• Quando se analisa a relação entre o signo e Em Louis Hjelmslev, temos os conceitos de Saussu-
seus respectivos significados, estamos diante re vistos de forma mais complexa. Ele substitui os
de um signo semântico. termos saussureanos significante por expressão e o
significado por conteúdo. A expressão e o conteúdo
• Quando nos voltamos para o estudo do valor, possuem dois aspectos: forma e substância, que, em
das reações e do modo como o signo é utiliza- Saussure, são algumas vezes confundidos com sig-
do, temos um signo pragmático. nificante e significado. Assim, para Hjelmslev, os
signos são constituídos de quatro elementos, dife-
Nosso já conhecido Ferdinand de Saussure é também rentemente de Saussure, para quem são dois.
considerado o pai da Semiologia por ter criado
esse conceito e estabelecido o objeto de estudo des- Numa perspectiva diferenciada do que vimos até
sa ciência. Sua concepção de signo se opõe à de aqui sobre o signo, temos em Mikhail Bakhtin a
Peirce, pois distingue o mundo da representação concepção de signo linguístico à luz da obra Marxis-
do mundo real. Para ele, não há signos motivados, mo e Filosofia da Linguagem. A relação entre os usos
aqueles que apresentam uma relação de causa-con- da linguagem e as estruturas sociais fundamenta
sequência – com exceção da onomatopeia. os trabalhos de Bakhtin, pois coloca a consciência
individual e os fenômenos ideológicos – produzi-
Saussure classifica os signos em dois grupos: dos pelo discurso- como sendo influenciados pelas
estruturas sociais e econômicas.
• Relativamente motivados – a onomatopeia,
que para Peirce corresponde ao ícone. Em decorrência disso, Bakhtin concebe o signo
linguístico não como um sinal imóvel, neutro e
• Arbitrários, nos quais não existe motivação. univalente e sim, como um signo sócio-ideológico,
no qual se destacam alguns princípios:

VOCÊ SABIA? • sua natureza dialética – como produto de uma


realidade material (uma imagem sonora), ele
finida no início do sé-
A Semiologia foi de refrata uma outra realidade (representações e
ad or, Saussure, como a
culo XX por seu cri avaliações de um campo ideológico);
signos na vida social.
ciência que estuda os
• sua natureza dialógica – porque traz consigo
Ele apresenta as relações presentes no signo, sendo interações verbais dos indivíduos e dos grupos
elas: que o constituem bem como diálogos entre
numerosos discursos - e de natureza polifônica
• Relações sintagmáticas, que se baseiam na li- - por sustentar diferentes temas, conforme o
nearidade do signo lingüístico, a qual exclui horizonte social e ideológico originado no ato
a possibilidade de se pronunciarem dois ele- de enunciação.
mentos simultaneamente, visto que a língua
é formada por elementos que se sucedem um Atividade | Que tal você fazer um mapea-
após o outro, na cadeia da fala. Essa relação mento das semelhanças e divergências entre
é denominada por Saussure de sintagma. Na esses conceitos
cadeia sintagmática, um termo tem valor a par- de signo?
tir da relação que estabelece com aquele que o
precede ou o sucede ou a ambos em virtude do O Estruturalismo Europeu
caráter linear.
O que trataremos neste tópico volta-se para a lin-
• Relações paradigmáticas, que se estabelecem guística estrutural que começa em 1916, na Euro-
com base na similaridade de sons, como nas pa, com a publicação do Curso de Linguística Geral,
rimas, aliterações, assonância. Baseiam-se na após a morte de Saussure.
similaridade de sentido, na associação entre o
termo presente, no enunciado e a simbologia Weedwood (2002) afirma que o estruturalismo
que esse termo aciona em nossa mente, como saussuriano pode ser resumido em duas dicoto-
no caso da metáfora. mias:
18 Capítulo 1

• langue em oposição à parole. Ainda que o ter- mslev (1899-1965), distingue-se do estruturalismo
mo francês langue possa ser traduzido literal- americano, que tem outros representantes e algu-
mente por língua, segundo a autora, é melhor mas implicações diferenciadas, a partir do contex-
traduzi-lo por sistema linguístico, que seria to em que ele é empregado. Ainda assim, o estrutu-
mais técnico. E, como exposto em tópicos an- ralismo americano mantém variadas características
teriores, esse termo diz respeito ao conjunto do europeu, que, como vimos, se fundamenta no
de regularidades e padrões de formação que pensamento de Saussure.
estão no seio dos enunciados de uma língua.
Atividade | Uma reflexão rápida:
• parole, também termo francês que pode ser 1. Que ideias do estruturalismo europeu
traduzido por “comportamento linguístico” e podem ser ampliadas a partir do pensamento
que nomeia os enunciados reais. atual, sob diferentes enfoques teóricos a res-
peito de sistema linguístico e enunciado?
Para Saussure, dois enunciados podem ser con- 2. O que você entende por enunciado?
siderados diferentes um do outro, sob diferentes
prismas e, contudo, ser reconhecidos como ilustra-
ções, em certo sentido, do mesmo enunciado.
LEIA MAIS!
Curso de Linguística
Lembre-se dos versos da música Língua, de Caeta- A obra de Saussure
ada no sítio
no Veloso: Geral pode ser consult e.com/curso-de-linguis-
-engin
http//www.pdf-search
tica-geral.pdf.html

“MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA” Estas e outras questões são importantes para tra-
A LÍNGUA É MINHA PÁTRIA” balharmos a temática 4 que trata das dicotomias
saussereanas. Vamos a elas!

Nesse enunciado, que cita um enunciado anterior


– uma frase de Fernando Pessoa – há diferenças Temática 4
quanto à organização sintática, ao contexto lin-
guístico e discursivo, ao contexto extralinguístico As Dicotomias Saussereanas
e outras, pois há dois enunciadores nos versos que
compõem esse ato de enunciação. Subtema: língua e fala
Subtema: significante e significado
Entretanto, esses dois enunciados têm em comum Subtema: diacronia e sincronia
uma identidade de forma, e esta forma, para uns, Subtema: relações paradigmáticas e relações sin-
ou estrutura, ou padrão, para outros, estabelece-se, tagmáticas
em princípio, de forma independente da substân-
cia, ou “matéria bruta”, sobre a qual é imposta. Do que falamos aqui, da origem da linguagem
humana ao estruturalismo saussureano, podemos
Em resumo, a corrente a que denominamos Estru- agora fazer uma retomada e conhecer um pouco
turalismo, no sentido europeu, então é um termo mais sobre as contribuições de Saussurre para a
que se refere à concepção de que existe uma estru- consolidação da Linguística como ciência inde-
tura relacional abstrata que é subjacente e deve ser pendente.
distinguida dos enunciados reais – um sistema que
subjaz ao comportamento real – sendo ela o objeto Para isso, vamos conhecer, em linhas gerais, o que
primordial de estudo da linguística. é exposto no Curso de Linguística Geral sobre al-
guns princípios a respeito das dicotomias.
É importante que você tenha a clareza de que este
estruturalismo a que nos referimos, no qual se des- Os estudos linguísticos do século XIX tinham por
tacam a Escola de Praga, representada por Trubet- base um ponto de vista histórico que não questio-
zkoy (1890-1938) e Roman Jakobson (1896-1982) e navam os atos de linguagem nem seu funciona-
a Escola de Copenhague, com foco em Louis Hjel- mento. Ferdinand de Saussure (1857-1913) passa a
Capítulo 1 19

alicerçar esses estudos sob um ponto de vista estru-


turalista e mostra que cabia à Linguística ampliar
seu campo além do estudo dos signos.

Neste tópico, vamos estudar as dicotomias sausse-


reanas que fundamentam os pressupostos estrutu-
ralistas. São elas:

• Semiologia x Linguística
• Significado x Significante
• Arbitrariedade x Linearidade
• Língua x Fala

Fonte: torneirasdefreud.blogspot.com
• Sincronia x Diacronia
• Sintagma x Paradigma

Grande parte dessas dicotomias foram vistas ao


longo das temáticas anteriores, mas, nesta temáti-
ca, pretendemos abordar aspectos não vistos sobre
os princípios que regem essas dicotomias, ainda
que de forma geral. Miró

• Semiologia e Linguística
Dois termos enfocam o mesmo objeto: Semiologia
Teoria geral dos signos que se volta para a análise – que surge na Europa, com Saussure – e Semióti-
sobre o que eles consistem e as leis que os coman- ca, nos Estados Unidos, com Peirce.
dam. Ela difere da Linguística, porque esta é ape-
nas uma parte daquela ciência geral. • Significado e Significante

Enquanto a Linguística restringe-se ao estudo cien- Já compreendemos que o signo linguístico é para
tífico da linguagem humana, a Semiologia, além Saussure a união do conceito, que o signo traz con-
de se voltar para esse tipo de linguagem, preocupa- sigo, e a imagem acústica.
se, também, com a dos animais e de todo e qual-
quer sistema de comunicação, seja natural ou con- O conceito, que também pode ser chamado de
vencional. ideia, é a representação mental de um objeto ou
da realidade em que o indivíduo está inserido, sen-
do tal representação condicionada pela formação
sócio-cultural que influencia nossa existência des-
de o nascimento.

Assim, para Saussure, conceito é igual a significado


– plano das ideias – que se contrapõe ao signifi-
cante – plano da expressão. Mas é preciso ressaltar
Fonte: dueloaosol.blogspot.com

que a imagem acústica não é o som material, algo


puramente físico, mas a impressão psíquica desse
som. Ou seja, a imagem acústica é o significante.

Como resultado disso, entendemos que o signo


semiologia da imagem
linguístico é uma entidade psíquica composta por
duas faces: o significante e o significado, que estão
imbricados e um necessita do outro. Não pode ha-
ver, portanto, significado sem significante.

Para exemplificar, tomamos como exemplo uma


20 Capítulo 1

atitude corriqueira de alguém pedir água. Quando • Língua e Fala


essa pessoa recebe a impressão psíquica transmiti-
da pela imagem acústica – ou significante - /’agwa/ Esta dicotomia é fundamentada na oposição entre
a partir da qual se manifesta fonicamente o signo social e individual, uma vez que Saussure afirma
água, essa imagem acústica, de imediato, suscita- ter a linguagem uma dimensão individual e outra
lhe psiquicamente a ideia de líquido a ser bebido. social, ressaltando que é impossível uma dispensar
a relação com a outra.
• Arbitrariedade e Linearidade
Em relação à língua, Saussure a considera um
A afirmação de que o signo linguístico é arbitrário produto social da linguagem e um conjunto de
evoca a ideia de que o significado não depende da convenções necessárias assumidas pelo corpo so-
escolha autônoma de quem fala, logo o significan- cial, a fim de que seja permitido aos indivíduos
te é imotivado, ou seja, é arbitrário em relação ao o exercício dessa faculdade. A língua é um bem
significado, com o qual não estabelece nenhuma comum e sendo assim carrega consigo a experiên-
relação natural na realidade. cia histórica acumulada por cada povo ao longo de
sua trajetória. Por isso, cada língua tem as suas es-
Com isso, entendemos por que Saussure afirma pecificidades, que, às vezes, dificultam a tradução
que a ideia – conceito ou significado – de mar não de determinadas expressões idiomáticas que lhes
mantém nenhuma relação necessária e intrínseca são próprias. Assim, a língua não está completa em
com a cadeia de sons – ou imagem acústica ou sig- ninguém e é só na coletividade que ela existe de
nificante /mar/. Melhor dizendo, nada impediria modo completo, assinala Saussure.
que o significado mar fosse representado por outro
significante qualquer. Decorrem disso as diferen- Dessa forma, o indivíduo sozinho não pode nem
ças de vocábulos – que designam os mesmos sig- criar nem modificar a língua, pois transformações
nificantes – entre as línguas, a exemplo da mesma desse tipo ocorrem nela como resultado de uma
palavra mar, que tem diferentes significantes em adesão coletiva, de um contrato estabelecido entre
francês, inglês, alemão ou em outra língua. os atores sociais. Isso reforça a concepção saussure-
ana de que a língua é a parte social da linguagem,
• Ainda que tenha assegurado que o signo por isso mesmo exterior ao indivíduo.
linguístico é arbitrário em sua origem, Saussu-
re reconhece a possibilidade de existência de Por outro lado, para Saussure, a fala constitui-se
certos graus de motivação entre o significante de atos individuais e, devido a isso, é múltipla, im-
e o significado. Em vista disso, ele admite a previsível e se constitui de atos linguísticos ilimita-
existência de um arbitrário absoluto, exempli- dos, não formando um sistema. Em contrapartida,
ficado na relação pera/pereira, na qual a palavra os fatos linguísticos sociais formam um sistema
primitiva pera seria um bom exemplo de arbi- devido a sua natureza homogênea. Ressalte-se,
trário absoluto – signo imotivado. entretanto, que tanto o funcionamento quanto a
exploração da faculdade da linguagem estão inti-
• um arbitrário relativo, exemplificado pelo mamente ligados às implicações mútuas existentes
substantivo derivado pereira, tendo por subs- entre os elementos da língua, que é abstrata, virtu-
tantivo primitivo pera, seria considerado um al e os da fala, que é real.
arbitrário relativo – signo motivado, decorren-
te da relação sintagmática pera (morfema le- • Sincronia e Diacronia
xical) aglutinado à eira (morfema sufixal que
remete à noção de árvore) e à relação paradig- Sincronia é dito por
mática, originada a Saussure como o
partir da associação estudo do funcio-
de pereira a laranjei- VOCÊ SABIA? namento da língua
a significa-
ma a unidade mínim
ra, bananeira etc pelo Denomina-se morfe eg ra a palavra. no qual devem ser
nificado, que int
conhecimento que tiva ou dotada de sig ion ári o de Lin guística analisadas as rela-
seu dic
Ma ttoso Câmara Jr, em do po nto de
já se dispõe da signi- a verbete morfema, ções entre os fatos
e Gramática classific btr ati vo s, alter-
ficação dos elemen- , em aditivos, su existentes ao mes-
vista do significante ão zer o.
os, de posiç
tos formadores. nativos, reduplicativ mo tempo num
Capítulo 1 21

determinado momento do sistema linguístico, que • Sintagma e Paradigma


pode ser no presente ou no passado.
Uma vez, devendo ser a sincronia considerada
Diacronia é vista por ele como o caminho para como prioritária para os estudos sobre a língua, ela
se estudar a relação entre um determinado fato e deve ser vista como atrelada a dois eixos – o para-
outros anteriores ou posteriores que o precederam digmático e o sintagmático. O que Saussure cha-
ou o sucederam, sendo que tais fatos diacrônicos ma de sintagma é a relação vista na língua em que
não estabelecem relação alguma com os sistemas, os elementos se sucedem um após o outro, line-
apesar de os condicionarem. armente, na cadeia da fala. Para exemplificar esse
princípio, temos o enunciado hoje fez frio, em que
Desse modo, entende-se que o funcionamento sin- não se pode pronunciar a sílaba je antes da sílaba
crônico da língua pode manter ligação com seus ho (joho) nem pronunciar ho ao mesmo tempo que
condicionantes diacrônicos. je, pois isso seria impossível. É essa cadeia fônica
que faz com que se estabeleçam relações sintagmá-
A diacronia divide-se em história externa, que é o ticas entre os elementos que a compõem.
estudo das relações existentes entre os fatores so-
cioculturais e a evolução linguística; e história in- No entanto, se o mesmo enunciado for dito fora
terna, que trata da evolução estrutural (fonológica de um contexto discursivo, isto é, fora do plano
e morfossintática) da língua. sintagmático, podemos dizer hoje pensando em
oposição ao advérbio ontem, por exemplo, ou fez
Saussure defende como prioritário o estudo sincrô- em oposição a faz, e frio a calor. Assim, estabele-
nico, visto que para ele o falante não tem consci- cemos uma relação paradigmática associativa, por-
ência de como se sucedem os fatos da língua no que os termos ontem, faz e calor não estão presentes
decorrer do tempo, pois para ele essa sucessão não no discurso.
existe, ou, talvez, não seja do seu campo de conhe-
cimento saber de sua existência. No paradigma, existe a chamada oposição distinti-
va, que, entre outros aspectos, estabelece a diferen-
O estado sincrônico da língua é a única e verdadei- ça entre signos, como veja e seja ou entre formas
ra realidade que se apresenta para estudo e, além verbais, como via e vira, formados, respectivamen-
disso, como entendemos que a relação entre o sig- te, a partir da oposição sonoridade / Nõ sonorida-
nificante e o significado é arbitrária, o sistema lin- de e pretérito imperfeito/mais-que-perfeito.
guístico estará continuamente sendo afetado pelo
tempo, advindo disso a necessidade de o estudo Em sentido amplo, o sintagma é toda e qualquer
da língua ter por primazia a perspectiva sincrônica. combinação de unidades linguísticas na sequência
de sons da fala, que se estabelece para atender a
Em seu Curso de Linguística Geral, Saussure as- cadeia de relações da língua.
segura que a linguagem implica simultaneamente
um sistema estabelecido e uma evolução; constan- Atividade | Que diferenças podem ser esta-
temente, ela é, então, uma instituição com um pé belecidas entre Linguística e Semiologia e em
no presente e outro no passado. Sendo assim, lín- que essas ciências contribuem para os estudos
gua será sempre sincronia e diacronia em qualquer das diferentes manifestações de linguagem?
época.
O que podemos entender sobre a língua que
Ao deixar de priorizar o processo por meio do qual utilizamos a partir das dicotomias saussurea-
as línguas se modificam para tentar compreender nas?
os modos como funcionam, Saussure consequen-
temente dá maior importância ao estudo sincrôni-
co, que se configura como alicerce para a Linguís-
SAIBA MAIS!
livro
tica e para a abordagem estruturalista de análise Continue a ler o
Cu rso de
da língua. de Saussure,
ica Ge ral , po is
Linguíst
pri nc ípi os da s tem áti-
os
dos
cas 3 e 4 estão conti
nele.
22 Capítulo 1

RESUMO
Como reflexão final, gostaria de propor a você uma investigação mais aprofundada sobre
as temáticas que estudamos.

Tendo em vista que os temas aqui trabalhados foram expostos de maneira introdutória, a
partir de agora você deve assumir o seu papel de pesquisador e descobrir muito mais sobre
os fundamentos da Linguística apresentados.

Outros princípios serão estudados no capítulo 2, sob novas perspectivas teóricas, especial-
mente com base no gerativismo. Que tal começar agora?

Abaixo, deixamos as referências e links que podem ajudá-lo a iniciar essa atividade de apro-
fundamento e de construção de novos conhecimentos.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. / VOLOCHINOV. Marxismo e fi- KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Trad.
losofia da linguagem. Hucitec. São Paulo: São Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições
Paulo, 1997. 70, 1969.

BENVENISTE, Emile. Problemas de linguística MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: ati-


geral I. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, vidades de retextualização. 4 ed. São Paulo:
5 ed., 2005. Cortez, 2003.

_____________. Problemas de linguística geral MORI, Angel Carbera. Fonologia. In: MUSSA-
II. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 1989. LIN, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.)
Introdução à linguística: domínios e fronteiras.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que São Paulo: Cortez, 2008, v. 1, p. 11 a 24.
é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
MUSSALIM, F & BENTES, A. N. (orgs). Intro-
_____________Português ou brasileiro? Um dução à linguística: domínios e fronteiras. São
convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001. Paulo: Cortez, 2001. Vl. 1 e 2.

CÂMARA JR. Joaquim Mattoso. Princípios de _______________ (orgs.).Introdução à linguís-


linguística geral. Rio, Padrão, 1977. tica: fundamentos epistemológicos. v. 3. São
Paulo: Cortez, 2004.
CARVALHO, Castelar. Para compreender Saus-
sure. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1990. ORLANDI, Eni. O que é linguística. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
FARACO, Carlos Alberto. Linguística histórica:
uma introdução ao estudo da história das lín- PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis de
guas. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. fala. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1982.
FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dia-
lectologia no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística ge-
(Coleção Repensando a Língua Portuguesa). ral. São Paulo, Cultrix, 1998.

FIORIN, José Luiz. (org.). Introdução à linguís- TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma
tica: objetos teóricos. São Paulo: Contexto, proposta para o ensino de gramática no 1º e
2002. 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.
Capítulo 1 23

WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lin-


guística. (trad. Marcos Bagno) São Paulo: Pará-
bola Editorial, 2002.

SITES
http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/35/arti-
go7.pdf

http://www.alib.ufba.br/alib.asp

http://www.recantodasletras.uol.com.br/rese-
nhasdelivros/879104
2
Capítulo 2 25

Novos Percursos
para A Linguística:
As Contribuições
do Gerativismo
Prof.a Sônia Virgínia Martins Pereira
Carga Horária | 15 horas

Ementa
Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance
de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do
signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e
de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-
cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos
conteúdos.

Objetivos
Estudar as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisan-
do o percurso dessa ciência de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

Apresentação
Prezado aluno, prezada aluna

Estamos de volta em mais um capítulo do Curso de Letras a Distância. Neste


capítulo, pretendemos conduzir você por outros caminhos que levaram a Lin-
guística a ampliar seu campo de estudos, com objetos teóricos que deram base
para outras ciências.

Os estudos propostos aqui estarão voltados para os fundamentos mais importan-


tes do Gerativismo, considerado como uma das correntes teóricas da Linguística
de maior importância do século XX e que tem como mentor o linguista Noam
Chomsky.

Nestes estudos, serão trabalhados princípios que se propõem a esclarecer sobre


a dimensão biológica da linguagem e questões decorrentes disso que tentam elu-
cidar sobre o que se pode entender na linguagem como criação cultural e como
predisposição biológica. Com isso, estaremos lidando com algumas das hipóteses
fundamentais de Chomsky a respeito do fenômeno da linguagem.
26 Capítulo 2

Então nossa abordagem sobre o objeto de estudo da gramática gerativa considera-o como um fenômeno
que ocorre em várias línguas, inclusive a língua portuguesa, daí a importância dada neste capítulo a essa
perspectiva teórica que influencia a Linguística até os tempos atuais.

Desejo que estes estudos contribuam significativamente para a sua formação e que possam impulsioná-
lo a aprofundá-los no sentido de contribuir para o redimensionamento dos fundamentos teóricos aqui
apresentados.

Um abraço,

Prof.a Sônia Martins

Temática 1 VOCÊ SABIA?


e
norte-americano qu
Bloomfield - Linguista La ng ua ge , pu bli -
itulada
O Linguista e Ativista Político escreveu a obra int nc iou os est ud os
inf lue
cada em 1933, que te-
Noam Chomsky os Unidos até recen
linguísticos nos Estad
mente.
Estudamos no Capítulo I o Estruturalismo, espe-
cialmente o de vertente europeia com sua impor- Assim, o Estruturalismo, em suas diferentes pers-
tante contribuição para a constituição do campo pectivas, reinou absoluto na Linguístca até os anos
da Linguística. 1950.

Desde suas primeiras manifestações que deram Trouxemos, resumidamente, as ideias gerais do
origem a seus fundamentos, o Estruturalismo to- Funcionalismo e do Distribucionalismo para in-
mou lugar de destaque, tendo contribuído com troduzir as primeiras noções sobre a teoria elabo-
diferentes ciências, além da Linguística. Na ciência rada por Noam Chomsky. Então, vamos conhecer
da linguagem, essa vertente teórica se solidificou um pouco sobre este cientista.
sob diferentes formas, sendo uma destas o Funcio-
nalismo. Teórico norte americano que revolucionou a lin-
guística ao se apoiar em modelos matemáticos para
descrever como se processa a comunicação huma-
VOCÊ SABIA? na.
á estudado
O Funcionalismo ser
nte no ca pítulo III.
detalhadame Ativista político que polemiza sobre questões pró-
prias do seu país, a exemplo de seu posicionamen-
Em linhas gerais, podemos dizer que o pensamen- to acerca dos atentados terroristas sofridos pelos
to funcionalista considera as funções desempenha- Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, mas
das pelos elementos linguísticos em seus diferentes igualmente sobre questões de ordem mundial,
aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos. como seu apoio ao sionismo, o movimento religio-
so e político, originado no século 19, que pregava
O Distribucionalismo, que, segundo Orlandi o restabelecimento, na Palestina, de um Estado
(2007) também é uma outra forma de estrutura- judaico.
lismo, se constitui numa teoria de base estrutural
desenvolvida e sistematizada pelos alunos de L. • Filho de um casal de
Bloomfield, que sugere, nos Estados Unidos, uma judeus, Noam Avram
teoria geral da linguagem a qual se assemelha com Chomsky nasceu em 7
Fonte: dekku.nofatclips.com

a perspectiva europeia. Para o distribucionalismo, de dezembro de 1928,


uma língua deve ser estudada a partir de um con- na Filadélfia Pensilvâ-
junto de enunciados efetivamente emitidos pelos nia – Estados Unidos.
falantes em determinado tempo, procurando en-
contrar sua regularidade, mas sem considerar seus • Ainda como estu-
aspectos semânticos. dante universitário, Noam Chomsky
Capítulo 2 27

Chomsky dividiu-se entre a filosofia e a lin- A imagem nos remete ao naturalista inglês Charles
guística. Darwin que, ao observar os seres vivos e entre eles
perceber nexos e continuidades, combinando as
• Teve como referência moral, política e cientí- ideias de seleção e de evolução natural, revolucio-
fica Zellig Harris, linguista judeu-americano, nou o mundo com a apresentação de novos para-
estruturalista de perspectiva distribucionalista. digmas que explicavam a origem da vida.
Chomsky aprendeu muito com ele, embora o
tenha superado. Da mesma forma, de Chomsky pode-se dizer o
mesmo, no que diz respeito à revolução que cau-
• É pai da chamada Teoria da Gramática Gerati- sou em sua área científica, a linguística, pois mu-
va, considerado o maior avanço da linguística dou o objeto de estudo dessa ciência. Na ciência da
do século 20. linguagem, poucos teóricos tinham se aventurado
a propor alguma teoria unificadora. Chomsky con-
• Possui mais de 70 livros publicados e mais de seguiu fazer isso.
1000 artigos.
No momento em que Chomsky apareceu no ce-
• Há 19 livros em inglês publicados sobre a im- nário científico, a linguística tinha conseguido,
portância de seu trabalho e, pelo menos, um apenas, dois avanços significativos. O primeiro foi
contra – The Anti-Chomsky Reader. a criação da tradição clássica baseada no mundo
grego e que perdurou até o final do século XIX. O
• Por ser um ativista político, diz receber todos segundo avanço foi o estruturalismo.
os dias pelo menos 4 e-mails, acusando-o de
pertencer a CIA (Serviço Secreto Americano), Na tradição clássica, o corpus de estudo da língua
Mossad (Serviço Secreto Israelense) ou da or- era apenas o texto escrito. O papel do linguista nes-
ganização terrorista Al Qaeda à qual pertence se contexto era o de rastrear registros escritos des-
Bin Laden. de as línguas antigas – latim, grego, aramaico até
alcançar o presente. Para o estudo de uma língua
• Descreve-se como socialista libertário e diz nessa abordagem, era preciso que os estudiosos do-
ter simpatia pelo movimento anarquista, mas minassem várias línguas a fim de que procedessem
quanto a este último, tem uma visão própria à descrição de cada caso. Pouco se conseguia de
do termo. generalização, ou seja, de se transpor o conheci-
mento acumulado pelo estudo de uma língua para
• É considerado um dos pensadores mais impor- outra. Pode-se considerar esta abordagem como
tantes da história contemporânea. enciclopédica, que considerava os registros escritos
de uma língua como seu ponto alto.
• Encontra-se entre os dez autores mais citados
de todas as ciências humanas. No começo do século XX, era essa visão normativa
que dominava o estudo da língua, na perspectiva
Observe a imagem: de que o que importava não era o conhecimen-
to sobre o funcionamento da
linguagem e sim, estabelecer
e perpetuar as formas corretas
como o sistema da língua se
apresentava.

A importância dos estudos de


Chomsky é vista, principalmen-
te, por sua crítica ao estrutura-
lismo, uma vez que essa corren-
te concebia a linguagem como
algo a ser aprendido por imita-
ção, em que tudo seria aprendi-
Fonte: www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/.../img/evolucao.jpg
do por adestramento, inclusive
28 Capítulo 2

a língua(gem). Chomsky posiciona-se radicalmente utilizar a ilustração que serviu ao próprio teórico
contra essa ideia, dada sua crença na criatividade em sua obra Linguística Cartesiana, na qual se apoia
humana. Em sua concepção, a linguagem é uma em Descartes no que este filósofo expõe sobre a
capacidade humana natural – este conceito será questão, quando advoga que, se uma criança for
visto ao longo deste capítulo – que já vem inscrita criada entre lobos, ela não desenvolverá a lingua-
no DNA de todos os indivíduos, indistintamente. gem, mas, se voltar para a convivência humana,
voltará a falar, pois tem predisposição para isso.
Como exemplo da tese defendida por Chomsky, O contrário acontece com alguns animais, que,
podemos trazer o caso de uma cambojana que teria mesmo sendo criados com seres humanos, jamais
passado 18 anos na selva. Leia a notícia sobre esse desenvolverão a linguagem, visto que esta não lhes
caso: é inata.

Camboja: Nessa linha de pensamento, a cambojana, que ao

Fonte: http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI4074618-EI8143,00-Camboja+mulher+que+viveu+anos+na+selva+se+recusa+a+comer.html
mulher que ser encontrada em 2007, só emitia “sons descone-
viveu 18 anos
xos, como os animais” e ainda hoje não consegue
na selva se
recusa a comer falar, segundo o que descreve a notícia, provavel-
31 de outubro de 2009 mente conseguirá comunicar-se com as pessoas em
• 13h41 • atualizado às
15h37 seu idioma, mesmo que esse processo seja longo,
Comentários como a situação parece assinalar. Ressalte-se que,
Rochom P’ngieng, nesse caso, existe a agravante de que a “Mulher da
conhecida como Selva” sofre de deficiência mental, e isto pode vir
Mulher da Selva, que a ser um fator determinante no seu processo de
foi encontrada em
2007 após passar desenvolvimento da linguagem.
18 anos perdida em
uma floresta.
31 de outubro de 2009
Com sua visão inatista, Chomsky muda radical-
Foto: AFP mente o foco do objeto de estudo da Linguística,
até então pautada no pensamento estruturalista de
Rochom P’ngieng, conhecida como “Mulher da Selva”,
que foi encontrada em 2007 após passar 18 anos per- que a língua seria algo externo ao ser humano.
dida em uma floresta entre o Vietnã e o Camaboja, foi
hospitalizada, porque se recusava a comer, afirmaram o
pai dela e um médico nesta sexta-feira no Camboja. Con-
tudo, após Rochom tentar fugir do local, o pai a levou de Temática 2
volta para casa.

A mulher desapareceu quando era uma menina em 1989 A Influência Biológica na Aquisição da
em Ratanakkiri, província a 600 km da capital Phnom
Penh. Ela foi encontrada em 2007 nua e suja, após ser
Linguagem: O Inatismo
pega tentando roubar comida de uma fazenda.
Afinal, qual o segredo
Rochom não dizia palavras inteligíveis e fazia apenas
“sons desconexos, como os animais”. Sal Lou, que diz ser da linguagem humana?
pai da mulher, afirma que Rochom foi internada em um
hospital na segunda-feira. “Ela se recusou a comer arroz Que fatores nos possibi-
por cerca de um mês. Ela está magra agora. Ainda não
consegue falar. Ela age totalmente como um macaco”, litam a fala?
disse.

Ele explicou que levou Rochom de volta para casa porque


Qual a origem de nossa
era difícil impedir que ela fugisse do hospital. Segundo capacidade de comu-
Hing Phan Sokunthea, diretor do hospital de Ratanakkiri, nicação, programação
a “Mulher da Selva” sofre de deficiência mental. “Gostarí-
amos de monitorar mais sua situação, mas não podemos genética ou construção
porque o pai a retirou do hospital”, disse o médico. cultural?

Assim como a questão sobre a origem da lingua-


Numa tentativa de relacionar a experiência viven-
gem humana instiga há séculos a ciência, outra
ciada pela cambojana, de viver na selva sem conta-
questão não menos importante suscita a curiosida-
to com falantes de seu idioma, com o que defende
de dos seres humanos em geral. Esta última envol-
Chomsky sobre a capacidade inata de todo ser hu-
ve a origem de nossa capacidade de comunicação.
mano para o aprendizado de uma língua, podemos
Capítulo 2 29

No decorrer da história da humanidade, esse ques-


tionamento mobilizou duas principais vertentes VOCÊ SABIA?
sim o
teóricas, sendo que, para uma delas, o inatismo, o Houaiss define as
O dicionário eletrônic
um bebê já nasce com predisposição para adquirir verbete suaíli:
a linguagem. Nessa perspectiva, o cérebro estaria , fala-
ília nigero-congolesa
geneticamente preparado para abrigá-la. Essa cor- Língua banta da fam en tal e em
gua na costa ori
rente se apoia na teoria da Gramática Universal, da como primeira lín e se est en de da
área qu
idealizada por Chomsky, segundo a qual todas as ilhas da África, numa fro nte ira me rid ional
) até a
ilha de Lamu (Quênia Tan-
línguas comungam de certos princípios que são Tan zâ nia , é us ad a como língua franca na
da tica do Co ngo
blica Democrá
inatos ao ser humano. A exposição das crianças a zânia, Quênia, Repú de Mo ça mb iqu e.
no No rte
essas línguas é que faz com que elas assimilem sua e Uganda e também
estrutura. É em decorrência disso que podem ser
feitos os balbucios de palavras e posteriormente, a A teoria de Noam Chomsky traz para a linguística
partir dos quatro anos, mais ou menos, as crianças o pressuposto de que o ser humano carrega consi-
podem fazer certas construções lingüísticas, mes- go biologicamente uma matriz inata que fornece
mo que seu vocabulário seja limitado. uma estrutura na qual a língua se desenvolve. A
isso, o linguista norte-americano chama de gramá-
No outro polo, contrário ao pensamento de tica universal, que se constitui numa tese inatista,
Chomsky, estão as teorias não inatistas, segundo que entende ser o indivíduo portador da capacida-
as quais são os fatores ambientais e a interação das de de linguagem desde o seu nascimento e por isso
crianças com seus e educadores que propiciam a tem a condição básica para compreender a sintaxe
aquisição da linguagem. Essas teorias enfocam o da língua materna ainda nos primeiros anos de
uso que se faz dos elementos linguísticos, ou seja, vida. Aos seis anos, tal indivíduo já é um adulto do
no contexto e na forma em que as frases são utili- ponto de vista linguístico.
zadas e não unicamente neles, enquanto elemen-
tos de um sistema abstrato. Nesse entendimento, Em decorrência dessas ideias de Chomsky, a con-
é possível afirmar que a habilidade da criança ad- cepção racionalista dos estudos da linguagem foi
quirir linguagem não dependeria unicamente da questionada, uma vez que a capacidade humana de
mobilização de um aparato interno inato, mas do falar e entender uma língua passou a ser encarada,
processo de inserção no meio social a que ela per- a partir de então, como produto de um dispositivo
tence. inato, uma capacidade genética, intraorganismo e
não totalmente determinada por fatores externos,
Atualmente, grande parte dos linguistas admite como defendiam os comportamentalistas. Essa
que tanto fatores biológicos quanto ambientais tendência inata que favorece a competência lin-
contribuem para a aquisição da linguagem. Em guística passou a ser conhecida como faculdade da
entrevista à Revista Superinteressante, edição 240a linguagem.
de junho de 2007, Chomsky diz que
Com vistas a construir um modelo teórico capaz de
“Ninguém pode duvidar de que existe um fator genético descrever e explicar a natureza e o funcionamento
que determina a aquisição da linguagem pelos humanos
dessa faculdade, Chomsky coloca o chamado ge-
– enquanto outros organismos, vivendo exatamente no
rativismo como vertente central da linguística. As-
mesmo ambiente, não a adquirem. Eles nem ao menos re-
conhecem que alguns elementos do ambiente estão ligados
sim, as línguas deixam de ser interpretadas como
à linguagem.”
um comportamento condicionado externamente e
passam a ser analisadas como uma faculdade men-
E completa seu pensamento afirmando que tal natural.

“As crianças adquirem a linguagem de forma quase refle- Entretanto, defender a existência da faculdade de
xiva, muito antes de terem familiaridade com muitos as- linguagem como mecanismo inato não garante a
pectos de sua cultura. Por outro lado, tampouco existem inexistência de problema na análise da língua, ten-
dúvidas de que o ambiente influencia esse processo. É gra- do em vista esse fundamento. É preciso, antes de
ças aos fatores ambientais, por exemplo, que eu falo inglês tudo, descreverem-se as condições necessárias para
e não suaíli.” aprender línguas. É a competência que vai se de-
senvolvendo com o desempenho do falante.
30 Capítulo 2

e somente as frases gramaticais, que para ele, são


VOCÊ SABIA? aquelas do domínio da língua. Ressalte-se que tal
no
etência será definido gramática não tinha a pretensão de estabelecer nor-
O conceito de comp
próximo tópico. mas para o funcionamento de nenhuma língua.
no
penho será definido
O conceito de desem A partir desses pressupostos, em 1957, é publi-
próximo tópico. cado o livro Syntactic Structures, considerado um
marco na linguística do século XX. Nesse livro e
Para ilustrar isso, podemos pensar na criança que em publicações posteriores, são fundados os con-
nasce em uma cultura em que se fala determinado ceitos da Gramática Gerativa de Noam Chomsky.
idioma. Mesmo que tal língua para ela seja de certa
forma “estrangeira”, ela interage com essa língua. Mas, por que gerativa?
O processo vivenciado pela criança nesse apren-
dizado não é apenas o de ouvir e repetir; ela vai A própria etimologia da palavra pode ajudar na
aprendendo a estrutura da língua, numa aprendi- compreensão do conceito. Constam no dicionário
zagem progressiva que estabelece as conexões e re- eletrônico Houaiss, as seguintes definições:
lações necessárias para entender o funcionamento
da língua que está usando. adjetivo

Exemplo disso é o fato de que uma criança ao dizer 1. que gera; que causa; generativo
“eu di” perceber que há uma regularidade na estru-
tura da língua com palavras dessa mesma categoria 2. Rubrica: gramática generativa.
por dizer eu bebi, eu comi, eu corri etc. Ao longo do m.q. generativo
processo de aquisição de estruturas mais comple-
xas da língua, ela entenderá que alguns verbos não 3. Rubrica: linguística.
se enquadram nessa regularidade e, por isso, passa- cujo enunciado refere a formulação da gramá-
rá a dizer eu dei e não eu di. tica gerativa etimologia: gerado sob a f. rad.
gerat- (por generat-, de generátum, supn. do v.lat.
generáre ‘gerar’) + -ivo; ver gen-
Temática 3 Além do que esclarecem as acepções do dicionário,
na teoria chomskyana, a gramática é gerativa, por-
A Gramática Gerativo-Transformacional: que permite gerar um número infinito de sequên-
Contraponto ao Comportamentalismo cias que são frases, associando-lhes uma descrição,
a partir de um número limitado de regras.
Enquanto a linguística estava estabelecida sob os
pilares do estruturalismo até a década de 50, nessa A teoria gerativa coloca em destaque um procedi-
mesma época Chomsky torna-se mentor de uma mento dedutivo, ou seja, a partir de uma abstra-
mudança que propõe que a reflexão sobre a lin- ção, isto é, de um axioma e um sistema de regras,
guagem volte-se também para a teoria e não esteja alcança o concreto, que, no caso, seriam as frases
tão atrelada aos dados. Nisso critica os distribucio- existentes na língua. Segundo o próprio Chomsky,
nalistas e seu apego às classificações, embora tenha através de sua proposta, a Linguística passa a ser
sido discípulo de Harris, conhecido distribuciona- explicativa e científica e não, apenas, descritiva,
lista, como visto anteriormente. como se via em abordagens anteriores à sua.

Com base no racionalismo e na lógica, que sempre


acompanhou os estudos sobre a língua, Chomsky
VOCÊ SABIA?
apresenta uma teoria que denomina de gramática bolo
tica gerativa, é o sím
e focaliza o estudo da gramática na sintaxe, que, Axioma - Na gramá má tica s.
sin tag
de partida das regras
conforme seu pensamento, é um nível autônomo
e
lnguística, fórmula qu
e central para a explicação da linguagem. Num sistema ou teoria nã o su sce tív el de
embo ra
se presume correta,
Essa gramática tinha por finalidade mapear todas demo ns tra çã o.
Capítulo 2 31

Leia estas frases abaixo pronunciadas em diferen- da análise sintática das frases, feitas pelas correntes
tes contextos, para compreender melhor o que aca- teóricas até então. Chomsky mostrou que a análi-
bamos de expor. se das frases não eram adequadas, principalmente
porque não diferenciavam o nível de estrutura de

“E spero que todas as candidaturas possam


ficar verdes.”
superfície e de estrutura profunda.

No nível da superfície, muitos enunciados podem


ser analisados da mesma maneira. Entretanto, em
Senadora Marina da Silva
sua estrutura profunda, do ponto de vista dos sig-
Jornal do Commercio – 30/10/09
nificados subjacentes a cada um, as sentenças apre-
“D emocracia é quando eu mando em você;
ditadura é quando você manda em mim.”
sentam divergências. Daí a gramática gerativa ter
entre os seus objetivos, o de estabelecer um pro-
cedimento de análise da estrutura profunda dos
Millôr Fernandes
enunciados.
Seleções Reader’s Digest – setembro/2009

“S
No intuito de alcançar esse objetivo, Chomsky lan-
ou magrelo, mas isso não significa que ça mão de uma distinção fundamental entre o que
não seja durão.” ele denominou de competência (competence) e de
desempenho (performance).
Barack Obama, presidente americano
Revista Veja, edição 2137, 04/11/09 • Competência é o conhecimento que o indiví-
duo tem sobre as regras de uma língua.
Ao se analisar as frases transcritas, percebe-se que
elas não podem ser tomadas em sua superfície, • Desempenho é o uso efetivo dessa língua em
sem considerar o significado dos termos que as situações reais.
compõem bem como o do contexto em que foram
pronunciadas. Para Chomsky, o papel da linguística é o de analisar
a competência e não se restringir ao desempenho,
Numa análise geral, entende-se que, ao dizer que como se fazia em estudos linguísticos anteriores
espera candidaturas verdes, o significado do último em suas amostras de fala, que seriam inadequadas
termo proferido pela senadora pode remeter a seu por apresentarem, apenas, uma parte mínima das
partido, o Partido Verde, mas igualmente à ques- inúmeras possibilidades de enunciados de uma
tão de que os candidatos à presidência da Repú- língua.
blica abracem a causa do meio ambiente em suas
propostas. Nisso, entende-se que os falantes na competência
que possuem sobre a língua podem ir muito além
Já a frase de Millor Fernandes que em sua super- do que for estabelecido por qualquer corpus. Essa
fície pode ser perfeitamente aceitável como uma competência lhes dá a capacidade de criar e iden-
atividade metalingüística que define dois termos tificar enunciados inéditos e de reconhecer erros
distintos, pode ser entendida como uma crítica ou ou inadequações de desempenho. Por isso, a des-
ironia a certos posicionamentos, não só políticos, crição das regras que comandam essa competência
em que as pessoas caracterizam certas posturas é que deveriam ser passíveis de estudo, conforme
como democráticas ou ditatoriais a partir de sua prega a teoria gerativa.
própria conveniência.
Assim, a noção de competência discursiva no gera-
Quanto ao que diz Obama, o termo durão é usa- tivismo é a tal capacidade que todo falante tem de
do em contraposição a magrelo, mas seu sentido produzir e compreender todas as frases da língua
vai além de significar o aspecto físico. Ressalta as e também do conhecimento que este tem da es-
atitudes que o presidente americano pode tomar, trutura das frases que fazem parte da língua. Por
podendo ser bastante severas. essa linha de entendimento, então, não importa o
desempenho linguístico, ou seja, o desempenho de
O que queremos elucidar com a análise das frases falantes específicos em seus usos concretos, mas a
é o que o gerativismo alerta quanto à inadequação capacidade que todo falante possui.
32 Capítulo 2

Nesse contexto, a gramática internalizada adquire papel central, pois compreende a competência linguísti-
ca do estudante, vindo daí a importância em estudá-la. Diante disso, o léxico também adquire importância
vital nessa competência, uma vez que ele se constitui numa espécie de dicionário mental ao qual nos repor-
tamos todas as vezes que precisamos construir sentenças. Nossa competência nos possibilita ter intuições
de como saber dividir esse dicionário, categorizando aspectos lexicais a partir de propriedades gramaticais
comuns entre eles. Essa intuição linguística nos ajuda também a categorizar itens lexicais em classes de
palavras a partir de critérios semânticos, morfológicos e distribucionais.

Para esclarecer esses critérios, tomemos como exemplo alguns verbetes do Dicionário Nordestino apresen-
tado a seguir:

24 Novembro 2007

Lista de palavras e expressões nordestinas

Fonte: http://culturanordestina.blogspot.com/2007/11/dicionario-nordestino.html . Acessado em 08/11/09.

A
ABUFELAR - Agarrar pela gola, agredir.
ACUNHAR - Chegar junto.
ADULAR - Agradar, bajular. Fazer a vontade de alguém
ALTEAR - Aumentar o volume do som. Subir algo.
ALUMIAR - Iluminar. Projetar luz sobre algo ou alguém.
AMOLEGAR - Apalpar ou apertar um corpo mole ou uma parte dele.
APERREAR - Encher o saco.
APOQUENTAR - Aborrecer, azucrinar, chatear.
ARRIBAR - Ir embora.
ARRUDIAR - Dar a volta.
ATAIAR - Atalhar. Ir por um caminho mais curto
AVALIE - Imagine.
AZULAR – Dar o fora.
Capítulo 2 33

Pode-se afirmar que qualquer falante de português inéditas, jamais pronunciadas antes pelo próprio
do Brasil reconhece que os itens lexicais listados falante que a produziu ou por qualquer um outro.
nesse dicionário pertencem à mesma categoria gra-
matical, porque todos eles possuem a propriedade É por isso que para ele a criatividade é o elemento
de assumir formas variadas, dependendo das mar- caracterizador do comportamento linguístico hu-
cas morfológicas de seus sujeitos, que, em geral, mano, o que vem a distinguir a linguagem humana
são os elementos que antecedem os verbos. dos sistemas de comunicação dos outros animais.
A pequena parte mostrada do dicionário nordes-
No exemplo dado, deve ficar claro que não esta- tino prova essa criatividade dos falantes de uma
mos analisando o campo do significado, pois esse língua, não somente por se querer inventar termos
aspecto mobilizaria outros que dizem respeito ao ou expressões sem sentido, mas, porque existe a
contexto de produção da palavra altear, por exem- necessidade de que os enunciados expressem mais
plo, ou o fato de o falante ser um nordestino que fielmente a realidade.
faz uso desse registro, uma vez que nem todos os
nordestinos são usuários desses termos, e outros
aspectos que ajudam na compreensão semântica Temática 4
dos termos. Estamos analisando os aspectos mor-
fológicos que independem do fato de que essas Negação ou Confirmação da
palavras estejam no suporte de um dicionário, e,
Teoria Gerativa?
mesmo estando, que não apresentam a definição

da classe gramatical a que pertencem, como nor-
Orlandi (2007) afirma que Chomsky, ao eleger a
malmente os dicionários apresentam. É da com-
competência como o elemento a ser analisado nos
petência inata do falante, que consegue identificar
estudos linguísticos, com sua base de estudo apoia-
marcas morfológicas de uma língua a que estamos
da no que considera o falante ideal, desconsidera
nos referindo.
o desempenho específico dos falantes no uso con-
creto da linguagem.
Do que temos visto até aqui, podemos entender
que a gramática gerativo-transformacional de
Outras críticas também são feitas no que se refere a
Chomsky se tornou um divisor de águas na linguís-
outras questões desconsideradas pelo gerativismo,
tica, pelo fato de ter trazido ao campo científico
dentre elas, os aspetos semânticos e pragmáticos
ideias opostas às ideias estruturalistas, que enten-
da análise, especialmente vistos nos trabalhos de
diam ser o aprendizado da língua construído por
Halliday, que propõe uma teoria mais sistemática
meio da imitação.
e abrangente da estrutura da língua, denominada
de linguística sistêmica. Nessa abordagem, a gra-
Em rejeição a esse modelo comportamentalista ou
mática é entendida como uma rede de sistemas de
behaviorista, no qual se entende a linguagem huma-
contrastes interrelacionados e nela se dá especial
na como um fenômeno externo ao indivíduo, um
atenção aos aspectos semânticos e pragmáticos, já
sistema de hábitos gerados como resposta a estí-
citados, e igualmente a fatores que a entonação
mulos e fixada pela repetição, o gerativismo expõe
acrescenta ao campo do significado.
a concepção de que o falante age criativamente no
uso da linguagem, visto que para Chomsky sempre
Além dessas ideias contrárias, outras surgem a par-
os seres humanos estão construindo frases novas e
tir de novas descobertas, como a que nos mostra

VOCÊ SABIA?
ericano behavior,
o do ter mo ing lês behaviour ou do am ba as
Behaviorista - Deriv ad eito geral que englo
co nd uta , co mp ort amento – é um conc Psi co log ia, inclu-
que significa dentro da
rad ox ais teo ria s so bre o comportamento, ort am en to’ . Os ram os
mais pa nif ica do da palavra ‘comp
ito ao sig mo Me to-
sive no que diz respe conceito são o Behavio
ris
s que se apoiam nesse
principais das teoria
rismo Radical.
dológico e o Behavio
34 Capítulo 2

o artigo da Revista Veja, edição 2004, publicado em 2007 que informa sobre o idioma dos pirahãs, povo
indígena da região amazônica. Leia o texto:

Ciência
O Mistério dos Pirahãs
s
não conhece os número
Tribo da Amazônia que
formação dos idiomas
desafia as teorias sobre a
Maici,
em às margens do Rio
ma da po r cer ca de 350 indígenas que viv os da reg ião , ele s são
A tribo dos pirahãs,
for
fio pa ra a ciê nc ia. Como muitas trib nic aç ão . Seu
u- se um desa icas no que diz respe
ito à comu
no Amazonas, torno ca rac ter ísti ca s ún lve u na s dif ere ntes
s, mas têm na se desenvo
caçadores e coletore a lin gu ag em hu ma
como o ameri no ca
as teorias sobre como criada por linguistas
idioma desafia todas o tem a,
tese hoje mais ac eit a so bre mática universal, com
culturas. Segundo a om as se pa uta por uma espécie de gra o permite
Noam Chomsky, a for
mação do s idi usar essas regras. Iss
ma no é do tad o de recursos inatos para os am pli ar seu voca-
regras comuns. O ser
hu
lav ras e da s fra ses e aos pouc s,
os significados da s pa m frases subordinada
às crianças perceber l faz co m qu e tod os os idiomas tenha sa” . O idi om a
bulário. Essa gramá
tica universa r, vou à sua ca
rac ioc íni os co mp lex os: “Depois de come bo rdi na da s, co ntr a-
que estariam na base
dos frases su
mundo que não tem
ah ãs é o ún ico até hoje identificado no
dos pir
gramática universal.
riando o conceito de indiquem
tempos verbais que
lav ras pa ra de scr ev er as cores. Não usam Tud o é dit o no presente.
Os pirahãs não têm
pa
a tra diç ão ora l de contar histórias. tip o de arte.
há entre eles ham e desconhecem
qualquer
ações passadas. Não pir ah ãs nã o de sen e nã o cu ltiv a ne-
existe. Os tropólogos, qu
A língua escrita não mu nd o, seg undo avaliação de an o us am nú me ros
da de no letar, os pirah ãs nã
Eles são a única socie a ori ge m. Pa ra co mp A au sên cia
para explicar su , que significa um ou
pequeno.
nhum mito da criação ún ica pa lav ra, “H ói” ista am eri ca no
– têm uma te pelo lingu
e não sabem contar os pir ah ãs foi estudada recentemen a de z, exp lica nd o
ca en tre nas a contar de um
da abstração aritméti en sin ar os ind íge ces so . As
tou pacientemente dia. Não obteve nenh
um su
Peter Gordon. Ele ten e su a utilidade no dia-a- n Wh orf de que o
o de nú me ros ca no Be nja mi
a eles o conceit ara m a teo ria do linguista ameri ma no só é capaz
n confi rm ava que o ser hu
pesquisas de Gordo an os 30 , afi rm .
raciocínio. Whorf, no s dência nas palavras
idioma condiciona o de ele me nto s qu e possuam correspon é im po ssí ve l
entos a partir números,
de formular pensam ras qu e os faç am chegar ao conceito de
o têm pa lav
Como os pirahãs nã
ten da m seu sig nificado.
que en selva
s se embrenhou na
Go rdo n, me ia dú zia de pesquisadore ma is as síd uo éo
Nas últimas década
s, além de iro deles e o
a lín gu a e a cu ltu ra dos pirahãs. O prime o po r set e
amazônica para estud
ar rou com a trib
Un ive rsi da de de Manchester, que mo nd o ac ad êm i-
l Everett, da nção do mu
etnólogo inglês Danie que chamaram a ate
sd e a dé ca da de 70 . Foram seus estudos e ela ap res en ta à ciência. “A teoria
da
anos, de pa ra os de sa fio s qu gra má tica
ades da tribo e a pirahã”, diz Evere
tt. “Sua
co para as particularid qu ad a para explicar o idiom
rsa l é ina de
gramática unive única”, completa.
m da su a cu ltu ra, que é absolutamente
ve

VOCÊ SABIA?
sta em etnolo-
Etnólogo - Especiali
ncia que estuda
gia, sendo esta a ciê
nto s levantados
os fatos e docume
ia no âm bit o da antro-
pela etnograf
cial, buscando
pologia cultural e so
alí tica e compa-
uma apreciação an
rativa das cultu ras .

VEJA
Edição 2004
18 de abril de 2007
Capítulo 2 35

Segundo o artigo, o etnólogo inglês, Everett, afir- do linguista norte-americano. Com efeito, seus es-
ma que a teoria da gramática universal não se apli- tudos contribuíram significativamente para uma
ca ao idioma pirahã, sendo a explicação de Worf maior compreensão do fenômeno da linguagem
de que o idioma condiciona o raciocínio mais ade- humana, a partir de sua gênese.
quado à realidade linguística daquela etnia.
Atividade | Algumas Reflexões:
Barbosa (2008) assegura que qualquer língua desa- Diante do que foi estudado sobre a teoria gera-
fia as teorias sobre a formação dos idiomas, inclu- tiva, reflita sobre questões como:
sive a língua inglesa, o idioma mais divulgado no 1. Que evidências temos de que a faculdade
mundo, visto que todas as línguas possuem espe- da linguagem depende de herança biológica e
cificidades axiológicas. O que o articulista destaca de fatores sociais?
sobre a singularidade da cultura pirahã, que é a 2. Que outros teóricos defendem uma ou ou-
base de sua gramática, também é comum a outros tra perspectiva? Pesquise alguns deles e amplie
povos, não apenas indígenas, pois qualquer grupo seus conhecimentos sobre o tema.
etnolinguístico tem uma conceitualização bem par- 3. Qual o papel do contexto social no desen-
ticular do mundo e uma semiotização específica do volvimento da linguagem?
universo conceitual. 4. O que você pensa sobre o conceito de gra-
mática universal e de gramáticas particulares?
É da natureza dos grupos étnicos sustentar especi- Pense sobre essas questões e amplie seus co-
ficidades culturais. Entretanto, ao mesmo tempo nhecimentos acerca da temática estudada.
em que mantêm essas especificidades, estabelecem Bom estudo!
com outros grupos humanos relações intercultu-
rais e interlinguísticas. Daí se sustentarem em suas
características axiológicas, mas sofrerem influên-
cias axiológicas de outras culturas. REFERÊNCIAS
BENVENISTE, Emile. Problemas de linguística
VOCÊ SABIA? geral I. Campinas: São Paulo, Pontes Editores,
nstitui ou diz respe
ito a 5 ed., 2005.
Axiológicas - Que co s
esta qualquer um da a
uma axiologia, sendo cio do séc ulo
partir do iní _____________. Problemas de linguística geral
teorias formuladas a
en tes à qu estão dos valores. II. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 1989.
XX concern

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que


O espanto do autor do artigo quanto ao que ele é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
denomina de “mistério dos pirahãs” dá-se pelo
fato de que o ponto de partida de nossas análises e _____________Português ou brasileiro? Um
julgamentos sobre o universo linguístico de outras convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001.
culturas é sempre o da nossa língua materna.
CARVALHO, Castelar. Para compreender Saus-
Diante disso, não se pode desconsiderar o princí- sure. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1990.
pio dos universais essenciais da linguagem, ou seja,
aqueles princípios e estruturas que estão na base FARACO, Carlos Alberto. Linguística histórica:
organizativa de qualquer língua. Assim, compre- uma introdução ao estudo da história das lín-
endemos que há universais enquanto processos de guas. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
conceitualizações, mas existem as especificidades
cognitivas específicas de cada etnia. FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dia-
lectologia no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994.
O campo de estudos da linguística ganhou novas (Coleção Repensando a Língua Portuguesa).
perspectivas a partir do pensamento de Chomsky.
Até os tempos atuais, as questões teóricas mais rele- FIORIN, José Luiz. (org.). Introdução à linguís-
vantes no universo da linguística têm sido levadas tica: objetos teóricos. São Paulo: Contexto,
a efeito a partir de reflexões acerca dos postulados 2002.
36 Capítulo 2

KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Trad.


Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições
70, 1969.

MORI, Angel Carbera. Fonologia. In: MUSSA-


LIN, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.)
Introdução à linguística: domínios e fronteiras.
São Paulo: Cortez, 2008, v. 1, p. 11 a 24.

MUSSALIM, F & BENTES, A. N. (orgs). Intro-


dução à linguística: domínios e fronteiras. São
Paulo: Cortez, 2001. Vl. 1 e 2.

_______________ (orgs.).Introdução à linguís-


tica: fundamentos epistemológicos. v. 3. São
Paulo: Cortez, 2004.

ORLANDI, Eni. O que é linguistica. São Paulo:


Brasiliense, 1986.

PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis de


fala. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1982.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística ge-


ral. São Paulo, Cultrix, 1998.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma


proposta para o ensino de gramática no 1º e
2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lin-


guística. (trad. Marcos Bagno) São Paulo: Pará-
bola Editorial, 2002.
3
Capítulo 3 37

A Língua em Sua
Forma, Função e
Variação: Questões
Sobre Formalismo,
Funcionalismo e
Variação Linguística
Prof.a Sônia Virgínia Martins Pereira
Carga Horária | 15 horas

Ementa
Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance
de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do
signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e
de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-
cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos
conteúdos.

Objetivos
Estudar as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisan-
do o percurso dessa ciência de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

Apresentação
Prezado aluno, prezada aluna

Mais uma vez, trazemos para você temáticas importantes que vão contribuir para
a ampliação de seus conhecimentos sobre a linguística e, também, para que com-
preenda como essa ciência se fortaleceu por meio de suas abordagens sobre a
língua e a linguagem.

Vimos, nos capítulos anteriores, perspectivas teóricas que são, pode-se dizer, ver-
dadeiros divisores de água na constituição do arcabouço teórico da ciência da lin-
guagem e que, em decorrência disso, merecem destaque em qualquer disciplina
que se proponha a descrever a história da linguística, como está estabelecida em
seu currículo do Curso de Letras a Distância da UPE.
38 Capítulo 3

Diante disso, neste capítulo 3, vamos dar continuidade aos estudos iniciados, refletindo sobre mais temas
importantes para a evolução da linguística, os quais, de alguma forma, trazem, de volta à cena, outros
já trabalhados, visto que, na evolução dessa ciência, raras são as questões respondidas por completo ou
totalmente ignoradas. Mesmo que tais questões fiquem por algum tempo estabilizadas, a ponto de não
despertarem grande interesse para pesquisa, elas tendem a voltar ao cenário de discussões.

Assim, neste material didático, estudaremos aspectos gerais da tendência funcionalista em contraponto
com os fundamentos estudados da tendência formalista dos estudos linguísticos. Embora esta última ten-
dência tenha predominado no século XX, há outras que conviveram ou entraram em concorrência com
ela, as quais têm contribuído para a ampliação dos conceitos sobre a língua. Dentre essas tendências, além
do funcionalismo, refletiremos sobre a variação linguística, tema imprescindível para a compreensão da
heterogeneidade e diversidade próprias dos usos concretos da língua.

Aproveite bastante!
Um abraço
Prof.a Sônia Martins

Temática 1 Desse trio, a primeira noção – sistema – é esta-


belecida por Saussure, para quem a língua é um
Formalismo vs Funcionalismo: sistema, o que prevê uma prioridade do todo em
Primeiras Noções relação aos elementos que o compõem, segundo
afirma Benveniste (1976), embora o termo sistema
O aspecto histórico-comparativo, visto no desen- tenha sido substituído, posteriormente, por estru-
volvimento das pesquisas lingüísticas no século tura visto que para se considerar a língua como a
XX, trouxe importante contribuição para a cons- constituição de um sistema, ou seja, conjunto de
tituição do campo de estudos da ciência da lin- elementos que se agrupam organizadamente, seria
guagem, especialmente pelos estudos de teóricos preciso ampliar a estrutura dessa língua. Esta foi a
neogramáticos como Humboldt. postura adotada na linguística a partir da publica-
ção do Curso, tendo sua primeira manifestação nos
estudos do Círculo Linguístico de Praga, a partir
VOCÊ SABIA? de 1928.
n-
alemão que trouxe co
Humboldt - Linguista inf lue n-
da linguagem e
tribuições à filosofia ia co mp ara -
nto da filolog
ciou o desenvolvime
tiva. VOCÊ SABIA?
-
de 1926, o Círculo Lin
primeiro linguista eu
ro- Fundado em outubro sen -
Reconhecido como o Escola de Praga de
guagem hu ma na co mo guístico de Praga ou
peu a identificar a lin década de 19 20 .
tem a go ve rna do por regras., sendo volveu–se no final da
um sis gra-
bases da teoria da e principais expoente
s
esta ideia uma das
nal de Ch om sky . No am Dentre os fundadores Ma -
mática transformacio cam- se: Trube tzk oi,
frequ ên cia , a de scr içã o do movimento, desta Ma r-
Chomsky cita, com son, Be nv en iste e
guagem como um sis te- thesius, Trnka, Jakob
de Humboldt da lin s”,
ini tos usos de meios finito tinet.
ma que “faz inf inf ini to de fra ses
núme ro
significando que um de
ser cri ad o, us an do um número finito
pode
palavras.
O Círculo Linguístico de Praga recebeu outras
Mas como já visto nos capítulos I e II, considera- influências além daquelas provenientes do estru-
se como o início da linguística moderna somente turalismo saussureano, que direcionava os estudos
com a publicação do Curso de Linguística Geral, linguísticos para a lógica interna do sistema da
de Saussure, em 1916. Então, a partir disso, o que língua. Tais influências vinham de Husserl, filó-
passa a caracterizar a evolução da linguista no sé- sofo alemão e, principalmente, da Gestalt, gerada
culo XX são as noções básicas de sistema-estrutura- a partir de seu frequente contato com o psicólogo
função. alemão Karl Buhler.
Capítulo 3 39

VOCÊ SABIA? 2. o papel assumido por um elemento estrutural


no processo comunicativo, ou seja, a função
mão funda-
• Husserl - Filósofo ale comunicativa do elemento.
en olo gia , um mé-
dor da fenom
o e análise
todo para a descriçã Os pesquisadores do Círculo de Praga adotaram
e método,
da consciência. Por ess a noção de função nos dois sentidos descritos e se
alc an çar uma
a filosofia tenta
rita me nte cie ntífica. focaram no que chamam de função-relação, pois
condição est
colocaram em destaque a relação do elemento
rem a pes-
• Gestalt - Ao se dispo com o sistema linguístico como um todo. Nessa
humana, al-
quisar a percepção visão de função como relação, existe a relação de
ale mã es deram
guns estudiosos determinado elemento estrutural com ou no inte-
co log ia da Gestalt.
origem à Psi
mo alemão rior de uma unidade estrutural mais ampla. Assim,
Sendo gestalt um ter
um sentido
sem tradução, com distingue-se função-relação de categoria, uma vez
ura , for ma, apa-
próximo de fig que este último termo não se refere a uma ordem
Tal do utr ina de fende a
rência. maior, mas descreve a entidade como portadora
o se pode
concepção de que nã das de propriedades. Entretanto, essa não é a carac-
o po r me io
conhecer o tod avés
sim as pa rte s atr terística marcante do funcionalismo praguense,
partes, e
resentantes
do conjunto. Os rep visto que apresentou uma noção teleológica de
ico log ia da ges-
mais ativos da ps função em que a língua é vista como um sistema
rt Ko ffk a, Wolfgang
talt foram Ku funcional, uma vez que é utilizada para um fim
er.
Kohler e Max Verteim
específico. Para Fontaine (1978) apud Kennedy e
o e psiquia-
• Karl Buhler - Psicólog Martelotta (2003), a definição de função para os
o qu e est ud ou os me-
tra alemã linguistas de Praga é o destaque à intenção do in-
ento e da
canismos do pensam terlocutor como a explicação “mais natural”, em
ou -se à psicolo-
vontade e dedic
ma . termos de análise linguística, pois a intenção é que
gia da for
fundamenta o discurso.

Pelo que estudamos nos capítulos anteriores, en-


Nessa relação com Buhler, o perfil da linguística tendemos que o estruturalismo manifestou-se sob
do Círculo de Praga apresentou-se diferente das várias correntes e, a depender delas, com aspectos
demais escolas estruturalistas europeias. Buhler foi variados a partir da perspectiva adotada por seus
o mentor filosófico da característica funcionalista seguidores. Dirven e Fried (1987), citados por
do estruturalismo de Praga, pois percebia a função Kennedy e Martelotta (2003), defendem que as
como elemento essencial da linguagem. Saussure variadas perspectivas estruturalistas que se apoiam
deixou de fora dos estudos linguísticos esse aspecto na concepção de linguagem de Saussure apresenta-
da função, quando propôs a dicotomia entre lan- vam variação também quanto à ênfase destinada à
gue e parole e tornou a primeira objeto de estudo significância da função em seus quadros teóricos,
da linguística. Com isso, foi tirado dos estudos lin- os quais são divididos em dois eixos:
guísticos o interesse sobre a influência que a estru-
tura gramatical poderia vir a receber de aspectos 1. o eixo formalista que destaca a forma linguísti-
pragmático-discursivos. ca, deixando a sua função em segundo plano;

Qual o Conceito de Função? 2. o eixo funcionalista que ressalta a função de-


sempenhada pela forma linguística no ato co-
Esse conceito recebe diferentes características a municativo.
partir da perspectiva de análise adotada, por isso
não há consenso sobre ele. Entretanto, apesar das No eixo formalista, tem-se a tendência à análise da
diferenças, os sentidos atribuídos ao termo, de al- língua como objeto independente, em que a es-
guma maneira, se relacionam quando enfocam: trutura é autônoma em relação ao uso que se faz
dela em situações interativas reais. A Escola de Co-
1. a dependência de um elemento da estrutura a penhague voltou-se bastante para essa tendência,
elementos de outra ordem ou domínio (estru- tendo a Dinamarca grande tradição nos estudos da
tural ou não estrutural); linguagem, uma vez que vários linguistas dinamar-
40 Capítulo 3

queses voltaram-se para a análise formalista, mas Temática 2


foi com Hjelmslev que esta tendência expandiu-se.
Nesses linguistas, via-se grande interesse filosófico Algumas Escolas Linguísticas de
e, principalmente, lógico nos trabalhos desenvol- Vertente Funcionalista
vidos.
Algumas escolas linguísticas europeias pós-saussu-
Para Hjelmslev (1975), a língua é “unidade encer- reanas do século XX aderiram às ideias funcionalis-
rada em si mesma, como uma estrutura sui gene- tas. A Escola de Genebra, representada por Charles
ris” e, por isso, não deve ser analisada como reflexo Bally, Albert Sechehaye e Henri Frei, sofreu mais
de um conjunto de acontecimentos não linguísti- fortemente influência de Saussure. Sechehaye re-
cos. Considerada nesses termos, portanto, a língua servou-se às ideias de Saussure, mas Bally renovou
adquire caráter abstrato e estático, por independer a estilística ao defini-la como o estudo dos aspectos
do ato de comunicação. afetivos da linguagem e dedicou-se a entender os
desvios que a fala impõe à língua. Isso porque não
O formalismo teve o descritivismo norte-america- existe divisão – ou não pode haver – entre esses
no como sua mais destacada expressão, tendo sido dois aspectos da linguagem, como defendem os
defendido por teóricos, como Bloomfield e Harris, funcionalistas. Frei voltou-se para a análise dos
dentre outros, mas sua aplicação mais radical deu- desvios da gramática normativa, que não são por
se no gerativismo e em seus sucessivos modelos. acaso, segundo seu pensamento e, sim, advêm da
Entretanto, mesmo a teoria gerativa tendo domi- própria necessidade de comunicação, o que deve
nado os estudos linguísticos, inclusive, com grande ser fonte de análise linguística. Frei promoveu a
tradição até nos tempos atuais, as ideias funciona- linguística funcional, que conjuga os fatos linguís-
listas mantiveram-se com força, uma vez que as ten- ticos a funções específicas relacionadas a eles.
dências gerativas alternativas, como a semântica
gerativa ou a gramática dos casos, configuravam-se Martinet foi influenciado por esse pensamento,
como um questionamento a determinadas propos- pelo fato de manter contato com os principais lin-
tas do paradigma formalista, oferecendo aspectos guistas de Praga, principalmente com Trubetzkoy.
semântico-formalistas em suas abordagens no estu- Martinet e Jakobson são os herdeiros principais da
do da língua. Escola de Praga no que diz respeito ao pensamen-
to linguístico internacional. Também as escolas de
No eixo funcionalista, concebe-se a língua como Londres receberam influência do funcionalismo,
instrumento de comunicação e, por isso, ela não pois com Halliday houve uma tendência a estudar
pode ser vista como objeto autônomo e, sim, como as línguas por um viés funcional. Mathiessen apud
sistema maleável subordinada às influências das si- Neves (1997) assegura que a gramática funcional
tuações comunicativas que ajudam sua estrutura de Halliday baseia-se no “funcionalismo etnográfi-
gramatical. co e no contextualismo de Malinowsky, desenvol-
vido nos anos 1920, além da linguística firthiana
da tradição etnográfica de Boaz-Sapir-Whorf e do
próprio funcionalismo estabelecido pela Escola de
SAIBA MAIS! Praga.
umas
Pesquise sobre alg
cen tra is do fun cio-
ideias Também o grupo holandês apresentou-se propenso
nalismo: à análise da língua a partir da ótica funcionalista.
l, de Segundo Neves (idem), isso influenciou a gramáti-
A gramática funciona
a de Mo ura ca de Dik, que trabalha com a ideia de que na lin-
Maria Helen
Neves. guagem, um fato relaciona-se com a sua causa. Para
ele, o funcionalismo interessa-se pelos processos li-
da lin-
A visão funcionalista gados ao êxito dos usuários de uma língua em sua
XX, de
guagem no século comunicação por meio de expressões linguísticas.
Martelot ta e Ar ea s.

Nos Estados Unidos, igualmente – apesar de a


linguística nesse país ter tido forte tendência for-
malista liderada por Leonard Bloomfield – apre-
Capítulo 3 41

senta certa adoção da vertente funcionalista, admitir “a existência de pensamento, ou qualquer


especialmente com Franz Boaz, que não exerceu estrutura mental organizada, preexistente à lingua-
influência, apenas, sobre o descritivismo, principal gem”, como asseguram Martelotta e Areas (2003).
corrente linguística dos Estados Unidos mas tam-
bém a tradição etnolinguística de Sapir e Whorf, No entanto, alguns pesquisadores questionam o
como também os trabalhos de Bolinger, Kuno, Del princípio da arbitrariedade do signo, pois compre-
Himes, Labov e tantos outros do ramo da etnolin- endem que as línguas são, em parte, arbitrárias e,
guística e da sociolinguística. De alguma forma, a em parte, icônicas (ou não arbitrárias). Quanto a
inclinação de alguns gerativistas, como Langacker essa não arbitrariedade, é importante destacar que
e Lakoff para a gramática cognitiva, podem ser ad- o próprio Saussure ressaltou que haveria exceções
mitidos como uma tendência funcionalista. em todas as línguas, em seu princípio da arbitra-
riedade do signo, mas não se debruçou em seus
Contrária ao formalismo, a linguística cognitiva estudos sobre elas.
tem, em seus fundamentos, que a significação não
se dá numa mesma relação entre símbolos e da- O problema da arbitrariedade ou não do signo lin-
dos de uma realidade de vida independente, mas guístico talvez se revele a partir da visão com que se
no fato de que as expressões linguísticas alcançam analisa esse signo. Se se observar a língua fora de
significado no contexto. Isso quer dizer que os con- seu contexto de uso, como assim o fazem os forma-
textos originam-se de padrões criados culturalmen- listas, o que se percebe é uma relação arbitrária en-
te. tre uma estrutura sonora e um significado. Por ou-
tro lado, quando se faz a análise voltada ao uso da
A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, língua, identifica-se a ocorrência de mecanismos
foi que o termo funcionalismo passou a descrever recorrentes que revelam um processo funcional de
uma linguística baseada no uso, cujo foco é anali- criar novos rótulos para novos significados ou re-
sar a língua a partir de seu contexto linguístico e ferentes. Mas esses novos rótulos não são criados
da situação extralinguística. Sobre essa perspectiva, arbitrariamente pelos falantes, pois estes utilizam
a sintaxe é uma estrutura em mudança constante, material disponível na língua, ampliando o senti-
pois decorre do discurso. Assim, ela adquire uma do de palavras.
forma em decorrência das estratégias discursivas,
utilizadas pelos usuários da língua na interação. A Ullmann (apud Kennedy e Martelotta, 2003) deno-
partir disso, para se entender o fenômeno sintáti- mina esses processos assim:
co, seria necessário estudar a língua em seus con-
textos de uso específicos, uma vez que a gramática • motivação semântica, que pode ocorrer em ex-
constitui-se no interior deles. pressões, como “céu da boca”, “boca da noite”,
ou na criação de novos termos pelo mecanis-
Para se compreender o que a linguística funciona- mo de derivação – “fazendeiro”, “ventilador”,
lista norte-americana propunha, uma das formas é “consumidor” etc.
observar o que Givón apud Kennedy e Martelotta
(2003) refuta em relação ao que considera os três Leia no poema abaixo o uso funcional do termo
dogmas principais do estruturalismo: a arbitrarie- boca, que mostra a não arbitrariedade entre a es-
dade do signo linguístico; a idealização da distin- trutura sonora e seu significado.
ção entre langue e parole; a rigidez da divisão entre
diacronia e sincronia. Quanto ao primeiro, pode- Bocas
se dizer que a doutrina da arbitrariedade do signo
separa o significante do significado, seu correlato Há muitas bocas falando
mental, destacando o signo e seu referente, os ter- ao mesmo tempo, confundem.
mos observáveis. Givón atribui essa separação à vi- umas dizem, cantando
são positivista e behaviorista do significado como outras, gritam, alarmando
referência externa. Essa visão deve-se, talvez, ao
Era a Boca do Mato
fato de os estruturalistas, especialmente os norte-
um local bem arejado,
americanos, trabalharem com entidades mentais fazia até frio, mas hoje,
vagas que não dão suporte para uma análise em- é do povo favelado.
pírica. Nisso, esses estruturalistas chegam a não
42 Capítulo 3

Boca de Ouro, na música órgão. Já a palavra “consumidor” refere-se a um in-


peça também de teatro, divíduo que se utiliza de ou consome um produto.
fez sucesso, mas ficou
para trás, lá no passado. A utilização desses mecanismos é bastante comum
entre os falantes, por atender a necessidades comu-
Boca de Leão, bela flor
no jardim é uma atração
nicativas e cognitivas, uma vez que o uso de termos
já foi tema de amor a partir de decisões arbitrárias empreenderia maior
e de muita inspiração. esforço, tanto do falante quanto do ouvinte. Entre-
tanto, há perda dessa motivação quando a mudan-
Boca do Inferno é um lugar ça do campo semântico desvia a palavra de sua ori-
onde se entranha pelo chão, gem etimológica. Veja exemplos de perda a partir
é profundo, é de estranhar, da mudança de significado das seguintes palavras:
devemos ter muita atenção!
• O vocábulo cortesã designava, apenas, a dama
Boca Livre, Boca Nova,
da corte, a que assistia na corte. Assumiu, ao
Boca Linda, Boca de Mel,
Boca de Anjo, Boca Mimosa
longo do tempo, o sentido de prostituta, como
há, também, Boca do Céu!
no filme de Misoguchi Oharu, a vida de uma
cortesã.
Valenciana/VicMag
http://recantodasletras.uol.com.br - acessado em 10/01/10
• O termo latino tempestas passou por vários sig-
nificados sucessivamente: momento do dia, esta-
O que se percebe na leitura do poema é que a utili- do atmosférico (tempo bom ou não) para se fixar
zação da palavra boca em diferentes expressões foi em tempo borrascoso, tempestade. O sentido pri-
motivada pelo sentido que o termo imprime em mitivo daquele termo ficou mantido na área
sua relação com o que se quer designar. Embora jurídica nas formas tempestivo (em tempo de-
na primeira estrofe, a palavra tome o seu aspecto vido, oportuno, adequado) e intempestivo (em
arbitrário, pois nomeia o órgão do corpo, sem ne- tempo indevido, inoportuno, inadequado).
nhuma relação entre o significante e o significado,
da segunda até a quinta estrofe, tem-se um recurso A ideia da não arbitrariedade do signo ganha mais
metalinguístico em que se explica que “boca do força para os funcionalistas no campo da sintaxe,
mato” é um local, ou que “boca de leão” é uma quando, por exemplo, se analisa a sequência de
flor, na qual se percebe o formato de uma boca, se ações a seguir: “acordei cedo, tomei café e fui traba-
bem que esta última informação não seja dita no lhar” e vê-se que as ações não foram organizadas
poema; ou ainda que “boca do inferno” também é aleatoriamente, mas que seguem uma certa ordem
um lugar, só que lúgubre, associando-se a ideia de que ocorre na realidade. Essa e outras tendências
lugar obscuro, fechado, próprio do órgão referido. que refletem alguma motivação e que ocorrem
paralelamente à arbitrariedade são chamadas de
• motivação morfológica, vista no surgimento iconicidade pelos funcionalistas. O princípio da
de palavras pelo processo de composição, tais iconicidade também tenta explicar outros aspec-
como “pernalta”, “guarda-chuva”. tos relacionados à sentença, tais como extensão,
ordenação e proximidade dos elementos linguísti-
• motivação fonética, caracterizada por ono- cos que a compõem, a depender de fatores “como
matopeias como “toc, toc”; “buaaá”, em que complexidade semântica, grau de informatividade
o elemento designado é imitado pelo som da dos referentes no contexto e proximidade semân-
palavra. tica entre conceitos”, como afirmam Martelotta e
Areas (2003).
A motivação desses três mecanismos vem do fato
de a palavra assumir forma própria por motivo de- VOCÊ SABIA?
dos
ticalização são dois
terminado. Por isso na expressão “céu da boca”, Iconicidade e grama
funcionalismo.
a palavra “céu” relaciona-se semanticamente com princípios centrais do
ão
o firmamento ou a atmosfera que denominamos dida como a correlaç
A iconicidade é enten o, isto
tre forma e funçã
como tal, por estar acima do solo que habitamos; natural e motivada en –e
o lin gu ístico – a expressão
por isso, o “céu” da boca é a parte superior deste é, entre o códig
nteúd o.
seu significado – o co
Capítulo 3 43

Saussure, ao estabelecer a dicotomia entre langue e nas suas relações no decorrer do tempo e sim
e parole, estabeleceu, também, diferença entre o para aspectos cognitivos e comunicativos presentes
essencial e o acidental, o regular e o fortuito, uma na ação do indivíduo, quando este participa de um
vez que para a análise lingüística, apenas os fatos ato comunicativo. Esses aspectos apresentam-se de
relativos à língua (langue) eram considerados, dan- forma universal, uma vez que trazem à tona as po-
do-se pouca atenção à fala individual. Da mesma tencialidades e limitações da mente humana para
forma Chomsky, com sua linguística gerativa, que reter e transmitir informações.
pouco se distancia do estruturalismo saussureano,
quando distingue competência de perfomance.
Essas duas concepções assemelham-se quando se VOCÊ SABIA?
ão
voltam, apenas, para a língua e anulam a fala, con- ltar para a diferenciaç
pancrônica - Ao se vo Sa us su re qu estio-
cro nia ,
siderando esta somente como manifestação das entre sincronia e dia o pan-
u se nã o ha ve ria lugar para um estud
potencialidades de um sistema que consideram no ud o qu e se volte
seja, est
independente. crônico da língua, ou e sej am co ns tan-
gerai s qu
para as leis e regras
tes na língua
Por outro lado, o funcionalismo dá destaque ao
discurso individual entendendo-o como o que dá
origem ao sistema linguístico. Sendo este caracte-
rizado como moldável e em transformação cons- Temática 3
tante, não se pode separar a langue da parole. Em
vista disso, o acidental ou casual próprio do dis- Variação Linguística –
curso – desconsiderado por Saussure – torna-se,
A Realidade das Línguas
na proposta funcionalista, a origem do sistema, a
fonte alimentadora do discurso.

Fonte: revistadeletras.wordpress.com/
Outra dicotomia estruturalista revista pelo funcio-
nalismo é a distinção entre sincronia e diacronia,
vistas como eixos separados e não-intercambiáveis.
No estruturalismo, cada um desses eixos deve li-
mitar-se a seu campo de aplicação e, por isso, eles
se tornam incompatíveis. No entanto, pesquisas
em gramaticalização demonstram que, simultane-
amente a fenômenos mutáveis ao longo do tempo,
se revelam aspectos que parecem perdurar no de-
Esta tira nos apresenta uma dentre as muitas varia-
correr da evolução das línguas. Ou seja, há uma
ções linguísticas do português do Brasil. Como fato
certa regularidade sobre os elementos linguísticos
social, a língua – não apenas a portuguesa, mas to-
de alguns processos de mudança, que do ponto
das elas – está sujeita a transformações que dizem
de vista histórico ou diacrônico, pode-se entender
respeito a fatores de ordem temporal, geográfica e
como uma sequência de transformações ocorridas
sócio-cultural. Esses fatores são classificados por
ao longo do tempo; por outro lado, de uma ótica
Coseriu (1980) como formas de variação diacrô-
sincrônica, entende-se como um conjunto de polis-
nica, diatópica, diastrática e diafásica. É absoluta-
semias que coexistem numa língua.
mente normal haver variação na língua(gem), uma
vez que ela é parte constitutiva do ser humano e
O que se percebe como tendência da linguística
sendo este mutável, os fenômenos linguísticos, que
funcionalista norte-americana é a ênfase nos me-
estão diretamente relacionados a ele, também o
canismos que contribuem para a mudança como
são. Isso implica dizer que todas as línguas sofrem
oriundos de fatores comunicativos e cognitivos.
mudanças, sendo impossível em uma comunidade
Isso no que se refere aos trabalhos sobre gramatica-
de falantes de uma mesma língua que esses usuá-
lização. Assim, diz-se que esse funcionalismo assu-
rios falem da mesma forma, mesmo sendo contem-
me uma concepção pancrônica de mudança (Saus-
porâneos, pois existem variedades linguísticas que
sure, 1973), visto que se volta não para as relações
caracterizam um mesmo estrato social, a exemplo
sincrônicas entre os elementos de uma língua ou
dos grupos humanos – homens, mulheres, idosos,
para as transformações ocorridas nesses elementos
44 Capítulo 3

jovens, crianças - ou grupos profissionais, como o dos juristas, dos economistas, dos jornalistas e outros.
Também, seria, no mínimo, estranho, se falantes deste século XXI falassem da mesma forma que os falan-
tes dessa mesma língua no século XVI.

O filme brasileiro Desmundo, de Alain Fresnot, uma produção do ano de 2003, ilustra perfeitamente a
questão da variação linguística, visto que o diálogo entre as personagens é feito a partir do português
falado no século XVI. Veja o que a matéria publicada pela Revista Superinteressante diz sobre o trabalho
realizado, para que se conseguisse reproduzir nesses diálogos o idioma utilizado pelos falantes da língua
portuguesa do século em que se iniciou a colonização do Brasil.

Como Antigamente
uma história passada
réi a ne ste mê s nos cinemas, retrata
O filme de Alain Fre
snot, que est ção é baseado no
no Bra sil. O idi om a utilizado na produ
colonização
nos primeiros anos da
.
português do séc. 16
rita? Em português
em qu e lín gua esta frase está esc nessa
Hemos chus drento en
no sertão . Sa be fundo pro sertão. É
ulo 16 . A fra se qu er dizer vamos mais mê s no s cin em as,
séc que estreia est e
mesmo. Português do , de Ala in Fre sn ot, r us ar a
o filme Desmundo ização do Brasil. Fre
snot optou po
língua que é falado iro s an os da co lon ra tan to, foi
nos prime Afinal, pa
uma história passada o. Opção difícil, essa.
da ép oc a pa ra da r realismo à produçã exi ste ma is.
linguagem gua que nã o
diálogos para uma lín
necessário adaptar os lo-
e a ele adaptar os diá
lin gü ista He lde r Fe rreira, da USP. Coub u du ro. Pri me iro
mãos do Helder trabalho
O trabalho caiu nas co mo um português de 1570. via gra va do res
a fal ar do que nã o ha
gos e ensinar os atores a. Tarefa inglória, da fia. Viu,
mo essa gente falav les por erros de gra
teve que descobrir co a esc rito s an tig os e pro cu rou ne
qu e as pessoas
recorreu a, sinal de
na época. O lingüista se esc rev ia duda, em vez de dúvid su jei to é chama-
ita s ve zes um documento, um
por exemplo, que mu sse jei to. Em e
nciavam a palav ra de gueses se xingavam
provavelmente pronu so bre a for ma co mo os antigos portu lug are s co mo
e diz muito foi além. Fez pesquis
as em
do de fideputa, o qu nas palavras. Helder
síla ba s qu e co mi am rai s. Co mo ess es cantos do Brasil são
sobre as , em Mi na s Ge
ntina e de Urucuia dos dos portugueses.
as regiões de Diama de falar arcaicos, herda
ns erv am jei tos
isolados, eles co de falar
da que criar um jeito
só o co me ço . O pesquisador teve ain e seu nív el so cial. Um
Deu trabalho. Mas foi o co m su a ida de, sua origem de
m do filme, de ac ord tudo isso, nu graum
para cada personage A tar efa seg uin te foi ensinar aos atores ler os diá log os
beças. não só de
verdadeiro quebra-ca e pe rm itis se qu e eles fossem capazes ar.
nd e qu rem im pro vis
profundidade tão gra as frases, para pode
m de criar suas própri
do roteiro mas també ndadas
esas que foram ma
o co nh eci da his tór ia das órfãs portugu an hia do s bro ncos
Desmundo conta a
pouc
dre nto en no sertão na comp
rainha para ire m pa ra mens casasse com m
ao Brasil a mando da rtu ga l qu eri a evitar que esses ho mas
desbravadores do pa
ís. A coroa de Po riosidade lingüística
a raç a. Va le, po rta nto, não só pela cu
raria
índias, o que degene
bé m pe lo co nte úd o histórico.
tam

FIDEPUTA filme
jeito como se fala no
Alguns exemplos do

Alpidovos Por favor


Axopra Me soltar
Ancianas Velhas
Sêenço Silêncio
Samicas talvez
Recevudas Recebidas
Lengoa Línguas
Assuã Couro ão 188 – maio 2003
Superinteressante – Ediç
Fideputa ...
Capítulo 3 45

O conteúdo da matéria apresenta alguns aspectos especialmente no que se refere à conservação de


que apontam para a variação linguística em dife- vocábulos em desuso pela maioria dos falantes do
rentes níveis. português do Brasil. Assim, houve a necessidade
de se ouvirem pessoas de dois municípios de Mi-
Quando o redator da matéria diz que houve a ne- nas Gerais, por serem locais isolados e, por isso,
cessidade de adaptar os diálogos do filme para uma ainda mantêm características de um falar arcaico.
língua que não existe mais, entende-se que essa língua Diante disso, pode-se entender que o aspecto geo-
mudou no curso do tempo, a ponto de determina- gráfico é um fator de variação linguística, seja pela
dos vocábulos e expressões dela não existirem mais distância que alguns lugares apresentam de centros
e soarem estranho para nós, falantes do português urbanos, seja por outras razões conjugadas àquele
do século XXI, ainda que essa língua seja o mesmo aspecto.
idioma oriundo do latim, retratado no filme em
destaque. Outro nível de variação linguística delineado na
matéria refere-se a aspectos, como faixa etária, ori-
Outro aspecto importante é o que coloca em re- gem e nível social das pessoas representadas pelas
levo a metodologia utilizada pelo linguista contra- personagens do filme. São distinções entre os di-
tado para trabalho de pesquisa sobre o português versos tipos de modalidade expressiva, que depen-
falado em 1570 – a coleta de dados em escritos dem das manifestações linguístico-discursivas de
antigos, datados desse período. Isso mostra a im- falantes condicionados àqueles grupos.
portância da escrita para o registro histórico dos
modos como os usuários da língua a usavam na- Foi ilustrada com a matéria da Superinteressante
quela época, visto que não se dispunha dos recur- a questão da variação linguística em alguns aspec-
sos de gravação presentes nos dias de hoje, para tos, a partir da língua portuguesa. Mas, como já
se registrarem os falares dos usuários. Nesse caso, dito no início desta temática, a variação linguística
a variação linguística pesquisada restringiu-se a de é um fenômeno de todas as línguas. Sendo assim,
determinados grupos de prestígio. a variação linguística é um fenômeno natural e
essencial à linguagem humana, pois é recorrente
O campo de estudo da linguística ganha em dina- em todas as línguas. A ausência de variação é que
micidade e se amplia, porque as línguas humanas deveria ser vista como algo incomum à realidade
não são estáticas; elas se alteram, sofrem transfor- das línguas.
mações continuamente no tempo, de forma len-
ta, sem que os falantes percebam o complexo jogo Dessa forma, entendemos que a língua é um siste-
dessa mutação e sem se darem conta de que estão ma em aberto que está em constante elaboração.
fazendo parte dele. Os usuários de uma língua, em Daí a forma natural com a qual devemos convi-
geral, só se apercebem dessas mudanças ao entra- ver com as variações em todos os seus níveis, pois
rem em contato com textos escritos antigos. FARA- elas são próprias desse sistema dinâmico. Existem
CO (1991) assegura que variações de ordem fonética, sintática, semântica
em todas as línguas. Isso ficou bem explicitado ao
“[...] Isso porque a língua escrita é normalmente mais con- lermos a matéria sobre o filme, que traz um resgate
servadora que a língua falada, e o contraste entre as duas da língua portuguesa numa perspectiva diacrônica.
pode nos levar a perceber fenômenos inovadores em ex-
pansão na fala e que não entram na escrita”. A língua não pode ser compreendida como um
produto ou mero instrumento de comunicação,
É importante ressaltar, também, que a linguagem mas como prática sociointerativa, pois ela é, antes
escrita está marcada, na maioria das vezes, por con- de tudo, uso. Por ser falada por pessoas de faixas
textos formais, o que dificulta, de algum modo, a etárias, gêneros, regiões, profissões e estratos sociais
aceitação de inovações na língua, diferentemen- diferentes bem como situações e épocas diferentes,
te da língua falada, que é muito mais propícia às ela necessariamente deve apresentar o fenômeno
transformações por ser caracterizada, mais predo- da variação linguística a fim de que continue viva.
minante, por contextos informais.
Na próxima temática, vamos estudar cada um dos
Interessante é o fato de que o trabalho de pesquisa níveis de estruturação da variação linguística.
buscou conhecer aspectos variacionais geográficos,
46 Capítulo 3

SAIBA MAIS!
o trabalho do lin-
e Desmundo e analise
Procure assistir ao film s do português do
r Fe rre ira em resgatar as forma
guista He lde s apontem equívocos
bo ra alguns pesquisadore
séc ulo XV I. Em guista, acusando-o
guês adotado pelo lin
com relação ao portu do que a época
po rtu gu ês muito mais arcaico
de adota r um a diacrônica, vale
dia , o tra ba lho , em basado numa pesquis
pe guesa.
sobre a língua portu
pelo resgate histórico

Temática 4 Temos, no Brasil. alguns casos bem evidentes de


variações diatópicas e tomamos como exemplos
A Variação Linguística nos Diversos disso: os vários falares caipiras do interior de São
Níveis de Estruturação: Paulo; o falar típico da área urbana da capital de
Variantes Diatópicas, Variantes Pernambuco; as diferenças de pronúncia e de voca-
bulário entre os falares do litoral e do interior do
Diastráticas, Variantes Diafásicas e
Nordeste; o sotaque tipicamente carioca; os falares
Variantes Diacrônicas
típicos do Rio Grande do Sul – e, dentre esses, os
falares das regiões de fronteira com Uruguai e Ar-
O prefixo dia – ‘através; através de, ao longo de,
gentina – e os falares esabelecidos em Santa Cata-
durante, por meio de, por, por causa de’ – foi to-
rina – incluídos nesses o falar da capital do Estado,
mado pela linguística estruturalista europeia para
Florianópolis –; os falares da região do Pantanal
designar os diferentes tipos de variação linguística
– englobando o Mato Grosso e o Mato Grosso do
especificados por diferentes vocábulos:
Sul – e os vários falares das diferentes regiões de
fronteira internas – Roraima, Mato Grosso e Mato
• diatopia/variações diatópicas – em função das
Grosso do Sul – e internacionais, onde se falam vá-
diferenças geográficas/regionais
rias línguas indígenas, o guarani – do Paraguai – e
até variantes locais do nhengatu colonial.
• diastratia/variações diastráticas – em função
dos estratos sociais

• diafasia/variações diafásicas – em função da


situação em que se encontram os interlocuto- VOCÊ SABIA?
er dizer
m tupi-guarani e qu
res Nhengatu é de orige sil, Colôm-
em partes do Bra
língua boa. É falada bra sile iro s dessa
falantes
• diacronia/variações diacrônicas (dia + kronos, bia e Venezuela. Os viv em na reg ião do
3 mi l e
língua são cerca de as .
«tempo») – em função das mudanças ocorridas Içana, no Amazon
Rio Negro, Vaupés e
ao longo do tempo

Vamos descrever cada um desses níveis e variação


linguística:
O jornal Aqui PE utilizou esse tipo de variação, pró-
pria do modo de falar de alguns grupos sociais per-
1. Variantes Diatópicas nambucanos para fazer seu anúncio. Foram usados
termos e expressões bem regionais, tais como perro-
As variantes diatópicas caracterizam as diversas nha (jogador ruim, perna de pau), mas igualmente
normas regionais existentes dentro de um mesmo outras que caracterizam falares do Brasil inteiro,
país e também no interior de um mesmo estado, como baranga, pelada, barraco, “rolou aquele cacete”,
como o falar goiano, o falar maranhense, o falar “tamo lá”. A criação do anúncio publicitário é de
pernambucano e, numa subdivisão dos falares exis- Guilherme Souza e James Williams, da Agência
tentes neste último estado, temos o falar dos reci- Gruponove.
fenses, o dos falantes do agreste, do sertão e outros. Veja como ficou interessante.
Capítulo 3 47

2. Variantes Diastráticas Além de serem consideradas variantes diastráticas,


as gírias podem representar outros tipos de varia-
Esse tipo de variação linguística pode ser perce- ção, especialmente a diacrônica, pois revelam o
bido em falantes de um mesmo idioma, mas que modo de falar de uma determinada época, como
apresentam peculiaridades no falar que destoam no exemplo das gírias do período da jovem guar-
da norma de prestígio de sua língua. Esse distan- da. Atualmente, as gírias utilizadas pelos mais jo-
ciamento da chamada norma culta pode revelar a vens são outras, e estas também cairão em desuso,
classe social à qual pertencem, o grau de escolarida- posteriormente, dando lugar a novas invenções
de que possuem, até mesmo a idade. Um exemplo linguísticas que dependerão do contexto sócio-
da variação linguística de faixa etária são as gírias histórico vivido.
adotadas pelos jovens, que, por meio dessa lingua-
gem especial, distinguem-se dos falantes adultos. É Foi dito que a variação social ou diastrática tam-
o que se pode perceber das gírias usadas no perío- bém pode revelar o nível de escolaridade ou a con-
do da Jovem Guarda, como podemos constatar no dição socioeconômica do usuário da língua. Leia a
quadro abaixo. letra da música de Adoniram Barbosa e analise as
variantes que nela se encontram, as quais remetem
aos fatos variacionais apontados.
As Gírias da Época da Jovem Guarda
As Mariposa
Além da maneira de vestir e do estilo dos (Adoniran Barbosa)
cabelos, a maioria imitando os Beatles, o
movimento criou novidades no processo de As mariposa quando chega o frio
comunicação, através das gírias que foram Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá
inseridas no contexto dos jovens, inclusive, al- Elas roda, roda, roda, dispois si senta
gumas permanecendo até hoje. Vejamos:
Em cima do prato da lâmpida pra discansá.
“barra limpa”, “é papo firme”, “chapa”, “o Eu sou a lâmpida
quente”, “carango”, “é uma brasa mora”, E as muié é as mariposa
“crista da onda”, “brasa viva”, “abafar”, Que fica dando vorta em vorta de mim
“goiabão”, “o bom”, “barato”, “avião”, Todas as noites, só pra mi beijá.
“pão”, “bicão”, “gatinha”, “bidu”, “brucu- - Boa noite, lâmpida!
tu”, “coroa”, “playboy”, “flertar”, “lenheiro”, - Boa noite, mariposa!
“é onda”, “transviado”, “acender”, “coruja”, - Pelmita-me oscular-lhe as alfácias?
“papo furado”, “lobo mau”, “mancada” “vem - Pois não, mas rápido porque daqui a pouco eles mi
quente”, “tremendão” e outras.
apaga.
dnstudio.blogspot.com/2007_09_01_archive.html – Adaptado.
Em Demônios da Garoa – Trem das Onze,
Chancecler, CMG – 2294-2, 1964
48 Capítulo 3

Como uma variedade especial da língua, a norma das as situações interativas, por isso não consegue
culta urbana corresponde ao modo de falar das ca- usar a língua materna da mesma maneira durante
madas sociais mais prestigiadas, daí ser esta moda- todo o tempo, havendo uma variação de estilos.
lidade a que está descrita nas gramáticas. O texto Tal variação resulta de fatores extralinguísticos,
As mariposa reproduz a fala popular, caracterizada, como formalidade, informalidade, contexto social,
nesse contexto, por diferenças de pronúncia, como ambiente, situação, interlocutor, dentre outros.
nos termos lâmpida, dispois, muié, entre outros. Ou- Além desses fatores, a utilização do idioma pelo
tro traço próprio da fala popular exposto pelo com- indivíduo se manifesta de acordo com o domínio
positor é a questão da concordância inadequada que ele tem dessa língua, decorrente de seu grau de
na maioria dos trechos do poema, que não atende escolaridade, de seus conhecimentos enciclopédi-
ao prescrito na gramática normativa, no que diz cos, de seu nível social, de seu campo de atuação
respeito às regras gerais da concordância nominal profissional etc.
e verbal:

As mariposa fica – roda – senta – apaga VOCÊ SABIA?


nado s
édicos - Também denomi
Conhecimentos enciclop s, referem- se a conhecimen-
prévio
As muié é – fica – apaga como conhecimentos ruturas cog-
o ind iví du o já incorporou às suas est
tos que no mu ndo social,
ões interacionais
Entretanto, estudos variacionistas apontam que nitivas em suas relaç an ça , na s ati vidades de
, na vizinh
na família, na escola iridos tanto for-
existe uma lógica linguística subjacente à forma ecimentos são adqu
lazer etc. Esses conh de aprendiza-
das várias situações
como são realizadas essas expressões alheias à nor- malmente, por meio
almente.
ma gramatical, pois, no caso da concordância as gem, quanto inform
mariposa ou as muié, por exemplo em que, por um
princípio de economia linguística, não se precisa- Esse grau de variação linguística está relacionado
ria pluralizar os dois elementos da frase, uma vez ao que Dell Hymes (1984) denomina de compe-
que pluralizando um, no caso das expressões des- tência comunicativa, sendo esta produto da capaci-
tacadas, o primeiro elemento, não há necessidade dade que o indivíduo tem de variar seu estilo con-
da pluralização do segundo, pois o plural deste já forme os fatores que podem alterá-lo: interlocutor,
estaria implícito no anterior. objetivo, contexto social etc. Conjugado a essa
variação, está o conhecimento armazenado, o lé-
No final do texto, ao colocar o verso - Pelmita-me xico utilizado pelo indivíduo, que é formado pelo
oscular-lhe as alfácias? o autor reproduz, ironicamen- vocabulário comum à sua comunidade linguística
te, um modo rebuscado de falar. Assim, a letra da e seu vocabulário especial, como gírias e jargões de
música nos proporciona uma pequena amostra- que faz uso em seu cotidiano, a depender do grupo
gem sobre a variação linguística no nível de estru- social e profissional a que pertence.
turação diastrática.

3. Variantes Diafásicas
NOSSO CAPITAL DE
CONHECIMENTO PERMITE
A variação diafásica refere-se ALAVANCAR UM ECOSSISTEMA
às diversificadas situações dis- DE PARCEIROS PARA AMPLIAR O
VALOR AGREGADO NAS
cursivas das quais os falantes AÇÕES ESTRATÉGICAS COM
participam. Os falantes ajus- FOCO NO CLIENTE.

tam a sua utilização da língua


TRADUÇÃO EM PORTUGUÊS:
às exigências determinadas “Nossa experiência será usada
por cada ato discursivo – re- em parceria com outras empresas
para conquistar mais clientes.”
gistro formal ou informal; fala
Fonte: adminhavida.wordpress.com

cuidada ou corrente, familiar;


oral ou escrita. É natural que o
próprio indivíduo varie o uso
que ele faz da língua. Ele não
tem um padrão de “bem usar a
língua” que seja ideal para to-
Capítulo 3 49

Nenhum falante tem um estilo único, por isso a a) no som/pronúncia


atividade linguística, observada nos vários contex- É notório que a pronúncia dos sons de algu-
tos em que se realiza, varia de um estilo informal a mas palavras do português brasileiro foi alte-
um estilo mais formal, a fim de adaptar-se a tipos rada, mesmo que elas ainda sejam grafadas
específicos de situações. Daí o vocábulo diafásico como se nenhuma alteração tivesse ocorrido.
referir-se às diferenças de estilo verificadas em um Exemplos disso são as palavras com ditongo na
mesmo indivíduo, em decorrência dos contextos sílaba tônica, tais como besouro, queijo, madeira
situacionais com os quais se envolve. Entretanto, que não são mais pronunciadas com o ditongo
tem-se utilizado mais frequentemente o termo re- pela maioria dos falantes brasileiros.
gistro, numa referência à variedade linguística de
acordo com o uso, em vez de estilo, principalmente b) na flexão e na derivação
quando se leva em consideração a perspectiva da Os vocábulos pão, cão, leão, dentre outros, são
Sociolinguística. Os registros são observados, por exemplos desse nível de variação, uma vez que
exemplo, entre a modalidade oral e a modalida- no latim seus radicais terminavam com a con-
de escrita; entre o modo de falar familiar, íntimo, soante nasal (-n-), sendo grafadas como pan,
cotidiano e um modo mais formal em situações can, leon, seja quando usadas de forma autô-
públicas; entre linguagem corrente corriqueira e noma, seja como base de derivação – leon-inus,
linguagem literária etc. pan-arium, can-inus. No português, o til passou
a marcar a nasalização do ditongo nessas pala-
Nisso, aplica-se o que Dell Hymes (idem) assegura vras, em sua forma autônoma, mas foi manti-
sobre competência comunicativa, visto que é por da a base de derivação do latim: cão – canino;
meio dessa competência que o usuário da língua pão – panificar; leão – leonino.
revela sua capacidade de escolha do registro a ser
utilizado em função do interlocutor, do ambiente c) nos padrões de estruturação da frase
ou da situação imediata em que se encontra. Para Há, por exemplo, diferenças sintáticas entre a
ser bem sucedido no processo de escolha, o falante língua portuguesa falada no Brasil e a falada
tende a aceitar algumas convenções sociais de sua em Portugal. Em nosso país, essas diferenças
comunidade bem como as restrições gramaticais são perceptíveis na colocação peculiar dos
que embasam as diversas variedades da língua, per- pronomes oblíquos, no uso da preposição em
cebendo e usando enunciados, não apenas como com verbos de movimento – chegar na; ir na;
realidades linguísticas mas também como realida- emprego do verbo ter em lugar de haver.
des socialmente apropriadas. Talvez resida nisso
uma das razões que torna a variação linguística d) ao nível dos significados
fundamental, pois, como realidade socialmente Como exemplo deste nível de variação, po-
apropriada a um determinado contexto, a língua demos citar a palavra adubo. No português
não é apenas um sistema abstrato, mas concreti- arcaico, este termo significava tempero. No por-
za, assim, a sua dimensão enunciativa. Isso porque tuguês brasileiro contemporâneo, escolhemos
fatores, como faixa etária, sexo, grau de instrução, do dicionário eletrônico Houaiss duas acep-
condição socioeconômica, sentimento de solida- ções:
riedade e empatia entre os interlocutores etc., es- substantivo masculino
tão relacionados com os interlocutores de alguma 1. Rubrica: agricultura.
conversa ou evento de fala que ajusta a língua à conjunto de resíduos animais ou vegetais,
situação concreta de uso. ou produto mineral ou químico, que se
mistura à terra para fertilizá-la ou regenerá-
4. Variantes Diacrônicas la
2. condimento us. em iguaria para dar-lhe sa-
A Linguística Histórica domina o estudo deste tipo bor especial; tempero
de variação, buscando analisar os processos de mu- Embora a segunda acepção remeta ao sen-
dança ocorridos nas línguas, no curso do tempo. tido arcaico do termo, não mais se reco-
Essas mudanças nunca são bruscas, havendo geral- nhece no português usado hoje no Brasil
mente um período de transição entre um estágio o significado de adubo como tempero.
e outro. As mudanças diacrônicas podem ocorrer: Nisso, o significado 2 do Houaiss está pra-
ticamente fossilizado, podendo ser consi-
50 Capítulo 3

derado um arcaísmo semântico.

e) pela introdução de novas palavras


(neologismos e estrangeirismos)
As palavras do campo da informáti-
ca ou aquelas incorporadas na língua
com o advento da Internet e que, ge-
ralmente são termos em língua ingle-
sa, tornaram-se parte do vocabulário

Fonte: https://4.bp.blogspot.com
de algumas línguas – os chamados es-
trangeirismos – e isso, de alguma ma-
neira, resultou em mudanças nelas.
Da mesma forma, os novos termos
que surgem – os neologismos – tam-
bém imprimem variações nas línguas,
que, assim, vão se renovando.

Os fatores de variação podem ser: nidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP):


Brasil, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Prínci-
a) internos à língua – pelo desaparecimento de pe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-
oposições que não se revelem funcionais; pela Leste. Todos são antigas colônias de Portugal.
prevalência do princípio da economia, que
tende a eliminar redundâncias; pela introdu- Atividade | Algumas reflexões finais:
ção de novos elementos com a função de tor- Diante das temáticas estudadas, reflita sobre
narem a comunicação clara e não ambígua; as seguintes questões:
1. Qual a importância do debate sobre for-
b) externos à língua – relativos a mudanças polí- malismo e funcionalismo para os estudos lin-
ticas e sociais, por exemplo, a criação de fron- guísticos na atualidade?
teiras políticas, que é cumulativa à criação de 2. Em que sentido, é tomado o conceito de
fronteiras linguísticas. funcionalismo pelos pesquisadores do Círculo
Linguístico de Praga?
A questão do Acordo Ortográfico da Língua Por- 3. Que proposições são trazidas pelo funcio-
tuguesa, que prevê a padronização das palavras en- nalismo norte-americano para a ampliação dos
tre os países lusófonos, exemplifica um dentre os estudos desta perspectiva teórica?
fatores externos à língua que estimulam a variação 4. Pesquise sobre os diferentes tipos de varia-
linguística. Esse Acordo pode descrever uma mu- ção linguística que podem ocorrer nas línguas
dança político-social vivenciada pela língua portu- e compreenda a como esse fenômeno contri-
guesa no âmbito dos países que a têm como língua bui para a evolução delas.
oficial.
Fonte: www.ncpam.com/2008_09_01_archi-

APROFUNDE SUAS PESQUISAS E


BOM ESTUDO!
ve.html

Essa reforma ortográfica vem sendo discutida des-


de 1990 por representantes de nações da Comu-
Capítulo 3 51

REFERÊNCIAS

COSERIU, Eugenio. (1967). Sistema, norma y


habla. In: Teoria del lenguaje y lingüística ge-
neral. Madrid: Gredos, p.11-113.

COSERIU, Eugenio. (1980). Lições de linguísti-


ca geral. Rio de Janeiro: Presença, 129p.

Dell HYMES, H. (1984). Sur la competence de


communication. Paris: Gallimard.

FARACO, Carlos Alberto. (1991). Linguística


histórica. São Paulo. Ática.

HJELMSLEV, Louis. (1975). Prolegômenos a uma


teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva.

HYMES, D. (1971). Competence and perfor-


mance in linguistic theory – Acquisition of lan-
guages: Models and methods. Ed. Huxley and
E. Ingram. New York: Academic Press. 3-23.

KENNEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. (2003). A


visão funcionalista da linguagem no século XX.
In: Maria Angélica Furtado da Cunha; Mariân-
gela Rios de Oliveira; Mario Eduardo Toscano
Martelotta (orgs.) Linguística funcional: teoria e
prática. Rio de Janeiro, DP&A/Faperj. V.; p. 17-
28.

MARTELOTTA, M. E. T; AREAS, E. (2003). A vi-


são funcionalista da linguagem no século XX.
In: Cunha et al. Linguística funcional: teoria e
prática. Rio de Janeiro: DP&A.

NEVES, M. H. M. (1977). A gramática funcio-


nal. São Paulo: Martins fontes.

SAUSSURE, F. (1973). Curso de linguística ge-


ral. São Paulo: Cultrix.
4
Capítulo 4 53

A Perspectiva
Pragmática:
A Linguagem
Como Ação

Prof.a Sônia Virgínia Martins Pereira


Carga Horária | 15 horas

Ementa
Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance
de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do
signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e
de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-
cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos
conteúdos.

Objetivos
Estudar as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisan-
do o percurso dessa ciência de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

Apresentação
Finalizamos nossa série de estudos nesta disciplina com o capítulo 4 apresentan-
do para você alguns dos fundamentos da pragmática e sua instigante preocupa-
ção de analisar os fenômenos observados na língua em uso.

A pragmática ainda é uma ciência jovem, com ampla fronteira abarcada por seus
objetos e métodos e com muitos estudos e possíveis reformulações de concei-
tos passíveis de reformulações. Daí sua importância como ciência que se mostra
ainda em fase de consolidação e também de aceitação inquestionável no meio
científico.

Como suporte para os estudos realizados neste capítulo, trazemos as principais


correntes teóricas e autores que têm sido referência para os estudos pragmáticos
desde os seus primórdios, mesmo que na atualidade alguns desses autores este-
jam sendo colocados em abordagens autônomas, independentes da pragmática.
54 Capítulo 4

Dessa forma, pretendemos lhe oferecer uma iniciação aos estudos da pragmática e uma pequena, mas
eficaz referência para que compreenda os conceitos implicados nela, os quais são imprescindíveis para sua
formação acadêmica, pois, apesar de ser uma ciência pouco explorada no universo acadêmico, a pragmá-
tica está em evolução e prova que pode funcionar como ferramenta imprescindível para diversas áreas de
estudo das teorias linguísticas.

Aproveite! Bons estudos!


Um abraço,
Prof.a Sônia Martins

Temática 1 5. Rubrica: termo jurídico.


regra ou conjunto de regras relacionadas com
Pragmática: Do Que se Trata? a prática social e jurídica, em oposição a pala-
vras e fórmulas; praxe
Independentemente dos contextos em que se apli-
ca o termo pragmática, em geral, na linguagem cor- 6. Rubrica: linguística.
riqueira, é comum se relacionar o vocábulo a um A parte da teoria do uso linguístico que estu-
de seus sentidos restritos voltado, especialmente, da os princípios de cooperação que atuam no
para o significado de objetividade. relacionamento lingüístico entre o falante e o
ouvinte, permitindo que o ouvinte interprete
O Dicionário Eletrônico Houaiss apresenta sete o enunciado do seu interlocutor, levando em
acepções para a palavra, de campos semânticos di- conta, além do significado literal, elementos
versificados, mas o que mais interessa para os estu- da situação e a intenção que o locutor teve
dos propostos neste capítulo é o sexto significado ao proferi-lo (p.ex.: o enunciado você sabe que
por estar voltado para a área da linguística. horas são? pode ser interpretado como um pe-
dido de informação, como um convite a que
Esse termo origina-se do grego pragma e designa alguém se retire etc.)
coisa, objeto assinalando algo feito produzido.
7. Rubrica: semiologia.
Leia os verbetes do dicionário expostos a seguir. parte da semiótica que estuda as relações cau-
sais (entre outras) entre as palavras, expressões
ou símbolos e seus usuários
Pragmática
Além do termo pragmática, outros derivados dele
Substantivo Feminino formam um amplo campo de significações que
dão ideia do que se propõe a estudar a Pragmática
1. Diacronismo: antigo. como área autônoma.
toda e qualquer lei diferente do direito ou or-
denança real O primeiro desses termos é pragmaticismo que re-
mete à doutrina filosófica do norte-americano
2. conjunto de normas ou determinações que de- Charles Sanders Peirce. Com sua doutrina Peir-
vem ser seguidas nas cerimônias palacianas ou ce influenciou outros filósofos a partir de suas
religiosas ideias sobre a tríade pragmática, a saber a relação
signo-objeto-interpretante, uma teorização sobre a
3. (1899) protocolo diplomático ou social; eti- linguagem numa proposta de considerar, além do
queta signo, a que ele remete e, especialmente a quem
significa. É perceptível pelo diagrama abaixo, essa
4. conjunto de considerações práticas (sobre chamada relação triádica de Peirce:
algo) Ex.: a p. de como passar no vestibular
Capítulo 4 55

PRODUTOR DE SIGNOS

OBJETO
A SER SIGNO
DENOTADO

INTÉRPRETE

INTERPRETANTE

SIGNO OBJETO

Segundo Ogden & Richards (relação triádica de (1839-1914, filósofo, matemático e físico es-
signo): tadunidense), que adotou essa denominação
(em 1905) para distinguir sua filosofia prática
Interpretante: é um segundo signo, equivalente a do pragmatismo de William James (1842-1910,
si mesmo ou, eventualmente, um signo mais de- psicólogo e filósofo estadunidense)
senvolvido, criado na mente do receptor.
Também o vocábulo pragmaticista refere-se à filoso-
Signo: é o que representa algo a alguém sob algum fia de Peirce caracterizando o que é relativo a essa
aspecto; filosofia ou quem a segue.

Objeto: é a coisa representada pragmaticista

Em seu pragmaticismo, Peirce advoga que os fe- Adjetivo e Substantivo de Dois Gêneros
nômenos experimentais são os únicos capazes de
afetar a conduta humana, pois a soma desses fe- Rubrica: filosofia.
nômenos implicados numa proposição constitui o 1. m.q. pragmatista
alcance da conduta humana.
2. relativo ao pragmaticismo de Charles Sanders
Pragmaticismo Peirce (1839-1919, filósofo, matemático e físi-
co estadunidense) ou adepto deste.
Substantivo Masculino
Pragmático
1. m.q. pragmatismo
Adjetivo
2. Rubrica: filosofia.
doutrina filosófica de Charles Sanders Peirce 1. Rubrica: termo jurídico.
56 Capítulo 4

que interpreta as leis nacionais (diz-se de juris- vimentos dos corpos celestes eram impostos no cosmo de
ta) fora para dentro: a esfera mais externa era a morada da
sua versão de Demiurgo, o “Que Move Sem Ser Movido”,
responsável pelo movimento inicial que se propagava atra-
2. que contém considerações de ordem prática
vés do cosmo como as engrenagens de um relógio. Com
(diz-se de ponto de vista, resolução, modo de
isso, Aristóteles oferecia uma solução pragmática para o
pensar etc.); prático, realista, objetivo problema da Primeira Causa: como surgiu o mundo e seus
movimentos.(...)
3. relativo, pertencente ou pertinente à pragmáti- Adaptado.
http://marcelogleiser.blogspot.com/2007/07/entre-razo-e-o-
ca pragmatismo-representao.html - acessado em 22/01/2010.

4. voltado para objetivos práticos; realista, objeti-


vo
VOCÊ SABIA?
5. que sacrifica princípios ideológicos para a con-
sileiro, professor
secução de objetivos a curto prazo (diz-se de Marcelo Gleiser é bra
rtmouth College,
de física teórica no Da
indivíduo, partido político, política etc.) e autor do livro A
em Hannover (EUA)
harmonia do mundo.
6. concernente à ação e ao bom êxito de algum
empreendimento

7. que aborda os fenômenos históricos com uma Pragmatismo


especial referência a suas causas, antecedentes,
condições e conseqüências Substantivo Masculino

8. relativo ou pertencente a negócios comunitá- 1. Rubrica: filosofia.


rios ou de Estado ênfase do pensamento filosófico na aplicação
das ideias e nas consequências práticas de con-
9. Rubrica: filosofia. ceitos e conhecimentos; filosofia utilitária
relativo ou pertencente ao pragmatismo
2. Rubrica: filosofia.
Leia a seguir um trecho do artigo do físico Marcelo corrente de ideias, que prega que a validade
Gleiser em que ele se apropria de alguns dos ver- de uma doutrina é determinada pelo seu bom
betes expostos. êxito prático [É esp. aplicado ao movimento fi-
losófico norte-americano baseado em ideias de
Entre a Razão e o Pragmatismo Charles Sanders Peirce (1839-1914) e William
Marcelo Gleiser James (1842-1910).]
Obs.: cf. ativismo, humanismo e naturalismo
(...) Ao propor aos seus pupilos que estudassem os céus,
Platão lançou um desafio: que todos os movimentos dos 3. Rubrica: filosofia, linguística.
astros celestes, criados pelo Demiurgo- a inteligência cria- dentro do pensamento de Charles S. Peirce,
dora do cosmo - , fossem explicados em termos de círculos afirmação de que o conceito que temos de
e suas inter-relações. Esse desafio inspirou a astronomia um objeto é a soma dos conceitos de todos
por dois milênios. A filosofia de Platão reverenciava a ge-
os efeitos decorrentes das implicações práticas
ometria e a razão acima da percepção sensorial das coisas.
(...) Considerado por muitos o filósofo mais influente da
que podemos conceber para o referido objeto;
história, ele era um pragmático, que acreditava no poder
pragmaticismo
da lógica e do bom senso para construir uma explicação da
realidade conforme captada pelos sentidos. (...) 4. consideração das coisas de um ponto de vista
prático; tratamento prático, não dogmático ou
A explicação de Aristóteles para a gravidade ilustra bem sua sumário das coisas
filosofia pragmática: as coisas caem, pois querem voltar ao
seu lugar de origem. Uma pedra, se largada de uma certa 5. tratamento dos fenômenos históricos com
altura, cai verticalmente. Já o fogo sobe, pois quer ocupar referência especial às suas causas, condições,
as partes superiores da atmosfera. Para Aristóteles, os mo- antecedentes e resultados
Capítulo 4 57

O verbete pragmatismo empregado abaixo adere De forma geral, pode-se definir, do seguinte modo,
ao sentido de algo voltado para a prática: as relações que cada uma dessas dimensões dos es-
tudos da língua abrange:

Gabeira na sabatina da Folha • Sintaxe: relações entre signo


FOLHA DE SÃO PAULO - 19/09/2005

O deputado federal Fernando Gabeira • Semântica: relações entre signo e seus objetos
(PV-RJ) afirmou hoje, durante sabatina
da Folha, que as próximas eleições serão • Pragmática: relações entre signo, seus objetos
muito mais “realistas”, sem a presença
e seu interpretante
de “grandes líderes”. “A tendência, ago-
ra, é de pragmatismo”, disse ele. “Não
há mais salvadores. Há processos de re-
cuperação, mas sem características mes-
siânicas”, afirma.
I
http://www.gabeira.com.br/todas-entrevistas/113-
gabeira-na-sabatina-da-folha acessado em 24/01/2010

Especialmente quanto aos termos pragmatismo e S O


pragmaticismo, ao que parece, há uma remissão do
uso para pragmatismo. De um modo geral, enten- SINTAXE
de-se que o pragmaticismo é a redenominação do
pragmatismo de Peirce, uma vez que pragmatismo I
foi utilizado no final do século XIX pelo filósofo
William James numa conferência atribuindo sua
autoria a Peirce. Entretanto, já no início do século
do XX, o termo foi rejeitado por Peirce, que, a par-
S O
tir de então, passou a usar o vocábulo pragmaticis-
mo para estabelecer diferenças entre sua filosofia e
a de William James. Em ensaio próprio, datado do
ano de 1905 – What pragmatism is – em que toma SEMÂNTICA
o vocábulo pragmaticismo como o mais adequado
para a sua teoria, Charles Peirce expõe sobre a ética
da terminologia, discorrendo sobre a importância I
de uma terminologia mais precisa.

Foi Charles Morris quem dividiu os estudos lin-


guísticos em sintaxe – o estudo da gramática, da S O
ordenação de palavras que constituem as frases de
uma língua; semântica – estudo do significado, em-
bora esse conceito se mostre ainda bastante con-
troverso; e em contraposição às duas concepções
PRAGMÁTICA
anteriores, a pragmática – o estudo dos usos dos
enunciados linguísticos em práticas sociais diver-
sificadas.
O diagrama acima expõe o que prevalece em cada
domínio de estudo. Assim, entendemos que pela
VOCÊ SABIA? via da sintaxe, há o predomínio do signo sobre o
no que
ósofo norte-america interpretante e sobre o objeto. Na semântica, já se
Charles Morris - Fil tes do
às dos representan
conjugou suas ideias lig ad os ao passa a focalizar a relação entre signo e objeto sem
dos pensadores
empirismo lógico e da áre a da sem ió- prevalência de um sobre o outro e, na pragmática,
udos são
pragmatismo. Seus est nio s da an áli se da lin- incluem-se os três aspectos como importantes para
s domí
tica e distinguiram trê ático.
em : o sin tát ico , o semântico e o pragm a análise dos usos linguísticos.
guag
58 Capítulo 4

É importante destacar a confusão didática que tem Um aspecto importante a se destacar quanto à
sido gerada em relação aos conteúdos abarcados definição do objeto de estudo da pragmática é a
pela semântica e pela pragmática. Isso decorre do questão de que são tão numerosos e diversificados
uso bastante comum do termo pragmática – que, os fenômenos decorrentes da linguagem em uso,
em geral, utiliza-se como adjetivo e toma-se como que a seleção desses fenômenos depende da pers-
sinônimo de prática – e de seus derivados, como pectiva teórica adotada pelos pesquisadores, daí a
constatamos anteriormente aqui neste trabalho. grande influência da filosofia e de determinados
Nisso se tende a confundir o estabelecimento de grupos filosóficos como critério para a escolha de
valores semânticos com inferências de valor prag- objetos e métodos, o que dá origem a diferentes
mático. abordagens nos estudos pragmáticos.

Para se estabelecer a fronteira entre a semântica e São estas as três correntes principais da pragmáti-
a pragmática, usa-se a noção de contexto, enten- ca:
dendo-se, porém, que as significações linguísticas,
a priori, independem do contexto, mas as significa- • o pragmatismo americano, que tem como base
ções pragmáticas emergem deste. os trabalhos de William James e sua perspecti-
va semiológica.
O vocábulo pragmática foi proposto por Morris
para designar uma das três dimensões do signo, • a teoria de atos de fala, produzida por John
numa perspectiva behaviorista. Austin, a partir de doze conferências proferi-
das por ele na Universidade de Harvard, nos
Assim, numa perspectiva do domínio da linguísti- Estados Unidos, em 1955 e publicadas depois
ca, a pragmática é o estudo da linguagem em uso e, de sua morte, em 1962.
por isso mesmo, um campo privilegiado dos estu-
dos sobre a linguagem humana. • os estudos da comunicação que se voltam para
as relações sociais e a influência exercida por
estas na prática linguística.
Temática 2
Quanto aos teóricos que são referência para os
Natureza e Objeto da Pragmática e a
estudos pragmáticos, além dos já citados nas três
grandes correntes teóricas, temos Ducrot, Benve-
Teoria dos Atos de Fala
niste e Grice, ainda que atualmente sejam coloca-

dos em campos de estudos e métodos independen-
Entendermos que a pragmática estuda o uso con-
tes da Pragmática.
creto da linguagem com o foco no que os usuários
fazem em suas práticas linguísticas e, em decor-
Por apresentar elementos importantes para o estu-
rência disso, analisa os elementos condicionantes
do proposto neste capítulo, será dado destaque, a
dessas práticas. Pinto (2009) assegura que aqueles
seguir, à teoria dos atos de fala em seus aspectos
que se voltam para os estudos pragmáticos inten-
gerais.
tam explicar antes a linguagem do que a língua.
Esse posicionamento coloca-se contrário à clássi-
A teoria dos atos de fala nasceu no interior da filo-
ca dicotomia saussureana língua X fala, em que a
sofia da linguagem, no início da década de 1960,
fala é subtraída da linguagem para a constituição
a partir de estudos de filósofos da Escola Analíti-
da língua como objeto de estudo da linguística. A
ca de Oxford, dentre eles, John Langshaw Austin
pragmática absorve também a fala nos estudos da
(1911-1960), Jonh Roger Searle (1932-) e outros,
linguagem para que a análise da língua seja feita a
que concebiam a linguagem como uma forma de
partir de sua produção social e nunca isolada des-
ação. Para esses filósofos, todo dizer é um fazer
ta. Dessa forma, são imprescindíveis os conceitos
e, a partir desse pressuposto, passaram, então, a
de sociedade e de comunicação – e neles se inclui
estudar os diversos tipos de ação humana que se
o falante da língua, desprezado pelo estruturalismo
realizam por meio da linguagem, os quais denomi-
– para se entender a natureza e o objeto daquela
naram de atos de fala.
abordagem teórica.
Austin (apud SILVA, 2005) estabelece critérios
Capítulo 4 59

para definir o caráter performativo da linguagem; Esses enunciados ao serem proferidos executam a
em outras palavras, o poder que a linguagem tem, ação denotada pelo verbo, realizam atos – de con-
através dos atos de fala, de praticar ações. Ele esta- denar, de casar, de abrir uma sessão. É nesse sen-
belece, inicialmente, dois tipos de atos de fala: os tido que todo dizer é um fazer, pois um padre, por
enunciados performativo e constativo. exemplo, dizer eu vos declaro marido e mulher não é
informar aos noivos sobre o casamento deles, mas
casá-los, torná-los oficialmente marido e mulher,
pelo menos perante as leis religiosas.
VOCÊ SABIA?
Ressalte-se, entretanto, que só o fato de se profe-
rir um enunciado performativo não se estabelece
ford - O que carac-
Escola Analítica de Ox como garantia de que ele seja realizado, pois é pre-
ssa Escola é a análise
teriza os filósofos de ciso que as circunstâncias em que esse enunciado
agem sob uma inter-
minuciosa da lingu é proferido sejam adequadas para que ele seja bem
pretação literal.
sucedido; ou seja, a ação designada seja, de fato,
realizada. Em outras palavras, uma situação inade-
quada, poderia ser exemplificada por meio de um
Segundo o pesquisador, são constativos os enun- cenário em que ao invés de um juiz proferir uma
ciados que descrevem ou relatam um estado de sentença de prisão perpétua a um réu, alguém sem
coisas. Para tanto, esses enunciados devem ser sub- o poder ou a autoridade para tal ato dizer eu conde-
metidos a critérios de verificabilidade, visto que no o réu à prisão perpétua. Nessa inadequação, o ato
podem ser verdadeiros ou falsos. Tais enunciados performativo não se realiza; embora o enunciado
são denominados popularmente como afirmações, não seja falso, ele é nulo, torna-se sem efeito.
descrições ou relatos como nos exemplos abaixo:
Para que um enunciado seja bem sucedido, alguns
Ele é uma grande promessa do tênis brasileiro. critérios devem ser obedecidos, segundo Austin.
O pião gira em torno de seu próprio eixo. São estas as principais condições de felicidade que ele
Caem todas as folhas da árvore no outono. estabelece para isso: a autoridade do falante para
executar o ato; as circunstâncias em que o ato é
Quanto aos enunciados performativos – o foco proferido devem ser apropriadas.
de interesse nos estudos de Austin –, este os co-
loca como opostos aos constativos visto que eles Em estudos posteriores, ao constatar que nem
não afirmam, descrevem ou relatam nada e por todo enunciado performativo possui verbo na pri-
isso não passam pelo critério de verificabilidade, meira pessoa do singular, no presente do indica-
uma vez que não são falsos nem verdadeiros. São tivo, na forma afirmativa e na voz passiva, e que
enunciados que concretizam uma ação, se estive- também nem todo enunciado dentro desse parâ-
rem configurados dentro dos seguintes princípios: metro gramatical é performativo, Austin constata
ditos na primeira pessoa do singular, no presente que um enunciado performativo pode existir sem
do indicativo, na forma afirmativa, na voz ativa. nenhuma palavra dele estar relacionada ao ato que
Podem ser exemplificados nesses enunciados: executa. É o que pode exemplificar a placa abaixo,
que equivale a dizer ao motorista advirto que a curva
Condeno o réu à prisão perpétua. é perigosa.
Eu vos declaro marido e mulher.
Declaro aberta a sessão ordinária da Câmara.
Fonte: flickr.com/photos/hitoriki/21458277

VOCÊ SABIA?
termo vem do verbo
Performativos - Este
e quer dizer realizar.
inglês to perform qu
60 Capítulo 4

Assim o teórico distingue performativo explícito, Os trabalhos de Austin foram posteriormente re-
que designa o enunciado com performatividade tomados por John R. Searle que aprofundou os es-
explícita, colocado como contrário ao performa- tudos sobre a teoria dos atos de fala focalizando a
tivo implícito ou primário para enunciado que não discussão sobre as consequências que a emissão de
apresenta performatividade explícita, sendo o determinados tipos de enunciados estabelece. Nos
performativo primário uma forma reduzida de do desdobramentos dos estudos sobre os atos de fala
performativo explícito. Segundo Silva (2005), em proposto por Searle, existe a ideia de que não bas-
decorrência dessa distinção, Austin constata que a ta considerar unicamente a intenção que o falante
denominação performativo primário também no- tem de realizar certas ações pela linguagem. Para
meia os enunciados constativos e assim desconsi- ele é preciso fazer uma distinção entre a produção
dera a distinção constativo-performativo visto que do enunciado, a intenção com que o enunciador
admite ser possível transformar qualquer enun- produz a sentença e as consequências que a produ-
ciado constativo em performativo, bastando ante- ção desse enunciado acarreta. Esses três aspectos
cedê-lo de verbos como declarar, afirmar, dizer e referem-se, respectivamente, aos atos locucionário,
outros. Nisso, reconhece que todos os enunciados ilocucionário e perlocucionário.
são performativos por realizarem alguma ação no
momento em que são enunciados e reconhece três A teoria dos atos de fala, que sintetizamos em seus
atos simultâneos que se realizam em cada enuncia- fundamentos gerais, tem com um de seus pressu-
do: o locucionário, o ilocucionário e o perlocucionário. postos, a ideia de que os falantes de uma língua são
sujeitos cooperativos. Isto é produto de uma visão
O ato locucionário é materializado quando se idealista da sociedade dos filósofos britânicos na
enuncia algo, constitui-se na emissão de um con- década de sessenta. Tal idealização está igualmente
junto organizado de sons. presente na proposta das máximas conversacionais
elaborada por Grice, que foi contemporâneo de
O ato ilocucionário tem como base uma determi- Austin e Searle. Estudos posteriores que se debru-
nada força relacionada a um significado. Nisso, o çam sobre outros fenômenos relacionados às ati-
enunciado pode ter a força de uma promessa, de vidades linguísticas, se apoiam nos fundamentos
um julgamento, de uma declaração, de uma per- elaborados por esses filósofos, mas agregam outros
gunta etc. conceitos, a exemplo do conceito de ideologia, que
estabelecem uma visão menos idealizada dos falan-
O ato perlocucionário consiste no efeito do enun- tes e dos usos que estes fazem da língua.
ciado sobre o interlocutor. Diante disso, são pro-
váveis enunciados em que o falante pronuncie “eu As máximas conversacionais de Grice serão traba-
argumento, ou eu esclareço...”, mas é improvável lhadas na próxima temática.
que ele diga “eu convenço você, ou eu assusto
você...”. Isso decorre do fato de a argumentação e
o esclarecimento serem forças ilocucionárias pró- Temática 3
prias de quem fala, enquanto que a efetivação de
um convencimento ou de um susto é o efeito de As Máximas Conversacionais de Grice
uma força sobre o interlocutor e, por isso mesmo,
um ato perlocucionário. A teoria das regras conversacionais de Grice inclui
o sujeito na enunciação. Com isso, o filósofo bus-
Para Austin, todo ato de fala é simultaneamente lo- ca analisar o sentido a partir da relação entre o
cucionário, ilocucionário e perlocucionário, pois, que é dito no enunciado e um estado de coisas no
ao se proferir uma frase, há o ato locucionário de mundo, visto que não basta se buscar o significa-
se enunciar cada elemento linguístico componente do/sentido na proposição apenas; pois é preciso
da frase, mas há igualmente um ato que se realiza encontrá-lo pela intenção.
na linguagem, o ilocucionário, e há, também, um
ato que se realiza na linguagem, mas por ela, o per- As máximas propostas por Grice têm como base
locucionário. Como exemplo, tem-se o enunciado a ideia de que os interlocutores cooperam mutua-
Prometo que isso não vai ficar assim em que se pro- mente entre si em suas relações. É o princípio coo-
nuncia cada elemento da frase, realizando-se o ato perativo entre falante e ouvinte –, possível de reger
de promessa e o que se pretende fazer.
Capítulo 4 61

a comunicação. De acordo com o princípio coope- Jarbas emite sua opinião sobre o fato, o que torna
rativo, as informações trocadas entre os interlocu- seu texto interpretativo; ele tem a intenção de que
tores fazem parte de conhecimentos compartilha- o leitor identifique a informação como um ato co-
dos, que dependem do contexto conversacional. municativo.

Vejamos o princípio da cooperação analisando a Com isso, percebemos que a leitura da charge é agi-
charge abaixo: lizada pela economia de palavras e pelas imagens,
o que a torna atraente a um público heterogêneo.
Este público, por sua vez, deverá fazer interpreta-
ções diversas sobre suas vivências e conhecimen-
to de mundo, especialmente com relação ao fato
abordado. Por isso, o leitor de charges é sempre co-
operativo, visto que ele está habituado a procurar
um sentido, a buscar o não-dito que não aparece
nos elementos não-verbais, nem nos enunciados
reduzidos, isoladamente.

Nesse gênero textual as imagens passam a exercer


funções próprias das palavras, num processo de ca-
racterização, ao ilustrarem personagens dentro de
Fonte: Diário de Pernambuco – Recife, 28 de janeiro de 2010.
um cenário que permite o reconhecimento de um
episódio e os fatores que contribuíram para sua
Conforme Grice (1982), toda conversação é regida consecução. Nisso, acontecimentos os mais diver-
por um esforço cooperativo dos interlocutores: de sificados possíveis são ridicularizados, ironizados,
um lado, o falante em se fazer entender e, do ou- recharchados nas caricaturas, ocorrendo a desqua-
tro, o ouvinte, em compreender seu interlocutor. lificação das figuras públicas que os produziram.
Esse acordo tácito é denominado de Princípio da
Cooperação. A partir do princípio da cooperação, na comuni-
cação, a linguagem face a face obedeceria, segundo
O gênero textual charge impressa é um importan- Grice, às seguintes máximas conversacionais:
te elemento para a aplicação e análise dos postu-
lados de Grice, uma vez que serve aos propósitos Modo ou Maneira – esta máxima é definida
da interação verbal, na medida em que o chargista pelas seguintes atitudes de cooperação: “Seja
faz uso de fatos cotidianos por meio de elementos claro: evite obscuridade de expressão, evite ambigui-
enunciativos, por ser esse gênero dependente do dades, seja breve, seja metódico.”
contexto para a sua compreensão.
A máxima de modo ou maneira diz respeito a
Como toda charge impressa, a que apresentamos como a proposição é enunciada por meio de ter-
acima tem como características a economia da lin- mos objetivos, com sentido preciso e sentenças
guagem verbal – tem-se apenas a frase Embaixada bem estruturadas. Estão organizadas as seguintes
do Brasil em Honduras –, associada à linguagem não- submáximas:
verbal; que é a predominante. Nesta, os elementos
não-verbais, o mapa do Brasil, a bandeira, as cadei- • evite que sua expressão seja obscura, uma vez
ras, o travesseiro, mas, principalmente a “marca” que isso é produto do uso de termos que não
de Zelaya delineada na parede, compõem o cenário explicitam o sentido da mensagem para o seu
que emitem as informações essenciais para a com- interlocutor;
preensão do texto e da crítica implícita nele.
• evite ambiguidade; use palavras e expressões
Essa charge traz como tema um fato político am- com sentido definido, preciso e bem delimita-
plamente divulgado na mídia, a reclusão do ex- do para que assim garanta uma única interpre-
presidente de Honduras, Manuel Zelaya, na Em- tação de sua mensagem;
baixada do Brasil em Tegucigalpa, Honduras, com
uma ponta de humor e ironia. Assim, o chargista • evite prolixidade desnecessária ao produzir
62 Capítulo 4

uma mensagem com o máximo de informação


e o mínimo de palavras; em outros termos, é
preciso adotar o princípio da economia lin-
guística;

• evite desorganização das informações priman-


do por um encadeamento lógico, temporal e
espacial na mensagem.

Quantidade – o que se espera como coopera-


ção dos interlocutores, a partir dessa máxima,
é que cada interlocutor “Faça com que sua con-
tribuição seja tão informativa quanto necessário.”

A máxima de quantidade corresponde às informa-


ções explicitamente expostas no texto, para que se
consiga uma contribuição informativa e necessária
que garanta a unidade de sentido dele.

Qualidade – são resumidos dessa maneira os


princípios que regem a máxima da qualidade:
“Não afirme o que você acredita ser falso; não afir-
me senão aquilo para o que você possa fornecer pro-
vas.”

Na máxima de qualidade, tem-se por objetivo que


a afirmação proferida seja, comprovadamente, ver-
dadeira.

Relevância ou Relação – o único princípio


que rege essa máxima é “Seja relevante.”

Na máxima de relevância ou de relação, o que se


requer é a relevância da contribuição dos interlo-
Fonte: specgram.com/CLV.2/05.phlogiston.cartoon.14.html
cutores para o entendimento dos objetivos da in-
teração estabelecida. Para tanto, faz-se necessária a A primeira máxima ilustrada por um sinal de inter-
exclusão de vocábulos ou sentenças não pertinen- rogação é a do modo ou maneira, em que se vê des-
tes aos propósitos da mensagem. tacada a palavra-chave claridade ou clareza. Nela, ao
lermos a frase “ofuscações evitadas elucidações expos-
A partir das máximas conversacionais estabeleci- tas” a relacionamos ao fundamento nuclear dessa
das por Grice, entendemos que toda conversação máxima, que é o da clareza, para se evitar obscuri-
obedece a uma lógica própria, e o não cumpri- dade e ambiguidade na conversação, embora a in-
mento de uma das máximas pelos interactantes terrogação não deixe nada às claras na mensagem.
gera efeitos distintos ou contrários aos que se teria
como propósito. Ocorre que, na linguagem, por A segunda, ilustrada pelo símbolo da Nike é a má-
vezes, tais máximas são infringidas propositalmen- xima de quantidade, tendo em destaque a palavra-
te, para gerar ambiguidade ou ironia, segundo es- chave informação e uma frase que diz o mínimo pos-
clarece Grice. sível: “só faça”, o que contraria a própria máxima
que preza pelo maior número de informações que
A seguir, são apresentadas as máximas conversa- se puder fornecer e que estas sejam expostas de for-
cionais de Grice de forma ilustrada, mas que se ma explícita no texto.
apresentam como um contraponto, de forma bem
humorada, ao estabelecido pelo filósofo: Em seguida, temos a terceira máxima, a máxima de
Capítulo 4 63

Qualidade em que se vê um vestido delineando um No que se refere ao campo especificamente lin-


corpo feminino e a palavra-chave destacada verda- guístico, a pragmática deu origem a correntes de
de. O enunciado “Não, esse vestido não faz seu bumbum estudo diversas, a saber: a Linguística Aplicada, a
parecer maior, querida.”, não condiz com a verdade Análise do Discurso, dentre outras; e a novas teo-
dos fatos, o que se opõe ao princípio da máxima rias de aquisição/aprendizagem/ensino de línguas,
que estabelece que não seja afirmado algo falso. não só de língua materna, mas principalmente de
língua estrangeira/segunda língua.
E a última máxima ilustrada por uma lâmpada,
uma banheira com ferramentas e uma girafa é a A pragmática provocou revolução nos estudos lin-
de Relação ou Relevância, com a palavra-chave des- guísticos, a ponto de a linguística pura não con-
tacada relevância. O pequeno texto, em forma de seguir mais se impor unicamente como ciência
diálogo, diz: “Pergunta: Quantos surrealistas são ne- teórica, como ocorria há algumas décadas Assim,
cessários para trocar uma lâmpada? Resposta: Dois, um a pragmática linguística amplia seu campo de ação
para segurar a girafa e outro para encher a banheira ganha mais terreno, num processo de transdisci-
com ferramentas coloridas.” Nesse texto percebe-se a plinaridade com outras áreas e outras disciplinas,
irrelevância das informações dadas, o que é con- como a sociologia, a antropologia, a psicologia e
trário ao fundamento da máxima que preza pelo a própria filosofia da linguagem. Estas disciplinas
princípio da relevância das informações para que também incursionam pelos domínios da pragmáti-
os propósitos da conversação sejam atingidos. ca. O que se compreende com isso é que estudar
linguística aplicada é estudar, de alguma forma,
semiótica, pragmática, análise do discurso, socio-
Temática 4 linguística, psicologia linguística, antropologia lin-
guística e também filosofia linguística.
Elementos Gerais da Pragmática
A seguir serão dados apresentados alguns funda-
Linguística
mentos gerais da pragmática linguística.
Entende-se que a pragmática linguística é a mate-
O aparelho formal da enunciação, a partir da pers-
rialização, no campo de estudo de línguas e na co-
pectiva de Benveniste:
municação, do pragmatismo linguístico.
• Enunciação – conjunto de fatores e atos que
Como já dito em outros tópicos deste capítulo, o
constituem as condições de produção dos
interesse pelos estudos pragmáticos e o desenvol-
enunciados.
vimento desses estudos originaram-se, principal-
mente, das pesquisas realizadas inicialmente por
• Enunciado – sequência de sentenças precedi-
filósofos. Entretanto, apesar de apoiada numa
das e seguidas de períodos de silêncio.
perspectiva filosófica de longa tradição, ainda
hoje não se tem uma delimitação clara do campo
• Dêiticos – classe dos indicadores - unidades
de investigação da pragmática. Assegura-se, no en-
linguísticas - cujo funcionamento semântico-
tanto, que se trata, certamente, de uma vertente
referencial implica que se considerem alguns
da linguística, mais especificamente, da linguística
elementos constitutivos da situação de comu-
aplicada, elegendo como prioridade a linguagem
nicação.
oral, mas dentro dos limites em que essa vertente
se encontra com disciplinas afins. É de interesse da
As unidades dêiticas só podem ter seu sentido
pragmática a análise da linguagem como forma de
construído na enunciação.
comunicação humana.

Os filósofos do chamado grupo de Oxford – Aus- Categorias Dêiticas:


tin, Searle e Grice – estudados neste capítulo, ti-
nham por interesse prioritário os aspectos linguís- • Pessoa / Interlocutores – pronomes pessoais
ticos. Esses filósofos são a fonte inspiradora da (eu – tu) e possessivos;
pragmática linguística nos moldes em que ela se
configurou na década de 1970. • Tempo – tempos dos verbos - agora, hoje, on-
tem, amanhã;
64 Capítulo 4

• Lugar – pronomes demonstrativos - índices de te disso, você precisa ampliar seus conhecimentos
“ostentação” isto, aqui, lá, acolá, na esquina acerca da temática para entender, em suas minú-
etc. advérbios de circunstâncias complemen- cias, as bases dessa abordagem teórica.
tos “relativos” etc.

Modalização: SAIBA MAIS!


as ideias centrais do
• Modalização – conjunto de meios através dos Pesquise sobre algum
pragmatismo.
quais um falante manifesta o modo como ele
ro
ática, inserido no liv
considera seu próprio enunciado. Leia o artigo Pragm s e fro n-
ca – domínio
Introdução à linguísti e An na Ch ris -
ssalim
• Modalizador – define a marca linguística dada teiras, de Fernanda Mu
tina Bentes.
pelo sujeito a seu enunciado.

1. Distância
a) mínima: o sujeito se inscreve, adere total- Atividade | Algumas reflexões finais
mente ao enunciado. A partir do que foi estudado sobre a pragmáti-
Ex.: O eu reduz a distância. ca, reflita sobre as seguintes questões:
1. Qual a importância dessa corrente teórica
b) máxima: o sujeito considera seu enunciado para os estudos linguísticos contemporâneos?
como parte integrante de um mundo distinto 2. A pragmática já tem delimitado especifica-
dele mesmo, foge totalmente. mente seu campo e objeto de estudo?
Ex.: o uso da 3ª pessoa do singular no discurso 3. Que proposições traz a pragmática linguís-
acadêmico. tica para a linguística teórica?
4. Pesquise sobre o caráter transdisciplinar
2. Transparência da pragmática, uma vez que ela faz incursões
a) apagamento do sujeito da enunciação - por diferentes áreas e disciplinas.
transparência máxima: o enunciado marca um
fato geral da experiência.
Ex.: A Terra gira em torno do sol. APROFUNDE SUAS PESQUISAS E BOM ES-
TUDO!
b) presença do sujeito da enunciação: opacida-
de máxima.
Ex.: carta pessoal, poesia, diário.
REFERÊNCIAS
3. Tensão
Define a dinâmica da relação estabelecida en- BENVENISTE, Emile. (2005). Problemas de lin-
tre o falante e seu interlocutor, por meio do guística geral I. Campinas: São Paulo, Pontes
texto. Editores, 5. ed., 2005.
a) tensão máxima: querer, poder;
b) tensão mínima: ser/ estar, ter. _____________. Problemas de linguística geral
II. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 1989.
• Mascaramento – tentativa de enganar os des-
tinatários sobre quem se é, usando o modelo PINTO, Joana Plaza (2009). Pragmática. In:
de outrem. MUSSALIM, F & BENTES, A. N. (orgs). Intro-
dução à linguística: domínios e fronteiras. São
• Performance – tentativa de fazer esquecer o Paulo: Cortez, vol. 1.
que se é, deixando de utilizar o próprio mo-
delo, sabendo que o destinatário não ignora. PRETTI, Dino.(1982). Sociolinguística: os níveis
de fala. São Paulo: Companhia Editora Nacio-
Vimos, de forma geral, alguns dos pressupostos da nal.
pragmática linguística, mas outros de igual impor-
tância merecem um estudo mais detalhado. Dian-
Capítulo 4 65

SAUSSURE, F. (1973). Curso de linguística ge-


ral. São Paulo: Cultrix.

SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. (2005).


Pragmática: a ordem dêitica do discurso. Rio de
Janeiro: Enelivros.

WEEDWOOD, Bárbara. (2002). História con-


cisa da linguística. (trad. Marcos Bagno) São
Paulo: Parábola Editoria.

Você também pode gostar