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I Seminário Intermediário de Sociologia

06 e 07 de junho de 2019
UFMG – Belo Horizonte, MG
Grupo de Trabalho: Sociologia da Educação

A necessidade de renovação
na formação docente

Eric Tomich Januzzi


Erro crasso é permanecer em “reformas”, que apenas retocam, remendam,
enfeitam os problemas, deixando a questão substancial intocada: as
graduações precisam ser reinventadas, por completo, de alto a baixo; há
que abandonar a rota existente; há que buscar outra, totalmente diversa.
(Pedro Demo)

A formação de professores é tão importante para o futuro da educação que


precisa de uma atenção especial. Muito potencial e energia tem sido desperdiçados
nas fileiras acadêmicas pela falta de um direcionamento adequado dos esforços
formativos. Na graduação, o ensino ainda tem prevalecido sobre a aprendizagem e
os estudantes permanecem como meros coadjuvantes de suas próprias trajetórias.
Precisamos de mudanças profundas que possibilitem a cada estudante se
tornar protagonista de seu processo de formação. Mudanças que não se limitem a
criar, extinguir ou mudar a ordem das disciplinas, a incluir ou excluir conteúdos, a
modificar metodologias de aula etc.
Tudo isso pode ter utilidade como medidas paliativas, porém, precisamos de
mudanças que criem condições para trabalhar adequadamente o cerne do processo
formativo, isto é, o caminho cognitivo de cada estudante, visando uma formação
integral, criativa e conectada com as demandas atuais da sociedade.
Atualmente, as coisas estão do avesso e a aprendizagem parece estar em
função do ensino. E pode-se constatar, de modo geral, a preocupação em verificar
se os conteúdos foram passados, se os pontos foram distribuídos etc. Mas pouca
importância se dá ao que isso realmente significa para os estudantes e ao que tem
acontecido no interior de cada um deles.
Toda aprendizagem precisa ser significativa, isto é, os conteúdos precisam
fazer sentido para o aluno, com base nos próprios sentidos que os alunos
atribuem ao que estão aprendendo. A aprendizagem precisa envolver o
aluno como pessoa integrante de um contexto sociocultural, com sua
história de vida, suas idéias, suas emoções, seus desejos, sua cultura, sua
profissão. (LIBÂNEO, 2013)

O modelo de formação convencional é limitante, fragmentado e inconsistente.


Mas já nos acostumamos tanto com ele que parece ser uma obrigação aceitá-lo
como é, se conformar, como se fosse o único caminho para se formar.
A tradição acadêmica está de tal maneira estabelecida que parece muito
difícil imaginar maneiras mais eficazes de organizar a formação de nível superior.

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Embora em outros campos da experiência humana tenhamos avançado muito,
ainda permanecemos com um modelo formativo arcaico.
As Universidades são entidades passadas, envelhecidas, fora do tempo,
que cuidam de uma engrenagem que roda por si, inutilmente em grande
parte. Os estudantes aprendem muito pouco e metade, mais ou menos, cai
pelo caminho. (DEMO, 2018)

Normalmente, quando se pergunta a um estudante o que ele mais espera no


seu semestre, se ouve: “espero que acabe logo”. Isso é algo muito comum e aponta
para problemas profundos da formação que foram naturalizados.
Temos diante de nós um sistema “mal projetado”, um modelo formativo que
não cumpre plenamente o seu propósito. E isso pode ser observado no dia a dia,
em qualquer sala de aula: o percurso deixa os estudantes desorientados; as
demandas acadêmicas tomam-lhes o tempo e energia; e a busca por conseguir
pontos se torna mais importante que o aprendizado.
A discussão sobre “como formar o professor” é constante nas licenciaturas e
nos cursos de pedagogia. Distintas perspectivas e ideias podem advir daí. Porém,
seja qual for a visão que prevaleça, há um fator que permanece o mesmo: a
formação é algo que acontece de dentro pra fora e não o contrário. Um curso que
não leve isso em conta estará sujeito a submeter seus estudantes a uma formação
deformada, forçada, imposta, enfim, uma falsidade.
Essa sensação de um “estudo falso” no meu percurso formativo é que me
levou a questioná-lo cada vez mais, até encontrar suas raízes, até perceber que
havia toda uma estrutura assentada em bases muito frágeis. Essa fragilidade se
manifesta em diferentes aspectos do modelo de formação convencional (que é
dividido em semestres, disciplinas, aulas, pontos etc) e afeta os estudantes de uma
maneira indireta, sorrateira.
É comum encontrar nos planos de curso a expectativa de formar profissionais
reflexivos, críticos e autônomos. Isso é sensato e necessário. Porém, precisamos
reconhecer que não há como forçá-los a isso. O máximo que se pode fazer é criar
condições para facilitar o desenvolvimento da reflexão, da criticidade e da
autonomia. E, neste quesito, a faculdade contemporânea tem errado feio.
Os currículos dos cursos de formação de professores em geral tem um corpo
de conteúdos a serem trabalhos, deixando certa flexibilidade para a instituição e

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para os professores. Acontece porém, que ao chegar em sala de aula, depois de
feita a escolha do professor, determinados conteúdos tornam-se uma imposição,
onde não há escolha para o estudante. Isso falsifica o processo de formação,
torna-o artificial.
O estudo acadêmico da graduação obriga o estudante a aceitar como própria
uma necessidade externa, provinda da estrutura curricular e das escolhas que os
professores fazem. Assim, tem que comportar-se como se estas escolhas fossem
uma necessidade ou escolha sua. Desta maneira, o estudante "é convidado para
uma ficção, uma falsidade. Mesmo que ponha toda a sua boa vontade em conseguir
sentir como sua essa necessidade, não está garantido, nem sequer é provável, que
o consiga." (ORTEGA Y GASSET, 2009)

A solução para um problema tão cruel e dilacerante (...) não consiste em


decretar que não se estude, mas em reformar profundamente esse fazer
humano que é estudar e, consequentemente, o ser do estudante. Para isso,
é necessário virar o ensino do avesso e dizer: ensinar é primária e
fundamentalmente ensinar a necessidade de uma ciência e não ensinar
uma ciência cuja necessidade seja impossível fazer sentir ao estudante.
(ORTEGA Y GASSET,2009)

Hoje, parte-se do princípio de que os estudantes não sabem se guiar


sozinhos. E isso provavelmente é um princípio verdadeiro na maioria dos casos.
Porém, não justifica preencher todo o tempo dos estudantes com demandas
externas. Cabe-nos procurar um equilíbrio saudável, que dê oportunidade ao
estudante para aprender de maneira autêntica, tendo autonomia para tal.
Isso exigiria certa flexibilidade das instituições e dos professores, para
podermos repensar todo mecanismo de formação. Porém, há muita resistência.
Sobre as instituições de ensino superior, DEMO afirma que deveriam
acima de tudo, saber mudar, mudando-se como condição de vida. Na
prática é uma das que mais sabem resistir. A coisa mais comum: brilhantes
PhDs, pesquisadores superlativos, quando entram na sala de aula, só dão
aula, impedindo que os estudantes se façam autores. Parecem preferir o
estudante imbecilizado, cabresteado. Enquanto promovem sua autonomia
ostensivamente, temem a dos estudantes. (2018)

Como se pode formar profissionais reflexivos se a imposição de demandas


sequer possibilita aos estudantes refletirem seriamente?

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Uma biblioteca pode ser muito grande, mas desordenada não é tão útil
quanto uma pequena e bem organizada. Do mesmo modo, um homem
pode possuir uma grande quantidade de conhecimento, mas se não o tiver
trabalhado em sua mente por si, tem muito menos valor que uma
quantidade muito menor que foi cuidadosamente considerada.
(SCHOPENHAUER, 2011)

Como formar profissionais autônomos se não possuem autonomia durante


sua formação?
A formação de professores que temos em nosso país ainda é
excessivamente instrucionista. Se observarmos, a maior parte do percurso é
constituídas por aulas. Embora esteja colocado dentro de outros rótulos e formatos,
o percurso formativo - em grande parte - é um contínuo movimento de transmitir
conceitos e ideias para os estudantes. É, praticamente, uma via de mão única.
Embora haja muitas discussões em sala, na maioria das ocasiões são os
professores que definem o que os estudantes devem ler e o que devem produzir.
Definem tanto o que devem aprender quanto o que devem fazer para alcançar tal
aprendizagem.
Isso resulta em muitas leituras e trabalhos feitos por mera obrigação, sem um
comprometimento com a aprendizagem. Tal processo priva o estudante daquilo que
seria mais importante desenvolver durante seu período de formação: a capacidade
de questionar e aprender através de uma pesquisa autêntica. O aprendiz é privado
de ser autor, de ter autonomia para investigar.

Aprendizagem é sempre autoria, profundamente. Não aparecendo autoria


do estudante, não existe aprendizagem. Não se dá por aula, pois é
fenômeno que se gera na mente do estudante. Lá o professor não entra,
embora possa/deva mediar a atividade própria estudantil. (DEMO, 2017)

“Construir conhecimento” é um termo constantemente utilizado no percurso


formativo. No discurso geral, os estudantes vivenciam a sala de aula, as disciplinas
e, através disso, devem construir seu conhecimento.
Porém, vivencialmente isso está longe de acontecer como gostaríamos que
fosse. Para os estudantes, os frutos do seu esforço de atendimento a inúmeras
demandas desconectadas são fragmentos de informação isolados, que são o
resultado do modo de organização dos cursos.

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​"A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de
uma identidade pessoal" (NÓVOA, 1992)

A minha reflexividade crítica sobre minhas próprias práticas de formação me


levaram a crer que o percurso formativo que eu estava trilhando, no fim das contas,
mais me atrapalhava a aprender do que contribuia. Mas, não é permitido ao
estudante questionar neste nível. Para se formar há que cumprir as exigências,
como se estas fossem responsáveis por uma aprendizagem consistente.
Nada contra as exigências. Aliás, penso que deveríamos ter um sistema de
avaliação mais forte. Mas, antes, precisamos discernir a natureza dos
conhecimentos e buscar a essência de cada um, para criar avaliações mais bem
feitas e não incorrer no erro de cobrar dos alunos apenas fragmentos ou
participação em atividades que para eles não tem significado algum.
Precisamos desmontar essa ideia de um programa pré-definido de estudos,
como se pudéssemos prever as questões que irão passar pela cabeça dos
estudantes.

O que são programas? Programas são uma organização lógica de saberes


dispostos numa ordem linear e que devem ser aprendidos numa velocidade
igual, como se todos estivessem numa linha de montagem de uma fábrica.
(ALVES, 2004).

O respeito pela capacidade de questionar dos estudantes é indispensável


para construirmos um modelo de formação sadio. A maioria dos estudantes
perde-se entre textos e demandas que não dialogam com sua realidade cognitiva,
emocional e social. Precisam seguir um roteiro que não conversa com eles mesmos.
Nesse contexto, a reflexão e análise crítica estão sempre aleijadas pela
necessidade de entregar determinados resultados para conseguir aprovação,
ganhar pontos.

"A pesquisa acadêmica está repleta de indicações de que aprender é


construção autoral, implica iniciativa, participação, produção própria, sob a
orientação mediadora docente. A academia é, nisto, muito farsante, porque
sabe o que é aprender, quando cuida de sua elite (...) No entanto, isto não
vale para os graduandos, que são açoitados com reprodução conteudista

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todo dia, tornando-se “vítimas de aula”: são tangidos a se tornarem
papagaios de propostas alheias, que, em geral, sequer entenderam."
(DEMO, 2017a)

Na medida que o professor determina sempre o que fazer, o atendimento da


demanda ganha prioridade sobre a aprendizagem. Pois o que vale ponto é a
demanda e não a aprendizagem.
Todo aluno na academia está ocupado em atender demandas diversas, entre
leituras de textos e tarefas gerais, provindas de diferentes disciplinas. São
demandas que se sobrepõem umas às outras e sobrecarregam o estudante, o que
sem dúvida exaure o seu ímpeto de busca, de investigação. Em consequência
disso, a trajetória formativa se torna um obstáculo para uma formação de qualidade.
É urgente repensá-lo. E, talvez, uma das principais mudanças a se efetuar na
formação de professores seja procurar desenvolver, através de meios criativos,
condições para que os próprios estudantes descubram e satisfaçam, com a
mediação dos professores, suas necessidades de formação, que até então têm sido
negligenciadas nos percursos formativos.

REFERÊNCIAS:

ALVES, Rubem. 2004. O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender - Campinas:


Fundação EDUCAR DPaschoal.

DEMO, P. 2017. Questionando a graduação -


https://docs.google.com/document/d/1y-OhRkIY-Lb_Y2P-0eVntZZQBY79MbPY4fSd
A8TSol4/pub

DEMO, Pedro. 2017a. - Vítima de aula - Algumas razões por que não se aprende na
escola brasileira -
https://docs.google.com/document/d/e/2PACX-1vQH7iANCrxZj3SdPTuIdqYuibz9be
h_eKfiDtY66h3pg0r9l9ps9ziivJhZpqkN4BAvgHpU6EkAbEcv/pub

DEMO, P. 2018. Futuro da Aprendizagem -


https://docs.google.com/document/d/e/2PACX-1vQ4TW94mmz94dj-o2bnl6gW1tlWd
GsfS3dhVS4vRqswM5YCRpOBAhgAgPQ_tMwBKqfXr1DildYWDg7j/pub

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LIBÂNEO, José Carlos. 2003. O Ensino de graduação na universidade - a aula
universitária -
http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/5146/material/U
CG%20-%20ENSINO%20DE%20GRADUA%C3%87%C3%83O%20Novo.doc

NÓVOA, Antônio. 1992. Formação de professores e profissão docente. -


http://hdl.handle.net/10451/4758

ORTEGA Y GASSET, José. 2009. Sobre o estudar e o estudante. -


https://www.ime.usp.br/~pleite/pub/artigos/ortega/o_estudar_e_o_estudante.pdf

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever; tradução, organização, prefácio e


notas de Pedro Süssekind. – Porto Alegre: L&PM, 2011.

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