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RESUMO
A nomeação automatizada rápida (NAR) visa medir a velocidade com a qual se
acessa as representações fonológicas e está associada ao aprendizado da leitura.
Com isso, o presente estudo tem por objetivo principal examinar a relação entre a
nomeação automatizada rápida e velocidade de leitura em escolares com dislexia e
naqueles que apresentam transtorno no aprendizado associado a atraso no
desenvolvimento intelectual. Dessa forma, pergunta-se quais estímulos da tarefa de
nomeação estão associados à velocidade de leitura nestes grupos que, inicialmente,
apresentam perfis semelhantes em desempenho na avaliação de leitura.
Participaram deste estudo, 54 escolares com queixa de dificuldade no aprendizado
da leitura avaliados pelo projeto de pesquisa Ambulatório de Transtornos da Língua
Escrita - diagnóstico, acompanhamento e capacitação profissional, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Participaram 26 escolares com dislexia, com idade entre
8 e 10 anos (M=8 anos e 7 meses; DP= 7 meses) e 28 com atraso no
desenvolvimento cognitivo, da mesma faixa etária (M= 8 anos e 5 meses; DP= 8
meses). Para os escolares com dislexia, foram significativas as correlações entre
velocidade de leitura e a NAR letras. Já para os escolares com atraso no
desenvolvimento cognitivo, correlacionaram significativamente com a velocida de
de leitura a NAR de objetos, cores, números e letras. É possível observar que a
nomeação automatizada rápida está associada à velocidade de leitura nos grupos
clínicos estudados, entretanto, essa correlação ocorre de maneira diferente. Tais
1
Fonoaudióloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre e Doutoranda em Psicologia pelo
Programa de Pós Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Integrante da equipe do Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade. E-mail:
stella_varizo@hotmail.com
2
Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora
Nível 2 do CNPq. Psicóloga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestrado em Psicologia
Cognitiva pelo ISOP/FGV, Doutorado em Psicologia na Universidade de Oxford. Estágio Pós- Doutoral,
no Instituto de Educação na Universidade de Londres.
3
Fonoaudióloga. Doutora e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estágio
Pós-Doutoral em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especializada em
Psicomotricidade (ISRP – Paris) e Educação Inclusiva (UGF). Professora Titular da Faculdade de
Medicina, Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do
projeto ELO: escrita, leitura e oralidade.
ABSTRACT
Rapid automatized naming (RAN) aims to measure the speed at which phonological
representations are accessed and it is related with reading. The main objective of this
study is to examine the relationship between RAN and reading speed in children with
dyslexia and in those with delayed intellectual development. In this way, we ask which
stimuli of the naming task are associated with the reading speed in these groups that,
initially, have similar profiles in performance in the reading evaluation. The sample
comprised 54 students with reading difficulties, evaluated at the Ambulatory of Written
Disorders of the Federal University of Rio de Janeiro: 26 students with dyslexia, aged 8
to 10 years (M = 8 years and 7 months, SD = 7 months) and 28 with cognitive
development delay of the same age group (M = 8 years and 5 months, SD = 8 months).
For students with dyslexia, the correlations between reading speed and NAR letters
were significant. Students with delayed cognitive development correlated significantly
with the reading speed and NAR of objects, colors, numbers and letters. The rapid
automated naming is associated with the reading speed in the clinical groups studied.
However, this correlation occurs differently. Such evidence has important clinical and
educational implications to consider.
Keywords: rapid naming; reading speed; dyslexia; delayed cognitive development.
INTRODUÇÃO
A leitura é um importante meio pelo qual a criança, a partir de seu conhecimento de
mundo, constrói novos conhecimentos. Ela aprende a ler nos primeiros anos do ensino
fundamental, e é, neste período, que inicia intensamente práticas de leitura e escrita. O
desenvolvimento das habilidades linguístico-cognitivas é necessário para que a criança
se torne um leitor proficiente, ou seja, possa ler de maneira fluente compreendendo o
texto lido. Ler fluentemente envolve ler com precisão, velocidade e entonação
adequada, permitindo, assim, que o leitor construa um modelo mental do texto lido
(CAPELLINI; ALVES, 2012; CORREA; RAMIRES, 2015).
Reconhecer as palavras de maneira rápida, isto é, de forma automatizada, favorece a
compreensão da leitura, uma vez que a atenção e o esforço cognitivo do escolar são
dirigidos à reflexão do que está escrito e não para o processo de conversão
grafofonêmica (CORREA; RAMIRES, 2015). A nomeação rápida dos estímulos uma
habilidade que está intimamente relacionada à leitura rápida das palavras e,
consequentemente, à compreensão de leitura.
Ler é uma tarefa complexa. Algumas crianças, mesmo inseridas em boas condições de
ensino, podem apresentar dificuldades no processo de aprendizagem da leitura.
Escolares que apresentam queixas relacionadas à leitura nos primeiros anos de
escolaridade (1º ao 3º ano) tendem a apresentar também mau desempenho escolar, uma
vez que a leitura assume papel central nas tarefas e avaliações escolares. Tais exigências
impactam negativamente o vínculo destas crianças com a aprendizagem e tornam a
leitura uma tarefa penosa para o escolar (CORREA, 2012, 2015).
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A velocidade com a qual se acessa as representações fonológicas está associada ao
aprendizado da leitura. A nomeação automatizada rápida (NAR) apresenta grande
potencial na previsão do desenvolvimento da leitura, uma vez que a velocidade em
decodificar símbolos é importante para obter a leitura fluente (ARAÚJO et al, 2014).
A relação da nomeação rápida com a leitura varia de acordo com a ortografia (ARAÚJO
et al, 2014; CARAVOLAS et al, 2013). As ortografias alfabéticas diferem de acordo
com a regularidade da correspondência grafofonêmica. São consideradas ortografias
transparentes as línguas em que a correspondência grafema-fonema são regulares,
como, por exemplo, ocorre com o espanhol. Já as ortografias opacas, como o inglês,
por exemplo, são aquelas em que o grafema apresenta mais de um valor sonoro, em um
mesmo contexto linguístico. Em ortografias transparentes, a nomeação automatizada
rápida melhor prediz o risco de insucesso no aprendizado da leitura em crianças
alfabetizadas (GEORGIOU; PARRILA; PAPADOPOULOS, 2008). Muito
provavelmente, essa relação ocorre, em ortografias transparentes, devido ao fato da
precisão de leitura ser alcançada bem mais cedo pelos escolares nessas ortografias
(ARAÚJO et al, 2014). Por sua vez, a velocidade de leitura nas ortografias transparentes
se desenvolve de modo bem mais gradual e progressivo (HEIKKILÄA et al, 2016).
A velocidade de nomeação é avaliada pela tarefa de nomeação automatizada rápida e,
que, de acordo com o trabalho original de DENCKLA e RUDEL (1974), seria composta
por quatro pranchas, cada uma com um tipo de estímulo: objetos, cores, números e
letras. Nesta tarefa, a criança deve nomear os estímulos de cada prancha o mais rápido,
e o mais corretamente possível. Essa nomeação deve começar da esquerda para a direita
e de cima para baixo, direção semelhante ao do processo de leitura. A tarefa é, então,
cronometrada, permitindo avaliar o tempo que a criança leva para olhar os estímulos e
acessar sua representação fonológica e significado na memória de longo prazo. Versões
similares à esta tarefa clássica de nomeação automatizada rápida têm sido usadas com o
mesmo objetivo (CAPELLINI et al, 2009).
Na tarefa de nomeação automatizada rápida, assim como ocorre na leitura, o escolar
deve identificar o estímulo visual, acessar sua representação fonológica, reconhecendo
seu significado na rede semântica, e acessar o processamento fonético para a articulação
oral da palavra (NORTON; WOLF, 2012). Dessa forma, observa-se que a tarefa de
nomeação automatizada rápida e a leitura compartilham habilidades similares
(ARAÚJO et al, 2014), o que explica a importância da habilidade de nomeação
automatizada para predizer o desempenho do escolar em leitura (ARAÚJO et al, 2014;
GEORGIOU et al, 2011).
A habilidade de nomeação automatizada rápida se mostra também importante para
diferenciar leitores mais habilidosos e menos habilidosos (DENCKLA; RUDEL, 1976;
JONES et al, 2010; SILVA, 2015). Leitores habilidosos são capazes de realizar a
nomeação de maneira rápida e automatizada, o que contribui para a leitura veloz e sem
esforço, favorecendo, assim, a compreensão do texto lido. Leitores pouco habilidosos,
no entanto, podem apresentar dificuldades de acesso ao léxico, evidenciando demora
para reconhecer os estímulos visuais apresentados na tarefa de nomeação rápida. Dessa
maneira, a leitura se torna menos fluente, podendo afetar, então, a compreensão de
leitura (BICALHO; ALVES, 2010).
A lentidão ao nomear os estímulos da tarefa de nomeação automatizada rápida revela
que a criança apresenta dificuldades em acessar as informações fonológicas e
semânticas, o que pode resultar em dificuldades na fluência de leitura. Tais prejuízos
MATERIAIS E MÉTODO
Participantes
Cinquenta e quatro escolares com queixa de dificuldade no aprendizado da leitura,
avaliados pelo projeto de pesquisa Ambulatório de Transtornos da Língua Escrita -
diagnóstico, acompanhamento e capacitação profissional, aprovado em julho de 2010
pelo CEP-INDC, renovado sob o número 5/2013, que atende escolares com queixas de
dificuldade de aprendizagem. Todos os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre
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e Esclarecido antes da realização das avaliações, mostrando estarem de acordo que os
dados pudessem ser utilizados para pesquisas.
Foram incluídos, nesta investigação, escolares com queixas de dificuldade no
aprendizado de leitura cujos diagnósticos da equipe multidisciplinar foram
respectivamente: dislexia (APA, 2014) e atraso no desenvolvimento cognitivo
(BONIFACCI; SNOWLING, 2008).
Os escolares deveriam ter mais de dois anos de escolaridade à época do diagnóstico, e
estarem cursando até o 3º ano do Ensino Fundamental. Foram excluídos aqueles que
apresentavam alguma comorbidade como deficiência auditiva e visual, algum tipo de
síndrome neurológica e/ou genética, algum transtorno de natureza psicológica, ou,
ainda, comorbidade de diagnósticos entre si. Desta forma, participaram do estudo 26
escolares com dislexia, com idade entre 8 e 10 anos (M=8 anos e 7 meses; DP= 7
meses), e 28, com atraso no desenvolvimento cognitivo, de mesma faixa etária (M= 8
anos e 5 meses; DP= 8 meses).
Tarefas
Das tarefas empregadas na avaliação diagnóstica, foram selecionadas aquelas relativas
ao exame da velocidade de leitura e da nomeação automatizada rápida.
Velocidade de leitura
Os escolares foram avaliados em habilidades de leitura por textos de acordo com a
escolaridade. Após selecionado o texto, a leitura era avaliada de acordo com a
velocidade, medida por meio do número de palavras lidas por minuto (ppm). Foram
utilizados os seguintes textos narrativos: segundo ano – “O Acidente” (COCCO e
HAILER, 1995, 196 palavras); terceiro ano – “As travessuras de Afonsinho” (ROCHA,
1980, 720 palavras).
Nomeação automatizada rápida (NAR)
Os escolares realizaram a prova clássica de Nomeação Automatizada Rápida
(DENCKLA; RUDEL 1974, adaptada por CAPELLINI et al, 2007). A tarefa usada
consiste nos seguintes subtestes: objetos, cores, números e letras, que são dispostos em
cartões com cinco estímulos diferentes colocados de forma aleatória em dez linhas em
um total de cinquenta estímulos expostos em um cartão no tamanho de uma folha A4. A
tarefa de nomeação de objetos é composta pelos estímulos guarda-chuva, pente, relógio,
tesoura e chave. Já na nomeação de cores, encontram-se as cores vermelho, azul, preto,
amarelo e verde. Na tarefa de números, estão dispostos os números 2, 6, 9, 4, 7 e, na
nomeação de letras, as letras p, d, o, a, s. Antes do início da aplicação, foi verificado se
o escolar reconhecia cada estímulo. A partir disso, o mesmo foi orientado a nomear o
mais rapidamente possível os estímulos apresentados. O teste é cronometrado e avalia-
se o tempo total, em segundos, que o participante leva para acessar o nome do estímulo
e o reproduzir de maneira oral (DENCKLA; RUDEL, 1976).
Procedimentos
A avaliação diagnóstica foi realizada no Instituto de Neurologia da faculdade de
Medicina/Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro entre os anos de
2010 e 2016 e ocorreram em dois dias, de forma individualizada, por diversos
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O desempenho dos escolares com dislexia (M= 36 ppm; DP= 17 ppm) e aqueles com
atraso no desenvolvimento cognitivo (M= 31 ppm; DP= 23 ppm) não diferiu
significativamente em velocidade de leitura (t = 0,85, df=32, p=0,40). Desta forma, os
grupos clínicos tiveram desempenho similar em relação à queixa de dificuldade em
velocidade de leitura.
O desempenho dos escolares nas tarefas de nomeação automatizada rápida é
apresentado para cada grupo clínico na Tabela 1. Os escores médios representam a
velocidade, em segundos, com a qual as crianças nomearam cada estímulo. Assim,
quanto maior o valor, mais tempo a criança necessitou para acessar a representação do
estímulo revelando pior desempenho.
Diferenças entre os grupos clínicos foram observados para objetos (t = 3,01, df =52, p <
0,01) e letras (t = 2,92, df =29, p < 0,01). As crianças com atrasos no desenvolvimento
cognitivo se mostram mais lentas do que crianças com dislexia ao nomear esses
estímulos. Com isso, observa-se que lentidão de nomeação em sequência não é um
perfil de desempenho observado apenas em crianças com dislexia, apesar da literatura
se concentrar no estudo desse grupo.
Crianças com dislexia apresentam maiores prejuízos na nomeação rápida quando
comparadas a seus pares de desenvolvimento típico como também com relação à
escolares com TDAH (ALVES et al, 2016; CAPELLINI et al, 2007; JONES et al, 2010;
WHIPPLE; NELSON, 2016). Porém, no presente estudo, obtiveram melhor resultado
do que o grupo de crianças com atraso no desenvolvimento cognitivo. Assim, observa-
se que a velocidade de nomeação de crianças com dislexia será melhor ou pior do que
Tabela 2. Correlação entre a nomeação automatizada rápida e a velocidade de leitura para cada grupo
clínico
Velocidade de Leitura
* p ≤ ,05; ** p ≤ ,01
Para os escolares com dislexia foi significativa a correlação entre velocidade de leitura e
NAR de letras. Para os escolares com atraso no desenvolvimento cognitivo, todos os
estímulos da NAR correlacionaram-se significativamente com a velocidade de leitura.
Tais resultados reforçam, em particular, os achados na literatura acerca da associação
entre a nomeação rápida de letras e a fluência de leitura (PHAM; FINE; SEMRUD-
CLIKEMAN, 2011; SEMRUD-CLIKEMAN et al, 2000; STRINGER; TOPLAK;
STANOVICH, 2004). A habilidade de nomear letras de maneira rápida e sucessiva
parece ser fundamental para o desenvolvimento da automaticidade em leitura no sistema
de escrita com base alfabética, favorecendo não só o reconhecimento, mas também a
compreensão da palavra (COMPTON, 2003; SEMRUD-CLIKEMAN et al, 2000).
Crianças disléxicas demonstram dificuldades em automatizar o estímulo visual com o
correspondente sonoro, sendo mais lentas ao nomear letras (NORTON; WOLF, 2012).
Apesar da melhora na habilidade de nomear rapidamente conforme o avanço da
escolaridade (SEMRUD-CLIKEMAN et al, 2000), as crianças com dislexia não
equiparam seu desempenho a seus pares de idade e de mesmo nível pedagógico, devido
a alterações neurobiológicas existente (ALVES et al, 2016). A lentidão ao acesso lexical
nessa população permanece até a idade adulta (PERES; MOUSINHO, 2016).
Semrud-Clikeman e colaboradores (2000) ressaltaram que crianças com dislexia
apresentam nomeação lenta de letras e números mesmo em idades mais avanças,
CONCLUSÃO
O presente estudo investigou a relação entre a habilidade de nomeação e a velocidade de
leitura em dois grupos clínicos: dislexia e atraso no desenvolvimento cognitivo. O
desempenho das crianças na tarefa de nomeação automatizada rápida correlacionou-se
significativamente com o número de palavras lidas por minuto em ambos os grupos
clínicos. Porém, o padrão de correlação observado foi diferente para cada grupo clínico.
Em crianças com dislexia, a tarefa de nomeação rápida de letras foi aquela que
apresentou correlação significativa com a velocidade de leitura. Já no grupo de crianças
com atraso no desenvolvimento cognitivo, todos os estímulos da nomeação
automatizada rápida apresentaram correlação significativa com a velocidade de leitura.
Tais resultados evidenciam mais uma vez a especificidade do transtorno de leitura das
crianças com dislexia em realizar associações grafofonêmicas. Aponta, também, para
prejuízos mais extensos que caracterizam a dificuldade de leitura observadas no
transtorno global de aprendizagem observadas em escolares com atraso no
desenvolvimento cognitivo.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelos apoios
recebidos.
REFERÊNCIAS