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ABELHAS AFRICANIZADAS E CONSTRUÇÕES GEOMÉTRICAS

Andréa Zander Vaiano; Rosa García Márquez; Jorge Correa de Araújo; Hudson G. Moreira
FFP/UERJ, andreazanderv@gmail.com, rosagm@uerj.br, jcaraujo@iprj.uerj.br, Hudson-
moreira@oi.com.br

Resumo: As abelhas são insetos importantes no equilíbrio ecológico e seus alvéolos, locais onde
depositam suas larvas e o mel produzido, apresentam uma configuração geométrica especial. Neste
trabalho apresentamos uma breve história das abelhas no Brasil e a sua utilidade nas antigas
culturas, com ênfase nas abelhas com ferrão, por terem sido introduzidas no Brasil em meados do
século passado, com a finalidade de aumentar a resistência diante de predadores naturais, como o
ácaro Varroa Destructor. Usando a geometria analítica e o cálculo diferencial e integral,
determinamos, entre outros parâmetros, o volume do alvéolo das abelhas com ferrão.

Palavras-chave: abelhas; alvéolos; geometria analítica; cálculo diferencial e integral.

Introdução
As abelhas são insetos voadores da ordem Hymenoptera (que significa "asas
membranosas") e da família Apoidea (Embrapa, 2012). Têm a sua importância no
equilibro ecológico pelo fato de colaborarem com a polinização de 35% das plantas
que geram alimentos para os humanos.

Atualmente existem mais de vinte mil espécies de abelhas, sendo divididas


em dois grandes grupos: as abelhas sem ferrão, cujo nome científico é Meliponini,
que receberam esse nome por possuírem um ferrão atrofiado; e as abelhas com
ferrão, que abrangem as abelhas europeias, africanas e as conhecidas como
abelhas africanizadas, resultantes do cruzamento das abelhas europeias e
africanas.

Um fato muito preocupante é o declínio populacional observado das abelhas


devido notadamente às mudanças climáticas e ao uso excessivo de agrotóxicos
(Message, 2012).
1. As abelhas e os povos da Antiguidade
O primeiro povo que evidenciou a importância das abelhas em sua cultura foi
o egípcio (4000 a.C.). Vestígios arqueológicos mostram que esse povo criava as
abelhas em potes de barro, armazenando o mel produzido e a cera produzida se
aplicava na mumificação dos cadáveres humanos (Campos, 1997). Já os gregos
tinham as abelhas mais como o símbolo de sua riqueza, pois cunhavam as moedas
com a sua figura em uma das faces. Os romanos, por sua vez, aprenderam a
apicultura com os gregos, que utilizavam a cera para modelar o aspecto humano,
conservar frutas frescas através de uma camada fina de cera e fabricar frutas de
cera, que se confundiam com as originais.

O mel e a cera, considerados alimentos sagrados, eram utilizados em


cerimônias religiosas por quase todos os povos da antiguidade, mas também, como
pagamento de tributos, impermeabilizações, tabletes para inscrições e produtos
medicinais (Embrapa, 2012). Somente no século XVII foram estudadas as
propriedades do mel e cera. Atualmente, esses produtos são importantes na
medicina, culinária, confecção de cosméticos, entre outros.

2. A história das abelhas no Brasil


Nas florestas americanas já existiam as abelhas sem ferrão bem antes da
chegada dos colonizadores. Este tipo de abelha é pouco agressivo, prefere florestas
fechadas e as colmeias apresentam a forma de um octaedro truncado ou a forma de
um pote elipsoidal. A partir de 1840 foi trazido por imigrantes de várias partes da
Europa outro tipo de abelha: a abelha com ferrão.

Por volta de 1950 a apicultura brasileira sofreu uma grande queda devido a
doenças, pragas e inseticidas, provocando a morte de 80% das abelhas europeias
no país. Com a diminuição drástica da quantidade de abelhas, houve a necessidade
de introduzir abelhas mais resistentes. Em 1956, o presidente da época, Juscelino
Kubitschek, pediu ao cientista Dr. Warwick Estevan Kerr que trouxesse da África
abelhas rainhas africanas, por serem altamente produtivas. Porém, devido à alta
agressividade dessa espécie, a ideia seria realizar cruzamentos monitorados com
abelhas italianas e alemãs, a fim de obter uma linhagem mais calma, produtiva e
aclimatada ao Brasil, gerando, assim, uma espécie híbrida a ser distribuída entre os
apicultores, em Piracicaba. Em 1957, algumas colônias trazidas por Kerr foram
levadas ao horto florestal de Camaquã em Rio Claro, São Paulo, para realizar os
objetivos traçados de forma controlada. No entanto, houve um incidente que
provocou o cruzamento natural dessas abelhas, ainda sem o melhoramento genético
pretendido, com as abelhas europeias anteriormente trazidas pelos imigrantes.
Surgiram então, as chamadas abelhas africanizadas. O impacto gerado pelo
incidente em São Paulo foi negativo, pois, em curto espaço de tempo, essas abelhas
dominaram colmeias já existentes e picaram várias pessoas, levando diversas à
morte. O episódio, o qual Kerr foi responsabilizado, motivou os apicultores a
abandonarem a atividade apícola, causando o efeito contrário ao desejado: uma
queda maior ainda na produção de mel. Porém, com o passar dos anos, os
apicultores foram se adaptando a esta nova espécie de abelhas, aprimorando
técnicas e vestes de manuseio. Em contrapartida, as pesquisas do Dr. Kerr, Dr.
Lionel Gonçales e colaboradores sobre as africanizadas, mostraram que elas eram a
única especie de abelhas resistente ao ácaro Varroa Destructor (Message, 1976).

3. A arquitetura dos alvéolos das abelhas com ferrão


Neste trabalho damos especial atenção às abelhas com ferrão, que
constroem alvéolos de formato diferente às abelhas sem ferrão. Cada favo da abelha
com ferrão serve como depósito de mel e é constituído por alvéolos cujos formatos
são os de prismas hexagonais regulares, abertos em uma extremidade (por onde as
abelhas entram) e fechado em outra por três losangos congruentes, dando origem a
um ápice triédrico. Esta extremidade serve de fundo para outros três alvéolos.

Figura 1: Alvéolo de base hexagonal

O primeiro matemático que estudou os alvéolos das abelhas com ferrão foi o
egípcio Pappus de Alexandria (290 – 350). Com o conhecimento que os únicos
prismas regulares que podem ser justapostos sem que fiquem espaços vazios são
os de base triangular, quadrangular e hexagonal, suspeitava que o último
apresentasse maior capacidade de armazenamento de mel pelo simples fato de
possuir mais ângulos.

Já Jean-Dominique Maraldi (1709 – 1788), astrônomo italiano, foi o primeiro a


se interessar pela forma dos losangos usados na base dos alvéolos, ao observar as
abelhas no jardim da casa de seu tio. Maraldi, então, se interessou por encontrar os
ângulos desses losangos com precisão: 109°28’ para o ângulo obtuso e 70°32’ para
o ângulo agudo. A figura 1 mostra um alvéolo descrito segundo a concepção
apresentada por Maraldi.

Na mesma época, o físico francês René-Antoine Ferchault de Reamur (1683


– 1757) percebeu que os ângulos dos losangos confeccionados que formam o ápice
triédrico eram sempre os mesmos. Impressionado com a sua descoberta mandou
buscar alvéolos de diversas partes do mundo e pediu a um estudioso francês para
medir os ângulos dos losangos, confirmando, assim, o que pensava.

Em 1739, René-Antoine, supondo que as abelhas eram guiadas por um


princípio de economia na construção dos alvéolos, propôs ao seu amigo, o geômetra
alemão Johann Samuel König (1712 – 1757), considerado um dos maiores
matemáticos da época, o seguinte problema:

Dado um prisma de base hexagonal, devemos fechá-lo em uma das


extremidades com três losangos iguais, colocados inclinadamente, para
obter o maior volume com um gasto mínimo de material. Qual é o ângulo
dos losangos que satisfaz à condição?

König não conhecia os resultados obtidos por Maraldi e mostrou


matematicamente, que os ângulos do losango mais econômico deviam ser de
109°26’ para o ângulo obtuso e 70°34’ para o ângulo agudo. König afirmou que as
abelhas resolviam um problema que não podia ser esclarecido apenas com a velha
geometria, pois exigia os processos de cálculo, que foram introduzidos por Isaac
Newton (1643– 1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716).

A causa da discrepância entre os ângulos encontrados por König e Maraldi foi


descoberta alguns anos depois, pelo geômetra escocês Colin MacLaurin (1698-
1746). O resultado real era precisamente os valores dos ângulos dados por Maraldi -
109°28’ e 70°32’. MacLaurin encontrou um erro na tábua de logaritmos que König
utilizou para os cálculos, levando-o ao erro (Tahan, 1987).
4. O uso da geometria e do cálculo diferencial no estudo dos alvéolos
Passaremos a estudar alguns aspectos geométricos dos alvéolos utilizando a
geometria analítica e o cálculo diferencial.
Cada alvéolo é projetado de maneira que a extremidade fechada se encaixe
perfeitamente a outros alvéolos paralelos. Denotando por θ e  = 180º- θ os ângulos
de cada um dos três losangos que juntos formam o ápice triédrico, conforme mostra
a figura 2b, podemos determinar o ângulo ideal, θ, que minimiza a quantidade de
cera na confecção do alvéolo, ou seja, de modo que a área total seja a menor
possível.

Figura 2: Alvéolo de base hexagonal (a) sem e (b) com o ápice triédrico

A superfície do alvéolo pode ser decomposta em três losangos congruentes e


seis trapézios congruentes. Denotemos por Al as áreas dos losangos e At as áreas
dos trapézios
 Área de cada um dos três losangos que compõem o ápice triédrico (Al):
Observemos que a diagonal AC do losango ABCP tem a mesma medida de
_______ _______
A' C' , pois A' C' é a projeção ortogonal de AC no plano da base. Chamando de
L a medida do lado do hexágono A’B’C’D’E’F’ dado na figura 1b, obtemos no
_______
triângulo isósceles A’B’C’ que A' C' = L 3 e, portanto, AC também medirá.
Usando o fato que as diagonais de um losango são perpendiculares e se
 2.PM
interceptam no ponto médio de ambas, M, resulta que tan(PAˆ M ) = tan = ,
2 L 3
3L2 
o que implica que a área do losango é Al = . tan .
2 2
Figura 3: Losango ABCP

 Área de cada um dos seis trapézios (At): Observemos inicialmente que o plano
determinado por A, B1 e C é paralelo ao plano que contém a base do alvéolo
A’B’C’D’E’F’. Deduzimos daí que o triângulo BB1M é retângulo em B1. A
determinação da medida de BB1 é necessária para o cálculo da área desse
trapézio. A figura 4 mostra o detalhamento de uma seção do alvéolo).
P

A
M

B1 C

h
B

F’ E’

A’ D’

B’ C’
Figura 4: Seção do alvéolo de base hexagonal passando por AA’CC’

L 
Aplicando o Teorema de Pitágoras no triângulo BB 1M temos BB1  3 tan 2  1 .
2 2
Logo, a área de cada um dos seis trapézios que formam o alvéolo é dada por

L L 2 

At =  2h  3 tan  1 ,
2  2 2 

onde h é a altura do alvéolo. Assim, a área total, A() = 3.Al + 6.At,, será

 L   9 L2 
A() = 3L 2h  3 tan2  1   tan .
 2 2  2 2

O próximo passo é descobrir o valor de θ que minimiza a área total. Derivando A()
em relação a θ, segue que
  
 tan 
2 
2
A’() = 9L
sec 1 2 .
4 2  
 3 tan 2  1 
 2 
1
Observemos que A’() = 0 se, e somente se,  = 2.arctan , e este é um ponto de
2
 2  81 2 2
mínimo, pois A’’  2 arctan 
 L > 0.
 2  16
Assim, devemos ter   70,52878º  70º 32’, e portanto,   109º 28’, estando em
concordância com os valores reais observados nos alvéolos das abelhas com ferrão.

5. O volume dos alvéolos das abelhas com ferrão


Cada alvéolo será dividido em três partes congruentes para determinação do volume
L 3 L 
do alvéolo. Assumindo a posição de A’ como (0,0,0), obtemos que B’=  , ,0  e
 2 2 

 L 3 3L 
C’=  , ,0  , conforme observado na figura 4. Observemos ainda que a projeção
 2 2 

do ponto P no plano xy é o centro do hexágono A’B’C’D’E’F’, e será denotado por O,


conforme mostra a figura 5.

Figura 5: A terça parte de um alvéolo

Consequentemente, os pontos que determinam o plano de interesse para fins de


integração são
L 3 L L    L 3 3L 
A = (0,0, h), B =  , ,h  3 tan 2  1  , C =  , , h 
 2 2 2 2   2 2 

Para fins de simplificação, chamemos  = 3 tan2  1 , onde   70°32’. Vamos
2
achar a equação do plano  que contém os pontos A, B e C, a partir dos parâmetros

diretores da normal a esse plano. Os parâmetros diretores de AB e BC são,


L 3 L L 
respectivamente  , ,  e 0, L,  . Uma vez que os segmentos AB e BC se
 2 2 2 
encontram no plano , ambos são perpendiculares à normal ao plano. Assim, os
 3L2  L2 3  L2 3 
parâmetros diretores da normal são  , ,  . Consequentemente,
 4 4 2 
trabalhando com as coordenadas de A = (0,0, h), temos que a equação do plano é
dada por

 3L2   L2 3   L2 3  3 1
   (x - 0) +     (y – 0) +  
 2  (z - h) = 0, ou z = h - 2 x + 2 y.
 4   4   

A partir dessa equação, vamos calcular o volume da região W que representa um


terço do alvéolo (ver figura 5) através das integrais triplas, podendo ser descrita por
 3 1 
W   (x,y,z)  IR 3 (x,y)  Ω e 0  z  h- ωx  ωy  ,
 2 2 

 3 3 3 
Onde   ( x,y )  IR 2 0 x L e x y x  L representa o
 2 3 3 
paralelogramo A’B’C’O , conforme a figura 5. Portanto, o volume de W é

 1 
 
3 2
Vvol (W )  dV = h  x  y dydx = L 3 h
 2 2 
 
W
2

3 3 2
Logo, o volume do alvéolo é dado por V = 3.Vol(W), ou seja, V = L h.
2
Sabendo que o volume do prisma hexagonal regular de altura h e aresta da base, L,
3 3 2
é igual a L h , concluímos que o volume do alvéolo é igual ao volume do prisma
2
hexagonal regular.
6. Conclusões
Em relação aos sólidos geométricos que podem ser justapostos de modo a
formarem as colmeias, o prisma hexagonal regular é o mais adequado para essa
finalidade, por ter maior capacidade volumétrica. Neste sentido, a natureza mostra-
se sábia, já que a deformação arquitetônica do prisma hexagonal regular para o
processo de justaposição, ao mesmo tempo em que minimiza o material de
revestimento, maximiza o volume de mel armazenado no alvéolo.

Referências bibliográficas

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<http://calebante.blogspot.com.br/2012/02/abelhas-sabem-calculo-
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pútrida européia em Apis mellifera adansoni (africanizadas). In: IV Congresso
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MESSAGE, D., TEIXEIRA E.W., DE JONG, D. Situação da sanidade das abelhas no
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