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A Loja das Palermices

José Jorge Letria

Não existe outra loja assim,


Tão estranha e tão invulgar,
Que parece nunca ter fim.
O que nela vamos encontrar,
Coisas úteis ou sem uso,
Antiguidades, modernices,
Ou não fosse esta, caros leitores,
A loja das Palermices.

No meio de uma prateleira,


Com um pote feito em cacos,
Lá descobrimos um pente
Para pentear macacos,
Procurado por saguins
E também por chimpanzés
Que o usam com perícia
Só com os dedos dos pés.

Numa outra prateleira,


No meio de produtos finos,
Encontra-se uma lanterna
Para caçar gambuzinos,
Que, sendo seres muito raros,
Divertem tanto os meninos,
Que na hora de crescerem
Querem ficar pequeninos.
Num recanto de pouca luz
Há um par de persianas
Destinado a gatos persas
Que odeiam ratazanas.
E através das persianas
Vê-se o solzinho a entrar
Dando aos bichanos um tal tom
Que parecem de ouro a brilhar.

Num outro sítio da loja,


Muito perto da entrada,
Estão à vista calçadeiras
Pra pezinhos de coentrada
E vendo bem dão sempre jeito,
Seja qual for a medida,
Pois sapatos apertados
Não são coisa divertida.

E eis que assim de repente,


Na secção dos animais,
Aparece uma casota
De proporções irreais
E vê-se que é de cachorro
Mesmo que não mostre os dentes
Porque esta só dá teto
Os macios cachorros-quentes.

Na secção de senhora
Não anda bem o negócio,
O gerente está doente
E a mulher sofre de bócio,
A clientela do costume
De repente ficou fraca
Depois de encontrar luvas
Para mãozinhas de vaca.

E aqui temos um cesto


Que é útil e decora
É para gatos escondidos
Mas com o rabo de fora,
E, se lhes dá para miar,
Logo o cesto abafa o som
E lá ficam os bichanos
A miar fora de tom.

E o que menos se espera


Aqui se há de encontrar
Pois esta loja, está dito,
No seu ramo não tem par,
Só assim se compreende
Que no meio de um corredor
Se descubram ratoeiras
P’ra ratos de computador.

Vem de lá a empregada,
Que não gosta das manhãs
E mostra-nos mosquiteiros
Para apanhar d’Artagnans.
Mosquiteiros, não mosqueteiros,
Que pare aqui a confusão
Que os mosquitos são matreiros
E precisam de uma lição.

Na secção de raridades
Há coisas que nunca ninguém viu
Como velas feitas sem pavio
Para mastros de navio.
E com umas velas desse estilo
Pode bem um almirante
Redescobrir o Brasil
Num Carnaval elegante.

E como aqui nada falta


E há mais coisas do que julgas
Aqui tens estes binóculos
Para ver um circo de pulgas.
Lá estão elas no trapézio
Com as suas acrobacias
Enquanto não para a coceira
Das sobrinhas e das tias.

E esta semana em promoção


Há uma coleção de leques
Com um ano de garantia
Só para meninas queques.

Da promoção já saíram,
No meio de muitos gracejos,
Mãozinhas só de borracha
Para disfarçar bocejos.
E enquanto um empregado
Tropeça e cai de broco,
Dão-se a ver auscultadores
Para orelhas de porco.

Na secção de saúde,
Que tem um cheiro irritante,
Vendem-se pílulas de alho
Para memória de elefante.

Na área da papelaria.
Onde faz muito calor,
Vende-se tinta simpática
Para escrever cartas de amor.

E como aqui nada falta,


Numa loja com tanto estilo,
Até há lenços de papel
Para lágrimas de crocodilo.

Uma oferta inesperada


Aparece em qualquer lado,
São tridentes do inferno
Para advogados do diabo.

Uma menina loirinha,


Suspirando um «quem me dera!»,
Compra ninhos de andorinha
Para deitar a primavera.
Produto muito diferente
São armadilhas para ursos,
Mas só servem para aqueles
Que já estão no fim dos cursos.

E de surpresa em surpresa
Vemos as casas de botões
Que são feitos á medida
Só dos ratinhos anões.

E veja-se aqui, que maravilha,


Um par de brincos surdos
Só para orelhas moucas
Feito por ourives curdos.

E por estranho que pareça,


Até há máquinas de calcular
Para os bichos de conta
Não se poderem enganar.

Numa caixinha de metal


Expõem-se pauzinhos ao sol
Que só podem ser usados
Em escadas de caracol.

E para surpresa total,


Até os bichos da seda
Têm máquinas de costura
Para darem como prenda.
Numa loja que é bazar
Vendem-se guias de Atenas
Para nunca se ver grego
Quem anda em ruas pequenas.

Na secção das emoções,


Só para avós babados,
Há babetes com retratos
Que têm versinhos bordados.

E há óculos com o arco-íris


Para as meninas dos olhos
Verem todas as cores
Com alegria aos molhos.

Num balcão muito especial,


Entre garrafas de anis,
Vendem-se dedos de macaco
Para meter no nariz.

E para ouvidos sensíveis


Há bolas de algodão-doce
Que não deixam passar ruídos
Sejam de espirro ou de tosse.

Nesta loja tão invulgar,


Entre o novo e o antigo,
Há colmeias só de aluguer
Para abelhas sem-abrigo.

Pensando na gente cansada,


Vendem-se foles para apagar
As velas de bolos de anos
Que dão trabalho a soprar.

Quem descer até à cave,


Encontra fardos de palha
Para carros de cem cavalos
Que transportam muita tralha.

E num andar junto do céu,


Entre colchões e bordado,
Há quem venda números ímpares
Para pares apaixonados.

E mesmo causando arrepios,


Daqueles que fazem tremer,
Lá se encontram alicates
Para dar o braço a torcer.

Na secção de adereços,
Com cores deliciosas,
Há óculos de ver ao longe
Para toupeiras curiosas.

E não se ficam atrás,


Sem serem dispendiosos,
Quebra-nozes especiais
Só para esquilos gulosos.

Entre cartazes com praias,


Com artistas e poemas,
Há uma secção que vende
Chaves para problemas.

Entra um menino apressado,


Com arzinho rabugento,
Que quer aviões de papel
Só para entreter o vento.

Uma menina fardada,


De cabelos azulados,
Anda a vender lança-chamas
Para dragões constipados.

Nesta loja que existe


Na nossa imaginação
Há bananas de plástico
Para macacos de imitação.

E também camas elásticas


Onde se podem treinar
Gafanhotos em má forma
Que querem voltar a saltar.
E ficariam incompletos
Estes artigos fabulosos
Sem as cenouras a fingir
Para dar a burros teimosos.

E nem sequer ali falta


Um homem com cara de mocho
Que vende chapéus de palha
Para cabeças de alho chocho.

Além de poleiros de lua


Para o namoro das pombas,
Também há pós de fazer rir
Para elefantes de trombas.

Um pouco mais adiante,


A seguir á zooteca,
Existem buracos de queijo
Pra ratos de biblioteca.

E nem sequer ali faltam


Bombinhas perfumada
Para as doninhas fedorentas
Ficarem desnorteadas.

E no meio da livraria
Está um livro de cantigas
Que serve por igual
Para cigarras e formigas.
Sem sair dessa secção,
Entre títulos caseiros,
Estão os postais da Madeira
Para os bichos-carpinteiros.

Já bem perto da saída


Onde eu fiquei imóvel,
Há pacotes de amendoins
Para macacos de automóvel.

E como há sempre uma surpresa,


Nem que venha do diabo,
Também se vendem manivelas
Para a porca torcer o rabo.

Por esta loja das palermices


Passa uma estrada sem berma,
Quem lá vai pedir boleia
Faz figura de palerma.

E se um boleia apanhar,
De bicicleta ou camião,
Que o leve direitinho
Á Rua da Imaginação.

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