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Diversidade sexual nos mangás e animes e a receptividade desses na cultura


latino-americana

Chapter · February 2016

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Diversidade sexual nos mangás e animes e a receptividade
desses na cultura latino-americana
Lisiane Ortiz Teixeira / Evandro dos Santos Nunes

Diversidade sexual nos mangás e


animes e a receptividade desses na
cultura latino-americana

Lisiane Ortiz Teixeira1


Evandro dos Santos Nunes2

Os mangás (histórias em quadrinhos japonesas) e animes (dese-


nhos animados japoneses) são fenômenos da cultura pop nipônica,
comercializados para diversos países. É possível observarmos códi-
gos de linguagem próprios desses materiais, como a forma dos olhos
e a proporção entre a cabeça, o corpo, os braços e as pernas. Os sinais
expressivos, a exemplo do rubor na face (interesse romântico), das gotas
de água ao lado do rosto (constrangimento), dos dentes pontiagudos
e dos olhos apertados (ataques de raiva) também são características
das obras em questão. Esses materiais possuem nuances e não devem
ser tratados como um simples entretenimento, sendo uma alternativa
lúdica para as tensões cotidianas de um mundo exigente e competitivo
(CARVALHO, 2007, p. 23).

1 Bacharel em Ciências Biológicas, Discente do Doutorado em Ciências da Saúde, Programa


de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande, lisiane_
ortiz@yahoo.com.br
2 Licenciado em Educação Física, Especialista em Educação Física Escolar, Discente do
Mestrado em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Rio Grande, evandro.amigos.vcs@hotmail.com
Esse estudo foi financiado pela FAPERGS.

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DISCURSO, DISCURSOS E CONTRA-DISCURSOS LATINO-AMERICANOS
SOBRE A DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO

Durante o período Edo (1600-1867), o Japão ficou isolado do


restante do mundo, com uma política antiestrangeiros, adotada pelo
shogun (general no período imperial) Tokugawa Hidetada. Foi durante
esse período que os japoneses desenvolveram novos suportes gráficos
e aprimoraram suas técnicas de gravação (SANTOS, 2011, p.2). Já na
Era Meiji (1868-1912), ocorreu a abertura dos portos e o contato com
o exterior, permitindo a difusão da cultura japonesa para o restante do
mundo. Estima-se que as exportações de produtos culturais japoneses
girem em torno de 13 bilhões de dólares por ano (CARVALHO, 2007,
p.16). Esses produtos midiáticos são produzidos e consumidos por todas
as faixas etárias e classes sociais, o que os tornam um importante repre-
sentante da identidade japonesa.
Desse modo, o objetivo do presente trabalho foi analisar como
a diversidade sexual é retratada nos mangás e animes e como se dá a
receptividade desses materiais midiáticos no mercado latino-americano.
A coleta de informações, para posterior análise, foi obtida de forma
indireta, por meio de levantamento bibliográfico e bibliografia técnica
específica (análise de mangás e animes específicos), orientadas por uma
pesquisa descritiva, relatando os reflexos dessa cultura. A pesquisa ado-
tou o método dedutivo, que se orienta por conceitos e abordagens gerais.
Para a construção do tema, utilizou-se de imagens para exemplificar e
evidenciar o assunto.

Mangás

No Japão, as vendas de mangás chegam a 2,5 milhões de exemplares


em uma única semana (SANTOS, 2011, p.12). As pesquisas desenvolvidas
pela Divisão de Economia Japonesa ( JAPÃO, 2005, p.6) registram um cres-
cente aumento no consumo de mangás pelo Ocidente, principalmente nos
Estados Unidos e nos países da América Latina. No Brasil, editoras como
a Panini, JBC e Conrad ampliam anualmente seus catálogos, investindo
em títulos destinados a uma grande diversidade de público. As publicações
são mensais, quinzenais, bimensal e edições únicas, dependendo do mate-
rial. A média é de trinta mangás diferentes publicados mensalmente no

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Brasil, chegando a 900 mil exemplares por mês. De acordo com as estima-
tivas das editoras, esse número representa a metade de todos os quadrinhos
produzidos no país (SANTOS, 2011, p.12).
Das trinta publicações citadas anteriormente, 24 delas podem ser
classificadas como homoafetivas, as quais são divididas em várias cate-
gorias, apresentadas na sequência.
Os Shojo-Ai (tradução literal = amor entre meninas) são mangás e
animes lésbicos voltados para meninas. São exemplos Strawberry Panic,
Girl Friends (Figura 1), Prism e Wife and Wife. Já os Yuri são romances
lésbicos voltados para meninos, com mais cenas de sexo explícito, por
vezes considerados pornografia. O Yuri também é chamado de Class
S onde o “S”, segundo Thompson (2010, p. 14), é do inglês “Sister”.
Assim, são meninas que se veem como irmãs e se autoiniciavam nas
atividades sexuais para aprendizagem prévia, ficando “treinadas” para
seus maridos (BRAGA-JR, 2012, p.5). São exemplos de Yuri os man-
gás Kannazuki no Miko, Sono Hanabira ni Kuchizuke wo, Kuttsukiboshi,
Shoujo Sect (Figura 2).

Figura 1 – Mangá Girls Figura 2 – Mangá Shoujo


Friends (Shoujo-Ai) Sect (Yuri)

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Já os mangás do tipo Futanari (tradução literal = duas formas)


são hentais (pornô japonês), apresentando hermafroditas, intersexu-
ais ou outros indivíduos com corpos femininos e órgãos sexuais que se
parecem com pênis (VILLENA, 2012, p. 47). Os órgãos sexuais podem
ser clitóris alargados ou realmente pênis (Figura 3). Tecnicamente, o
termo também abrange personagens masculinos com ambos os tipos de
órgãos sexuais; esses, porém, são normalmente excluídos. São exemplos
os mangás Ayafuya, Hitting the books, e The Old College Try.

Figura 3 – Exemplo de Futanari

É comum observar nesse tipo de materiais personagens muito


bonitas, de traços finos e delicados, cabelos compridos, lábios carnu-
dos, suaves e de movimentos calmos, que parecem ser mulheres. No
entanto, quando essas personagens começam a falar, percebemos que
são homens. São os Crossdressing Shota, mangás dedicados aos meni-
nos que gostam de se vestir com roupas do sexo oposto. São exemplos
os personagens Shun, dos Cavaleiros do Zodíaco; Kurama, de Yu Yu
Hakusho; Marron e Mirufu-yui, de Bakuretsu Hunter; Olho-de-peixe, de
Sailor Moon S (Figura 4) e Seiya Kou, de Sailor Moon Stars. Da mesma
forma, com facilidade, encontramos rapazes magros, de cabelos curtos e
olhos grandes, com expressões resolutas e movimentos rápidos, os quais,

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somente com o tempo, descobrimos que se trata de uma menina, como


a personagem Haruka, de Sailor Moon S (Figura 5). Esses materiais em
que as meninas se travestem são classificados como Bender. Muitos des-
ses mangás têm personagens que não estão envolvidos de forma sexual,
representando os conflitos interiores das mesmas em relação a sua iden-
tidade. Em inúmeros casos, a personagem do sexo masculino apenas
apresenta a forma andrógina, tida como sinônimo de beleza no Japão.
Muitas vezes, o travestismo é tratado de forma cômica, como no mangá
e anime Ramma Nibun-no-Ichi ou Ramma 1\2, no qual um garoto de
dezesseis anos, treinado em artes marciais, é amaldiçoado: toda as vezes
em que ele é molhado com água fria, vira uma menina. No caso citado,
o travestismo não tem conotação sexual ou de gênero, já que a persona-
gem não apresenta escolha e nem reflete sobre situação.

Figura 3 – Exemplo de Crossdressing Shota – Olho de Peixe, Sailor Moon S

Figura 4 – Exemplo de Bender – Haruka, Sailor Moon S, Super S e Stars

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O gênero Shonen-Ai (tradução literal = amor de meninos) retrata


relações românticas entre homens e é destinado para os homens. Essas
relações românticas podem ser leves ou somente insinuadas e geralmente
não há retratação do ato sexual. Muitas vezes é apenas uma amizade
forte entre garotos e homens. Algumas obras se concentram apenas em
relacionamentos Shonen-Ai, mas é comum encontrarmos algo do gênero
em histórias sobre qualquer tema e direcionadas a qualquer público,
inclusive o infantil. Um exemplo é o Sekai-ichi Hatsukoi 2, cuja classifi-
cação direciona-se para maiores de doze anos (Figura 5).

Figura 5 – Exemplo de Shonen-Ai – Sekai-ichi Hatsukoi 2

Em contrapartida, o Yaoi é o romance entre homens, voltado para


o público feminino. É um dos maiores gêneros e ainda se encontra em
expansão. A palavra Yaoi é um acrônimo das iniciais de “yama nashi, ochi
nashi, imi nashi”, que é traduzido para o português como “Sem clímax,
sem resolução, sem significado”. A expressão originalmente se referia a
quaisquer paródias brincalhonas de publicações conhecidas, mas logo
assumiu uma conotação apenas relativa à homossexualidade masculina
(PERET, 2009, p.4). Também conhecido como Boys’ Love, surgiu no
Japão no final de 1970 sob a forma de doujinshi (mangás amadores), nos

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quais autores se apropriavam de personagens de mangás populares e os


representavam em relacionamentos românticos homossexuais idealiza-
dos (CÉ, 2010, p.3). Esse tipo de mangá também possui nomenclatura
própria como as palavras Seme (literalmente traduzido como “ata-
cante”) e uke (“receptor”), termos originados das artes marciais e que,
em essência, não carregam qualquer conotação sexual. No Yaoi, esses
termos são utilizados para designar o papel que o personagem desem-
penha na relação (CÉ, 2010, p.4), o que equivale em português ao que
se convencionou como ativo e passivo, respectivamente. É comum que
o seme seduza o uke que, por sua vez, é mais jovem, mais baixo, com um
corpo mais delicado e olhos grandes, além de, obviamente, menos expe-
riente. Um enredo comum nesse tipo de produto descreve a primeira
relação sexual do uke após um período de resistência (PERET, 2009,
p.5). O gênero circula entre o drama romântico-trágico, ao demonstrar
as vicissitudes enfrentadas pelos protagonistas em defesa de sua paixão
ou romance, envolvendo às vezes suicídio, fuga da sociedade ou o cons-
tante impedimento da concretização sexual ou do relacionamento (CÉ,
2010.p.4). São exemplos de Yaoi: Gravitation, Sex Pistol e Boku no Pico.
Alguns autores (ARANHA, 2010b, p. 245.; MCLELLAND,
2005, p.21) afirmam que o Yaoi é descomprometido em relação aos rela-
cionamentos gays e suas principais questões. No entanto, esse gênero
é escrito por mulheres e para mulheres que vivem em um país onde
o machismo é tão forte que elas devem sempre se curvar aos homens.
Assim, o público feminino leitor desse gênero recria seu mundo através
do relacionamento de dois homens, colocando, porém, nas falas mas-
culinas, conteúdos que diriam respeito não ao universo homossexual
masculino, mas ao próprio universo feminino. Assim, o propósito do
Yaoi não é discutir o universo gay, mas sim uma forma de afirmação
feminina e, por isso, ele não peca ao deixar de lado tais discussões rela-
tivas à homossexualidade masculina.
Aranha (2010a, p. 992) classifica o Yaoi em dois subtipos: o Yaoi
Bishônen e o Yaoi Bear (Figura 6). O primeiro relaciona-se a persona-
gens com características andróginas, com personagens de traços finos
e apresenta cenários de fundo bem construídos. Já o Yaoi Bear gira em

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torno da imagem de homens maduros, peludos (com barba ou não),


musculosos e/ou gordos (ARANHA, 2010a, p.997), com imagens com
traços mais rudes e com foco no personagem, sendo que, muitas vezes, o
fundo é formado apenas por uma cor escura. Como é possível observar,
o público-alvo do Yaoi Bear não são as mulheres e, por isso, essa catego-
ria deveria ser classificada como um novo gênero de mangás e animes.

Figura 5 – Diferenças no arquétipo dos mangás Yaoi Bishônen


(esquerda) e o Yaoi Bear (direita).

Animes

No Brasil, o anime é conhecido desde meados dos anos 80, quando


algumas emissoras de televisão começaram a passar séries como Speed
Racer, Zillion e Candy Candy. No entanto, foi somente na década de 90,
com a exibição da série Os Cavaleiros do Zodíaco, pela Rede Manchete,
que a animação japonesa começou a ganhar espaço no Brasil. O êxito
deste permitiu a transmissão de outros animes de sucesso, como Sailor
Moon, Dragon Ball e Pokémon. Com eles, as emissoras (tanto de televi-
são aberta quanto fechada) começaram a investir na exibição de animes,
culminando na criação de um canal de TV fechada chamado Animax,
no qual só são exibidos desenhos japoneses (FARIA, 2008, p. 1).
Uma característica dos animes, diferente dos desenhos ociden-
tais, é que eles têm uma serialização, ou seja, a história continua de um
episódio para outro, apresentando início, meio e fim. Além disso, os

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personagens sofrem a ação do tempo, como em Dragon Ball, no qual o


personagem principal, Goku, começa criança, cresce, casa, tem filhos,
envelhece e, por fim, morre. Muito dos animes são baseados e fiéis
aos mangás que lhe deram origem, sendo muitos voltados ao público
infanto-juvenil. No entanto, inúmeros são censurados nos países da
América Latina.

Receptividade dos mangás e animes nos países da


América Latina

Devido às diferenças culturais no modo da apresentação da diver-


sidade sexual nos produtos midiáticos, muitos mangás e, principalmente
animes, são censurados. A censura vai desde a edição dos episódios até
a não exibição dos mesmos.
Um exemplo de anime censurado é o CardCaptor Sakura. A série
de setenta episódios foi lançada no fim dos anos 90 e conta a história
da menina Sakura Kinomoto que, acidentalmente, liberta um bara-
lho de cartas mágicas de um livro e passa a capturá-las e a controlar a
magia delas. O anime foi transmitido sem censura nos canais abertos
Chilevisión (Chile), Canal 5 (México) e América TV (Peru). No Brasil,
o canal a cabo Cartoon Network passou a série original sem cortes. Já
na Rede Globo, ocorreu a censura, baseada na presença de duas relações
de conotação homossexual. A primeira foi entre a protagonista Sakura
e a sua amiga Tomoyo, que gosta de filmá-la e vesti-la com fantasias
especiais para as missões, causando grande constrangimento na jovem
e tímida heroína. O anime sofreu cortes e alterações de dublagem para
deixar o relacionamento entre as duas amigas mais próximo de uma
amizade exagerada e quase caricatural. Já a segunda relação é entre o
personagem Touya (o irmão mais velho de Sakura) e Yukito (melhor
amigo do Touya). Em um episódio, Sakura declara seu amor por Yukito,
mas ele responde que seu coração já tem dono e, para surpresa dele, ela
declara saber ser o seu irmão o dono do coração do Yukito (PERET,
2009, p.6). Essa parte foi censurada e não foi transmitida.

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Sailor Moon (Bishojo Senshi Sera Mun), de Naoko Takeushi, foi


outro desenho censurado. Na trama, Usagi Tsukino descobre ser a reen-
carnação da Princesa Serenity, do reino lunar chamado de Milênio de
Prata, e forma um grupo com outras meninas, todas reencarnações das
guerreiras protetoras daquele reino (PERET, 2009, p.6). No Brasil, o
anime foi transmitido pela TV Manchete e pelo canal a cabo Cartoon
Network.
A série apresenta várias relações homoafetivas: no segundo arco
da primeira temporada (Fase R), os vilões são Kunzite e Zoicite, dois
alienígenas do sexo masculino que mantêm um relacionamento. Na ter-
ceira temporada, surgem duas guerreiras mais experientes e poderosas
(Haruka Tenoh - Sailor Urano e Michiru Kaioh - Sailor Netuno), que
moram juntas e mantêm um relacionamento bem-definido. Haruka se
veste de homem (inclusive no uniforme escolar), tem cabelos curtos,
dirige carros velozes, “é boa de briga” e realiza várias atividades espor-
tivas, enquanto Michiru é artista, amante da pintura e da música. No
Chile, a primeira vez em que o anime foi transmitido, na década de 90,
não houve censura. No entanto, na retransmissão, em 2012, três episó-
dios não foram transmitidos porque retratavam a relação entre Haruka
e Michiru. No Peru, o jornal O camino (2012, p.1) publicou a declaração
da Organização Não Governamental (ONG) Movimento de Integração
e Libertação Homossexual (MOVILH), que solicitou esclarecimento à
emissora chilena em relação à censura:

Las expresiones de afecto o cariño entre personas


del mismo sexo, al igual que las heterosexuales,
no son sinónimo de pornografía o de sexo explí-
cito, del cual se protege a menores en nuestra
televisión. Es tiempo ya de comprender ello.

Já na Fase Super S, um dos vilões e integrantes do Trio Amazonas


é o personagem Olho de Peixe (Fish Eye), um rapaz com característi-
cas andróginas, que persegue rapazes e gosta de se travestir de menina.
Na fase Stars, os três cantores do grupo musical Threelights são, na

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verdade, as sailor starlights, cuja transformação em sailors guerreiras


inclui a mudança de gênero. Na América Latina, Zoicite e Olho de
Peixe foram transformados em mulheres (a versão brasileira respeitou a
identidade do Olho de Peixe) (CONDE, 2012, p.1). Já em relação aos
Threelights, na fase Stars, na América Latina e Espanha, não houve
alterações, diferente de outros países, como Estados Unidos e Austrália,
que nem apresentaram essa fase (HOLMES, 2013, p.1).
Outro desenho que foi censurado no Brasil, México, Argentina,
Chile e Peru foi o episódio Beauty and the Beach (A Bela e a Praia) do
anime Pokémon. O motivo da censura foi de que o episódio influenciaria
a homossexualidade. Nele, James se produz de mulher para poder par-
ticipar de um concurso de biquínis que está acontecendo na praia. Ele
veste uma espécie de corpo inflável, que lhe dá seios bastante volumosos.
(GRISCI, 2011, p.1). Nos países citados anteriormente, o episódio em
questão não foi transmitido.

Figura 6 – Episódio de Pokémon censurado

Os Cavaleiros do Zodíaco é um dos animes e mangás mais conhe-


cidos no Ocidente. Na trama, os cavaleiros de bronze, tendo à frente o
jovem Seiya de Pégaso, enfrentam diferentes desafios para salvar Saori,
a reencarnação da deusa Atena, protetora da Terra e da humanidade.
Muitos consideram esse anime como homoafetivo, devido às emoções
de Shun, sua atitude pacifista e o formato feminino de sua armadura

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(que chega a ter seios), sendo que muitos o consideram gay. Em outras
obras paralelas, ele aparece como uke para Hyoga, cavaleiro de Cisne
– cuja vida foi salva por Shun em uma cena famosa. Nessa cena, Shun
abraça o cavaleiro de Andrômeda, transferindo para ele seu calor corpo-
ral a fim de impedir que ele morresse de frio (PERET, 2009, p. 7).
Após a descrição de todas essas categorias, observamos que os japo-
neses tendem a classificar cada tipo de relacionamento com um nome
e uma descrição característica. Isso torna o tema em foco (diversidade
sexual) mais concreto e próximo da realidade. O japonês, independente-
mente do sexo, gênero ou identidade sexual, pode encontrar um grupo ao
qual pertence, sentindo-se acolhido e podendo encontrar outras pessoas
como ele. Isso é diferente nos países da América Latina, onde percebe-
mos que o tema não é abordado e ainda é censurado. Muitos desenhos
foram censurados sob a alegação de que estimulariam a homossexuali-
dade. No entanto, um casal heterossexual pode ser apresentado na mídia
sem o risco de constituir uma influência negativa. Essa diferença entre
os dois tipos de casais só mostra que a homossexualidade ainda é margi-
nalizada nos países da América Latina. Independentemente do gênero
do mangá ou anime, o que podemos observar é que os relacionamentos
se dão entre as pessoas, mostrando que o amor pode nascer de qualquer
situação.
Assim, apesar do tradicionalismo e machismo característicos do
Japão, é possível observar que a diversidade sexual é abordada de forma
mais direta e sem tanto pudor quanto no Ocidente. As pessoas, desde
a sua infância, deparam-se com situações que passam a fazer parte do
seu dia a dia e, dessa forma, permitem que a diversidade sexual possa ser
amplificada, respeitada e exercida.
O número de mangás comercializados e a quantidade de
exemplares vendidos só ressaltam a receptividade desses pelo leitor
latino-americano. Em relação aos animes, contudo, a receptividade
pelos canais de televisão, pela imprensa e pelos pais é acompanhada da
censura, com edição ou deleção de cenas e episódios referentes à diver-
sidade sexual. Esse fato é o reflexo de como a nossa sociedade retrata e
posiciona-se diante desse assunto.

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1655 Associação Brasileira de Estudos da Homocultura

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