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4 anes PR geet te ir) fotografia que explora as etapas fisicas e quimicas do processo de ~ impressao como foco criativo de. Bs Ra das pecas Chegamos & segunda edipso da Revista do Fotoclube Luz na Lente. E um feito a ser comemerado, mas, sobretudo, a ser refletido. Algumas perguntas saltam aos associados... Por que uma Revista? Quais assuntos ou fotégrafos devem participar? Em que uma Revista acresoenta ao Fotoolube? Nao sabemos quais respostas seriam as mais exatas, porque @ andlise © objetivagso de um trabalho artisticojornalistico 6 algo de extrema subjetividade. Melhor deixar essa fungio para os leitores. No entanto, podemos arrisoar uns palpites, visto que 0 papel do Fotoclube 6 trazer informagao e lazer aos associados. No Luz na Lente, procuramos cumprir essa tarefa com reunides mensais, onde profissionais de renome, tanto de fora quanto da propria organizagéio, so convidados para palestras, cursos, saidas fotograficas e oficinas. Nos ulttmos meses, tivemos a honra de receber autoridades como Alexandre Sequeira, Ana Pévoas, Angela Berlinde, Carlos Barcellos, Claudia Bokel, Danny Bittencourt, Bustéquio Neves, Ioana Mello, dentre outros. Quanto & escolha dos fotgrafos para compor a revista, hhouve um convite aberto aos assoolados, para quem tivesse material para apresentar, independente do tema. A unica exigéncia fol, claro, que 0 assunto tratasse de fotografia. Por ultimo, o que uma revista acrescenta ao coletivo? ‘A resposta 6 bastante larga: abrange desde 0 desafio de se ‘comprometer a escrever, e fazé-lo; passa pelas trocas propostas nos trabalhos dos colegas ¢, quicé, daqui tirar alguma inspiragdo para novo projeto, sem falar na importancia da informacso ‘compartilhada oom os leitores. Merece destaque o desprendimento em deixar-se conhecer pelos colegas e pelo publico extern, além de estar aberto tanto para criticas como para novos aprendizados pela leltura da revista. Mas o que fica desta edigéio 6 0 desafio enfrentado por alguns fotdgrafos, pois escrever 6 algo relativamente novo para eles. Participar de um coletivo onde a técnica jornalistica deve andar ombro a ombro com o olhar do artista 6 outro desafio enfrentado nessa experiéncia. Mas nada disso abalou o entusiasmo dos participantes em dar o melhor de si. Cada qual, de maneira personalissima, a seu tempo e modo, escolheu as melhores palavras as organizou. Em seguida, com o mesmo encanto, escolheu as melhores fotos, para dar ao leitor um instante de prazer na lettura, Um dotalhe agugou esse entusiasmo: 0 fato de estarmos saindo da pandemia da Covid 19. Uma das medidas sugeridas pelas autoridades de satide fol o distanciamento sooial e, por conta disso, essa Revista fol feita totalmente em sistema remoto. A vontade de nos encontrarmos para aprofundarmos debates em torno dos textos ficou contida nas reunides online e nas mensagens enviadas pelas redes sociats. ‘Vencendo todos esses desafios, 0 Fotoclube Luz na Lente deseja aos leitores momentos agradaveis ao desfrutarem dessa Revista. Apreciem-na, critiquem-na para nosso aperfeloamento. B em nome da arte, divulguem-na. ‘ANO 2022 EDICAO 2 Foto de Capa: Télio Luiz © EDITORIAL Luz wa Lente OS © SUMARIO ba ae of 43 1d) Cee cucy ea PASSO A PASSO PROJETO FOTOGRAFIA ALTERNATIVA ENSAIO REFLEXAO BIOGRAFIA EXPEDICAO, INCLUSAO FOTOLIVRO Redatores ndre Heller Seneca Diretoria de Fotografia eur ae) eee) cae) rita} EEE ERC e and Thiago kena) ieee 04 tuz wa Lente PALESTRA DO ASSOSSIADO Carlos Barcellos apresentou o tema “O fim do mundo é o reino das aguas - lugares sonhados", para contar um pouco do que foi a experiéncia de fotografar oncas no Pantanal e a cidade de Ushuaia, na Argentina, Dois lugares que ele sempre sonhou em conhecer. —— eck, aati Foto: Carlos Barcellos OFICINA DE ASTROFOTOGRAFIA Em abril, o Fotoclube teve a oportunidade de participar de uma oficina de astrofotografia com o fotégrafo especialista no assunto Carlos Barcellos. Os alunos CNL tiveram uma explicacao online sobre procedimentos basicos para fotografar a Via Lactea e uma experiéncia pratica na Chapada dos Veadeiros. PROJETO DE INCLUSAO O Luz na Lente se juntou com 0 Candango Fotoclube para realizar uma aco social na Comunidade Indigena Guajajara, no Setor Noroeste, em Brasilia. Os voluntdrios se mobilizaram para recolher alimentos e agasalhos, além de oferecer pequenas oficinas de fotografia no local. Luz wa Lente O5 PASSO A PASSO a /| 6 LUZ NA Instalagao do triptico na casa do cliente. MANUAL DE SOBREVIVENCIA DO FOTOGRAFO-ARTISTA CONTEMPORANEO DO ARQUIVO DIGITAL A IMPRESSAO FINE ART Um bote de salva-vidas para os fotdgrafos que utilizam as redles sociais e os mecanismos do mercado de arte, arquitetura e design para venderem suas fotografias. POR ALEXANDRE HELLER (TEXTO E FOTOS) poética e consumo, sendo, ao mesmo tempo, vendedor @ educador de seus clientes, pois seus objetivos finals sto ‘a venda e a garantia da qualidade ‘Trecho do Artigo Original 17 +0 conteudo dessa matéria foi retirado de um artigo de mesmo nome, apresentado por Alexandre Heller em sua banca de pés-graduacio em fotografia como suporte da imaginacao. Luz NA Lente O'7 que hd em comum entre um artista que viveu no inicio do século passado e um artista contemporaneo é a necessidade de desenvolver uma sensibilidade de venda para apresentar aos possiveis clientes aquelas obras que podem despertar o desejo da aquisicao. A diferenca 6 que hoje nés nao precisamos colocar as obras no carro e percorrer quilémetros pelo Brasil afora, tomando muito café com as esposas dos prefeitos das cidades e pasando meses longe de casa e da familia para trazer o dinheiro das vendas dos quadros. Pelo contrério, com um computador e um perfil em redes sociais, é possivel estar em casa ‘ou em qualquer lugar do mundo, desenvolvendo e produzindo arte com qualidade e certeza da satisfacao do cliente. Através de simulacdes em ambientes, muitas vezes ficticios, um fotégrafo-artista pode expor seu acervo de maneira menos onerosa monetariamente. Dessa forma, o cliente escolhe aquela que mais Ihe agrada e, somente apés a aprovacao do projeto, a obra se materializa através da impressao fine art, emolduramento € instalacao. Como o préprio termo expressa, fine art trata-se da impressao de maneira altamente artistica, oferecendo controle de todo o fluxo, desde a captura até a impressio final, em busca de um esforco sensorial para ampliar a sensibilizacao. Para que uma obra possa ser classificada dessa maneira, existem varios detalhes técnicos em sua produgo, desde a captacao da imagem, seu processamento digital, 0 encaminhamento do arquivo final para o atelié de impressao e a finalizacao da obra na molduraria. E para auxiliar aqueles que desejam se atualizar ou até mesmo se inserir no universo da fotografia contemporanea, aqui jaz um manual que aborda todas as etapas de producao, desde a concepdo de uma ideia, produgao das imagens, anélise e reflexao acerca da relagao entre forma e contetido, materializacao da imagem e didlogo com © mundo. Instalagao casa do cliente. Dimensao 150 X 200cm, PROCESSO CRIATIVO Para nés, artistas, é fundamental a importancia do processo criativo. Ele se inicia antes mesmo de lancarmos o primeiro clique, pois nosso repertério visual nos conduz diante do desafio de criar e transformar em arte tudo aquilo que nos cerca ou que ja existe. E para explorar ao maximo esse potencial artistico, é muito importante ter como base trés pilares - estudo, pritica e técnica. O estudo e a pratica andam lado a lado, eo ideal é que ambos estejam em equilfbrio, que possam se complementar continuamente para que a pessoa adquira a técnica, Muitas vezes, realizamos muito mais pratica, e com isso 0 tempo da reflexao critica do que se est produzindo ¢ escasso, quase nulo. Demandas do mercado? Necessidades comerciais? Nao importa 0 que faca a balanca pender, temos que retomar o equilibrio. © oposto também é preocupante, quando se estuda demais uma imagem, mas nunca a executamos. CONSTRUGAO DA NARRATIVA Anarrativa comeca com a composicso da cena, formato da imagem e fotometria, e tem sequéncia quando, ao chegar a sua estacao de trabalho, descarrega suas imagens captadas em RAW ~ negativo digital - e, no programa de edicao, comega a expressar seu sentimento através da paleta de cores, saturaco, contraste, brilho etc. No pés-processamento da fotografia, aliando a expressdo criativa a técnica, obtém-se o resultado esperado desde o momento da concep¢ao da ideia Apartir dai, todos os processos subsequentes devem ser respostas para que a imagem seja finalizada com extrema qualidade, encaixando-se nos preceitos de uma obra fotografica fine art. Isso significa que, antes de serem enviadas para 0 atelié de impressao, deve- se ter a garantia de que as imagens tém qualidade € resolucao suficientes para a dimensao (ou dimens6es) do suporte (papel) proposto. LUZ NA Lents OQ ATELIE DE IMPRESSAO_ ‘Apés explorar e lapidar a proposta de trabalho, é necessario concretizd-la. E para isso, 0 fotégrafo-artista obrigatoriamente compartilhard sua criagdo com um terceiro profissional, 0 impressor, que 0 ajudaré na execucao final desse projeto. E nesse momento que ocorre a materializacao de todo o processo criativo aliado & técnica: a impressao fine art, que é 0 objetivo final das fotografias de belas-artes. Essa é uma etapa tao importante quanto o processo criativo, a magia da transformagao de luz e cédigos bindrios em pigmento e matéria. O atelié de impressao, ambiente em que todo fotdgrafo- artista deveria se encontrar, torna-se extensdo da sua prépria estacdo de criacdo. Cria-se ento uma relacao profissional e de muita confianga, parceria e coautoria da imagem a ser impressa. Tal relacao inicia-se com 0 envio do arquivo digital para 0 atelié de impressao. Nessa etapa, o fotografo- artista encontra-se completamente dependente do impressor e sua maquina. O impressor deve garantir que os melhores materiais (papéis e tintas) sero usados com um cuidadoso proceso na manipulacdo dos instrumentos e objetos. Aimpressao fine art é a combinagao entre as tintas de pigmentos minerais sobre papéis 100% algodio, livres de acidos, ou papéis 100% alfa- celulose, Essa fusao resulta em uma impressao de altissima qualidade com a longevidade de mais de um século, garantida pelos fabricantes das matérias- primas, desde que finalizadas da maneira correta (moldura, vedaco, vidro e suporte). Atualmente, as marcas mais conhecidas sao a alema Hahnemihle, que jd estd no mercado ha 300 anos, e a francesa Canson. Logo apés a impressao, existe um periodo de secagem para que posteriormente enfrente 0 emolduramento. Em ambos os processos, 0 artista jd no possui mais participacao; ele ressurgiré no momento da instalago no ambiente de seu cliente, para fazer os ajustes finais e contemplar o resultado com 0 novo proprietario da obra. DIVULGAGAO, No século passado, o consumidor tinha contato direto com os quadros, muitas vezes na prépria casa, onde ja “experimentava” aquela obra na parede da sua sala ou em outro ambiente. Tradicionalmente, a forma como os artistas expdem seus trabalhos é através de eventos culturais ou galerias de arte, o que demanda um alto. investimento para atingir 0 pUblico. Hoje, coma fotografia e todo o processamento digital, aliados & exposicao em redes sociais, essa realidade mudou 10 102 wa tenTE completamente. Nao existe mais a necessidade de produzir fisicamente a obra. Atualmente, lanca-se mao das ferramentas digitais para simular na parede do cliente a obra de interesse. O cliente entra em contato com 0 trabalho do artista principalmente através do Instagram e manda um arquivo da foto da parede em que pretende colocar a obra. Com essa imagem em mos, ¢ possivel inserir na parede do cliente a obra fotogréfica, simulando um quadro com moldura e, até mesmo, por vezes, um reflexo do ambiente para que fique mais préximo da realidade. Assim, 0 cliente se conecta diretamente com a fotografia e, somente apés a compra do projeto é que a imagem passa pelo processo de impressao, garantindo a sustentabilidade de todo o proceso. cas THMPANCIALS fe atsan dice ieliery Mari de Lourdes Heller com pl tig lla eeator dea orice wine "Rip eka ioyegmogteier asian exist Pain arn ar Manchete de jornal de 1949 indica que avés de Heller estariam em Porto Rico com uma exposic¢ao de quadros e esculturas. Em contraste, as atuais fotos de Alexandre o mostram produzindo e expondo material de qualidade de sua prépria casa. Alexandre Heller Atelié d REDES SOCIAIS De acordo com o relatério da We Are Social e da Hootsuite, o Instagram foi a 4° rede social que o Instagram, sao muito titeis, pois podem ser mais usada no Brasil em 2021, com 110 milhdes de _conectados entre si e auxiliar no ranqueamento usuarios, baseada unicamente no compartilhamento da maior ferramenta de pesquisas do mundo: o de imagens e videos. Ou seja, é a maior galeria Google. Mas é importante ressaltar: as habilidades de arte gratuita do mundo, proporcionando a de venda continuam sendo extremamente seus usuérios a possibilidade da divulgaco de necessérias, mesmo no cenario virtual, pois para seus trabalhos e escalando as vendas para um garantir a venda é preciso saber conversar com publico diversificado e consideravelmente amplo, _simpatia, explicar tudo nos minimos detalhes e fazer com a possiblidade de ter os trabalhos acessados _—_uso de técnicas de persuasdo para o fechamento da mundialmente, rompendo qualquer barreira compra. demografica e proporcionando escalonamento mundial das obras fotograficas. ‘Agora que vocé jé sabe o passo a passo para Para o fotdgrafo-artista que pretende ser um fotdgrafo-artista no meio digital, basta se comercializar as suas obras fine art, a internet dedicar aos estudos necessérios e treinar bastante com certeza seré seu maior aliado. Plataformas para melhorar suas técnicas e a qualidade do seu como Pinterest, Behance, Adobe My Portfolio e processo cada vez mais. € fique tranquilo, pois cada até mesmo - e nao menos interessantes - blogs obra possui uma pessoa certa, que vai se conectar e sites (e-commerce) so midias importantes profundamente e valorizar inteiramente sua criacao. para a presenca digital. Esses espacos de Confie no seu talento e boa sorte! divulgacdo, apesar de terem menos visibilidade LUZ NA LENTE 1] Conheca o primeiro jogo brasileiro de psicofotografia que proporciona didlogos com o inconsciente, aprofunda o autoconhecimento e resulta em séries fotograficas autorais e amplamente significativas. POR FERNANDA MATOS (TEXTO E FOTOS) 12 102 Na LeNTE sdo permeavels, principalmente numa mesma familia. A energia de cada pessoa, conhecida ou no, viva ou falecida, com lacos sanguineos ou lacos de convivio, atravessa constantemente a nossa alma ¢ influencia 0 que somos. As células do nosso organismo tém memoéria genética e psiquica, ou seja: nés herdamos talentos e desvirtudes dos nossos ancestrais, nos inspiramos e somos desafiados por amigos, professores e até mesmo animais do nosso convivio; e construimos a esséncia da nossa personalidade a partir da interacdo dessas referéncias com os acontecimentos diarios que formam a nossa historia de vida. De acordo com Carl Jung, psiquiatra e psicoterapeuta fundador da psicologia analitica durante a primeira metade do século XXI, a consciéncia de individualidade do ser humano é composta por duas estruturas psiquicas: Self e Fgo. Enquanto o Self é descrito como a esséncia, aquilo que existe de Unico e peculiar na nossa personalidade, que j4 nasce conosco; o Ego é A s fronteiras que separam os seres humanos. uma construgao que ocorre nos primeiros anos de desenvolvimento, em funcao dos processos de socializacao e da leitura que a crianca faz das expectativas criadas sobre ela. Esse Self é a matriz das herancas psiquicas, é a origem dos potenciais de realizacdo que o go se apropria ora de forma segura, ora defensivamente, gerando nds psiquicos, traumas e complexos. E 0 modo como cada pessoa nutre, trilha e cura a propria jornada, entendendo e ressignificando feridas, é 0 que impacta nas mudancas individuais e sociais necessdrias para a construcao de sociedades mais harménicas, ou sintOnicas. Nesse cenério, a Artista, Fotdgrafa, Escritora € Psicéloga Fernanda Matos, adepta aos conceitos Jungianos, traz para 0 consultério um caminho de encontro com 0 inconsciente, através de fotografias e imagens produzidas pelos pacientes. 14 02 wa Lente ‘Como Especialista em Fotografia como Suporte do Imaginario e em Tanatologia, uma area que trabalha com Luto e Perdas; ela desenvolve com seus pacientes uma variedade de trabalhos em que eles usam a fotografia como apoio e meio de expressdo de suas dores. Além disso, por ser certificada em EMDR (Eye Movernent Desensitization and Reprocessing = Movimentos Oculares para Dessensibilizacdo e Reprocessamento), Fernanda atua na Psicofisiologia do cérebro, também com imagens que 0s pacientes evocam de sua memoria, a partir de estimulos sensoriais visuais, auditivos e tateis, tipicos dessa abordagem psicolégica. “"Existe um protocolo dentro do consultério, de solicitar ao paciente que ele imagine que aquela cena traumatica que esta sendo trabalhada é uma fotografia. Eu peco que ele descreva o que tem nessa imagem e depois vamos aprofundando em cada um dos elementos", conta Fernanda. “Também criei, durante alguns anos, em rodas de mulheres, 0 trabalho de ampliacdo imagética, utilizando imagens arquetipicas de deusas gregas como referéncias para a vivéncia de um processo criativo com desenhos, objetivando a compreensao das caracteristicas diversas do principio feminino jungiano”, acrescenta, Em ambos os casos, as imagens séo construidas de maneira intuitiva e depois compreendidas através de questionamentos e conversas. Buscando uma maneira de integrar cada vez mais sua profissao de psicéloga e sua profissao de fotdgrafa dentro da clinica, Fernanda desenvolveu © conceito de PsicoFoto, a partir da unio dos conhecimentos que ela adquiriu da Psicologia Analitica, Simbélica e Arquetipica de Jung, da psicofisiologia EMDRista de Francine Shapiro e da @ SoulCollage de Seena Frost. Nessa ultima técnica, {as pessoas so convidadas a escolher imagens de maneira intuitiva e construir colagens em cartes retangulares. Depois de pronto, é0 momento de observar e tentar sentir 0 que aquela imagem significa, 0 que ela traz de informacéo, criando assim um didlogo com o inconsciente. "Sou encantada com todos esses mestres, mas senti necessidade de mesclar todos os seus saberes. Primeiro, uni o trabalho da Sena com as Mandalas de Jung, porque mandala é algo que ndio tem lados, tudo gira em torno do centro. Eo centro é 0 nosso Self, a energia essencial da nossa Psique. Ou seja quanto mais a gente caminha para ‘© nosso centro selfiano, mais perto estamos de nds mesmos", explica a psicéloga. "Também quis organizar uma jornada, que vern do mundo mais concreto e palpavel para as pessoas, até o mais longinquo, abstrato e arquétipo, que também conta a historia da humanidade ou da pessoa diante da sua existéncia na humanidade", completa. Assim, ela deu & luz as Sociedades Sint6nicas: seis temporadas de um jogo psicolégico, individual, autorreferente e oracular que tem como principal objetivo a conexao intuitiva e criativa dos hemisférios direito (emo¢ao) e esquerdo (raz8o) do cérebro do jogador, potencializando em sua psique, as forcas mentais e afetivas do seu inconsciente e, as energias arquetipicas, mitolégicas e alquimicas do Inconsciente Coletivo da Humanidade. Cada temporada é composta por uma caixa com 24 mandalas de papelao, imagens cortadas em formas circulares para serem usadas como fundo e um questionério a ser respondido apés a montagem Luz wa Lente 15 das figuras, que deve ser realizada com 0 auxilio de fotos e revistas. A primeira temporada do Jogo é chamada de Familia Real e visa 0 reencontro com as personagens das proximidades reais do jogador, como familia, amigos, amores e bichos de estimacao; buscando 0 tesouro perdido, as memérias esquecidas, as historias escondidas, as reliquias veladas, 0 nao dito, 0 ndo conhecido, enfim, a heranca familiar. € uma viagem na prépria historia, recriando parte de sua colmeia ou arvore genealogica com as raizes e os galhos de sua sociedade intima. Em seguida, vem o Vale das Sombras, com a elucidacao das virtudes e desvirtudes do Ser e o reprocessamento de possiveis traumas do participante; a Travessia Sagrada, com a descoberta do itinerario e da missdo de vida do aventureiro; as Fabulas Fantésticas, com o reencontro com personagens do imaginario infantil e 0 resgate da possivel crianga ferida do participante; a Fat ina, com 0 reconhecimento arquetipico e mitolégico das energias originais, invisiveis e inspiradoras do viver; e, por fim, a Romaria Alquimica, com 0 conhecimento simbélico e oculto da Alquimia e 0 poder de transformaco do participante. *Sociedades Sintdnicas é um jogo simbdlico, sincrénico, sensorial, surpreendente e sagrado que materializa as imagens psicol6gicas do individuo, de forma voluntéria e involuntaria, e, utiliza mandalas, fotografias, imagens, colagens e um Oraculo-Quiz de perguntas. Tudo isso com uma possivel analise psicoterapéutica, no caso dos pacientes ou alunos que desejem aprofundamentos psicolégicos e analiticos’, resume a autora. “E 0 interessante & compreender que apesar de ser concebido como um jogo dentro do campo da psicologia, seu resultado na fotografia sao séries fotograficas inteiras, com tematicas especificas e construcées autorais que revelam o mais intimo daquele ser”, aponta, Para adquirir a primeira temporada do jogo Sociedades Sint6ncias, basta entrar em contato com a artista: Telefone: (61) 98115 1502 E-mail: fmatos@psicofoto.com Instagram: @fmatos.psicofoto 16 102 Na LeNTE BENEFICIOS DO JOGAR Independente da temporada vivenciada, a experiéncia proporciona: Pausa nos excessos de velocidade da vida; Um momento gostoso, divertido, integrador; Uma ago sensério-afetiva-motora que brinca com a espontaneidade e a originalidade da sua crianga interior; Surpresas estéticas e imageticas feitas pelas proprias maos; Uma forma de expressao segura, criativa e silenciosa que ensina sobre assertividade e amorosidade no dialogar; ‘Aumento das habilidades de observacao, concentracao e foco; ‘Aumento da fluéncia criativa; Ver suas préprias desproporcées psiquicas e rir com elas um riso de cura; Liberacao e reorganizacao de contetdos psiquicos bloqueados; Respostas espantosas que abrem caminhos; ResolugGes de enigmas mentais e afetivos; Reflexes inacreditavelmente transformadoras; Aprofundamento da percepcao das imagens e ‘suas mensagens no cotidiano; Fim da sensacao ruim da soliddo destrutiva a partir da reconexdo com as Sociedades Sint6nicas; Vinculagdo com a sabedoria do Inconsciente Coletivo e os significados mais enraizados do ser humano; Resgate de lembrangas deliciosas da familia; Conhecimento de caracteristicas familiares silenciadas; Recuperacao do sentimento de pertencimento familiar; Ter um baralho préprio e nico de mandalas duraveis, carregaveis, que servem como lembretes imagéticos e Ancoras psicolégicas. Luz Na Lente 1'7 A ALQUIMIA DA FOTO A ESTETICA DE PROCESSOS HISTORICOS O que leva um fotdgrafo a apresentar seu trabalho em formato analogico, quando se tem a disposi¢Go cameras fotogrdficas, celulares e computadores de ultima geracdio? POR TELIO LUIZ (TEXTO E FOTOS) © FOTOGRAFIA ALTERNATIVA 18 102 Na tenTE Luz wa Lente 19 “Fotografia alternativa funciona como um grande guarda-chuva que abriga, em primeiro lugar, todas as técnicas de impressio fotogréfica desenvolvidas e pesquisadas durante © século XIX, e que fazem parte da evolugso histérica da fotografia.” Fabio Giorgi, em Manual de Cianotipia e Papel Salgado s termos histérico e alternativo se referem com a mesma finalidade: para se referir aos processos fotograficos desenvolvidos no século XIX, entre 1826 e 1889, que posteriormente foram sendo deixados de lado com o surgimento da fotografia em pelicula apresentada pela Kodak “Eu sempre fui grande fa do ‘feito a mao’ e nao poderia ser diferente com as copias analégicas. Poder criar cépias com processos classicos, lindos e muito permanentes me deu a certeza de que este seria meu caminho", conta Leonardo Bittencourt, fotdgrafo e instrutor especializado em processos alternativos. "E fundamental ter em mente que tudo isso é uma jornada que, provavelmente, nao tera um final previsivel ou esperado. Tudo isso é uma evolusao, 0 fotdgrafo que encarar dessa forma vai entender que a busca € 0 objetivo", acrescenta Para os profissionais que trabalham com esse tipo de técnica, a captura de uma foto é s6 0 inicio de um longo caminho, que pode demorar dias em ambiente de laboratério, as vezes para produzir uma Unica imagem. € preciso pensar nos minimos detalhes, desde a escolha de um suporte, um processo histérico para impressao, os quimicos que sero utilizados, a melhor opcode exposicao luz... Para enfim realizar em vias o experimento e desfrutar dos resultados. Sobre seus processos criativos, Bittencourt revela: “Eu tenho muitas ideias sempre. Elas surgem do cotidiano, de uma ida & praia ou ao cemitério. Costumo criar uma pasta para a ideia e ali comecar a incluir anotacSes, fotografias, de inspiracao que se relacionem com o tema, ete. Deixo passar um tempo e retorno para validar se a ideia é realmente interessante e se ainda faz sentido para mim.” 0 10z wa LenTE AFINAL, O QUE E FOTOGRAFIA? A fotografia é 0 resultado de diversos experimentos fisicos e quimicos que foram se aperfeicoando ao longo de varios séculos. Leonardo da Vince descreve, em um de seus periddicos do Codex Atlanticus, datados de 1478 a 1519, sobre os, métodos e efeitos da cémara escura. Ele constatou que se fosse feito um pequeno furo na janela de um quarto completamente escuro, a imagem que estava do lado de fora seria projetada na parede dentro com suas proporcdes perfeitas, so que de cabeca para baixo. Com essa informacdo, varios pintores e desenhistas adotaram a técnica para reproduzir a realidade se utilizando de caixas de madeira pintadas de preto, ‘Aproximadamente 250 anos depois, 0 inventor e cientista Joseph Nicéphore Niépce explorou processos de gravacao dessas imagens através de agentes quimicos sensiveis 3 luz do sol, como o Betume da Judéia; em diversas superficies, como 0 vidro, 0 cobre, a prata, 0 zinco e o estanho. Em maio de 1826, ele obteve a primeira imagem fixada em uma placa, com uma cémara escura posicionada na janela da sua casa, na cidade de Saint-Loup-de-Varennes, na Franca, com um tempo de exposicdo de oito horas. Em 1839 Louis-Jacques Daguerre criou um sistema que reduzia o tempo de revelacao em um aparelho chamado “daguerrectipo", no qual a imagem era realizada sobre uma placa de cobre devidamente polida, recoberta com uma camada de prata e sensibilizada com vapor de iodo. O material era exposto a luz durante um periodo que variava de 5 a 30 minutos e, posteriormente, revelado em vapor de merctirio. Trés anos depois, esse processo foi acelerado com o acréscimo de brometos e cloretos, possibilitando o retrato analégico como conhecemos. Na oportunidade, 0 Governo Francés adquiriu 0 invento, tornando-o um bem puiblico, & assim foi criada a Fotografia. LUZ NA LENTE Q] PBB erie AARTE DO ERRO Para quem se disp6e a trabalhar pesquisando e trabalhando com processos fotograficos histéricos, é preciso modificar a forma de executar e avaliar seus experimentos, pois lidamos com diversas variaveis sobre as quais no temos controle. Compostos quimicos mudam suas caracteristicas com 0 passar do tempo, suportes sofrem alteracdes de acordo com 0 ambiente em que se encontram, a luz muda de acordo como clima, a estacao do ano e as condiges atmosféricas de cada dia, entre outros. “Lidar com 0 acaso é um belo desafio, mas preciso reconhecer o inusitado como parte do processo criativo", explica Rinaldo Morelli, fotégrafo, pesquisador e experimentalista de processos histéricos. Neste conceito da poética da percepso, © pesquisador trabalha com a aceitacao do erro, a interferéncia do acaso e com a necessidade do improviso. 0 erro, neste contexto, é considerado um determinado efeito que se conseguiu a partir de testes direcionados a outras finalidades, e que uma vez realizado, catalogado e estudado, pode ser repetido; ou pode ser um resultado causado por variantes desconhecidas, implicando na possibilidade de uma obra de arte Unica e exclusiva. “Estamos fora de toda a industrializacao existente, partimos de um ponto aberto, elaboramos tecnicamente os processos e estamos sempre expandindo os processos existentes. Quanto mais pesquisamos, mais estamos motivados e menos engessados ficamos, pelo contrario estamos sempre expandindo, desta forma o método cresce a partir do aumento das minticias entendidas: minticias técnicas, artisticas e estéticas”, aponta Alex Topini, Fotégrafo especializado em processos alternativos do LabClube. "Com o passar do tempo, aquilo que inicialmente parece muito simples, muito alternativo, comega a se tornar um meio de expressao, uma linguagem que pode ser incorporada como um meio onde seu trabalho artistico se estabelece como propésito’, adiciona DESACELERAR E FOCAR NO AGORA Como pano de fundo temos, a questo do tempo que, no mundo contemporaneo, pode ser considerado acelerado, diluido, expandido, instantaneo, presente, futuro, passado e aqui buscamos exatamente a desaceleracao, a observaco do cotidiano, o que esta ao nosso redor, buscando as praticas do caminhar, intervir, sentir como uma forma de nos voltarmos para as questées mais presentes, para 0 agora, para o simples. Atemitica do Cotidiano associada ao tempo expandido provoca o artista a encontrar sua arte proxima ao seu dia a dia, no convivio com amigos e familiares, na caminhada didria, enfim em tudo que esté ao seu redor. E necessario que cada um reflita sobre 0 seu dia a dia, de como esta utilizando bem ‘ou mal seu tempo, se suas prioridades estao bem definidas, se é necessério combater a ansiedade, qualificar quais informacdes queremos receber e usar a tecnologia a nosso favor, para isto a pratica de um processo fotografico historico pode auxiliar nesta busca do autoconhecimento. Sobre o inicio desse processo criativo, a artista Virginia Matos partilha: “Nao obedece a um planejamento rigoroso. Tenho linhas gerais para iniciar o trabalho. Acredito que o trabalho 6 autoinstrutivo, vocé vai fazendo e ele vai te mostrando caminhos. Apenas com um resultado desconhecido ou inesperado, posso avancar na técnica e sair do lugar comum.” Ao ser questionada sobre sugestdes para um fotdgrafo iniciante nessas experimentagbes estéticas, indica que “comece dos pracessos mais simples e rapidos. Penso que quem deseja enveredar pelo mundo da fotografia alternativa deve, pelo menos ter 0 equipamento basico para manuseio de quimicos, bacias para lavagem de papéis, pinceis e acessérios exclusivamente para 0 uso nesses processos e se possivel, uma mesa de luz UY, além do equipamento basico de protecao individual.” ‘A POETICA DA PERCEPCAO Em 2019, Télio Luiz apresentou um trabalho de pés-graduacao em fotografia intitulado “Rastros Visuais: Fotografia e Obsolescéncia”, cujo objetivo era encontrar a esséncia da construcao de imagens, independentemente da sua captura analégica ou digital. Para isso, investigou o envolvimento de personagens, suas memérias, sonhos, desejos e ansiedades; ¢ a postica do cotidiano: a ocupacao de espacos urbanos com arte, 0 olhar focado nos acontecimentos didrios, a percepgao do entorno, do simples e do ébvio. Foram utlizados elementos do dia a dia, como papel, tecido, vidro e espelho, na pratica de uma técnica fotografica historica, a cianotipia, que resulta em imagens com a tonalidade do azul da Prissia. Como resultado da pesquisa, Télio desenvolveu a triade da postica da percep¢ao, para quem se propoe a trabalhar com processos fotograficos historicos e desenvolver uma estética autoral: erro, acaso e improviso. Em resumo, & preciso entender e aceitar que 0 erro faz parte do Proceso, que o acaso interfere no resultado e que a necessidade de improviso é constante. “O resultado das imagens e o préprio processo ampliam o sentido da observacao, do caminhar e das suas conexédes com outros sentidos além da visdo", explica. POETICA DA PERCEPCAO Entendimento e Aceitagao Interferéncia Necessidade 24 woz wa LENTE AEXPERIMENTACAO DE MATERIAIS “As idelas dos projetos surgem a partir da motivacao de unir um processo fotogréfico {alternativo ou no) com uma tematica especifica’, conta Renan Nakano, fotdgrafo da Diafragma8 e pesquisador de processos alternativos. "Em 2019, por exemplo, realizei uma exposicdo com fotografias em Ambrotipia onde a ideia era relacionar o tema que era a conscientizacao sobre a preservaao dos nossos patriménios histéricos relacionando-o com o suporte da fotografia, no caso placas de vidro, que podem ser eternas e resistentes se bem cuidadas, bem preservadas ou frageis e facilmente “quebraveis” se nao preservadas’, completa. © processo da Ambrotipia ¢ bastante peculiar: 0 resultado é um negativo de vidro, como & denominado, mas que apresenta uma dualidade sendo negativo ao ser visualizado sobre um fundo branco e positivo ao ser visualizado sobre um fundo preto. “Entdo, sempre ha uma reflexdo, antes de Iniciar cada projeto, sobre a unio do suporte com a tematica pretendida que sera abordada para uma exposi¢ao ou um novo projeto de pesquisa’, conclui Nakano. Outro fator determinante para a pratica dos processos fotograficos histéricos € a falta de insumos produzidos de forma industrializada para atender a este segmento, sendo que os quimicos normalmente séo destinados ao uso farmacéutico, 0 papéis em sua maioria sdo do segmento de desenho e pintura, as luzes UV servem a segmentos de serigrafia, aqudrios, enfim a grande maioria dos produtos tém sua finalidade especifica, definida pela industrializacdo e devem ser adaptados para a perfeita utilizacdo. “antes de escolher qual a técnica, materiais, e suporte, verifico previamente a viabilidade financeira e viabilidade prética. Infelizmente, no Brasil, trabalhar com fotografia quimica tem um custo elevado e tudo precisa ser calculado para evitar surpresas no decorrer do projeto”, orienta Nakano. “Além disso, a depender do proceso, 6 necessario pesquisar previamente se um determinado reagente quimico tem sua compra permitida sem a necessidade de adesdo de licencas e autorizacdes, seja do Exército Brasileiro, Policia Federal ou Policia Civil", acrescenta. Nesta busca experimental, cabe destacar algumas surpresas obtidas com a pesquisa dos suportes e seus resultados. Alguns papéis e tecidos, que por sua apar€ncia simples ou pela dificuldade de manuseio muitas vezes sdo deixados de lado, nos surpreendem com os resultados obtidos, a citar 0 papel jornal, papel vegetal, pano de prato e pano de chao. Em termos técnicos, a percepcao do observador muda conforme o suporte utilizado, 0 que faz da escolha do material uma etapa crucial de planejamento da experiéncia. LUZ NA LENTE 25 BIOGRAFIA Télio Luiz é graduado em Engenharia Civil, com especializagao em calculo estrutural e fundacdo, tem experiéncia na area de Governanca de Tecnologia da informacao, Gerenciamento de Projetos e Modelagem de Processos, desenvolve pesquisas sobre processos fotograficos histéricos, adotando uma mistura de técnicas tradicionais contemporaneas na criacao de imagens. Como especialista em gerenciamento de projetos, adota metodologia especifica na elaboracao e conducao dos trabalhos fotograficos que utilizam as técnicas Pinhole, Cianotipia, Goma bicromatada, Papel Salgado, Marrom Vandyke, Platinum Paladium, Antotipia e Fitotipia. No perfodo 2018/2019 cursou a Pés-graduacao em Fotografia como Suporte para Imaginacao. No segundo semestre de 2021 participou de residéncia artistica no @dobrasdesi e desenvolveu o livro de artista Castelos e Ruinas. Mini Histéria As fotos apresentadas fazem parte da busca de um fazer fotogréfico que abrange tanto a parte técnica, suportes diversos e uma pesquisa que sempre considerou como elemento mais importante © tempo. Um tempo que se mostrou estendido, as vezes me levando a caminhos tortuosos, mas sempre com resultados muito satisfatorios, independentemente se este resultado era ou nao o esperado. Acredito que neste proceso temos que aprender com os erros, aceitar a interferéncia do acaso e a entender a necessidade do improviso. INDICAGAO DE LIVROS A Fotografia Pensante Luis Carlos Monforte Guide to Photographic Alternative Processes jill Enfield's The Book of Alternative Photographic Processes Christopher James Manual Pratico de Cianotipia e Papel Salgado Fabio Giorgi 0 Lapis da Natureza William Henry Fox-Talbot (Traducao de Fabio Giorgi) Reveladores P&B ndo Convencionais Fabio Giorgi Formulario P&B Fabio Giorgi Fotografia do Séc. XIX: Ambrotipia e Ferrotipia Alex Gimenes e Renan Nakano 26 oz wa LENTE 3 a MEMORIA © NARRATIVAS POSSIVEIS POR FERNANDA OTTONI (TEXTO E FOTOS) LUZ NA LENTE BY recordagéo rememoracao reminisoéncia faiscas lampejos pedagos se misturam se confundem se fundem quando o tempo passa quanto mais o tempo passa MAIS O QUE FICA impresso aqui dentro na alma no cérebro na mente no espirito no inconsciente na carne quanto mais o tempo passa mais as lembrangas se tornam colagens de passados distantes colagens de cheiros trajetos emoges dores gozos choros se sobrepdem se compéem se emaranham os fragmentos DO vIvIDO se tornam histérias mais complexas apesar de alteradas pelo tempo pela maturidade idade velhice pelos tantos ‘acontecimentos vividos sentidos sobrevividos. Jembrangas. apesar de traidas pelo esquecimento RESISTEM vivas contando a vida em tantas narrativas que perpetuam inquebravel @ meméria das experiéncias registradas NA pele. 28 uz wa LENTE 30 10z wa LenTe Luz NA Lente O] < 2 N a oO ») A FOTOGRAFIA NAO CONGELA, MAS NOS, AO CONGELARMOS A FOTOGRAFIA, CRIAMOS UM TEMPO. QUE NUNCA PARA... POR DANNY BITTENCOURT arece-me importante para qualquer produtor Pe: imagem refletir sobre questdes relacionadas 8 fotografia e seu contexto. Por isso, nesse texto, proponho pensarmos um pouco acerca de um discurso to presente entre fotografos, fotografados € apreciadores de imagens fotograficas: a capacidade da fotografia de eternizar um momento a qualificacdo dela como meio onde conservams nossa memoria “congelando” o tempo em imagem. Porém, antes de seguir, preciso deixar claro que nessa reflexao apenas coloco um ponto de vista coerente com minhas pesquisas. Sendo assim, nunca absoluto e finalizado. Em relacdo a capacidade da fotografia de fixar um momento, é evidente que hd um “congelamento” do instante que, agora, se torno\ material. E apenas por esse motivo conseguimos identificar contextualmente onde os objetos fotografados esto inseridos, em que década a imagem foi construida, em que lugar estavamos etc. Porém, mesmo que a fotografia nos mostre um tempo passado, nossa relacdo com aquela imagem muda conforme nossas experiéncias vio transformando nossas abstragdes. Nesse sentido, 0 préprio tempo nos possibilita estar diante de uma visdo de mundo que também se modifica, fazendo com que a imagem seja impermanente. Sendo LEXAO ©) assim, podemos pensar que a imagem fotografi apenas diz de um tempo passado, ndo sendo mais um artefato substituto de memoria. Uma mesma imagem, vista por um mesmo espectador em momentos diferentes de sua vida, pode ter significados diferentes. Dessa maneira, ela se mantém viva na construcao efémera de cada individuo que se relaciona com ela, Para que a fotografia fosse capaz de congelar um momento, seria primeiro necessario que esse momento fosse fixo e eterno, sendo ele mesmo a propria fotografia- em-matéria em um tempo que nunca passa. E n6: como consequéncia, também nunca passariamos. Como os momentos vividos so sempre construgées a partir da carga que trazemos do passado, a fotografia utilizada como prova ou a lembranca de um acontecimento, nesse nosso raciocinio, é a maior evidéncia que aquele momento nao existe mais: uma evidéncia de sua morte, uma prova de sua auséncia, de sua finitude, (Ou seja, a fotografia é um rastro que nos lembra que a nossa propria memoria se modifica; um resto que nos fere em lugares (cada vez) diferentes. Cada vez que a olhamos, um vestigio nos evoca, nos convora... depois nos abandona ou nos acrescenta, gerando assim, novas possibilidades. LUZ NA LENTE OO PASSARINHANDO FOTOGRAFIAS Conheca a historia de Thiago Tolédo, o piloto de avicio que se apaixonou pelo registro de aves e largou tudo para investir na vida dos sonhos ©) BIOGRAFIA POR THIAGO TOLEDO (TEXTO E FOTOS) 34 10z wa LeNTE principalmente passaros, que meu pai criava nna chacara onde morévamos desde os meus trés anos de idade. Sempre fui aficionado pela natureza e suas belezas, tinha diversas colec6es de cartes telefénicos, cards e selos relacionados a esse tema. A natureza para mim é a forma mais clara da beleza e da perfeico de Deus. Eu ja fui ateu, agnéstico e hoje sou cristo, mas foi através da natureza que comecei a ter alguns insights de que no tem como ser tudo tao belo, em ordem e com uma sabedoria tdo grande, sem ter tido um Criador por trés. E foi assim que eu comecei a desenvolver meu lado espiritual, observando todas as formas dela se apresentar 0 mundo, estando aberto a essa beleza e curtindo cada nascer e cada pér do Sol, sentindo 0 vento, tomando um banho de cachoeira, observando as aves, 0s animais e as plantas, e vendo que tudo faz parte de um pequeno e perfeito caos. E ucresci tendo muito contato com animais, Meu maior sonho era ser bidlogo, mas acabei seguindo a carreira de piloto de aviao. Quando voei a primeira vez, me apaixonei e acreditei verdadeiramente ser a minha vocaco, sé que no demorou muito até eu me sentir solitdrio. Em menos de um ano, comprei a minha primeira camera e comecei a fotografar para me distrair. Eu encontrei na fotografia uma maneira de sair dos quartos de hotéis em que ficava por longos periodos aguardando 0s vos, e até um animo a mais, me libertando, inclusive, de um quadro depressivo, Eu buscava saber tudo sobre os lugares que iria fotografar, procurava sempre locais com relevancia histérica, e isso foi me dando cada vez mais vontade de conhecer novas cidades, novas pessoas e locais ainda inexplorados. Fora a felicidade que a fotografia me proporciona de poder exteriorizar meus sentimentos a familiares e amigos, retratando 05 locais magicos que eu passei, os causos inusitados e 0 olhar sobre situacGes que sé eu vivi. Luz NA Lente O65 Certa vez, em Brasilia, fotografei uma ave to linda que me fez pesquisar sobre o assunto e me apaixonar pelo tema. Comecei a publicar minhas imagens online em sites especializados e aprofundar meus conhecimentos de edic3o. Tive um salto de qualidade e ganhei notoriedade no meio dos fotdgrafos de aves. Abri um canal no Youtube com dicas de fotografia e edi¢ao, making of de viagens e dicas relacionadas; que rapidamente se tornou uma plataforma de ensino, abrindo-me Portas para realizar o primeiro congresso brasileiro de observadores e fotdgrafos online (CONAFA 1.0). A partir dai, comecei a participar cada vez mais de conferéncias desse tipo e, em 2017, ministrei a minha primeira palestra no maior evento de observadores de aves da América Latina: 0 Avistar Brasil. Em um intervalo de quatro anos, foquei em estudar 0 tema das aves e da fotografia, me aprofundei ainda mais em técnicas de edigao e fui me exigindo saltos de evoluao em todas as dreas. Foi entdo que, no dia primeiro de janeiro de 2020, descobri um mundo inédito de oportunidades: viajei com um grupo de amigos para a Costa Rica e conheci pessoas que empreendem coma preservacdo da natureza, recebendo fotografos de aves de todos os cantos do globo em suas propriedades. Dois meses depois, veio a pandemia e senti que era o momento ideal para investir nesse novo sonho. Conversei com a minha esposa sobre largar a aviagao e mudar para Brasilia, para viver verdadeiramente de passaros e fotografia. Em outubro do mesmo ano, abriamos pela primeira vez as portas do Jardim dos Beija-Flores. 36 vz wa LENTE O sucesso foi imediato, nossos primeiros clientes e visitantes safram muito felizes e satisfeitos com os resultados de suas fotos e, dali em diante, caimos no gosto dos fotdgrafos brasilienses, do Brasil e do mundo. Jé recebemos visitas de todos os estados brasileiros, da América do Norte e da Europa. Hoje, afirmo categoricamente que estou muito realizado pessoalmente, porque ver uma pessoa se emocionar ao fazer uma fotografia de qualidade no nosso jardim € uma satisfacao sem precedents. Claro, temos muitos projetos de crescimento, ampliagdes e de aprimoramento no nosso empreendimento, mas ndo existe combinagao mais perfeita para mim do que poder estar mais préximo da minha esposa e do meu filho, estar em contato direto todos os dias com as aves, aprendendo e crescendo como ser humano, estar perto da minha familia e terminar 0 dia literalmente em casa. Hoje, além do jardim, tenho uma agéncia de turismo especializada junto com meu sdcio Flavio Mota, 0 IBFN, que a principio tinhamos 0 interesse de ser o Instituto Brasileiro de Fotografia de Natureza, mas reestruturamos nossa misao e valores e deixaremos sé a sigla IBFN. Através dele, eu levo pessoas apaixonadas por fotografia de aves a uma imersao em paisagens dos mais diversos pontos turisticos do Brasil e América do Sul, explorando também a cultura, a culinaria e 0 regionalismo presentes no local. Nosso diferencial ¢ a inserco total do nosso cliente na vivéncia do local visitado, em conjunto com minicursos, ministrados por mim, com as melhores técnicas de fotografia que desenvolvi ao longo dos anos, a fim de que a pessoa nao tenha que passar longos perfodos para alcangar esse conhecimento. Isso, sem contar 0 meu acompanhamento real em todas as fases de cada viagem. O proceso de escolher e desenhar uma viagem é bem simples, pois depois de anos aproveitando as folgas para passarinhar ou empreendendo viagens com esse objetivo, eu fui conhecendo os melhores locais do Brasil para fotografia. Para mim, é uma diverso pensar tudo nos minimos detalhes e montar um roteiro que eu gostaria de fazer: bacana, divertido, leve, onde eu conheco a regio, faco fotos belissimas e ainda tenho a possibilidade de levar a minha esposa, j4 que a viagem atende nao sé ao fotégrafo, mas a seus parceiros também. 0 calendario de 2022 comecou com duas idas & Chapada Diamantina para minicursos praticos e, em maio, nés fizemos a primeira trip internacional, para Jujuy, no norte da Argentina. No proximo semestre, estao planejadas idas ao Ceara e a Serra da Canastra. Eu consegui transformar o meu hobby em uma forma de ganhar a vida. Sabe aquele jargao de se trabalhar com o que gosta e nao trabalhar um 56 dia? Hoje, sem demagogia eu vivo isso! Nao posso ser hipécrita e dizer que nao existem momentos de stress e ansiedade ao lidar com as responsabilidades e expectativas, mas tém horas em que parece que eu vivo de férias. Sempre encorajo as pessoas a seguirem seus sonhos, mas claro, com © pé no chao, eu sou pai de um garoto espetacular, sou marido de uma mulher incrivel e tenho as minhas demandas e responsabilidades como provedor. Antes de mais nada eu entrego minha vida nas mos de Deus na certeza de que Ele sabe 0 que é melhor para nés. O importante disso tudo é vocé estar feliz, reservar a natureza e poder ser mais um agente nessa batalha to bonita e do bem em prol do mundo. Entdo, eu quero te encorajar, se vocé gosta de natureza e gosta de aves, vamos fotografar esses seres incriveis! Venha nos visitar no Jardim, para um bom papo, fazer alguns cliques, ter um contato pertinho dos beija-flores e, se quiser dar um passo além, planejar suas viagens conosco. Vocé vai visitar os lugares mais lindos e preservados do planeta atras desses bichos e, no final, ainda vai sair com um super troféu: uma boa foto! FICOU INTERESSADO? Acesse nossas redes e mande uma mensagem: @thiago.t.silva @ibfnbrasil www. passarinhadapro.com.br www.youtube.com. br/passarinhadapro Luz NA Lents OF EXPEDICAO OLHO NO OLHO Relatos pessoais da experiéncia de ficar frente a frente com a maior ave da rapina do Brasil POR JEANNE MARTINS (TEXTO E FOTOS) LUZ NA LENTE OQ ‘efémeros que se sucedem initerruptamente em alta velocidade, deixando na nossa meméria os fragmentos mais marcantes. Busco vivenciar momentos e armazenar memérias, que tenham raizes profundas e que possam turbilhonar minhas emocGes quando acessadas. Observar a natureza sempre me causa um grande rebulico interno, pois as relacdes naturais, especialmente as interagGes entre os animais selvagens, me levam a refletir na insignificancia do ser humano. Poder imortalizar isso em uma imagem tora a experiéncia ainda mais espetacular! Desde a infancia, sou apaixonada por fotografia, mas apenas ha poucos anos pude me dedicar a esta atividade. Dentro das infinitas possibilidades da fotografia, 0 que mais me cativa é a fotografia de vida selvagem. Nada pode ser previsto, arranjado, combinado, tudo sempre surpreende. Particularmente os rapinantes so 05 animais que mais me atraem e, quando possivel, vou em busca deles. Recentemente, em meios a momentos de graves turbuléncias no planeta, fui visitar a maior guia brasileira e a mais forte do planeta, para asserenar a mente, absorver aprendizados e encher os olhos e a alma de vida e paz. A vida é como um mosaico de momentos ‘AHarpia é um dos maiores rapinantes do mundo. Pode alcangar 1.05m de altura e um pouco mais de 2m de envergadura. € uma aguia florestal, que se reproduz a cada dois anos e est em grave risco de extincdo, pela sistematica perda do seu habitat. Ela possui uma aerodinamica especial, para voar entre grandes arvores sem fazer barulho e surpreender suas presas. Constréi seus ninhos em imensas arvores, com grandes galhos em forquilhas reforcadas, e os reutilizam anos seguidos, apenas reformando-os na época da procriagao. O filhote leva mais de um ano para conseguir sobreviver sozinho. Tem crescimento rapido e, portanto, necessita de grande quantidade de alimentos. A dieta é exclusivamente carnivora. No periodo de incubagao do ovo e nas primeiras semanas do filhote, a mae nao se ausenta do ninho, sendo o macho responsdvel. pelo aporte de alimento para ela e 0 filhote. Apds 0 filhote alcancar trés meses de idade, a mae passa também a se ausentar do ninho para cacar. Apesar do tamanho e da forca dessa espécie, os pais sao incrivelmente carinhosos com suas crias. Poder observar um ninho de Gavido Real ativo é uma rarissima oportunidade. Contratel os servicos de uma empresa de turismo que explora a obsevacao e documentacao de vida selvagem, investindo em estruturas especificas para tal, como uma torre de observacao na altura do ninho. Desta torre, pude presenciar a mae chegando com um tatu no final da tarde, apés permanecer mais de 11 horas fora do ninho. Nesse intervalo, também. preocupei-me com as peripécias do desajeitado e Curioso filhote, que esporadicamente se aproximava a passos trépegos da beirada de um abismo de 24m de altura. Estar a espreita, aguardando os acontecimentos que se sucedem durante um dia de vida desta familia, gera tanto encantamento quanto uma descarga de adrenalina surreal para quem gosta de vida selvagem. Quando a mae chegou com o tatu nas garras, arfava de cansaco. Surgiu Por entre as érvores, nenhum ruido anunciou sua presenca Demorou varios minutos para recuperar 0 folego. O olhar do filhote alternava-se da mae para a presa e ele permanecia em siléncio. Quando recuperou 0 félego comecou a alimentar o filhote, Ihe oferecendo as partes mais tenras do tatu. De tempos em tempos ela engolia partes menos nobres da presa, deixando o melhor para o filhote. Ele vocalizava insistentemente apés engolir cada pedaco, pedindo mais comida, jd ensaiando o poder de sua voz ecoando na florestal Os raios de sol ao cair da tarde tingiam de dourado mae e filho, numa atmosfera quase surreal ao meu olhar, me enchendo de alegria pela oportunidade unica de vivenciar aquele momento, No dia seguinte, o tatu da véspera ja havia sido praticamente consumido, restando pouca comida para os dois. Quanto mais convivo com a natureza e observo as relacdes da vida selvagem, mais me encanto com a sabedoria dos seres. A exemplo, como 0 Gavigo-real alimenta-se de carne fresca e sobram diversos residuos de carcacas no ninho, 6 natural que sejam atraidos diversos tipos de insetos, principalmente moscas e abelhas. A presenca desses invertebrados incomoda principalmente 0 filhote, podendo inclusive comprometer sua satide, causando problemas que podem levé-lo a morte prematura. Incrivelmente, a mae tem um conhecimento intuitivo impresso em sua memoria Luz wa Lente 4] ancestral sobre algumas plantas da floresta, cujas esséncias espantam os insetos e diminuem o. calor, utilizando suas garras e bico poderosos para quebrar galhos destas plantas e as transportar para ‘oninho, Por volta do meio-dia, surgiu repentinamente o macho trazendo nas garras um outro tatu recém capturado. Foi uma cena espetacular ver esta familia reunida! Ele é um pouco menor que a fémea, mas no menos impressionante. Pousou no ninho onde estavam mae e filhote e dividiram o tatu em duas partes. Surpreendentemente, comecou a alimentar 0 filhote (eu acreditava que apenas as fémeas 0 faziam). Esta atitude proporcionou 4 mae uma certa tranquilidade, nao sendo ela a oferecer o alimento a Tempos depois, o macho pulou para o galho a0 lado do ninho e vocalizou! S6 quem ja ouviu os sons emitidos por uma criatura to magnifica pode entender a emogao que senti neste momento. Por sua vez, a fémea eo filhote respondiam e os sons ecoavam mata adentro como a agradecer ou demonstrar a grandiosidade eo poder da maior guia do mundo, na arvore mais alta da floresta, com o canto mais imponente. Ficaram ali por algum tempo nesta conversa magistral e eu... muda! Me sentindo a um sé tempo insignificante e privilegiada. Em seguida, ele alcou voo rumo a imensidao verde e desapareceu. Acreditando jé ter visto mais do que eu havia imaginado, comecei a me preparar para ir embora. Mas ainda fui agraciada com uma cena de despedida que jamais esquecerei! Numa fracao de segundo, a fémea saiu do ninho e pousou no galho ao meu lado. Olhava © horizonte para onde o macho vou. Vocalizou insistentemente como a pedir sua presenca. Estava to perto que eu via cada detalhe de suas penas, seu topete, suas garras, um pequeno residuo de carne fresca no bico... Lagrimas encheram meus olhos! Neste instante ela me olhou. Nem nas minhas maiores expectativas para este encontro, eu nao teria sido capaz de imaginar uma cena destas! Como digo frequentemente "Vale emocionar, vale 0 vice-versa!” Naquele momento éramos num atimo de segundo, apenas eu e ela, o grande Uiracu! Como ndo houvesse mais nada ao nosso redor e até mesmo 0 tempo houvesse parado. Um momento magico s6 nosso! As duas impressionantemente perto! Como rezam antigas lendas, metade abutre, metade mulher, a grande mie da floresta! Olho no olho! 42 0z wa LENTE Indigenas da Comunidade Pium, em Roraima. Pi) nl LUN “Lita bea 1 ee © INCLUSAO BANS Um relato das experiéncias do projeto Fotografia Indlusiva com povos indiigenas do Distrito Federal, Parand e Roraima. POR JOAO RIOS meu primeiro contato com os povos durante a Quaresma e a Semana Santa saem a noite origindrios deu-se em janeiro de 2015, em procissao rezando pelos espiritos sofredores, durante uma oficina de fotografia voltada Sua pesquisa foi contemplada pelo projeto Rumos para os associados do Luz Na Lente com o fotdgrafo _ tat Cultural e deu origem ao livro Penitentes - dos Guy Veloso. Dedicado as causas étnicas e religiosas, _ritos de sangue 4 fascinacao do fim do mundo. Sua ele passou quase duas décadas de sua vida viajando _proposta educativa consistia em uma imersao na por 13 estados brasileiros e registrando os rituais_aldeia Guajajara, localizada no Setor Habitacional dos penitentes, irmandades secretas e misticas que Noroeste, no coracao de Brasilia. Luz NA Lente 45 44 woz wa Lente ‘Ao lado, foto feita por Taina, indigena Xeta Foi muito inusitado conhecer uma aldeia fem Uiiibararna® Abali, indigena urbana bem no centro da capital do pais, Indigenas da Comunidade © passeio pegou a todos de surpresa. O local é Nova Esperanca, Roraima, considerado de passagem e descanso, pois até hoje Em seguida, cacique 0 indigenas deslocam-se a pé entre as regides Francisco, da comunidade do Brasil e param ali para repousar e reabastecer, indigena Guajajara, em 0 seus mantimentos antes de seguir viagem. Brasilia, Uma placa de identificagao na entrada da aldeia, desenhada com figuras geométricas indigenas, funcionava como um portal de acesso a outra realidade. E era! Eramos dois grupos de grandes curiosos: nds com eles e eles conosco. Tivemos a oportunidade de explorar a comunidade com acesso irrestrito, adultos e criancas posavam sem cerim@nia para as nossas lentes, ouvimos relatos sobre a luta praticamente perdida contra as construtoras e até cobraram-me alguns trocados para pintarem-me com tracos geomeétricos... Senti-me pronto para a Guerra! Também foros introduzidos ao local sagrado onde reverenciavam os mortos. O espaco lembra uma pequena oca com uma janela no teto, para a entrada de luz, e é enfeitado com uma galha de chifre de veado e uma boneca com trajes indigenas. € um ambiente sombrio, lembra uma catedral e faz o visitante se sentir perto de Deus. Ali, os entes falecidos sao velados antes de serem enterrados. O impacto dessa experiéncia reverberou ao longo de dois anos, até que, em 2017, fui convidado para ministrar uma oficina de fotografia as criancas. indigenas da etnia Xeta, na Terra Indigena Sao Jer6nimo, no Parana. Esse povo estava sendo reunido ali gracas ao trabalho da Dra. Maria Angelita da Silva, que o "redescobriu’, pois constava como extinto pela Fundaco Nacional do Indio (FUNAI). Eu @ a equipe passamos trés dias ouvindo as histérias de covardia dos fazendeiros que invadiam aquelas terras e 0s obrigavam a se dispersar pelo pais. Nossa revolta s6 nao foi maior do que o entusiasmo das criangas, alvoracadas ao descobrirem o universo de possibilidades da fotografia. Reunidas no espaco comunitdrio de eventos, elas aprenderam sobre composicao, regra dos tercos, contraste de cores, valor artistico da foto em preto e branco e sugestdes para 0 exercicio criativo. Apés a aula teérica, cada uma delas foi realizar uma explora¢ao pratica dos arredores, agora com um novo olhar. Em seguida, tivemos um momento de troca, reflexio e devolutiva, no qual cada foto apresentada foi comentada do ponto de vista técnico e artistico, com sugestdes de melhoria conforme o caso. Naquele mesmo ano, também participei da elaboracao do programa Fotografia Inclusiva, juntamente com 0 fotégrafo Cldudio Cunha ea servidora Célia Franca, do Servico de Acessibilidade do Senado Federal, com o intuito de ensinar Foto: 080 Rios See WS { ih eS, oS técnicas basicas de fotografia aos servidores e prestadores de servicos que possuem deficiéncias fisicas. 0 cerne do projeto, contudo, foi além da democratizagao do conhecimento fotografico, proporcionando uma inclusdo reversa e um exercicio de empatia, para que os integrantes pudessem vivenciar 0 mundo das minorias e populacées vulneraveis. Nao demorou muito até sermos convidados a visitar outras cidades, como Maringé (PR) e Ponta Pord (MS), e incluirmos os povos indigenas como parte do nosso publico-alvo. Em 2018, retornamos ao Parand para outra oficina junto ao povo Xeta, dessa vez residentes em Umuruama, e depois fomos até Roraima, na Comunidade Indigena do Pium. Foram momentos de intensas descobertas e experimentacées, pois adicionamos a programacdo algumas técnicas basicas de introducdo a fotografia digital. Também ficamos até tarde da noite em volta de fogueiras, ouvindo e contando historias para as criancas, vidas para conhecerem todos 05 segredos da cdmara escura e vislumbradas com as possibilidades, tanto de diversao quanto profissionais. Novamente a fotografia mostrou-me outros encantamentos. Quatro anos depois, em um momento pés pandemia da Covid 19, 0 projeto voltou a Roraima, na Comunidade Nova Esperanca da Terra Indigena So Marcos, e esto sendo programadas oficinas com indigenas do Para e do Tocantins. Este ano, retornei 4 comunidade do Setor Noroeste, que descobri ser origindria do Maranhdo. A aldeia finalmente foi demarcada pelo Governo Federal e esquecida pelas empreiteiras, 0 que deixou-me extremamente aliviado. Na ocasiao, levei alguns retratos que fiz durante a primeira oficina, nos quais, as criancas reconheceram seus pais e parentes, exibindo sorrisos encantadores que apenas a Luz wa Lente 45 46 10z wa LeNTE fotografia ¢ capaz de provocar. Busquei me aprofundar nos costumes culturais, desse povo, nas suas dificuldades com 0 poder piiblico e suas necessidades mais urgentes. Meses depois, retornei com alguns membros dos Fotoclubes Candango e Luz na Lente com a proposta de realizar uma aco social para arrecadac3o de alimentos e cobertores, e oferecer uma iniciaco fotografica para jovens e criancas, na qual cada voluntario ficou responsavel por um pequeno grupo de troca. O encontro extrapolou tanto as expectativas quanto a finalidade. A interacao entre indigenas e fotdgrafos foi de tal cumplicidade e empatia, que houve convite para retornarmos com mais temas sobre fotografia, enquanto alguns colegas se voluntariaram para resolver problemas como falta de 4gua, orientacao escolar, auxilio com deveres de casa e educa¢do ambiental. Encerrando 0 evento, 0 cacique Francisco reuniu Seu povo e os convidou para formarem uma roda Acima, ‘0 Risonho’, de Taylor Ribeiro, foto vencedora do concurso interno da Oficina. A direita, indigenas da Comunidade Nova Esperanca, Roraima. Logo abaixo, criancas Xeta, no Paranda, avaliando as fotografias delas. e, em agradecimento ao esforco dos participantes, dangaram ao som do maracd e musica cantada em tupi-guarani. Naquele momento, tive uma percepcao magica da humanidade sob o prisma da simplicidade, revelando a nossa condi¢ao divina, independente de qual ‘tribo’ pertencemos. A intengdo de cada uma dessas visitas é implantar a semente da curiosidade nas criancas e jovens dessas comunidades, possibilitando que eles descubram e encantem-se com novos angulos e olhares diante de paisagens jé familiares. Os fotégrafos saem com uma ampla gama de informacdes Unicas e exclusivas, de cada uma dessas culturas, mas, principalmente, com a esperanca de que a semente para o despertar da arte floresca e, com ela, surjam novas referéncias na fotografia, com cor, cheiro e identidade indigena, Esse grupo de voluntérios est atento ao surgimento de novos talentos e dispostos a caminhar com eles rumo ao mundo encantado da cémara escura. Foto: Jo30 Rios Foto: Maria Angelita da Silva UMA QUESTAO DE IDENTIDADE VISUAL E ANCESTRAL kul = ¢ POR MARIANA ALMADA (TEXTO E FOTOS) 9 CO ner Ree ee eee teen Coren Meee eet eee EET] eR ene mete) Se eo cee od ee Ree eee ey eee eee ee PC Sia nen ie oe te Re oe ceo a Pe eee cee eee es fotolivro fazer, como diz Chiodetto, um “transporte See acy eke afetivas, inclusive se questionando, por meio dos eae Sees CSE se Cree TCA Cage cn Oa CCE ECO R Me cs eect Descobrir quem fui, aquilo que sou... porque nds Pr eee eee tec ecan oan de uma comunidade! E que possamos, na mesma REO Le ty Pee el LUZ NA LENTE 47 See eT eae aa es imersio corajosa ¢ necessaria na See ee ee ee ery eee cS Cc ae Creer) Pro B a Bea)

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