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Isto é, pelo acesso ao direito de dizer a si, contar sua história, história de si e
de seu grupo social, acesso por vias da língua e pela língua. Diria um poeta: quem
pertence a si, pertence a si também na palavra. Não é tão somente uma questão de
desinências, adjetivos e pronomes, mas antes um direito político travado por um
embate social, pelos dizeres e memória.
O autor busca com o texto restituir o contexto, reestabelecendo os sentidos
históricos neste embate, notadamente travado em meados de 2020, quando da
circulação de projetos de lei contrários ao uso da assim chamada linguagem neutra,
ou linguagem inclusiva de gênero.
Neste acontecimento discursivo há um espaço como ferida entre causas e
efeito, e aquele primeiro “parece exceder suas causas” (ZIZEK, 2017, p. 9). Neste
acontecimento discursivo que, à primeira vista, tem asserções técnicas no plano
gramatical da língua, observa a supersaturação ideológica, isto é, o mecanismo
ideológico a mobilizar os argumentos ditos técnicos.
A tudo que é óbvio e evidente, um espaço de circulação engendrado por
mecanismos ideológicos. Busca o autor, nestes termos, o resgate do estatuto
político e de moralidade vigente nas políticas de língua, isto é, do espaço discursivo
entre causas e efeito e da causalidade sócio-política embebida pelas
argumentações.
Feito um cajado no mar vermelho, recusa o autor as posições de língua como
código ou instrumento, isto é, a língua é conditio sine qua non do dizível, mas não
se restringe à mera comunicação, como abelhas ou baleias. É, depois da
linguagem, órgão da sensibilidade humana a ressonar na alteridade, ao passo que
“Só se diz, portanto, numa língua. Mas uma língua é também o lugar onde se
produz o falante como um efeito dessa estrutura inscrita na trama das relações
históricas.” (BARBOSA FILHO, 2022, p. 145).
No Brasil colônia o pito-de-pango criminaliza pela primeira vez o porte e uso
da Cannabis sativa, senão por boticas. A proposição de legislação caminha,
analogamente, como a criminalização do pito. É a história da própria embarcação
histórica. Naqueles idos pela acumulação primitiva de capital em terra brasilis
colonizada, então pela acumulação primitiva da economia libidinal.
A identidade em termos genéticos é a despossessão e despersonalização do
desejo nos oprimidos. Um querer outro imputado, uma memória discursiva
silenciada e apagada epistemologicamente, quando não corpórea, haja vista a
incidência de assassinatos homo-lesbo-bi-transfóbicas na terra brasilis do século
XXI.
É a defesa não da língua portuguesa in res abstrato, mas de uma língua
determinado pelo espaço imaginário que a detém, o que vale dizer, de um projeto de
sociedade, cultura e ser social, memória discursiva ontogeneticamente filiada à
interdição de dizeres, ditos e, tão logo, de seus falantes.
Para Barbosa Filhos (2022, p. 146) há um mito fundador para a constituição
de uma política linguística no Brasil, a saber, o Diretório dos Índios (Directorio, que
se deve observar nas povoaçoens dos índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua
Magestade naõ mandar o contrario), obra de instrução do século XVIII, e as políticas
linguísticas do Estado Novo, entre 1937 e 1945.
O primeiro, destaca o autor (2022, idem), sublinha que a destituição de um
modo de vida bárbaro se faz pela destituição de sua língua mater, anunciando o
progresso e civilização cultural nos modos de vida e costumes pela implementação
da língua portuguesa. Na disputa pelo imaginário de unidade nacional impregnou-se
a convenção de uma língua oficial a dotar de civilidades os rústicos, sabida língua
da corte portuguesa. E a língua geral é contraposta pela língua portuguesa por seu
potencial civilizatório, dito de outro modo, em seu relevo pelo projeto de sociedade
que o contém.
O sujeito de direitos, norma estatal jungida pela Coroa, tem seu acesso
adstrito à língua portuguesa. Há neste momento histórico a interdependência da
norma estatal e da legalidade moral com efeitos na política linguística. Assevera
Barbosa Filho (2022, p. 147): “Isso poderia produzir, com o tempo, uma completa
indistinção entre índios e homens. O acesso à categoria homem dependia, portanto,
de uma conversão ao idioma da Coroa.”. O projeto de nação estabelecido fora,
então, um país homogêneo e indistinto pelas etnias e línguas.
A balbúrdia das proposições legislativas é tamanha que dois parlamentares
proponentes se utilizam de nome social, a saber, Chris Tonietto e Junior Amaral,
respectivamente Christine Nogueira dos Reis Tonietto e Geraldo Junio do Amaral. E
uma parlamentar, sabida Jéssica Ramos Moreno, é autopercebida e declarada
lésbica e atua em frente conservadora, nas urnas seu nome fora “Jessicão”, o que
faz valer a posição peuchetiana pela não-coincidência do imediato sensível ao
campo ideológico. Feitas nossas ressalvas a polemizar os interlocutores,
prosseguimos com o texto do professor Barbosa Filho.
O autor destaca seis projetos parlamentares a legislar por sobre a linguagem
neutra, dissociando léxicos da ideologia. Ora, se legislam sobre gênero isto nada
nos revela, haja vista o fato de serem contrários e pela não-coincidência
supracitada.
A respeito da posição discursiva, aponta Pêcheux (2009 apud BARBOSA
FILHO, 2022, p. 148):
REFERÊNCIAS