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Sobre gênero e a invenção de um pronome não-binário

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Danniel Carvalho
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Draft – 03/05/2021

Sobre gênero e a invenção de um pronome não-binário


On gender and the invention of a non-binary pronoun

Danniel Carvalho
Universidade Federal da Bahia/CNPq
dannielcarvalho@ufba.br

Resumo: O presente artigo discute os papeis social e político da implementação de


pronomes não binários ou degenerificados nas línguas, a fim de verificar uma tipologia
em sua gênese. A partir de um levantamento em páginas de redes sociais, verifico a
existência de três tipos de pronomes degenerificados: (a) manipulação linguística de
elementos pronominais existentes, redefinindo seus significados sociais; (b)
incorporação popular de elementos pronominais já existentes na língua; e (c) criação um
elemento pronominal específico para a referência não binária. Os dados levam à
conclusão de que a implementação de um pronome degenerificado é um investimento
político e, independemtemente da estratégia que uma língua lance mão, deve ter o
suporte sociopolítico para obter sucesso.
Palavras-chave: pronome não-binário; generificação linguística; falocentrismo; política
linguística.
Abstract: This paper discusses the social and political roles in the implementation of
non-binary or degendered pronouns in some languages, in order to observe a typology
in its genesis. Based on a survey of social network pages, I verify the existence of three
types of degendered pronouns: (a) linguistic manipulation of existing pronoun elements,
redefining their social meanings; (b) popular incorporation of pronominal elements
already existing in the language; and (c) creation of a specific pronominal element for
the non-binary reference. The data lead to the conclusion that the implementation of a
degendered pronoun is a political investment and, regardless of the strategy that a
language uses, it must have socio-political support to be successful.
Keywords: non-binary pronoun; linguistic genderization; phallocentrism; linguistic
policy.
Draft – 03/05/2021

Apresentação

Não faz muito tempo a terra tinha dois bilhões de habitantes, isto é,
quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de
indígenas. Os primeiros dispunham do Verbo, os outros pediam-no
emprestado. Entre aquêles a êstes, régulos vendidos, feudatários e uma falsa
burguesia pré-fabricada serviam de intermediários. Às colônias a verdade: se
mostrava nua; as ‘metrópoles’ queriam-na vestida; era preciso que o indígena
as amasse. Como às mães, por assim dizer. A elite européia tentou engendrar
um indigenato de elite; selecionava adolescentes, gravava-lhes na testa, com
ferro em brasa, os princípios da cultura ocidental, metia-lhes na bôca
mordaças sonoras, expressões bombásticas e pastosas que grudavam nos
dentes; depois de breve estada na metrópole, recambiava-os, adulterados.
Essas contrafações vivas não tinham mais nada a dizer a seus irmãos; faziam
eco; de Paris, de Londres, de Amsterdã lançávamos palavras: ‘Partenon!
Fraternidade!’, e, num ponto qualquer da África, da Ásia, lábios se abriam:
‘... tenon! ... nidade!’ (SARTRE, 1968 [1961], p. 3-4)

A passagem que abre o presente texto é também o trecho de abertura do prefácio


que o filósofo francês Jean-Paul Sartre escreveu para o livro “Os condenados da Terra”
de Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo martinicano conhecido por sua crítica ao
colonialismo em sua obra, a qual pode ser lida, por exemplo, nas entrelinhas de
“Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987 [1970]), por ter sido uma das inspirações de
Paulo Freire na escrita de sua mais conhecida obra (cf. GORDON, 2008). Sartre ilustra,
com sua característica inclemência narrativa, a divisão global da conhecida Era do Ouro
da expansão colonial do século XVI, em que o mundo era dividido em homens e todo o
resto, os quais incluíam negros, indígenas e mulheres, como bem aponta Ramón
Grosfoguel (2012).
Enquanto os homens “dispunham do Verbo”, os demais apenas tinham
autorização de usá-lo, repeti-lo, sem consciência de seu ato. Essa metáfora sartriana
serve-me na construção do presente texto como mote para a discussão da tese de que as
estruturas linguísticas são enviesadas pelo masculino em detrimento do não-masculino
que, no caso da cultura ocidental, é reduzido ao feminino. Trata-se, portanto, do que
Jacques Derrida (1975) define como falogocentrismo, isto é, a tradição constituinte de
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um sistema significativo ao redor de gênero (SHAKTINI, 1985), mais especificamente


ao redor da marca de masculinidade (LIVIA, 2001).
Essa mesma cultura ocidental, entretanto, tem visto nos últimos anos uma
variedade de formas de identidade socioculturais, entre elas as de gênero. Essa
multiplicidade pode ser entendida como uma pulverização da dicotomia de gênero, na
qual sua rigidez é revista. Essa multiplicidade de corpos, entretanto, não impulsionou na
mesma intensidade e frequência as adaptações linguísticas que reclama. O fenômeno
mais marcante da inaptidão linguística ocidental diante da diversidade de corpos é a
manifestação linguística das diferentes identidades de gênero. Em outras palavras,
línguas que manifestam o gênero biossocial gramaticalmente não garantem as diversas
possibilidades de identificação de gênero. Como será visto adiante, a tradição linguística
distribui as línguas entre as que dispõem de distinção na representação de gênero
enquanto categoria de classificação nominal e aquelas que não possuem esse
instrumento. Ou seja, as línguas do mundo são divididas tipologicamente entre línguas
que têm gênero linguístico (identificado através dos valores feminino e masculino, e sua
ausência classificada como neutro) e línguas que não têm gênero linguístico.
Como apontado por estudo recente feito acerca da disciplinarização das
categorias gramaticais (CARVALHO, 2021), gênero como expressão binária de
classificação tornou-se o único instrumento na análise linguística para classificar o que a
visão de mundo ocidental definiu como marcas de gênero. Essa decisão taxonômica
refletiu por algum tempo o que se entendia por distinção das formas humanas na terra,
percepção altamente marcada por uma cultura falocêntrica dominante até os dias de
hoje. Contudo, vozes antes inaudíveis pelo soar de pigarros masculinos a qualquer
tentativa de removê-lo de seu lugar de poder ou, pelo menos, compartilhá-lo com os
demais corpos existentes, passam a ser ouvidas, mas ainda reguladas pelas normas de
gênero ancestrais.
No presente texto, discuto a possibilidade de não marcação de gênero na
referenciação dos diferentes corpos. Parto de uma analogia cara à teoria e descrição
linguística para a formulação da hipótese de trabalho, a saber: valores de gênero
atribuídos aos pronomes pessoais podem ser entendidos como logofóricos, no sentido
de serem uma atribuição reportada, consistindo, portanto, um instrumento
representacional (SELLS, 1987; AMEKA, 2017). Enxergo, assim, correspondência
entre marcação de gênero e a noção de logoforicidade estabelecida nos estudos
gramaticais, capturada da ideia de discurso indireto ou reportado, ou, ainda, nas
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palavras de Jakobson (1971, p. 130), uma “fala dentro da fala, uma mensagem dentro da
mensagem”.1 Assim como no discurso indireto, entendo que gênero, como categoria
gramatical, é um elemento representado na língua a partir do ponto de vista de uma
comunidade linguística, sendo assim um traço reportado, que dependerá do
conhecimento de seu mundo.
Ao tempo que não possui uma funcionalidade gramatical definida, como número
e pessoa2 (gênero é tradicionalmente definido como um instrumento engatilhador de
concordância (ver CORBETT, 1991; AIKHENVALD, 2016)), esse traço gramatical
parece refletir estritamente a percepção de mundo de seus falantes. Como será visto
adiante, a distribuição dos valores feminino, masculino e comum/neutro são
estabelecidos a partir do ponto de vista da tradição ocidental, refletida na estrutura de
sua gramática e mantida como instrumento didático até os dias atuais. Essa tradição
condicionou a existência dessa categoria/traço como universal linguístico.3
A representação linguística vem sendo discutida desde tempos imemoriais pela
dicotomia arbitrariedade versus motivação simbólica. É Saussure (2006 [1916]),
entretanto, quem confere caráter teórico à questão da opacidade (arbitrariedade) ou da
transparência (motivação) dos objetos linguísticos. Essa arbitrariedade, pelo menos
aparentemente, não se aplica, em termos de referência, a categorias como número e
pessoa, mas parece estar sempre associada quando se trata de gênero.
Gênero enquanto categoria pode não ter realidade material,4 como nos nomes
cujos referentes são entes inanimados, ou pode ter realidade material relativa, como nos
animados, em especial humanos.5 Relativa, pois, como toda representação (BHABHA,
1995), a realidade de gênero depende dos olhos que a veem e a arbitrariedade dessa
visão apresenta um movimento bastante enviesado por uma tradição falogocêntrica.
Esse falocentrismo epistêmico pode ser percebido em diversas estratégias de

1
Todas as traduções feitas no texto são de minha responsabilidade, salvo quando apresentados já
traduzidos nas referências bibliográficas finais.
2
O próprio argumento da representação extralinguística de número e pessoa como categorias gramaticais
sine qua non e “natural” é questionada em Carvalho (2021). Carvalho et al. (2020) discutem uma possível
função semântica de gênero gramatical como suplementar ao de número, funcionando como elemento de
perspectivização. Não desenvolverei aqui os argumentos apresentados nesses trabalhos e manterei, para
os fins da presente discussão, a imprescindência desses traços na gramática das línguas.
3
Considerarei a hipótese da universalidade de gênero como uma forma de taxonomia na qual os nomes de
uma língua são distribuídos em classes. Para uma discussão sobre gênero e classe, ver Aikhenvald e
Mihas (2019) e Carvalho (2020).
4
Faço aqui uma provocação ao usar a expressão realidade material platônica para resgatar suas
“imperfeições”, como apontado pelos idealistas, cujo pensamento é recobrado posteriormente por
racionalistas e neoidealistas (como Descartes e Hegel, respectivamente), que influenciaram sobremaneira
parte do pensamento linguístico dominante do século XX.
5
A noção de animacidade da ideia eclesiástica de corpo e alma (anima do latim).
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representação referencial de gênero, entre elas as pronominais. Uma vez que as


estratégias de representação de gênero nos sistemas pronominais das línguas são
dominadas pela polarização dos tradicionais valores binários de gênero, passa a existir
em algumas sociedades do mundo um movimento na tentativa desfazer a dicotomia de
gênero na representação dos diferentes corpos: a busca por pronomes desgenerificados.
Não utilizarei aqui a denominação “pronome neutro” por acreditar que ela mantém o
entendimento de uma polarização de gênero, pois a ideia de um gênero neutro alude à
coisificação do não pertencimento a algum gênero. No entanto, o expediente de um
pronome não binário, entendido como instrumento na “neutralização” de uma língua
generificada6, traz à tona seu movimento falogocêntrico.7
No intuito de lançar um debate sobre o condicionamento de normas sociais na
adoção/implementação de um pronome não-binário, discuto brevemente o papel social
da marcação linguística de gênero, em especial a arbitrariedade de suas funções
neutralizadoras em certas sociedades ocidentais. Para tal, apresento alguns exemplos de
distribuição de gênero nas línguas do mundo e como isso é feito a partir de apenas dois
valores, feminino e masculino, até a tentativa de algumas línguas em introduzir formas
não binárias a esses sistemas. A partir disso, apresento algumas tentativas da introdução
de um pronome não binário com o intuito de despolarizar os valores de gênero em
algumas línguas e porque uma tentativa no Brasil não foi incorporada no vernáculo.
Finalizo o texto com algumas reflexões sobre a adoção de uma justiça de gênero nas
línguas em detrimento de uma sua neutralização.

1. “No need for anxiety or pronoun envy”8

Qualquer que seja o ponto de partida para se entender o que seja uma língua, sua
constituição reflete a relação de poder da sociedade que a utiliza. Essa afirmação pode
soar categórica, reconheço, mas não é falaciosa. Seja a partir de um viés discursivo ou
do que constitui sua estrutura, o entendimento do que estabelece uma língua como tal é
reflexo de quem determina o que faz ou não parte sua. Desde que se pôde recuperar os

6
Generificação é a atribuição ou designação de um valor de gênero a algo ou alguém; o processo social
pelo qual há o encaixamento de corpos aos valores binários feminino/masculino.
7
A expressão neutering no inglês, por exemplo, cuja origem é o termo latino neuter, significa
“castração”, entendida como remoção dos órgãos reprodutivos em animais.
8
Passagem da matéria do jornal Harvard Crimson, de 26 de novembro de 1971, página 17, cujo excerto é
transcrito por Livia (2001, p. 3): “There is [...] no need for anxiety or pronoun envy” (Não há necessidade
para ansiedade ou inveja pronominal).
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primeiros textos em que se verificou as discussões iniciais acerca do que constitui uma
língua, encontramos referência a essas relações de poder. Por exemplo, o gramático
latino Marco Terêncio Varrão (116 a.C. – 27 a.C.) utiliza quatro critérios determinantes
para a estruturação da língua: a natureza da entidade linguística (natura), seus usos e
tradição (usus/consuetudo), sua organização estruturada (ratio) e a autoridade ancestral
grega na atribuição dos valores linguísticos (auctoritas). Esta última, segundo Varrão
(1990), possibilitaria a dispensa dos demais critérios na atribuição dos valores como os
de gênero. Assim, os valores feminino e masculino no latim e no grego são autorizados
devido à sua relação direta à morfologia dos corpos dos seres vivos (pelos menos do que
se conhecia sobre isso à época).
Essa tradição da autoridade gramatical greco-latina perpetuou-se no mundo
ocidental, servindo de parâmetro na descrição e análise das línguas no decorrer da
história. Sua referência ao padrão linguístico indo-europeu norteou toda a discussão
sobre linguagem desde então. E é no século XIX que ganha força científica com o
surgimento da hipótese darwiniana e o fortalecimento da tese de uma língua primordial
(protolíngua), o que afluiu nos modelos de análise linguística que conhecemos hoje. A
tradição ocidental nos estudos da linguagem baseia-se fundamentalmente no corpo
gramatical proposto nas Categorias de Aristóteles, na qual se definem as possíveis
predicações sobre o “ser”, aquele cujas características compõem as categorias
gramaticais (CARVALHO, 2021). Entre as predicações mais persistentes na descrição
das línguas indo-europeias é a consistente marcação de gênero gramatical, sendo sempre
relacionada a critérios de origem sexuada.
O título dessa seção foi retirado das páginas do livro Pronoun envy: literary use
of linguistic gender (“Inveja pronominal: usos literários do gênero linguístico”), de
Anna Lívia, publicado em 2001, no qual a autora reflete sobre o uso genérico do
masculino em línguas como o inglês e o francês. A “inveja pronominal” apontada no
texto de Livia faz menção à reação do departamento de Linguística da Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos, encabeçado por Calvert Witkins, renomado linguista
estadunidense cujo foco de pesquisa eram os aspectos morfossintáticos das línguas
indo-europeias, em 1971, diante dos protestos das estudantes da referida instituição
acerca do uso generalizado do pronome he (ele) para referir-se ao deus cristão. O
argumento de Watkins e colegas em sua resposta (que dá título à esta seção) se baseia
na tese estruturalista de que, nas línguas indo-europeias, a forma masculina é a não
marcada na dicotomia masculino/feminino (CÂMARA JR., 1971). Segundo Lívia, essa
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“inveja” motivou, nas décadas seguintes, os estudos feministas, os quais “tornam


questões linguísticas centrais aos textos [feministas] – experimentando novas formas,
rejuvenescendo formas antiquadas e pouco usadas, ou simplesmente eliminando gênero
linguístico para referentes animados” (LIVIA, 2001, p. 3). O argumento de Witkins
ilustra bem como o pensamento linguístico continuou seguindo a auctoritas na
formulação de hipóteses sobre a estruturação da língua e que essa auctoritas é
masculina e europeia.
Uma forte evidência da autocritas ocidental na generificação das línguas
colonizadas é apresentada pela socióloga e feminista nigeriana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, em
sua tese de doutorado transformada em livro sob o título The Invention of Women:
Making an African Sense of Western Gender Discourses (“A invenção das mulheres:
uma perspectiva africana sobre os discursos ocidentais de gênero”), publicado em 1997,
no qual descreve a virada epistemológica gerada pela imposição das categorias
ocidentais de gênero na língua iorubá (maior grupo étnico-linguístico da África
ocidental). Segundo Oyěwùmí, a distinção entre masculino e feminino nas relações
sociais iorubás é resultado da colonização cultural, uma vez que sua estrutura social é
historicamente fundamentada na senioridade (hierarquia etária) e não se fazia, até a
colonização europeia, distinções de gênero como as traduções “mulher” e “homem”
para obìnrin e ọkùnrin, respectivamente, ou ainda “esposa” e “marido” para aya e ọkọ,
deixam observar (OYĚWÙMÍ, 1997, p. 32). Sobre as relações matrimoniais, Oyěwùmí
aponta que

[t]odos os membros do ìdílé (linhagem) como um grupo foram


chamados de ọmọ́-ilé e foram classificados por ordem de nascimento.
As anafêmeas9 casadas constituíam um grupo denominado aya ilé e
eram classificadas por ordem de casamento. Individualmente, ọmọ́-ilé
ocupou a posição de ọkọ em relação ao aya que se aproxima. Como
observei anteriormente, a tradução de aya como ‘esposa’ e ọkọ como
‘marido’ impõe construções de gênero e sexuais que não fazem parte
da concepção iorubá e, portanto, distorcem esses papéis. (OYĚWÙMÍ,
1997, p. 44)

Ainda segundo Oyěwùmí (1997), a lógica ocidental identifica através da visão,


como sentido privilegiado, os papeis sociais de certos corpos. Daí surgiria um
“raciocínio corporal” na percepção de sociedade como corpo social e político: “[...]

9
Oyěwùmí utiliza a expressão anafemale e anamale para indicar corpos anatomicamente compreendidos
pelos ocidentais como mulheres e homens, respectivamente. Nascimento (2019) propõe a expressão
anafêmea e anamacho como tradução para o português.
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todos os conceitos trazem consigo suas próprias bagagens culturais e filosóficas, muitas
das quais se tornam distorções alheias quando aplicadas a culturas diferentes das quais
derivam” (OYĚWÙMÍ, 1997, p. x-xi). Para a autora,

[m]ulheres, primitivos, judeus, africanos, os pobres e todos aqueles


que se qualificaram para o rótulo de ‘diferentes’ em várias épocas
históricas foram considerados como encarnados, dominados, portanto,
pelo instinto e pelo afeto, estando a razão além deles. Eles são o
Outro, e o Outro é um corpo. (OYĚWÙMÍ, 1997, p. 3)

Oyěwùmí lembra que, além do critério dicotômico ausência/presença, outras


formas de classificação dos corpos são caras à tradição ocidental: obsessão com o pênis,
tamanho do cérebro, formato do crânio, cor da pele. A possibilidade de intersecção 10 ou
ausência desses critérios causam estranhamento no pensar ocidental, tornando-se tabu.
O híbrido é descartado como possibilidade.11
A força epistêmica da herança indo-europeia cria um empuxo entre os limites da
língua e o tecido social quando questionamos o potencial referencial das formas de
gênero diante da diversidade de corpos existentes na história da humanidade, com
especial atenção à contemporaneidade.
Curiosamente, esse debate sobre a generificação linguística é polêmico, mas
envolve um número reduzido de vocábulos nas línguas. Constituindo
proporcionalmente um pequeno número de itens lexicais nas línguas que possuem
alguma manifestação de gênero em sua estrutura: os nomes de seres animados variáveis
quanto ao gênero gramatical, em uma língua como o português, correspondem a cerca
de 5,6% dos nomes dicionarizadas (SCHWINDT, 2020), enquanto a maioria
esmagadora dos itens lexicais nessas línguas correspondem a seres inanimados, tendo,
portanto, seu gênero atribuído de forma arbitrária.
Por sua vez, a discussão acerca de uma linguagem neutra vem ganhando espaço
nas mais diversas mídias. Uma rápida busca no Google com essa palavra-chave

10
Segundo Wendy Single-Rushton e Elin Lindström (2013, p. 130-131), interseccionalidade é “um
conceito teórico vagamente especificado - um termo guarda-chuva - que reúne um conjunto de ideias
sobre a complexa multidimensionalidade e estratificação social e as consequências de sua especificação
incorreta”. Para um debate mais aprofundado sobre o tema, ver Crenshaw (1989), Collins (1990), Dorlin
(2008), Bilge (2009), Akotirene (2019).
11
A escolha do termo híbrido para integrar esse debate foi feita devido à sua etimologia (do grego
hybris), que remete a ultraje, que desafia a Providência (HUXLEY, 1970). Tomo emprestado o termo
como manifestação tanto da ideia de hibridismo cultural (BAHBHA, 1994) como da própria ideia do
hibridismo corpóreo, cuja representação pode ser identificada em alguns corpos transgêneros, como os
das travestis.
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permite-nos verificar quão diversos são os pontos de vista sobre o tema. Umas das
premissas da chamada linguagem “neutra” é a não binaridade em relação à referência na
comunicação. Isso significa, em outras palavras, que línguas que possuem alguma
manifestação de gênero em sua estrutura, seja lexical, fonológica, morfológica ou
sintática, devem passar a perceber corpos que não se identificam com as formas
tradicionais de distinção sexual - o feminino e o masculino. Uma neutralidade da
linguagem recorre a um expediente universalista, pois o que não é feminino nem
masculino deve se encaixar em uma rasura única de gênero. Como nos lembra Berenice
Bento (2017, p. 43), “[o]s discursos universalistas têm em comum a produção de um
outro pelo esvaziamento das singularidades.” Assim, como já introduzido na
apresentação do presente texto, uma linguagem não binária é aquela cujos referentes
humanos são desvinculados aos seus papéis sociais de gênero.
Muitos críticos, uma boa parte formada por leigos dos estudos linguísticos, mas
ainda com linguistas em seu meio, entendem que a língua é uma entidade
completamente independente de qualquer movimento social. A introdução de estratégias
não binárias de referencialidade, para tais críticos, gera um deslustre no sistema
linguístico, ou ainda, uma artificialidade, uma “arbitrariedade” em seu funcionamento.
Curiosamente, muitas línguas não indo-europeias possuem essa estratégia. O guajiro é
um bom exemplo. Essa língua arawak colombiana não apresenta uma marcação de
gênero predeterminada a seus nomes.

Nomes que se referem a entidades sexuadas, por exemplo, referem-se


ao espécime genericamente; se o falante deseja focar no caráter
feminino ou masculino do ser humano ou animal a que o termo se
refere, ele pode recorrer a certos sufixos determinantes (masculino
singular/feminino singular/plural) ou escolher as formas concordantes
de gênero apresentadas por outras classes relacionadas ao referido
nominal. Uma vez que o gênero não marcado funcionalmente é
feminino, ele é o usado por padrão em objetos, mas também em
pessoas e animais quando seu sexo não é conhecido ou não quer ser
especificado. (REGÚNAGA, 2011, p. 187)

A língua guajira nos mostra que a neutralização referencial é, em algumas


línguas, o padrão, sendo a distribuição em valores de gênero uma estratégia de
especificação do objeto. Isso nos faz refletir sobre o real papel da marcação de gênero
nas línguas.
Inferimos, portanto, que a preocupação da linguagem não binária seja com a
referência aos seres humanos, não aos demais seres animados e muito menos aos
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inanimados. Sendo assim, umas das mais eficazes estratégias de pulverização de gênero
em uma língua seria aquela que se volte à representação pronominal pessoal, e não às
demais expressões nominais, uma vez que aquela exige uma identidade referencial de
interpretação, enquanto estas são consideradas expressões referenciais per se
(CHOMSKY, 1981).

2. Gênero gramatical nos pronomes: da tradição à desconstrução

Em seu artigo sobre a distribuição dos valores de gênero gramatical nas línguas
do mundo no World Atlas of Language Structures Online (WALS), Anna Siewierska
(2013) aponta que, virtualmente, todas as línguas do mundo possuem pronomes
pessoais independentes morfofonologicamente (o que os diferenciam de clíticos e
afixos) e que a marcação de gênero é mais comum na terceira pessoa do que na primeira
e segunda, como ilustrado no Quadro 1.

Quadro 1 – Distinção de gênero nos pronomes pessoais


Pessoas Número de línguas
1ª e 2ª 212
3ª 104
1ª, 2ª e 3ª 18
Total 124
Fonte: elaborado pelo autor a partir de Siewierska (2013)

Das 378 línguas apontadas no estudo de Siewierska, apenas 124


(aproximadamente 1/3 das línguas) possuem algum tipo de distinção de gênero em seus
pronomes pessoais, sempre se assumindo os valores feminino e masculino como valores
categóricos na distribuição de gênero de entes animados. Na distribuição de gênero nos
inanimados, a autora informa que há a possibilidade de agregação desses referentes à
classe dos nomes masculinos (como no aramaico), à dos nomes femininos (como em
warekena, língua aruaque do noroeste amazônico), ou, ainda, distribuídos de acordo

12
Apenas o irqw e o burunge, ambas línguas cuchíticas faladas no nordeste africano (Tanzânia), são
mencionadas no trabalho de Siewierska (2013). Outras línguas, no entanto, apresentam distribuição das
marcas de gênero na primeira e segunda pessoa, como o paez, língua colombiana (ver JUNG, 2008), e o
mwaghavul, língua chádica nigeriana. Esta última, curiosamente, apresenta apenas a forma masculina
para a primeira pessoa (BLENCH, 2010).
Draft – 03/05/2021

com o que a autora chama de “de forma arbitrária ou de acordo com algum princípio
baseado semanticamente” (como em garifuna, língua aruaque do norte da América do
Sul). Das 124 línguas que possuem distinção de gênero, somente 20 delas (16%
aproximadamente) apresentam a possibilidade de marcação de gênero na primeira e/ou
segunda pessoa. Essa informação nos mostra que a indicação de gênero nos elementos
pronominais parece ser um fenômeno de referenciação nas línguas do mundo.
O inglês, o português e o russo são exemplos de línguas que possuem estratégias
linguísticas para a representação de referentes animados sexuados, tanto lexicalmente,
quanto em seus sistemas pronominais pessoais, ilustrados no quadro abaixo, que
apresentam os pronomes pessoais nominativos nessas línguas:

Quadro 2 – pronomes pessoais em inglês, português e russo


Inglês Português Russo
I eu ja
you tu/você ty
singular she ela oná
he ele on
it - onó
we nós/a gente my
you vocês vy
plural
elas
they oní
eles
Fonte: elaborado pelo autor

O Quadro 2 mostra uma semelhança quanto à distribuição morfofonológica das


pessoas, números e gêneros entre as línguas. No entanto, enquanto o inglês e o russo
apresentam um pronome neutro no singular, it na primeira e onó na segunda, o
português não apresenta uma estratégia neutra para marcação de seres inanimados ou
não humanos, lançando mão dos pronomes com marcação de gênero feminino (ela) e
masculino (ele).13 Por outro lado, o português distingue gênero em suas formas do

13
Em trabalhos recentes, Gabriel Othero e colegas têm argumentado em favor de uma aproximação da
retomada anafórica de 3ª pessoa não realizada foneticamente à leitura neutra de gênero. Assim, na
retomada anafórica pronominal de 3ª pessoa do singular, o português brasileiro leva em consideração
efeitos de concordância de gênero. Nesse sentido, essa língua lança mão do pronome ele para retomar
antecedentes com gênero semântico\biológico masculino; ela para antecedentes femininos e Ø para a
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plural da terceira pessoa (elas/eles), enquanto o inglês e o russo apresentam uma única
forma sem referência a gênero, they e oní, respectivamente.
Alternativamente, algumas línguas não apresentam distinção de gênero em seus
sistemas pronominais. É o caso da língua basca, que não faz distinção gramatical entre
as pessoas pronominais. Gênero nessa língua aparece apenas na morfologia verbal em
tratamento familiar. No exemplo em (1), os morfemas -k e -n aparecem na construção
verbal representando leitura masculina e feminina, respectivamente, cujo referente é a
segunda pessoa:

(1) a. gu hiri laguntzera etorriko gatzaizkik


1.pl 2.sg-D ajudar vir-irr 1.pl-COPULA-pl-2(masc)14
“Nós viremos para ajudar você (masc)”
b. gu hiri laguntzera etorriko gatzaizkin
1.pl 2.sg-D ajudar vir-irr 1.pl-COPULA-pl-2(fem)
“Nós viremos para ajudar você (fem)”
(adaptado de LAKA, 1996, p. 96)

O mandarim é outra língua sem morfologia de gênero, cujo sistema pronominal,


à primeira vista, não apresenta distinção de gênero. Entretanto, no mandarim
contemporâneo, o pronome de terceira pessoa 他 ([tā]), cujo radical 人 significa
“humano”, teve historicamente uma leitura inclusiva, não generificada, que passou a ter
uma tendência a ser acionado com leitura masculina (ver LAI, 2020). Com a abertura
ocidental do século XX, o mandarim incorporou um pronome com leitura específica
para o feminino, o 她, e o neutro, 它, todos possuindo a mesma pronúncia [tā]. O
Nonbinary wiki, página wiki dedicada às identidades de gênero,15 afirma que os
pronomes de terceira pessoa em mandarim são inclusivos, pois, apesar de
contemporaneamente apresentarem três formas gráficas distintas para a representação
de gênero nesses pronomes, sua pronúncia é a mesma, não havendo distinção na prática.
No entanto, sua grafia ainda gera discussões sobre a generificação do pronome. Mais

retomada anafórica de referentes de gênero semântico neutro (inanimados ou palavras como “cônjuge”,
“testemunha” ou “vítima”, por exemplo). Para uma discussão mais aprofundada, ver Othero et a. (2016),
Othero e Spinelli (2017, 2019), Othero e Goldnadel (2020).
14
1 = primeira pessoa; 2 = segunda pessoa; D = determinante; irr = irrealis; pl = plural; sg = singular;
masc = masculino; fem = feminino.
15
https://nonbinary.wiki/wiki/Main_Page.
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recentemente, os usos populares do mandarim empregam uma novidade na tentativa de


desgenerificação pronominal: o uso de TA.

Figura 1 – Representação gráfica de TA na mídia chinesa.

Fonte: Lai (2020).

Em Hong Kong, uma outra forma pronominal não binária emerge entre falantes

não binários ou cuir, 佢 (qú), utilizada na fala coloquial e em alguns contextos escritos

informais (envio de mensagens instantâneas e em tabloides, por exemplo).


A criação de um pronome não binário foi politizada, em algumas línguas, seja no
sentido de passar a possuir um valor político, seja passando a ter valor na norma
(linguística e social). No sueco, o pronome de terceira neutro para gênero (hen) foi
introduzido oficialmente na língua, suplementarmente ao paradigma pessoal existente,
que inclui hon (ela) e han (ele), já sendo encontrado na mídia e na literatura (SÉDEN et
Draft – 03/05/2021

al., 2015). A menção ao pronome hen remete a textos da década de 1960 na mídia
sueca, segundo Séden et al. (2015), mas sua implementação só passou a ser uma
realidade a partir da década de 2010. Hen apareceu pela primeira vez na mídia impressa
em 2012, no livro infantil Kivi och Monsterhund (“Kivi e o cachorro monstro”), de
Jesper Lundqvist. Em julho de 2014, foi anunciado que hen seria incluído na edição de
2015 do Svenska Akademiens Ordlista (“Glossário da Academia Sueca” - SAOL), que
constitui a norma (não oficial) da língua sueca (BENAISSA, 2014). Semelhantemente,
o pronome they (eles/elas, com leitura pluralia tantum) no inglês e hän (ele/ela) no
finlandês, são utilizados como formas pronominais de gênero neutro. Segundo Dennis
Baron (1986), they singular como uma forma neutra de gênero pode ser encontrada
ainda no século XVIII, mas seu uso como neutralizador de uma língua sexista ainda se
limita a determinados grupos sociais.
No Brasil, houve um movimento, ainda que tímido e restrito a determinados
círculos, de criação de um pronome “neutro”. Carvalho e Silva (2019) apontam a
existência de uma forma pronominal criada a partir da fusão fonética dos pronomes de
terceira pessoa masculino (ele - [eli]) e feminino (ela - [ɛla]): o êla ([ela]).16
Segundo os autores, “[ê]la é usado majoritariamente para se referir à indivíduos
transgêneros femininos e é utilizado na maioria das vezes por indivíduos masculinos
cisgêneros heterossexuais.” (CARVALHO; SILVA, 2019, p. 1080). Seu uso é restrito à
linguagem coloquial e seu registro pode ser verificado em algumas mídias sociais. As
Figuras 2-5 trazem algumas ilustrações dos usos de êla encontradas em algumas redes
sociais, os quais estão destacados.

Figura 2 – Êla no site Desciclopédia, sobre a cidade de Ubá

16
Chamo atenção para o uso do circunflexo como marcação gráfica com o intuito de “fechar” a vogal, e
não para marcar a sílaba tônica, para, assim, evidenciar uma diferença entre êla e ela. Essa observação
vale menção especialmente pelo fenômeno do neopronome (forma pronominal criada para representar
seres não binários) ser encontrado predominantemente em registro escrito em português brasileiro.
Draft – 03/05/2021

Fonte: http://desciclopedia.org/wiki/Ub%C3%A1

Figura 3 – Êla em depoimento do site Thepictram sobre a cantora Liniker17

17
Liniker se identifica como não-binária. Por sua referência aparecer geralmente no feminino, manterei
essa marcação aqui.
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Fonte: http://www.thepictaram.club/share/BDhSvhAg2Y-

Figura 4 – Êla em uma postagem sobre a dançarina baiana Leocret no site Flogão
Draft – 03/05/2021

Fonte: https://www.flogao.com.br/saiddy/27747483

Figura 5 – Êla em um fórum do site Yahoo Respostas.


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Fonte: https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20120304103452AABuxPB

Os exemplos acima, extraídos de mídias digitais, utilizadas por diferentes


gerações de usuários (o site Flogão, por exemplo, foi fundado no ano 2004), apontam a
utilização da forma pronominal sempre com uma conotação híbrida de gênero. Na
canção Bate cabelo,18 de 2012, o cantor baiano Márcio Victor, da banda de pagode
Psirico, faz menção ao pronome em um trecho do refrão (Ele, êla/Ele, êla (eu estou em
dúvida!)). Curiosamente, a canção tem início com a narração rimada da dançarina Léo
Kret, como uma introdução da letra, que trata de um movimento feito com a cabeça,
iniciada pelo movimento artístico drag queen e comumente executado por pessoas da
comunidade LGBTQIA+ em festas e casas noturnas, o bate-cabelo. O início da letra da
canção apresenta uma relação de mulheres transgêneras em diferentes localidades do
Brasil (Em Salvador tem Leocret/E no Rio tem Juliet /Em Manaus tem a Fofete/Em São
Paulo a Paulete), e segue, informando que “Até as mulheres tão fazendo o movimento”.
Em minha busca pela letra de Bate cabelo, não encontrei nenhuma transcrição com a
acentuação gráfica que distingue a forma êla dos outros pronomes generificados (o
acento circunflexo no e), cuja ocorrência pode ser percebida claramente ao ouvir a
música.
Como pode ser observado, em todos os exemplos encontrados, a menção ao
pronome êla não busca uma neutralização da leitura de gênero de seu referente, mas, ao

18
Disponível em https://www.kboing.com.br/psirico/bate-cabelo/
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contrário, implica uma leitura mais marcada do que os demais pronomes generificados
no português.
Carvalho e Silva (2019) apresentam também resultado de uma consulta feita
com 50 usuários na rede social Facebook através da ferramenta online Google Forms, a
fim de desenhar o perfil dos possíveis referentes do pronome êla. Repetimos a consulta,
que foi respondida por 77 usuários. Uma das perguntas do formulário era “Em caso de
resposta positiva da pergunta anterior [Você já usou o pronome êla?], em que contexto
você usou o pronome êla e para se referir a quem?”. Obtivemos dez respostas por
extenso, que transcrevo integralmente a seguir:

Quadro 3 – Situações em que os informantes utilizaram o pronome êla


1. Eu confesso que ainda estou arendendo a usar esses pronomes. Quero
chamar as pessoas como elas desejarem mas existe um vicio de linguagem e
na hora já falei errado.
2. para me refeir a uma pessoa que era do oficialmente do sexo masculino,
mas factualmente é não representa esse sexo.
3. Em conversa com meu grupo de amigos para pessoa transexual feminina
4. Sobre um homem supostamente cis homossexual muito afeminado
5. Com pessoas íntimas para me referir a alguém não-binário
6. Para se referir a bicha efeminada e travestis
7. Quando "não sabia" o gênero da pessoa
8. Para me referir a um homem cis gay
9. Para me refirir a homens gays.
10. A uma pessoa transgênero.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Podemos observar que das dez respostas dadas pelos que já utilizaram o
pronome êla alguma vez, a maioria (sete respostas) mencionam terem associado o
referente ou a pessoas (mulheres) transgêneras ou a homens efeminados. Isso mostra
que há uma tendência à marcação do referente do pronome êla a sujeitos mais
feminizados.19 Assim, tanto a normatividade quanto o passado linguístico ampliam
ainda mais a nossa compreensão da sexualidade refletida na língua como

19
Sobre a categoria social feminização, ver Yannoulas (2011).
Draft – 03/05/2021

contextualmente, culturalmente e historicamente moldados e variáveis (BAKER, 2013;


MOTSCHENBACHER, 2021).

3. Justiça linguística de gênero e as dimensões da pronominalização não-


binária

Pronomes pessoais são o espelho de uma língua. Permitem-nos diagnosticar seu


funcionamento, refletindo também a disposição da sociedade que a usa. Tomemos como
exemplo o reajuste pronominal que ocorreu no português no período escravista
brasileiro. A implementação de um pronome como você no sistema pronominal do
português, ocorrida no período do Brasil colônia (FERNANDES, 2009), possivelmente
se deu por seu povo (leia-se a população afro-brasileira)20 se ver impedido de “tutear”
com o senhoril, visto que o uso de tu pressupõe uma aproximação ou intimidade dos
interlocutores em seu uso, o que determinou a promoção de uma outra forma de
tratamento (vossa mercê) ao título de pronome pessoal de endereçamento. Partindo do
mesmo raciocínio, podemos antever o surgimento de novas formas de referência
pronominal pessoal para gênero, já que o que está disponível na tradição gramatical é
insuficiente para representar seus referentes.
Podemos identificar na discussão e nos dados apresentados ao longo do texto,
pelo menos, três estratégias na referenciação dos chamados “pronomes neutros” ou
pronomes não binários. A primeira engloba línguas como o chinês, que manipulou
linguisticamente elementos pronominais existentes, redefinindo seus significados
sociais. Taiwan é um exemplo extremo dessa estratégia, criando políticas linguísticas de
implementação de uma linguagem não sexista, recomendando a utilização de elementos
pronominais de referência feminina ou neutra oficialmente. Em 2004, o governo de
Taiwan sancionou a Lei de Educação de Equidade de Gênero, que incentiva os alunos a
não discriminar outros estudantes com base em seu gênero (SINACORE et al., 2019).
Para tanto, o currículo das escolas taiwanesas recomenda o radical feminino mandarim
para pronomes de terceira pessoa 她, em vez do radical masculino 他.
A segunda tendência é a incorporação popular de elementos pronominais já
existentes na língua, como o inglês they com referência singular. Essa estratégia é mais

20
O censo demográfico de 1872 declara que pessoas negras e mestiças correspondiam a 62% da
população brasileira (REIS, 2000).
Draft – 03/05/2021

branda, mas aparentemente mais efetiva, pois parece regulamentar-se no vernáculo. Isso
pode explicar sua longevidade na língua inglesa. No entanto, outras línguas, na tentativa
de adotar tal estratégia, estabeleceram não apenas uma desexualização pronominal, mas
mesmo uma desumanização e/ou uma infantilização. É o que Natalia Knoblock (2021)
identifica em alguns usos do ucraniano, como no discurso político, que utilizam a
estratégia pronominal воно (pronome de terceira pessoa neutro) para reclamar uma
infra-humanização (nas palavras da autora) ou mesmo despersonificação (TEIXEIRA,
2014) do outro: воно pode ser usado para denotar uma criança. Esse expediente de
infantilização como infra-humanização é recorrente no pensamento ocidental como
herança de uma percepção do infantil como não humano (ver GONZALES, 1983;
LYOTARD, 1997, 1998; KOHAN, 2010). Nas palavras de Walter Omar Kohan, “[c]om
efeito, a infância não é apenas ausência de palavra, mas a palavra que não pode ser dita,
um resto de palavra indizível que habita toda palavra dita” (KOHAN, 2010, p. 127).21
Já a terceira tendência é utilizada por línguas como o sueco e o finlandês, que
criaram um elemento pronominal específico para a referência não binária. Essa
estratégia é mais radical e menos funcional que as demais, pois requer a regulamentação
de um novo item funcional inexistente na língua.
Essa estratégia diligencia uma intervenção política mais marcante e uma
conscientização popular de sua implementação. Na língua inglesa há a tentativa de
implementação de sistemas pronominais não binários, resumidos no Quadro 4.
Entretanto, a utilização dessas formas é, pelo menos, mais restrita que o uso do they
singular.

Quadro 4 – Formas pronominais de 3ª não binárias distribuídas por suas funções


sintáticas, propostas para o inglês
Nominativo Acusativo Oblíquo Possessivo Reflexivo
zie zim zir zis zieself
sie sie hir hirs hirself
ey em eir eirs eirself
ve ver vis vers verself
tey ter tem ters terself

21
Não é à toa que o uso do diminutivo, da diminuição do referente é um recorrente instrumento
linguístico de dois extremos afetivos: o xingamento e a expressão de afeto. Em ambos, há uma conotação
ao infantil do diminutivo.
Draft – 03/05/2021

e em eir eirs emself


Fonte: https://uwm.edu/lgbtrc/support/gender-pronouns/

O êla do português brasileiro é outro exemplo dessa terceira estratégia, mas sem
o respaldo institucional, necessário para sua implementação. Para além da inexistência
desse suporte político, nos deparamos com o já mencionado falogocentrismo como
“coluna dorsal das normas de gênero” (BENTO, 2017, p. 60). Isso justifica a
marginalização de sua referencialidade, exclusivamente a uma leitura de matiz
feminilizante, historicamente apagada nas sociedades ocidentais. A tendência brasileira
de os usos de um pronome não binário serem associados à marcação de corpos lidos
como feminis ou transgêneros, especificamente gays efeminados, travestis e mulheres
transgêneras, ilustra contundentemente esse cenário.
As estratégias identificadas não devem ser as únicas disponíveis para um
tratamento justo de gênero nas línguas, mas apareceram em nossa pesquisa e fomentam
o debate aqui proposto. Outras pesquisas, no entanto, mostram a introdução de novas
formas de referenciação pronominal não binária (ou não generificada) usadas, por
exemplo, por falantes do inglês londrino, como man (CHESHIRE, 2013), ou yo, em
uma variedade da língua inglesa falada na cidade estadunidense de Baltimore
(STOTKO; TROYER, 2007). Curiosamente, mas não coincidentemente, todas essas
estratégias foram registradas em comunidades jovens, o que pode indicar, segundo
Penelope Eckert (1988, 1989), uma orientação no sentido da implementação nessas
línguas.
A adoção de estratégias justas para gênero deve, portanto, visar a reduzir
estereótipos e a discriminação de gênero. O caso do português brasileiro ilustra como a
integração de pesquisas sobre estrutura da língua, políticas de linguagem e estilo
linguístico pode contribuir para uma justiça linguística de gênero, fomentando a redução
da estereotipificação linguística, geradora de discriminação.

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