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As etapas anteriores, constituídas basicamente pelas capa- Espera-se que essa metodologia possa ser replicada e aprimorada

citações e aplicações das ferramentas em campo, foram parte do cada vez mais por outras comunidades quilombolas (não só da Ama-
Programa Novas Tecnologias e Povos Tradicionais. A partir disso, zônia, mas de outros biomas também), demonstrando que a pesquisa
iniciou-se a terceira etapa, a qual foi desenvolvida no âmbito do tem mais valor quando realizada pelas pessoas que vivem o dia a dia de
Programa Compartilhando Mundos e teve como principal objetivo seus territórios e que conhecem as especificidades das suas realidades.
analisar os dados coletados e entender como usar esses dados para
garantia de direitos e acesso às políticas públicas. Assim, ocorreram
as oficinas de análise de dados. Foram capacitados em
Para as oficinas de análise de dados, contou-se com a expertise análise de dados mais
do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (Ibpad)[6] que,
contratado pelo projeto, ficou responsável pela instrução da temática.
de 250 quilombolas.
Durante as oficinas, foram realizadas as análises quantita-
tivas e qualitativas dos dados socioeconômicos coletados, com o Este diretório foi construído
intuito de entender o presente das comunidades. Também foram
utilizados os mapeamentos realizados pelas comunidades para co- com recursos do Programa
nhecer mais sobre a dinâmica dos territórios. E, por fim, foi realizada Compartilhando Mundos para
uma instrução específica na ferramenta Excel, trabalhando tabelas
dinâmicas e a construção dos gráficos da análise dos dados. apoiar a CONAQ e comunidades no
Foram realizadas 07 oficinas de análise de dados (sendo uma gerenciamento das informações sobre
no Maranhão, uma no Mato Grosso, uma em Tocantins, uma no
Amapá, uma em Rondônia e duas no Pará), com a participação dos seus territórios, iniciativas e políticas,
jovens que fizeram os levantamentos em campo, representantes das tendo a CONAQ como instituição
associações e lideranças quilombolas.
O resultado da pesquisa socioeconômica está detalhado no tó- gestora responsável pelo sistema.
pico “Socioeconomia dos Quilombos do Programa”. Neste tópico, são
apresentados os dados coletados a partir do formulário construído pela
CONAQ em cada Estado. Estes dados por comunidades ou territórios “Dados oficiais, são os nossos: coletados
específicos podem ser encontrados no sistema “Centro de Documenta-
ção Quilombola Ivo Fonseca da Silva”, disponível em www.cedoq.org.br.
por Quilombolas sobre Quilombos”.
Francisco Chagas Quilombo Tapuio/PI - CONAQ).
[6]
https://www.ibpad.com.br/ |19
© Rapahel Rabelo

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O que é Quilombo e o

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que é ser quilombola?

A retirada violenta de negras e negros do Continente Africa-


Os territórios quilombolas se no, para submetê-los/as à condição escrava como mão de obra em
constituem também em seus outros continentes - situação na qual se insere o continente Lati-
no-americano - foi um dos atos mais violentos da história humana.
limites geográficos, mas sua A situação da escravização no Brasil não pode ser analisada sem
essência vai além, pois passa antes dizer que poucos atos no mundo produziram tanta violência,
extermínio e desumanização de povos e nações, causando efeitos
pela incorporação das várias incalculáveis no passado e na atualidade.
dimensões da vida. Neste aspecto, Constituídos como espaço de luta e resistência do povo ne-
gro no Brasil para romper com a escravidão, os quilombos implo-
questões culturais, espirituais diram o sistema escravista e hoje ameaçam o projeto colonial-mo-
e religiosas são vivenciadas a derno ao tentarem resistir/existir para se manterem e produzir em
seus territórios.
partir do uso comum do território As regiões onde estão localizados os quilombos dão a cada um
e dos modelos de tomada de deles características próprias, sem perder o que é mais importante
e comum a todos, que é o significado do ser “quilombos e quilom-
decisões coletivas, considerando bolas”. Sendo assim, falar dos quilombos é falar de conhecimentos,
ações e atividades relacionadas à ciências e saberes neles e com eles existentes.
Portanto, a resistência vai desde necessidade de afirmação
ancestralidade, sustentabilidade cotidiana do seu ser, até a resistência a um conjunto de fatores que
e respeito à natureza. operam nas vidas das/dos quilombolas e que lutam para não perder
suas identidades, permanecer e pertencer a um espaço fundamen-
tado da ancestralidade com as especificidades de cada território.
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Se para o Estado brasileiro os quilombos ou comunidades re-
manescentes de quilombos são, como escreve o Decreto n° 4887/03,
“os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição,com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais espe-
cíficas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a
ndes a

resistência à opressão histórica sofrida”, esse passado e trajetória


Fern a

tem como suporte a ancestralidade e a resistência. Portanto, o ser


rolin
a Ca

quilombola se reflete em aspectos territoriais, ambientais, pela vida


© An

em comunidade, pela defesa de direitos e pela luta contra o racis-


mo estrutural. A definição de quilombos no Brasil, carrega consigo
um conjunto de questões relacionadas à identidade, a pertença e ao
pertencimento africano.
A vida social, os jeitos e formas de organização das/dos qui-
lombolas não combinam com a lógica de desenvolvimento vigente
no país. Essa é uma das peças-chave dos conflitos, pois é nesse em-
bate que as/os quilombolas são os mais vulneráveis. Mesmo com
toda resistência e luta, muitas vezes não conseguimos evitar os da-
nos causados em nossos territórios e a corrente da irmandade e os
laços ancestrais são corroídos por essa disputa e conflitos.
Como manter acesa a chama das lutas em cenários tão diver-
sos? Diversos também são os territórios e as formas de defendê-
© Ana Carolina Fernandes
-los. E é lá que estão os quilombolas. Lá homens e mulheres plan-
tam, colhem, rezam/benzem/curam, fazem artesanato, produzem
a agricultura familiar e educam os seus filhos. É no quilombo que
se enfrentam as questões oriundas do gênero e é no quilombo que
a vida acontece.
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Nesse mesmo espaço a medicina alternativa é
produzida e conduzida muitas vezes pelas mulheres,
pois ainda não chegam muitos dos serviços públicos de
saúde e são os saberes existentes nos territórios qui-
lombolas que sustentam a existência e o seu fazer-viver.
Refazer caminhos, sentir o chão, trazer presente
suas memórias, sobretudo, as memórias da escravidão,
não são sentimentos fáceis e talvez impossíveis de se-
rem sentidos pelo externo sem a pertença, sobretudo,
as memórias dos navios negreiros. Mas, se o caminhar, o
sonhar, o lutar e defender a liberdade, sempre foi um co-
tidiano na vida dos negros e negras em todas as partes
do mundo, nos quilombos do Brasil não seria diferente.
Por isso, nenhum quilombo a menos!
“Toda comunidade tem sua
ciência. Nós fazemos ciência
quando curamos com
nossos chás, nossas rezas,
nossos conhecimentos.”
(Maria Rosalina dos Santos, Quilombo
Tapuio/PI - CONAQ).
© Rapahel Rabelo
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© Ana Carolina Fernandes

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Quilombos e
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Quilombolas no Brasil
Silenciados e omitidos por muito tempo pela
historiografia no Brasil, os quilombos passam a re-
ceber um olhar na década de 1970 pelo movimento
“Somos muitos! Somos negro brasileiro. O fato seguinte foi o reconhecimento
desses grupos como sujeitos de direitos pela Consti-
mais 16 milhões de tuição Federal de 1988. Desde então, se estabeleceu
quilombolas presente vários debates e de forma mais acentuada, sobre a
explicitação dos direitos e a sua abrangência. As ques-
em mais de 6.000 tões que têm guiado a maioria dos debates são as
comunidades por todos os questões territoriais, sobretudo.
No âmbito do Programa Compartilhando Mun-
Biomas Brasileiros e não dos, foi realizado, além da análise dos dados primários
podemos ser ignorados.” das comunidades, um levantamento de dados secun-
dários sobre regularização fundiária dos territórios
(Ivo Fonseca da Silva, Quilombo quilombolas em âmbito nacional. Essa pesquisa foi
Frechal/MA - CONAQ). realizada pelo historiador Rogério Rodrigues e apre-
senta informações oriundas das instituições governa-
mentais sobre os territórios quilombolas e suas eta-
pas de titulação.
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ng
a Ey
ness
Notificação

© Va
órgãos Relatório
Abertura Antropológico
Processo
Certificação
pela FCP Levantamento
Fundiário
Planta e Memorial
RTID: Peças Descritivo
identificação e que
delimitação compõem
o RTID
Cadastra Quilombolas
Notificação
ocupantes Levantamento
Publicação RTID sobreposições
DOU e DOE
Notificação
órgãos e
entidades Parreceres conclusivos
Técnico e Jurídico
Contestação CDR
1ª instância
Recurso SR envia Kit Portaria de
CD Reconhecimento
2ª instância Portaria
SR Análise pelo Área particular Área pública
encaminha Decreto
Presidencial INCRA-Sede SR envia Kit passa para
Kits Avaliação MDA e Casa Civil Decreto titulação
por imóvel
CDRU
Ajuizamento Imissão de Homologação Pagamento Procedimento de
posse Titulação Regularização Fundiária de
de Ação de sentença indenização
Territórios Quilombolas
Título IN INCRA nº 57/2009
26|
© Ra
phae
l Rab

Até o mês de dezembro


elo

de 2019, período do
levantamento dos
dados secundários
sobre os quilombos do
Brasil, foram emitidas 2.798 certidões

Fundação
Cultural
Palmares
registrando
3.312
comunidades
Títulos TOTAIS
27
governo federal

©N
territórios

atha
52 comunidades

lia P
urific
ação
Títulos PARCIAIS
43
governo federal
territórios Importante ressaltar que os dados sobre certificação e titula-
48 comunidades ção dos territórios quilombolas aqui apresentados, foram obtidos a
partir da compilação de dados de várias instituições governamen-
tais (federais, estaduais e municipais), no período de 2017-2019, e
Títulos TOTAIS que, quando observados separadamente nestas instituições, podem
apresentar variações. Isso acontece pela falta de padronização e de
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governos estaduais
integração entre essas instituições o que dificulta o real acompa-
territórios nhamento da situação fundiária dos territórios quilombolas.
No mapa a seguir, torna-se visível a dificuldade no avanço das
148 comunidades etapas sobre a regularização fundiária dos territórios quilombolas:
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