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RESPONSABILIDADE CIVIL

DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS


RESPONSABILIDADE CIVIL
DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Coordenador

Juan Manuel Velázquez Gardeta

Organizadores

Fabrício Germano Alves


Yanko Marcius de Alencar Xavier
José Carlos de Medeiros Nóbrega

Natal, 2021
G218r

Gardeta, Juan Manuel Velázquez


Responsabilidade civil dos profissionais liberais / Juan Manuel Velázquez Gardeta (coord.),
Fabrício Germano Alves (org.), Yanko Marcius de Alencar Xavier (org.) & José Carlos de
Medeiros Nóbrega (org.). – 1. Ed. – Natal – RN: Polimatia, 2021. E-BOOK - PDF.
254 p.

Inclui Bibliografia
ISBN 978-65-992697-6-9

1. Direito. 2. Responsabilidade Civil. 3. Profissional Liberal. I. Alves, Fabrício Germano.


II. Xavier, Yanko Marcius de Alencar. III. Nóbrega, José Carlos de Medeiros. IV. Título.

CDD 342.156
CDU 347.56/49

As opiniões externadas nas contribuições deste livro são de exclusiva responsabilidade de seus autores.

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Polimatia


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Bairro Pitimbu | 59.066-285 | Natal-RN | Brasil
e-mail: editorapolimatia@gmail.com
Telefone: 84 99145-5262
CONSELHO CIENTÍFICO

Erivaldo Moreira Barbosa


(Universidade Federal de Campina Grande)
Fabio da Silva Veiga
(Universidad de Alcalá - Espanha)
Fabrício Germano Alves
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
José Carlos de Medeiros Nóbrega
(European Legal Studies Institute, Universität Osnabrück - Alemanha)
José Orlando Ribeiro Rosário
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
José Noronha Rodrigues
(Universidade dos Açores - Portugal)
Juan Manuel Velázquez Gardeta
(Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea - Espanha)
Orione Dantas de Medeiros
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Ricardo Sabastián Piana
(Universidad Nacional de La Plata)
Roberto Muhájir Rahnemay Rabbani
(Universidade Federal do Sul da Bahia)
Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira
(Centro Universitário Unieuro)
Robson Antão de Medeiros
(Universidade Federal da Paraíba)
Thiago Oliveira Moreira
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Valfredo de Andrade Aguiar Filho
(Universidade Federal da Paraíba)
Yanko Marcius de Alencar Xavier
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
SUMÁRIO

Apresentação da Obra....................................................................................08

Sobre o Coordenador e os Organizadores.....................................................10

Sobre os Autores.............................................................................................12

01 Publicitário.................................................................................................17

Fabrício Germano Alves


Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa

02 Influenciador Digital (Digital Influencer)................................................34

Dante Ponte de Brito


Pedrita Dias Costa

03 Advogado.....................................................................................................55

José Serafim da Costa Neto


Marcella Lobo Arruda de Oliveira Santos

04 Jornalista.....................................................................................................72

Anderson Souza da Silva Lanzillo


Wagner Franklin da Costa
05 Engenheiro Civil........................................................................................97

Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson


Alan Garcia de Medeiros Souza

06 Corretor de Imóveis.................................................................................121

Thiago Oliveira Moreira


Rafaela Gomes Góis

07 Contador...................................................................................................152

Fabrício Germano Alves


Ingrid Altino de Oliveira

08 Engenheiro Agrônomo............................................................................171

Luiz Felipe Monteiro Seixas


Victor Motta de Azevedo Rocha

09 Economista................................................................................................192

Sergio Alexandre de Moraes Braga Junior


Maria Clara Galvão

10 Estatístico..................................................................................................218

Patrícia Borba Vilar Guimarães


Thairone de Sousa Paiva
11 Fotógrafo e Filmaker.................................................................................236

Victor Rafael Fernandes Alves


APRESENTAÇÃO DA OBRA

A presente obra é resultado de Projeto de Pesquisa intitulado “Principais


aspectos da responsabilização civil dos profissionais liberais no ordenamento
jurídico brasileiro”, desenvolvido por Professores e alunos do Programa de Pós
Graduação em Direito (PPGD), envolvendo discentes dos Cursos de Graduação
em Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) e do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), em parceria com a Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha, representada pelo Professor Juan Manuel
Velázquez Gardeta, e em cooperação com a Associação Internacional de Juristas
de Osnabrück/Alemanha – Internationale Juristenvereinigung Osnabrück (IJVO)
e com o European Legal Studies Institute (ELSI) – Universidade de Osnabrück/
Alemanha), representados pelo pesquisador Dr. José Carlos de Medeiros Nóbrega.
As pesquisas contaram ainda com a participação de docentes e discentes
de diversas outras instituições, a saber: Universidade Federal do Piauí (UFPI),
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Instituto Federal do Rio
Grande do Norte (IFRN) e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN).
A responsabilização civil surge a partir do descumprimento de um dever
jurídico que causa danos a outrem. Quando isto acontece é atribuído um valor a
título de indenização que deve cumprir uma tripla função: reparar o dano que foi
causado (função compensatória), punir o responsável (função punitiva) e incutir no
sentimento coletivo o caráter de ilicitude da conduta desmotivando a reiteração da
mesma (função didático-pedagógica).
Além de ser prevista na Constituição Federal (artigo 5º, incisos V e
X), a responsabilidade civil é regulamentada na legislação infraconstitucional,
principalmente no Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e no Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/1990). No que diz respeito aos profissionais liberais,
existem ainda as disposições normativas específicas instituídas pelos conselhos
profissionais de cada categoria.

8
A presente obra possui capítulos específicos abordando os fundamentos,
a partir da legislação e da visão jurisprudencial, e a sistemática da responsabilização
civil dos seguintes profissionais liberais: publicitário, influenciador digital,
advogado, jornalista, engenheiro civil, corretor de imóveis, contador, engenheiro
agrônomo, economista, estatístico, fotógrafo e filmaker.

Os organizadores

9
SOBRE O COORDENADOR E OS ORGANIZADORES

COORDENADOR

Juan Manuel Velázquez Gardeta


Doctor en Derecho por la Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea
(UPV/EHU). Profesor Agregado de Derecho Internacional Privado en la Facultad
de Derecho de la UPV/EHU. Director del Máster en Abogacía de la UPV/EHU.
Vicedecano de Posgrado de la Facultad de Derecho de la UPV/EHU. E-mail:
juanvelazquez@ehu.eus.

ORGANIZADORES

Fabricio Germano Alves


Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo
(UNP), Direito Eletrônico (Estácio), Publicidade e Propaganda: mídias,
linguagens e comportamento do consumidor (Intervale), Marketing Digital
(Intervale), Docência no Ensino Superior (FMU) e Metodologias em Educação a
Distância (Intervale). Mestre em Direito (UFRN). Mestre e Doutor em Sociedad
Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Líder do Grupo de Pesquisa Direito das
Relações de Consumo. Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Direito das Relações de Consumo (LABRELCON). Professor da Graduação e Pós-
Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail:
fabriciodireito@gmail.com

Yanko Marcius de Alencar Xavier


Mestre e Doutor em Direito pela Universität Osnabrück/Alemanha. Pós-doutor
pelo Instituto de Direito Internacional Privado e Direito Comparado da Universität
Osnabrück/Alemanha. Professor Titular Livre da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito e Regulação
dos Recursos Naturais e da Energia e Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Direito
e Desenvolvimento. E-mail: yanko.xavier@gmail.com.

10
José Carlos de Medeiros Nóbrega
Bacharel em Direito (UEPB), Mestre e Doutor em Direito (Universität Osnabrück,
Alemanha), com estágio pós-doutoral (Aarhus Universitet, Dinamarca).
Pesquisador post-doc junto ao European Legal Studies Institute, Universität
Osnabrück (Cátedra Prof. Dr. Dr. h.c. mult. Christian von Bar). Recebeu o
Europaförderpreis 2009 (Hon.-Prof. Pöttering, ex-Presidente do Parlamento
Europeu). Presidente da Associação Internacional de Juristas de Osnabrück
(Internationale Juristenvereinigung Osnabrück). Membro do Study Group on a
European Civil Code, e colaborador do Projeto de Quadro Comum de Referência
do Direito Privado Europeu (DCFR, Draft Common Frame of Reference), que
inclui os Princípios do Direito Europeu da Responsabilidade civil extracontratual
por danos causados a terceiro (Principles of European Law – Non-contractual
liability arising out of damage caused to another). E-mail: cnobrega@uos.de

11
SOBRE OS AUTORES

Alan Garcia de Medeiros Souza


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: a.gaarcia@hotmail.com

Anderson Souza da Silva Lanzillo


Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2004),
Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2007)
e doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (2016). Docente do Departamento de Direito Privado da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e do Programa de Pós-graduação em
Direito da UFRN. E-mail: adv.andersonss@gmail.com

Dante Ponte de Brito


Pós-Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor da
Universidade Federal do Piauí (UFPI). Docente vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito em nível de Mestrado da UFPI (PPGD-UFPI). Advogado
atuante nas áreas de Direito Civil e do Consumidor.

Fabrício Germano Alves


Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo
(UNP), Direito Eletrônico (Estácio), Publicidade e Propaganda: mídias,
linguagens e comportamento do consumidor (Intervale), Marketing Digital
(Intervale), Docência no Ensino Superior (FMU) e Metodologias em Educação a
Distância (Intervale). Mestre em Direito (UFRN). Mestre e Doutor em Sociedad
Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Líder do Grupo de Pesquisa Direito das
Relações de Consumo. Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em

12
Direito das Relações de Consumo (LABRELCON). Professor da Graduação e Pós-
Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail:
fabriciodireito@gmail.com

Ingrid Altino de Oliveira


Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Vice-
presidente da Sociedade de Debates Potiguar, projeto de extensão da UFRN.
Monitora da disciplina de Direito Civil I. Bolsista na Procuradoria Jurídica da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: ingridoliveira779@
gmail.com

José Serafim da Costa Neto


Advogado. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestrando
em Direito Constitucional pela UFRN. Especialista em Direito Público pela PUC/
MG e em Direito Administrativo e Gestão Pública pela FCV. E-mail: costa_neto@
ymail.com

Luiz Felipe Monteiro Seixas


Doutor (UFPE) e Mestre (UFRN) em Direito. Professor Adjunto da Universidade
Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Líder do Grupo de Pesquisa “Direito,
Economia e Mercados” – DIREM. Mossoró/RN, Brasil. E-mail: luiz.seixas@
ufersa.edu.br

Marcella Lobo Arruda de Oliveira Santos


Pós-graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Arnaldo.
Pós-graduanda em O Ministério Público e o Direito Contemporâneo pelo Instituto
Superior do Ministério Público. Graduada em Direito pela Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro. Advogada. E-mail: marcellalarruda@gmail.com

Maria Clara Galvão


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: claragalvao_direito@hotmail.com

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Patrícia Borba Vilar Guimarães
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (1997). Tecnóloga em
Processamento de Dados pela Universidade Federal da Paraíba (1989); Mestre em
Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2008). Mestre pelo
Programa Interdisciplinar em Ciências da Sociedade, na área de Políticas Sociais,
Conflito e Regulação Social, pela Universidade Estadual da Paraíba (2002). Doutora
em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (2010).
É Advogada e Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no
Departamento de Direito Processual e Propedêutica (DEPRO). Líder da Base de
pesquisa em Direito e Desenvolvimento (UFRN-CNPq). E-mail: patriciabvilar@
ufrn.edu.br

Pedrita Dias Costa


Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal
do Piauí. Especialista em Direito Processual e Direito do Trabalho. Graduada
em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Advogada. E-mail:
pedritadiascosta@gmail.com

Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa


Acadêmico do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro
do Grupo de Pesquisa do CNPq Direito das Relações de Consumo. Membro
do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Direito das Relações de Consumo
(LABRAELCON). Discente de iniciação científica do Projeto de Pesquisa
intitulado Proteção jurídica do consumidor no comércio eletrônico (marketplace).
E-mail: pedro.damatta@outlook.com.br

Rafaela Gomes Góis


Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista
voluntária do Programa de Iniciação Científica no projeto de pesquisa “PVF14330-
2017” (UFRN). Bolsista voluntária no projeto de monitoria intitulado: Direito
Empresarial e Biodireito em prática (UFRN). Bolsista de extensão do Núcleo de
Prática Jurídica (UFRN). E-mail: rafaelaggois@gmail.com

Rocco Antônio Rangel Rosso Nelson


Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN. Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela

14
Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Especialista em
Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar. Especialista em Direito
Eletrônico pela Universidade Estácio de Sá. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado a linha de pesquisa “Democracia,
Cidadania e Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte
– IFRN, campus Natal-Central. Professor efetivo de Direito do Instituto Federal
do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Natal-Central. E-mail: rocconelson@
hotmail.com

Sergio Alexandre de Moraes Braga Junior


Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1995) e em
Gestão Pública (2020), mestrado em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela
Universidade Federal do Ceará (1998) e doutorado em Direito pela Universidade
Federal de Pernambuco (2005). Professor titular da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, e Professor Associado II da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Coordenador Operacional do Doutorado Interinstitucional
(DINTER) em Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) em convênio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou
como consultor jurídico, contratado pelo Governo do Estado do Ceará, lotado
na SEDURB e SEINFRA-Secretaria de Infraestrutura, nas áreas de planejamento
urbano, desenvolvimento sustentável e atuação organizacional administrativa-
tributária. E-mail: s.alexandre.prof@gmail.com

Thairone de Sousa Paiva


Acadêmico do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Discente
de iniciação científica da base de pesquisa Direito & Desenvolvimento (UFRN-
CNPq). E-mail: thaironepaiva@gmail.com

Thiago Oliveira Moreira


Mestre em Direito (UFRN). Mestre e Doutor em Direito pela Universidad del País
Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea (UPV/EHU). Doutorando em Direito pela
Universidade de Coimbra. Pós-doutorando em Direito pela Universidad Externado
de Colombia. Professor da Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Chefe do Departamento de Direito Privado da
UFRN. E-mail: thiago.moreira@ufrn.br

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Victor Motta de Azevedo Rocha
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro
do Núcleo de Estudos em Direito Digital (Neddig). Membro do laboratório de
inovações jurídicas - Cascudo JuriLab. E-mail: victormotta.rocha@gmail.com

Victor Rafael Fernandes Alves


Graduado em Direito e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Auditor de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado do
Rio Grande do Norte (TCE-RN). E-mail: vrfalves@gmail.com

Wagner Franklin da Costa


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Técnico em informática pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN).
E-mail: wagner.franklin.ifrn@gmail.com

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01 Publicitário

Fabrício Germano Alves


Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa

1 INTRODUÇÃO

Na obra cinematográfica “Muito Loucos” (título original “Crazy


People”), o ator Dudley Moore interpreta um agente publicitário, contratado por
uma grande sociedade empresarial de publicidade, que passa por dificuldades no seu
relacionamento pessoal, fato que colabora com o desenvolvimento de campanhas
publicitárias destoantes à realidade dessa vertente. Com efeito, o agente opta por
mostrar somente a verdade sobre cada produto no que se refere às suas funções e às
suas características, ou seja, são transmitidas ao consumidor todas as informações
necessárias para fazer uma compra consciente baseada no processo decisório correto.
Assim, o contratante dos serviços do agente sente receio em veicular tais anúncios,
mas percebe como os consumidores se comportam em virtude da disponibilização
adequada de uma única coisa, a verdade1.
O caráter epifânico da longa-metragem é indiscutível, uma vez que, em
primeiro, demonstra como a publicidade real e sincera pode despertar a atenção dos
consumidores, mas que, em segundo, carece em esclarecer quais as consequências
relativas à responsabilidade civil do agente publicitário em relação tanto ao
consumidor, como também à própria sociedade empresarial que o contrata. Isso
significa que campanhas publicitárias baseadas somente na sinceridade, cujas
características dos produtos/serviços são mencionadas indiscriminadamente,
podem ser menos eficazes no que diz respeito à captação dos consumidores, ou seja,

1 MUITO LOUCOS. Dirigido por Tony Bill. Produzido por Thomas Barad e Robert Weiss. Estre-
lado por Dudley Moore. Música por Cliff Eidelman. Cinematografia por Steven Schwartz. Editado e
distribuído por Paramount Pictures. 1990. Online (1h31min).

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RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

nem sempre é interessante para os fornecedores mencionar os atributos positivos e


negativos desses bens.
No que se refere à responsabilização civil na esfera publicitária, caso um
anunciante contrate um agente publicitário que atua como profissional liberal no
mercado, e, por sua vez, a campanha publicitária seja considerada ilícita, existem
três situações. Com efeito, a primeira é relativa à responsabilidade do agente
perante o contratante dos seus serviços, a segunda, por outro lado, refere-se à
responsabilidade do anunciante para com os consumidores expostos à publicidade,
e a terceira, por último, faz alusão à responsabilização do agente publicitário ante
os consumidores alvo da publicidade ilícita. Entretanto, há de se analisar apenas a
relação existente entre consumidor equiparado/agente publicitário e entre agente
publicitário/anunciante contratante.
Nesse caso, a problemática da questão transita em torno da análise de
dois fatores; por um lado, quando um anúncio é considerado ilícito (v.g., enganoso
ou abusivo), é necessário averiguar se o agente publicitário responde subjetiva ou
objetivamente perante o consumidor e, por outro, perante o contratante dos seus
serviços.
A responsabilidade civil se fundamenta no restabelecimento do equilíbrio
patrimonial e extrapatrimonial oriundos dos possíveis danos decorrentes das
relações sociais. Mais ainda, há de se considerar que a reparação é essencial para
as sociedades como maneira de proteger os bens jurídicos tutelados pelo Direito,
sejam eles referentes ao patrimônio, sejam relativos à personalidade. Isto é, uma
vez que a responsabilidade decorrente do dano causado pela publicidade ilícita for
identificada, de maneira subjetiva ou objetiva, o agente publicitário deve responder
na qualidade de profissional liberal quando não existir vínculo empregatício em
relação a qualquer agência de publicidade.
Portanto, tem-se como objetivo o apontamento da organização do
sistema de responsabilização civil dos publicitários quando atuarem na qualidade
de profissionais liberais, tanto perante os consumidores que são alvo das campanhas
publicitárias quanto perante os fornecedores que contratam os seus serviços.
Quanto aos procedimentos metodológicos, utiliza-se da pesquisa
aplicada (voltada para a realidade) com abordagem qualitativa e objetivo descritivo,
apresentando as características do problema proposto, assim como, por vezes, as
suas alternativas de conclusão. Somado a isso, adequar-se-á às técnicas de coleta de
pesquisa padrão – pesquisa doutrinária e/ou leitura documental, assim como leitura

18
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

informativa por seleção e de forma interpretativa2. Destarte, a informativa possui


o fito de selecionar as informações mais pertinentes referentes à responsabilidade
civil do publicitário. A interpretativa, por sua vez, relaciona os textos dos autores
selecionados à problemática para a qual, por intermédio da leitura analítica, busca-
se solucionar a ideia da responsabilização do agente publicitário.
No que se refere à estrutura, inicialmente serão delineados os conceitos
e as definições atinentes à atividade publicitária, principalmente da formação da
relação jurídica, das partes envolvidas, do serviço publicitário e a natureza jurídica
das relações. Mais ainda, há de se considerar os fundamentos da responsabilização
civil para fins de adequação do profissional liberal publicitário à regulação específica
da sua atividade.
Em seguida, a regulamentação da profissão será analisada por meio da
Lei n° 4.680/1965, a qual dispõe sobre a profissão do publicitário e do agenciador
de propaganda, assim como por meio do Código de Ética dos Profissionais de
Propaganda (2014), do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e do Código de Defesa
do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Ademais, serão consideradas as disposições
do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e do
Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e seus Anexos.

2 ATIVIDADE PUBLICITÁRIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO E


FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Na esfera social, a responsabilidade civil representa um dos aspectos


basilares à medida que for considerada a necessidade de reparação, patrimonial e/ou
extrapatrimonial, e de restauração do equilíbrio das relações oriundas de qualquer
atividade que possa causar dano, sobretudo se for realizada de maneira negligente,
imprudente ou imperita3. Ao considerar que o intuito dessa reparação é compensar
os danos causados4, o agente publicitário pode ser responsabilizado de acordo
com sua conduta perante o consumidor e perante o anunciante que o contrata,
considerando a qualidade dos serviços publicitários prestados.

2 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2017. p. 85.
3 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. v. 3. p. 46.
4 TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2017. v. único. p. 499.

19
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Para que a responsabilização do publicitário como profissional liberal seja


analisada é essencial identificar a natureza das relações jurídicas que se formam
entre o agente publicitário, o anunciante que o contrata e o consumidor exposto.
Isso porque é justamente a natureza jurídica da relação que irá indicar ao intérprete-
aplicador do Direito o conjunto de disposições normativas que irá reger cada caso.

2.1 NATUREZA JURÍDICA DAS RELAÇÕES QUE ENVOLVEM A


PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PUBLICIDADE

Quando um publicitário, que desempenha suas atividades como


profissional liberal, é contratado por um fornecedor-anunciante para a criação
de uma campanha publicitária de divulgação de um produto ou serviço no
mercado de consumo, cria um anúncio ilícito que causa danos aos consumidores
que a ele forem expostos, tem-se concomitantemente três relações jurídicas: uma
entre o publicitário e o anunciante que o contrata, outra entre o publicitário e os
consumidores que são expostos ao anúncio danoso e, por fim, entre estes últimos
e o anunciante.
No Código de Defesa do Consumidor e nas disposições regulatórias que
o compõem, não existe qualquer dispositivo que mencione, de modo explícito, a
definição da relação jurídica de consumo. Então, anteriormente à conceituação, os
seus elementos – subjetivos, objetivos e finalístico – precisam ser identificados com
o fito de configurá-la.
Sob ponto primário, um dos seus elementos subjetivos é o consumidor5,
cujas quatro acepções são oriundas do Código de Defesa do Consumidor6, uma
direta (stricto sensu) e três por equiparação (lato sensu)7. Considera-se, portanto,
que o consumidor é um indivíduo de mercado que objetiva suprimir suas
necessidades por meio da aquisição de produtos e de serviços, isto é, todos podem
ser considerados consumidores em virtude de o consumo ser necessário para a
vida nas sociedades. Assim, enquanto o consumidor direto é aquele que adquire

5 FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 26.
6 Artigo 2°, caput; Artigo 2°, parágrafo único; Artigo 17 e Artigo 29 do Código de Defesa do Con-
sumidor, respectivamente. BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa
do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 5 jan. 2021.
7 ALVES, Fabrício Germano. Direito publicitário: proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2020. p. 74.

20
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

ou utiliza um produto ou serviço como destinatário final8, equiparam-se à figura


do consumidor a coletividade de pessoas que intervém na relação de consumo, as
vítimas do fato produto/serviço (acidente de consumo) e os indivíduos expostos às
práticas comerciais9, dentre as quase pode-se destacar a publicidade.
No caso em questão, configuram-se como consumidores tanto os que são
alvo da campanha publicitária quanto o contratante dos serviços publicitários. Este
é o fornecedor-anunciante que busca auxílio para produzir anúncios publicitários
voltados para a divulgação de seus produtos ou serviços, que se qualifica como
consumidor do agente publicitário de acordo com a teoria finalista mitigada10 uma
vez comprovada a vulnerabilidade técnica, por exemplo. Em contrapartida, as
pessoas que são expostas aos anúncios publicitários são consideradas consumidoras
por equiparação, tanto em relação ao fornecedor-anunciante, como também ao
próprio profissional liberal que criou a peça publicitária ilícita.
Sob ponto secundário, a outra unidade subjetiva da relação de consumo
é o fornecedor. Embora se trate de uma definição verdadeiramente ampla11, o
fornecedor é entendido como aquele que possibilita a oferta de bens no mercado de
consumo12, qualificado como pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira13, por meio de remuneração14 (indireta ou direta), com formalismo
e habitualidade.
No caso da prestação de serviços realizada por publicitários que atuam
como profissionais liberais, verifica-se que eles podem ser considerados fornecedores
em duas relações jurídicas que ocorrem concomitantemente. Em primeiro lugar,
o publicitário é fornecedor do anunciante que o contrata para a prestação dos
serviços publicitários – v.g., elaboração de anúncios, design de peças publicitárias.
Em segundo, assim como o próprio anunciante (artigo 29, CDC), o publicitário

8 Artigo 2°, caput do Código de Defesa do Consumidor.


9 Artigo 2°, parágrafo único; Artigo 17; Artigo 29, respectivamente, do Código de Defesa do Con-
sumidor.
10 Cf. RIZZATTO NUNES, Luis Antônio. Curso de direito do consumidor. 13. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2018. passim;
11 ALVES, Fabrício Germano. Direito publicitário: proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2020. p. 93.
12 FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 44.
13 Artigo 3°, caput do Código de Defesa do Consumidor.
14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n° 519.310/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy
Andrighi. DJ. 20/04/2004. DP 24/05/2004.

21
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

também se torna fornecedor quando contribui para a realização de uma campanha


publicitária ilícita que causa danos aos consumidores que a ela são expostos (artigo
7º, parágrafo único, CDC).
Sob ponto terciário, os elementos objetivos da relação de consumo são o
produto15 e o serviço16. Este é caracterizado como qualquer atividade apresentada
e desenvolvida no mercado de consumo, mediante remuneração, ao incluir as de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, ao excluir as oriundas das
relações trabalhistas17. Aquele, por sua vez, é todo e qualquer bem móvel/imóvel e
material/imaterial que seja disponibilizado ao consumidor18, dentro dos parâmetros
da legalidade.
Com efeito, no que tange ao serviço dos agentes publicitários, para
pleno entendimento, a publicidade precisa ser definida. Assim, este termo se divide
em inúmeras categorias de diretrizes e de princípios que regem o controle das
práticas comerciais19, mas, de modo simplificado, a publicidade é um aparelho de
comunicação em massa20, seja para o maior número de pessoas possível, seja para
um público alvo específico.
Destarte, o serviço prestado pelo profissional publicitário é referente
às formas de disseminação, ao designer, à confecção, à elaboração e a todas as
atividades voltadas à publicidade como um serviço contratado por uma pessoa física
ou jurídica. Isto é, uma vez considerado como atividade apresentada e desenvolvida
no mercado de consumo, é normalmente caracterizado como serviço, e, por isso, o

15 LIMEIRA, Tânia Maria Vidigal. Comportamento do consumidor brasileiro. 2. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2017. p. 6.
16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº 493.181/SP. Rel. Min. Denise Arruda. DJ
15/12/2005. DP 01/02/2006.
17 Artigo 3°, §2° do Código de Defesa do Consumidor. BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro
de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 5
jan. 2021.
18 Artigo 3°, §1° do Código de Defesa do Consumidor.
19 SOUSA, Pedro Henrique da Mata Rodrigues; ALVES, Fabrício Germano. Publicidade enganosa
por omissão: enganosidade referente à forma de pagamento na oferta de veículos. In: DANTAS, Glei-
ber Adriano de Oliveira (coord.); ALVES, Fabrício Germano; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar;
NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso (org.). Direito do consumidor: estudos em homenagem aos
30 anos do Código de Defesa do Consumidor. 1. ed. Natal: Polimatia, 2020. p. 83.
20 SANT’ANNA, Armando; ROCHA JÚNIOR, Ismael; GARCIA, Luiz Fernando Dabul. Propa-
ganda: teoria, técnica e prática. 9. ed. São Paulo, Cengage Learning, 2016. p. 60.

22
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Código de Defesa do Consumidor pode incidir como legislação aplicável. Assim,


caso o profissional venha a causar dano ao seu contratante ou às demais pessoas
expostas, em razão da elaboração de peças publicitárias enganosas ou abusivas, por
exemplo, deverá responder civilmente.

2.2 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil consiste em um dever jurídico sucessivo ou


secundário que surge como consequência da violação de uma obrigação (dever
jurídico originário ou primário). Assim, a responsabilidade civil faz referência ao
dever de reparar um prejuízo causado em decorrência do descumprimento de uma
obrigação jurídica21. A reparação deve ser sempre proporcional ao dano causado.
Ademais, a responsabilidade civil pode ser classificada em contratual
ou extracontratual. A primeira decorre do descumprimento do que foi acordado
entre as partes, ou seja, desobediência a regras contratuais. Na segunda, relativa
à responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, não existe vínculo entre as
partes (vítima e causador do dano), portanto, origina-se a partir do ato ilícito e do
abuso de direito22.
O ato ilícito é previsto no artigo 186 do Código Civil23. Com efeito, tal
ato pode ser compreendido como qualquer atividade ou conduta humana violadora
de direitos subjetivos que venha a ferir a ordem jurídica e a causar danos a outrem
– v.g., anúncio publicitário que incite à violência ou o preconceito a grupos não-
normativos.
O abuso de direito, por sua vez, está previsto no artigo 187 do Código
Civil , que, apesar de possuir um objeto lícito, é praticado de maneira exagerada
24

e, por isso, viola princípios, como a eticidade, a sociabilidade, a boa-fé e os bons


costumes – v.g., caso um anúncio publicitário deturpe a ordem social por meio da

21 CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p.
1-10.
22 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018. v. 4. p. 45.
23 BRASIL. Lei nº 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 5 jan. 2021.
24 Ibid.

23
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

discriminação ilícita, por exemplo, fato que extrapola o princípio constitucional da


liberdade de expressão25.
A responsabilidade civil pode ser apurada também a partir de duas
perspectivas: subjetiva e objetiva. A primeira é aferida a partir da comprovação da
culpa lato sensu, que envolve o dolo e a culpa stricto sensu (negligência, imprudência
ou imperícia), juntamente com o dano e o nexo de causalidade. A responsabilidade
civil objetiva é aferida independentemente da prova de culpa lato sensu do ofensor,
ou seja, basta apenas a comprovação da existência do dano e do nexo de causalidade
entre este e a conduta do agente26.
Os elementos essenciais da responsabilidade civil, são considerados: a)
a conduta ou a ação; b) a culpa genérica do agente; c) o nexo de causalidade; d) o
dano ou o prejuízo causado.
Em primeiro ponto, a conduta humana faz referência a uma ação ou
omissão, oriunda de qualquer pessoa, que venha a causar danos a outrem. Assim,
seja a ação positiva ou negativa, voluntária ou involuntária, o dano pode ser
configurado. A título de exemplo, caso um profissional liberal publicitário seja
contratado por uma sociedade empresarial cujos valores estejam ligados ao meio
ambiente, e aquele elabore uma peça publicitária que viole valores ambientais, em
desconformidade com as orientações passadas pela contratante, esta poderia vir a
ser lesada em relação aos seus consumidores que buscam por virtudes ambientais.
Em segundo ponto, há de se considerar a culpa e o dolo. Logo,
enquanto este gera o dever de indenização por receber o tratamento de culpa grave
ou gravíssima, aquela ocorre por causa da inobservância de um dever jurídico
existente a qual pode ser involuntária, por via da negligência, da imprudência ou
da imperícia27. A partir disso, caso um agente publicitário crie, em nome do seu
contratante, um anúncio que venha a prejudicar a honra deste e, mais ainda, se tal
conduta for realizada de modo involuntário, a culpa é configurada. Ademais, tal
cenário também é real se a mesma ação tiver sido desenvolvida com o intuito de
lesar a entidade empresarial, ou seja, com dolo.

25 Artigo 5°, incisos IV e IX da Constituição Federal. BRASIL. Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.
htm. Acesso em: 6 jan. 2021.
26 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2018. p. 59.
27 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2017. v. único. p. 522.

24
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Em terceiro, nota-se que o nexo de causalidade é o elemento obrigatório


para que haja o dever de indenizar28 quando promove a ligação direta entre a conduta
e o dano causado em uma relação de causa e consequência, isto é, representa a
conexão entre a ação e o prejuízo sofrido.
Por último, considera-se o dano como elemento fundamental para a
incidência da responsabilidade civil. Tal dano resulta da comprovação do prejuízo
(patrimonial ou extrapatrimonial) a um bem jurídico29. Assim, o dano pode ser
moral – v.g., quando um anúncio publicitário fere a honra dos consumidores
– ou patrimonial – v.g., no momento em que a conduta do agente publicitário
contratado prejudica as vendas do contratante.
Neste caso, a responsabilização civil é interligada à exigência e à
necessidade de uma resposta que expresse eficiência acerca da reparação do dano,
independentemente de ser patrimonial ou extrapatrimonial. Mais ainda, funciona
como uma ferramenta de compensação para garantir a justiça, a segurança, a ordem
e a pacificação social. É por esse motivo que a problemática da responsabilidade
tem estado mais próxima na identificação e no julgamento do dano e das suas
consequências, não apenas na conduta que o agente causou30.
No aspecto publicitário, a responsabilidade civil relativa às atividades
danosas dos profissionais liberais, referente aos consumidores expostos às peças
publicitárias e aos anunciantes que contratam os seus serviços, funciona como
um mecanismo de garantia dos direitos dos consumidores que confirmam os
valores consagrados pelo microssistema consumerista. Isso significa que o dever
de responder pelos atos ilícitos – v.g. campanhas publicitárias enganosas e abusivas
–, além de equilibrar o mercado de consumo, protege os consumidores e os
fornecedores de agentes que desrespeitam o sistema consumerista.

28 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. De acordo com a Constituição de 1988.
12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. passim.
29 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso
de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 235.
30 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018. v. 4. p. 45.

25
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

3 REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E SISTEMA DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO PUBLICITÁRIO

A princípio, há de se afirmar que a veiculação de uma comunicação de


natureza publicitária pode gerar sanções civil, administrativa e penal, caso seja
considerada ilícita, a saber, publicidade enganosa ou abusiva. Contudo, embora
tais espécies de responsabilização do agente possuam a finalidade de minimizar os
danos sofridos pelo consumidor – direto ou equiparado – por causa dos anúncios do
agente publicitário qualificado como profissional liberal, a proteção do consumidor
e, consequentemente, o equilíbrio das relações consumeristas só são garantidos
quando o agente reparar o prejuízo de uma maneira cabal.
Nesse prisma de discernimento, à medida que a responsabilidade civil
é configurada, o profissional liberal poderá responder com base em diversas
disposições normativas, por meio da teoria do diálogo de fontes31, a saber, do geral
ao específico, a Constituição da República Federativa do Brasil, o Código Civil, o
Código de Defesa do Consumidor.
Sob primeira análise quanto à responsabilidade, de modo amplo, o
artigo 5°, inciso V, da Constituição Federal assegura o direito à indenização por
dano material, moral ou à imagem32. Outrossim, o artigo 5°, inciso X, trata tanto
da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, como
também do direito à indenização pelos danos oriundos da violação33.
Sob segunda, o Código Civil já trata da responsabilidade de modo menos
amplo à proporção que prescreve, no seu artigo 927, caput, sobre a obrigatoriedade
de indenização e de reparação no momento que o agente causa dano a outrem
por via de um ato ilícito. No mais, o artigo 927, parágrafo único, dispõe acerca da
obrigação de reparar o dano nos casos especificados em lei, independentemente de
culpa34.

31 BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Claudia Lima. A teoria do diálogo das fontes e seu
impacto no Brasil: uma homenagem a Erik Jayme. Revista de Direito do Consumidor, v. 115, p. 21-40.
São Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-fev., 2018. p. 22.
32 Artigo 5°, inciso V da Constituição Federal. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 6 jan. 2021.
33 Artigo 5°, inciso X da Constituição Federal. Idem.
34 Artigo 927; Artigo 927, caput, do Código Civil. Lei nº 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui
o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.
htm. Acesso em: 5 jan. 2021.

26
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Sob última, no que se refere ao agente qualificado como fornecedor


de serviços, o Código de Defesa do Consumidor é considerado para base da
responsabilidade. Assim, o Código disserta, no seu artigo 14, caput, que o
fornecedor de serviços deve responder, de modo independente à existência de culpa
(responsabilidade objetiva), pela reparação dos danos que o consumidor sofreu em
decorrência da conduta ilícita do agente35.
Além disso, de forma mais específica ao profissional liberal publicitário
em questão, o artigo 45, caput, do Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária fixa que a responsabilidade pela observância das normas de conduta
dispostas no Código cabe ao anunciante e à agência publicitária, bem como ao
veículo de divulgação em casos específicos36. Dessarte, a alínea “a” deste mesmo
artigo assegura que o anunciante deve assumir responsabilidade total sobre sua
publicidade, enquanto a alínea “b” responsabiliza a agência publicitária pela
elaboração do anúncio37.
De acordo com tal liame, a comunicação publicitária realizada pelo
profissional liberal em questão pode causar dano a duas espécies de consumidores:
a) o consumidor por equiparação, alvo exposto às práticas publicitárias, uma vez que
elas sejam capazes de configurar dano por meio da enganosidade ou da abusividade,
por exemplo; b) o consumidor direto dos serviços do agente publicitário, ou seja,
o anunciante que contrata os serviços de elaboração de campanhas de publicidade
com o intuito de disseminá-las no mercado de consumo, mas que pode ter sua
imagem lesada em decorrência de um vício na prestação do serviço pelo profissional
publicitário.
Inicialmente, a primeira situação referente ao dano sofrido pelo
consumidor equiparado (artigo 29, CDC), isto é, àquele exposto à publicidade,
ocorre de modo a responsabilizar solidariamente o profissional liberal e a sociedade
empresarial contratante dos seus serviços (fornecedor), o primeiro subjetivamente e
o segundo, por sua vez, objetivamente. Quando a responsabilidade estiver ligada ao

35 Artigo 14, caput do Código de Defesa do Consumidor. BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro
de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 5
jan. 2021.
36 Artigo 45, caput do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. BRASIL. CBAP. Có-
digo Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária Código e Anexos, 1980. Disponível em: http://
www.conar.org.br/codigo/codigo.php. Acesso em: 7 jan. 2021.
37 Artigo 45, alíneas “a” e “b”, do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

27
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

profissional liberal publicitário, analisa-se o caso por intermédio do artigo 14, §4°,
do Código de Defesa do Consumidor, o qual determina que a responsabilidade
pessoal do profissional liberal será apurada por meio da verificação de culpa –
responsabilidade subjetiva. Entretanto, quando a responsabilidade estiver ligada
à sociedade empresarial contratante, o caput do mesmo artigo dispõe acerca
da resposta aos danos, independentemente da existência de culpa, relativa ao
fornecedor de serviços – responsabilidade objetiva.
Ademais, há de se perceber, ainda, a existência da responsabilização
solidária referente aos agentes da conduta ilícita de matéria publicitária. Logo,
nota-se que todos os agentes cuja participação se relaciona à atividade publicitária
respondem solidariamente, quais sejam, o fornecedor-anunciante, os profissionais
publicitários liberais, as agências publicitárias e os veículos de divulgação38.
À vista disso, para que a responsabilidade solidária seja caracterizada,
existem três dispositivos que cabem na situação dos publicitários. O primeiro é o
artigo 7°, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, o qual confirma
a resposta solidária de todos os agentes relacionados a danos previstos nas normas
de consumo39. O segundo faz referência ao artigo 3° do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária ao dissertar que todo anúncio precisa ter nele
presente a responsabilidade do anunciante, da agência de publicidade e do veículo
de comunicação40. O terceiro, por último, consiste no artigo 9°, §3°, da Lei n°
9.294/1996, que institui uma enorme possibilidade de responsabilização solidária
oriunda da comunicação publicitária41.

38 ALVES, Fabrício Germano. Direito publicitário: proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2020. p. 265.
39 Artigo 7°, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de
setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso
em: 5 jan. 2021.
40 Artigo 3° do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. BRASIL. CBAP. Código Bra-
sileiro de Autorregulamentação Publicitária Código e Anexos, 1980. Disponível em: http://www.conar.
org.br/codigo/codigo.php. Acesso em: 7 jan. 2021.
41 Artigo 9°, §3°. Considera-se infrator, para os efeitos desta Lei, toda e qualquer pessoa natural ou
jurídica que, de forma direta ou indireta, seja responsável pela divulgação da peça publicitária ou pelo
respectivo veículo de comunicação. BRASIL. Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as
restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrícolas, nos termos do §4º do art. 220 da Constituição Federal. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9294.htm. Acesso em: 7 jan. 2021.

28
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Posteriormente, a segunda situação se refere ao dano sofrido pelo


anunciante em decorrência de campanha publicitária ilícita que possa vir a causar
qualquer espécie de prejuízo. Neste caso, devido à existência da relação de consumo
verificada pela identificação dos elementos – consumidor, fornecedor, serviço
e unidade causal –, agente publicitário na qualidade de fornecedor, responderá
civilmente se causar dano ao seu contratante.
Entretanto, a responsabilidade do agente publicitário, em um caso como
este, é subjetiva, em razão de ser um profissional liberal. Consoante ao artigo 14, §4°,
do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada por meio da verificação de culpa, isto é, a responsabilização
deste agente será subjetiva.
Por fim, observa-se que, apesar de consumidor equiparado (alvo
da publicidade), no momento em que é exposto às peças publicitárias, poder
responsabilizar solidariamente o profissional liberal e o anunciante, esses casos
não seguem o mesmo sistema de responsabilização. Assim, o profissional liberal
responde de maneira subjetiva ante os dois consumidores (o exposto aos anúncios
publicitários elaborados por ele e o contratante dos seus serviços), enquanto o
anunciante que contrata os seus serviços responde de maneira objetiva perante o
consumidor equiparado.
Destarte, de maneira prática, o consumidor exposto pode responsabilizar
o agente publicitário (responsabilidade subjetiva) e o anunciante solidariamente
(responsabilidade objetiva), enquanto este último pode responsabilizar o agente
publicitário (responsabilidade subjetiva) que atua como fornecedor.

5 CONCLUSÃO

Em decorrência da evolução das relações interpessoais surgiram inúmeras


possibilidades de dano, para as quais foi necessária também uma evolução no
sistema de responsabilidade civil de maneira que pudesse permitir o reequilíbrio
das relações, quando este for prejudicado por uma conduta ilícita. Nesse contexto,
surge a possibilidade de se responsabilizar o profissional liberal que atua no ramo
publicitário em decorrência de um vício na prestação de seus serviços.
Quando um publicitário que atua no mercado como profissional liberal
é contratado por um anunciante para a elaboração de uma campanha ou peça
publicitária voltada para a divulgação de seus produtos e/ou serviços, tem-se em
decorrência desse fato três relações jurídicas paralelas e concomitantes: a) entre o

29
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

publicitário contratado e o anunciante; b) entre o anunciante e os consumidores


que são expostos aos anúncios; e c) entre o publicitário e os consumidores que são
expostos aos anúncios.
Todas as referidas relações possuem natureza de consumo, assim, a
responsabilização em cada um dos casos deve seguir as diretrizes instituídas pelo
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Essa conclusão pode ser
obtida a partir da análise dos elementos (subjetivos, objetivos e causal) de cada
uma. Neste caso, destacam-se as duas que envolvem o publicitário diretamente,
como fornecedor do anunciante que o contrata (consumidor direto) e também
como fornecedor daqueles que são expostos aos anúncios publicitários elaborados
por ele (consumidores por equiparação).
Em geral, a responsabilidade civil pode ser entendida como um dever
jurídico (secundário) de reparar um dano causado pelo descumprimento de
uma obrigação inicial (dever jurídico primário). Essa responsabilidade pode
ser de natureza contratual, quando existe um acordo prévio entre as partes, ou
extracontratual, tanto quando surge a partir do ato ilícito (artigo 186, Código Civil)
como também a partir do abuso de direito (artigo 187, Código Civil), sem que
exista vínculo anterior entre as partes. Além disso, a responsabilidade civil pode ser
apurada subjetivamente, quando depende da comprovação de culpa lato sensu (dolo
ou culpa stricto sensu – negligência, imprudência ou imperícia); ou objetivamente,
quando se prescinde da verificação da culpa do agente, e, por isso, acaba por ser
necessária apenas a demonstração do dano e do nexo de causalidade entre este e a
conduta do agente.
Com fundamentos na Constituição da República Federativa do Brasil
(artigo 5°, inciso X), no Código Civil (artigo 186, artigo 187 e artigo 927, caput
e parágrafo único), no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
(artigo 45, caput) e, principalmente, no Código de Defesa do Consumidor (artigo
7º, parágrafo único, artigo 14, caput e §4°), verificou-se que a responsabilidade
do publicitário que desenvolve suas atividades no mercado como profissional,
por se tratar de um fornecedor de serviços de natureza consumerista, responde
subjetivamente, ou seja, com necessidade de comprovação de culpa lato sensu,
tanto perante o anunciante que o contrata (atuante nesta relação como consumidor
direto – responsabilidade contratual) quanto diante das pessoas que são alvo de seus
anúncios publicitários (consideradas consumidoras por equiparação nos termos do
artigo 29 do CDC – responsabilidade extracontratual).

30
REFERÊNCIAS

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MUITO LOUCOS. Dirigido por Tony Bill. Produzido por Thomas Barad
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33
02 Influenciador Digital (Digital Influencer)

Dante Ponte de Brito


Pedrita Dias Costa

1 INTRODUÇÃO

A publicidade é uma das estratégias mais eficientes para aproximar marcas


e consumidores. Nos últimos anos a divulgação de produtos e serviços por meio das
redes sociais fez surgir uma nova figura: o digital influencer ou influenciador digital.
Os influenciadores tem um grau de proximidade muito forte com os
seguidores, uma verdadeira relação pautada na confiança, o que tem atraído cada
vez mais a atenção das marcas. Uma postagem feita por um digital influencer em sua
rede social pode significar um incremento significativo nas vendas.
Segundo o site Meio&mensagem, o Facebook movimentou US$ 16
bilhões em publicidade no segundo trimestre de 2019, valor 28% maior do que o
mesmo período do ano anterior1.
Observa-se que a democratização do acesso à internet e o número
crescente de adeptos às redes sociais intensifica a exposição dos consumidores aos
anúncios veiculados pelas mídias digitais. A questão é que nem sempre as postagens
são identificadas como publicidade, afastando-se dos princípios da boa-fé e da
transparência2 que devem pautar as relações de consumo. Diante desse cenário,

1 MEIO&MENSAGEM. Facebook fez US$ 16 bilhões em publicidade no 2º tri. 2019. Disponível


em: https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2019/07/25/facebook-fez-us-16-bilhoes-em-
-publicidade-no-2o-tri.html#:~:text=No%20segundo%20trimestre%20deste%202019,nesta%20
quarta%2Dfeira%2C%2024. Acesso em: 29 jul. 2020.
2 Os princípios da boa-fé e da transparência norteiam a Política Nacional das Relações de Consumo
e estão presentes no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.

34
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

indaga-se: as formas usuais de anúncios nas redes sociais atendem aos requisitos
legais de proteção ao consumidor? Quais mecanismos possibilitam responsabilizar
um influenciador digital pela divulgação de uma publicidade ilícita?
Evidencia-se, portanto, a importância de analisar as ferramentas legais
que podem oferecer caminhos para combater os métodos e armadilhas do marketing
ilícito utilizados pelos influenciadores digitais e, além disso, faz-se mister verificar
se essas normas também podem ser aplicadas para responsabilizar anunciantes e
plataformas.
Os estudos sobre a temática apontam para a necessidade de criar um
sistema regulatório mais eficaz, com a aplicação de penalidades mais severas àqueles
que fomentam veiculação de publicidade enganosa ou abusiva nas redes sociais, o
que pode servir de desestímulo para práticas ilícitas por parte dos influenciadores
digitais.

2 A PUBLICIDADE NO CONTEXTO DAS REDES SOCIAIS

Há uma forte tendência de crescimento da utilização das redes sociais


como canal para a veiculação de anúncios publicitários, cujos investimentos
movimentam bilhões de dólares anualmente.
As mudanças de comportamento dos consumidores se tornam cada vez
mais visíveis com o advento do mundo hiperconectado. O ambiente de mídia
digital impõe a atualização das legislações para produzir uma regulamentação mais
adequada3.
Para Riefa e Clausen, apesar de um estudo realizado pela Comissão
Europeia ter apontado que os consumidores se consideraram capazes de reconhecer
e identificar a publicidade veiculada nas redes sociais, a realidade é oposta a essa
perspectiva4. Ainda há grande assimetria nas informações, a cada dia surgem novas

3 SAID, Zahr. Embedded Advertising and the Venture Consumer. North Carolina Law Review.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nclr89&di-
v=8&start_page=99&collection=journals. Acesso em: 20 jul. 2020.
4 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.

35
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

demandas nas relações de consumo, em especial aquelas que envolvem a proteção


de dados pessoais na internet e mídias sociais5.
O YouTube, plataforma criada em 2005, é uma das mais utilizadas para
assistir vídeos e se tornou uma poderosa ferramenta para impulsionar vendas.
Utilizando meios muito diferentes da mídia analógica, o YouTube desenvolveu
estratégias de marketing comportamental on-line capazes de segmentar a
publicidade e gerar maior eficiência6.
A publicidade por meio das redes sociais pressupõe proximidade e
interação entre os usuários e, consequentemente, a construção de relacionamentos,
o que justifica o interesse dos anunciantes na utilização de estratégias publicitárias
direcionadas, que podem atingir milhões de consumidores com menores custos de
distribuição7.
Considerando essa nova realidade, a Rede Internacional de Proteção
e Execução do Consumidor (ICPEN) expediu, em 2016, recomendações sobre
revisões e recomendações on-line direcionadas a blogueiros, vloggers, tweeters e
outros tipos de influenciadores digitais, incentivando o respeito ao princípio da
veracidade8.
Há uma tendência do consumidor em confiar mais em produtos que são
anunciados por pessoas ou empresas conhecidas. No sentido de atenuar os riscos da

5 MCDONALD, Kevin M.; HOCHKAMMER, Karl; WERNIKOFF, Steven. Consumer Law


Immersion. Global Business Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?publi-
c=true&handle=hein.journals/glbure7&div=7&start_page=122&collection=journals. Acesso em: 20
jul. 2020.
6 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola Con-
sumer Law Review. Dis pon íve l em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
7 MARTIN, Amanda Rose; SARKAR, Richik. Developments in Advertising and Consumer Pro-
tection in Cyberspace. Business Lawyer. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/busl73&div=24&start_page=295&collection=journals. Acesso em: 19
jul. 2020.
8 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.

36
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

inserção de novos produtos e serviços, essas empresas buscam vincular novas ofertas
a nomes já consolidados no mercado9.
Os digital influencers se tornaram os mais novos embaixadores das marcas
e usam as redes sociais para fazer análises e recomendação de produtos e serviços.
Em muitos casos, não fica clara a existência de relacionamento com o anunciante,
o que pode dificultar a elaboração de avaliações genuínas10.
O ambiente das mídias sociais favorece a utilização da publicidade nativa,
estratégia que consiste em uma forma de anúncio pago que se confunde com o
conteúdo editorial no qual está inserido. Essa técnica é considerada mais eficaz do
que o marketing tradicional, porém, pode induzir o público a pensar que leu uma
notícia escrita de forma verdadeira e independente11.
Essa postura vai de encontro à orientação do Guia de Publicidade Nativa
(Native Advertising Guide) no sentido que o anúncio ou mensagem promocional
deve esclarecer ao consumidor essa condição12.
É comum a ocorrência de anúncios nativos, por exemplo, da Netflix, no
New York Times e na Wired, gerando dezenas de milhares de compartilhamentos
por meio de redes sociais, o que possibilita uma interação que não ocorreria se
adotado o formato tradicional de veiculação de publicidade13.

9 BRADFORD, Laura R. Trademark Law and Agency Costs. IDEA: The Intellectual Property Law
Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/
idea55&div=8&start_page=193&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
10 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.
11 HYMAN, David A.; FRANKLYN, David; YEE, Calla; RAHMATI, Mohammad. Going Native:
Can Consumers Recognize Native Advertising: Does It Matter. Yale Journal of Law and Technology.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/yjolt19&di-
v=3&start_page=77&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
12 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
13 HYMAN, David A.; FRANKLYN, David; YEE, Calla; RAHMATI, Mohammad. Going Native:
Can Consumers Recognize Native Advertising: Does It Matter. Yale Journal of Law and Technology.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/yjolt19&di-
v=3&start_page=77&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.

37
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A publicidade incorporada é projetada para imitar usos aleatórios,


comparativos e puramente referenciais14. Alguns influenciadores elaboram vídeos
que mais parecem tutoriais, prática que se enquadra como publicidade nativa15.
Editores, plataformas e proprietários de marcas, especialmente no
campo da moda, reconhecem a aversão dos consumidores em relação aos métodos
tradicionais, por isso vêm investindo em publicidade nativa para contornar essa
resistência16.
A publicidade nativa permite que as empresas mascarem, ou pelo menos
suavizem a natureza comercial de sua mensagem, aproveitando o fascínio que os
influenciadores de mídia social exercem sobre os seguidores. Cada vez mais as
marcas investem no financiamento de estilos de vida de influencers por meio do
Instagram, seja com pagamento em dinheiro, produtos gratuitos ou férias de luxo
com todas as despesas pagas17.
Os influenciadores de mídia social têm acesso a um grande público e
vasto poder de convencimento, daí a preocupação com a possibilidade dos seus
conteúdos se enquadrarem como publicidade enganosa18.
Ademais, a publicidade pelas redes sociais traz à tona a preocupação
com a manipulação de dados em detrimento da privacidade e da autonomia dos

14 BRADFORD, Laura R. Trademark Law and Agency Costs. IDEA: The Intellectual Property Law
Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/
idea55&div=8&start_page=193&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
15 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
16 HYMAN, David A.; FRANKLYN, David; YEE, Calla; RAHMATI, Mohammad. Going Native:
Can Consumers Recognize Native Advertising: Does It Matter. Yale Journal of Law and Technology.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/yjolt19&di-
v=3&start_page=77&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
17 BANNIGAN, Megan K.; SHANE, Beth. Towards Truth in Influencing: Risks and Rewards of
Disclosing Influencer Marketing in the Fashion Industry. What Is Real? Authenticity, Transparency,
and Trust in the Digital Age of Fashion. New York Law School Law Review. https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nyls64&div=21&start_page=247&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020.
18 MARTIN, Amanda Rose; SARKAR, Richik Developments in Advertising and Consumer Pro-
tection in Cyberspace. Business Lawyer. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/busl73&div=24&start_page=295&collection=journals. Acesso em: 19
jul. 2020.

38
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

consumidores19. A captura e o uso de dados pessoais para aperfeiçoar as técnicas


de publicidade segmentada é feita, em geral, sem consentimento expresso e pode
expor o consumidor a práticas desleais ou enganosas20.
Diante da agressividade das estratégias de marketing digital, o segmento
infanto-juvenil, dada sua hipervulnerabilidade, merece especial atenção. Não é
tarefa fácil para os pais controlar a exposição à publicidade. Por essa razão, seria
interessante o aperfeiçoamento dos mecanismos para protegê-los das práticas
enganosas e abusivas no ambiente digital, considerando que as regulamentações até
então existentes não têm se mostrado muito eficazes21.
A ausência de clareza sobre as relações de marketing pode gerar impactos
negativos. Essas novas práticas potencializam a vulnerabilidade do consumidor e a
exposição à eventuais danos.

3 A FEDERAL TRADE COMMISSION – FTC E A DEFESA DOS


CONSUMIDORES FACE AOS ANÚNCIOS ILÍCITOS

Importa esclarecer, de início, que há uma multiplicidade de fontes que


regulam o direito do consumidor norte-americano, uma verdadeira colcha de
retalhos de normas aplicadas por tribunais e órgãos reguladores federais e estaduais,
cujo intuito é proteger os consumidores contra práticas enganosas, abusivas e
desleais que possam lhes causar danos22.
No cenário das novas tecnologias, as empresas têm se utilizado cada vez
mais de estratégias focadas em novos hábitos, como o uso de dispositivos móveis

19 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
20 MARTIN, Amanda Rose; SARKAR, Richik. Developments in Advertising and Consumer Pro-
tection in Cyberspace. Business Lawyer. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/busl73&div=24&start_page=295&collection=journals. Acesso em: 19
jul. 2020.
21 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
22 MCDONALD, Kevin M.; HOCHKAMMER, Karl; WERNIKOFF, Steven. Consumer Law
Immersion. Global Business Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/glbure7&div=7&start_page=122&collection=journals. Acesso em: 20
jul. 2020.

39
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

(smartphones, tablets e laptops), por meio dos quais os consumidores acessam


conteúdo de qualquer lugar23.
Diante dessa nova realidade a FTC (Federal Trade Commission) realiza
ações com a finalidade de educar consumidores e empresas, em coordenação com
outras agências governamentais. O Departamento de Proteção do Consumidor
(Bureau of Consumer Protection), é responsável por enfrentar, entre outras questões,
as situações relativas à publicidade, práticas de marketing, privacidade e proteção
de dados24.
A ascensão dos influencers decorre das mudanças de comunicação surgidas
com o advento das mídias sociais, tornando-os sujeitos à supervisão da FTC que
tem poderes para: (a) impedir métodos de concorrência desleais ou atos enganosos
que afetam o comércio; (b) buscar reparação monetária e outras providências por
conduta prejudicial aos consumidores; (c) prescrever regras que definam atos ou
práticas injustas ou enganosas e estabelecer requisitos destinados a impedir tais atos
ou práticas; (d) reunir e compilar informações e conduzir investigações relacionadas
à organização, negócios, práticas e gerenciamento de entidades envolvidas no
comércio; e (e) fazer relatórios e recomendações legislativas ao Congresso e ao
público25.
A Seção 5 da FTC regula a responsabilidade decorrente de práticas
enganosas que podem afetar a decisão de compra do consumidor. Segundo a FTC
a responsabilidade pela veiculação de publicidade enganosa independe da intenção
do anunciante26.

23 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
24 MCDONALD, Kevin M.; HOCHKAMMER, Karl; WERNIKOFF, Steven. Consumer Law
Immersion. Global Business Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/glbure7&div=7&start_page=122&collection=journals. Acesso em: 20
jul. 2020.
25 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
26 HYMAN, David A.; FRANKLYN, David; YEE, Calla; RAHMATI, Mohammad. Going Native:
Can Consumers Recognize Native Advertising: Does It Matter. Yale Journal of Law and Technology.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/yjolt19&di-
v=3&start_page=77&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.

40
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A partir de 2011 a FTC começou a enfrentar temáticas relacionadas ao


marketing de influenciadores, como ocorreu, por exemplo, com o caso Lord &
Taylor. A empresa contratou cinquenta influenciadores pagando valores entre US $
1.000 e US $ 4.000 para que publicassem fotos no Instagram ou em outro site de
mídia social, sem deixar claro a conexão com a marca. Diante da situação a FTC
exigiu que a empresa instalasse um programa de monitoramento e revisão para
garantir que futuras campanhas de marketing cumprissem suas diretrizes27.
Em 2017 a FTC adotou a estratégia de enviar cartas para influenciadores
e profissionais de marketing alertando sobre os requisitos de divulgação a serem
observados nas postagens que envolvessem publicidade patrocinada. Também em
2017, pela primeira vez, a FTC instaurou ação de execução contra Trevor Martin
e Thomas Cassell que endossaram a linha de jogos CSGO Lotto, sem revelar que
possuíam conexão material com a empresa28.
Um estudo realizado com 800 influenciadores do Instagram revelou que
71,5% deles tentaram divulgar o relacionamento patrocinado, mas apenas 25%
atendeu aos regulamentos da FTC, o que evidencia a preocupação em relação ao
princípio da veracidade sobre a divulgação de conexões materiais com as marcas29.
Nem sempre os influenciadores descumprem as regras da FTC de forma
deliberada. Pela ausência de conhecimento, alguns acreditam estarem seguindo as
orientações, quando na verdade não estão. É função da FTC esclarecer melhor como
uma marca, anunciante ou endossante pode se adequar às normas e regulamentos
sobre mídias sociais30.

27 BANNIGAN, Megan K.; SHANE, Beth. Towards Truth in Influencing: Risks and Rewards of
Disclosing Influencer Marketing in the Fashion Industry. What Is Real? Authenticity, Transparency,
and Trust in the Digital Age of Fashion. New York Law School Law Review. https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nyls64&div=21&start_page=247&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020.
28 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
29 CHAN, Vanessa When #AD Is #BAD: Why the FTC Must Reform Its Enforcement of Disclosure
Policy in the Digital Age. Ohio State Business Law Journal. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/eblwj13&div=14&start_page=303&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020.
30 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/

41
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Segundo apontam Krawiec et al (2019) as ações desenvolvidas pela FTC


precisam de mais transparência em relação aos esforços de fiscalização, inclusive
com o compartilhamento de dados de reclamações de consumidores. A FTC deve
fomentar iniciativas adicionais de segurança de dados e privacidade do consumidor,
demandas típicas do século XXI relacionadas às novas tecnologias. A aplicação mais
efetiva das leis de proteção ao consumidor pode servir de alerta para que as empresas
mantenham sistemas de gerenciamento eficazes, que garantam sua adequação às
exigências legais31.

4 A EFICÁCIA DAS MEDIDAS ADOTADAS PARA COMBATER A


PUBLICIDADE ILÍCITA

Algo que chama bastante atenção é o fato de determinadas empresas


pagarem de 10% a 15% de todas as avaliações e classificações publicadas em sites
de mídia social. No caso ocorrido com o Yahoo, a FTC aplicou uma advertência
porque a empresa utilizou seus empregados para divulgar análises positivas de um
aplicativo e, apesar de orientá-los para que se identificassem, a FTC entendeu
que a empresa não havia informado adequadamente sobre a referida política de
divulgação32.
As iniciativas da FTC têm se mostrado insatisfatórias para enfrentar
os problemas que emergem da publicidade veiculada nas redes sociais. Apesar da
atualização do Guia de Endosso, influenciadores e celebridades não têm se adequado
a essas regras. A estratégia de encaminhar cartas de advertência para coibir abusos
não vem se mostrando eficaz. Como as ações judiciais são pouco frequentes nos
EUA, parece haver uma sensação de impunidade aos que infringem tais normas33.

HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
31 HYMAN, David A.; FRANKLYN, David; YEE, Calla; RAHMATI, Mohammad. Going Native:
Can Consumers Recognize Native Advertising: Does It Matter. Yale Journal of Law and Technology.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/yjolt19&di-
v=3&start_page=77&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
32 GERHARDS, Eleanor Vaida. Your Store Is Gross – How Recent Cases, the FTC, and State
Consumer Protection Laws Can Impact a Franchise System’s Response to Negative, Defamatory, or
Fake Online Reviews. Franchise Law Journal. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?pu-
blic=true&handle=hein.journals/fchlj34&div=33&start_page=503&collection=journals. Acesso em:
20 jul. 2020.
33 CHAN, Vanessa When #AD Is #BAD: Why the FTC Must Reform Its Enforcement of Disclosure
Policy in the Digital Age. Ohio State Business Law Journal. Disponível em: https://heinonline.org/

42
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Em 2019 a FTC publicou um documento com orientações de


divulgações para influenciadores de mídias sociais (Disclosures 101 for Social
Media Influencers). Por meio dele a FTC disponibiliza conselhos práticos sobre
como divulgar de forma clara e visível conexões materiais em várias plataformas de
mídia social. O documento sinaliza que os maus conselhos sobre uma marca não
isentam os influencers de possíveis responsabilidades legais, além de causar danos à
credibilidade, diante do risco de decepcionar os seguidores34.
Algumas estratégias poderiam ser adotadas pela FTC como, por exemplo,
incentivar plataformas como Facebook, Instagram e Twitter a criar ferramentas que
possibilitem a adequação às diretrizes de publicidade. A criação de uma conta no
Instagram com orientações sobre as diretrizes e cronogramas da FTC, no intuito de
aletar os influenciadores sobre boas práticas é outra proposta para ajudar a reduzir
as postagens que não identificam claramente a relação entre os digital infleuncers
e as empresas35. Em situações mais graves a rescisão ou suspensão da conta dos
influenciadores e empresas que descumprissem o dever de divulgação poderia ser
uma boa estratégia de autopoliciamento36.
Diante da constatação de que empresas e indivíduos têm escapado
de punições mais sérias, Chan propõe que a atuação da FTC seja mais rigorosa,
sugerindo, entre outras medidas, a criação de campanhas publicitárias com
influenciadores respeitados para incentivar a transparência nas postagens

HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/eblwj13&div=14&start_page=303&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020.
34 BANNIGAN, Megan K.; SHANE, Beth. Towards Truth in Influencing: Risks and Rewards of
Disclosing Influencer Marketing in the Fashion Industry. What Is Real? Authenticity, Transparency,
and Trust in the Digital Age of Fashion. New York Law School Law Review. Disponível em: https://
heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nyls64&div=21&start_page=247&-
collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
35 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
36 CHAN, Vanessa When #AD Is #BAD: Why the FTC Must Reform Its Enforcement of Disclosure
Policy in the Digital Age. Ohio State Business Law Journal. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/eblwj13&div=14&start_page=303&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020.

43
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

patrocinadas. Tal conduta poderia gerar um impacto entre os influenciadores, para


se adequarem às exigências da FTC37.
A supervisão da FTC é necessária, pois a divulgação clara e visível da
relação entre a marca e um influenciador permite aos consumidores decidirem que
peso irão atribuir às afirmações do anunciante. Diante da dificuldade de autocorreção
do mercado, a FTC exerce um papel fundamental, pois os consumidores, em geral,
atribuem à fala do influenciador a mesma credibilidade do melhor amigo38.
Por outro lado, cabe também aos consumidores aprender a checar se
as fontes de informação são desinteressadas ou não. Na medida em que evoluem
as estratégias de marketing, os consumidores precisam estar conscientes dessas
mudanças, dado o perfil mutável existente na contemporaneidade39.
No âmbito da publicidade infantil, não são raros os casos em que
há violação da política de anúncios do YouTube Kids, o que expõe as crianças
à práticas irregulares de marketing. Tanto a Comissão Federal de Comunicações
(FCC) quanto a FTC (que tem atuação mais ampla porque não se limita a meios
de comunicações específicos) são agências governamentais responsáveis pela
regulamentação da publicidade para crianças, cujas ações, embora tenham ajudado a
limitar a exposição à publicidade irregular, ainda não são plenamente satisfatórias40.
O marketing por meio de plataformas de mídia social favorece a criação
de um relacionamento próximo entre marca e cliente. Por vezes, pode ser difícil
discernir o que, de fato, é um anúncio pago. A FTC precisa adequar as diretrizes

37 CHAN, Vanessa When #AD Is #BAD: Why the FTC Must Reform Its Enforcement of Disclosure
Policy in the Digital Age. Ohio State Business Law Journal. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/eblwj13&div=14&start_page=303&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020
38 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
39 SAID, Zahr. Embedded Advertising and the Venture Consumer. North Carolina Law Review.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nclr89&di-
v=8&start_page=99&collection=journals. Acesso em: 20 jul. 2020.
40 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.

44
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

aos desafios da publicidade por meio das mídias sociais, com instruções claras para
influenciadores, profissionais de marketing e empresas41.
No âmbito da União Europeia, entre as legislações que regulam o
marketing e que podem ser aplicadas aos influenciadores estão a Diretiva sobre
Práticas Comerciais Desleais (Directive 2005/29/EC on Unfair Commercial
Practice – UCPD) e a Diretiva sobre Comércio Eletrônico, além dos mecanismos
de autorregulação42.
A mais recente reforma legislativa promovida no Direito Europeu
visa fortalecer os direitos do consumidor on-line, além da implementação de
medidas coercitivas mais rigorosas. Diante da necessidade de maior regulação
sobre as plataformas, a elaboração de disposições específicas sobre o marketing dos
influenciadores digitais seria uma atitude bem-vinda43.
A Autoridade Italiana de Comunicação assinou um acordo com a Italian
Advertising para consolidar sua colaboração e promover a correção de comunicações
comerciais e proteção dos consumidores on-line44.
Na Holanda, a organização de autorregulação da publicidade Dutch
Advertising Code Authority estabeleceu orientações sobre a necessidade de divulgação
clara acerca da existência de relação entre influenciador e anunciante impondo a
este o dever de alertar os blogueiros sobre as informações relevantes no âmbito
da publicidade nas mídias sociais. A ausência de divulgação pode resultar em
procedimento perante a autoridade holandesa45.
Destaca-se, portanto, que as medidas até então adotadas pelos diversos
países para proteger os consumidores contra práticas comerciais desleais decorrentes
do marketing de influenciadores digitais ainda não atingiu necessária eficácia para
garantir o equilibrio no mercado de consumo.

41 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
42 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.
43 Ibid.
44 Ibid.
45 Ibid.

45
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

5 A RESPONSABILIDADE DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS,


ANUNCIANTES E PLATAFORMAS

Segundo determinam as regras da FTC, a responsabilidade dos


influenciadores tem como fundamento a obrigação de divulgar a conexão material
com o anunciante ou patrocinador. Os Guias da FTC estabelecem que, se um
influenciador faz uma declaração falsa ao endossar um produto, tanto o endossante
quanto o anunciante podem ser responsabilizados46.
Mesmo diante do desafio de garantir a conformidade com os requisitos
de publicidade, a FTC busca conscientizar anunciantes e influenciadores a cumprir
as regras, sob pena de responsabilização47.
A violação das regras da FTC sobre publicidade nativa decorre do risco
significativo de engano causado aos consumidores e pode gerar responsabilidade
tanto para os anunciantes quanto para os influencers. O caso das irmãs Kardashian,
que violaram a lei por não divulgar adequadamente que estavam sendo pagas pelos
depoimentos sobre produto postado no Instagram, pode ser usado como exemplo
de que a veiculação de publicidade ilícita é capaz de resultar em responsabilização48.
Como as campanhas de influenciadores são cada vez mais comuns no
cenário das mídias sociais, as marcas precisam monitorar o conteúdo divulgado.
Ocultar o patrocínio, além de expor a marca à responsabilidade legal, pode
prejudicar irreparavelmente a percepção entre os consumidores49.

46 MARTIN, Amanda Rose; SARKAR, Richik. Developments in Advertising and Consumer Pro-
tection in Cyberspace. Business Lawyer. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/busl73&div=24&start_page=295&collection=journals. Acesso em: 19
jul. 2020.
47 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
48 HYMAN, David A.; FRANKLYN, David; YEE, Calla; RAHMATI, Mohammad. Going Native:
Can Consumers Recognize Native Advertising: Does It Matter. Yale Journal of Law and Technology.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/yjolt19&di-
v=3&start_page=77&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
49 BANNIGAN, Megan K.; SHANE, Beth. Towards Truth in Influencing: Risks and Rewards of
Disclosing Influencer Marketing in the Fashion Industry. What Is Real? Authenticity, Transparency,
and Trust in the Digital Age of Fashion. New York Law School Law Review. Disponível em: https://
heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nyls64&div=21&start_page=247&-
collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.

46
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Deixar de fornecer informações claras e objetivas pode ensejar


responsabilidade para as agências de publicidade. De acordo com as orientações
de divulgação da FTC sobre publicidade digital, as agências são potencialmente
responsáveis por alegações falsas de influenciadores de mídia social50.
A atividade desenvolvida pelos digital influencers levou o Google a criar
um guia com estratégias a serem adotadas para a criação de conteúdo. O setor
movimenta bilhões de dólares e mais da metade da produção do YouTube fica a
cargo de MCNs (redes multicanais), que fazem a intermediação entre anunciantes
e influenciadores para atingir determinados públicos51.
Cabe aos intermediários que recrutam influenciadores elaborar programas
de treinamento e monitoramento visto que a FTC responsabiliza também a empresa
pelo que os outros fazem em seu nome. Diante do cenário regulatório, a ausência
de informação clara de conexão material enseja atribuição de responsabildiade ao
influenciador e a marca, mas não alcança a plataforma52.
A obrigação de indenizar que alcance igualmente as plataformas poderia
ser justificada pelo fato de que desempenham um papel fundamental na definição
de recomendações e disseminações de afiliados e cabe a elas fornecer acessibilidade
para essas divulgações. Essa estratégia poderia favorecer as plataformas que
projetassem suas interfaces para facilitar a difusão de endossos pelos influenciadores
e afiliados, oferecendo um ambiente em que prevaleça a confiança53.
No Direito Europeu, nos termos da Diretiva de Comércio Eletrônico,
a plataforma atua simplesmente como intermediária no fornecimento de serviços

50 MCDONALD, Kevin M.; HOCHKAMMER, Karl; WERNIKOFF, Steven. Consumer Law


Immersion. Global Business Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/glbure7&div=7&start_page=122&collection=journals. Acesso em: 20
jul. 2020.
51 CAMPBELL, Angela J. Rethinking Children’s Advertising Policies for the Digital Age. Loyola
Consumer Law Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.
journals/lyclr29&div=4&start_page=1&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.
52 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
53 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.

47
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

de hospedagem, cuja conduta é meramente técnica, automática ou passiva, não


devendo ser responsabilizada pelas informações armazenadas no site. O Tribunal
de Justiça da União Europeia tem isentado as plataformas de responsabilização nos
casos de marketing que envolvem influenciadores digitais, desde que atuem como
operador econômico diligente54.
Na União Europeia, cabe aos Estados-membros estabelecer o direito de
reparação privada. No Reino Unido, que deixou o bloco em 2020, essa reparação está
condicionada ao fato da prática desleal influenciar significativamente na decisão, o
que torna pouco provável que consumidores enganados por influenciadores digitais
possam obter reparação adequada. Outro fator que dificulta a responsabilização
é que os regulamentos que tratam de práticas desleais visam apenas recompor os
consumidores à posição anterior ao momento de sua ocorrência, revelando a pouca
utilidade das medidas em favor daqueles que foram enganados por influenciadores55.
Para que possam se resguardar de eventuais problemas, as empresas devem
incluir nos contratos cláusulas que deixem claro a ciência do influenciador acerca
das políticas de divulgação e o comprometimento em colocá-las em prática56.

6 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA PUBLICIDADE ILÍCITA


NAS REDES SOCIAIS

A dificuldade em erradicar o marketing ambíguo reside no fato de que


os custos do monitoramento (tanto por parte das agências, quanto dos juízos e
tribunais) excedem os benefícios. Nesse aspecto, a experiência do anunciante pode
ajudar a criar soluções minimamente invasivas que favoreçam a informação aos
consumidores57.

54 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.
55 Ibid.
56 CHAN, Vanessa When #AD Is #BAD: Why the FTC Must Reform Its Enforcement of Disclosure
Policy in the Digital Age. Ohio State Business Law Journal. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/eblwj13&div=14&start_page=303&collection=jour-
nals. Acesso em: 19 jul. 2020.
57 BRADFORD, Laura R. Trademark Law and Agency Costs. IDEA: The Intellectual Property Law
Review. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/
idea55&div=8&start_page=193&collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.

48
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Em virtude da inviabilidade de autocorreção do mercado, a FTC exerce


um papel fundamental, diante da postura ainda comum aos consumidores de
atribuírem ao discurso do influenciador a mesma credibilidade do melhor amigo58.
Para diminuir a distância entre as formas ideais e reais de patrocínio, os legisladores
precisam encontrar outras maneiras de incentivar as empresas a se amoldarem às
regras de proteção ao consumidor59.
Fato interessante ocorreu no Reino Unido, onde a Agência CMA firmou
o compromisso de divulgar endossos pagos, rotulando ou identificando claramente
a publicidade e incentivando influenciadores a mudar voluntariamente suas
práticas. Entre as diretrizes, a seção sobre publicidade enganosa estabelece que as
comunicações de marketing não devem induzir em erro material sobre endossos
e depoimentos, orientando os profissionais de marketing a arquivar as evidências
documentais de que as postagens são genuínas60.
O uso de ações coletivas em face da publicidade veiculada por influencers
seria um bom caminho, mas tal conduta depende, outrossim, da tomada de
consciência por parte dos consumidores sobre o engano potencial e da identificação
de outras pessoas que sofreram o mesmo dano61.
A autorregulação pode ser uma ferramenta alternativa, um caminho para
lidar com a questão da ausência de confiança. Porém, diante do alcance limitado
dessas iniciativas que podem não resultar em sanção efetiva e não substituem a lei,
outros caminhos podem ser percorridos, entre os quais a alteração das regras para
suprir eventuais lacunas, além de uma investigação mais aprofundada do papel das
plataformas e anunciantes, juntamente com os influenciadores digitais62.

58 CASALE, Elizabeth A. Influencing the FTC to Update Disclosure Rules for the Social Media Era.
Mitchell Hamline Law Journal of Public Policy and Practice. Disponível em: https://heinonline.org/
HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/hplp40&div=2&start_page=1&collection=journals.
Acesso em: 20 jul. 2020.
59 SAID, Zahr. Embedded Advertising and the Venture Consumer. North Carolina Law Review.
Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nclr89&di-
v=8&start_page=99&collection=journals. Acesso em: 20 jul. 2020.
60 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.
org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.
61 Ibid.
62 RIEFA, Christine; CLAUSEN, Laura. Towards Fairness in Digital Influencers’ Marketing Practi-
ces. Journal of European Consumer and Market Law L. 64 (2019). Disponível em: https://heinonline.

49
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A combinação de diferentes alternativas poderia maximizar o impacto das


medidas adotadas nos novos instrumentos legislativos, fortalecendo as estratégias
de imposição de sanções em face dos influenciadores digitais. No âmbito da União
Europeia, o Regulamento de Cooperação em Defesa do Consumidor pode auxiliar
as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei. As organizações de
consumidores e a reparação coletiva igualmente podem representar um caminho
para a questão que passa, necessariamente, pela aplicação forçada das regras de
proteção ao consumidor, tendo em vista que os incentivos econômicos caminham
em sentido oposto63.
Tomando por base as políticas do Instagram, parece que o setor de mídias
sociais está se encaminhando para uma divulgação mais completa das relações entre
anunciantes e influenciadores64.
Eventuais benefícios econômicos não devem superar os custos legais e de
reputação pela não divulgação de patrocínios, o que pode resultar no decréscimo
de estratégias de publicidade enganosas e abusivas e consequente incentivo à
transparência65.

7 CONCLUSÃO

A pesquisa revelou que é comum o fato de os influenciadores digitais se


omitirem na menção acerca da existência de patrocínio nas postagens divulgadas
pelas redes sociais. Tal conduta configura prática de veiculação de publicidade
ilícita, passível de responsabilização.
A proximidade entre consumidores e influenciadores levou as empresas
a investirem em publicidade nativa, cientes da resistência em relação ao marketing

org/HOL/Page?public=true&handle=hein.kluwer/jeucml0008&div=18&start_page=64&collec-
tion=kluwer. Acesso em: 19 jul. 2020.
63 Ibid..
64 MARTIN, Amanda Rose; SARKAR, Richik Developments in Advertising and Consumer Pro-
tection in Cyberspace. Business Lawyer. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/Page?public=-
true&handle=hein.journals/busl73&div=24&start_page=295&collection=journals. Acesso em: 19
jul. 2020.
65 BANNIGAN, Megan K.; SHANE, Beth. Towards Truth in Influencing: Risks and Rewards of
Disclosing Influencer Marketing in the Fashion Industry. What Is Real? Authenticity, Transparency,
and Trust in the Digital Age of Fashion. New York Law School Law Review. Disponível em: https://
heinonline.org/HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nyls64&div=21&start_page=247&-
collection=journals. Acesso em: 19 jul. 2020.

50
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

tradicional. Apesar da ilicitude ser conhecida pela maioria dos influencers e


anunciantes, a ausência de punições severas acaba por estimular o setor, que
movimenta bilhões de dólares.
Os regramentos legais norte-americanos responsabilizam anunciantes e
influenciadores pela publicidade nativa, mas em decorrência dos altos custos dos
processos judiciais, a FTC tem buscado outras estratégias para coibir essa prática,
inclusive a divulgação de um Guia de Endosso em 2019, com a finalidade de
orientar sobre o adequado cumprimento da lei.
No âmbito da União Europeia, ainda que a UCPD possa ser usada
para buscar a responsabilização dos influenciadores, a jurisprudência não tem
acatado esse argumento. Entre os motivos que justificam esse posicionamento está
a necessidade de demonstração de efetiva influência sobre o comportamento do
consumidor e o enquadramento do influenciador como alguém que exerce uma
atividade comercial em caráter profissional.
Apesar da ausência de responsabilização em relação às plataformas,
alguns estudos apontam que esse poderia ser um bom caminho para desestimular as
práticas ilícitas, seja pelo fato de que são elas que possibilitam o acesso às divulgações
e auferem benefícios econômicos, seja porque podem adotar estratégias punitivas,
como por exemplo, a suspensão ou encerramento das contas dos influenciadores
que infringem as regras legais de publicidade.
Apesar da tentativa de algumas plataformas em estabelecer guias de
orientação para os usuários, a violação desses mecanismos ainda é comum, o que
demonstra a necessidade de buscar meios que assegurem o pleno conhecimento
dessas regras.
Assim, conclui-se que as formas usuais de anúncios nas redes sociais
ainda não estão perfeitamente compatíveis com os regramentos de defesa do
consumidor e que ainda são pouco eficazes os mecanismos de responsabilização
dos influenciadores digitais no contexto norte-americano e da União Europeia que
foram os analisados ao longo desse estudo.
A situação apresentada não difere muito do cenário brasileiro. Apesar
da existência de um Código de Autorregulação Publicitária e das regras gerais
sobre publicidade ilícita no Código de Defesa do Consumidor, ainda são comuns
as violações, seja por desconhecimento, ou pela intenção deliberada de ocultar
a relação existente entre influenciador e anunciante, o que acaba por agravar a
vulnerabilidade do consumidor e potencializar a ocorrência de danos.

51
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

É necessário ampliar o raio de visão sobre a tradicional função reparatória


da responsabilidade civil, incentivando os mecanismos de prevenção de danos,
em especial diante de direitos difusos e coletivos que extrapolam os interesses
patrimoniais, como é o caso do direito do consumidor.
Ressalte-se que a informação clara e ostensiva é um direito básico do
consumidor e a ausência de cumprimento desse dever pode ensejar responsabilidade
civil ao influenciador digital.

52
REFERÊNCIAS

BANNIGAN, Megan K.; SHANE, Beth. Towards Truth in Influencing: Risks


and Rewards of Disclosing Influencer Marketing in the Fashion Industry.
What Is Real? Authenticity, Transparency, and Trust in the Digital Age of
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HOL/Page?public=true&handle=hein.journals/nclr89&div=8&start_
page=99&collection=journals. Acesso em: 20 jul. 2020.

54
03 Advogado

José Serafim da Costa Neto


Marcella Lobo Arruda de Oliveira Santos

1 INTRODUÇÃO

Na sociedade civil organizada, o exercício da advocacia se apresenta como


instrumento essencial ao acesso à justiça e indispensável à vida em comunidade,
inclusive com previsão constitucional. O profissional da advocacia desempenha a
missão de buscar o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais individuais
e coletivos.
Nesse sentido, o presente estudo busca apresentar breves considerações
acerca da responsabilização civil do profissional liberal da advocacia, em razão de
sua conduta no desempenho de sua função, especialmente no que tange à conduta
ética e a concretização do fim pretendido pelo cliente.
A globalização hodierna, sob a perspectiva do que se convencionou
chamar sociedade de risco, apresenta infinitas possibilidades de constituição de
relações jurídicas interpessoais capazes de gerar litígios. É nesse contexto que a
função advocatícia ganha ainda mais espaço, cabendo ao profissional garantir a
prestação jurisdicional adequada aos envolvidos.
Ato contínuo, importa frisar que o advogado não atua apenas para
defender os interesses pessoais de quem o contratou. O exercício da advocacia
se mostra indispensável à justiça, evidenciando a responsabilidade social que
permeia a função ora tratada, atendendo ao que dispõe o art. 133 da Constituição
Federal.
Dessa forma, nem sempre o resultado atingido pelo profissional nas
demandas ajuizadas condiz com os anseios de seu cliente. Há que se discutir acerca

55
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

da possibilidade do advogado ser responsabilizado por esse fato; sob a perspectiva


de se tratar de obrigação de meio ou de resultado. No mesmo sentido, faz-se
necessário apurar a inobservância de deveres éticos, com o descumprimento dos
deveres anexos da relação estabelecida entre o advogado e o cliente.
Para tanto, torna-se imperioso examinar o instituto da responsabilidade
civil no ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase na responsabilidade subjetiva
decorrente da relação contratual avençada entre advogado e cliente, bem como
as possibilidades de responsabilização do referido profissional no contexto de sua
atuação.
Além disso, o estudo da responsabilização civil do advogado perpassa pela
análise dos institutos legais que regulamentam sua atuação, em especial o Código
de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil e o Código de Defesa do
Consumidor, sob a ótica constitucional vigente.
Nessa perspectiva, apresenta-se o entendimento da jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça frente à conduta deste profissional liberal, com
destaque para a possibilidade de responsabilização civil decorrente da violação do
dever ético e a aplicação da teoria da perda de uma chance.
É nesse contexto que o instituto da responsabilidade civil se mostra
como instrumento de efetivação da justiça social. No mesmo sentido, o profissional
advogado tem o dever de atuar como figura essencial à administração da justiça,
pelo que se justifica a relevância do presente trabalho.
Esta pesquisa será desenvolvida a partir da aplicação do método hipotético-
dedutivo, em que se busca apresentar premissas hipotéticas acerca do objeto da
pesquisa, que serão analisadas oportunamente. A abordagem deste trabalho se dará
pelo método qualitativo, de modo que serão analisadas a legislação, a jurisprudência
e bibliografias acerca do tema proposto, com o objetivo de confirmar as hipóteses
suscitadas.

2 ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL E SEUS


PRESSUPOSTOS NO ÂMBITO DA ATIVIDADE ADVOCATÍCIA

Previamente à análise da responsabilidade civil aplicada ao exercício da


atividade profissional do advogado, é imprescindível realizar algumas ponderações
acerca do instituto da responsabilidade.

56
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A teoria da responsabilidade civil encontra fundamento no princípio do


neminem ladere, de origem romana, por meio do qual se sugere o agir sem lesar a
outrem1. Nesse sentido, sua aplicação se mostra necessária ao restabelecimento do
equilíbrio entre as partes, a fim de reparar o dano causado.
O desenvolvimento das sociedades modernas, especialmente a partir
da Revolução Industrial, com o movimento de globalização, fez surgir o que
se denominou sociedade de risco2. A teoria da sociedade de risco, desenvolvida
por Ulrich Beck, trouxe nova perspectiva acerca dos riscos gerados pelos
desenvolvimentos científico e industrial3.
Sob essa perspectiva, com o aumento dos riscos decorrentes da
modificação da dinâmica social os instrumentos de reparação de danos ganham
ainda mais espaço no ordenamento jurídico. Nessa esteira, no âmbito do direito
civil, a responsabilidade civil se apresenta como instrumento essencial à efetivação
da justiça social.
Dessa feita, a responsabilidade decorre da ideia de reparação do dano
relacionada a prática de ato ilícito. Trata-se de um dever jurídico sucessivo, que
pressupõe a violação de um dever jurídico originário. Conforme leciona o professor
Caio Mário, a responsabilidade se configura a partir do binômio “reparação e
sujeito passivo”, em que o causador do dano fica subordinado à reparação4.
A partir do advento da Constituição de 1988, o instituto ora tratado
foi alçado ao status de norma constitucional e ganhou ainda mais força com a
vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC). No mesmo sentido, a
responsabilidade civil foi consagrada pelo Código Civil de 2002, com ênfase na
ótica objetivista5.

1 FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de direito
civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. v. único. p. 628.
2 GRANJA, Rubens. A culpa como critério para a quantificação do dano. Dissertação (Mestrado em Di-
reito Civil) – Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013, p. 192. Disponível
em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-09082017-133058/publico/DISSERTA-
CAO_MESTRADO_VERSAO_COMPLETA_RUBENS_GRANJA.pdf. Acesso em: 6 fev. 2021.
3 MENDES, José Manuel. Ulrich Beck: a imanência do social e a sociedade de risco. Análise social.
Coimbra, n. 214, p. 211-215, 2015. Online. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?s-
cript=sci_arttext&pid=S0003-25732015000100012. Acesso em: 3 fev. 2021.
4 PEREIRA, Caio Mário da Silva; TEPEDINO, Gustavo. Responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2018. E-book.
5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 6.

57
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

No entanto, não há que se falar em extinção da possibilidade de


responsabilização subjetiva, que encontra previsão na cláusula geral prevista no art.
927 combinado com o art. 186, ambos do Código Civil. Os referidos dispositivos
consagram a ideia de que aquele que causar dano a outrem, a partir de um
comportamento culposo, terá o dever de indenizar.
É a conduta culposa, causadora do dano, que exige o dever de indenizar,
quando o agente podia e devia agir de forma diversa6. A responsabilidade subjetiva,
portanto, pressupõe a existência dos seguintes elementos: a) o ato ilícito; b) a culpa;
c) o dano e; d) o nexo causal7.
Seguindo a mesma perspectiva dos dispositivos supramencionados, o
Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n.º 8.906/1994)
determinou que o advogado é responsável pelos atos decorrentes do exercício
profissional desde que praticados com dolo ou culpa. Por essa razão, depreende-se
que se trata de responsabilidade subjetiva por determinação legal expressa.
Muito embora o conceito de responsabilidade não se confunda com
obrigação, a possibilidade de responsabilização civil do advogado decorre de relação
contratual, que enseja, via de regra, o surgimento de uma obrigação de meio8. Nesse
ponto, passar-se-á à análise da distinção entre obrigação de meio e obrigação de
resultado, no âmbito da relação jurídica estabelecida entre advogado e seu cliente.

2.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL DO ADVOGADO:


OBRIGAÇÃO DE MEIO VERSUS OBRIGAÇÃO DE RESULTADO

As discussões acerca da natureza da obrigação da prestação do serviço do


causídico permitem digressões históricas desde as lições de Ruy Barbosa, patrono
dos advogados brasileiros, o qual sustenta que “[...] a defesa não quer o panegírico
da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente
ou criminoso, a voz dos seus direitos legais”9.

6 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
463.
7 FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de direito
civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.v. único. p. 641.
8 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
467.
9 BARBOSA, Ruy. O dever do advogado. Monte Cristo, 2012. E-book.

58
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Nesse contexto, cabe apresentar os conceitos de obrigação de meio


e obrigação de resultado. A primeira pressupõe a atuação técnica, habilidosa e
prudente do profissional a fim de atingir determinado objetivo, sem obrigatoriedade
de fazê-lo. A segunda, por sua vez, é aquela em que o profissional se obriga a atingir
o resultado pretendido, sob pena de responsabilização.
No âmbito da atividade advocatícia, a relação jurídica formada entre o
advogado e seu cliente, comumente, dá-se por meio do contrato de mandato, na
forma do art. 653 do Código Civil, o que preconiza a existência de responsabilidade
civil de natureza contratual. De maneira geral, cabe ao advogado defender os
interesses de seu cliente em juízo ou prestar-lhe consultoria jurídica10, observados,
especialmente, os deveres de sigilo, de informação, de transparência e de boa-fé
objetiva.
De acordo com o professor Sérgio Cavalieri, a obrigação contratualmente
assumida pelo advogado se configura como obrigação de meio. Isso porque o
profissional se compromete a aplicar a técnica adequada no desempenho de sua
função, não lhe sendo possível imputar qualquer responsabilidade decorrente de
resultado diverso do pretendido pelo cliente11.
Sendo assim, o profissional somente será responsabilizado nas hipóteses
em que sua conduta indevida acarretar prejuízos ao cliente, como, nas hipóteses de
desconhecimento da legislação aplicável, de eleição da via imprópria para veicular a
pretensão do autor, ou de induzimento do cliente à prática de conduta inadequada12.
Neste ponto, impõe-se, ainda, a discussão acerca da obrigação da
interposição de recurso pelo advogado. Há que se considerar a existência de duas
possiblidades distintas: a ausência de interposição de recurso por negligência ou por
entendê-lo inadequado. No primeiro caso, a responsabilização se dá por decorrência
de omissão, deixando o advogado de interpor o recurso cabível, independentemente
do resultado que se poderia alcançar. É nesta hipótese que se verifica a possibilidade
aplicação da teoria da perda de uma chance, que será abordada oportunamente13.

10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: SARAIVA, 2015.
E-book.
11 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 467.
12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: SARAIVA, 2015.
E-book.
13 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 468.

59
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Já na segunda hipótese, caberá ao profissional orientar seu cliente acerca


da desnecessidade de interposição do recurso pretendido. No entanto, ao cliente
deve ser dada a opção de prosseguir na via recursal em virtude do contrato de
mandato, sendo possível, inclusive, a responsabilização do profissional em razão do
descumprimento do contrato celebrado14.
Por outro lado, é reservado ao profissional a faculdade de renunciar à
causa quando discordar das exigências de seu cliente, na forma do art. 112 do
Código de Processo Civil (CPC). Desse modo, fica evidente que o advogado,
neste caso, não possui a obrigação de interpor recurso caso o entenda descabido,
mediante análise do caso concreto.
Por fim, cabe descrever uma única possibilidade excepcional em que
se vislumbra a ocorrência de obrigação de resultado na prática da advocacia. A
obrigação será de resultado quando o advogado atuar fora do âmbito judicial, com
a finalidade de providenciar um registro, elaborar um parecer, redigir contratos,
entre outras diversas situações em que o contrato celebrado entre as partes se
destina especificamente a determinado fim15. Não se pode olvidar que, neste caso,
a inobservância do resultado acarretará a responsabilização do profissional, visto
que o resultado da demanda está na esfera de controle do profissional da advocacia.
Feita a distinção pretendida neste ponto, merece destaque a aplicação
da teoria da perda de uma chance aos casos em que a parte representada deixa de
atingir situação mais favorável em decorrência da má conduta de seu mandatário.
Sendo assim, breves apontamentos acerca da referida teoria serão realizados adiante.

2.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO PROFISSIONAL ADVOGADO PELA


PERDA DE UMA CHANCE

Neste momento, tratar-se-á da possiblidade de responsabilização do


advogado em decorrência de conduta omissiva, causando prejuízo ao patrimônio
de seu cliente. Dentre as possibilidades em que a atuação do profissional da
advocacia possa causar prejuízo ao contratante, cita-se, a título de exemplo, a perda
do prazo para interposição de recurso, a não produção das provas necessárias, ou
não formulação de pedidos.

14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: SARAIVA, 2015. E-book.
15 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. RT. p. 500 apud GONÇALVES, Carlos
Roberto. Responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: SARAIVA, 2015. E-book.

60
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Primeiramente, cabe destacar que a teoria da perda de uma chance é


oriunda do direito francês, e, em síntese, consiste na perda da oportunidade de se
obter vantagem futura16. Desse modo, é a chance perdida que configura o dano, de
modo que a possibilidade de a vítima atingir posição mais favorável deve ser real,
fato que será considerado no momento da fixação do quantum indenizatório17.
Quanto à responsabilidade do profissional advogado pela perda de uma
chance, importa destacar que o nexo causal não será entre o ato ilícito praticado
e aquilo que o cliente deixou de ganhar. Deve-se considerar o nexo entre o ato
que se deixou de praticar e a chance perdida18, razão pela qual o advogado será
responsabilizado pela perda da chance de praticar o ato, e não pelas vantagens que
seriam possivelmente alcançadas.
Conforme já explicitado anteriormente, a chance perdida deve ser real,
de modo que nem sempre a conduta omissa do profissional ensejará, por si só, a
aplicação da referida teoria. Embora amplamente aceita no ordenamento jurídico
brasileiro, foi nesse sentido que se manifestou a Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça19, conforme se verifica abaixo:

Além do mais, cumpre ressaltar que a jurisprudência desta Corte


Superior firmou o entendimento no sentido de que a reparação
de danos decorrentes da perda de chance exige a demonstração
dos elementos ensejadores do dever de reparar, além da
necessidade de comprovar que a chance perdida é séria e real.

Desse modo, no caso da perda de uma chance, não há que se abordar


dano in re ipsa, considerando que caberá ao julgador, no caso concreto, avaliar se a
chance era, de fato, séria e real20. Para fim de identificar se cabível ou não a aplicação

16 FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de direito
civil. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. v. único. p. 657.
17 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
469.
18 ASSIS JR., Luiz Carlos. A responsabilidade civil do advogado na teoria da perda de uma chance.
Direito UNIFACS – Debate Virtual. Salvador, n. 128, 2011. Disponível em: https://revistas.unifacs.
br/index.php/redu/article/view/1418/1104. Acesso em: 2 fev. 2021.
19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 1.637.375-SP. Relator Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, 17 de novembro de 2020.
20 ASSIS JR., Luiz Carlos. A responsabilidade civil do advogado na teoria da perda de uma chance.
Direito UNIFACS – Debate Virtual. Salvador, n. 128, 2011. Disponível em: https://revistas.unifacs.
br/index.php/redu/article/view/1418/1104. Acesso em 2 fev. 2021.

61
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

da teoria ora tratada, Sérgio Savi aplicou critério objetivo em que se considera real
a chance de obter êxito acima de 50%21, todavia a aplicação desse critério deixa de
levar em consideração as diversas nuances de cada caso concreto.
Ademais, cabe destacar, por oportuno, que é possível a aplicação da
teoria da perda de uma chance com a condenação do advogado ao pagamento de
indenização sem que isso configure decisão extra petita. Assim entendeu o Ministro
Ricardo Villas Boas Cuevas, no julgamento do Recurso Especial supramencionado22:

A partir desse entendimento, havendo pedido de


indenização por perdas e danos em geral, pode o juiz
reconhecer a aplicação da perda de uma chance sem
que isso implique em julgamento fora da pretensão
autoral, como igualmente ocorreu na hipótese dos autos.

Sendo assim, havendo chance real e séria de o cliente atingir posição


mais favorável e diante da conduta omissiva do advogado, que deixa de realizar sua
função da forma devida, restará configurada a responsabilidade civil do profissional,
sob a ótica da razoabilidade e de acordo com a regulamentação da profissão e os
deveres que lhe são inerentes, conforme será abordado na sequência.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL


DO ADVOGADO E FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

Consoante o descrito anteriormente, a atuação do profissional advogado


ganhou status constitucional com o advento da Constituição Federal de 1988 que
assim determinou em seu art. 133: “O advogado é indispensável à administração
da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão,
nos limites da lei”.
Sob esse prisma, as regulamentações infraconstitucionais evidenciam,
ainda mais, o caráter social inerente ao exercício desta profissão. Por essa razão, o
profissional advogado tem o dever de desempenhar sua função da maneira ética e

21 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 23
apud DE PAULA, Danilo Alves. Responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance. Disser-
tação (Mestrado em Direito) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Franca, 2015.
p. 19. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/135911/000858425.pd-
f?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 3 fev. 2021.
22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 1.637.375-SP. Relator Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, 17 de novembro de 2020.

62
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

devida que se espera de quem possui enorme relevância no cenário jurídico deste
ordenamento.
Para tanto, o legislador pretendeu regulamentar não só a atuação do
profissional no desempenho de sua função, como também a relação advogado-
cliente. A partir dessa concepção, cabe destacar as principais normas em que se
pauta o exercício da advocacia no Brasil: o Estatuto da Advocacia, o Regulamento
Geral da Ordem dos Advogados do Brasil e o Código de Ética e Disciplina da
Ordem dos Advogados do Brasil. Além disso, é de suma importância apresentar a
discussão acerca da possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor
aos contratos advocatícios.
Destaca-se, por fim, que a atividade advocatícia também é regulada pelo
Código Civil, conforme já se demonstrou em momento anterior, razão pela qual
somente se mostra necessária, neste ponto, a análise dos demais Diplomas Legais
específicos acima mencionados.

3.1 O ESTATUTO DA ADVOCACIA, O REGULAMENTO GERAL E O


CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL

Insta salientar, de forma inicial, que a atividade do advogado está


regulamentada pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil
(Lei Federal n. º 8.906/94), que dispõe, dentre outros temas, acerca da atividade
profissional, da inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, da sociedade
de advogados, do advogado empregado, dos honorários advocatícios, das
incompatibilidades e impedimentos e, por fim, da ética do advogado e das infrações
e sanções disciplinares.
Para os fins a que se propõe este trabalho, destaca-se o conteúdo do art.
32 do Estatuto, que impõe a responsabilização do advogado pelos atos que praticar
com dolo ou culpa no exercício de sua profissão. Esse dispositivo evidencia que
a responsabilização do advogado difere daquele referente aos demais operadores
do Direito, que podem ser responsabilizados a título de fraude, mas não o serão a
título de culpa, conforme arts. 143, inciso I, e 181, ambos do Código de Processo
Civil23.

23 PIOVEZAN, Giovani Cassio; FREITAS, Gustavo Tulles Oliveira (org.). Estatuto da Advocacia e da
OAB comentado. Curitiba: OABPR, 2015.

63
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Além disso, o art. 33 do referido Diploma Legal determina que a atuação


do advogado deve ser pautada pelos ditames do Código de Ética e Disciplina da
Ordem dos Advogados do Brasil, que prevê os deveres a serem cumpridos por este
profissional, bem como a forma como deve se dar sua atuação perante seu cliente e,
também, perante a sociedade.
Assim sendo, o Código de Ética dispõe, em seu art. 2º, acerca da função
social da profissão e, em seguida, explicita os deveres do advogado. No que tange
à possibilidade de responsabilização, cabe destaque aos deveres de honestidade,
veracidade, lealdade e boa-fé. Outrossim, terá o advogado o dever de sigilo,
consoante o que dispõe os arts. 25 ao 27.
Importa frisar que os preceitos éticos que norteiam o exercício da
advocacia devem ser obrigatoriamente observados, porquanto possuem natureza
cogente, sendo capazes de ensejar a aplicação de sanções24. No entanto, tais
preceitos não devem ser observados somente não relação profissional-cliente, mas
em atenção ao sistema jurídico como um todo.
Diante do descumprimento dos deveres inerentes ao exercício da
advocacia, caberá a responsabilização ética do profissional, sem prejuízo da
responsabilidade a ser apurada na esfera cível nos casos em que restar configurado
prejuízo ao cliente e também no âmbito criminal, quando for o caso. Isso porque,
conforme já demonstrado, o advogado responderá pelos danos causados a título
de dolo ou culpa, o que caracteriza a responsabilidade civil de natureza subjetiva.

3.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO SOB A ÓTICA


CONSUMERISTA

O Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n.º 8.078/90)


encontra fundamento na Constituição Federal de 1988, que prevê, em seu art. 5º,
XXXII, o dever do Estado de promover a defesa do consumidor na forma da lei.
Nesse sentido, o CDC se apresenta como um microssistema multidisciplinar, com

24 KHALIL, Antoin Abou. A questão ética na advocacia: uma abordagem crítica. 2014. Tese (Dou-
torado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2014. p. 56. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-11022015-
094450/publico/Tese_Antoin_Abou_Khalil.pdf. Acesso em: 6 fev. 2021.

64
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

princípios próprios e de aplicação a diversos ramos do direito25, com o objetivo de


proteger os consumidores, vulneráveis nas relações de consumo.
Nesse sentido, é forçosa a análise acerca da possibilidade de aplicação
deste Diploma à atuação do profissional advogado. Embora o Código de Defesa
do Consumidor consagre, predominantemente, a responsabilidade objetiva nas
relações de consumo, o art. 14, §4º, dispõe que os profissionais liberais serão
responsabilizados somente pelas condutas praticadas a título de culpa, o que
caracteriza a natureza subjetiva da responsabilidade.
No caso do advogado como profissional liberal, a responsabilidade
pressupõe a constatação de conduta negligente, imprudente ou imperita. A diferença
de tratamento em relação às demais hipóteses de responsabilização previstas no
Código se dá em razão do caráter intuito personae da atividade, que é pautada na
confiança estabelecida entre o profissional e seu cliente26.
Por conseguinte, embora pequena parcela da doutrina entenda pelo
não cabimento do Código de Defesa do Consumidor à atividade advocatícia, o
professor Cavalieri sustenta que não há qualquer incompatibilidade desta Lei com
as demais legislações que regulamentam a atividade, como o Código de Ética e o
Estatuto dos Advogados. O professor sustenta que as referidas normas, em verdade,
não se contrapõem, mas se complementam27.
Ainda que a aplicação do CDC aos contratos advocatícios seja bastante
defendida na doutrina, esse entendimento não é reconhecido pelo Superior Tribunal
de Justiça. De acordo com a jurisprudência pacífica do referido Tribunal, o CDC
não incide nos contratos de prestação de serviços de advocacia.

25 GRINOVER, Ada Pelegrini et. al; colaboração Vicente Gomes de Oliveira Filho e João Ferreira
Braga. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Direito
material e processo coletivo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. único. E-book.
26 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado: artigo por artigo.
13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 184
27 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 471.

65
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Assim já decidiu o STJ, no julgamento do no Recurso Especial n.


1.117.137-RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi28:

[...] constata-se que, após um período inicial de divergência, a


jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que “não
incide o CDC nos contratos de prestação de serviços advoca-
tícios” (REsp 757.867/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ de 09.10.2006. No mesmo sentido:
REsp 539.077/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Ju-
nior, DJ de 30.05.2005; AgRg no Ag 815.998/BA, 4ª Turma,
Rel. Min. Fernando).

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal no Agravo em Recurso Especial


n. 977.769-RS: Destaca-se que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de
que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações decorrentes de contrato
de prestação de serviços advocatícios29.
Sendo assim, não se vislumbra a possibilidade de aplicação do Código
de Defesa do Consumidor às relações jurídicas firmadas entre advogados e seus
clientes, com base no entendimento jurisprudencial, cabendo a aplicação das
normas específicas relativas ao exercício da advocacia à luz do que dispõe o Código
Civil de 2002.

4 BREVE ANÁLISE DE DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE


JUSTIÇA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Consoante já tratado ao longo deste artigo, o advogado como profissional


liberal pode ser responsabilizado civilmente por diversas condutas, tanto no que
se refere à relação profissional-cliente, quanto aos demais abusos praticados no
exercício da atividade. Nessa esteira, seguem-se diversas decisões proferidas pelo
Superior Tribunal de Justiça acerca do tema proposto.
Em 4 de fevereiro de 2003, ocorreu o julgamento do Recurso Especial
n. 357.418 – RJ, de relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em que se
pretendeu modificar decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial 1.117.137-RS. Relatora Min.
Nancy Andrighi, 17 de junho de 2010.
29 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 977.769. Relator Min. Antônio Carlos
Ferreira, 25 de setembro de 2019.

66
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

em sede ação indenizatória pela prática de ato ilícito pelo advogado no exercício de
sua função.
A referida ação foi proposta por Juiz de Direito, em face de advogado, que
representou à Corregedoria Geral de Justiça contra o magistrado sob alegação da
prática de diversos crimes, incluindo abuso de autoridade. O Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro confirmou a decisão, modificando apenas o quantum indenizatório
fixado.
No julgamento do Recurso Especial, o Ministro manteve a decisão
proferida em segunda instância, que determinou a condenação do advogado réu
sob a fundamentação de que a imunidade conferida ao profissional não se estende
a ofensas cometidas contra as partes envolvidas no processo30. Sendo assim, cabível
a indenização por danos morais diante do ato ilícito praticado pelo profissional,
inclusive por essa prática também configurar infração ética do profissional.
Em contexto fático diverso, o Superior Tribunal de Justiça proferiu
decisão no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 701.659 – RS, com
julgamento em 14 de setembro de 2020, de relatoria do Ministro Raul Araújo, para
reconhecer a responsabilização civil do advogado em caso de conduta negligente.
Nessa seara, a Quarta Turma do Tribunal reconheceu que a obrigação
avençada entre o advogado e seu cliente é obrigação de meio e de natureza
subjetiva, de modo que somente se poderá reconhecê-la nos casos em que se
comprovar o dolo ou a culpa. No caso ora abordado, o STJ reconheceu, diante
do arcabouço probatório, que o advogado atuou de forma negligente, devendo ser
responsabilizado pelos danos materiais suportados pela outra parte31.
Conforme descrito no voto, verificou-se que o advogado apresentou
recursos considerados protelatórios pelo Tribunal de origem, que culminou na
imposição de multa por litigância de má-fé. Considerando que a sanção não pode
ser imputada diretamente aos patronos da causa, caberá ao cliente buscar em ação
autônoma a responsabilização dos profissionais, no que se denomina de ação de
regresso32.

30 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 357.418-RJ. Relator Min. Sálvio de Figuei-
redo Teixeira, 4 de fevereiro de 2003.
31 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 701.659-RS.
Relator Min. Raul Araújo, 14 de setembro de 2020.
32 Ibid.

67
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Por fim, vale destacar o julgamento do Recurso Especial n. 1.740.260 –


RS, também de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas, em que se reconheceu
a prática de ato ilícito pelo advogado em desfavor de sua cliente. No caso dos
autos, restou configurada a responsabilidade do profissional em decorrência da
apropriação indébita de valores pertencentes ao seu mandatário.
A condenação do réu foi determinada pelo Juízo de primeiro grau e
confirmada pelo Tribunal estadual. O Relator do STJ, no mesmo sentido, entendeu
pela manutenção da decisão recorrida e sustentou que o ato praticado pelo advogado
configura séria violação do ordenamento jurídico e dos deveres ético-sociais que regem
o exercício da advocacia. Sob essa perspectiva, a responsabilização do profissional é
inevitável, cabendo-lhe reparar os danos extrapatrimoniais causados à vítima33.
Em resumo, depreende-se, a partir das decisões apresentadas, que o
profissional advogado pode ser responsabilizado pela prática de diversas condutas
relativas ao exercício de sua função. Para tanto, é necessário que se constate a
existência dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil, que pode ocorrer
a partir do abuso de direito, por violação dos deveres anexos do contrato, pela
prática de conduta negligente, dentre outras possibilidades.

5 CONCLUSÃO

No Estado Democrático de Direito, a missão desempenhada pelo


advogado é essencial ao exercício da cidadania, de modo que não se trata apenas
de uma profissão, mas de uma função de amplo aspecto social, indispensável à
manutenção da justiça.
O estudo da responsabilidade civil deste profissional liberal ganha
maior relevância diante das modificações sociais decorrentes de fenômenos como
a globalização. A essencialidade do profissional da advocacia ganha ainda mais
destaque com as relações jurídicas que se tornam cada vez mais complexas.
Nesse sentido, caberá ao profissional o domínio das técnicas necessárias
ao desempenho de sua função, bem como à observância de condutas éticas em que
se deve pautar sua atuação. Para tanto, o advogado deve observar as normas que lhe
são impostas genericamente no Diploma Civil e, de forma específica, no Estatuto
da Advocacia e no Código de Ética. Tais normas se apresentam como norteadores

33 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.740.260-RS. Relator Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, 26 de junho de 2018.

68
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

da função advocatícia e sua inobservância poderá ensejar a responsabilização do


profissional.
Adotadas as condutas devidas, importa destacar que a obrigação assumida
pelo advogado, via de regra, é obrigação de meio, de modo que não se obriga a
atingir, necessariamente, o fim pretendido pelo cliente. Em verdade, o profissional
deverá atuar de maneira diligente, garantindo uma solução justa para a parte que
representa.
De outro lado, o profissional que provocar a perda de chance séria e real a
seu cliente será responsabilizado pela possibilidade de atingimento de situação mais
favorável. Embora dependa de análise casuística a ser realizada pelo magistrado,
trata-se de teoria amplamente aceita no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive
com respaldo jurisprudencial.
O advogado deve atuar de acordo com as normas éticas que regulamentam
a profissão, a fim de não causar prejuízo a seus clientes e, em última análise, não
prejudicar a sociedade como um todo, haja vista os fins sociais a que se destinam
sua função. Verificou-se, ao longo deste estudo, que a atuação profissional se dá em
atenção às normas civilistas, mas o mesmo não se confirma sob a ótica consumerista,
visto que a relação entre o profissional liberal da advocacia e seu cliente não estão
abarcadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Diante das possibilidades de responsabilização do profissional liberal, a
análise de decisões judiciais se mostra imprescindível ao estudo deste tema. É a
partir da posição dos Tribunais Superiores que se pode inferir como se dá a aplicação
prática das normas dispostas, bem como é possível identificar as construções
jurisprudenciais de teorias reconhecidas no ordenamento jurídico, ainda que não
positivadas, vide a aplicação da teoria da perda de uma chance.
Sendo assim, o presente trabalho se mostra indispensável ao
reconhecimento da possibilidade de responsabilização do advogado como
profissional liberal, com base nas relações jurídicas formadas entre as partes e nos
deveres éticos em que se pauta o exercício da profissão.

69
REFERÊNCIAS

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perda de uma chance. Direito UNIFACS – Debate Virtual. Salvador, n. 128,
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da Advocacia e da OAB comentado. Curitiba: OABPR, 2015.

71
04 Jornalista

Anderson Souza da Silva Lanzillo


Wagner Franklin da Costa

1 INTRODUÇÃO

O jornalista, profissional liberal, possui posição sui generis para a


democracia1 pela sua própria função de divulgar, investigar e comunicar acerca dos
eventos relevantes para a sociedade2, sendo indissociável a compreensão jurídica de
seu papel do direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação3.
Contudo, a informação deve ser prestada sob os parâmetros do direito de informação
de modo a não produzir atos ilícitos, devendo esses atos acarretar responsabilidade
na medida do excesso cometido.
Em sentido amplo, o ponto central de análise da correlação entre o direito
de informação no exercício da profissão jornalística e os excessos desse exercício está
entre os direitos da personalidade (à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem
do cidadão) e a liberdade de expressão da imprensa. A partir dessa demarcação de
fronteiras e ponderação de direitos fundamentais, quando ultrapassada a liberdade,
deve ser gerada responsabilidade e os agentes do ilícito responderão pelo exercício
abusivo do direito de informação.

1 Aqui se observe a consagrada concepção de que, ainda que o jornalista seja considerado um assala-
riado, ele possui um espaço de liberdade irredutível: a dignidade e a integridade de uma profissão, cuja
liberdade de ideias é garante do pluralismo informativo e de uma opinião pública crítica; LEITÃO,
O. A liberdade de consciência do jornalista precisa de proteção especifica a bem da independência
no seu trabalho, do pluralismo e da democracia?. Media & Jornalismo, [S. l.], v. 18, n. 32, p. 55-71,
2018. DOI: 10.14195/2183-5462_32_5. Disponível em: https://impactum-journals.uc.pt/mj/arti-
cle/view/2183-5462_32_5. Acesso em: 2 dez. 2020.
2 Conforme o art. 1°, 2° e 6° do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
3 Art. 5°, IV e XIV da Constituição Federal.

72
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

O presente estudo abordará a responsabilidade civil do jornalista quando


da veiculação de suas matérias. Neste âmbito, serão enfrentadas as questões referentes
a: a) em que casos se deve responsabilizar o jornalista; b) em que pontos, para o
ordenamento jurídico, torna-se abuso de direito em desfavor de direito alheio o que
outrora fora o exercício da liberdade de expressão4 e de imprensa5.
Para alcançar os objetivos e abordar o objeto de estudo foi utilizada a
pesquisa com abordagem qualitativa e indutiva, utilizando-se de casos concretos
julgados pelos tribunais pátrios, a partir de pesquisa bibliográfica com propósito
de formar uma delimitação de fronteiras entre o direito à liberdade de informação
do jornalista na democracia e os direitos fundamentais dos cidadãos sujeitos das
informações veiculadas pelos jornalistas, de modo a conformá-los.
Destarte, o presente capítulo subdivide-se em três partes. Uma primeira
seção discorrerá acerca da responsabilidade civil, seus pressupostos e legislação.
A segunda seção dissertará acerca da regulamentação específica aplicável aos
jornalistas. Por fim, a terceira seção abordará a jurisprudência acerca dos
casos de responsabilização civil do jornalista para compor um quadro geral da
responsabilidade civil desse profissional no ordenamento jurídico nacional.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL, O JORNALISTA E SUA POSIÇÃO NA


MÍDIA

O instituto da responsabilidade civil advém do latim respondere com a


ideia de garantia de restituição ou compensação pelo bem sacrificado, restaurando
o status quo anterior à ofensa ou o indenizando, atingindo-se, nesta, diretamente
interesses privados6. No caso, a responsabilidade civil em si denota situação
jurídica daquele que descumpriu determinado dever jurídico, gerando, em
decorrência, dano material ou moral a ser reparado7, ou seja, gerada por: 1) do
descumprimento obrigacional, gerado pela não observância de regra contratual;

4 Exposta no art. 5°, IV e XIV c/c art. 220, ambos da Constituição Federal.
5 Contida no art. 220, § 1º da Constituição Federal.
6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 4. p. 31.
7 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 7. p. 34.

73
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

ou 2) do descumprimento de preceito normativo regulador da vida, neste caso


denominada responsabilidade civil extracontratual, extranegocial ou aquiliana8.
Para Pontes de Miranda os atos ilícitos praticados na responsabilidade
aquiliana, também chamados de ilícitos extracontratuais, são absolutos, afinal
independem de relação especial entre lesionador e ofendido, enquanto os atos
ilícitos da responsabilidade negocial (ilícitos contratuais) são relativos, devido a
ilicitude se delinear a partir da vinculação negocial que se infringiu entre os agentes9.
O Código Civil estabelece, em seu art. 18610, que comete o ato ilícito
todos aqueles que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
injustamente violam o direito alheio, causando a esse terceiro um dano, a este
devendo recair a obrigação de reparar o dano, conforme o art. 927 do mesmo
dispositivo legal.
O instituto se lastreia, portanto, no princípio do neminem laedere (a
ninguém ofender), pelo qual se gera um dever para que as ações dos agentes não
lesem um direito alheio11. Logo, da decorrência de dano moral, patrimonial ou
estético a responsabilização é forma de reparação do equilíbrio, gerando-se, por
conseguinte, dever de indenizar12. Para que haja esta, necessário dano preexistente
causado por agente que atua ilicitamente e viola uma norma jurídica contratual ou
legal anterior a sua ação13.

8 SIDOU, Othon. Enciclopédia Saraiva do Direito, verbete Lex Aquilia. 1. ed. São Paulo: Saraiva,
1980, v. 49. p. 311; Do mesmo modo preceitua TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 8. ed. Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. v. único. p. 515.
9 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: tomo 53. 1. ed. São
Paulo: BookSeller, 2008. p. 81.
10 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. BRASIL. Código Civil.
Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
11 MESSINEO, Francesco; MELENDO, Santiago Sentis (trad.). Manual de derecho civil y comercial.
8. ed. Buenos Aires: Jurídicas Europa-América, 1954, p. 477. Bem como retrata: Cristiano Chaves
de Farias; Felipe Braga Netto; Nelson Rosenvald. Manual de direito civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2018. v. único. p. 874.
12 Ibid. p. 874.
13 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. único. p. 872.

74
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Logicamente existirá um dever jurídico originário, preexistente à lesão,


e um sucessivo, de indenizar, gerado pela não observância do originário, o último
intitulado responsabilidade civil14.
Para que haja essa responsabilização são necessárias a configuração de
quatro elementos, são estes: conduta humana, culpa genérica ou lato sensu, nexo de
causalidade, e dano ou prejuízo15.
A conduta humana, elemento subjetivo da responsabilidade civil, pode,
nos termos do art. 186 do Código Civil, ser comissiva ou omissiva voluntária ou
ato por negligência, imprudência e imperícia16. Sendo interpretada em sentido
amplo, a norma refere-se a qualquer pessoa que venha a causar dano a outrem17,
no caso em análise nos interessando a responsabilidade advinda de ato próprio (do
profissional liberal em comento).
Outrossim, a culpa ou dolo do agente são compreendidas a partir do seu
sentido amplo, o qual inclui o dolo, contido no começo do art. 186, no trecho “ação
ou omissão voluntária” e a culpa estrita, tratada no trecho do art. 186 “negligência
ou imprudência”18.
Isto posto, haverá dolo quando o agente lesionador tiver a intenção
de praticar o ilícito ou quando não se importa quanto aos efeitos danosos de sua

14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018. v. 4. p. 24.
15Tartuce entende que deveria se analisar conduta humana, culpa genérica ou lato sensu, nexo de
causalidade, e dano ou prejuízo, nesse estudo seguindo a classificação deste autor, encontrada em:
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2018. p. 535. Por outro lado, ainda se encontra a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves,
para o qual deve-se observar: a) ação ou omissão; b) culpa ou dolo do agente; c) Relação de causali-
dade; e d) o dano, conforme encontrado em: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro:
responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 4.
16 MEDEIROS, Paula Raquel Dias de. Responsabilidade civil do comunicador social que causa dano a
terceiros no exercício da sua profissão. 2017. 18 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso
de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2017. p. 8.
17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018. v. 4.
18 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2018. p. 535-536. O mesmo afirma: MEDEIROS, Paula Raquel Dias de. Res-
ponsabilidade civil do comunicador social que causa dano a terceiros no exercício da sua profissão. 2017.
18 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de Direito, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Caicó, 2017. p. 8.

75
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

conduta19, neste caso não se falando em equidade no quantum da indenização,


apenas no princípio da reparação dos danos20. De outro modo haverá culpa em
sentido estrito do agente quando, mesmo sem o ímpeto de violar o direito alheio,
omite-se em proceder de modo a evitar os efeitos prejudiciais, bem como quando
o violador age com negligência, imprudência ou imperícia. A indenização, quanto
ao seu quantum, embora também siga o princípio da reparação dos danos, se
determinará de acordo com a equidade21. A distinção entre dolo e culpa em sentido
estrito estando em, quanto ao primeiro, haver o ímpeto de cometer uma violação
de direito, enquanto a culpa consistirá na ausência de diligência22.
Os arts. 186 e 927 do Código Civil consubstanciam a responsabilidade
civil subjetiva como regra no direito privado, esta cuja base é a culpa em sentido
amplo (dolo ou culpa stricto sensu)23. Contudo, diante de problemas em obter
e gerar provas do dolo ou culpa o ordenamento admite, em certas hipóteses, a
responsabilidade civil objetiva, esta na qual se independe da comprovação de culpa,
como na maioria dos casos consumeristas, danos ambientais, do estado, entre
outros24.
Com relação aos jornalistas, a categoria defende uma responsabilização
subjetiva específica na qual se exija do profissional a ser responsabilizado a ciência

19 FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de direito
civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. v. único. p. 910.
20 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. [...]
21 FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de direito
civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. v. único. p. 910-912. Bem como o que se observa nos arts.
944, parágrafo único e 945 do Código Civil.
22 Nesse sentido expressou Savigny: “Elles se distinguent des autres obligations en ce qu’elles peuvent
toujours être rattachées à une intention contraire au droit, qui peut consister, ou dans la volonté de
commettre une violation du droit (dolus) ou dans le défaut de la diligence (culpa), exigée dans toute
opération juridique [...]” (Distinguem-se das outras obrigações na medida em que podem sempre
estar ligadas a uma intenção contrária ao direito, que pode consistir, ou na vontade de cometer uma
violação do direito (dolo) ou na falta de diligência (culpa), exigida em qualquer operação jurídica).
SAVIGNY, Friedrich Carl Von; C. Cérardim e P. Jozon (trad.). Le droit des obligations. 2. ed. Paris:
Ernest Thorin, 1873. p. 463.
23 CAMARGOS, Pedro Henrique Freire. A responsabilidade civil da mídia pela pré-condenação do
sujeito noticiado: o caso do suposto estupro na festa de réveillon. 2017. 79 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharelado em Direito) – Universidade de Brasília. Brasília, 2017. p. 34-35.
24 CASTRO, Carolina Pinho de. Novos paradigmas da responsabilidade civil brasileira: o dano social.
2017. 71 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Direito) – Universidade de Brasília.
Brasília, 2017. p. 27.

76
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

da inveracidade da matéria, bem como a intenção de gerar o dano, estes como


condicionantes para que se gerasse o dever sucessivo de reparar25. Todavia, entende-
se necessário aos comunicadores sociais a averiguação da veracidade, da segurança
e o efeito do veiculado, também observando da possibilidade legal de expor aquela
notícia, afinal o direito fundamental não é apenas informar qualquer coisa e ser
informado com qualquer qualidade de informação26, em tempos nos quais as fake
news e a desinformação compõe a modernidade líquida o direito constitucional de
informar e de ser informado (art. 5°, IV e XIV da Constituição Federal) exige a
verdade e a legalidade dos conteúdos.
Tradicionalmente, a Lei Federal n° 5.250/1967 (Lei de Imprensa),
atualmente incompatível com a Constituição Federal em razão de decisão do
Supremo (ADPF 130), a responsabilização dada ao jornalista é tratada como
subjetiva. A Constituição Federal de 1988 enalteceu a liberdade de imprensa e de
expressão, passando tais liberdades a ser ainda mais resguardadas, protegendo o
próprio jornalista.
O terceiro elemento seria o dano, que é condição essencial para a
responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva27. É o próprio prejuízo causado, seja
um prejuízo a direito patrimonial ou não, sendo ele gerado por conduta positiva ou
negativa do violador28.
Por fim, ainda há o nexo de causalidade, elemento imaterial da
responsabilidade civil. Este que relaciona a conduta dolosa ou culposa e o dano29.
Sem o nexo a conduta do indivíduo não está relacionada com o dano, não havendo
de falar-se em responsabilização, quiçá em dever de indenizar30.

25 ANDRIOTTI, Caroline Dias. A responsabilidade civil das empresas jornalísticas. In: SCHREI-
BER , Anderson (coord). Direito e mídia. São Paulo: Atlas, 2013. p. 336.
26 CAMARGOS, Pedro Henrique Freire. A responsabilidade civil da mídia pela pré-condenação do
sujeito noticiado: o caso do suposto estupro na festa de réveillon. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2017. p. 18.
27 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: obrigações: responsabilidade civil. São Paulo: Sa-
raiva, 2012. v. 2. p. 188-189.
28 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. único. p. 896.
29 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,
2018. v. único. p. 545.
30 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 49.

77
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Este elemento imaterial é evidente quando, por exemplo, um jornalista


publica informação falsa com a intenção de denegrir a imagem de alguém. Contudo,
nem sempre o jornalista está autonomamente trabalhando, por vezes trabalhando
em meios de comunicação diversos.
Surge então o seguinte questionamento: quando o jornalista trabalha
para empresa, em meio físico ou virtual, como se responsabiliza a empresa por
matérias daquele funcionário?
Historicamente houve diversas divergências sobre o tema. Já se entendeu
no sentido de que em primeira ação por danos morais o polo passivo deveria ser
composto pela pessoa jurídica que veiculou aquela matéria jornalística, afinal
esta sociedade empresarial seria quem lucraria com a atividade que gerou o
dano, posteriormente, em direito de regresso, o meio de comunicação podendo
ingressar em juízo em face do jornalista31. De encontro a esta interpretação, houve
a compreensão de que havia uma responsabilidade solidária entre o meio de
comunicação, que lucrou com a mensagem, e o autor do noticiado32.
Diante da controvérsia o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça,
que editou a Súmula n° 22133 a partir do julgamento, na qual entendeu-se que
todos os agentes que concorreram para a publicação da matéria que gerou o dano
adiram de modo a gerar o dever de ressarcir e todos podem ser requeridos em ação
que verse sobre a responsabilidade civil pelo evento, tanto o autor do escrito, o
jornalista, quanto o proprietário do veículo de divulgação34.
Ademais, embora haja os quatro elementos como compositores de uma
genérica responsabilização civil, a dada responsabilização sobre o profissional da
comunicação social passa por as peculiaridades geradas pela tênue película entre
a responsabilização e a censura antidemocrática expande a análise acerca deste
profissional liberal para além dos requisitos genéricos da responsabilidade civil
subjetiva, sobre o tema incidindo diversos diplomas normativos regulamentadores,
contudo estes dispuseram de forma diversa dos requisitos da responsabilidade civil

31 BARREIROS, Yvana Savedra de Andrade. Responsabilidade civil por danos causados pela impren-
sa. Raízes Jurídicas: Revista de Graduação e Especialização em Direito, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 525-
544, jul./dez. 2007. p. 532. Disponível em: http://ojs.up.com.br/index.php/raizesjuridicas/article/
view/191. Acesso em: 3 dez. 2020.
32 Ibid.
33 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 221. Segunda Seção. Julgado em: 12/05/1999.
DJ 26/05/1999.
34 Ibid.

78
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

expostos? Como a legislação encara o tema de modo a não se tornar inconstitucional?


Como se estabelece, em lei, a responsabilização civil do jornalista?

3 REGULAMENTAÇÃO LEGAL DOS JORNALISTAS E SUA


RESPONSABILIDADE

O constituinte de 1988, sedento por democracia e liberdade, garantias


não preservadas no regime anterior, deu ênfase à preservação das liberdades dos
cidadãos dos excessos estatais (direitos fundamentais de primeira dimensão)35. Neste
intuito cristalizando, enquanto cláusulas pétreas as liberdades de expressão (art. 5°,
IV, V, IX e XIV da Constituição Federal) e imprensa (art. 220 da Constituição
Federal)36. Desse modo, preserva-se a manifestação do pensamento, da criação, da
expressão e da informação, estando essa mensagem preservada sob qualquer forma,
processo ou veículo não devendo ser restritos37. Assim, a liberdade de expressão e
de imprensa, enquanto constitucional, apenas será restringida após observância de
outros direitos também constitucionais, notadamente por meio da ponderação com
os direitos da personalidade (art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV da Constituição Federal),
como exposto pela própria Constituição Federal no art. 220, §1º38. Entretanto, essa
restrição não pode existir por expressão do constituinte sob quaisquer formas de
censura de natureza política, ideológica e artística39.
Em 1967, durante o regime militar, regulou-se a profissão jornalística
através da Lei de Imprensa40 (Lei Federal n° 5.250/67), a qual expunha capítulo
próprio acerca da responsabilidade civil, qual seja o Capítulo VI do dispositivo.
Todavia, a lei foi declarada não recepcionada pela Constituição Federal de 1988

35 TEOPHILO, Maria Raphaella Burlamaqui. Liberdade de expressão e proteção dos direitos humanos
na internet: reflexos do discurso de ódio nas redes sociais e a ação #Humanizaredes. 78 f., il. Mono-
grafia (Bacharelado em Direito) – Universidade de Brasília. Brasília, 2015. p. 17.
36 Ibid. p. 18.
37 Art. 220, caput da Constituição Federal.
38 Art. 220. [...] § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liber-
dade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
39 Art. 220. [...] § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
40 BRASIL. Lei n° 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do pensa-
mento e de informação.

79
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009 através da ADPF 13041. Devido a
isso, esse capítulo da lei não é capaz de fundamentar nenhum recurso ou ação de
indenização, conforme já entendeu o STJ42.
Constando também do rol legislativo, têm-se o Decreto-lei Federal n°
972/196943, assim como o Decreto Federal nº 83.284/197944, os quais versam sobre
o exercício da profissão de jornalista, mas nada expressando sobre responsabilidade
civil.
Em Direito Internacional foram celebrados os “Princípios Internacionais
da Ética Profissional no Jornalismo”45, mas esses princípios não foram ratificados
pelo Brasil, não possuindo eficácia no ordenamento jurídico brasileiro, podendo,
entretanto, servir como diretriz ética.
Na legislação brasileira a regulamentação específica é escassa sobre
responsabilidade civil do jornalista, havendo apenas algumas disposições no Código
de Ética da profissão, as do Código Civil, as do Código de Defesa do Consumidor
e a Lei n° 13.188/201546, não havendo, porém, lei específica para este profissional.
O último diploma legislativo versa sobre o direito de resposta e possibilidade do
lesionado a dar redarguição ao conteúdo midiático danoso47. A resposta devendo
ser proporcional ao agravo sofrido, conforme o art. 5°, V da Constituição Federal,

41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF: 130 DF. Relator: Min. Carlos Brito. Data de Julga-
mento: 30/04/2009. Tribunal Pleno. Data de Publicação: DJe-208 DIVULG 05/11/2009 PUBLIC
06/11/2009.
42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag: 1421794 RJ 2011/0130842. Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti. Julgamento em 04/02/2014. T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe
14/02/2014.
43 BRASIL. Decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969. Dispõe sobre o exercício da profissão de
jornalista.
44 BRASIL. Decreto nº 83.284, de 13 de março de 1979. Dá nova regulamentação ao Decreto-Lei nº
972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista, em decorrência
das alterações introduzidas pela Lei nº 6.612, de 7 de dezembro de 1978.
45 IMPRENSA, Associação Brasileira de. Princípios Internacionais de Ética Profissional no Jornalismo.
Disponível em: http://www.abi.org.br/institucional/legislacao/principios-internacionais-da-etica-
-profissional-no-jornalismo/. Acesso em: 16 nov. 2020.
46 BRASIL. Lei nº 13.188, de 11 de novembro de 2015. Dispõe sobre o direito de resposta ou retifica-
ção do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.
47 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.
271.

80
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

mesmo assim advindo a reparação por danos morais e materiais, não alternativos
ao direito de resposta48.
De início, a própria Constituição Federal traz os primeiros parâmetros
da responsabilização, como contido no art. 220, §2°, diante da necessidade de
observância aos direitos da personalidade nela contidos. Nesse contexto havendo
a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas, sendo estes os direitos da personalidade, que quando violados geram o
dever de indenizar pelo dano material ou moral decorrente da lesão, art. 5°, X
da Constituição Federal, desde que se ultrapasse o “mero dissabor” para alcançar
afronte a direito fundamental49.
Entretanto, precisa-se haver sintonia entre direitos da personalidade e
liberdades de expressão, art. 5°, IV, V, IX e XIV da Constituição Federal, e imprensa,
art. 220 da Constituição Federal. Isto porque sem a convivência harmônica entre
ambos se prejudicaria tanto os direitos da personalidade ligados à dignidade da
pessoa humana como o direito de acesso à informação, art. 5º, XIV da Constituição
Federal, gerando-se prejuízo ao interesse social.
Quando se excede algum dos extremos, a ação judicial é medida que
se impõe para reequilibrar e reparar os danos, podendo essas ações, quando da
violação de direitos da personalidade, conforme o art. 12 do Código Civil50, passível
de ação ajuizada pelo ofendido ou pelo lesado indireto51. No caso do jornalista
que violou compor o polo passivo de ação proposta pelo(a) companheiro(a) do
lesionado, o Enunciado 275 da IV Jornada de Direito Civil52, ou por quaisquer
herdeiros legitimados, ulteriormente ao falecimento da vítima, provando, em todo
caso, nexo de causalidade, dano e culpa53.

48 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.
271.
49 MEDEIROS, Paula Raquel Dias de. Responsabilidade civil do comunicador social que causa dano a
terceiros no exercício da sua profissão. 18 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de
Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2017. p. 10.
50 BRASIL. Código Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
51 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2018. v. 1. p. 198.
52 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado nº 275 da IV Jornada de Direito Civil. Dispo-
nível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/220. Acesso em: 14 nov. 2020.
53 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2018. v. 1. p. 201.

81
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A ausência de norma específica criada para regular a responsabilidade


civil desse profissional peculiar, implica na direta aplicação da Constituição Federal,
do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor para estes casos. Partindo-
se do pressuposto de que o magistrado deve julgar mesmo diante da lacuna ou
obscuridade, conforme o art. 140 do Código de Processo Civil (CPC)54, ou seja,
toda demanda judicial deve ser julgada55, em virtude do princípio da inafastabilidade
da jurisdição56, há quem entenda que a ausência de norma específica aumenta a
participação dos tribunais para definir a aplicação da responsabilidade civil destes
professionais liberais, sendo ponto de realce do ativismo judicial57. De todo
modo, destes julgados sendo relevante a ratio decidendi, esta que será aplicável a
casos análogos58. Devido a aplicação de códigos não específicos ao caso concreto
do jornalista e da vinculação das razões de decidir dos julgados, a análise das
ponderações judiciais toma singular relevo, pois nos Tribunais se forma grande
parte da fronteira entre a liberdade e o excesso, diante dos casos concretos.
Em outro sentido, o Código de Defesa do Consumidor é claro quanto
a, em relações de consumo, se aplicarem aos profissionais liberais, nestes incluso o
jornalista, a responsabilidade civil subjetiva, conforme preceitua o art. 14, §4° do
códex59.
Outrossim, analisando o instituto reparatório diante do agente de
comunicação diversos direitos fundamentais podem colidir, notadamente os
direitos à liberdade de expressão e imprensa (arts. 5°, IV, V, IX e XIV e art. 220,
ambos da Constituição Federal) X direitos da personalidade e dignidade (arts. 5º,
IV, V, X, XIII e XIV e 1°, III, ambos da Constituição Federal), de modo a ser

54 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de
Processo Civil.
55 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 20. ed.
Salvador: JusPodivm, 2018. p. 194.
56 Art. 5° XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988.
57 MEDEIROS, Paula Raquel Dias de. Responsabilidade civil do comunicador social que causa dano a
terceiros no exercício da sua profissão. 18 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de
Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2017. p. 6.
58 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 20. ed.
Salvador: JusPodivm, 2018. p. 193-196.
59 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre
a proteção do consumidor e dá outras providências.

82
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

necessária a ponderação60. O conflito a necessidade de conformação sendo tamanha


que o constituinte determinou a reserva legal qualificada acerca do embate, de
modo a compatibilizar axiomas constitucionais, isto exposto no art. 220, § 1º da
Constituição Federal61.
Em uma sociedade fluida, na qual fake news se tornaram verdade e a
verossimilhança se verga à velocidade em detrimento de qualidade, retoma-se o
pensamento de Paulo Freire no sentido de que é necessário, aos jornalistas a reflexão
que os torne imersos na sociedade com compromisso verdadeiro com o destino
da população, da nação e dos indivíduos62, afinal, como expressa Hobbes scientia
potentia est (conhecimento é poder)63.
O compromisso mínimo seria para com o Código de Ética profissional
dos jornalistas64, que dispõe entre seus deveres a observância do direito à privacidade
dos cidadãos (art. 9° do Código de Ética), além da apuração de eventos para se
vincular a verdade dos fatos e sua correta divulgação (art. 7° do Código de Ética),
este último sendo dever tanto do jornalista como do meio de comunicação que
expõe a matéria (art. 2° do Código de Ética). Diversos outros deveres são elucidados
nos arts. 11 e 12 do Código de Ética65. Enfatize-se que primeiro o jornalista é

60 Acerca da ponderação de direitos fundamentais é interessante a abordagem em: DWORKIN,


Ronald. Levando os Direitos a Sério. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2010.
61 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.
208-209.
62 FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 13.
63 HOBBES, T. Leviatã. Tradução: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
64 IMPRENSA, Associação Brasileira de. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Disponível em:
http://www.abi.org.br/institucional/legislacao/codigo-de-etica-dos-jornalistas-brasileiros/. Acesso
em: 16 out. 2018.
65 Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações: I – visando o interesse pessoal ou buscando
vantagem econômica; II – de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos,
especialmente em cobertura de crimes e acidentes; III – obtidas de maneira inadequada, por exem-
plo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de
incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração; Art.
12. O jornalista deve: I – ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, an-
tes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura
jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas
ou verificadas; II – buscar provas que fundamentem as informações de interesse público; III – tratar
com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar; IV – informar claramente
à sociedade quando suas matérias tiverem caráter publicitário ou decorrerem de patrocínios ou pro-
moções; V – rejeitar alterações nas imagens captadas que deturpem a realidade, sempre informando

83
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

responsável pelas informações que divulga, salvo se houver alteração da redação por
outrem, da alteração sendo responsável aquele que a gerou (art. 8° do Código de
Ética); segundo, condutas contrárias ao Código de Ética podem vir a ser analisadas
por Comissão de Ética que pode punir com observação, advertência, suspensão e
exclusão do quadro social do sindicato, além da publicação da decisão da comissão
de ética em veículo de ampla circulação (art. 17 do Código de Ética), sem excluir a
responsabilidade indenizatória civil ou eventualmente penal decorrente do evento.
Destarte, observadas as normas contidas no Código Civil e Constituição
Federal, cabe ao Judiciário apreciar em concreto as causas de responsabilização
civil ou não do jornalista. Por isso faz-se fundamental estudar as razões de decidir
dos tribunais, nelas se encontrando os caminhos que serpenteia a fronteira entre
liberdade e abuso de direito e que demonstrarão em que casos caberá indenização
pelo gravame, sendo mister observar eventuais divergência de entendimentos.

4 ANÁLISE DO PANORAMA JURISPRUDENCIAL ACERCA DA


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO JORNALISTA

Os julgados abordados foram os mais notáveis dentre as seguintes


temáticas principais: a responsabilidade solidária ou não do jornalista com o
meio de comunicação de veiculou a notícia; a responsabilidade civil objetiva ou
subjetiva do jornalista; outros requisitos condicionantes do dever de indenizar; das
fronteiras entre liberdades de expressão e imprensa e abuso de direito, bem como
das ponderações mais notáveis destas liberdades com os direitos da personalidade,
de modo a conformá-los.

ao público o eventual uso de recursos de fotomontagem, edição de imagem, reconstituição de áudio


ou quaisquer outras manipulações; VI – promover a retificação das informações que se revelem falsas
ou inexatas e defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas em
matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi o responsável; VII – defender a soberania nacional
em seus aspectos político, econômico, social e cultural; VIII – preservar a língua e a cultura do Brasil,
respeitando a diversidade e as identidades culturais; IX – manter relações de respeito e solidariedade
no ambiente de trabalho; X – prestar solidariedade aos colegas que sofrem perseguição ou agressão em
consequência de sua atividade profissional.

84
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

4.1 A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU NÃO DO JORNALISTA


COM O MEIO DE COMUNICAÇÃO QUE VEICULOU A NOTÍCIA

Primeiramente, deve-se analisar sobre quem deverá recair a


responsabilidade em casos nos quais o jornalista que gerou o dano trabalha em
meio de comunicação, o último que veiculou a notícia danosa.
A não recepcionada Lei de Imprensa expunha que, caso a publicação
ocorresse em meio de comunicação, responderia pela reparação do dano a pessoa
natural ou jurídica que explorasse o meio de informação ou divulgação, podendo,
ulteriormente, ter direito a ação regressiva em face do jornalista (arts. 49, §2° e
50 da Lei de Imprensa)66. Contudo, desde 1991, antes da declaração dada pelo
STF na ADPF 130 de que a Lei de Imprensa não era recepcionada pela nova
ordem constitucional, o STJ entendeu que, a partir da interpretação sistemática do
art. 49, caput e § 2º da Lei de Imprensa67, associado à analogia com o art. 1.547
do então vigente Código Civil de 1916, poder-se-ia inferir que o ordenamento
jurídico brasileiro compreendia se tratar de responsabilidade solidária entre o meio
de comunicação e o jornalista68.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotando de forma consolidada
o posicionamento da responsabilidade solidária, segundo o qual o dano advindo
de publicação na imprensa gera responsabilidade solidária entre o jornalista que
produziu a notícia e o meio que a vinculou69, afinal ambos tiveram conduta com
culpa (em sentido amplo) e vinculada por nexo causal com o dano, ambos tendo,
portanto, legitimidade passiva70. A ratio decidendi da Súmula 221 do STJ não
devendo se limitar ao meio de comunicação tradicional, como jornais e revistas,

66 BRASIL. Lei n° 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do pensa-


mento e de informação.
67 Art. 49. Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação,
com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar [...] § 2º Se a
violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou
serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou
jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50).
68 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 14321 RS. Rel. Ministro Dias Trindade. T3 – Terceira
Turma. Julgado em 05/11/1991. DJ 02/12/1991.
69 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 221. Segunda seção. Julgado em: 12/05/1999.
Dje 26/05/1999. p. 68.
70 LIMA, Renata Murta de. A responsabilidade civil dos meios de comunicação: uma análise da juris-
prudência do STJ. 89 f. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza, 2013. p. 52.

85
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

sendo aplicável a solidariedade ao meio que vinculou a produção quer seja ele a
televisão ou sites e blogs71.

4.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA OU SUBJETIVA DO


JORNALISTA

A partir do conhecimento sobre quem recai a responsabilidade é


necessário saber como ela se dará, nesse intuito havendo o questionamento da
exigência ou não da culpa ou dolo, estes que determinação se a responsabilidade
será objetiva ou subjetiva.
A partir do art. 49, caput da não recepcionada Lei de Imprensa, se
compreende que se trataria de responsabilidade civil subjetiva para qualquer
comunicador social, pois naquele dispositivo havia expressa menção a dolo ou
culpa72. Todavia, quanto à responsabilidade civil da mídia que divulga a mensagem
e lucra sobre ela o art. 49, § 2º da Lei de Imprensa se expressa que, caso a notícia
geradora do dano seja exposta em imprensa responde a pessoa que explora o meio
de informação ou divulgação, não se exigindo expressamente, neste parágrafo, dolo
ou culpa, do que resulta entendimento de alguns de que a referida lei adota uma
responsabilização objetiva para a imprensa que vincula o gravame73. A partir disso,
existem alguns que continuam com a visão, mesmo após a não recepção da Lei
de Imprensa, de que a responsabilização civil é subjetiva para o jornalista e a da
imprensa é objetiva, a justificativa seria que a atividade da imprensa possui risco
inerente, qual seja o dano à direitos relacionados a dignidade e personalidade dos
indivíduos, diante disso, adotando ainda a Teoria do Risco, permanecendo uma
responsabilidade objetiva da imprensa74.
Contudo, atualmente se entende que tanto a responsabilidade civil do
jornalista quanto a do meio de comunicação são subjetivas, tendo em vista os
direitos à liberdade de imprensa e de expressão, além disso desta ser a regra para as
responsabilidades, não havendo quaisquer exceção expressa por lei vigente, válida e
eficaz, de modo que, para a configuração da responsabilidade não basta a divulgação

71 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1652588/SP. Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cue-
va. T3 – Terceira Turma. Julgado em 26/09/2017. DJe 02/10/2017.
72 ROSSI, Carolina Nabarro Munhoz; MELLO GUERRA, Alexandre Dartanhan de (coord); BE-
NACCHIO, Marcelo (coord). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura,
2015. p. 421.
73 Ibid.
74 Ibid. p. 418-424.

86
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

de informação falsa, mas a prova de que o veículo tivesse conhecimento de tal


fato, bem como a prova de que o próprio jornalista conhecia da inveracidade75.
Entretanto, como bem expresso no voto da Min. Nancy Andrighi a diligência a ser
exigida da imprensa não pode chegar ao ponto em que manifestações de terceiros,
principalmente em entrevistas, não podem ser veiculadas até a verificação plena de
toda manifestação do entrevistado76, expressando, portanto, outra tese de liberdade
que não é excesso.
Com isso, é da tônica do art. 186 do Código Civil de 2002 que os
elementos para que haja a responsabilidade civil, de regra, sejam: conduta ou ato
humano (ação ou omissão); a culpa do autor do dano, a relação de causalidade e
o dano experimentado pela vítima77. Por conseguinte, é regra a responsabilidade
civil subjetiva, aplicável a objetiva apenas em casos que a lei assim expressa,
a responsabilidade civil objetiva é a exceção, somente usada quando a lei
expressamente a impõe, de regra não havendo dever de indenizar sem dolo, culpa
ou abuso de direito, os jornalistas e os veículos de comunicação estando sob a regra
da subjetividade necessária para a responsabilização, exigindo da vítima a prova da
culpa ou dolo78. Este foi o entendimento cristalizado pelo próprio legislador, que,
no âmbito das relações de consumo, estabelece no art. 14, §4° do Código de Defesa
do Consumidor que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, nestes
inclusos o jornalista, observará a culpa em sentido amplo.

75 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1324568/RJ. Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
Terceira Turma, julgado em 27/04/2017, DJe 22/05/2017. Desse modo também expôs: ANDRIO-
TTI, Caroline Dias. A responsabilidade civil das empresas jornalísticas. In: SCHREIBER, Anderson.
Direito e mídia. São Paulo: Atlas, 2013. p. 336. Assim também compreende: CAMARGOS, Pedro
Henrique Freire. A responsabilidade civil da mídia pela pré-condenação do sujeito noticiado: o caso do
suposto estupro na festa de réveillon. 79 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito)
– Universidade de Brasília. Brasília, 2017. p. 35.
76 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1324568/RJ. Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cue-
va, Terceira Turma, julgado em 27/04/2017, DJe 22/05/2017.
77 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 884.009/RJ. Rel. Ministra Nancy Andrighi. T3 – Ter-
ceira Turma. Julgado em 10/05/2011. DJe 24/05/2011.
78 Ibid.

87
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

4.3 OUTROS REQUISITOS CONDICIONANTES DO DEVER DE


INDENIZAR

Outrossim, quando se fala de danos causados por atividades jornalísticas


se está a falar, via de regra, em ofensas de longo alcance e profundo dano, dada a
quantidade de matérias que tem acesso à publicação, o dano se expandindo ainda
mais se advém de veículo de grande circulação ou se a seção, setor, caderneta ou tag
na qual a publicação foi veiculada é específica da área de atuação da vítima79. Por
exemplo, publicação em Instagram de jornal muito visualizado que na tag culinária
classifica restaurante “x” como nojento, insalubre, cheio de ratos e péssimo, vindo
o referido restaurante, que tem todos os comprovantes da vigilância sanitária e
excelente comida a falir uma semana depois.
Além da prova de que o jornalista e a imprensa sabiam da inveracidade,
ou da nítida falta de verossimilhança, tem-se conformado que também pode-se
aferir uma nítida intenção do jornalista de denegrir a personalidade de alguém
(imagem, honra, vida privada, etc.) isto sendo compreendido como ensejo para
gerar-se o dever de reparar, pelo dolo do comunicador80. Nestes casos o agente da
comunicação apropriado de sua liberdade a excede no afã de pejorar outrem, isso
de forma nítida, o que expõe o dolo do comunicador e gera o dever sucessivo de
indenizar81.

4.4 DAS FRONTEIRAS ENTRE LIBERDADES DE EXPRESSÃO E


IMPRENSA E ABUSO DE DIREITO

Além disso, também se configura a responsabilidade civil por danos


morais, sem prejuízo da penal, quando se evidencia o intuito de realizar injúria,
difamação ou calúnia por meio midiático82. O dever de informar, que abarca, via de
regra, a excludente do regular exercício do direito de imprensa, contida no art. 188,

79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 884.009/RJ. Rel. Ministra Nancy Andrighi. T3 - Ter-
ceira Turma. Julgado em 10/05/2011. DJe 24/05/2011.
80 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Proc. nº 0628953-80.2000.8.06.0001. Rel. Juíza
Maria Vilauba Fausto Lopes. 4ª Turma Cível. Julgado em 08/11/2017. DJE: 23/09/2013.
81 MEDEIROS, Paula Raquel Dias de. Responsabilidade civil do comunicador social que causa dano a
terceiros no exercício da sua profissão. 18 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de
Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2017. p. 12.
82 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1652588/SP. Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cue-
va. T3 – Terceira Turma. Julgado em 26/09/2017. DJe 02/10/2017.

88
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

I do Código Civil, é excedido quando de ofensas desnecessárias e sensacionalistas


que geram também crimes contra a honra contidos no Código Penal83.
Nesse diapasão existe o direito à crítica e à opinião que são derivados da
liberdade de imprensa; contudo, enquanto direitos constitucionais fundamentais,
quando em colisão com outros do mesmo patamar, como os direitos da personalidade
dos noticiados, devem se compatibilizar, através da ponderação84. Notadamente a
crítica não é capaz de convalidar informações danosas veiculadas com atos como
xingamentos, sendo dano ainda maior quando sua vítima for político e afete sua
imagem, necessária perante a sociedade, com palavras de tamanha descompostura85.
Sobre o tema das pessoas públicas e notórias, é relevante dizer que
estas não perdem os direitos da personalidade, de ordem pública e fundamentais
(indisponíveis e imprescritíveis) independente do cargo, embora certas atribuições,
como de políticos, estejam mais expostas a críticas por serem pessoas públicas. Não
obstante, as críticas encontram limites de modo que não redundem em abuso de
direito, sendo os limites o respeito à honra, à imagem e à vida privada do criticado86.
Continuando a tratar sobre liberdade de imprensa e direito à crítica, este
tem relevo e peso democráticos suficientes para serem oponíveis a pessoas públicas,
como denotou o Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento histórico87. Desse
modo, o STF entende que o jornalista não deve ser responsabilizado civilmente,
qualquer que seja o meio pelo qual se divulgou a matéria, por observações irônicas
ou críticas severas já que a liberdade de crítica é excludente que afasta o dolo da
ofensa, mais relevante ainda se o alvo da crítica por pessoa pública88. Isso porque
para o STF a crítica é elemento indissociável da liberdade de imprensa e a análise
jornalística, principalmente de pessoas públicas como política, não periclita os
direitos da personalidade89.

83 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1652588/SP. Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cue-
va. T3 – Terceira Turma. Julgado em 26/09/2017. DJe 02/10/2017.
84 Ibid.
85 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1328914/DF. Rel. Ministra Nancy Andrighi. T3 –
Terceira Turma. Julgado em 11/03/2014. DJe 24/03/2014.
86 Ibid.
87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 705630 AgR. Rel. Min. Celso De Mello. T2 – Segunda
Turma. Julgado em 22/03/2011. DJe-065 DIVULG 05-04-2011 PUBLIC 06-04-2011.
88 Ibid.
89 Ibid.

89
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Diante disso as liberdades de imprensa e expressão devem se


conformar aos direitos da personalidade de modo a garantir a compatibilização
do ordenamento jurídico sem ignorar axiomas constitucionais. Desse modo
o Judiciário vem interpretando que primeiro se observa a intenção nítida ou
comprovada de periclitar ou afetar a vítima, ou observando o conhecimento, por
parte do agente da comunicação, da inveracidade dos fatos, nestes casos devendo
haver a responsabilização, de outro modo, caso haja apenas crítica, mesmo que
severa e irônica, sem xingamentos, não se ultrapassa a liberdade de imprensa e não
há responsabilização, principalmente se o alvo for pessoa pública.

5 CONCLUSÃO

A liberdade de expressão e imprensa são direitos fundamentais de


relevância singular, condicionantes da existência da democracia e direitos da
primeira dimensão por excelência, e seu alcance e sua proteção devem ser amplos
e profundos. No entanto, nenhum direito é absoluto90, de modo que até mesmo
as liberdades tem de conviver com outros direitos, não se podendo exceder sob
pena de violação a conteúdos mínimos desses direitos que devem ser efetivamente
concretizados na ordem jurídica.
Nesse contexto, os jornalistas, profissionais liberais que exercem com
primazia estas liberdades, têm esse direito/dever com a democracia e com a
sociedade, que é o direito/dever de informar. A informação deve ser prestada de
modo a não ultrapassar a esfera constitucional e legal que avaliza essa liberdade, de
sorte que, ultrapassada, configura abuso de direito passível de punição. Diante de
eventual abuso surge responsabilização do jornalista caracterizada pelos elementos
de uma responsabilidade civil subjetiva, exigindo, portanto, conduta humana,
culpa do violador (lato sensu), nexo de causalidade e o dano.
Responsabilização esta encontrada tanto na Constituição Federal, quanto
no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, o dano infringido atinge profundamente os direitos da
personalidade da vítima, dada a transmissão do meio empregado. Diante da colisão
destes direitos fundamentais, a ser demonstrada no caso concreto, é necessária a
observação de análise da ratio decidendi de julgados para compreender como os

90 Exceto, para Norberto Bobbio, os direitos de não ser torturado ou escravizado, sobre o tema Cf.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.

90
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Tribunais têm conformado esses direitos, notadamente acerca das ponderações


expostas.
Nesta interpretação jurisprudencial que se encontra nos tribunais
superiores, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, por meio dos
seus posicionamentos, coloca como fronteiras ao campo da liberdade de expressão
e imprensa os direitos da personalidade, sua violação, desde que com culpa ou
dolo, gerando o sucessivo dever de indenizar. O Supremo Tribunal Federal tem
sido peculiar em entender que os direitos da personalidade delimitam a fronteira
das liberdades de expressão e imprensa.
Portanto, estas liberdades são imprescindíveis de tal modo que a
responsabilização civil do jornalista é exceção, quando evidentes os elementos para
isso. De modo que a liberdade do jornalista, no Estado Democrático, exige, para
constituir abuso de direito, a intenção ofensiva direta, que excede a crítica e que
gera, como decorrência da violação a direitos da personalidade, o dever de reparar
o dano.

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96
05 Engenheiro Civil

Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson


Alan Garcia de Medeiros Souza

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil é um instituto que tem sua existência intimamente


relacionada com o débito, isto é, o não cumprimento de uma obrigação pactuada
entre duas ou mais pessoas. Em um panorama geral, a não realização da avença da
maneira que foi estipulada seja forma parcial ou integral surge, como resultado ou
contrapartida, a responsabilidade, que é o meio idôneo de compensar a parte lesada
pelo inadimplemento.
Busca-se delimitar para o âmbito profissional o estudo desse instituto no
que diz respeito à ocupação do engenheiro civil, respeitável labor responsável pela
construção, manutenção, inspeção e inúmeras outras utilidades no que diz respeito
ao campo da construção de imóveis e infraestrutura.
No entanto, há diversas nuances que muitas vezes são obscuras ao
público-alvo dessa classe trabalhadora e, até mesmo, ao próprio indivíduo que
exerce a profissão. Quais são as condutas que devem ser adotadas para que ajam
nos conformes da lei? Em quais situações podem ser responsabilizados por um
erro existente em uma obra? Consequentemente se faz necessária a análise do
entendimento jurisprudencial, bem como da regulação feita pela legislação
correspondente: Código Civil, Código de Defeso do Consumidor, Constituição
Federal e outras codificações específicas da classe, as quais serão apresentadas mais
detalhadamente no decorrer do trabalho.
Mais especificamente, o presente trabalho busca explicar como ocorre a
responsabilidade do profissional engenheiro civil em relação a um fato conflituoso

97
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

com o sistema jurídico, no que diz respeito ao exercício laboral. Por outras palavras,
como o engenheiro civil irá responder a determinado fato que apresente uma ligação
de nexo causal com sua conduta: será objetiva (prescindo da análise de culpa ou
dolo), solidária com outro engenheiro ou com a empresa onde trabalha, subjetiva
(necessita da averiguação da culpa ou dolo) ou subsidiária? Esse é o primordial que
norteia o estudo. Em suma, qual o tipo de responsabilidade do engenheiro civil
decorrentes das obrigações geradas pelo exercício de seu trabalho.
Para isso, metodologicamente, será adotada uma pesquisa de natureza
aplicada, de análise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-
dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa
bibliográfica, onde se visita a legislação, a doutrina e a jurisprudência.
Quanto a estruturação do presente ensaio dar-se-á da seguinte maneira:
primeiramente, será abordado um apanhado geral da responsabilidade civil,
conceituando os elementos constitutivo e inerentes a ela, bem como, baseando-
se na doutrina civilista, as espécies de responsabilidade. Assim, apenas com nessa
noção introdutória do que venha ser esse o instituto será possível absorver com
mais eficácia a razão do trabalho.
Em prosseguimento, haverá um diagnóstico da legislação específica da
profissão do engenheiro civil com base nos órgãos de regulação profissional (CREA e
CONFEA). Além disso, é nesse ponto que são examinadas as peculiaridades no que
corresponde à forma como será responsabilizado o engenheiro por determinando
fato. Ou seja, é o tópico que apresenta o desígnio essencial do trabalho.
Por fim, serão apreciadas jurisprudências deferidas por Cortes
jurisdicionais que estabilizam o entendimento do artigo. Através disso, torna-se
compreensível, embora o imprevisível mundo das relações pessoais, a ocorrência
prática do que foi abordado na parte teórica, assim como determinadas situações
estão sendo interpretadas pelo Poder Judiciário nacional.

2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

As relações intersubjetivas são fenômenos com inúmeras conformações,


gerando eventuais conflitos e danos entre os integrantes do corpo social. Sob essa
ótica, a responsabilidade civil não seria um dispositivo obrigacional, ou seja, uma
norma que rege as interações da sociedade em tempo integral, como a que prevê a

98
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

condenação por homicídio, prevista no art. 121 do Código Penal1. Mas sim, um
dever jurídico secundário ou sucessivo, que atua como resultado do descumprimento
de um dever primário ou originário2.
Seguindo essa linha de raciocínio, têm-se as palavras do saudoso Sílvio
de Salvo Venosa, o qual afirma que a responsabilidade é um termo utilizado para
qualquer situação cotidiana na qual uma pessoa, seja ela jurídica ou natural, tem
a obrigação de arcar com as consequências de um ato por ela praticado. Diante
disso, em certas situações há o dever de indenizar. Finalmente, a responsabilidade
civil é o estudo e análise de um conjunto de normas e princípios que norteia os
procedimentos adequados da obrigação de indenizar3.
Como bem assevera Flávio Tartuce4, tal instituto surge com o
descumprimento obrigacional, inobservância de uma regra contratual estabelecida
ou por certa pessoa ser omissa quanto a um preceito normativo regulador de
convivência social. Ainda, é um campo de estudo da reparação/prevenção de danos,
sendo seu objeto primário a compensação5.
O ponto de partida para a geração da responsabilidade civil é um ato
ilícito. Abordado pelo Código Civil (art. 186), considera-se assim o ato de ação ou
omissão (a não ação) voluntária, que causa dano ou prejuízo. Vale ressaltar que não
é suficiente a acepção de dano no sentido material (v.g., um acidente de carro em
que há deterioração do automóvel).
O respectivo dispositivo jurídico abrange também os danos morais,
que corresponde aos prejuízos causados à personalidade (honra, imagem social,
liberdade, identidade cultural etc.).
Em outras palavras, cria-se uma regra universal de que todo indivíduo
que cause danos (patrimoniais ou extrapatrimoniais) a alguém fica obrigado a

1 Código Penal. Art. 121. Matar alguém. Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
2 MENEZES, J. B; ALVES COELHO, J. M; BUGARIM, M. C. C. A expansão da responsabi-
lidade civil na sociedade de riscos. Scientia Iuris, Londrina, v. 15, n. 1, p. 29-50, jun. 2011. ISSN
1415-6490.
3 Cf. VENOSA, S. S; Código Civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 49-51.
4 TARTUCE, F. Direito cvil: Direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. v. 2. p. 426-427.
5 FARIAS, C. C; FIGUEIREDO, L; JÚNIOR, M. E; DIAS, W. I. Código Civil para concursos. 5.
ed. Salvado: JusPodivm, 2017. p. 789.

99
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

repará-los6. Por outro lado, o exaurimento da responsabilidade se dá por meio


da indenização, ou seja, o cumprimento de determinados débitos decorridas do
prejuízo causado7.
Importante salientar que o há uma forte relação entre débito e
responsabilidade. Aquele é o primeiro a surgir no seio de uma obrigação pactuada.
Esta, no entanto, nasce quando a dívida não é paga, ou seja, quando o devedor se
torna inadimplente. Portanto, o débito não pode ser considerado de forma isolada
em uma relação obrigacional, sendo que a responsabilidade é outra parte que
garante o seu cumprimento8.
É preciso salientar, ainda de início, que a responsabilidade civil existe
de forma independente da criminal e administrativa, sendo autônoma e sem a
possibilidade de confusão entre elas9.
A título de esclarecimento, é importante apresentar como exemplo a
hipótese que o ofendido – assim como seu representante ou herdeiros – não necessita
aguardar a finalização de uma ação penal que possa demandar a reparação de danos
no juízo cível. Isso porque, mesmo que não seja concedido o título executivo como
efeito da condenação penal (art. 91, I do Código Penal), pela a regra da autonomia
das esferas civil e penal, é permitida o ajuizamento da ação civil ex delicto.
Nesse raciocínio, explicita Cleber Masson: “O ofendido, seu representante
legal ou herdeiros não precisam aguardar o final da ação penal para postular, no
juízo cível, a reparação do dano. Mas, sem o título executivo, deverá ser ajuizada a
ação civil ex delicto [...]”10.
Além da prática do ato ilícito, em regra é necessária a comprovação da culpa
do responsável por determinada ação/omissão. A conduta (positiva ou negativa),
como elemento constitutivo da responsabilidade, é tida como dolosa quando uma
certa prática acontece por ação ou omissão visando uma finalidade específica (culpa
lato sensu), ou quando em decorrência de imprudência, negligência e imperícia

6 ZAMQUIM JUNIOR, J. W; MATUISKI, C. E. F; CHAGAS, L. Responsabilidade civil do enge-


nheiro civil. Revista Matiz Online, p. 1-20. ISSN 1981-3694.
7 MEIRELLES, H. L; FILHO, J. E. B. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2016. p. 779.
8 VENOSA, S. S. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. ed. São
Paulo: Atlas, 2013. p. 20.
9 Ibid. p. 779.
10 MASSON, C. Direito penal: parte geral. 13. ed. São Paulo: Método, 2019. v. 1. p. 1109.

100
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

(culpa stricto sensu). Note-se que ambas as espécies são dotadas de voluntariedade.
No entanto, na primeira há voluntariedade no sentido de querer alcançar uma
pretensão já premeditada. Na segunda, a voluntariedade se limita à conduta em si11.
Com isso, o a peça central do entendimento da conduta humana é a
voluntariedade, que advém da liberdade de escolha do sujeito que seja imputável,
ou seja, aquele que tenha a plena consciência daquilo que esteja fazendo. Como
dedução lógica disso, é inequívoco afirmar que não havendo uma ação volitiva
por parte do agente, não há, portanto, ação humana e, por consequência, não há
responsabilidade civil12.
Fazendo papel de interligação entre a culpa e o ato é necessário o nexo
de causalidade. Há algumas teorias que buscam explicar a relação conduta-dano,
considerando fatos antecedentes que possam ser levados em conta para determinar
(ou não) a responsabilidade do agente causador do prejuízo. Jurisprudencialmente
e doutrinariamente prevalece o entendimento de que a teoria da causalidade
adequada é a mais acertada. É ela, inclusive, que foi acolhida para a esfera civil13.
Para esta teoria é preciso considerar a efetiva aptidão da ação em causar
o dano. Ou seja, havendo diversas conjunturas que concorreram em um caso
concreto, aquela que será determinada para configurar o nexo de causalidade será
aquela que decisivamente interferiu para que o dano acontecesse14. Ademais, como
aponta Stolze e Pamplona, o termo “adequada”, significa alegar que é preciso que a
causa, de forma abstrata e provável, seja apta a efetivar o resultado15.
É através desse liame que se torna possível a identificação da relação
entre as causas da ação praticada e as consequências geradas. Por meio do nexo de
causalidade, decorre dois tipos de responsabilidade civil: a subjetiva e a objetiva.
A responsabilidade objetiva está intimamente relacionada com a teoria
do risco. A utilização do termo “risco” significa um potencial evento danoso,

11 GAGLIANO, P. S; PAMPLONA, F. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 206.
12 Cf. GAGLIANO, P. S; PAMPLONA, R. Novo curso de direito civil: obrigações. 20. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019. v. 2. p. 310.
13 Cf. CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 52.
14 Ibid. p. 52.
15 Cf. GAGLIANO, P. S; PAMPLONA, R. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 17. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2019. v. 3. p. 105.

101
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

uma previsibilidade de prejuízo. Assim, por exemplo, é tratada a teoria do risco


administrativo que, devido ao poder político, jurídico e econômico, o Estado
deve arcar com um risco maior decorrentes de suas atividades perante a seus
administrados16. Assim também se posiciona a doutrinadora Di Pietro17 ao afirmar
que a essa teoria parte do pressuposto de que o exercício dos atos estatais envolve
um risco de dano inerentes a eles.
A jurisprudência do STF segue essa linha de raciocínio. Sob fundamento
no art. 37, §6º da Constituição Federal, está cristalizada a tese no Recurso
Extraordinário nº 842.846, a qual o Estado responde objetivamente pelos “[...]
atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem
danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de
dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”18.
Conforme essa teoria, o prejuízo causado a outrem é atribuído
integralmente ao autor, independentemente de ser comprovada culpa ou não, já
que a atividade desenvolvida pelo mesmo decorre de uma natureza de perigo e risco
para os outros indivíduos. O art. 927 do Código Civil, em seu parágrafo único,
abrange tais situações: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implica, por sua natureza, riscos para os direitos
de outrem”.
Os atos ilícitos são tratados pelo artigo 186 do Código Civil19, isto é,
realizar uma ação, ou não, de forma intencional, descuido ou irreflexão, desde
que cause alguma espécie de perda a outrem, terá praticado um ato ilícito, sendo
obrigado a reparar o dano causado, em conformidade com o artigo 927 do Código
Civil. É o caso em que não depende da averiguação da existência da culpa. O §6º,
do art. 37 da Constituição Federal regulamenta a responsabilidade objetiva, espécie
extracontratual, na qual a Administração deve ressarcir os danos causados à terceiros

16 Cf. CARVALHO, M. Manual de direito administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p.345.
17 Cf. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1409.
18 STF, Pleno, RE nº 842.846, Ministro Relator Luiz Fux, julgado em 27/02/2019, DJe em
13/08/2019.
19 Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

102
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

ocasionados pelos agentes públicos, quando no exercício de suas funções20. É ainda


ratificado pelo art. 43 do Código Civil21.
Portanto, prescinde a avalição da culpa ou dolo do agente, englobando
tanto as pessoas jurídicas de direito público interno como também as de direito
privado prestadores de serviços públicos, que pelo fato de possuírem personalidade
jurídica e estarem, de forma delegada, responsáveis pelo serviço não serão isentas de
responsabilização. Sendo assim, provado o nexo causal entre o comportamento e o
dano provocado, haverá o surgimento do dever de ressarcimento22.
Enquanto a teoria do risco consiste no embasamento jurídico para a
responsabilidade objetiva, a responsabilidade subjetiva é amparada pela teoria da
culpa. Possui como base teórica a existência da culpa, caso não haja, não existe
responsabilidade.
O indivíduo que é culpado (ausência de cuidado objetivamente exigido),
por ato ilícito é assim taxado porque atuou de forma que não deveria ter agido, foi
negligente naquilo que deveria ter sido ponderado ou imperito quando necessitava
de uma certa habilidade. Por outras palavras, o autor da ilicitude sempre age de
forma adversa ao comportamento esperado23.
Entretanto, conforme o art. 188 do Código Civil é possível determinar
algumas ocasiões nas quais existe a exclusão do ato ilícito: a legítima defesa, o
exercício regular de direito, destruição de bens alheios e lesão a pessoa em ocasiões
que visam a remoção ou término de uma situação de perigo, com o aditivo de não
superar os limites da tal necessidade, ou seja, o estado de necessidade.
Por fim, resta explanar acerca do dano, outro elemento da responsabilidade
civil. É requisito de independentemente da espécie de responsabilidade que esteja
em apreciação (contratual, extracontratual, objetiva ou subjetiva). Como assevera
Sérgio Cavalieri Filho: “Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode

20 Constituição Federal. Art. 37, §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem
a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
21 Código Civil. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis
por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
22 MELLO, C. A. B. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 166.
23 SOARES, D. V. A Responsabilidade civil e o meio ambiente. Revista Eletrônica do Curso de Di-
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103
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

haver responsabilidade sem dano”24. Remete ao art. 927 do Código Civil e conclui
que não basta apenas o ato ilícito, é preciso também a existência da lesão para que
surja a obrigação de reparação. O autor ainda cita um exemplo para corroborar a
ideia de que sem esse elemento não haverá reparação, mesmo que a conduta tenha
sido culposa ou até mesmo dolosa:

Se o motorista, apesar de ter avançado o sinal, não atropela


ninguém, nem bate em outro veículo; se o prédio desmorona
por falta de conservação pelo proprietário, mas não atinge ne-
nhuma pessoa ou outros bens, não haverá o que indenizar25.

Destarte, conceitua-se o dano como sendo a subtração ou diminuição de


um bem jurídico, não importando a natureza deste, tanto o patrimonial quanto o
moral. Ou melhor, é uma lesão a um interesse jurídico, seja patrimonial ou não,
causado por um terceiro que agiu por ação ou omissão26.
A responsabilidade civil visa a harmonização da sociedade através da
reparação do dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, visando restabelecer o
estado anterior ao ato prejudicial. No entanto, nem todo ato danoso irá gerar uma
responsabilidade civil.
Por isso é importante a verificação do nexo de causalidade para tomar
ciência da intenção e das variáveis que determinaram a ocorrência do fato,
sendo assim possível declarar a culpa, ou não, do indivíduo e assim determinar a
responsabilização (ou não) do mesmo.

3 REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE


ENGENHEIRO CIVIL E POSSIBILIDADES DE RESPONSABILIZAÇÃO
CIVIL

É por meio da profissão de engenheiro civil que passam as diversas etapas


de uma obra. Análise, execução, fiscalização, acompanhamento entre outras formas
de participação em uma construção são de responsabilidade do engenheiro.

24 Cf. CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 76-77.
25 Ibid. p. 76-77.
26 GAGLIANO, P. S; PAMPLONA, F. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 88.

104
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Este, que tem a possibilidade de atuar de forma liberal no mercado de


trabalho, possui certa autonomia para exercer suas competências de diferentes
formas. É tido como essa modalidade profissional porque exerce um trabalho
regulamentado, dotado de conhecimentos técnicos-científicos comprovados por
certificação (diploma de ensino superior na modalidade bacharelado). Além disso,
apesar de ser possível existir uma relação de subordinação com outro indivíduo, sua
independência metodológica não é comprometida27.
No entanto, é importante ratificar que por se tratar de uma atividade que
envolve riscos de acidentes a existência da regulamentação é de suma importância
para estabelecer regras e procedimentos que devem ser seguidos para garantir a
maior segurança possível tanto para os profissionais quanto para terceiros.
O órgão central de inspeção e regulamentação da profissão de
engenheiro civil é a Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e
o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). Esses, como entidades
regulamentadoras de tais profissões, impõem medidas que devem ser seguidas ou,
caso contrário, os membros poderão ser punidos, conforme o art. 71 da Lei Federal
nº 5.194/66 (regulamenta a profissão de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-
Agrônomo) que prescreve as hipóteses de infração e punição por esses profissionais28.
No art. 7º, da lei supracitada, são especificadas algumas das atribuições
do engenheiro, entre elas estão: “estudos, projetos, análises, avaliações, vistorias,
perícias, pareceres e divulgação técnica”29. É importante destacar que toda
construção necessita da participação de um profissional engenheiro e arquiteto
para o acompanhamento do processo, com a finalidade de garantir a segurança do
empreendimento.

27 BODIN DE MORAES, Maria Celina; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Anotações sobre a res-
ponsabilidade civil do profissional liberal. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 4, n. 2, 2015. Disponível
em: http://civilistica.com/anotacoes-sobre-a-responsabilidade-civil-do-profissional-liberal/. Acesso
em: 20 nov. 2019. p. 7; ZAMQUIM JUNIOR, J. W; MATUISKI, C. E. F; CHAGAS, L. Responsa-
bilidade civil do engenheiro civil. Revista Matiz Online, p. 1-20. ISSN 1981-3694
28 Lei nº 5.194/66. Art. 71. As penalidades aplicáveis por infração da presente lei são as seguintes, de
acordo com a gravidade da falta: a) advertência reservada; b) censura pública; c) multa; d) suspensão
temporária do exercício profissional; e) cancelamento definitivo do registro. Parágrafo único. As pe-
nalidades para cada grupo profissional serão impostas pelas respectivas Câmaras Especializadas ou, na
falta destas, pelos Conselhos Regionais.
29 Art. 7º. As atividades e atribuições profissionais do engenheiro, do arquiteto e do engenheiro-agrô-
nomo consistem em [...].

105
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

É a partir desse momento que esse profissional passa a ser sujeito de direitos
e deveres, sendo abrangido tanto pelo regimento dos órgãos regulamentadores
de sua profissão, quanto por outros diplomas normativos, como a Constituição
Federal, Código Civil (Lei Federal nº 10.406/2002), Lei Federal nº 6.496/1977 e
o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990), que prescrevem
a responsabilidade de reparação em casos de danos e prejuízos a quem requisitou a
obra, bem como em relação a terceiros.
É preciso elencar o documento fundamental que vincula o engenheiro
à obra na qual ele está empregado: Anotação de Responsabilidade Técnica ou
conhecido como “ART”, prevista na Lei Federal nº 6.496/1977.
O “ART” é a especificação dos responsáveis técnicos pelo empreendimento
de engenharia, o qual deve constar no contrato de prestação de serviço30.
No art. 1º da lei supra, prescreve a imprescindibilidade da Anotação de
Responsabilidade Técnica em todo contrato, verbal ou escrito, que fundamenta
qualquer prestação de serviço referente à profissão de engenheiro civil31. Caso
apresente-se ausente o “ART” nesses contratos, a mesma lei prevê multa ao
profissional ou à empresa responsável pela obra32.
É necessário mencionar os casos em que o engenheiro pode ser
responsabilizado civilmente, com a obrigação de reparar ou indenizar um dano/
prejuízo causado. Portanto, a responsabilidade civil do profissional será digna de
algumas especificidades que serão esclarecidas a seguir.

3.1 DETALHES QUANTO A RESPONSABILIDADE CIVIL DO


ENGENHEIRO

Como já definido acima, o engenheiro é, em regra, um profissional liberal.


Logo, dotado de independência técnica e livre no que diz respeito ao exercício de
sua carreira laboral, executa seus trabalhos pessoalmente a determinadas pessoas –

30 Lei nº 6.496/1977. Art 2º. A ART define para os efeitos legais os responsáveis técnicos pelo em-
preendimento de engenharia, arquitetura e agronomia.
31 Lei nº 6.496/1977. Art. 1º. Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação
de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à
‘Anotação de Responsabilidade Técnica’ (ART).
32 Lei nº 6.496/1977. Art. 3º. A falta da ART sujeitará o profissional ou a empresa à multa prevista na
alínea ‘a’ do Art. 73 da Lei nº5.194, de 24 DEZ 1966, e demais cominações legais.

106
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

intuitu personae – e, como comumente acontece, com base na confiança recíproca


entre engenheiro-cliente33.
Portanto, como executores de uma atividade liberal, esses trabalhadores,
contratados (na maioria dos casos) através de serviços negociados não se submetem
à mesma responsabilidade atribuída para os prestadores de serviços em massa, como
as grandes corporações empresariais. Isso quer dizer que não respondem, em regra,
objetivamente aos prejuízos causados pela prestação de seus serviços34, de sorte que
os profissionais liberais ficam excluídos da prescrição do art. 927, parágrafo único
do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), cau-
sar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único.
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Aqui, recaem na disposição do art. 14, §4º da Lei nº 8.078 de 1990


(Código de Defeso do Consumidor), o qual define: “A responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, visto o vínculo
intuitu personae.
Significar afirmar que, de início, o engenheiro civil, como profissional
liberal, submete-se ao regime de responsabilidade subjetiva, sendo imprescindível
a verificação da culpa ou dolo pelos danos/prejuízos causados pela sua conduta
(comissiva ou omissão).
Visto está diante de uma responsabilidade legal, a qual se caracteriza
por ser de ordem pública, não é possível renunciar transacionar de acordo com a
vontade das partes. Isso significa não existe forma de negociar possíveis soluções
para o caso ocorrido. As perdas ocasionadas devem obrigatoriamente ser arcadas
pelo profissional responsável pela obra, restabelecendo o estado das coisas anterior
ao fato.

33 Cf. CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.
540.
34 Ibid. p. 540.

107
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Destaca-se que a responsabilidade legal não é necessariamente apenas do


engenheiro, sendo também do proprietário da obra e ainda do construtor licenciado,35
situação denominada de responsabilidade solidária, na qual o prejudicado pode
recorrer a qualquer um deles para o pagamento da dívida/prejuízo.

3.1.1 Responsabilidade do engenheiro civil face uma obrigação de resultado

Como dito, em um primeiro momento, a responsabilidade do engenheiro


civil, em face de ser um profissional liberal, seria de natureza subjetiva, nos termos
art. 14, §4º do Código de Defeso do Consumidor.
De sorte, que sendo o engenheiro civil contratado para a execução de
um projeto cujo fim é a entrega de uma obra (v.g., um prédio de 4 andares) e,
sucedendo-se, posteriormente, a ruína do mesmo, tendo em vista tratar-se de uma
obrigação de resultado, a responsabilidade do profissional liberal, engenheiro civil,
passa a ser de natureza objetiva, conforme entendimento uníssono da doutrina e
jurisprudência36.
O caso pode ser explicado logicamente de forma a permitir a harmonização
no seio do sistema jurídico com a adoção da teoria do diálogo das fontes37 que

35 ZAMQUIM JUNIOR, J. W; MATUISKI, C. E. F; CHAGAS, L. Responsabilidade civil do enge-


nheiro civil. Revista Matiz Online, p. 1-20. ISSN 1981-3694.
36 “[...] obrigação de resultado ou de fim, a prestação só é cumprida com a obtenção de um resul-
tado, geralmente oferecido pelo devedor previamente. Aqueles que assumem obrigação de resultado
respondem independentemente de culpa (responsabilidade civil objetiva) ou por culpa presumida,
conforme já entendiam doutrina e jurisprudência muito antes da entrada em vigor do Código Civil
de 2002. Assumem obrigação de resultado o transportador, o médico cirurgião plástico estético e o
dentista estético”. TARTUCE, F. Direito civil: direitos das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed.
Rio de Janeiro, 2017. v. 2. p. 133.
37 “[...]. É o chamado “diálogo das fontes” (di + a = dois ou mais; logos = lógica ou modo de pensar),
expressão criada por Erik Jayme, em seu curso de Haia [...], significando a atual aplicação simultânea,
coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro-
-saúde) e gerais (como o CC/2002), com campos de aplicação convergentes. Mas não mais iguais”.
BENJAMIN, A. H. V; MARQUES, C. L; BESSA, L. R. Manual de direito do consumidor. 3. ed.
São Paulo: RT, 2010. p. 108. “A bela expressão de Erik Jayme, hoje consagrada no Brasil, alerta-nos
de que os tempos pós-modernos não mais permitem esse tipo de clareza ou de “mono-solução”. A
solução sistemática pós-moderna, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrre-
codificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo
de nosso direito contemporâneo, deve ser mais fluida, mais flexível, tratar diferentemente os diferen-
tes, a permitir maior mobilidade e fineza de distinções”. BENJAMIN, A. H. V; MARQUES, C. L;
BESSA, L. R. Manual de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 110. “o diálogo de

108
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

permite essa coordenação e integração de normas diversas aplicáveis ao mesmo


fato, posto ser uma interpretação mais favorável a parte hipossuficiente, no caso o
consumidor, visto que o próprio Código de Defesa do Consumidor expressamente
permite tal abertura, em seu bojo:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros


decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que
o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de re-
gulamentos expedidos pelas autoridades administrativas com-
petentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do
direito, analogia, costumes e eqüidade.

É lapidar os ensinamentos professores Nelson Rosenvald, Cristiano


Chaves e Felipe Braga, que corroboram com o entendimento jurídico acima:

[...] Se aplicarmos o CDC (art. 14, § 4°), a responsabilidade


seria subjetiva, porquanto o engenheiro é profissional liberal.
Já se seguirmos as orientações gerais – doutrinárias, legais e
jurisprudenciais – sobre o tema, a responsabilidade será obje-
tiva, porquanto se trata de uma obrigação de resultado. Cre-
mos que o diálogo das fontes, na espécie, deverá se resolver
do modo mais favorável à vítima, prestigiando a reparação
integral. A responsabilidade civil do engenheiro será objetiva,
podendo se eximir, no entanto, se provar que não há nexo
causal entre o dano e sua conduta. O empreiteiro deverá, con-
forme frisamos, entregar a obra segura e sem vícios, de acordo
com as especificações do projeto. Ademais, a responsabilidade

fontes propõe que a dialética entre o Código Civil e o CDC não seja pautada pelos clássicos critérios
de antinomia (prevalência cronológica, hierárquica ou da especialidade da norma). Em uma sociedade
plural, cujo protagonismo pertence à proteção e à promoção das situações existenciais da pessoa hu-
mana, caberá ao consumidor se prevalecer da norma que lhe propicia a mais ampla tutela em termos
de efetividade e acesso ao judiciário. A função do aplicador da Lei é a de conciliar e compatibilizar
as regras específicas dos dois códigos, porque ambos estão baseados nos mesmos princípios e são
dotados do mesmo espírito de eticidade. Suas regras específicas não são mutuamente excludentes,
mas convergentes. O CC/2002 não esgota o trato das relações privadas; pelo contrário, ele estabelece
normas comuns ao macrossistema de direito privado e é natural que conceitos fluam entre os vários
microssistemas possíveis”. FARIAS, C. C; ROSENVALD, N; BRAGA NETTO, F. P. Curso de direito
civil: responsabilidade civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. v. 3. p. 526.

109
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

em caso de ruína, à luz do art. 937 do Código Civil, pode


abranger não só o proprietário, mas também o construtor38.

É certo que o engenheiro civil poderia eximir sua responsabilidade de


comprova-se a ausência de nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado.

3.2 RESPONSABILIDADE QUANTO À SOLIDEZ E SEGURANÇA DA


OBRA

A responsabilidade pela solidez e segurança da obra é assegurada pelo


Código Civil39. Estabelece o referido código que o responsável pela obra (o
engenheiro assinante do ART) responderá por problemas na construção durante os
cinco anos após o seu término.
No entanto, independentemente do prazo que decorreu entre o final do
projeto e o descobrimento da falha profissional (por meio de perícia, por exemplo),
o engenheiro responsável responderá pela lesão ocasionada, caso seja provado o
nexo causal entre a imperfeição e o serviço realizado.
Como atividade fim (entregar a obra pronta), o profissional se vale de
todas as técnicas e cálculos para que a edificação, apesar de todas as imprevisões
inerentes a tal atividade, esteja concluída sem vícios.
De tal sorte, há o dever de entregar a obra sem qualquer problema
edilício. Isso decorre da normatização do Código de Defesa do Consumidor em
garantir ao consumidor de receber o produto da maneira que foi contratado. Logo,
a responsabilidade pela solidez da obra, ou seja, de que esteja pronta sem qualquer
vício, é objetiva, sendo suficiente apenas a comprovação, por parte do contratante,
do nexo causal40.

38 FARIAS, C. C; ROSENVALD, N; BRAGA NETTO, F. P. Curso de direito civil: responsabilidade


civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2019, v. 3, p. 946.
39 Código Civil. Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções considerá-
veis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela
solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá
do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos
cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
40 JUNIOR, C. J. T. A responsabilidade civil do engenheiro civil. Tese (trabalho de conclusão de curso)
– Faculdade Ciências Jurídicas, Universidade de Tuiuti do Paraná. Paraná, 2012, p. 37.

110
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

3.3 RESPONSABILIDADE EM FACE DOS MATERIAIS UTILIZADOS

Cabe pontuar ainda a garantia por parte do profissional responsável pela


obra da segurança e qualidade dos materiais utilizados.
Em todo empreendimento é necessário o “Memorial Descritivo”,
sendo esse um documento obrigatório na realização do contrato, conforme a Lei
4.591/196441.
Neste documento constam as especificações dos materiais que devem
possuir um nível mínimo de qualidade, garantindo dessa forma, a segurança e
solidez da obra.
Embora no cotidiano seja senso comum acusar o contratante como
responsável pela compra dos materiais, na verdade o engenheiro é o sujeito que
tem obrigação de indicar os utensílios adequados, recusando-os (dependendo da
circunstância) obrigatoriamente caso não constem no Memorial.

3.4 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E TÉCNICA

Há também o conceito de responsabilidade contratual e técnica.


A primeira corresponde justamente no cumprimento de todos os deveres
impostos no contrato assinado, sendo especificadas as obrigações e os direitos de
ambas as partes. Aqui, o engenheiro recai na regulação civilista quanto aos efeitos
do inadimplemento.
Conforme o art. 394 do Código Civil ele (como devedor) estará em
mora quando não cumprir a obrigação no tempo, lugar e forma estabelecido42.
Desse modo, por exemplo, o profissional estará em mora (inadimplemento
relativo) quando estiver em atraso ou retardar a execução do pactuado43. Por outro
lado, dependendo do caso concreto, sua não execução ou a deficiência em fazê-la
poderá inutilizar o objeto de interesse do credor, recaindo, portanto, na esfera do

41 Lei nº 4.591/64. Art. 48, §1º. O Projeto e o memorial descritivo das edificações farão parte inte-
grante e complementar do contrato.
42 Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo
no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
43 AZEVEDO, A. V. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 13. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 230.

111
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

inadimplemento absoluto, sendo que aqui a obrigação será convertida em perdas e


danos, conforme o parágrafo único do art. 395 do Código Civilista44.
Já a segunda, relaciona-se com a execução fragmentada da obra. Por
outras palavras, o conjunto de profissionais envolvidos é incumbido de cumprir
suas obrigações para as quais foi designado, conforme o art. 20 da Lei Federal nº
5.194/1966. Como exemplo, tem-se que o engenheiro responsável pela construção
em si, será responsabilizado por falhas na edificação. In verbis:

Art. 20. Os profissionais ou organizações de técnicos espe-


cializados que colaborarem numa parte do projeto, deverão
ser mencionados explicitamente como autores da parte que
lhes tiver sido confiada, tornando-se mister que todos os do-
cumentos, como plantas, desenhos, cálculos, pareceres, rela-
tórios, análises, normas, especificações e outros documentos
relativos ao projeto, sejam por eles assinados.

3.5 RESPONSABILIDADE POR DANOS À TERCEIROS

É importante analisar ainda os danos causados à terceiros.


O profissional da engenharia deve tomar providências para que o local da
obra não incomode, prejudique ou cause danos aos vizinhos (moradores em torno
da obra/construção) ou indivíduos que passem nos arredores.
É de suma importância a utilização de sinalização para a preservação da
segurança dos cidadãos. Cabe destacar que a responsabilidade é solidária, conforme
o art. 264 do Código Civil, podendo o lesado acionar tanto o profissional da
engenharia quanto o proprietário (contratante) para uma possível reparação dos
danos45.
Embora o profissional da engenharia seja englobado por todas essas
formas de responsabilização, existe possiblidade do mesmo ser isento de culpa ou
da obrigação da reparação do dano.

44 Código Civil. Art. 395. [...] Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao
credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.
45 Código Civil. Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um
credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda; CREA-SP. Res-
ponsabilidade civil. Disponível em: http://www.creasp.org.br/profissionais/responsabilidades-profis-
sionais/responsabilidade-civil. Acesso em: 11 set. 2018.

112
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

O art. 393 do Código Civil46 prevê a exclusão da responsabilidade, no


entanto, é necessário a verificação da existência do fenômeno de caso fortuito (fato
inesperado) ou força maior (fato previsível, mas impossível de ser evitado). Um
bom exemplo seria a ocorrência de um desastre ambiental, como tempestade,
terremoto ou qualquer outro acontecimento não esperado que comprometesse a
solidez da estrutura.
O Código de Defesa do Consumidor também elenca excludentes de
responsabilidade. No art. 12, §3º normatiza o seguinte:

O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não


será responsabilizado quando provar: I – Que não colocou o
produto no mercado; II – que, embora haja colocado o pro-
duto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiros.

4 JURISPRUDÊNCIA SOBRE A RESPONSABILIDADE DO


ENGENHEIRO CIVIL

Visando estabelecer a relação do plano teórico com a prática, serão


expostos dois casos que envolvem decisões judiciais acerca da responsabilidade ou
não do engenheiro civil em decorrência de falhas ou prejuízos em obras.
Para isso, serão apresentadas duas decisões: na primeira, o profissional
teve reconhecida a sua responsabilidade, tendo a obrigação de restituir os prejuízos
causados pelo o mau fornecimento de seus serviços. Na segunda foi indeferida a
responsabilização.
O primeiro caso47, trata-se de um acidente ocorrido em um festival
no Estado do Mato Grosso. Tal fato aconteceu durante a 16ª Feira Industrial e
Comercial de Várzea Grande (Feicovag), e vitimou cerca de 400 pessoas que assistiam
ao evento no momento em que a arquibancada montada para a festa desabou.
A sentença baseou-se fortemente no descaso do engenheiro em ter
aderido ao ART e não oferecer as devidas providências no serviço de vistoria da

46 Código Civil. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortui-
to ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.
47 TJ/MT. Quarta Câmara Cível. REEX 00139123720078110002 35056/2013. Relator Luiz Carlos
da Costa, julgado em: 15/07/2014, publicado em: 29/07/2014.

113
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

arquibancada. O argumento principal da defesa seria que o engenheiro civil não


poderia, por apenas ter realizado o serviço de vistoria, assim como assinado a ART,
ser responsabilizado como se tivesse participado do projeto de execução.
No entanto, o argumento citado acima não foi acolhido pelo julgador,
tendo sido o engenheiro civil sentenciado por negligência na prestação de seu serviço
de vistoria, visto ser uma etapa de suma importância nos processos de construção.
Além disso, foram constatados nos autos provas de outros dois pontos
críticos na má qualidade da prestação do serviço do profissional.
A primeira foi a qualidade do solo sobre o qual foi montada a estrutura.
Esse apresentava uma qualidade incompatível para o suporte da estrutura metálica,
visto que não apresentava a compactação necessária. Segundo ponto foi o desleixo
quanto à verificação do estado da estrutura da arquibancada, que apresentava
diversos sinais de desgaste e ferrugem.
Conforme o superintendente do Crea-SC48, é possível notar que é muito
comum no cotidiano a desqualificação da ART, afirmando que muitos engenheiros
assinam o documento sem participar da própria obra que estão se responsabilizando,
deixando ao próprio acaso ou à sorte, a não ocorrência de acidentes.
No segundo caso49, a parte autora adquiriu um imóvel por meio do
programa de financiamento da Caixa Econômica Federal e ajuizou uma ação
indenizatória por danos materiais e morais contra a Caixa Econômica, Caixa
Seguros S.A, os vendedores do imóvel e o engenheiro civil responsável.
Conforme o voto da relatora do caso, a relação jurídica entre as partes
é de consumo, ou seja, é abrangida pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa
do Consumidor), a qual estabelece a responsabilidade subjetiva do engenheiro
civil, como prestador de serviço e profissional liberal. Amparado pelo art. 14, §4º,
do Código do Consumidor para haver a obrigação da restituição dos prejuízos
causados por seu trabalho, será necessário a comprovação do nexo causal com fatos
ocorridos.

48 FARIA, C. P. A responsabilidade técnica, civil e criminal dos profissionais do sistema CONFEA. Dis-
ponível em: http://www.crea-sc.org.br/portal/index.php?cmd=artigos-detalhe&id=87#.W5lG7K-
ZKjIU. Acesso em: 25 ago. 2018.
49 TJ/RS. Quinta Câmara Cível. AC 70074359670/RS. Relatora Isabel Dias Almeida, julgado em:
30/08/2017, publicado em: 06/09/2017.

114
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Contudo, conforme a decisão, o serviço prestado pelo engenheiro civil foi


limitado à elaboração de um laudo para regularizar a edificação perante a Prefeitura,
trabalho este realizado conforme os padrões lícitos. Ademais, por ele não ter sido o
profissional responsável pela elaboração do projeto de edificação original do imóvel
e pelo motivo de ter prestado um serviço de laudo para posterior regularização do
imóvel junto à Prefeitura, o profissional é isentado de sua responsabilização pelo
dano ocorrido.
Isto é, pelo motivo de não ter sido o profissional responsável pela
elaboração de projetos anteriores, mas sim, apenas realizado um laudo de liberação
do imóvel, foi desqualificado o nexo de causalidade da atuação do engenheiro civil
com os problemas apresentados, sendo assim ilegítima a sua responsabilização.
A título de fundamentação, é importante citar mais um caso concreto
tramitado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
O contexto fático do julgado50 se trata de uma ação de indenização por
danos materiais e morais, tendo a parte o argumento de que, através do Programa
Minha Casa Minha Vida, adquiriu um terreno financiado e, para a realização e
acompanhamento da construção do imóvel contratou um engenheiro civil.
Alega-se que antes de se instalarem definitivamente no imóvel, ocorreram
diversas avarias na estrutura: deslizamento de aterro contido pelo muro de
contenção, desabamento do piso externo de acesso a casa. Com base na realização
de laudo apresentado em juízo, declaram tais prejuízos foram ocasionados devido a
vícios de construção pela inexistência de um sistema de drenagem e de travamento
transversal do muro de contenção. Em suma, a responsabilidade recaía sobre o
engenheiro civil, o qual não diligenciou medidas necessárias para o procedimento
de edificação do imóvel. Diante disso, foram pleiteadas indenizações de cunho
moral, no valor de R$ 20.000,00, e materiais, em R$ 33.836,00.
Os pedidos da inicial foram julgados improcedentes. Em decorrência
disso, as partes interpuseram recurso de apelação, evidenciado a comprovação
de que o engenheiro responsável foi contratado como responsável técnico para
a elaboração do projeto de execução integral da obra, tendo inclusive assinado a
Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).
No entanto, o recurso interposto também foi negado. O desembargador
que proferiu o julgado entendeu que, embora o engenheiro realmente tenha

50 TJ/MG. 14ª Câmara cível. AC 10000180889719001/MG. Relator Estevão Lucchesi, julgado em:
03/09/2020, publicado em: 03/09/2020.

115
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

assinado a Anotação de Responsabilidade Técnica, bem como as provas apresentadas


pela parte apelante, não houve nenhum ilícito que ensejasse o dever do apelado de
indenizar, visto que não foi comprovado devidamente (após a análise dos autos) o
nexo de causalidade entre a conduta do recorrido e as avarias ocorridas51.

5 CONCLUSÃO

O Direito tutela (assim como os diversos aspectos da vida cotidiana),


por meio da responsabilidade civil, os direitos daqueles que são lesados através
de atos humanos que venham gerar danos e prejuízos, não somente materiais,
como também morais. O restabelecimento da harmonia anterior ao fato jurídico
é dado através de um processo de conhecimento do nexo causal entre a atitude do
profissional e o acontecimento.
Inicialmente, foram analisados os elementos da responsabilidade civil.
Feitas as devidas considerações sobre o instituto, conclui-se que, dependendo de
como se apresenta as relações entre duas pessoas, contratual ou extracontratual,
a responsabilização terá uma forma distinta. A essência geral desse instrumento
jurídico é restabelecer as condições anteriores ao dano, bem como compensá-lo.
No âmbito dos profissionais da área de engenharia civil, eles são
acobertados tanto por leis específicas quanto pela codificação genérica do
ordenamento jurídico brasileiro. O órgão central de regulamentação da engenharia,
CONFEA/CREAs, são os responsáveis por estabelecer as diretrizes da atuação,
especificando as medidas de segurança, as atitudes éticas e atos administrativos
(como a formatação de contratos e a adesão ao ART) a serem seguidas.
No entanto, todas as disposições elencadas pela entidade devem estar
em consonância com as disposições expressas pelo direito brasileiro, resultando na
incidência concomitante das do Código de Defesa do Consumidor e do Código
Civil. Sendo assim, levando em conta que a engenharia civil é uma profissão que

51 “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS


– IMÓVEL – VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL ENGENHEIRO –
NEXO CAUSALIDADE – AUSÊNCIA. A responsabilidade civil se assenta na configuração de três
elementos, ou seja, a existência de conduta culposa ou dolosa do agente, o dano à vítima e o nexo
de causalidade entre aquela conduta e o respectivo dano. Não restando devidamente comprovado
nos autos o nexo de causalidade entre a conduta do recorrido e as avarias identificadas no imóvel,
inexiste o dever de indenizar por ausência de prática do ato ilícito”. TJ/MG. 14ª Câmara cível. AC
10000180889719001/MG. Desembargador relator Estevão Lucchesi, julgado em: 03/09/2020, pu-
blicado em: 03/09/2020.

116
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

na sua essência é atuar diante de situações de riscos, deduz-se notória a importância


de sua regulamentação.
Desse modo, finda-se que a responsabilidade civil do engenheiro civil
será, em um primeiro momento tem natureza subjetiva, conforme redação do art.
14, §4 º do CDC, face o vínculo intuitu personae do profissional liberal. Entretanto,
em face do diálogo das fontes, nos casos de obrigações de resultado ou de fim,
transmutar a responsabilidade subjetiva para objetiva, no qual o engenheiro civil
teria sua conduta isentada se comprovasse a ausência do nexo causal.

117
REFERÊNCIAS

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responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

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120
06 Corretor de Imóveis

Thiago Oliveira Moreira


Rafaela Gomes Góis

1 INTRODUÇÃO

A ideia secular de o indivíduo não fazer a outrem o que não quer que
seja feito a si próprio, também sendo sinônimo de equilíbrio social, carrega em seu
âmago a noção primitiva da responsabilidade civil no que concerne ao cumprimento
das normas sociais estabelecidas, instituto presente até hoje. É clarividente que
esse foi lapidado no decorrer da evolução das sociedades civis, passando de uma
justiça pautada em premissas privadas para alcançar a transferência ao Estado do
monopólio legítimo da força.
Com efeito, doutrinas ascenderam, como, por exemplo, a teoria da culpa
e a teoria do risco, concomitantemente presentes no Código Civil Brasileiro de
2002, de modo que sua aplicação está a depender do caso concreto. Sobre esse
viés, a responsabilidade civil é um dos temas que desperta largo interesse entre os
juristas. Desta feita, considerando o amplo campo de estudo da responsabilidade
civil, este trabalho analisará a aplicação do instituto sobre o corretor de imóveis no
exercício da sua atividade laboral.
Nesse contexto, o trabalho deverá permear em que hipóteses se deve
responsabilizar o profissional, casos estes decorrentes dos deveres anexos à profissão
(boa-fé, probidade, transparência, diligência e, principalmente, acesso à informação
para o interessado) e, no mesmo passo, decorrente da ideia de conduzir ao equilíbrio
social, buscando a reparação civil: compensatória do dano à vítima.
Desta feita, como se dará a forma de responsabilização do corretor de
imóveis no exercício solo da profissão, bem como nos casos de contratação de uma

121
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

imobiliária? Tal dificuldade é presente devido ao fato de que a atividade do corretor


de imóveis é caracterizada como uma relação de consumo e o Código de Defesa do
Consumidor tem como fulcro buscar o equilíbrio entre às partes, tendo em vista
que reconhece a vulnerabilidade do consumidor na relação. Assim, estabeleceu-se
como regra a responsabilidade civil objetiva, na ocorrência de dano ao consumidor
proveniente de atos omissivos ou comissivos do fornecedor ou prestador de serviço,
sem a necessidade de comprovar dolo ou culpa.
Todavia, não obstante, no mesmo dispositivo legal, reconheceu-se que os
profissionais liberais é exceção para aplicação de tal regra no âmbito consumerista,
visualizando também, de certa forma, a vulnerabilidade no exercício da profissão de
forma autônoma. Aplicando assim, a responsabilidade civil em seu viés subjetivo,
devendo, dessa forma, estar presente o requisito da culpa lato sensu.
Pela singela apresentação resumida da problemática do estudo, parece
ser simples, mas é bem diferente disso, durante a abordagem da aplicação da
responsabilidade civil do corretor de imóveis verá que, em alguns casos, já há
entendimentos de que em se tratando de responsabilidade solidária (imobiliária
e corretor) ou até mesmo no labor solitário da profissão, quando incorrer em
publicidade/propaganda enganosa, para a responsabilização, invocar-se-ia a teoria
do risco, ou seja, a responsabilidade civil em seu caráter objetivo.
Nessas circunstâncias, por outro lado, através do desenvolver deste
capítulo buscará trazer como resposta a tal óbice, por meio de uma hermenêutica
sistemática. O ordenamento jurídico, analogicamente, é como o corpo humano,
trabalhando em harmonia com cada célula do sistema, logo, não se pode trabalhar
de forma isolada. Diante do exposto, o presente trabalho objetiva examinar o
tratamento que o Estado brasileiro tem direcionado aos corretores de imóveis
nos casos de reparação civil em função da sua atividade laboral. Para tanto, será
necessário alcançar alguns objetivos específicos.
Assim, em um primeiro momento, proceder-se-á a uma análise sobre a
evolução histórica da profissão para desenvolver o conceito dessa relação jurídica,
da mesma forma para chegar ao fundamento do instituto da responsabilidade civil,
com seus pressupostos e legislação base, observar-se-á a sua evolução doutrinária
desenvolvida nas sociedades civis até a atual magnitude desse instituto no
ordenamento jurídico brasileiro.
Em seguida, dedicou-se ao estudo da regulamentação específica
aplicável aos corretores de imóveis, em especial o seu Código de Ética, bem como

122
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

a análise sistemática do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor,


para em seguida adentrar à análise de forma específica do corretor de imóveis e
a responsabilidade civil. Por fim, será realizada uma discussão do tema sobre os
entendimentos majoritários dos tribunais de justiça no Brasil, quais são suas razões
de decidir e o fundamento jurídico utilizado para prevalecer a justeza nas decisões,
através de comentários.
As reflexões ora promovidas são provenientes da metodologia utilizada,
que consiste em pesquisa base, de objetivo descritivo com abordagem qualitativa
e indutiva, uma vez que busca as causas geradoras da responsabilização. Não
obstante, cria uma base teórica que sirva para futuras interpretações, analisando
as sinuosidades dos objetos estudados através do estudo de dois acórdãos, dos
Egrégios Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e de São Paulo, que refletem
o entendimento majoritário do sistema judiciário brasileiro. Outrossim, usa da
pesquisa bibliográfica, em especial livros, artigos e monografias, com fito de propor
avaliação formativa, analisando criticamente os critérios já usados pelos juristas e os
consolidando como critérios gerais aplicáveis.
O presente trabalho se justifica pelo caráter atual da temática em apreço
e pelo fato de ela envolver a proteção dos consumidores que se encontram em uma
situação de vulnerabilidade e a apresentada divergência doutrinária e jurisprudencial
acerca da responsabilidade civil do corretor de imóveis. Espera-se, portanto, que as
reflexões desenvolvidas possam contribuir para as discussões acadêmicas referentes
às relações consumeristas no contexto do contrato de corretagem.

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA DA ATIVIDADE DE


CORRETAGEM E TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Inicialmente, será estudada a evolução histórica da profissão para


desenvolver o conceito da relação jurídica entre o corretor de imóveis e o comitente.
Da mesma forma, para chegar ao fundamento do instituto da responsabilidade
civil, com seus pressupostos e legislação base, analisará a sua evolução doutrinária
desenvolvida nas sociedades civis até o status presente desse instituto no ordenamento
jurídico brasileiro.

123
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CORRETOR DE IMÓVEIS

Corretor de imóveis é toda pessoa física e jurídica habilitada para


desenvolver a mediação na compra, venda, locação e permuta de imóveis, bem
como opinar sobre a comercialização imobiliária1.
No Brasil, durante o período de ocupação de suas terras através do
regime de capitanias hereditárias, a Coroa portuguesa teve a preocupação de fundar
municípios para o povoamento, exploração e defesa da terra2. Com as Ordenações
do Reino, a propriedade era adquirida pela tradição, ou seja, transferência da posse
ao adquirente3.
O desenvolvimento urbano intensificou-se tão somente depois da
transferência real para o Brasil no início do século XIX, em 18074. Em razão
da mudança do status de Colônia para Reino Unido, surgiu, por necessidade, a
profissão de agente de negócios imobiliários, onde, a priori, os comerciantes locais
ou leiloeiros que faziam a intermediação imobiliária5.
Em seguida, os agentes imobiliários, de início assim chamados, iniciaram
a intermediação dos negócios imobiliários utilizando anúncios nos jornais locais
para divulgar suas ofertas, os anúncios surgiram a partir de 1821 junto com a
introdução da imprensa no Brasil. O mais velho anúncio é datado de 2 de junho de
1821 no jornal “Diário do Rio de Janeiro” – o intermediário Venâncio José Lisboa
havia recebido poderes do dono do imóvel para vender, já o primeiro anúncio de
aluguel em registro é de 06 de junho de 1821 no Rio de Janeiro6.
Com o processo de urbanização, o primeiro sindicato de corretores de
imóveis veio a ser reconhecido oficialmente, no Brasil, em 07 de janeiro de 1937,
no Rio de Janeiro, “Syndicato dos Corretores de Immóveis do Rio de Janeiro” e em
São Paulo no ano seguinte7.

1 Art. 3º. BRASIL. Lei nº 6.530 de 12 de maio de 1978. Dá nova regulamentação à profissão de Cor-
retor de Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências.
2 CELANI, Sílvia. Histórico da Profissão: corretor de imóveis. 2019. Disponível em: https://www.
cofeci.gov.br/historia-do-corretor-de-imoveis. Acesso em: 1 dez. 2020.
3 Ibid.
4 Ibid.
5 Ibid.
6 Ibid.
7 CELANI, Sílvia. Histórico da Profissão: corretor de imóveis. 2019. Disponível em: https://www.
cofeci.gov.br/historia-do-corretor-de-imoveis. Acesso em: 1 dez. 2020.

124
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Já em agosto do ano de 1962, foi promulgada a primeira lei de


regulamentação da profissão, a Lei n° 4.116/62. Mais tarde, a lei foi revogada e a
situação foi restabelecida em 12 de maio de 1978, com o advento da Lei nº 6.530/78,
regulamentada pelo Decreto-lei nº 81.871/78. Quanto à regulamentação, essa será
aprofundada no item 3 deste capítulo, enfatize-se ainda que o seu estudo deve ser
feito de forma sistemática com Código Civil de 2002 no que tange o contrato de
corretagem, dispostos nos arts. 722 ao 729.
Nesse ínterim, através do Código Civil de 2002, estabelece-se a relação
negocial e, por conseguinte sua incidência jurídica. Assim, o contrato de corretagem
é o negócio jurídico que utiliza a figura do corretor de imóveis que se obriga a obter
para o contratante um ou mais negócios, de acordo com as diretrizes estabelecidas,
ou seja, o corretor devidamente habilitado, tem o papel de intermediar terceiro(s)
para que celebrem contrato com o contratante da primeira relação negocial.
É salutar compreender que o contrato de corretagem não se confunde com
as espécies de mandato, prestação de serviços, comissão e contrato de emprego. Para
tal distinção, é preciso compreender que a atividade do corretor é uma obrigação
de resultado, tendo em vista que ele se obriga a aproximar pessoas interessadas na
realização de um negócio, sem qualquer poder decisório ou especificamente de
representação, mesmo que delegado, tendo direito à sua remuneração se houver a
celebração do negócio jurídico8.
Diferentemente, o mandato, há a figura do mandatário, esse realiza atos
pelo mandante, representando-o de forma voluntária. Em relação à prestação de
serviços, é presente uma linha tênue de diferença, pois a atividade exercida pelo
corretor não deixa de ser um serviço prestado ao comitente, mas a corretagem
é mais que isso, vez que necessita especificamente da profissão do corretor e o
contrato de corretagem também tem finalidades mais específicas. Outro ponto de
distinção é que o prestador de serviço age em nome próprio, e já o corretor de
imóveis é um intermediador das partes em relação ao contrato principal9.
No que tange o contato de comissão, o comissário, diferente do corretor
de imóveis, o fito de aproximar partes interessadas na celebração de um negócio e
sim, de celebrá-lo em seu próprio nome, de acordo com interesse do comitente10.

8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. único. p. 713-714.
9 Ibid. p. 713-714.
10 Ibid. p. 713-714.

125
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

O contrato de corretagem é distinto ainda do contrato de emprego,


uma vez que inexiste subordinação jurídica, característica essa que é bem evidente
quando lembramos o tipo de relação obrigacional que é vinculada a corretagem,
qual seja uma obrigação de resultado. Portanto, todo o tempo de dedicação só
será recompensado se houver, de fato, a concretização do negócio jurídico, o que
diferente do contrato de emprego, pois o tempo trabalhado no exercício da atividade
obriga o empregador pagar a remuneração acordada ao empregado, independente
de resultado11.
De mais a mais, após simples reflexão, é possível chegar à conclusão que
como toda e qualquer obrigação, essa está sujeita a regras de responsabilização,
ante o descumprimento de diretrizes contratuais e normativas, para se alcançar às
especificidades da responsabilização civil do corretor de imóveis, a priori, deverá ser
estudado o conceito e as classificações principais do instituto da responsabilidade
civil.

2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO, FUNDAMENTO E


CLASSIFICAÇÕES

A responsabilidade civil advém da ideia de restauração de equilíbrio,


seja de contraprestação ou da reparação de dano, moral ou material12. Tem origem
no verbo latino respondere, sendo a obrigação que alguém tem de assumir com as
consequências jurídicas de sua atividade13.
Neste passo, o não cumprimento de uma obrigação culmina de uma ação
ativa ou negativa por não estar de acordo com uma regra contratual ou preceito
normativo. Desta feita, o sujeito responsável, por ter violado norma jurídica ou
contratual, está exposto às intempéries decorrentes de sua conduta danosa, podendo
ser compelido a reparar o dano patrimonial ou moral causado e, por conseguinte,
restaurar o statu quo ante14 (reposição in natura). Não sendo possível, a obrigação é
convertida no pagamento de uma indenização, havendo, portanto, a possibilidade

11 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. único. p. 713-714.
12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 4. p. 16.
13 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 46.
14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 4. p. 16.

126
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

de avaliação pecuniária do dano, ou de uma compensação, caso não seja possível


estimar patrimonialmente15.
A responsabilidade civil está calcada na premissa de não fazer ao outro
(indivíduo social) o que não quer que seja feito a si próprio, é a noção de dever
social. Para Locke, em sua visão contratualista, tal dever advém do contrato social,
onde homens livres, pactuam entre si, buscam preservar tanto a propriedade (vida,
liberdade, bens e possessões), como os direitos naturais, transferindo ao Estado
o monopólio legítimo da força, de modo a esse executar as leis, julgar e punir a
sociedade civil16.
Assim, tal instituto elucida conduzir ao equilíbrio social, buscando a
reparação civil: compensatória do dano à vítima (status quo ante e, quando não for
possível, o pagamento de um quantum indenizatório equitativo ao dano sofrido),
punitiva do ofensor e desmotivação social da conduta lesiva por via indireta. Logo,
sua a natureza jurídica da será sancionadora, independentemente de se materializar
como pena, indenização ou compensação pecuniária17.
Cumpre destacar que nos primórdios das sociedades civis, a origem do
instituto está lastreada na ideia de vingança privada, sendo a reação pessoal contra
o mal sofrido18, a famosa concepção de olho por olho, dente por dente, a pena de
Talião19, traços constantes na Lei das XII Tábuas.
O Direito Romano, em sua aplicação da lei supracitada, mostra-se
evidente a evolução do instituto, ante à possibilidade de composição entre a vítima
e o ofensor, evitando-se a aplicação da pena de Talião, tendo, portanto, uma solução

15 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 48.
16 JORGE, Vladimyr Lombardo. Jhom Locke: lei e propriedade. In: FERREIRA, Lier Pires; GUA-
NABARA, Ricardo; JORGE, Vladimyr Lombardo (org.). Curso de ciência política: grandes autores do
pensamento político moderno e contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 113-114.
17 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 66.
18 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v. 3. p. 27.
19 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
p. 18.

127
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

transacional, a vítima receberia, a seu critério e a título de pena, uma importância


em dinheiro ou outros bens20.
Ao final do século III a.C., a experiência romana aprendeu que, em alguns
casos, a responsabilidade sem culpa taria injustiças, por esta razão21, um marco na
evolutivo da responsabilidade civil se fez presente em sua história com a edição
da Lex Aquilia, à época de Justiniano22, inserindo a culpa independentemente de
relação obrigacional preexistente, sendo elemento básico da responsabilidade civil
delitual ou extracontratual, de modo a substituir as multas fixas por uma pena
proporcional ao dano causado.
Desta feita, regulava o damnum injuria datum, que era a destruição ou
deterioração da coisa alheia, em virtude de fato ativo que atingisse coisa corpórea
ou incorpórea sem justificativa legal, de início limitada ao proprietário de coisa
lesada, todavia, a influência da jurisprudência e as concessões dadas pelo pretor
fizeram com que se construísse a doutrina da responsabilidade extracontratual23.
De início, a culpa era fundamentada pela imprudência, negligência,
imperícia, ou pelo dolo, de modo que a noção de culpa é alvo de grande mudança
e ampliação24. A responsabilização aquiliana foi incorporada na idade moderna,
qual seja o Código Civil de Napoleão, incidindo ainda em diversas sociedades do
mundo, no entanto, é clarividente que tal concepção não era capaz satisfazer todos
os fatos sociais pela impossibilidade de comprovação do elemento da culpa.
Com efeito, novas doutrinas ascenderam legitimando a reparação do dano
decorrente, exclusivamente, pelo fato ou em virtude do risco criado (teoria do risco
e a teoria do dano objetivo), e a posteriori sendo incorporadas juntamente com a
teoria tradicional da culpa, que tem a famosa expressão pas de responsabilité sans faute
(não há responsabilidade sem culpa)25, a depender do caso concreto, ad exemplo,
o atual Código Civil brasileiro. Portanto, o fundamento da responsabilidade civil

20 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 56.
21 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2017. v. único. p. 327.
22 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 20.
23 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabi-
lidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 57.
24 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 20.
25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 4. p. 23.

128
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

deixou de ser apenas a culpa, sendo buscado também no fato da coisa e no exercício
de atividades perigosas, passando-se a julgar o dano em si mesmo26.
Em virtude dessas peculiaridades dogmáticas, assaz se faz esclarecer a
diferenciação da responsabilidade objetiva e subjetiva de acordo com o Código
Civil de 2002. O ordenamento brasileiro, manteve-se fiel à teoria subjetiva nos arts.
186 e 927 do Código Civil, sendo necessária a culpa latu sensu ou e a culpa stricto
sensu ou aquiliana para a responsabilização, tendo como pressuposto a prática de
um ato ilícito, em regra.
Assim, para que haja ato ilícito, mister se faz necessário a existência de
um ato positivo (ação) ou negativo (omissão) e que esta viole a ordem jurídica,
sendo imputável ao agente, e que cause prejuízo a terceiro, pela ofensa a bem ou a
direito deste, seja por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência ou
imperícia), contrariando, seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação
ou de contrato) ou uma norma do ordenamento jurídico, E, por conseguinte,
devendo o agente restaurar o patrimônio (moral ou econômico) da vítima, desde
que presente a subjetividade no ilícito27.
Ressalte-se que mesmo que haja violação de um dever jurídico e que
tenha havido culpa, e até mesmo dolo, nenhuma indenização será devida quando
não houver verificado prejuízo. Podendo ainda a obrigação de indenizar resultar em
alguns casos de atos lícitos, exemplo esses os praticados em estado de necessidade
(arts. 188, II, 929 e 930, CC) e o do dono do prédio encravado que exige passagem
pelo prédio vizinho, mediante o pagamento de indenização cabal (art. 1.285, CC).
Todavia, em outros dispositivos e em leis esparsas, adotaram-se os
princípios da responsabilidade objetiva, que dispensa o elemento culpa para a
caracterização, como no art. 927, § único, do Código Civil, mister se faz destacar
que no regime anterior, as atividades perigosas eram somente aquelas assim definidas
em lei especial, assim, as que não o fossem enquadravam-se na responsabilidade
subjetiva.
Com o Código de 2002, é possível perceber que não foram revogadas as
leis especiais já existentes e foram resguardadas as que venham a existir, abarcando
ainda que a jurisprudência considere determinadas atividades como perigosas ou de

26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 4. p. 24.
27 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: CAHALI, Yussef Said
(coord.). Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva. 1984. p. 87-89.

129
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

risco28. É nesta problemática que se insere o desenvolvimento deste capítulo: qual


teoria é aplicável ao corretor de imóveis? É possível a aplicação de mais de um tipo
de responsabilização civil (objetiva ou subjetiva? Se sim, em quais ocasiões? Para
isso, será necessário conhecer a regulação da profissão.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO CORRETOR DE IMÓVEIS E


SUA FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

Para adentrar ao estudo da forma da responsabilidade civil do corretor de


imóveis é necessário, a princípio, entender como a atividade da corretagem incide
no plano jurídico, especificamente no ordenamento brasileiro.
Desta feita, o presente tópico apresentará as leis especiais, em destaque o
Código de Ética da profissão, o contrato de corretagem no Código Civil de 2002 e
a abordagem da corretagem no Código de Defesa do Consumidor, para em seguida
iniciar o estudo dos compilados de normas na aplicação da responsabilidade civil
do corretor, se subjetiva ou objetiva.

3.1 REGULAMENTOS E RESOLUÇÕES

Antes de adentrar à atual regulamentação assaz se faz ressaltar a Lei


nº 4.116/62 que em seu art. 9º instituiu a criação do Conselho Federal e dos
Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis para a fiscalização do exercício da
profissão. Com a entrada em vigor da primeira regulamentação, foi determinado
que as transações imobiliárias somente poderiam ser exercidas pelos profissionais
habilitados nos conselhos.
Neste cenário, foi dado um prazo de 120 dias aos indivíduos que já
exerciam a profissão para que provasse e se inscrevesse no Conselho Regional de
Corretor de Imóveis – CRECI, já as pessoas que tinham interesse em exercer a
profissão teriam, a partir dalí, que participar de um curso básico profissional.
Com a nova Lei nº 6.530/78, essa regulamentada pelo Decreto-lei n.º
81.871/78 que estabeleceu que os profissionais inscritos nos termos da Lei n.º
4.116/62, desde que pleiteando, poderiam revalidar a sua inscrição, não obstante
também os que já possuíssem o título de Técnico em Transações Imobiliárias, de
acordo com o seu art. 1º.

28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 4. p. 23.

130
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Passadas as disposições transitórias, atualmente, segundo o COFECI,


para se tornar um profissional do mercado imobiliário, é fulcral que o indivíduo
seja possuidor de título de Técnico em Transações Imobiliárias29 ou de diploma
de curso superior3031 Sequencial e Tecnológico de Ciências Imobiliárias/Gestão de
Negócios Imobiliários.
Não tendo nenhum deles, o indivíduo deve matricular-se em instituição
de ensino devidamente credenciada/autorizada para realização de um dos cursos
e, por conseguinte, a obtenção do respectivo diploma32. Após a conclusão, poderá
promover o pedido de registro de sua inscrição33 definitiva na sede do CRECI
ou na Delegacia Regional/Seccional mais próxima de seu domicílio. Ademais, o
pleito será submetido à análise de uma Comissão, que poderá elaborar parecer,
solicitar informações ou documentos adicionais e por fim, a solenidade de entrega
da carteira profissional.
Neste jaez, é imprescindível destacar que o registro no CRECI é
obrigatório, de modo que a pessoa física ou jurídica não devidamente inscrita no
CRECI e que com habitualidade exerça atividade privativa do Corretor de Imóveis,
está sujeita a multa, conforme as alíneas a e b, do art. 1º da Resolução-COFECI
N° 316/9134.
Quanto ao COFECI e ao CRECI, de acordo com o que dispõe o art.
5º da Lei n.º 6530/78, esses são órgãos de disciplina e fiscalização de exercício
da profissão de corretor de imóveis, constituídos em autarquia, de personalidade
jurídica de direito público, seja na esfera federal ou regional, são dotadas de
autonomia administrativa, operacional, financeira e, por lógico, de poder de

29 Art 2º. BRASIL. Decreto nº 81.871, de 29 de junho de 1978. Regulamenta a Lei nº 6.530, de 12
de maio de 1978, que dá nova regulamentação à profissão de Corretor de Imóveis, disciplina o fun-
cionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências.
30 Art. 1º. BRASIL. Resolução-COFECI nº 695/2001. Equipara, para fins de inscrição de pessoas
físicas nos CRECI’s, os Diplomas expedidos por instituições de ensino superior.
31 Art. 1º. BRASIL. Resolução-COFECI nº 1.423/2019. Autoriza a inscrição de egressos de Cursos
Superiores na Área das Ciências Imobiliárias condicionado à apresentação de Diploma.
32 BRASIL. Resolução-COFECI Nº 717/2001. Estabelece a grade mínima de competências a serem
adquiridas pelos estudantes de ensino profissionalizante de Formação de Técnicos em Transações Imo-
biliárias.
33 BRASIL. Resolução-COFECI n.º 327/92. Revê, consolida e estabelece normas para inscrição de
pessoas físicas e jurídicas nos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis.
34 BRASIL. Resolução-COFECI n.º 316/91. Fixa parâmetros para determinação de pena pecuniária
aplicável às pessoas físicas e jurídicas que sejam autuadas no exercício ilegal da profissão.

131
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

polícia. Sobre a competência de cada conselho, no âmbito federal, está disciplinado


no art. 1635 da atual lei regulamentadora, sobre os conselhos regionais nos art. 1736
e 2137 da mesma lei.
No exercício da função de corretor de imóveis poderá sofrer sanções
administrativas dos órgãos fiscalizadores, mediante processo disciplinar, conforme
o Código de Processo Disciplinar da Resolução n.° 146/82, de modo que cumpre
ao CRECI aplicar as seguintes sanções disciplinares: advertência verbal; censura;
multa; suspensão da inscrição, até noventa dias e cancelamento da inscrição, com
apreensão da Carteira Profissional, nos moldes do art. 21 da Lei n.º 6.530/78.
Outrossim, na aplicação da sanção o CRECI orientar-se-á pelas
circunstâncias de cada caso, sendo leve ou grave a falta38, de modo que a reincidência
na mesma falta resultará na agravação da penalidade39, no mesmo passo, é possível a
cumulação de multas quando houver o cometimento de mais de uma penalidade e,
nos casos de reincidência na mesma falta, será aplicado o dobro40. Em se tratando
de suspensão, essa será anotada na Carteira Profissional do Corretor de Imóveis
ou responsável pela pessoa jurídica, caso não apresente para que seja consignada
a penalidade, o Conselho Regional poderá convertê-la em cancelamento da
inscrição41.
Nesse alpendre, cumpre frisar que ao corretor de imóveis, ainda na Lei
n.º 6.530/78 em seu art. 2042 destacam-se as vedações da profissão, não obstante o
Código de Ética da profissão (Resolução n.º 326/92) traz em sua deontologia o art.

35 BRASIL. Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978. Dá nova regulamentação à profissão de Corretor de


Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências.
36 Ibid.
37 Ibid.
38 § 1º do art. 21, da Lei n.º 6.530/78. BRASIL. Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978. Dá nova
regulamentação à profissão de Corretor de Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de
fiscalização e dá outras providências.
39 Ibid. § 2º do art. 21, da Lei n.º 6.530/78.
40 Ibid., § 3º do art. 21, da Lei n.º 6.530/78.
41 Ibid., § 4º do art. 21, da Lei n.º 6.530/78. BRASIL. Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978. Dá nova
regulamentação à profissão de Corretor de Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de
fiscalização e dá outras providências.
42 Ibid.

132
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

2º com os deveres gerais da profissão43; o art. 3º deveres relacionados ao exercício


da profissão44, à classe e aos colegas; o art. 4º deveres em relação aos clientes45; e o
art. 6º mais vedações à profissão46.
Destarte, o art. 5°, do Código de Ética do correto de imóveis deixa
claro que o profissional poderá responder civil e penalmente por atos profissionais
danosos ao cliente, a que tenha dado causa por imperícia, imprudência, negligência
ou infrações éticas. Desta feita, conforme Biela Jr.47, as condutas passíveis de ensejar
a responsabilidade civil do corretor de imóveis, podem ser exemplificadas com os
incisos I, III, IV, V, VI, IX, X, XI, XII, XIII, XVII, XVIII e XX do art. 6º do
Código de Ética, advindo assim, a responsabilização de uma conduta antiética do
profissional.

3.2 CONTRATO DE CORRETAGEM E O CÓDIGO CIVIL

O contrato de corretagem é aquele que o corretor de imóveis, mediante


remuneração, obriga-se a intermediar negócios para outra, de modo a disponibilizar
informações e esclarecimentos fulcrais à concordância contratual intermediada, de
acordo com o art. 722 do Código Civil.
Nesse jaez, o contrato de corretagem é típico (arts, 722 a 729 do CC);
causal; bilateral, ou seja, assumem obrigações recíprocas e interdependentes (art.
725 do CC); definitivo; consensual; não solene, uma vez que se admite a contratação
tácita; pode ser estabelecido tanto entre as partes como por adesão.
É oneroso, de modo que não havendo previsão contratual sobre a
remuneração, essa será presumida (art. 724, do CC), ainda que, doravante, haja
arrependimento ou realizem o distrato do negócio, conforme preceitua o art. 725
do CC. Ao que se refere à desistência, por se tratar de fase pré-contratual, não há
que se falar em direito à comissão.
Devido à necessidade de experiência, atribuição técnica, idoneidade e
habilidade o contrato de corretagem ter caráter personalíssimo, vez que depende

43 BRASIL. Resolução-COFECI n.º 326/92. Aprova o Código de Ética Profissional dos Corretores
de Imóveis.
44 Ibid.
45 Ibid.
46 Ibid.
47 JR, Biela. A responsabilidade civil do corretor de imóveis antiético. Kindle-Amazon, 2020. E-book.

133
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

da figura do corretor de imóveis. Trata-se ainda de um contrato aleatório, pois


depende de uma condicionante, estabelecendo uma obrigação de resultado, qual
seja a celebração do contrato principal, lembre-se que pelas partes, não estando
presente celebração o intermediador.
Por conseguinte, a doutrina em sua maioria caracteriza-o como acessório,
porque a relação contratual depende da celebração do negócio jurídico objetivado,
que é celebrado pelas partes, e não pelo corretor48. Todavia, outros autores destacam
que o contrato de corretagem existe mesmo que o negócio almejado não se conclua49.
Em relação às obrigações das partes, em regra, esse contrato gera
obrigações apenas para o corretor, como bem dispõe o art. 723 do Código Civil50,
por se tratar de uma obrigação resultado, guardando para si os riscos inerentes à
atividade, clara aplicação do princípio da boa-fé objetiva, regra geral do art. 422 do
Código Civil, sobre a prestação de informações. Deve, portanto, na fase de oblação,
ter cautela e esclarecer todas as sinuosidades que possam influir na celebração do
contrato principal. Por exemplo, apresentar imóvel hipotecado sem esclarecer tal
restrição, o corretor poderá responder por perdas e danos ao comprador do imóvel,
tendo em vista que esperava que o corretor exercesse sua atividade com decoro.
Quanto à obrigação em relação ao comitente, essa surgirá se o negócio
jurídico for celebrado, assim, devendo arcar com a remuneração do corretor, de
modo que não se deve responsabilizar a outra parte do contrato principal, vez que
não participou do contrato de corretagem.
Ao tratar da cláusula de exclusividade na corretagem, esculpida no art.
726 do Código Civil, deverá ser observada pelo comitente, sob pena de ter que
pagar o valor da remuneração de forma integral, mesmo que o negócio tenha sido
realizado sem a mediação do corretor exclusivo, salvo comprovação de inércia ou
ociosidade do último. Ademais, cabendo ao comitente o ônus da prova de que o

48 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. único. p. 716.
49 BORDIN, Andréia Hubner. O contrato de corretagem imobiliária e a responsabilidade do corretor de
imóveis no negócio jurídico. Tese (monografia) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria,
2013. p. 16.
50 Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao
cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio. Parágrafo único. Sob
pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca
da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir
nos resultados da incumbência. [Redação do caput e inclusão do parágrafo único dadas pela Lei n.
12.236, de 2010. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

134
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

corretor descumpriu com a obrigação básica de agir com prudência e ser sempre
diligente. Para Stolze e Pamplona Filho51, em caso de dúvida, cabe ao magistrado
decidir em favor do comitente.
Outrossim, o art. 727 do Código Civil preleciona que não havendo
prazo determinado no contrato de corretagem e o dono do negócio dispensar o
corretor, mas o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a
corretagem lhe será devida. Não obstante, será devida a remuneração, se o negócio
se realizar após a decorrência do prazo contratual, em razão do labor desempenhado
pelo corretor.
Já sobre a hermenêutica a ser desempenhada no art. 72852 do Código
Civil, mister se faz destacar que a atividade da corretagem compreende uma
série de atos, por exemplo, o primeiro corretor apresentou o imóvel a uma série
de clientes de forma breve, porém um desses a posteriori foi atendido para alguns
esclarecimentos do negócio e convencido por um segundo corretor, o último,
atuando de forma efetiva e decisiva para a celebração do contrato principal. Neste
cenário, se a aplicação do art. 728 do Código Civil fosse feita de acordo com a letra
fria da lei, o pagamento dar-se-ia em partes iguais para cada corretor.
No entanto, o intérprete da lei deve atentar-se à parte final do artigo
salvo ajuste em contrário, que autoriza ampliar o espectro interpretativo da aplicação
do princípio da proporcionalidade, de modo que o pagamento em partes iguais
deve ocorrer nos casos de impossibilidade de comprovação da divisão de tarefas
ou na própria aplicação da isonomia, quando realmente o trabalho dispendido ter
sido exercido de forma igual. Eis que mediante o exemplo em questão, fica claro,
portanto, que a remuneração a ser dividida em partes iguais não é equitativa, ao
invés de buscar a isonomia se tornará desarrazoada.

3.3 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Para observar a incidência deste capítulo ao que tange o Código de


Defesa do Consumidor, de princípio, é imprescindível dedicar a leitura dos arts. 2º

51 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. único. p. 719.
52 Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a remuneração
será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em contrário. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002. Institui o Código Civil.

135
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

e 3º desse compilado de normas e, por conseguinte, compreender que a corretagem


de imóveis é um serviço, esse regido pela referida legislação.
Nele dispõe dos conceitos de consumidor, que é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, sendo
ainda equiparado aqueles que tenham intervindo nas relações de consumo, mesmo
que indetermináveis. De fornecedor, sendo toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira e até os entes despersonalizados, desenvolvedores de
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
De produto, que é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Por fim, de serviço, significando uma atividade fornecida no mercado de consumo,
através remuneração, seja de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Neste momento, é possível inferir que a atividade de corretagem não se
resume à mera apresentação do cliente ao proprietário, seja numa venda ou locação,
está além disso, tem o encargo de durante toda o seu trabalho, agir com probidade,
boa-fé, zelo, prudência e, claro, diligência, para que informe e esclareça, mesmo
sem a necessidade do questionamento do cliente, quanto a segurança, riscos e
nuances do negócio. Sobre esses preceitos o Código é específico e cirúrgico quanto
à obrigação de prestar informações na integra de forma precisa sobre o imóvel e que
possam influenciar na vontade do interessado, quais sejam os arts 6º, incisos III,
IV, VI e § único; 20, incisos I, II, III e §§ 1º e 2º; 30; 31; 36, § único; 37, §§ 1º,
2º e 3º.53
Nesse sentir, o corretor de imóveis, precisa, em caso de consulta, tanto
detalhar ao cliente, como analisar se os dados contidos em informes publicitários
elaborados para divulgar o imóvel condizem com a realidade, devendo ter ainda
informações relativas ao registro da incorporação no Registro de Imóveis. Em se
tratando de imóveis novos, a prudência ganha um patamar mais elevado, devendo
verificar se as informações publicitárias estão consonância com o projeto que
será entregue. Seja qual for o caso, havendo diferença, é válido o que constar na
publicidade ou na informação dada na fase de oblação do contrato principal.
De mais a mais, considerando o crescente número de entidades que
se propõem a defesa do consumidor e a necessidade de buscar o alinhamento

53 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá


outras providências.

136
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

dos CRECIs, esses competentes para a fiscalização de pessoas físicas e jurídicas


inscritas unicamente no âmbito das atividades imobiliárias, para com estes
órgãos, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis – COFECI modernizou
e uniformizou o seu método de atendimento ao público, através da criação da
Comissão de Atendimento ao Consumidor no Mercado Imobiliário, denominada
CRECICON, composta por Corretores de Imóveis inscritos no Regional, sendo
uma via disponível para resolução de problemas consumeristas54.
Retornando ao Código de Defesa do Consumidor o mesmo já destaca
quais infrações penais poderá o corretor de imóveis incorrer se for antiético quanto
às informações e publicidades, essas dispostas nos arts. 66, §§ 1º e § 2º; 67; e
68. Quanto à responsabilidade civil e sua caracterização do Corretor de Imóveis é
polêmica se objetiva, sem necessidade de comprovação de culpa do profissional, ou
se subjetiva, com necessidade de comprovação de sua culpa.
Vez que, em regra, o Código de Defesa do Consumidor, a questão da
responsabilidade civil do corretor de imóveis envolve as relações de consumo, de
modo que o enquadramento da conduta do corretor que implicará na teoria da
responsabilidade objetiva (art. 14, caput, do CDC), tendo em vista que na condição
de consumidor, o cliente que se dirige à imobiliária ou ao corretor de imóveis
solicitando seus serviços tem reconhecida sua vulnerabilidade no mercado de
consumo (art. 4º, I, CDC), sendo, portanto, presumida a sua boa-fé. Por outro lado,
o mesmo texto, no §4º, art. 14 do CDC, trata dos casos em relação aos profissionais
liberais, o que será melhor debatido no próximo subtópico para analisarmos se a
vulnerabilidade do consumidor se sobrepõe à exceção dos profissionais liberais.

3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CORRETOR DE IMÓVEIS:


OBJETIVA OU SUBJETIVA?

Foi possível observar durante o desenvolvimento deste capítulo que a


responsabilidade surge em face de um descumprimento obrigacional, seja esse
contratual ou normativo e que busca conferir à vítima a ideia de restauração
mediante o pagamento de indenização.
O âmago da profissão do corretor de imóveis é trabalhar de forma
transparente, prudente e diligente para que se efetive a celebração do contrato
principal entre o comitente e o terceiro interessado no imóvel. Caso contrário,

54 BRASIL. Resolução-COFECI nº 325/92. Cria a Comissão de Atendimento ao Consumidor nos


Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis.

137
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

esse não receberá sua comissão, vez que o contrato de corretagem se caracteriza
por ser uma obrigação de resultado, o seu produto útil: a intermediação, prestando
as informações e esclarecimentos necessários que possam influenciar no gozo e
compra do imóvel, bem como assessorar durante o trâmite da negociação até o
momento da celebração contratual.
No mesmo passo, é importante relembrar que quando se trata da
responsabilidade civil do corretor de imóveis devemos aplicar uma interpretação
sistemática das leis, estando presente as leis especiais55, o Código Civil56 e o Código
de Defesa do Consumidor57. Concomitantemente, para análise dos pressupostos da
responsabilidade civil, o direito constitucional de acesso à informação do cliente,
art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal58, que resguarda os negócios jurídicos,
tal preceito é corroboro nas demais leis: art. 4º do Código de Ética da profissão,
art. 6º e 30 do CDC; art. 723 do CC. O dever de informar é, do mesmo modo,
fundamento para a responsabilidade do fornecedor, podendo responder pelos riscos
inerentes59.
Como por exemplo, em se tratando de publicidade, seja na internet ou
em outros meios, o corretor de imóveis que veicular qualquer informação para
divulgação do seu trabalho, estará obrigado a integrar no contrato o conteúdo da
oferta, outrossim, devendo ainda ter contrato escrito de intermediação imobiliária,
constando a habilitação do CRECI para iniciar o anúncio60. Nesse jaez, caso ocorra
ambiguidade, induzimento ao erro, falsidade das informações divulgadas e até
mesmo o direito de imagem61, se houver alguma exposição indevida que fuja do
objetivo da publicidade, proveniente de qualquer omissão ou ação que trate da

55 BRASIL. Resolução-COFECI nº 325/92. Cria a Comissão de Atendimento ao Consumidor nos


Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis. Vide subtópico 3.1.
56 Ibid. Vide subtópico 3.2.
57 Ibid. Vide subtópico 3.3.
58 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em
1988.
59 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 548.
60 Arts. 1º e 2º. BRASIL. Resolução-COFECI n.º 458/95. Dispõe sobre a obrigatoriedade do desta-
que do registro profissional em documentos e anúncios publicitários, e também sobre o número do
registro ou da incorporação imobiliária.
61 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 16456 SP 2015/0325698-0. Rel. Paulo de Tarso San-
severino. T3 – Terceira Turma. Julgado em 26/06/2018. Dje 29/06/2018.

138
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

divulgação do negócio é passível de responsabilidade civil contra o profissional


liberal, neste caso, o corretor de imóveis.
Do mesmo modo, como bem enfatizado anteriormente, o corretor
de imóveis não é mero intermediador, além de prestar todas as informações e
esclarecimentos necessários para a celebração de um contrato idôneo, é assaz que, ad
exemplo, num contrato de compra e venda, o profissional averigue as documentações
pertinentes antes da assinatura do contrato, abarcando tanto as documentações do
imóvel, a integridade seja do proprietário do imóvel ou do comprador, de acordo
quem seja o comitente.
A análise das documentações é ponto basilar para diagnosticar os perigos
da celebração do contrato, pensemos na hipótese que um indivíduo compra uma
casa para a moradia de sua família através de um corretor de imóveis, todavia,
esse restou omisso ao informar que tal bem era hipotecado. Ora, a existência do
gravame no imóvel é uma preponderante elementar para decisão da formalização
de um contrato de compra e venda, em virtude dos riscos inerentes62.
Outrossim, é incontroverso que a gama de hipóteses de pode configurar a
responsabilização do corretor imóveis é imensa. Sendo assim, em busca da melhor
didática, explorou-se o assunto da seguinte forma: casos de responsabilidade
solidária e individual do corretor com as possíveis teorias aplicáveis, para que no
tópico seguinte se analise a atual aplicação jurisprudencial dos tribunais brasileiros.
Conforme estudamos a responsabilidade civil do Código Civil, em regra,
é pautada na sua espécie subjetiva63. Já no âmbito consumerista, a aplicação se
inverte, sendo predominante a teoria objetiva da responsabilidade civil64, como
forma de dar paridade às partes, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor
reconhecer a vulnerabilidade desse em relação aos fornecedores e prestadores
de serviço, no entanto, com a mesma razão de justeza o legislador excepciona a
aplicação da responsabilidade civil subjetiva aos profissionais liberais65.

62 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ap 1006617-34.2015.8.26.0001. Rel. Penna Machado.


Julgado em 09/12/2020. Dje 09/12/2020.
63 Arts. 186 e 927, do Código Civil. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil.
64 Art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
65 Ibid., §4º, art. 14, do Código de Defesa do Consumidor.

139
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Desta feita, em sendo a relação de consumo com uma pessoa jurídica,


no caso da corretagem, uma imobiliária, não existem maiores desídias, sejam
doutrinárias ou jurisprudenciais, quanto à aplicação da teoria do risco, que nada
mais é a responsabilidade civil de forma objetiva, se demonstrado o dano, o nexo de
causalidade decorrente de ato comissivo ou omissivo e presumindo a culpa.
Ademais, é clarividente que para a criação de uma imobiliária é necessário
que exista, no mínimo, um corretor de imóveis para que essa pessoa jurídica exerça
a atividade típica, é consabido ainda que as imobiliárias com vários corretores a seu
serviço, sejam eles exercendo atividades de forma autônoma ou mediante contrato
de emprego, eis que a empresa na relação jurídica figura como fornecedora de
serviço.
Neste ponto, se em uma eventual ação contra a empresa imobiliária para
que pague indenização a um consumidor por um dano sofrido, onde o corretor
que prestou serviço não figurou na lide, por escolha da parte autora. Nesse caso,
se a condenação se concretizar a empresa poderá ajuizar ação contra o corretor
para ressarcir a empresa sobre a indenização integral ou parcial, na medida de sua
responsabilidade, caso demonstre que o corretor de imóveis agiu com dolo ou culpa
(§ 4º, art. 14, do CDC), personalizando o direito ao regresso (art. 13, § único,
do CDC). No entanto, de forma minoritária, é possível encontrar entendimentos
em que o corretor em litisconsórcio passivo com a imobiliária, pode se manifestar
como responsável objetivo e solidário66.
Passada a abordagem dos casos de responsabilidade solidária do corretor
de imóveis, devemos adentrar agora sobre o estudo da sua responsabilização em seu
labor individual, enquanto pessoa física. Não é segredo diante das disposições do
Código Civil e de Defesa do Consumidor, em se tratando do corretor de imóveis,
como profissional liberal, perfectibiliza-se na esfera subjetiva, portanto, devendo
haver o dano, o nexo de causalidade decorrente de ato comissivo ou omissivo, bem
como dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia).
No entanto, cumpre enfatizar que, majoritariamente, essa exceção
não altera o ônus da prova, que é do profissional se não laborou em equívoco,
dolo, imprudência ou negligência no exercício de sua atividade67. Rui Stoco,
diferentemente, entende que o Código de Defesa do Consumidor não abarca os

66 SILVA, Silvana de Fátima Machado da. Responsabilidade civil do corretor de imóveis. Tese (mono-
grafia) – Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2017. p. 52.
67 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 7. p. 333.

140
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

profissionais liberais, tendo em vista que excluiu a aplicação da responsabilidade


objetiva à tal categoria, art. 14, § 4º. Para ele, desse modo, não se sujeitariam,
também, ao princípio da inversão do ônus da prova68.
Sobre a análise da culpa lato sensu do corretor de imóveis, o dolo será
observado quando tiver a intenção de causar prejuízo à parte. Já no que concerne a
negligência restará configurada quando o corretor se omitir ou deixar de atuar em
situação em que deveria agir; a imprudência será visualizada quando tiver deixado
de tomar o cuidado devido na análise do imóvel, seja a parte física ou suas nuances
documentais, agindo sem a cautela necessária; e a imperícia diante de não observar
uma norma técnica aplicável ou até mesmo faltar aptidão e/ou habilidade para o
exercício da profissão.
Destarte e tratando-se de divergência doutrinária/jurisprudencial da
aplicação à teoria objetiva não seria diferente, é possível encontrar o entendimento
de que nos casos de publicidade e propaganda, o corretor de imóveis deverá
responder objetivamente sobre seus atos, de acordo com Marlon Besbati, o art. 38
do Código de Defesa do Consumidor ao dispor que o ônus da prova da veracidade
e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
Para ele, sendo a exceção do profissional liberal para aplicação da teoria do risco,
outrossim, destaca que o corretor desenvolve atividades típicas de natureza intuitu
personae lastreada na confiança do profissional, como também outros serviços que
não detêm tal característica69.
Ademais, embora haja os quatro elementos como compositores de uma
genérica responsabilização civil, a dada responsabilização sobre esse profissional
passa por sinuosidades advindas da tênue divisa entre a responsabilização e as
condutas que influenciam ao tipo de responsabilização pode ser configurado, qual
seja objetiva ou subjetiva. Por outro lado, o legislador disciplinou regulamentação
específica sobre o tema, não obstante, estando presente tanto no Código Civil
como no Código de Defesa do Consumidor. Porém, tais disposições legais são
suficientes para uma resposta definitiva capaz de solucionar as discussões acerca da
responsabilização civil do corretor de imóveis? É evidente que não, para isso, serão
analisados os entendimentos que mais reverberam no judiciário brasileiro.

68 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil do Advogado à luz das recentes alterações legislativas, In:
LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes temas da atualidade: responsabilidade civil. 1. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006. p. 520.
69 BESBATI, Marlon. Responsabilidade civil do corretor de imóveis. Tese (monografia) – Universidade
do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008. p. 58-59.

141
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

4 O COMPORTAMENTO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO ACERCA DA


RESPONSABILIDADE DO CORRETOR DE IMÓVEIS

Ab initio, para a busca de jurisprudências que refletisse o entendimento


atual no Brasil, buscou-se em diversos tribunais do país, de modo que os tribunais
a serem citados nas decisões escolhidas não reflete o número de tribunais analisados
e sim o seu teor, ou seja, como as Egrégias Cortes estão se manifestando nos casos
de responsabilidade civil do corretor de imóveis.
O primeiro dissídio trazido é a apelação cível nº 7008331558, na décima
sétima câmara cível da comarca de Rio Grande do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, julgado em 19/12/2019, que teve como relator o Desembargador
Gelson Rolim Strocker, tratando-se de duas pessoas que em outubro de 2014
foram atraídos por oportunidade de negócio no município, firmando contrato de
promessa particular de compra e venda de imóvel. O negócio foi intermediado por
imobiliária, que resultou na compra de um apartamento, onde no contrato não
havia prazo ajustado para a efetiva entrega da área, sendo recentemente notificados
que seria alterado o projeto original do edifício acarretando ainda mais atrasos.
Historiaram que quando adquiriram o imóvel esse estava em fase de
construção, já na instalação de pisos e azulejos com previsão de término para final
de 2014, a qual foi prorrogada para março de 2015, sem que o imóvel tenha sido
entregue até a propositura da demanda (maio de 2016).
Devido à demora alegaram que passam por dificuldades financeiras e
pagam aluguel de forma injustificada, quando deveriam estar utilizando do imóvel
adquirido, argumentando assim, que na ausência de prazo ajustado em contrato
o pacto deve ser considerado nulo e, por conseguinte, postularam a procedência
para condenar os réus ao pagamento de indenização que abranja os danos de
ordem moral, material, pugnando pela rescisão contratual cumulada com multa do
contrato de compra e venda.
Houve transação com alguns réus, restando a ação contra o corretor de
imóveis e a imobiliária, que defenderam a tese que a atuação se limitou a intermediar a
venda do imóvel, recebendo comissão dos vendedores e nunca efetuaram promessas
de entrega do imóvel no prazo ajustado, buscando, por lógico, a improcedência,
A sentença foi de improcedência, vindo os autores a recorrem, sustentando
que no contrato intermediado pelos réus não existia prazo para a entrega do imóvel,
havendo assim, falha na prestação dos serviços.

142
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Quanto às razões do acórdão, a turma recursal observou que, no caso em


questão, o papel da imobiliária e do corretor, então corréu, foram de intermediação
da compra e venda. Ademais, que o corretor atuou conforme o seu labor, analisando
ainda o nexo de causalidade dos réus com o dano, bem como a culpa em relação
ao corretor, pois não se verificou qualquer indício de responsabilidade oriundos da
demora pela entrega do imóvel.
O douto relator destacou ainda que o ponto central da apelação da parte
demandante, é a responsabilização solidária do corretor, que, no caso, não ocorreu,
tendo em vista que não se comprova que o corretor tenha omitido quanto ao dever
de informação à promitente compradora. Enfatizou ainda que o art. 725 do CC
é claro no sentido de que a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha
conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se
efetive em virtude de arrependimento das partes. Dessa forma, por unanimidade,
negaram provimento ao apelo.
Por conseguinte, há uma responsabilidade solidária entre o corretor e
a imobiliária vinculados à averiguação como geradores do dano. Então, possui
legitimidade passiva tanto a imobiliária, quanto o corretor que prestou o serviço
diretamente, afinal ambos têm papéis essenciais na intermediação do interessado
com o negócio jurídico.
A interpretação do art. 186 do Código Civil, de acordo com o Superior
Tribunal de Justiça, exige como elementos da responsabilidade civil a conduta
humana, a culpa do violador lato sensu, o nexo de causalidade e o dano sofrido pela
vítima, sendo essa a regra para toda responsabilidade civil70, ou seja, o instituto
em seu caráter subjetivo é regra para configuração da sanção indenizatória. No
mesmo passo, em relação ao corretor de imóveis, por se tratar de uma relação de
consumo e esse ser um profissional autônomo, § 4º art. 14 do Código de Defesa
do Consumidor, a verificação pauta-se ainda à regra do Código Civil, qual seja a
teoria do risco.
Em se tratando ainda do julgado analisado, por se tratar de um
litisconsórcio facultativo, a parte autora optou por ajuizar a ação tanto contra o
corretor como a imobiliária. Todavia, caso escolhesse iniciar a ação contra apenas
uma das partes e restasse configurada a imposição da sanção indenizatória, a parte
ré poderia exigir do outro causador, mediante de ação própria, a parte que causou

70 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 884.009/RJ. Rel. Ministra Nancy Andrighi. T3 – Ter-
ceira Turma. Julgado em 10/05/2011. DJe 24/05/2011.

143
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

dano ao consumidor. Se a ação regressiva viesse a ser apresentada contra a corretora,


bastava a inequívoca a existência de dano decorrente de ação ou omissão da pessoa
jurídica, em relação ao corretor de imóveis, além dos requisitos anteriores, a culpa
lato sensu é exigível.
Não obstante, como exemplo do dever de diligência, temos a apelação
n.º 1015822-36.2019.8.26.0005, julgada em 30/11/2020, da 1ª vara cível do foro
regional de São Miguel Paulista, na comarca de São Paulo, a parte autora, ora
recorrente, apelou da sentença de piso na busca de maior condenação contra o
réu (recorrido). A apelação trata de suposta incúria do corretor no exercício da
corretagem, onde deixou de promover anotações em Cartório de Registro de
Imóveis para a devida transferência do imóvel, diligência essa que se obrigou,
fazendo parte da remuneração que percebeu.
Ademais, o corretor estava munido de instrumento de mandato para
tal diligência, o relator do caso destacou que a parte autora, após quase dez anos
do negócio jurídico, deve de esclarecer sua real posição jurídica no que tange o
imóvel, por meio de inquérito civil em investigação de suposto estelionato. Nessas
circunstâncias, o relator desembargador Carlos Russo, julgou no sentido de dar
parcial provimento ao recurso, para majorar o arbitramento por dano moral e
ajustes na sucumbência, entendimento esse seguido pelos demais desembargadores
presentes.
Isto posto, em síntese, mesmo havendo a existência de posicionamentos
doutrinários e jurisprudências, de forma minoritária, quanto à aplicação da
responsabilidade objetiva em casos específicos como a responsabilidade solidária do
corretor com a imobiliária ou na ocorrência de publicidade/propaganda enganosa, a
aplicação de uma hermenêutica sistemática das leis71 leva a concluir que as atividades
laborais do corretor de imóveis, profissional autônomo, devem ser analisadas no
campo subjetivo da responsabilidade civil. No entanto, tal fato, não obsta, sub
judice, aplicar a teoria do risco em casos extremamente específicos que só podem
ser verificados na análise do magistrado para se preservar a equidade das partes,

71 Para Cláudia Lima Marques, essa terminologia pode ser chamada de diálogo sistemático de coe-
rência das fontes. Ademais, destaca que em relação ao CDC, o judiciário brasileiro foi pródigo ao
adotarem tal método para resguardar a prevalência do princípio pro homine e a eficácia horizontal
dos direitos fundamentais, em aplicação do CDC nas relações privadas, em hard cases. Portanto,
assegurando uma tutela especial e digna à pessoa humana, leiga e consumidora (art. 5º, XXXII, CF).
MARQUES, Cláudia Lima. O “Diálogo das Fontes”, como método da nova teoria geral do direito:
um tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Cláudia Lima (org.). O diálogo das fontes: do conflito à
coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 36-39.

144
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

ponto basilar do microssistema consumerista, que reconhece a vulnerabilidade do


consumidor perante os fornecedores ou prestadores de serviço.

5 CONCLUSÃO

Resta claro, portanto, que os objetivos deste trabalho foram alcançados,


quais sejam o conceito da atividade do corretor de imóveis, a base do instituto
da responsabilidade civil, para, a partir disso, percorrer estudo sistemático das
legislações aplicáveis a este profissional liberal e verificar tanto os posicionamentos
doutrinários como jurisprudenciais da responsabilidade civil do corretor de imóveis.
Nesse jaez, o Corretor de imóveis é toda pessoa física e jurídica habilitada
para desenvolver a mediação na compra, venda, locação e permuta de imóveis,
bem como opinar sobre a comercialização imobiliária. O Código Civil de 2002,
estabelece a relação negocial e por conseguinte sua incidência jurídica, sendo o
contrato de corretagem negócio jurídico que utiliza da figura do corretor de imóveis,
esse se obriga a obter para o contratante um ou mais negócios, de acordo com as
diretrizes estabelecidas. Neste cenário, é inserido o instituto da responsabilidade
civil, que busca conduzir ao equilíbrio sinalagmático da relação.
Atualmente, de acordo com o COFECI, para se tornar um profissional
do mercado imobiliário, é fulcral que o indivíduo seja possuidor de título de
Técnico em Transações Imobiliárias ou de diploma de curso superior Sequencial e
Tecnológico de Ciências Imobiliárias/Gestão de Negócios Imobiliários. Portanto,
o registro no CRECI é obrigatório, de modo que a pessoa física ou jurídica não
devidamente inscrita no CRECI e que com habitualidade exerça atividade privativa
do Corretor de Imóveis, está sujeita a multa, conforme as alíneas a e b, do art. 1º da
Resolução-COFECI n° 161/83.
Ao tratar das obrigações específicas à profissão, o corretor de imóveis
está vinculado ao art. 20 da Lei n.º 6.530/78 que inserem algumas vedações da
profissão, como também deve observar o Código de Ética da profissão (Resolução
n.º 326/92) que traz os deveres gerais da profissão no art. 2º; deveres relacionados
ao exercício da profissão, à classe e aos colegas no art. 3º; os deveres em relação aos
clientes no art. 4º; e o art. 6º mais vedações à profissão.
Nesse jaez, o contrato de corretagem é típico (arts. 722 a 729 do CC);
causal; bilateral, definitivo; consensual; não solene; pode ser estabelecido tanto
entre as partes como por adesão; personalíssimo; aleatório; oneroso, de modo que
não havendo previsão contratual sobre a remuneração, essa será presumida, ainda

145
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

que, doravante, haja arrependimento ou realizem o distrato do negócio. Sendo


a desistência, fase pré-contratual, não há direito à comissão. Fala-se ainda como
acessório, porque a relação contratual depende da celebração do negócio jurídico
objetivado, porém, há divergência destacando que o contrato de corretagem existe
mesmo que o negócio almejado não se conclua.
Em relação às obrigações das partes, em regra, esse contrato gera
obrigações apenas para o corretor, como bem dispõe o art. 723 do Código Civil,
por se tratar de uma obrigação resultado, guardando para si os riscos inerentes
à atividade Deve, portanto, na fase de oblação, ter cautela e esclarecer todas as
sinuosidades que possam influir na celebração do contrato principal. Já em relação
ao comitente, essa surgirá se o negócio jurídico for celebrado, arcando, portanto,
com a remuneração do corretor.
Fica claro, portanto, que a atividade de corretagem não se resume à mera
apresentação do cliente ao proprietário, tem o corretor o encargo de durante todo o
seu trabalho, agir com probidade, boa-fé, zelo, prudência, diligência e transparência
nas informações, mesmo sem a necessidade do questionamento do cliente, quanto
a segurança, riscos e nuances do negócio. Sobre à obrigação de prestar informações
na integra de forma precisa o Código de Defesa do Consumidor detém vários
artigos que disciplinam tal obrigação, quais sejam os arts. 6º, incisos III, IV, VI e
§ único; 20, incisos I, II, III e §§ 1º e 2º; 30; 31; 36, § único; 37, §§ 1º, 2º e 3º.
Ainda sobre o Código de Defesa do Consumidor, foi possível visualizar
que a responsabilidade civil do corretor de imóveis envolve as relações de consumo.
Assim, o microssistema excepciona regra exclusiva aos profissionais liberais, no
§4º, art. 14 do CDC, aplicando a responsabilidade contra ele se verificada a culpa
lato sensu. A culpa lato sensu do corretor de imóveis, abarca tanto o dolo, quando
esse tiver a intenção de causar prejuízo à parte e a culpa stricto sensu (negligência,
imprudência ou imperícia).
Vê-se a negligência quando omitir ou deixar de atuar em situação em que
deveria agir; a imprudência, quando tiver deixado de tomar o cuidado devido na
análise do imóvel, seja a parte física ou suas nuances documentais, agindo sem a
cautela necessária; e a imperícia, quando não observar uma norma técnica aplicável
ou até mesmo faltar aptidão e/ou habilidade para o exercício da profissão.
De mais a mais, a existência de divergência doutrinária/jurisprudencial
na aplicação da responsabilidade civil é o grande óbice do trabalho. Assim, após a
análise jurisprudencial, a interpretação sistemática das leis conclui que as atividades

146
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

laborais do corretor de imóveis, profissional autônomo, devem ser analisadas no


campo subjetivo da responsabilidade civil. O que não obsta, sub judice, aplicar
a teoria do risco em casos extremamente específicos, que deverão ser verificados
na análise do magistrado para se preservar a equidade das partes, em respeito ao
microssistema consumerista, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor
perante os fornecedores ou prestadores de serviço.
Por fim, destaque-se que o protagonismo das decisões judiciais para
aplicação da responsabilidade objetiva do corretor de imóveis, diversa da regra
verificada no ordenamento jurídico, deve ser uma medida comedida.

147
REFERÊNCIAS

BESBATI, Marlon. Responsabilidade civil do corretor de imóveis. Tese (monografia)


– Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.

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BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código


Civil.

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil


promulgada em 1988.

BRASIL. Decreto nº 81.871, de 29 de junho de 1978. Regulamenta a Lei nº 6.530,


de 12 de maio de 1978, que dá nova regulamentação à profissão de Corretor de
Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras
providências.

CELANI, Sílvia. Histórico da Profissão: Corretor de Imóveis. 2019. Disponível


em: https://www.cofeci.gov.br/historia-do-corretor-de-imoveis. Acesso em: 1 dez.
2020.

BRASIL. Lei nº 6.530 de 12 de maio de 1978. Dá nova regulamentação à


profissão de Corretor de Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de
fiscalização e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências.

148
BRASIL. Resolução-COFECI n.º 316/91. Fixa parâmetros para determinação
de pena pecuniária aplicável às pessoas físicas e jurídicas que sejam autuadas no
exercício ilegal da profissão.

BRASIL. Resolução-COFECI n.º 326/92. Aprova o Código de Ética Profissional


dos Corretores de Imóveis.

BRASIL. Resolução-COFECI nº 325/92. Cria a Comissão de Atendimento ao


Consumidor nos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis.

BRASIL. Resolução-COFECI n.º 327/92. Revê, consolida e estabelece normas para


inscrição de pessoas físicas e jurídicas nos Conselhos Regionais de Corretores de
Imóveis.

BRASIL. Resolução-COFECI n.º 458/95. Dispõe sobre a obrigatoriedade do


destaque do registro profissional em documentos e anúncios publicitários, e
também sobre o número do registro ou da incorporação imobiliária.

BRASIL. Resolução-COFECI nº 695/2001. Equipara, para fins de inscrição de


pessoas físicas nos CRECI’s, os Diplomas expedidos por instituições de ensino
superior.

BRASIL. Resolução-COFECI nº 1.423/2019. Autoriza a inscrição de egressos de


Cursos Superiores na Área das Ciências Imobiliárias condicionado à apresentação
de Diploma.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 16456 SP 2015/0325698-0. Rel.


Paulo de Tarso Sanseverino. T3 – Terceira Turma. Julgado em 26/06/2018. Dje
29/06/2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 884.009/RJ. Rel. Nancy Andrighi. T3


– Terceira Turma. Julgado em 10/05/2011. DJe 24/05/2011.

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Voto n° 39.014. Rel. Carlos Russo. Julgada em 30/11/2020. Dje 30/11/2020.

149
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap 7008331558/RS. Rel.
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STOCO, Rui. Responsabilidade Civil do Advogado à luz das recentes alterações


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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Atlas, 2013.

151
07 Contador

Fabrício Germano Alves


Ingrid Altino de Oliveira

1 INTRODUÇÃO

A regulação específica da profissão de contador remete a 1964, a


partir do Decreto-lei nº 9.295, que criou o Conselho Federal de Contabilidade,
definiu as atribuições do Contador e do Guarda-livros, e deu outras providências.
Segundo o artigo 2º da referida lei, a profissão contábil é exercida pelo profissional
devidamente habilitado como contador e técnico em contabilidade, e esta atuação
é fiscalizada pelo Conselho Federal de Contabilidade e pelos Conselhos Regionais
de Contabilidade.
A Contabilidade é norteada também por princípios fundamentais que
visam garantir a sua transparência e integridade. Desse modo, a profissão contábil
é regulada pelos Princípios Fundamentais de Contabilidade, as Normas Brasileiras
de Contabilidade e o Código de Ética Profissional. Os Princípios Fundamentais
de Contabilidade estão previstos na resolução CFC 750/931 e são: Princípio da
Entidade; da Continuidade; da Oportunidade; Registro pelo Valor original;
Atualização Monetária; da Competência; e, o Princípio da Prudência.
Já as Normas Brasileiras de Contabilidade orientam como o contador
deve processar a sua conduta profissional e quais procedimentos seguir na execução
dos seus trabalhos. Conforme a Resolução CFC n.º 1.156 DE 13 de Fevereiro de

1 BRASIL. Resolução Cfc nº 1.282, de 28 de maio de 2010. Atualiza e consolida dispositivos da


Resolução CFC nº 750/93, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade. Resolu-
ção Conselho Federal de Contabilidade. Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/
respcaocfc1282_2010.htm. Acesso em: 2 fev. 2021.

152
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

20092, estas normas podem ser: técnicas, que estabelecem conceitos doutrinários,
regras e procedimentos aplicados à contabilidade (tem o prefixo NBC T); ou
normas do tipo profissionais, as quais estabelecem regras do exercício profissional
(tem o prefixo NBC P).
Para além das questões normativas há ainda a questão Ética que deve
direcionar a formação de um contador. Neste sentido, caráter, índole, bons hábitos,
honestidade e responsabilidade, são alguns dos valores que mediam a atuação
contabilística. Defronte à importância da Ética, foi aprovado pelo Conselho Federal
de Contabilidade a Resolução nº 803 de 10 de outubro de 19963, que aprovou o
Código de Ética profissional do Contador. Este, por sua vez, foi revogado pela
Norma Brasileira de Contabilidade PG/CFC/NBC nº 1 de 07 de fevereiro 20194,
a qual positiva o atual Código de Ética dos contadores.
O contador pode trabalhar para organizações empresariais, sendo
encarregado de fornecer balanços e demonstrações financeiras periódicas sobre a
atuação destas empresas. Ou pode trabalhar em um escritório contábil, a partir
de uma associação coletiva de contadores. Mas para além do contador vinculado,
há uma contínua expansão do contador autônomo, profissional liberal que se
consolida no mercado a partir da prestação de serviços, mas sem possuir vínculo
com escritórios ou entidades empresariais.
A partir disso, é importante analisar como o legislador pode reforçar
a responsabilidade civil do contador, como estabelecer com que os profissionais
desse ramo tenham maior compromisso com o serviço prestado. Desse modo, este
Capítulo se propõe a verificar a responsabilização civil do contador, investigando
como o legislador despendeu esforços para positivar a responsabilidade civil do
contador, de modo a proteger aqueles que contratam seus serviços. Bem como,
busca identificar as características das relações entre contadores e clientes à luz do
ordenamento jurídico brasileiro.

2 BRASIL. Resolução Cfc nº 1.156, de 13 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre a Estrutura das Normas
Brasileiras de Contabilidade. Resolução Conselho Federal de Contabilidade. Disponível em: http://
www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucaocfc1156_2009.htm. Acesso em: 2 fev. 2021.
3 BRASIL. Resolução CFC nº 803, de 10 de outubro de 1996. Aprova o Código de Ética Profissional
do Contabilista – CEPC. Código de Ética Profissional do Contabilista Cepc. Disponível em: https://
www.legisweb.com.br/legislacao/?id=95805. Acesso em: 2 fev. 2021.
4 BRASIL. Norma nº 1, de 07 de fevereiro de 2019. Aprova a NBC PG 01 – Código de Ética
Profissional do Contador. Norma Brasileira de Contabilidade. Disponível em: https://www.legisweb.
com.br/legislacao/?id=374819. Acesso em: 2 fev. 2021.

153
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A fim de atingir os objetivos propostos, esta pesquisa utiliza-se, sobretudo,


do método hipotético-dedutivo, que consiste na elaboração de premissas que
norteiam a análise das problemáticas propostas. Destarte, foram formuladas
hipóteses iniciais após a identificação da problemática social da responsabilização
civil do contador, sobretudo autônomo, ainda carecer de legislação suficiente o
que consolida muita abstração jurídica. Em seguida, estas deduções foram filtradas
por conhecimentos teóricos, como doutrinas contábeis e jurídicas, como meio de
constatar a veracidade das teses propostas. Ademais, usa-se o método histórico, a fim
de se compreender a construção do da responsabilidade civil na sociedade brasileira,
e como a responsabilização dos contadores tem se manifestado no ordenamento
jurídico brasileiro. Para isto, são estudadas as legislações civis em conjunto com
doutrina contabilística e a jurisprudência, como forma de fundamentar a evolução
da responsabilização civil no Brasil.
Diante dos expostos, a presente pesquisa se apresenta justificável no
contexto de ascensão da atividade contábil autônoma. Visto que, identificar
formas de ligar o profissional de contabilidade às consequências de sua atuação é
fundamental para forçar estes profissionais a se responsabilizarem por serviços mal
prestados. Reitere-se ainda, que investigar a responsabilidade civil do contador não
é somente uma forma de proteger os clientes, mas também de valorizar a profissão,
pois uma regulamentação eficaz qualifica a profissão. Ademais, o ramo contábil
ainda carece de material legislativo e doutrinário que esclareça sobre a reparação dos
danos causados por um mau contador.

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA E FUNDAMENTOS DA


RESPONSABILIDADE CIVIL

O conceito de responsabilidade civil pode ser entendido como sendo uma


obrigação de assumir as consequências jurídicas de um fato. Estas consequências
podem variar entre o propósito de reparação dos danos e a punibilidade do agente
lesionante. Dessa forma, se configura como um dever jurídico sucessivo que deve
estar de acordo com os interesses lesados.5
Neste sentido, a responsabilidade civil compreende um desdobramento
jurídico de um fato ilícito, que estabelece uma obrigação de reparação àquele que
violou o direito de alguém. Destarte, possui propósito reparatório ao compensar

5 STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020. p. 1137.

154
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

os danos sofridos pelo lesado, bem como, possui aspecto de punição ao agente
causador da lesão. Assim, configura-se um mecanismo jurídico de controle social,
pois visa mitigar danos a partir da coação derivada do dever de reparação.
Em função das peculiaridades, a responsabilidade civil pode ser classificada
em espécies. Primeiro, conforme a culpa do agente, a responsabilidade civil será
subjetiva, que decorre de dano causado em função de ato doloso ou culposo; ou
objetiva, na qual o dolo ou a culpa na conduta do agente lesionante é dispensável,
somente sendo necessária a existência de nexo de causalidade entre o dano e a
conduta do agente, para que surja a obrigação de reparação civil6.
Já em relação à natureza jurídica da norma violada pelo agente causador
do dano, a responsabilização pode ser do tipo contratual ou extracontratual.
A responsabilização extracontratual surge do descumprimento direto de um
mandamento legal, decorrendo da atuação ilícita do agente. Todavia, se entre as
partes envolvidas há uma prévia relação contratual que as vincula, e o dano decorre
de violação à obrigação fixada neste contrato, então a responsabilidade civil será
contratual7.

2.1 NATUREZA JURÍDICA DAS RELAÇÕES QUE ENVOLVEM SERVIÇOS


CONTABILÍSTICOS

A contabilidade é um sistema informacional e de avaliação cujo objetivo


é fornecer informações úteis a seus usuários, de forma a apoiá-los em sua tomada
de decisões de natureza econômica e financeira8. Desse modo, os contadores são
fornecedores, os quais “são compreendidos todos quantos propiciarem a oferta de
bens e serviços no mercado de consumo, de molde a atender às suas necessidades,
pouco importando a que título [...]”9.
Assim, contabilidade é a ciência que estuda os fenômenos ocorridos
no patrimônio das entidades, a partir de registros, classificações, demonstrações
expositivas e análises dos fatos financeiros com o propósito de orientar seus clientes
na tomada de decisões. Dessa forma, o contador orienta sobre a composição

6 STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020. p. 1137.
7 Ibid. p. 335-362.
8 OLIVEIRA, C. M. Responsabilidade civil e penal do profissional de contabilidade. São Paulo: IOB-
-Thomson, 2005. p. 27.
9 FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 44.

155
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

do patrimônio, suas variações e os resultados econômicos decorrentes da gestão


patrimonial10.
Desta definição, extrai-se que o profissional contábil atua fornecendo
informações patrimoniais e econômicas, que são utilizadas para direcionar pessoas
físicas e jurídicas em suas decisões financeiras. Assim sendo, se constitui um vínculo
entre o contador e quem o contratou, pois as informações oferecidas podem
impactar significativamente na administração patrimonial do seu contratante. Isto
porque, aquele que contrata os serviços de um contador faz uso das orientações
prestadas para decidir sobre a disposição do seu patrimônio.
Destarte, o contador passa a ser responsável pelas consequências
derivadas da informação prestada, havendo com isso um nexo de causalidade entre
a informação prestada e a consequência patrimonial decorrente. Mas fato a se
analisar é a natureza da relação jurídica estabelecida entre contador e contratante.
Conforme já elucidado, o profissional contábil oferta informações e orientação,
além de balanços e relatórios financeiros, consistindo assim em um prestador de
serviços.
Diante disso, verifica-se que se forma uma relação entre o contador e
quem o contratou, relação esta que possui fundamento no Direito e por isso produz
consequências jurídicas. Desse modo, cabe uma investigação a respeito da natureza
da relação jurídica estabelecida. Dentro do Direito Civil há as relações jurídicas
pessoais que derivam das obrigações em lato sensu, que são “relações patrimoniais
entre um credor (sujeito ativo) e um devedor (sujeito passivo) a quem incumbe o
dever de cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação de dar, fazer ou não
fazer”11.
Há ainda as relações jurídicas reais, que são elucidadas12. Sendo assim,
relações estabelecidas entre o bem ou coisa e o titular do direito real, que detém o
direito de disposição sobre a coisa.
Em relação ao serviço de contabilidade há formação de uma relação
jurídica pessoal, pois vincula dois sujeitos, estabelecendo um vínculo entre quem

10 FRANCO, Liliam Farias; CARDOSO, Jorge Luis. Responsabilidade civil e penal do profissional
contábil. ConTexto. Porto Alegre. v. 9, n. 15. 1º semestre 2009, p. 21. Disponível em: https://seer.
ufrgs.br/ConTexto/article/view/11332/6705. Acesso em: 3 fev. 2020.
11 STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020. p. 335.
12 Ibid. p. 337.

156
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

tem o direito à prestação e o sujeito que tem o dever de cumprir a prestação devida.
Nesta análise, o contador ocupa o polo do devedor, tendo o dever de realizar a
prestação, enquanto o contratante é o credor que detém o direito de receber a
prestação. E a prestação devida, por sua vez, consiste no serviço contábil negociado.
Todavia, apesar de se encaixar nos requisitos de uma obrigação civil, a
atividade contabilística não se exaure no Direito da Obrigações. Isto porque, para
além de se obrigar a fazer algo, o contador fornece para seu contratante um serviço
nos termos do artigo 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Ademais, a pessoa física ou jurídica que contrata o serviço de contabilidade
pode ser considerada consumidora, conforme o artigo 2º do CDC, que classifica
como consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final”. Dessa forma, consumidor pode ser entendido
como qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrata para consumo
final, em benefício próprio ou de outro, a aquisição ou locação de bens ou prestação
de serviços. Além disso, equipara-se à condição de consumidor a coletividade que
potencialmente esteja sujeita ou propensa à referida contratação13.
No serviço contabilista o cliente se comporta como destinatário final ao
ser o último receptor do serviço, fazendo uso das orientações para suas decisões
particulares sem destiná-las para comercializações. Desse modo, a relação jurídica
firmada entre o contador e seu cliente possui as características de uma relação
consumerista e por isso é regulada pelo microssistema consumerista, especialmente
pelo Código de Defesa do Consumidor.14 E para uma efetiva proteção do
consumidor é imprescindível que o intérprete, juiz ou aplicador da lei reconheça
com exatidão que se trata de uma relação de consumo para que seja aplicado o
microssistema tutelar do consumidor15.
Defronte a isso, enquanto relação de consumo, a posição do contratante
é de vulnerabilidade e o contador possui responsabilidade pelo serviço prestado,
estando ligado às consequências das informações que transmitir, pois é intuitivo
que quem contrata um serviço contábil segue as indicações feitas pelo profissional
para direcionar futuras escolhas patrimoniais. Assim, em caso de receber
orientação indevida, ou errônea, o contratante fará escolhas financeiras que podem

13 FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 26.
14 Ibid. p. 26.
15 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Ma-
nual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. p. 105.

157
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

comprometer seu patrimônio. Assim sendo, o contador possui responsabilidade em


caso de lesão decorrente dos seus serviços.

2.2 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA

A responsabilidade civil advém de ato ilícito que causa lesão a direito


de outro, sendo que “a imputação do resultado da conduta antijurídica, implica
necessariamente a obrigação de indenizar o mal causado”16.á duas teorias que
explicam a responsabilidade civil. A teoria francesa considera que o princípio
definidor da responsabilidade civil é de ordem pública e por isso, indisponível ao
particular que não poderia abrir mão da ação reparatória. Já a teoria belga, segundo
a qual a responsabilidade civil foi instituída por princípio de interesse privado e que
por isto, seria admitida sua derrogação mediante vontade das partes17.
O conceito da responsabilidade civil possui três requisitos essenciais: a
necessidade de uma conduta antijurídica, que por um nexo causal ocasiona um
dano. A verificação da conduta jurídica abrange todo comportamento que contrarie
o Direito, seja por omissão ou comissão, sendo dispensável que o agente queira
fazer o mal. Já o dano é tomado no sentido de lesão a um bem jurídico, que seja
material ou imaterial, de natureza patrimonial ou extrapatrimonial. Por último,
o nexo de causalidade corresponde à identificação de que sem o comportamento
antijurídico o resultado de dano não ocorreria18.
Como a relação contabilística é de consumo, o CDC aplica-se
primariamente. Mas em caso de ausência de norma reguladora neste código
específico, deve fazer uso da responsabilidade em sentido lato prevista no Código
Civil. Neste, a responsabilidade civil está prevista no título IX, sendo trabalhada
entre os artigos 927 e 954. Conforme o Art. 927 do referido código, aquele que
causa dano a outro por causa de ato ilícito fica obrigado a repará-lo. Nos casos
especificados em lei, a obrigação de reparar o dano será independente de culpa ou
quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano ser, por sua natureza, um risco
para os direitos de outros19.

16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 527.
17 Ibid. p. 527.
18 Ibid. p. 528.
19 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Código Civil. Brasília.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em:
24 jan. 2021.

158
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Nestes termos, passa-se à análise da atividade contabilística e como surge


a responsabilidade civil do contador. Como supra analisado, o profissional contábil
possui a atribuição de repassar informações que direcionam decisões patrimoniais
daqueles que contratam seus serviços. Nesse sentido, estabelece o Código de Ética
Profissional do Contabilista em seu artigo 4º, alínea a, que são deveres do contador
o exercício da profissão com zelo, diligência, honestidade e capacidade técnica.
Devendo observar as Normas Brasileiras de Contabilidade e a legislação vigente,
resguardando o interesse público, os interesses de seus clientes ou empregadores,
sem prejudicar a dignidade e independência dos profissionais20.
Já o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor prevê que, o
fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços, por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos21. Segundo o
parágrafo primeiro do referido artigo, o serviço é defeituoso quando não fornece
a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais: modo de fornecimento; resultado e riscos
que razoavelmente dele se esperam; e a época em que foi fornecido22.
Diante do artigo 14, §2º, é previsto que o serviço não é considerado
defeituoso quando ocorrer adoção de novas técnicas. E o parágrafo subsequente prevê
exclusões da responsabilidade do fornecedor do serviço, que são: tendo prestado o
serviço, o defeito for inexistente; ou se a culpa for exclusiva do consumidor ou de
terceiros. Cabe destaque ainda o §4º que estabelece que “a responsabilidade pessoal
dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Dessa forma, tratando-se de contador autônomo, o tratamento jurídico
é o previsto pelo artigo 14, §4º, o qual estabelece uma responsabilidade jurídica
subjetiva, determinando que a apuração é mediante a culpa lato sensu, que inclui
o dolo e a culpa stricto sensu (negligência, imprudência ou imperícia). Enquanto
escritórios de contabilidade, como uma coletividade que presta serviço contábil,

20 BRASIL. Norma Brasileira de Contabilidade, nº1, de 07 de fevereiro de 2019. Código de Éti-


ca Profissional do Contabilista. Disponível em: http://www.portaldecontabilidade.com.br/legislacao/
cepc.htm. Acesso em: 25 jan. 2021.
21 Art. 14 do Decreto-Lei nº 9.295. BRASIL. Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria o
Conselho Federal de Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Guarda-livros, e dá outras
providências. Rio de Janeiro, RJ.
22 Art. 14, §1º do Decreto-Lei nº 9.295. BRASIL. Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria
o Conselho Federal de Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Guarda-livros, e dá
outras providências. Rio de Janeiro.

159
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

são tratados conforme o caput do artigo 14 do CDC sendo responsabilizados


independentemente da demonstração de culpa.
Defronte a isso, o contador que age de forma desonesta, ocultando
informações, alterando dados, ou fornecendo informações falsas está contrariando
sua ética profissional e ensejando em danos ao consumidor. Assim sendo, o
fornecimento de um serviço contabilístico deficitário implica em consequências
para o cliente, que tomará decisões patrimoniais baseadas em informações erradas
que poderão comprometer a sua estabilidade financeira. Destarte, o contador
comete violação ética e fica responsável pelas consequências do seu serviço prestado,
tendo o dever de reparação dos danos causados.
Neste sentido, conforme o disposto em seu artigo 4º, todo contabilista
deve exercer a sua profissão com zelo, diligência e honestidade, observada a sua
independência profissional. Deve também guardar sigilo sobre as informações que
souber advindas da sua função, bem como, tem o dever de manifestar a qualquer
momento a existência de impedimento para o exercício de sua função.
Ademais, cabe salientar que conforme o artigo 373, inciso I do Código
de Processo Civil (CPC)23, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato
constitutivo do seu direito. Dessa forma, em caso de responsabilização civil de
contador cabe à parte lesada provar que o erro do profissional ensejou danos.
Todavia, em caso de hipossuficiência do consumidor, o artigo 6, VIII do CDC
determina que é direito do consumidor ter a defesa dos seus direitos facilitada,
inclusive com a possibilidade de inversão do ônus da prova em seu favor. Assim,
quando o juiz considerar verossímil a alegação de hipossuficiência segundo as regras
ordinárias de experiências24.
Diante do exposto, observa-se que a atividade contabilística pode causar
dano ao consumidor, na medida em que o serviço prestado seja impróprio e
insuficiente para as necessidades do contratante. Assim sendo, uma consequência no
patrimônio do consumidor decorrerá da ação ilícita do profissional contabilística,
havendo assim, uma causalidade. Desse modo, restam comprovados os três
elementos essenciais para ensejar a responsabilidade civil.

23 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 2 fev. 2021.
24 Art. 6º, VIII do Decreto-Lei nº 9.295. BRASIL. Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria o
Conselho Federal de Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Guarda-livros, e dá outras
providências. Rio de Janeiro.

160
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA ATIVIDADE


CONTABILÍSTICA E FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO
EM LEI ESPECIAL

Como já mencionado, a atividade contabilística é regulada de forma


específica pelo Decreto-lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, o qual criou o
Conselho Federal de Contabilidade e os Conselhos Regionais de Contabilidade,
além de definir as atribuições do contador. Segundo o artigo 2º do referido Decreto,
o Conselho Federal e os Conselhos Regionais são responsáveis pela fiscalização do
exercício da contabilidade.
Para além disso, cabe ao Conselho Federal a organização do seu Regimento
Interno; aprovação dos Regimentos Interno organizados pelos Conselhos Regionais
cabendo modificações do necessário, a fim de manter a respectiva unidade de ação;
conhecer as dúvidas suscitadas nos Conselhos Regionais e dirimi-las; decidir,
em última instância, recursos de penalidade imposta pelos Conselhos Regionais;
publicar anualmente relatório sobre seus trabalhos, em que deverá figurar a relação
de todos os profissionais registrados; regular acerca dos princípios contábeis, do
Exame de Suficiência, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de
educação continuada; e editar Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza
técnica e profissional25.
Já aos Conselhos Regionais são atribuídas as funções de expedição e
registro da carteira profissional, prevista no artigo 17 do Decreto-lei nº 9.295,
o exame das reclamações e representações escritas acerca dos serviços de registro
e das infrações dos dispositivos legais vigentes, relativos ao exercício da profissão
de contabilista, decidindo a respeito; a fiscalização do exercício das profissões de
contador, impedindo e punindo as infrações; a publicação de relatório anual de
seus trabalhos e a relação dos profissionais registrados; elaboração da proposta
do seu regimento interno, submetendo-o à aprovação do Conselho Federal de
Contabilidade; representação ao Conselho Federal Contabilidade acerca de
medidas necessárias para regularização e fiscalização; e admissão da colaboração das
entidades de classe nos casos relativos à matéria das alíneas anteriores.
Ademais, o artigo 12 do Decreto-lei nº 9.295/1946 estabelece que
contadores somente poderão exercer a profissão após a regular conclusão do

25 Art. 6º do Decreto-Lei nº 9.295. BRASIL. Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria o


Conselho Federal de Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Guarda-livros, e dá outras
providências. Rio de Janeiro.

161
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Bacharelado em Ciências Contábeis, que seja reconhecido pelo Ministério da


Educação, seguida de aprovação em Exame de Suficiência e o registro no Conselho
Regional de Contabilidade a que estiverem sujeitos. E conforme o parágrafo
primeiro deste mesmo artigo, “o exercício da profissão, sem o registro a que alude
este artigo, será considerado como infração do presente Decreto-lei”. Destaca-se
ainda, que conforme o artigo 13, os profissionais punidos pela ausência do registro
regular não poderão obter o devido registro se não provarem o pagamento das
multas incorridas26.
Esta exigência de cadastro no Conselho Regional é uma forma de assegurar
um exercício efetivo da contabilidade, pois com o registro de todos os profissionais
é viabilizado ao Conselho Federal acompanhar os contadores nacionais de modo a
fiscalizá-los. Desse modo, o contador que não é registrado comete ato ilícito pois
está violando seu Código Profissional e dificultando a fiscalização do seu serviço.
Sendo assim, ele deve ser responsabilizado juridicamente.
A responsabilização do contador por infração a este Código profissional
é prevista no artigo 27 do Decreto-lei nº 9.295/1946. Neste consta que podem
ser aplicadas penas de multa, suspensão do exercício da profissão, cassação do
exercício profissional, advertência reservada, censura reservada ou censura pública.
Acrescenta-se ainda, que segundo o artigo 31 “As penalidades estabelecidas neste
Capítulo não isentam de outras, em que os infratores hajam incorrido, por violação
de outras leis”. No caso do profissional autônomo, ele responde isoladamente
pela infração cometida, devendo arcar com as multas. Já em caso de contador que
trabalhe em associação, firmas, sociedades, companhias, ou empresas, estas são
solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas.
Mas para além da responsabilidade por infração ao código profissional,
vale reiterar que como já elucidado, o contador pode ser responsabilizado civilmente
nos termos do artigo 927 do Código Civil, com respaldo também no Art. 14 do
Código de Defesa do Consumidor.
Assim, nos termos do artigo 39 do CDC, é vedado ao contador práticas
abusivas, tais como: condicionar o fornecimento dos seus serviços à contratação de
outro serviço; exigir do consumidor cláusulas excessivamente abusivas; beneficiar-
se da ignorância do consumidor para tirar proveito da prestação do serviço; prestar
o serviço contábil sem a solicitação prévia do consumidor; elevar sem justa causa o

26 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria o Conselho Federal de Contabilidade,


define as atribuições do Contador e do Guarda-livros, e dá outras providências. Rio de Janeiro.

162
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

preço dos seus serviços; ou recusar a fornecer o serviço a quem se disponha a pagar,
salvo os casos regulados em leis especiais.

4 ANÁLISE DE DECISÕES JUDICIAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE


CIVIL DO CONTADOR

Já elucidada a responsabilização do profissional contábil, passa-se agora


a um estudo sobre o posicionamento dos Tribunais a respeito da responsabilidade
do contador de modo a permitir a compreensão da proteção aos contratantes
dos serviços contábeis. Bem como, constatar como as decisões reconhecem a
responsabilidade do contador.
O primeiro caso trata-se de uma apelação cível. Em sua defesa o apelante
alega prescrição do direito de ação, inexistência de danos morais indenizáveis e que
a apelada não sofreu nenhum prejuízo decorrente dos fatos narrados27.
Segundo os fatos que constam na petição inicial, a pessoa jurídica conta
que contratou o contador para a prestação de serviços nos idos de 1990, conforme
comprovam recibos de pagamentos. Contudo, afirma que em 1992 o contador
cometeu erro grosseiro ao elaborar a declaração de rendimentos no período base
de 1991, o que gerou um débito fiscal de mais de cem mil reais em 31/11/2000
junto à Secretaria da Receita Federal. E por esta dívida, a União Federal propôs
execução cobrando o crédito tributário. Diante dos fatos, a empresa alega que teve
que contratar auditoria externa e assessoria jurídica, o que lhe causou prejuízo
patrimonial acrescido de dano moral por ter seu nome inscrito em dívida ativa.
Defronte a isso, o relator da apelação fundamentou que no presente caso
há uma típica relação de consumo, pois segundo o mesmo as partes se enquadram
nos conceitos de fornecedor e consumidor estabelecidos no CDC. Constata-se aqui
a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade contabilística, pois
como já analisado o contador é prestador de serviço nos termos do artigo 14, §4º do
CDC. Diante disso, o presente caso precisou ser analisado à luz do CDC que em
seu artigo 27 prevê que prescreve em cinco anos a pretensão à reparação por danos
causados por serviço, devendo a contagem do prazo iniciar após o conhecimento
do dano e da sua autoria28.

27 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70057549909.
Relator: Marco Antonio Angelo. Apelação Cível. Rio Grande do Sul.
28 Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

163
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Desse modo, a apelação foi reconhecida, pois o dano sofrido pela parte
autora foi descoberto em 2000, mas a ação ajuizada apenas em 2006, o que a torna
uma ação já prescrita. Porém, diferente dos apontamentos de que não houve dano
moral e material, constata-se que houve sim esse dano tendo em vista o prejuízo de
mais de cem mil reais que foram sofridos e o dano moral pela negativação do nome
da empresa perante os registros do Ministério da Fazenda. Aqui, cabe menção
a Súmula 37 do STJ que estabelece serem cumuláveis as indenizações por dano
material e dano moral oriundos do mesmo fato29.
Nesta decisão constata-se a aplicação da responsabilidade subjetiva do
contador, que por ser autônomo submete-se às determinações do artigo 14, §4º, do
CDC. Desse modo, coube à empresa agrícola comprovar que a atuação do contador
causou o dano patrimonial alegado mediante culpa ou dolo, pois na ausência do
subjetivo do contador não poderá ensejar a responsabilização.
Analisa-se agora uma decisão monocrática a respeito de agravo em
recurso especial. Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu seu recurso
especial contra sentença condenatória por danos morais e materiais.30 Conforme
autos da apelação cível, nos termos do artigo 14, §4º, do CDC, a responsabilidade
civil do profissional liberal pelos serviços que presta é subjetiva. Por isso, depende
da comprovação do dano, do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e se
houve culpa do profissional. Dessarte, para que seja comprovada a responsabilidade
do contador a parte autora, nos termos do artigo 373, inciso I, do CPC/15, deve
comprovar que o dano superveniente da prestação do serviço contábil decorre de
culpa ou dolo do contador31.
Diante disso, o magistrado reconheceu o transtorno que a parte autora
sofreu por ter sido autuada pela Receita Federal, tendo que compor justo ao Fisco.
Todavia, conforme o juiz do caso, não há como presumir que esta situação foi
capaz de ultrapassar o ordinário de modo a configurar dano extrapatrimonial
passível de indenização. Não configurando assim, uma situação em que os danos
morais decorrem in re ipsa e por isso, é imprescindível a comprovação de que os

29 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 37. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/


sumstj/toc.jsp. Acesso em: 2 fev. 2021.
30 ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Apelação Cível nº 0000126-
03.2006.8.08.0047. Relator: Telemaco Antunes de Abreu Filho.
31 Art. 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro
de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências.

164
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

transtornos causaram dano moral. Desse modo, o recurso de apelação foi negado
unanimemente.
Ademais, no acórdão entendeu-se pelo cabimento da indenização
formuladas pela parte autora, fundamentando que para que enseje a responsabilidade
civil do contador, cumpre à parte autora, nos termos do artigo 373, inciso I, do
Código de Processo Civil, comprovar que o dano superveniente da prestação
do serviço contábil decorre de dolo ou culpa do profissional (responsabilidade
subjetiva). No litígio em questão, é imputada culpa ao contador, devendo a autora
comprová-la e ocorre que nos autos há comprovação de que o demandado, por
imperícia, causou o prejuízo demonstrado na petição inicial, que foi a inadimplência
perante o Fisco.
Na decisão ora analisada foi reconhecida a responsabilidade subjetiva
do contador autônomo, que enquanto profissional liberal só é passível de
responsabilização mediante a comprovação de culpa lato sensu (dolo ou culpa stricto
sensu). Isto conforme o já explanado artigo 14, §4º do CDC. Porém, conforme
previsão do artigo 373, I, do CPC, para ensejar a condenação do contador é
imprescindível que a parte autora comprove os danos decorrentes do serviço
prestado pelo contador. Visto que, para a configuração do dever de indenizar é
necessário se reunir os três elementos da responsabilidade civil, que são: fato ilícito,
dano e nexo causal.

5 CONCLUSÃO

A atividade contábil enseja a responsabilidade civil abordada de forma


genérica pelo artigo 927 do Código Civil, gerando para o contador que prestar
serviços defeituosos a obrigação de indenizar o seu contratante. Neste sentido, há
um vínculo de responsabilidade entre o contador e o consumidor, que quando
presente o ato ilícito, o dano e o nexo causal, se forma o dever de reparação jurídica.
Para além do Código Civil, a relação entre o contador e o seu contratante
se encaixa na típica relação de consumo prevista e regulada pelo Código de Defesa
do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Haja vista, que como supra elucidado o
contratante do serviço de contabilidade ao dispor das orientações recebidas para
guiar escolhas particulares e não a tornar produto comerciável comporta-se como
destinatário final do serviço. Assim sendo, é consumidor conforme os artigos 2º e
3º do CDC. Destarte, evidencia-se que há uma proteção ao consumidor que estará

165
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

acobertado pelo CDC, uma legislação específica protetiva do consumidor que o


considera como parte mais vulnerável da relação.
Desse modo, nos termos do artigo 14 do CDC, o prestador que ofertar
serviço defeituoso deve responder independente de culpa (responsabilidade
objetiva) pelo dano causado ao consumidor. Todavia, o artigo 14, §4º prevê que
caso o profissional seja autônomo (profissional liberal) sua responsabilidade deve
ser subjetiva, sendo imprescindível a demonstração da culpa lato sensu do agente.
Assim, o contador que trabalha em associação, empresa ou corporação se enquadra
na responsabilidade objetiva prevista no caput do artigo, enquanto que o contador
que atua como profissional liberal será responsabilizado subjetivamente.
Ademais, como uma profissão social, a contabilidade possui preceitos
próprios que orientam o exercício digno da profissão a fim de assegurar sua função
na sociedade. Estes valores se materializam no Código de Ética do Profissional
Contador, no qual constam diversos deveres e direitos para o profissional. Dessa
forma, o contabilista também possui responsabilidade de natureza ética caso viole
diretrizes do seu Código de Ética, podendo ser penalizado por sanções de multa,
suspensão do exercício da profissão, cassação do exercício profissional, advertência
reservada, censura reservada ou censura pública.
Por fim, constata-se que sendo uma profissão que implica na administração
financeira das pessoas físicas ou jurídicas, serviços de contabilidade prestados de
forma inadequada oferecem altos riscos patrimoniais aos seus consumidores. Haja
vista, que as orientações do contador são utilizadas pelo contratante para nortear
suas finanças. Assim sendo, há um risco inerente à profissão contabilista, pois
caso as informações fornecidas sejam incoerentes, com erros ou manipuladas, isto
pode afetar o patrimônio do consumidor. Assim, quando comprovado dano ao
patrimônio, o contador autônomo tem o dever de reparação civil, pois conforme o
Art. 14, §4º do CDC sua responsabilidade é subjetiva.
Além da informação errada, conforme as jurisprudências analisadas,
constata-se que o contador também pode afetar o patrimônio do consumidor
quando deixa de fazer as declarações dos bens aos órgãos da Fazenda Nacional. Isto
porque, a omissão patrimonial configura-se ilícito que forma uma dívida com a
União, a qual pode ajuizar ação de execução. Com isto, o patrimônio do consumidor
fica exposto, tendo que arcar com a dívida oriunda do erro do contador. Destarte,
cabe ação de responsabilidade civil por danos materiais e morais.

166
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Reitera-se ainda, que conforme determinações do artigo 373, I, do Código


de Processo Civil, cabe à parte autora provar a ocorrência do dano. Neste sentido,
em sentido lato, cabe ao consumidor afetado provar que o erro do contador causou
dano ao seu patrimônio ou à sua honra, de modo que enseje reparação material e
moral. Todavia, o Código de Defesa do Consumidor prevê no seu artigo 6º, inciso
VIII, que é direito do consumidor a inversão do ônus da prova.
Por fim, conclui-se que, a atividade contabilística possui risco para a
sociedade na medida em que um serviço prestado com deficiência pode causar
danos patrimoniais e morais. Dessa forma, a relação da prestação de serviço contábil
está na área de proteção da responsabilidade prevista no Código Civil, mas também
é alcançada pelas determinações do CDC, que protegem as relações consumeristas.
Assim sendo, o contador precisa ter cautela em sua atuação pois em caso de atos
ilícitos que causem dano, ensejará obrigação de reparação.

167
REFERÊNCIAS

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Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
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l10406compilada.htm. Acesso em: 24 jan. 2021.

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170
08 Engenheiro Agrônomo

Luiz Felipe Monteiro Seixas


Victor Motta de Azevedo Rocha

1 INTRODUÇÃO

A preponderância da atividade agrícola no desenvolvimento da economia


brasileira se configura como uma realidade pungente na atual conjuntura
socioeconômica do país. O agronegócio, por exemplo, é responsável por gerar o
valor de R$ 1,55 trilhão em bens e serviços, o equivalente à 21,4% do Produto
Interno Bruto da nação. Deste valor total, 68% advém do ramo agrícola,
contabilizando R$ 1,06 trilhão, enquanto os outros 32% são correspondentes à
pecuária, configurando R$ 494,8 bilhões1.
Nesse sentido, fica evidente a importância do trabalho difundido pelo
engenheiro agrônomo, tendo em vista que a sua atuação é imprescindível para haver
não só a ampliação desta produtividade, mas também a manutenção da qualidade
dos bens resultantes deste processo. Ainda, cabe elencar o valor social atrelado a esta
prática, já que o resultado primordial de tal exercício profissional é a produção de
alimentos para a sociedade2.
Não obstante, em razão da possibilidade de se aferir danos ao meio
ambiente como uma consequência da difusão de práticas agrícolas inadequadas, a

1 CNA. Panorama do agro. Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/cna/panora-


ma-do-agro#:~:text=O%20agroneg%C3%B3cio%20tem%20sido%20reconhecido,do%20PIB%20
brasileiro%5B1%5D. Acesso em: 3 fev. 2020.
2 FERTIMAXI. Engenheiro agrônomo: Conheça a importância da profissão. Disponível em: http://
fertimaxi.com.br/engenheiro-agronomo-conheca-a-importancia-da-profissao/#:~:text=Faz%20a%20
orienta%C3%A7%C3%A3o%20geral%20sobre,do%20plantio%2C%20entre%20outros%20mais.
Acesso em: 3 fev. 2020.

171
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

atuação do engenheiro agrônomo também terá um papel significativo neste sentido.


O desmatamento, a utilização de agrotóxicos, a contaminação do solo e a emissão
de gases do efeito estufa são alguns dos exemplos relativos aos efeitos danosos que
pode ser consequência das atividades deste cunho3.
Dessa forma, é possível concluir quanto a significativa relevância da
atuação do engenheiro agrônomo. Sob tal perspectiva, mostra-se relevante o estudo
da responsabilidade civil de tal profissional, aferível para eventuais condutas ilícitas,
seja em face de uma normal legal ou contratual, responsáveis por ensejar alguma
espécie de dano.
Preliminarmente, faz-se necessário esclarecer a definição da terminologia
correta de utilização para se referir ao profissional em questão. Comumente,
é verificável a utilização do termo “agrônomo” como sinônimo de engenheiro
agrônomo. Contudo, para fins técnicos de utilização neste artigo, tal profissão será
referenciada como engenharia agrônomo e as suas variantes de mesmo sentido.
Tal fato se dá em atenção ao estabelecido na Lei Federal nº 5.194/1966,
responsável por regular a profissão, a qual não utiliza o termo “agrônomo”, somente
“engenheiro agrônomo”. Ademais, a Resolução nº 218/1973 do Conselho Federal
de Engenharia e Agronomia (CONFEA), também somente faz alusão ao termo
“engenheiro agrônomo”4.
Cumpre destacar que o termo “agronomia”, segundo o especialista José
Otávio Menten, remete para uma acepção mais abrangente, sendo um sinônimo
para ciências agrárias. Neste contexto, neste campo também estarão contidos a
engenharia florestal, agrícola e de pesca/aquicultura. Em razão disso, inclusive,
há quem sustente a utilização do termo “engenharia agronômica” em oposição à
“engenharia agrônoma”5.

3 G1. Por que o futuro do agronegócio depende da preservação do meio ambiente no Brasil. Disponível
em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/07/16/por-que-o-futuro-do-agrone-
gocio-depende-da-preservacao-do-meio-ambiente-no-brasil.ghtml. Acesso em: 3 fev. 2020.
4 BRASIL. Lei nº 5.1946, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das profissões de Enge-
nheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5194.htm. Acesso em: 3 fev. 2020.
5 MENTEN, José. Opinião: Engenharia agronômica ou agronomia? Engenharia agronômica.
Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso/agrodebate/noticia/2014/08/opiniao-engenha-
ria-agronomica-ou-agronomia-engenharia-agronomica.html#:~:text=A%20Lei%20Federal%20
5.194%2F66,N%C3%A3o%20emprega%20o%20termo%20agr%C3%B4nomo.&text=Agrono-
mia%20deve%20ser%20utilizado%20com,Engenharia%20Agron%C3%B4mica%20e%20n%-
C3%A3o%20Agronomia. Acesso em: 3 fev. 2020.

172
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

No caso, tendo em vista que a agronomia é um largo campo científico,


a engenharia agrônoma seria apenas um ramo dentre vários outros, não
compreendendo todas as especificidades abarcadas por ela. Logo, a denominação
“engenharia agronômica” seria a mais correta de utilização6.
Contudo, para fins didáticos, será utilizado o termo “engenheiro
agrônomo” no presente artigo, para que seja mais fácil a sua identificação e
correlação com as acepções profissionais atribuídas, principalmente em matéria de
responsabilidade civil.

2 O PROFISSIONAL ENGENHEIRO AGRÔNOMO LIBERAL

O engenheiro agrônomo pode ser definido como o profissional cuja


função primordial é a de aperfeiçoar as atividades agropecuárias, promovendo
não só o aumento, mas também a preservação da qualidade e produtividade,
principalmente, de plantações, rebanhos e produtos agroindustriais. Assim, tal
ocupação irá acarretar o envolvimento do técnico em todas as etapas inerentes ao
processo do agronegócio, seja no planejamento, execução, ou coordenação de suas
atividades7.
Dessa forma, o seu mercado de atuação é bastante amplo, comportando
diversos ramos, tais como a Zootecnia, Fitotecnia e a produção agroindustrial,
dentre outros. Estes fazem referência à produtividade dos animais; ao cultivo
de plantações; e a industrialização dos produtos agrícolas, respectivamente8. A
Zootecnia irá envolver atividades como o melhoramento genético e a nutrição da
espécie fomentada, enquanto na Fitotecnia há a preocupação com a melhora dos
sistemas de produção, abarcando o processo do cultivo de sementes até o plantio,
irrigação e colheita. Já a produção agroindustrial faz referência ao gerenciamento

6 MENTEN, José. Opinião: Engenharia agronômica ou agronomia? Engenharia agronômica.


Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso/agrodebate/noticia/2014/08/opiniao-engenha-
ria-agronomica-ou-agronomia-engenharia-agronomica.html#:~:text=A%20Lei%20Federal%20
5.194%2F66,N%C3%A3o%20emprega%20o%20termo%20agr%C3%B4nomo.&text=Agrono-
mia%20deve%20ser%20utilizado%20com,Engenharia%20Agron%C3%B4mica%20e%20n%-
C3%A3o%20Agronomia. Acesso em: 3 fev. 2020.
7 UNICESUMAR. Engenheiro agrônomo: Conheça mais sobre o profissional e as suas atribuições.
Disponível em: https://blog.unicesumar.edu.br/engenheiro-agronomo. Acesso em: 4 fev. 2021.
8 BRASIL. Lei nº 5.1946, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das profissões de Enge-
nheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5194.htm. Acesso em: 4 fev. 2020.

173
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

do procedimento de transformação das matérias-primas agrícolas em produtos


industrializados, no qual há o controle e monitoramento da qualidade dos produtos
destinados ao mercado, por exemplo9.
Há, ainda, dois setores notáveis que estão abarcados pela carreira do
agrônomo, quais sejam: a defesa sanitária, relacionada com a fiscalização dos
alimentos; e a engenharia rural, conectada com as construções rurais, como as obras
de sistemas de irrigação e drenagem10.
Portanto, em termos gerais, as principais características atreladas à
profissão, inerentes aos seus diversos ramos, são as de coordenar, supervisionar e
fornecer orientação técnica. Estas abrangem atividades mais específicas como o
controle de qualidade, administração de equipes e coletas de dados, por exemplo.
Contudo, fica evidente o caráter multifacetado da profissão e a suas principais
atribuições no tocante à sua função e, consequente, responsabilidade como
profissional11.
Especificamente com relação ao engenheiro agrônomo liberal, faz-se
necessário, primeiro, remeter sucintamente à concepção teórica do conceito de
profissional liberal, para então aplicá-lo no contexto da realidade do engenheiro
agrônomo. Nesse sentido, o profissional liberal é aquele cujo exercício da profissão
é marcado pela ausência de subordinação e suas atividades estão relacionadas,
geralmente, com o conhecimento técnico especializado atrelados ao exercício
permanente de uma profissão12.
Os exemplos mais recorrentes são advogados, médicos e engenheiros
em geral. Nesse contexto, é válido salientar que, como uma categoria própria, há
determinados parâmetros a serem atendidos para que haja a sua inserção nesta
denominação. Especificamente, a sua singularização estará centrada nas questões
atreladas com formação técnica do profissional.

9 UNICESUMAR. Engenheiro agrônomo: Conheça mais sobre o profissional e as suas atribuições.


Disponível em: https://blog.unicesumar.edu.br/engenheiro-agronomo. Acesso em: 4 fev. 2021.
10 Ibid.
11 FERTIMAXI. Engenheiro agrônomo: Conheça a importância da profissão. Disponível em: http://
fertimaxi.com.br/engenheiro-agronomo-conheca-a-importancia-da-profissao/#:~:text=Faz%20a%20
orienta%C3%A7%C3%A3o%20geral%20sobre,do%20plantio%2C%20entre%20outros%20mais.
Acesso em: 4 fev. 2020.
12 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.

174
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Assim, além da necessidade de formação específica para que haja o


estabelecimento da condição de profissional liberal, este também deve estar
devidamente registrado no conselho profissional e contribuir com o sindicato da
categoria. Tais exigências o diferenciam de outras categorias, como o profissional
autônomo.
Nota-se que, por apresentar uma autonomia técnica, a qual enseja
determinadas responsabilidades, o profissional liberal poderá responder
juridicamente em decorrência de erros e falhas cometidos durante o exercício da
sua atividade. Ainda, tal condição enseja para ele a possibilidade de efetivar a sua
prática independente de vínculo empregatício, ou ter de se formalizar por meio de
uma pessoa jurídica.
Nesse contexto, o profissional liberal não pode se qualificar como
um microempreendedor individual (MEI), tendo em vista a impossibilidade de
enquadramento na sua condição exigida legalmente.
No caso, o engenheiro agrônomo liberal, em conformidade com as
características expostas anteriormente, deverá ter, além da formação técnica no
curso de ensino superior específico, o registro profissional junto ao Conselho de
Engenharia e Agronomia (CREA) da sua respectiva região.
Para fins da análise desenvolvida neste trabalho, é pertinente ressaltar que
o recorte do profissional em questão será o engenheiro agrônomo liberal que não
possuí nenhum vínculo empregatício com uma empresa no exercício da atividade
e não se formalizou como pessoa jurídica para a sua prática independente. Ou seja,
o objeto é a sua prestação de serviços como pessoa física.

4 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E FORMA DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

No que tange à responsabilidade civil do engenheiro agrônomo faz-se


necessário, primeiro, analisar a regulamentação específica inerente à atuação da
profissão, com as suas disposições legais sobre a temática.

175
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

O art. 5º da Resolução 218/1973, do CONFEA13 foi a normativa


responsável por estabelecer a suas atribuições profissionais no território brasileiro,
em conformidade com o exposto a seguir:

Art. 5º compete ao ENGENHEIRO AGRÔNOMO: I – o


desempenho das atividades 01 a 18 do artigo 1º desta Resolu-
ção, referentes a engenharia rural; construções para fins rurais
e suas instalações complementares; irrigação e drenagem para
fins agrícolas; fitotecnia e zootecnia; melhoramento animal e
vegetal; recursos naturais renováveis; ecologia, agrometeoro-
logia; defesa sanitária; química agrícola; alimentos; tecnologia
de transformação (açúcar, amidos, óleos, laticínios, vinhos e
destilados); beneficiamento e conservação dos produtos ani-
mais e vegetais; zimotecnia; agropecuária; edafologia; fertili-
zantes e corretivos; processo de cultura e de utilização de solo;
microbiologia agrícola; biometria; parques e jardins; mecani-
zação na agricultura; implementos agrícolas; nutrição animal;
agrostologia; bromatologia e rações; economia rural e crédito
rural; seus serviços afins e correlatos14.

Além dela, há a Lei nº 5.194/1966, que regula o exercício da profissão do


engenheiro agrônomo, além de arquitetos e demais engenheiros. Especificamente,
embora o seu capítulo II seja intitulado como “Da Responsabilidade e Autoria”,
abarcando os artigos 17 a 23, fica notório, a partir da sua leitura, quanto ao enfoque
quase que totalitário da redação nas disposições atreladas às questões autorais15.
O artigo 22 é um dos poucos a fazer referência a discussões centradas em
uma acepção direta de responsabilidade. No caso, ele estabelece que, quando há
o desenvolvimento de projetos no qual o seu ator convoca outros profissionais da
organização, estes serão corresponsáveis nas partes a eles atreladas16.

13 CONFEA. Resolução 218, de 29 de junho de 1973. Discrimina atividades das diferentes modalida-
des profissionais da Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Disponível em: http://normativos.confea.
org.br/ementas/visualiza.asp?idEmenta=266. Acesso em: 5 fev. 2020.
14 Ibid.
15 BRASIL. Lei nº 5.1946, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das profissões de Enge-
nheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5194.htm. Acesso em: 5 fev. 2020.
16 Ibid.

176
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

O referido artigo está assim redigido: “Art. 22 Sempre que o autor do


projeto convocar, para o desempenho do seu encargo, o concurso de profissionais
da organização de profissionais, especializados e legalmente habilitados, serão estes
havidos como co-responsáveis na parte que lhes diga respeito”17.
Ainda sobre esta questão, o parágrafo único do art. 18 irá versar sobre a
situação na qual o autor do projeto original está impedido ou se recusa a modificá-
lo e, neste sentido, afirma que o seu substituto estará responsável pelo “projeto ou
plano modificado”. Neste mesmo sentido corrobora e complementa o parágrafo
único do art. 20:

Parágrafo único. A responsabilidade técnica pela ampliação,


prosseguimento ou conclusão de qualquer empreendimento
de engenharia, arquitetura ou agronomia caberá ao profissio-
nal ou entidade registrada que aceitar esse encargo, sendo-lhe,
também, atribuída a responsabilidade das obras, devendo o
Conselho Federal dotar resolução quanto às responsabilida-
des das partes já executadas ou concluídas por outros profis-
sionais.18

Ademais, também se verifica a vigência do Decreto n° 23.196/1933.


Este também regula o exercício da profissão, mas em termos mais gerais do que
os apresentados na legislação de 1966. Ao decorrer dos seus 12 artigos, verifica-
se uma preocupação legislativa em especificar, principalmente, as atribuições do
engenheiro agrônomo, assim como estabelecer as condições nas quais se permite
exercê-las. Não há disposições relativas à responsabilidade civil do profissional19.
Nesse sentido, para se aferir quando ao regime deste instituto aplicado
à esta prática faz-se necessário recorrer à diplomas normativos com regime de
aplicação mais abrangentes para o caso concreto. Dessa forma, cabe enquadrar,
em um primeiro momento, a qualificação da relação inerente ao exercício deste
profissional como sendo de natureza cível ou de consumo.

17 RASIL. Lei nº 5.1946, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das profissões de Engenheiro,
Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l5194.htm. Acesso em: 5 fev. 2020.
18 Ibid.
19 BRASIL. Decreto n° 23.196, de 12 de outubro de 1933. Regula o exercício da profissão agronômica
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/
D23196.htm#:~:text=DECRETO%20No%2023.196%2C%20DE,Brasil%2C%20na%20confor-
midade%20do%20art. Acesso em: 5 fev. 2020.

177
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Para tanto, como uma relação jurídica consumerista implica na aplicação


do CDC e, sendo este um microssistema legislativo, deve-se, inicialmente, verificar
se ela existe no caso concreto do exercício profissional em questão. Logo, para
aferirmos tal fato é preciso compreender o que seria tal relação.
No caso, a relação jurídica de consumo pode ser definida como aquela
que se estabelece entre fornecedor e consumidor, tendo por objeto a aquisição de
um produto ou a prestação de um serviço. Neste sentido, há a necessidade de haver
a junção de alguns elementos subjetivos e objetivos se efetivar tal qualificação20.
O seu âmbito subjetivo envolve os sujeitos envolvidos na relação, os quais
o consumidor e o fornecedor. Ambos estão definidos nos Art. 2° e Art. 3° do CDC,
respectivamente. Já os elementos objetivos envolvem a aquisição de um produto
ou a prestação de um serviço, estes definidos no Art. 3°, § 1° e § 2° da supracitada
norma21.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que ad-


quire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, públi-
ca ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista22.

20 MARQUES, Claudia Lima in BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor.


2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
21 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 5 fev. 2021.
22 Ibid.

178
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Dessa forma, com base nas atribuições fáticas expostas anteriormente


acerca do exercício da profissão do(a) engenheiro(a) agrônomo(a) liberal, é possível
aferir que está presente o elemento objetivo. No caso, como expõe o supracitado art.
5º da Resolução 218 da Confea, há o fornecimento da sua atividade no mercado
de consumo, mediante remuneração, no tocante às suas competências atribuídas,
estando tal situação conformidade com o art. 3°, § 2° do CDC, o qual define o que
seria serviço23.
Qualificada a sua condição como prestador de serviço, com relação a
existência dos elementos subjetivos, o(a) engenheiro(a) agrônomo(a) liberal é uma
pessoa física, nacional, geralmente, desenvolvendo atividade listada no art. 3°, pode
a ele ser atribuída a condição de fornecedor.
No tocante ao consumidor envolvido na relação jurídico com este
profissional, é importante ser ressaltado o termo “destinatário final”, no fim da
sua definição pelo art. 2°. No caso, algumas teorias foram desenvolvidas quanto ao
significado dessa expressão e, consequentemente, das suas implicações para quem
poderia ser atribuída a condição de consumidor.
Elas são as teorias maximalista, finalista e a finalista aprofundada ou
mitigada. A primeira estabelecia o destinatário final como o consumidor fático,
ampliando o conceito de consumidor. Pois, esse seria toda e qualquer pessoa, física
ou jurídica, que adquira um produto ou se utilize de um serviço. Em razão disto,
ela passou a sofrer críticas, pois alguns doutrinadores afirmaram a intenção do
legislador era restringir, não ampliar tal denominação24.
Sendo assim, foi desenvolvida a teoria finalista, na qual o destinatário final
é definido como sujeito que, além de retirar o produto do mercado de consumo
(destinatário fática), não venha a obter lucro ou vantagem da aquisição do produto
ou serviço. Esta última característica o qualifica como destinatário econômico.
Ou seja, para essa teoria, o destinatário final terá que ser tanto o fático, como o
econômico, restringindo a aplicação da condição de consumidor25.
Tal justificativa se dá com base na concepção da finalidade do CDC de
proteger o sujeito mais frágil da relação. Em razão disso, defende-se a necessidade
de extinguir a cadeia de produção, pois, em conformidade com Claudia Lima

23 RASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 5 fev. 2021
24 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
25 Ibid.

179
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Marques: “[...] Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou
do serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro
das cadeias de produção e de distribuição”26.
Contudo, tal acepção não poderia ser aplicada efetivamente em todos os
casos, pois, passou-se a verificar a existência de consumidores não econômicos que se
encontravam em uma situação de hipossuficiência. Logo, houve o desenvolvimento
da teoria denominada como finalista aprofundada ou mitigada27. Nela, examina-
se o caso concreto. O destinatário final será a pessoa que adquire o produto ou
serviço para uso privado, porém, passa a se admitir a sua abrangência para os casos
nos quais há a utilização desses para fins de produção, desde que seja provada a
vulnerabilidade da pessoa física ou jurídica em questão.
Ou seja, excepcionalmente, a depender do caso concreto, é possível
mitigar a teoria finalista. O caso responsável por firmar o desenvolvimento desta
teoria no ordenamento jurídico brasileiro foi o julgamento do AREsp 1083962 / ES,
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nele, foi admitido a mitigação da acepção
inerente ao consumidor econômico, em conformidade com a fundamentação
exposta a seguir:

2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Jus-


tiça, o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso
em que o produto ou serviço é contratado para implementa-
ção de atividade econômica, já que não estaria configurado o
destinatário final da relação de consumo (teoria finalista ou
subjetiva). Contudo, tem admitido o abrandamento da regra
quando ficar demonstrada a condição de hipossuficiência téc-
nica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica, autorizando,
excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC (teoria
finalista mitigada)28.

Aplicando tais teorias para a realidade fática do polo de consumo dos


serviços ofertados pelo engenheiro agrônomo liberal, verifica-se a incidência quase

26 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. 2.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 71.
27 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 1083962. Relatora: Laurita Vaz.
Brasília, 08 de maio de 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/459927997/
agravo-em-recurso-especial-aresp-1083962-es-2017-0081332-0/decisao-monocratica-459928054.
Acesso em: 5 fev. 2021.

180
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

que totalitária de situações na qual o utilizador dos seus serviços não poderá se
enquadrar como consumidor para fins de aplicação do CDC. Este é um reflexo da
sua intrínseca conexão com a cadeia produtiva do agronegócio. Para estes casos, há
uma relação de natureza cível.
Contudo, não se pode restringir as possibilidades fáticas de prestação
de serviço destes profissionais. Poderá haver situações nas quais eles atuarão em
uma plantação, ou reprodução animal, por exemplo, em que a incrementação de
produção é voltada para utilização própria, sem fins econômicos.
Ainda, o seu cliente poderá se qualificar em alguma situação de
vulnerabilidade que enseje na mitigação da teoria finalista e, neste caso, ele
se enquadre como consumidor. Logo, para estas duas últimas conjunturas,
minoritárias, mas possíveis, verifica-se uma relação de consumo, ensejando a
aplicação das disposições contidas no CDC.
No entanto, em razão da exceção estabelecida nas normativas deste
último, não haverá diferenciação da espécie de responsabilidade civil, em razão
da natureza jurídica da relação, aplicada para o profissional agrônomo liberal.
Pois, tal condição implica na atribuição do art. 14, § 4°, do Código de Defesa
do Consumidor, o qual estabelece a atribuição de responsabilidade civil, em face
do profissional liberal, com base na verificação de culpa: “§ 4° A responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”29
Com a exigência do elemento culpa, esta disposição acarreta a mesma implicação
da regra geral, estabelecida no Código Civil, quanto à espécie de responsabilidade.
Ela está contida no seu art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.”30
Logo, tanto na relação cível, como na de consumo, a responsabilidade
civil do engenheiro agrônomo liberal será subjetiva, em via de regra. Pois, há a
necessidade da comprovação de culpa por parte do agente. Ou seja, em ambos,
para haver responsabilidade, deve estar caracterizada, além do dano e do nexo
de casualidade, a existência de uma ação, omissão voluntária, negligência ou
imprudência por parte do agente.

29 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 5 fev. 2021.
30 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 5 fev. 2021.

181
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Assim, estabelecida a espécie de responsabilidade civil com base na


culpa, cabe definir qual será a tipificação dessa relativa à natureza do dever jurídico
contraído pelo agrônomo liberal. Primeiro, cabe analisar a legislação específica
que regula a atuação deste profissional, para averiguar se caberá responsabilidade
extracontratual.
No caso, para fins de melhor entendimento da aplicação desta espécie
de responsabilidade no âmbito prático, cabe exemplificar os seus desdobramentos.
Então, ela possui relevância em um contexto no qual há a prestação de serviço pelo
profissional, sem o estabelecimento de obrigações por meio de um contrato. Ou,
caso as cláusulas não abranjam certas determinações, elas poderiam ser oponíveis
em face do profissional, em razão da existência de uma legislação que seja em um
dever legal, por exemplo.
Logo, é verificável a responsabilidade extracontratual do engenheiro
agrônomo em situações como as sanções em caso de desrespeito das condutas
previstas na Lei nº 5.194/1966. Esta é o Código de Ética responsável por regular
a profissão, como já exposto anteriormente.31 Neste mesmo sentido, também
há a Lei nº 6.496/1977, responsável por introduzir a exigência da Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART), com o intuito de se definir a responsabilidade
pela execução de um projeto e difundir tais preceitos legalmente32.
Ademais, podem ser oponíveis as normas de direito ambiental caso o
profissional se configure como um transgressor destas. Neste caso, o dano ambiental
irá se configurar como uma exceção à responsabilidade subjetiva geralmente
aferida ao profissional. Com relação à esta matéria, o sistema jurídico brasileiro
adota expressamente a responsabilidade civil objetiva em face do agente. Ela foi
consagrada por meio do art. 225, § 3°, da Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamen-


te equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletivi-

31 BRASIL. Lei nº 5.1946, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das profissões de Enge-
nheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5194.htm. Acesso em: 5 fev. 2020.
32 BRASIL. Lei nº 6.496, de 7 de dezembro de 1977. Institui a “ Anotação de Responsabilidade Técnica
“ na prestação de serviços de engenharia, de arquitetura e agronomia; autoriza a criação, pelo Conse-
lho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CONFEA, de uma Mútua de Assistência Pro-
fissional; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6496.
htm. Acesso em: 5 fev. 2020.

182
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e


futuras gerações
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas,
a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados33.

Dessa forma, o engenheiro agrônomo liberal irá responder objetivamente


nestas situações. É válido ressaltar que, quanto às atividades danosas ao meio
ambiente, há participação solidária de responsabilização em face todos os seus
envolvidos. Neste caso, cabe ao prejudicado proceder com uma ação regressiva
contra o agressor direto do meio ambiente.
Por fim, também cabe a responsabilidade contratual, nos termos em que
foram delimitadas as obrigações das partes, sendo respeitadas os limites e princípios
normativo estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

4.1 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA

No tocante a jurisprudência específica da temática, faz-se necessário


salientar quanto a difusão majoritária de entendimentos em conformidade com
as posições expostas anteriormente. Nesse contexto, primeiro, é importante expor
o julgado que declara à incidência da responsabilidade civil subjetiva em face do
engenheiro agrônomo como profissional liberal. Nota-se que tal situação não faz
referência à dano ambiental.
No caso, faz-se referência à Apelação Cível de nº 0091367-
42.2014.8.09.0082, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO):

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZA-


ÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS
CESSANTES. PROJETO DE DEMARCAÇÃO PARA
ASSENTAMENTO. AJUSTES REALIZADOS PELO IN-
CRA. ENGENHEIRO AGRÔNOMO. RESPONSABILI-
DADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE CULPA. DANOS
NÃO COMPROVADOS. AUSÊNCIA DO DEVER DE
INDENIZAR. SENTENÇA MANTIDA. 1. Destaca-se

33 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,


DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituicao.htm. Acesso em: 5 fev. 2021.

183
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

que vigora no sistema jurídico pátrio o princípio do livre


convencimento motivado, segundo o qual o julgador tem
liberdade para apurar a controvérsia submetida à apreciação
jurisdicional, aplicando-lhe a solução que lhe pareça mais
adequada, conforme seu convencimento, dentro dos limites
que lhe são impostos pela legislação vigente, e desde que a
sua decisão estampe a necessária motivação. 2. A responsa-
bilidade do Engenheiro Agrônomo apelado, como profissio-
nal liberal, é subjetiva e necessita de culpa, conforme prevê o
art. 14, § 4º do CDC. 3. No caso, malgrado a recorrente de-
fender que houve falha na prestação do serviço, não logrou
êxito em provar imperícia, imprudência ou negligência do
profissional, ônus que lhes incumbia (artigo 373, I, CPC).
Ao contrário, as provas colhidas nos autos dão conta de que
inexiste nexo de causalidade entre a conduta do engenheiro
agrônomo e os supostos danos causados para a recorrente.
4. Além disso, ressalta-se que sequer os danos alegados pela
recorrente restaram comprovados nos autos, ou seja, esta
não se desincumbiu do ônus que lhe cabia. 5. Em razão do
desprovimento do apelo, faz-se necessária a majoração dos
honorários recursais. APELO CONHECIDO E DESPRO-
VIDO34.

O caso em questão trata de um projeto de demarcação para assentamento.


O primeiro ponto a ser considerado é que tal operação faz referência à desapropriação
de um latifúndio improdutivo e consequente distribuição de posse da terra pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sendo este o cliente do
engenheiro agrônomo liberal em questão. No caso, nota-se que o uso de tal serviço
não será destinado para a continuidade de uma determinada cadeia de produção,
classificando o Incra como o destinatário final efetivo e, portanto, sedimentando a
sua condição de consumidor para fins de aplicação do CDC.
Conforme exposto no tópico anterior, a regra de aplicação para esta
situação é o art. 14, § 4º do CDC, o qual implica na atribuição da responsabilidade
subjetiva, esta que necessita da comprovação de culpa, no seu sentido amplo.
Como não fora comprovada a falha na prestação do serviço pela parte ré (conduta
geradora do dano) em razão de imperícia, imprudência, ou negligência profissional,

34 BRASIL. Tribunal de Justiça de Goiás. Apelação Cível nº 0091367-42.2014.8.09.0082. Re-


lator: Desembargador Jairo Ferreira Júnior. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/dia-
rios/314752081/djgo-secao-i-01-09-2020-pg-5285. Acesso em: 6 fev. 2020.

184
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

segundo o entendimento dos magistrados, o recurso fora desprovido. Também


houve o entendimento da falta do nexo de casualidade, um dos elementos da
responsabilidade civil.
Ademais, na análise do âmbito de responsabilidade em caso de dano
ambiental, há uma discussão específica, mas de alta pertinência na realidade atual
brasileira. Esta é a responsabilidade do engenheiro agrônomo em face da aplicação
de agrotóxicos. Para este caso, há o julgamento do Tribunal Regional Federal da 4
º Região (TRF-4) do AC 46546 RS 97.04.46546-7.

ADMINISTRATIVO. EMPRESA DE AVIAÇÃO AGRÍ-


COLA. ATIVIDADE DE APLICAÇÃO DE PRODUTOS
AGROTÓXICOS E OUTROS INSUMOS AGRÍCOLAS
EM LAVOURAS. RESPONSABILIDADE DE ENGE-
NHEIRO AGRÔNOMO. FISCALIZAÇÃO DO CREA.
As atividades de aviação agrícola compreendem, entre outras,
a utilização de defensivos e fertilizantes, a teor do disposto no
art. 2º, do Decreto-lei nº 917. A execução de serviços técnicos
que envolvem o emprego desses produtos constitui atribui-
ção profissional do engenheiro agrônomo (art. 7, g, da Lei
nº 5.194 , c/c art. 5º , da Resolução nº 218 , do Conselho
Federal), estando sujeita, portanto, à fiscalização do Conselho
Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Assim,
incumbindo ao CREA, por imposição legal, investigar se as
prescrições legais atinentes ao exercício profissional estão sen-
do atendidas e se dele participam efetivamente profissionais
habilitados para tanto, não se revela abusiva a exigência de
anotação sob a forma de responsabilidade técnica referentes
aos serviços prestados, eis que insuficiente para a fiscalização
apenas o registro da empresa, com a indicação do responsável
técnico. Além disso, dispõe o art. 1º da Lei nº 6.496 que
toda contratação (escrita ou verbal) destinada à prestação de
serviços relacionados à engenharia, arquitetura e agronomia
exige a anotação de responsabilidade técnica (art. 1º da Lei
nº 6.496 ), para fins de definição dos responsáveis pela sua
execução. Denota-se das normas legais citadas que, a despeito
da existência de pilotos qualificados, a atividade de aplicação
aérea de defensivos e fertilizantes exige a atuação de engenhei-
ro agrônomo responsável, não apenas para a prescrição dos
defensivos e fertilizantes a serem utilizados, como também
para a coordenação e execução de sua correta aplicação. As

185
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

empresas que atuam nesse ramo somente podem operar após


obterem registro no CREA e indicarem os respectivos res-
ponsáveis técnicos, sendo que a fiscalização exercida por este
órgão é diversa daquela que desenvolvem os Ministérios da
Agricultura e da Aeronáutica35.

Nesse sentido, a definição da responsabilidade técnica do engenheiro


agrônomo e as suas atribuições no tocante à aplicação e execução da utilização
de agrotóxicos. Ele é colocado como responsável não apenas por prescrever os
defensivos e fertilizantes a serem aplicados na área de interesse, mas também por
coordenar a execução de sua aplicação.
Ou seja, ele reforça jurisprudencialmente o papel do profissional neste
processo e consequentemente as atribuições que estão sob a sua responsabilidade.
Esta noção é de fundamental importância para a atribuição de uma responsabilidade
proporcional, de acordo com os papeis dos envolvidos, em um possível dano
oriundo destas atividades.
Ainda, é possível concluir quanto a uma certa carência de jurisprudências
efetivas e recentes atreladas á temática a da responsabilidade civil do engenheiro
agrônomo, especificamente. É notória há difusão de diversos julgados cuja temática
é a responsabilidade de atuação do profissional, no sentido da sua incumbência,
mas não das suas consequências. As decisões judiciais de maior relevância datavam
o início deste século, há cerca de vinte anos atrás e, mesmo assim, eram poucas as
que tratavam do assunto.
De caráter mais recente, a única a tratar abertamente e de maneira
contundente foi a recente apelação cível de nº 0091367-42.2014.8.09.0082,
exposta no início deste tópico. As demais possuíam um enfoque em diminuir
conflitos de competência atributiva relativas as funções de atuação do engenheiro
agrônomo. Ou, quando o litígio em primeiro grau estava voltado para a resolução
de uma questão de responsabilidade civil, de fato, em segundo grau de jurisdição, a
discussão estava relacionada com questões processuais.
Tal fato pode ser uma consequência de as questões de responsabilidade civil
a este profissional estarem efetivamente definidas em legislação. As controvérsias as
quais ensejaria uma análise profunda e divergências nos Tribunais do ordenamento

35 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4 º Região. Apelação Cível: AC 46546 RS 97.04.46546-7.


Disponível em: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8644445/apelacao-civel-ac-46546-rs-
-970446546-7-trf4. Acesso em: 6 fev. 2020.

186
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

jurídica brasileiro, como exposto no tópico anterior, estão mais enraizadas em


questões de direito consumidor, ou em outros aspectos atrelados com o exercício da
profissão. O mais notável até então, foi o distinguish citado, no qual houve a efetiva
recepção da teoria finalista aprofundada ou mitigada, em termos de definição do
consumidor em uma relação de consumo.

5 CONCLUSÃO

Logo, quanto à reponsabilidade civil do profissional agrônomo liberal, é


possível concluir que poderá haver a aplicação de todas as suas espécies, a depender
do caso concreto. Primeiro, no que se refere à classificação das responsabilidades
com relação à culpa, haverá tanto a responsabilidade civil subjetiva como a objetiva,
A primeira será aplicada na quase totalidade nos casos, enquanto à segunda somente
será aferida quando houver a existência de dano ambiental.
Nota-se, também, quanto à possibilidade se verificar tanto relações
jurídicas de natureza cível como a de consumo, esta última implicando na
aplicação das disposições contidas do Código de Defesa do Consumidor. Assim
razão da disposição contida no art. 14, § 4°, a qual estabelece, especificamente em
face dos profissionais liberais, a atribuição de responsabilidade civil com base na
verificação de culpa, além dos demais elementos, configurando a responsabilidade
subjetiva. Este é a regra geral estabelecida no Código Civil e, portanto, não haverá
a diferenciação para ambas as relações jurídicas firmadas.
No que se refere à espécie de responsabilidade civil derivada da natureza
jurídica da obrigação, ela poderá ser extracontratual e contratual. No que se refere
à responsabilidade civil oriunda de uma conduta na qual houve o ilícito em face de
obrigações legalmente impostas (extracontratual), no caso do engenheiro agrônomo
liberal, é possível falar da aplicação das normativas contidas no Código de Ética da
profissão, a Lei nº 5.194/1966.
Ademais, também há a incidência da Lei nº 6.496/1977, introduzindo
noções exigíveis relativas à responsabilidade técnica na profissão. Outras normativas
a serem consideradas são as legislações de caráter mais geral, como a Constituição
Federal com as suas disposições sobre o dano ambiental, além do Código Civil e o
próprio Código de Defesa do Consumidor, quando aplicável, por exemplo.
No âmbito do dano ao meio ambiente, também é possível ser oponível,
ou enquadrar a situação fática, em algumas das disposições e definições contidas na
Lei nº 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Quanto

187
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

as questões relativas à responsabilidade civil contratual, deve-se afirmar que estará


atrelada com as disposições obrigacionais definidas nas cláusulas do contrato, em
face das partes envolvidas no negócio jurídico.
Por fim, cabe ressaltar quanto ao fato de que, embora as jurisprudências
específicas relativas ao assunto da responsabilidade civil do engenheiro agrônomo
liberal sejam escassas, a recente apelação cível de nº 0091367-42.2014.8.09.0082
do Tribunal de Justiça de Goiás se configura como um importante precedente
para solidificar em âmbito judicial as acepções relativas à responsabilidade civil do
engenheiro agrônomo liberal. Principalmente, relativas à aplicação do CDC e o seu
regime de responsabilidade subjetiva.

188
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 5 fev. 2021.

BRASIL. Decreto n° 23.196, de 12 de outubro de 1933. Regula o


exercício da profissão agronômica e dá outras providências. Disponível
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_0/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em:
3 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 5.1946, de 24 de dezembro de 1966. Regula o exercício das


profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5194.
htm. Acesso em: 5 fev. 2020.

BRASIL. Lei nº 6.496, de 7 de dezembro de 1977. Institui a “Anotação de


Responsabilidade Técnica” na prestação de serviços de engenharia, de arquitetura
e agronomia; autoriza a criação, pelo Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia – CONFEA, de uma Mútua de Assistência Profissional;
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do


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Federal%205.194%2F66,N%C3%A3o%20emprega%20o%20termo%20
agr%C3%B4nomo.&text=Agronomia%20deve%20ser%20utilizado%20
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191
09 Economista

Sergio Alexandre de Moraes Braga Junior


Maria Clara Galvão

1 INTRODUÇÃO

A economia é compreendida como uma ciência social aplicada, ou


simplesmente, como “parte de uma ordem social”, como afirma Jens Beckert1. J.
Stuart Mill2 esclarece que a “economia ocupa-se do homem enquanto ser que deseja
obter riqueza, e que é capaz de julgar a eficácia comparativa dos meios para alcançar
esse fim, fazendo inteira abstracção de todos os outros motivos e paixões humanas”.
O presente texto tem como tema principal a discussão sobre a
responsabilidade civil dos profissionais economistas, atuantes nesta importante área
de ciências sociais aplicadas. A atividade profissional do economista exercita-se em
empreendimentos públicos, privados ou mistos, ou em quaisquer outros meios que
tenham por objetivo, técnica ou cientificamente, o aumento ou a conservação do
rendimento econômico3.
É de competência deste profissional a perícia econômica ou econômico-
financeira, que consiste em exame, vistoria ou avaliação para constatação minuciosa
dos fatos de natureza técnico-científica em qualquer matéria inerente ao campo
profissional do economista, podendo ser desenvolvida tanto em processos

1 BECKERT Jens. Beyond the market: the social foundations of economic efficiency. Princeton: Prin-
ceton University Press, 2002.
2 Mill, J. Stuart. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social. São
Paulo: Nova Cultural, 1996.
3 Art. 3. BRASIL. Decreto 31.794, de 27 de novembro de 1952. Dispõe sobre a regulamentação do
exercício da Profissão de Economista, regida pela Lei nº 1.411 de 13 de agosto de 1951, e dá outras
providências.

192
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

judiciais, mediante determinação de autoridade judicial competente, quanto


extrajudicialmente, por solicitação de qualquer pessoa ou autoridade administrativa4.
A problemática presente se deve a falta de segurança jurídica nas questões
relacionadas à responsabilidade civil do economista enquanto profissional liberal,
já que, por vezes, este é tratado como detentor de responsabilidade objetiva e, em
outros momentos, como responsável subjetivo diante de eventuais danos causados
durante a sua atividade profissional.
Com o fortalecimento do conceito dos Direitos humanos em meados do
século XX, mediante criação de documentos legais, tais como, a Carta das Nações
Unidas (1945) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, houve
uma íntima aproximação entre tais direitos e o princípio da dignidade da pessoa
humana, sendo este último incorporado em diversas constituições do mundo, tais
como, no Brasil, Paraguai, Alemanha, Espanha, Grécia, dentre outros5.
Nesse contexto, com o intuito de preservação da dignidade humana,
muitos são os meios coercitivos (sanções, penalidade) presentes no ordenamento
jurídico para que esta seja preservada. Diante disso, a responsabilização por danos,
materiais ou morais, causados por profissionais na prestação de serviços das mais
diversas áreas, tal como das ciências sociais aplicadas, se apresenta como uma das
grandes demandas judiciais na atualidade.
O desenvolvimento da doutrina específica, com intuito de auxiliar as
reflexões dogmáticas e jurisprudenciais, torna evidente que são diversos os motivos
para ajuizamento de ações judiciais com intuito de reparação civil de danos causados
por profissionais no exercício de suas funções, dentre eles, os economistas.
A atividade do economista vem ganhando destaque notório, diante de
vultuosos interesses econômicos que podem estar em jogo nas práticas empresariais,
de modo que é imprescindível elucidar a forma de responsabilização civil as
quais estes profissionais estão sujeitos, sendo essa questão de interesse tanto dos
consumidores dos serviços prestados, bem como os próprios especialistas pra fins
de prevenção e segurança no exercício de suas atividades, esquivando-se de atos que
possam os sujeitar a reparação civil. Sendo assim, tem-se como objetivo identificar

4 CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA. Regulamentação Profissional. Disponível em: https://


www.corecon-rn.org.br/dmdocuments/2.3.1.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020.
5 CAVALCANTE, Lara Campelo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como
fundamento da produção da existência em todas as suas formas. 115 f. Dissertação (Mestrado) – Univer-
sidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. p. 30.

193
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

e analisar a regulamentação geral da responsabilidade civil dos profissionais liberais


em consonância com a regulamentação específica do economista. Além disso,
buscar-se-á debater como a jurisprudência brasileira se posiciona sobre o assunto.
Para o desenvolvimento do trabalho será utilizada a metodologia de
pesquisa aplicada, com abordagem dedutiva e qualitativa, objetivo exploratório,
propósito de pesquisa aplicada e procedimento técnico de pesquisa bibliográfica,
mediante consulta jurisprudencial, em legislações, livros e artigos, em formatos
físico e virtual.
O texto inicia com uma breve exposição do conceito e peculiaridades
gerais da responsabilidade civil, enfatizando-se sua importância e pressupostos de
acordo com a doutrina e os ditames legais.
Posteriormente, tratar-se-á da responsabilidade civil aplicada ao
economista, com fundamento na legislação especifica da profissão, a fim
de compreender como e quando o economista responde civilmente por
inadimplemento profissional. Por fim, haverá um estudo sobre como os tribunais
brasileiros vem se posicionando diante da reparação de danos causados por
economistas.

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA E FUNDAMENTOS DA


RESPONSABILIDADE CIVIL

O conceito de responsabilidade civil ressurge da ideia da reparação de


dano causado a outrem, seja ele moral e/ou patrimonial. No que se refere a reparação
de danos, no sentido moral, apresenta teor punitivo, por meio de indenização, com
intuito de se reestabelecer o equilíbrio na sociedade. Conforme art. 5º, V e X da
Constituição Federal de 1988, considera-se dano moral toda conduta atentatória
à dignidade da pessoa humana sujeita de direitos, levando-se em consideração
também outras questões como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da
honra e a imagem6.
A ideia de indenizar/reparar existe justamente com o intuito de se
restabelecer a segurança social. Nesse sentido, observa-se que o conceito da
responsabilidade civil se demonstra dinâmico. Logo, o legislador e o julgador
devem sempre ter em mente que a indenização deve ser suficiente para restabelecer

6 NOGUEIRA, Bernardo Gomes Barbosa; GUIMARÃES, Helimar Fialho. A constitucionalização


do direito civil e seus reflexos na responsabilidade civil. Revista de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, v.
2, n. 21, jan./jun. 2012. p. 8.

194
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

o equilíbrio da relação; não podendo, porém, ser exagerada, a ponto de depauperar


o causador do dano vindo a causar desequilíbrio como pretexto de reparar outrem.
Assim, aquele que transborda os limites aceitáveis de um direito, ocasionando
prejuízo, deve indenizar7.
O dano extrapatrimonial, encontra base legal na Constituição Federal
em seu artigo 1868, o qual determina que havendo violação de direito e dano
a outrem, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência de um
indivíduo, ainda que exclusivamente moral, configura ato ilícito, surgindo aí o
dever de reparar o dano, no qual o agente responsável pela reparação se torna ligado
por um liame jurídico, em situação de subordinação ou submissão, em caráter
permanente ou eventual.
O ato ilícito tanto pode decorrer de relação contratual quanto
extracontratual. O dispositivo que regula a responsabilidade contratual está no art.
389, do Código Civil de 2002, nos seguintes termos: “Não cumprida a obrigação,
responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo
índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”9. A ilicitude
cominada no art. 186, portanto, diz respeito à infringência de norma legal, à
violação de um dever de conduta que tenha como resultado prejuízo de outrem.
Já quando se tratando da responsabilidade extracontratual ocorre quando não há
preexiste um contrato, podendo ser analisada, por exemplo, em um acidente de
trânsito em que o individuo agindo com culpa provoca prejuízo indenizável.
Para Luis Renato Ferreira da Silva10 a relação contratual, uma vez disposta
entre o profissional liberal e a empresa (ou organização), de fato decorre não da
(mera) declaração de vontade, mas de um deslocamento patrimonial, gerando
obrigação:

A existência de uma relação contratual de fato decorreria da


presença de outro elemento do contrato que não a declaração,
qual seja, o deslocamento patrimonial. Denominar-se isto de
comportamento social típico significa procurar-se o que está

7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, 13. ed., São Paulo: Atlas, 2013. p. 262.
8 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Sena-
do Federal: Centro Gráfico, 1988.
9 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2002.
10 SILVA, Luis Renato Ferreira. Reciprocidade e contrato: a teoria da causa e sua aplicação nos contra-
tos e nas relações “paracontratuais”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 125.

195
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

tipificado e parece ser a relação de reciprocidade, pois é típico


que de um deslocamento patrimonial (que não seja liberalida-
de) decorra o correspectivo.

Como esclarece Menezes Cordeiro, atingem não apenas o devedor


na relação contratual, mas também o credor, em razão da “complexidade intra-
obrigacional”11:

[...] e) deveres de lealdade, de cooperação e colaboração para


concretização da prestação, evitando-se, por exemplo, dificul-
tar o pagamento de determinada quantia em dinheiro pelo
devedor, ou ainda tornar possível a fruição da prestação pela
contraparte (cite-se, como exemplo, o dever de colaboração
do vendedor de um carpete para que este seja corretamente
instalado em determinada residência);
f ) deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio
da contraparte;
g) deveres de sigilo, como o dever de manter segredo sobre
determinadas circunstâncias de que se tomou conhecimento
por ocasião de tratativas negociais.

Estes últimos são os chamados deveres negativos. Os demais podem


ser chamados deveres positivos. O descumprimento desses deveres poderá
configurar inadimplemento contratual ou adimplemento imperfeito, resultando
na responsabilidade contratual12. Sendo assim o profissional poderá responder
não só por danos materiais, mas também morais pela imagem prejudicada da(s)
organização(ões).
É válido compreender o conceito de culpa no âmbito cível, uma vez que
esta abarca tanto o dolo quanto a culpa, presentes no âmbito penal, de modo que
a responsabilização poderá ser pedida sem haver taxatividade de mais grave em
caso de dolo ou menos grave em caso de culpa. Tal diferenciação é importante,
por exemplo, no direito penal, já que, neste, ocorre punições diferentes quando
reconhecido o dolo ou a culpa. Já no direito civil, deve o juiz agir em observância

11 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Al-
medina, 2007. p. 586 e 593.
12 BACARIM, Maria Cristina de Almeida. Responsabilidade civil contratual e extracontratual. A
culpa e a responsabilidade civil contratual. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; BENAC-
CHIO, Marcelo (coord.) Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015. p.
94.

196
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

ao art. 944, parágrafo único do Código de 2002, o qual, o permite reduzir


equitativamente a indenização, se houver expressiva desproporção entre a gravidade
da culpa e o dano13.
A responsabilidade civil poderá ser caracterizada como objetiva ou
subjetiva; dependendo, esta última, da existência de culpa; além do dano, da autoria
e o nexo causal, indispensáveis para a responsabilização objetiva. Assim, quando se
trata de responsabilidade objetiva, se dispensa a análise do elemento subjetivo para
que o agente tenha a obrigação de indenizar, ou seja, a responsabilidade de reparar o
dano independe de culpa. A possibilidade de reparação objetiva pode ser observada,
por exemplo, no artigo 37, §6º da Constituição Federal, o qual estabelece que as
pessoas jurídicas (públicas e privadas) prestadoras de serviços públicos respondem
pelos danos causados a terceiros pelos seus agentes. Nesse sentido, existe uma maior
preocupação em proteger o lesado, ao definir apenas se ele tem ou não direito de ser
indenizado, independente de comprovação de culpa14.
Na responsabilidade civil subjetiva, o sujeito passivo da obrigação
pratica ato ilícito e esta é a razão de sua responsabilização; já na responsabilidade
civil objetiva, se verifica apenas o fato jurídico descrito na lei como ensejador da
responsabilidade, independente de culpa. Sendo assim, a ilicitude ou licitude
da conduta do sujeito a quem se imputa a responsabilidade civil é que define,
respectivamente, a espécie subjetiva ou objetiva15.
A forma de responsabilidade civil adotada pelo Código de Defesa do
Consumidor se enquadra como objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo
do agente. Em seus artigos 12, 13, 14, 18, 19 e 20, o CDC expõe claramente
essa responsabilidade, inclusive solidária, entre os fornecedores de produto e os
prestadores de serviço. Ocorre que existe uma única exceção, prevista no parágrafo
4º do art. 14 do referido código, a qual se refere aos profissionais liberais que prestam
serviço, já que estes somente respondem mediante prova de culpa (responsabilidade
subjetiva). Portanto, o profissional liberal, se submete a uma relação de consumo na
qual o fornecedor de serviços figura o polo ativo da relação e o cliente a figura do
consumidor (polo passivo).

13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, 13. ed., São Paulo: Atlas, 2013. p. 553.
14 NOGUEIRA, Bernardo Gomes Barbosa; GUIMARÃES, Helimar Fialho. A constitucionalização
do direito civil e seus reflexos na responsabilidade civil. Revista de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, v.
2, n. 21, jan./jun. 2012. p. 8.
15 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil 2: obrigações – responsabilidade. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. 184-185.

197
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Para haver uma maior compressão do que trata o § 4º do art. 14 do


CDC, é indispensável discutir o que diferencia o profissional liberal dos demais
profissionais. Tal diferenciação se deve, principalmente pelos seguintes aspectos:
o conhecimento técnico (científico e/ou manual) existente sobre certa profissão;
o conhecimento atestado por meio de um diploma, conferido por uma escola
capacitada; a existência de uma profissão regulamentada; o livre exercício da
atividade; e, por fim, uma relação intuito personae, uma vez que se trata de uma
relação de confiança e credibilidade que se estabelece entre o profissional liberal e
o contratante16.
O conhecimento técnico se apresenta como um dos requisitos essenciais
para a caracterização do profissional liberal, e este precisa estar devidamente
qualificado por um certificado ou diploma, conferido por escola de ensino superior
autorizada. Além disso, a profissão precisa estar devidamente regulamentada por lei
ou decreto, tal como ocorre com o advogado – Lei nº 4215/63 e o economista –
Decreto 31.794/52, por exemplo.
Além disso, a autonomia para exercer o trabalho técnico é fator crucial,
na medida em que estes profissionais tomam suas próprias decisões, sem estarem
subordinados ou vinculados a um superior. Ressalta-se que, enquanto empregado,
o profissional embora possua certa autonomia, corre o risco de ser despedido
quando não atende as expectativas ou se posiciona de maneira contraria ao seu
superior. Então, não existe autonomia diante dessa subordinação. Nesse sentido,
a lei de Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 2º, equipara o
profissional liberal a características do empregador 17.
Existem duas maneiras de os profissionais liberais assumirem suas
obrigações, as quais podem produzir efeitos diferentes na aferição da responsabilidade,
sejam elas: a obrigação de meio (garantindo o meio a ser empregado para se chegar a
um fim) e a obrigação de resultado (garantindo-se um fim, independentemente dos
meios a serem adotados). Essa diferenciação é importante, pois, na de obrigação de
meio, a responsabilidade do profissional será apurada mediante culpa, conforme o
§. 4º do art. 14, ou seja, aplicar-se-á a exceção da responsabilidade subjetiva, já se

16 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento
do Código De Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, 1 ed., p. 310 -323.
2004. p. 312
17 Ibid. p. 313.

198
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

a demanda se tratar de obrigação de resultado, a responsabilidade dos profissionais


será objetiva, isto é, independentemente de verificação de culpa18.
De maneira sucinta, a maioria das atividades exercidas por profissionais
liberais no Brasil são consideradas como obrigações de meio, nestas o devedor
deve utilizar prudência para atingir o resultado para que a execução da atividade
produza o efeito satisfatório do credor. Logo, na obrigação de meio a atividade
contratada deve ser desempenhada sob a observância da diligência, zelo ou mesmo
como emprego de melhor técnica e perícia para se alcançar resultado pretendido,
entretanto, o profissional não se obriga a ocorrência de tal resultado, mas apenas
age no intuito de que ele aconteça. Os serviços de advocacia, corresponde a um
exemplo deste tipo de obrigação, visto que, o advogado não é obrigado a vencer a
ação, ou seja, não assegurar um resultado, mas compromete-se a utilizar os meios
seu alcance da melhor maneira possível para que isto ocorra19.
Já quando há uma relação obrigacional de resultado, o devedor se exonera
da obrigação somente quando alcança o prometido. Assim, caso a finalidade da
contratação não seja alcançada, responderá o profissional de forma objetiva pelo
seu inadimplemento, devendo arcar com os prejuízos do seu insucesso. Logo,
na obrigação de resultado, há um compromisso pré-estabelecido, determinado
e preciso. Tal obrigação se apresenta como muito comuns em procedimentos
estéticos, nos quais o profissional se compromete, por exemplo, a melhorar uma
característica do paciente. Entretanto, se por acaso, o resultado for insatisfatório,
terá este direito de ação indenizatória, independente de comprovação de culpa do
profissional20.
Quando há existência de um dano que cause responsabilidade civil é
importante também fazer a distinção entre o profissional liberal que mantém
relação intuito personae com o contratante e o profissional liberal que mantém
vínculo empregatício com pessoa jurídica. Isso porque, a relação processual formada
dependerá do tipo de vínculo estabelecido entre o consumidor e o fornecedor.

18 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento
do Código De Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, 1 ed., p. 310 -323.
2004. p. 316.
19 NEVES, Edna Porto Fatel Neves; OLIVEIRA, Ariane Fernandes De. Obrigações de meio e de
resultados. Revista da Jornada de Iniciação Científica e Extensão Universitária do Curso de Direito das
Faculdades Integradas Santa Cruz, Santa Catarina, v. 10 n. 10. 2017. Disponível em: http://unisanta-
cruz.edu.br/revistas/index.php/JICEX. p. 2.
20 Ibid. p. 3.

199
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Assim, caso o vínculo com o profissional liberal não se relacione a uma pessoa
jurídica, haverá a relação intuito personae, sendo a ação proposta em face somente
deste profissional, o qual só poderá ser responsabilizado pelo dano mediante a
comprovação da culpa, pois se trata de responsabilidade subjetiva. Já, em caso de
o profissional liberal pertencer aos quadros de empregados de uma pessoa jurídica,
a relação processual será entre o consumidor e a pessoa jurídica, a qual assume a
responsabilidade pelos atos de seus prepostos, e este estabelecimento responderá de
maneira objetiva pelos danos causados pelo profissional.
Partindo da ideia de risco profissional21 na legislação francesa e canadense
(Código Civil de Quebec), em 1910 já havia no Canadá legislação admitindo o
risco profissional, Saleilles (apud Stocco)22 coloca o seguinte caminhar evolutivo: a
princípio, a responsabilidade era subjetiva, seguindo o sistema em voga na maioria
dos países. A primeira evolução observou-se com a determinação da inversão do
ônus da prova em alguns casos.
Por se tratar de uma relação de consumo, vale lembrar que na
responsabilização civil do profissional liberal existe a possibilidade de inversão do
ônus da prova, conforme art. 6º, inciso VIII, do CDC, pois se trata de direito
básico do consumidor a facilitação de sua defesa em juízo, devendo ocorrer sempre
que houver verossimilhança das alegações ou hipossuficiência. Tal condição esta
presente em qualquer relação de consumo, de forma que, se os profissionais liberais
tivessem exceção ao princípio da inversão do ônus da prova, teria o Código feito
expressamente, como o fez com o princípio da responsabilidade objetiva. A única
diferença é que com a inversão do ônus da prova o consumidor não terá que provar
que o profissional liberal agiu com culpa23.
O desiderato das próprias relações sociais foi consecutindo em que “pouco
a pouco viu-se o princípio do risco profissional ganhar as indústrias, as explorações

21 BONINI, Paulo Rogério. Responsabilidade civil por ato lícito. In: GUERRA, Alexandre Darta-
nhan de Mello; BENACCHIO, Marcelo (coord.) Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da
Magistratura, 2015. 171.
22 STOCO, Rui. Responsabilidade civil pela prática de atos lícitos. In: NERY JUNIOR, Nelson;
NERY, Rosa Maria de Andrade (org.). Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010.
23 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento
do Código De Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, 1. ed., p. 310 -323.
2004, p. 320-321.

200
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

comerciais, as explorações florestais e agrícolas e os empregos domésticos”24,


acolhendo, inequivocamente, a ideia consagradora da responsabilidade objetiva25.
Em tal forma de responsabilidade, a única forma do fornecedor eximir-
se da responsabilidade de indenizar é comprovando uma das excludentes de
responsabilidade previstas no art. 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor, as
quais rompem o nexo de causalidade, sendo elas mediante inexistência de defeito
na prestação de serviço ou por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
Assim, o estabelecimento que mantém atividade no mercado de consumo por meio
de profissionais liberais, responderá de acordo com a teoria do risco, de forma
que, embora este apresente responsabilidade objetiva diante da obrigação, tem-se
que na prática, a única forma de se eximir da responsabilidade é provando que os
profissionais não agiram com culpa no procedimento adotado. Assim, ainda que
se diga que a responsabilidade objetiva ocorre independentemente de verificação
de culpa, a verificação sempre ocorrerá quando se tratar de serviços prestados por
profissionais liberais (mesmo que na qualidade de prepostos), já que a não existência
de culpa é a única forma de romper o nexo de casualidade entre o fato e o dano26.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E FORMAS DE


RESPONSABILIDADE CIVIL

A regulamentação do ensino de economia no Brasil se iniciou mediante


o Decreto n. 1339, de 09 de janeiro de 1905, o qual declarou como instituição de
utilidade pública a Academia de Comércio do Rio de Janeiro, fundada em 1902.
Nesse sentido, o ensino superior de Ciência Econômica no Brasil se originou no
ensino comercial. De maneira sucinta, o ensino de economia passou a ter maior
valor no país somente após a vinda de Visconde de Cairú, José da Silva Lisboa
(1756-1835), o qual foi o decano dos economistas brasileiros. Em 1804, o baiano,

24 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Tradução de Osório de Oliveira. Campinas:
Bookseller, 2000, p. 209
25 Importante mensurar, segundo Sérgio Cavalieri, que “em tomo da ideia central do risco, surgiram
várias concepções, que se identificam como verdadeiras subespécies ou modalidades, dentre as quais
podem ser destacadas as teorias do risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional, do risco
criado e a do risco integral” CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 153.
26 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento
do Código De Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, 1. ed., p. 310 -323.
2004, p. 321-322.

201
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

com base nos seus conhecimentos e vivencia publicou sua obra Princípios de
Economia Política27.
A primeira manifestação efetiva de ensino de Economia no Brasil ocorreu
somente na década de 1820, com a incorporação da cadeira de Economia Política
no curso de Direito. Em 1880, por meio do Decreto 7.679, o ensino comercial
passou a ser 25% das disciplinas totais em cada uma das áreas de Contabilidade,
Economia Política, Geografia Econômica (comércio exterior) e Ciências Jurídicas
(ênfase em Direito Comercial). Após 1870, a Ciência Econômica voltou a ganhar
espaço no ensino comercial brasileiro. Somente em 1926 se foi homologado o
ensino das Ciências Econômicas e Comerciais, pelo Decreto n. 17.329, tendo
como pré-requisito para ingresso o título de contador, obtido no curso geral28.
Dois pontos foram indispensáveis para a ascensão social das “Ciências
Econômicas”: a criação da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, em 1946,
integrante da Universidade do Brasil, este foi o primeiro curso de Economia
integrado a uma estrutura universitária no país; e o histórico da regulamentação
da profissão de economista. Em 1931, através do Decreto n. 20.258, o ensino das
Ciências Econômicas foi bastante ampliado. Por fim, houve, por intermédio da
Lei nº 1.411/51, sancionada pelo então Presidente da República Getúlio Vargas,
a regulamentação da profissão de economista e o estabelecimento das normas
organizacionais, através dos Conselhos Federais e Regionais de Economistas
Profissionais29.
Diante desse contexto histórico, é mister reforçar o perfil do profissional
em ciências econômicas, o qual é capaz de transitar em diferentes níveis de abstração,
desde o conhecimento analítico dos fenômenos econômicos puros até a tomada de
decisões práticas. Logo, o economista profissional, pode atuar na área de assessoria
(determinando o nível ideal de produção e produtividade para fixar preços de venda
com base em custos e margem de lucro adequados à estrutura de mercado e ao setor
de atividade), na produção de projetos (colaborando em auditoria e perícia no que
se refere às avaliações econômico-financeiras, elaborar projetos de investimentos),
como professor universitário e/ou pesquisador, no planejamento econômico,
financeiro e administrativo e na utilização de instrumentos de política econômica
para elevação do desenvolvimento socioeconômico, além de poder atuar na área de

27 SOUZA, Nali de Jesus de. O economista: A história da profissão no Brasil. Análise, Porto Alegre,
v. 17, n. 2, p. 377-383, jul./dez. 2006. p. 377-379.
28 Ibid. p. 377-379.
29 Ibid. p. 381-383.

202
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

consultoria em Economia e Finanças, com o intuito de o aumentar a rentabilidade


do patrimônio privado e a melhoria da prestação de serviços30. Diante disso, é
perfeitamente possível a sua atuação enquanto profissional liberal, o que torna
indiscutível a necessidade de averiguar a sua responsabilidade civil como tal.
O decreto nº 31.794, de 17 de novembro de 1952 regulamenta o
exercício da profissão de economista, sendo possível reconhecer dentre os seus
ditames a presença de algumas questões relacionadas com a responsabilização civil
do profissional. De acordo com da Lei 1.411/1951, os Conselhos de Economia,
sejam eles, regionais (CORECON) ou Federal (COFECON), atuam como fiscais
dos economistas. A norma trata da imprescindibilidade dos registros do economista
junto aos conselhos, em seu art. 14, estabelecendo que “só poderão exercer a
profissão de economista os profissionais devidamente registrados nos C.R.E.P.31
pelos quais será expedida a carteira profissional”, sendo salientado em seu parágrafo
único que “serão também registrados no mesmo órgão as empresas, entidades e
escritórios que explorem, sob qualquer forma, atividades técnicas de economia e
finanças”32. Sendo assim, para que o economista realize suas atividades profissionais
deve deter de registro no CORECON, antigo CREP, não sendo o mero diploma
profissional suficiente para este fim, quando se tratando de atividade privativa do
profissional.
A fiscalização do exercício da profissão do economista necessita do
poder de polícia administrativa para que possa ser exercido, ao qual pode ser
utilizado para, por exemplo, verificar as condições do exercício profissional quanto
à aplicação da técnica, ou as questões éticas envolvidas em cada caso, ou, ainda,
realizar a verificação da responsabilização social pela sua utilização na prestação de
serviços aos cidadãos, sendo delegada essa atribuição para os Conselhos Regionais
sob a supervisão do Conselho Federal de economia (COFECON). As atribuições
de fiscalização dos CORECONs e do COFECON estão presentes nos artigos 7 e
10 da Lei 1.411/51 e nos artigos 15 e 19 do Decreto 31.794/52, conforme trechos
da legislação específica, abaixo transcritos33:

30 COSTA, Fernando Nogueira da. Formação do economista no Brasil Contemporâneo. Texto para Dis-
cussão. Campinas: Unicamp, set. 2016. p. 41.
31 C.R.E.P. corresponde a sigla referente a Conselho Regional de economia, atualmente conhecido
como CORECON.
32 BRASIL. Lei 1.411, de 13 de agosto de 1951. Dispõe sobre a profissão de Economista.
33 CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA. Manual de Fiscalização do Exercício da Profissão de
Economista 2019. Brasília, 2019. p. 10-19.

203
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Lei nº 1.411, de 13 de agosto de 1951: “Art. 7º. O COFE-


CON, com sede no Distrito Federal, terá as seguintes atribui-
ções: [...] b) orientar e disciplinar o exercício da profissão do
economista [...] Art. 10. São atribuições dos CORECONs:
[...] b) fiscalizar a profissão de economista;34” Decreto Nº
31.794, de 17 de novembro de 1952: “Art. 15. O exercício
dos cargos e funções de que trata este Capítulo será fiscalizado
pelos competentes Conselhos Regionais de Economia, sob a
supervisão do Conselho Federal de Economia, que orientará e
disciplinará o exercício da profissão de economista, em todo o
território nacional. [...] Art. 18. O Conselho Federal de Eco-
nomia tem por finalidade orientar, supervisionar, disciplinar
e fiscalizar o exercício da profissão de economista em todo o
território nacional, na forma deste Regulamento, e contribuir
para o desenvolvimento econômico do país35”

Logo, os profissionais que exercem atividades privativas do economista


devem estar devidamente registrados no Conselho competente, entretanto, caso o
economista atue em atividade não privativa da sua área, tal registro não é necessário,
podendo este ser dispensado ou suspenso, conforme entendimento no julgado
abaixo:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ADMI-


NISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONSELHO
PROFISSIONAL. CONSELHO REGIONAL DE ECO-
NOMIA. ATIVIDADE BASICA. REGISTRO. (DES) NE-
CESSIDADE. -O critério legal para a obrigatoriedade de re-
gistro perante os conselhos profissionais é determinado pela
atividade básica desenvolvida – O Decreto 37.011/55, que
regulamentou a lei que trata da profissão de economista (Lei
1.411/51), estabelece em seu artigo 3° as funções privativas
deste profissional – As atividades de caráter operacional na
área de carteira de títulos não necessita registrar-se perante
o Conselho Regional de Economia, pois suas funções não
são privativas de portadores de diploma na área de Econo-
mia. TRF-4 – AC: 90061547320194047100 RS 5006154-

34 BRASIL. Lei 1.411, de 13 de agosto de 1951. Dispõe sobre a profissão de Economista.


35 BRASIL. Decreto 31.794, de 27 de novembro de 1952. Dispõe sobre a regulamentação do exercício
da Profissão de Economista, regida pela Lei nº 1.411 de 13 de agôsto de 1951, e dá outras providên-
cias.

204
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

73.2019.4.04.7100, Relator: Vivian Josete Pantaleao Cami-


nha, Data de Julgamento: 17/06/2020, Quarta Turma36.

Assim, o critério legal para a obrigatoriedade de registro perante os


conselhos profissionais é determinado pela atividade básica desenvolvida. Logo,
a pessoa jurídica que presta serviços técnicos de economia e finanças, mas essa
atividade não constituir atividade básica; deverá contratar economista devidamente
registrado. Contudo, se houver eventual processo de fiscalização de bacharel
em Ciências Econômicas atuando sem o devido registro e a empresa recusar-se
a colaborar com o CORECON, ela também poderá ser multada, tanto quanto
o bacharel que não cumprir a determinação para o registro; conforme presente
no artigo 19, parágrafo primeiro da Lei 1.411/5137. Dessa maneira, quando se
tratando de atividade privativa, a falta do competente registro torna ilegal e punível
o exercício da profissão de economista (vide art. 18, Lei 1411/51 e art. 48, Lei
31.794/52.). Os conselhos de economia, além de fiscais, também são os responsáveis
pela responsabilização dos economistas, conforme art. 5º do decreto 31.794/52:

Art. 5º O Conselho Federal de Economistas Profissionais –


(C.P.E.P.) – mediante denúncia das autoridades judiciais ou
administrativas, promoverá a responsabilidade dos economis-
tas, nos casos de dolo, fraude ou má fé adotando as provi-
dências indispensáveis à manutenção de um sadio ambiente
profissional, sem prejuízo da ação administrativa ou criminal
que couber38.

No dispositivo legal acima elencado, quando o legislador utiliza termos


como “dolo, fraude ou má fé”, traz intrinsicamente a ideia de culpa, a qual se
apresenta como fator determinante para responsabilização do profissional,
conforme já apresentado no § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. O
diploma legal estabelece, ainda, que a responsabilidade do profissional pertencente
a sociedade formada exclusivamente por profissionais economistas, com intuito de

36 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4ª Turma). Apelação cível nº AC 90061547320194047100


RS 5006154-73.2019.4.04.7100. Relator: Vivian Josete Pantaleao Caminha. Rio Grande do Sul, 17
de junho de 2020.
37 CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA. Manual de Fiscalização do Exercício da Profissão de
Economista 2019. Brasília, 2019, p. 23-24.
38 BRASIL. Decreto 31794, de 27 de novembro de 1952. Dispõe sobre a regulamentação do exercício
da Profissão de Economista, regida pela Lei nº 1.411 de 13 de agosto de 1951 e dá outras providên-
cias.

205
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

prestação de serviços, será de maneira individual perante o CORECON diante dos


atos praticados pelas sociedades (art. 9º da lei 31.794/52), havendo aqui uma clara
referência a responsabilização subjetiva do profissional.
O Código de Ética do profissional, regulamentado pela Resolução n.º
1628, de 02 de agosto de 1996, foi revogado pela Resolução COFECON nº 1.729
de 23 de outubro de 2004, a qual implantou os capítulos 3.1 (anexo I) e 6.3 (Anexo
II) da Consolidação da Regulamentação Profissional do Economista. O capítulo
3.1 trata exatamente do novo Código de Ética Profissional do Economista, e traz
em seu item 5 as infrações que contrariam a ética profissional, as quais podem gerar
responsabilização civil do profissional, dentre elas pode-se citar:

5. São infrações que contrariam a ética profissional em caráter


geral: a) assumir a autoria de documento técnico elaborado
por terceiros; b) exercer atividade profissional ou ligar o seu
nome a empreendimentos de cunho socialmente danoso ou
de caráter ilícito; c) deturpar intencionalmente a interpreta-
ção do conteúdo explícito ou implícito de documentos, obras
doutrinárias, leis, acórdãos e outros instrumentos de apoio
técnico ao exercício da profissão, com o intuito de iludir a
boa-fé e induzir a erro seus clientes ou terceiros; [...] h) per-
mitir a utilização de seu nome e de seu registro por qualquer
instituição pública ou privada onde não exerça pessoal ou
efetivamente função inerente à profissão; [...] j) manter socie-
dade profissional sem o registro regular; [...] o) negligenciar
no cumprimento de prazos para execução ou entrega de tra-
balhos profissionais acordados, especialmente se estes forem
de natureza judicial e incorrerem em retardo da celeridade
processual e prejuízo às partes39.

Nesse sentido, atitudes do profissional sem observância dos ditames


do item 5 do referido código podem ser caracterizadas como ações passíveis de
responsabilização civil do profissional. Além disso, o Código de Ética Profissional
traz também os deveres do profissional no seu item 4, dentre eles podemos destacar
alguns decorrentes da relação do economista/cliente, tal como o dever de orientar
o cliente, de preferência documentado, com dados, informações e elementos
objetivos, que facilitem a tomada de uma decisão consciente; assim, o economista

39 CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA. Consolidação da Legislação da Profissão de Economis-


ta – Anexo I à Resolução 1.729/2004. Brasília, 2004. Disponível em: http://cofecon.org.br/transpa-
rencia/files/consolidacao/3.1.pdf. p. 4. Acesso em: 25 fev. 2021.

206
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

precisa manter um diálogo aberto com seu cliente, mantendo-o ciente de todos os
procedimentos, nesse sentido; não deve o profissional prestar apenas informações
vagas quanto as suas atividades, mas abranger tudo o que for de interesse do cliente
a fim de não induzi-lo a erro, ou contratar um serviço que não irá de fato atender
as suas expectativas.
O direito de informar qualifica direito básico, de forma que em havendo,
a omissão do profissional poderá acarretar em obrigação de indenizar, diante da
não transparência regulamentada no código de ética profissional e no art. 31 do
CDC. Também é dever do economista guardar sigilo sobre as informações técnico-
econômicas privativas a que tiver acesso, sobretudo quanto ao uso indevido de
informações privilegiadas, em detrimento dos interesses do país e da sociedade;
assim, a divulgação de tais informações também pode acarretar em responsabilização
civil do profissional.
Naturalmente, se o economista, detentor dos segredos contábeis
e financeiros de determinado conglomerado expõe à imprensa ou aos seus
concorrentes os dados com acesso restrito à coletividade, pode pôr em risco a própria
saúde financeira da empresa(s) ou mesmo sua permanência no mercado, e suas
relações com colaboradores, fornecedores e clientes. Por essas razões, claramente
por atentado contra a lealdade e boa-fé de suas relações e quebra do dever de sigilo
merece ser punibilizado.
No que se refere a possíveis sanções aplicadas, conforme já explicitado,
é de competência dos Conselhos Regionais autorizados, e estão presentes no item
8 do Código de Ética, as quais podem ser desde advertência até penalidade mais
graves, como suspensão do profissional, conforme abaixo transcrito:

A violação às normas contidas neste Código de Ética importa


falta que sujeitará seus infratores às seguintes penalidades: a)
advertência escrita, reservada; b) censura pública; c) multas,
deliberadas pelo Conselho Federal de Economia, no valor de
5% (cinco por cento) a 250% (duzentos e cinqüenta por cen-
to) do valor da anuidade (Lei 1411/51, art. 19, alínea ´a´);
d) suspensão do exercício profissional por até 90 (noventa)
dias, prorrogável por igual período, se persistirem as condi-
ções motivadoras da punição; e) suspensão de um a dois anos
do exercício da profissão ao profissional que, no âmbito de
sua atuação profissional, for responsável, na parte técnica, por
falsidade de documentos ou pareceres dolosos que assinar (Lei
1411/51, art. 19, alínea ´b´); f ) suspensão de seis meses a

207
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

um ano ao profissional que demonstrar incapacidade técnica


no exercício da profissão. (Lei 1411/51, art. 19, alínea ´c´) g)
suspensão, até um ano, do exercício da profissão ao economis-
ta que agir sem decoro ou ferir a ética profissional (Decreto
31794/52, art. 49 alíneas ´d´). 8.1 – No caso de reincidência
da mesma infração, praticada dentro do prazo de dois anos, a
multa será elevada ao dobro. (Lei 1411/51, art. 19, § 2º) 8.2
– A imposição da pena de suspensão do exercício profissio-
nal implica, por igual período, na suspensão do exercício do
mandato do Conselheiro Federal ou Regional que a sofrer40.

Conforme apresentado, a responsabilização do profissional está ligada


as penalidades aplicadas pelo referido conselho, sendo a determinação de multas
a forma mais comum de responsabilização civil, devendo, portanto, o economista
exercer suas atividades com zelo, empenho, perícia e prudência a fim de que evite
ser responsabilizado, diante da comprovação de culpa ao causar danos a outrem.

4 MANIFESTAÇÃO DOS TRIBUNAIS QUANTO À RESPONSABILIDADE


CIVIL DO ECONOMISTA

Georges Ripert41, lembra-nos que, no fim do século XIX, procurou-


se alargar o campo da responsabilidade civil, identificando o risco profissional,
circunstância na qual, sem esquecer a ideia de culpa, a doutrina formulou os
conceitos também de risco-propriedade e do risco-criado, manifestando o citado
jurista francês sua adesão à expressão “doutrina do risco”.
A perspectiva relevante da análise econômica do direito para o estudo
proposto, na atuação do profissional liberal, é a noção das consequências das
decisões judiciais sob o prisma econômico42.

40 CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA. Consolidação da Legislação da Profissão de Economis-


ta – Anexo I à Resolução 1.729/2004. Brasília, 2004. Disponível em: http://cofecon.org.br/transpa-
rencia/files/consolidacao/3.1.pdf. Acesso em: 25 fev. 2021, p. 5-6.
41 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Tradução de Osório de Oliveira. Campinas:
Bookseller, 2000, p. 45.
42 SACRAMONE, Marcelo Barbos. DEZEM, Renata Mota Maciel Madeira. A responsabilidade ci-
vil sob o aspecto econômico. In: GUERRA Alexandre Dartanhan de Mello; BENACCHIO, Marcelo
(coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015. p. 334.

208
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Como destaca Coase43 :

Os tribunais influenciam diretamente a atividade econômica


e, por isso, é desejável que os tribunais entendam consequên-
cias econômicas de suas decisões e, na medida do possível,
evitem criar incertezas sobre a própria situação jurídica, le-
vando em conta essas implicações econômicas ao tomar suas
decisões. Mesmo quando é possível alterar a delimitação legal
de direitos por meio de operações de mercado, é obviamente
desejável reduzir a necessidade de tais transações e, assim, re-
duzir o emprego de recursos na execução dos mesmos.

Ultrapassados os paradigmas do juiz bouche de la loi, dos conceitos


indeterminados, o paradigma atual, segundo Antonio Junqueira Azevedo44 , seria
o da centralidade do caso concreto: a partir da solução dos casos, buscam-se rumos
normativos mais homogêneos em vista de uma maior segurança jurídica45.
O sistema de distribuição de perdas, sob uma rigorosa teoria de alocação
de recursos, é aquele no qual os preços dos bens reflitam com precisão o seu custo
total para a sociedade, o que exige que o custo dos danos deva ser suportado pela
atividade que lhes causou, como um verdadeiro custo real dessa atividade, o que
não poderia ser confundido como outros sistemas de alocação de perdas sob o título
geral “distribuição de risco”, segundo Calabresi46.
Nesse aspecto, ganha relevo a noção de custo de oportunidade, pois, para
o economista, “o custo é o de oportunidade, ou seja, o benefício sacrificado ao se

43 COASE, R. H. The problem of social cost. The Journal of Law and Economics, v. III, p. 1-44, p.
19, Oct. 1960.
44 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação. Revista de Direito do
Consumidor, n. 33, p. 123-129, jan./mar. 2000.
45 BACARIM, Maria Cristina de Almeida. Responsabilidade civil contratual e extracontratual. A
culpa e a responsabilidade civil contratual. In: GUERRA Alexandre Dartanhan de Mello; BENAC-
CHIO, Marcelo (coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015.
p. 83.
46 CALABRESI, Guido. Some thoughts on risk distributions and the Law of Torts. The Yale Law
Journal, v. 70, n. 4, p. 499-553, mar. 1961. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/
viewcontent.cgi?article=3035&context=fss_papers. Acesso em: 15 jul. 2015.

209
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

empregar um recurso de tal forma que impeça seu uso por alguém mais”, de acordo
com Camargo47.
Para analisar a responsabilidade civil a partir da perspectiva de um
profissional liberal, de acordo com a teoria econômica, é preciso interpretar
economicamente os conceitos de dano, conduta e nexo causal, o que nem sempre
se faz e, por certo, gera distorções no tratamento dado aos ilícitos civis48.
Observa-se na seguinte jurisprudência a participação fundamental
de um economista na análise contábil-financeira de uma grande farmacêutica,
viabilizando a participação de novo sócio, mesmo gerando controvérsias posteriores,
indiretamente ocasionadas em virtude dessa atuação profissional49.
Percebe-se, neste caso, a hipótese de responsabilidade civil ao economista,
uma vez que o representante, aparentemente, não possuía bens de capital para
compor a sociedade. O que, inevitavelmente poderia pôr em risco não só a solidez
do negócio, bem como a saúde financeira da empresa em questão.
Nesse aspecto, a responsabilidade civil tem o escopo de internalizar
aqueles custos que, via de regra, a empresa tenta justamente impor a terceiros,
valendo lembrar a ideia de externalidade50.
Como destaca Rachel Sztajn51:

Externalidade, termo largamente empregado pelos


economistas, ligado a benefícios ou custos nascidos e
presos ao exercício de atividade que não são supor-
tados pelo exercente, por quem lhes dá causa, mas
recaem sobre terceiros externos à sua origem, pessoa,

47 CAMARGO, Caio Pacca Ferraz de. Análise econômica do direito e o contrato. In: BENACCHIO,
Marcelo; SOARES, Ronnie Herbert Barros (coord.). Temas atuais sobre a teoria geral dos contratos. São
Paulo: CVR, 2014. p. 261.
48 SACRAMONE, Marcelo Barbos. DEZEM, Renata Mota Maciel Madeira. A responsabilidade ci-
vil sob o aspecto econômico. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; BENACCHIO, Marcelo
(coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015. p. 337.
49 H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (40): 229-567, dezembro 1992. p. 307.
50 SACRAMONE, Marcelo Barbos. DEZEM, Renata Mota Maciel Madeira. A responsabilidade ci-
vil sob o aspecto econômico. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; BENACCHIO, Marcelo
(coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015. p. 337.
51 SZTAJN, Rachel. Externalidades e custos de transação: a redistribuição de direitos no Código Ci-
vil de 2002. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do estado de direito: estudo em homenagem
ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 317.

210
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

grupos de pessoas ou a sociedade. Externalidades são


comuns na vida de relação e, muitas vezes, são deseja-
das e fomentadas.

Como destacam Cooter e Ulen52, o propósito econômico da


responsabilidade civil é o de induzir os causadores do dano a internalizar os custos,
a partir da indenização às vítimas e, diante deste quadro, serão incentivados a
investir em segurança a um nível eficiente. Em suma, a essência econômica da
responsabilidade civil é utilizar a responsabilidade para internalizar as externalidades
criadas pelos custos de transação elevados53.
Segundo Fernandes54, o contrato pode servir como gerenciador dos riscos,
sobretudo quando versar sobre cláusula de não indenizar ou mesmo de limitação do
valor da indenização nos casos de danos decorrentes do cumprimento do contrato
ou por uso do produto, hipóteses que podem, muitas vezes, incidir em contratos
de consumo.
Por isso, de acordo com Sztajn55, é que muitas decisões judiciais acabam
provocando alterações na própria alocação de recursos, passando a integrar o
processo produtivo, com a sua transferência à sociedade, em um verdadeiro repasse
dos prejuízos decorrentes de decisões judiciais.
Para Cooter56, por essas razões antes explicitadas, o sistema jurídico de
responsabilidade civil internaliza as externalidades criadas por custos de transação
elevados, ao passo que a aplicação deste sistema pelo Poder Judiciário acaba criando
mais um custo de transação.

52 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Derecho y economia. México: Fundo de Cultura Econômica,
1998. p. 371.
53 La responsabilidad de los ilícitos culposos es sólo uno de varios instrumentos disponibles para interna-
lizar las externalidades creadas por los costos de transacción elevados. Otros instrumentos son los estatutos
penales, las regulaciones de seguridad y los incentivos fiscales. Cada uno de éstos tiene sus ventajas y desven-
tajas. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Derecho y economia. México: Fundo de Cultura Econô-
mica, 1998. p. 371.
54 FERNANDES, Wanderley. Contrato de adesão e a racionalização dos processos de produção e
contratação. In: CONTRATOS de consumo e atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 88.
55 SZTAJN, Rachel. Externalidades e custos de transação: a redistribuição de direitos no Código
Civil de 2002. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do estado de direito: estudo em homenagem
ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 322.
56 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Derecho y economia. México: Fundo de Cultura Econômica,
1998. p. 415.

211
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Caso as medidas de prevenção possam apenas ser tomadas pela vítima57,


esta não as realizará se o causador for responsável integralmente pelos danos que esta
sofreu, mas o fará na maior medida se não houver qualquer responsabilização do
causador e a própria vítima tiver que arcar também com todos os danos sofridos58.
Diante de uma vulnerabilidade informacional, técnica ou econômica
de um grupo de agentes econômicos59, de atividades arriscadas aos direitos de
terceiro60, ou de danos a um direito coletivo ou transindividual61, por exemplo,
verificou-se a impossibilidade efetiva de as vítimas alterarem seu comportamento
para prevenir os danos sofridos.

5 CONCLUSÃO

Na seara da responsabilidade civil, sua incidência permite aos


economistas e juristas observarem hipóteses em que é necessária a diferenciação
entre padrões de responsabilização do agente causador do dano. De acordo coma
possível mensuração de atividades preventivas pelos agentes econômicos, sejam
contratantes, contratados, consultores, pareceristas ou colaboradores (diretos ou
indiretos) economistas, a imposição legal de uma especial responsabilização pela
norma poderá motivar a concretização de condutas de modo a ser obtido o ponto
ótimo de precaução.
Na realização das consultorias de averiguação da saúde financeira das
empresas, devido percepção de elevados custos de transação, a análise econômica
fornece à norma jurídica, e a todos os partícipes envolvidos, a produção de incentivos

57 SACRAMONE, Marcelo Barbos. DEZEM, Renata Mota Maciel Madeira. A responsabilidade ci-
vil sob o aspecto econômico. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; BENACCHIO, Marcelo
(coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015. p.341.
58 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Derecho y economia. México: Fundo de Cultura Econômica.
1998. p. 387-390.
59 O art. 12, do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu que os fabricantes, produtores, cons-
trutores e importadores respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes dos produtos.
60 O art. 927, do Código Civil, em seu parágrafo único estabelece que haverá obrigação de reparar
o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normal-
mente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
61 O art. 14, parágrafo primeiro da Lei 6.938/81 determinou que os poluidores, independentemente
da existência da culpa, deveriam indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente a terceiros
afetados por sua atividade.

212
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

adequados a uma melhor alocação de recursos entre os agentes no mercado, nos


limites de sua responsabilidade.
Uma vez que a perícia econômica ou econômico-financeira, bem como
as auditorias perquiri em exame(s), vistoria(s) ou avaliação(ões) para constatação
detalhada, de empreendimento(s), negócio(s) ou instuição(ões), podendo ser
desenvolvida tanto em processos judiciais, mediante determinação de autoridade
judicial competente, quanto extrajudicialmente, por solicitação de qualquer
pessoa ou autoridade administrativa, a(s) mesma(s) pode(m) levar o profissional
economista a responder civil, administrativa e penalmente por danos oriundos de
informações falhas, maliciosas ou falseadas de seu arcabouço técnico.
Há, portanto, um elo intrínseco entre o conceito de culpa e
responsabilização do profissional; visto que, na atuação do economista, há uma
relação de consumidor/ fornecedor de serviço, estando esta sujeita aos ditames do
Código de Defesa do consumidor (Lei nº 8.078/90). Assim, conforme apresentado
neste importante instituto legal em seu §. 4º do art. 14, enquanto profissional
liberal, o economista responde mediante existência de culpa, o que também é
reforçado pelo art. 5º do Decreto 31.794/52.
Além disso, o poder do polícia para fiscalização e implementação de
sanções ao economista é de responsabilidade dos Conselhos de economia, sejam
eles, CORECON e COFECON, os quais diante das atribuições dadas pela
regulamentação específica, sejam as principais a Lei 1.411/51, o Decreto 31.794/
52 e o Código de Ética Profissional do Economista presente na Consolidação da
Legislação da Profissão de Economista, atuam na imposição de responsabilização
civil do profissional, na medida da sua culpabilidade. Assim sendo, responde tal
profissional de maneira subjetiva, estando resguardado pelo direito constitucional
do contraditório e da ampla defesa, de maneira que o controle ético-disciplinar
promovido pelos Conselhos Federal e Regionais de Economia não exclui a adoção
das medidas fixadas na lei penal ou em outras leis administrativas aplicáveis a cada
caso concreto.

213
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217
10 Estatístico

Patrícia Borba Vilar Guimarães


Thairone de Sousa Paiva

1 INTRODUÇÃO

A proteção do consumidor, no ordenamento jurídico brasileiro, tem


previsão constitucional no artigo 5º, inciso XXXII1, da Constituição Federal,
como um direito fundamental, além de ser disciplinado no artigo 170, inciso V2,
também da CRFB/1988, e artigo 483 do ADCT, evidenciando a importância da
tutela dos direitos consumeristas nas relações jurídicas.
No entanto, foi somente no Código de Defesa do Consumidor, Lei nº
8.078/1990, que restou disciplinada toda a estrutura que serviria como base para
tutelar os direitos dos indivíduos que se enquadram no papel de consumidor, bem
como regula a atuação dos agentes que assumem a posição de fornecedor do serviço
ou produto ofertado.
O diploma legal previa que os fornecedores de produtos ou serviços
seriam submetidos a responsabilidade objetiva, que determina a reparação dos
prejuízos causados aos consumidores independentemente da aferição de dolo ou de
culpa na conduta do agente causador do dano.

1 CRFB/88, art. 5º, XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
2 CRFB/88, art. 170 – a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, ob-
servados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor.
3 ADCT, art. 48 – o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Consti-
tuição, elaborará código de defesa do consumidor.

218
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Esse modelo de responsabilização visava a garantia da proteção dos direitos


do consumidor, considerando a sua vulnerabilidade no mercado de consumo e a
capacidade econômica do fornecedor de prevenir cenários causadores de prejuízos
e, nos casos de dano concretizado, facilidade para reparar o dano causado. Nesse
caso, há o restabelecimento do equilíbrio econômico entre as partes integrantes da
relação de consumo.
Contudo, ao enquadrar os profissionais liberais na qualidade de
fornecedores, considerando a efetiva prestação de serviços destes a consumidores, o
Código de Defesa do Consumidor cria uma exceção a aplicação da responsabilidade
objetiva nas relações de consumo e determina a responsabilização subjetiva desses
profissionais, consoante prevê o art. 14, §4º4, do diploma legal.
O art. 1º, § 2º do Estatuto Social da Confederação Nacional das Profissões
Liberais define que o profissional liberal “é aquele legalmente habilitado a prestar
5

serviços de natureza técnico-científica de cunho profissional com a liberdade


de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão,
independentemente do vínculo da prestação de serviço”.
O profissional em estatística, reconhecido pelo ordenamento jurídico
como uma profissão liberal por meio da Lei nº 4.739/1965, é o diplomado
responsável, dentre diversas atribuições elencadas no art. 6º do diploma legal
supramencionado, pelo planejamento e direção de execução de pesquisas e
levantamentos estatísticos, trabalhos de controle estatístico de produção e qualidade
e análises e padronizações estatísticas.
Apesar de não ser destacada pela legislação que define a profissão do
estatístico, a responsabilidade civil desse profissional, quando inserido em relações
de consumo, é, em regra, subjetiva, ensejando a necessidade de análise do dolo
ou culpa do agente causador do prejuízo, sendo a culpa evidenciada por meio da
negligência, da imprudência ou da imperícia do profissional no exercício de sua
atividade.

4 CDC, art. 14 – o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela


reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° a responsabi-
lidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
5 O Estatuto Social da CNPL define a Confederação como entidade sindical de grau superior repre-
sentante dos profissionais liberais. Disponível em: https://www.cnpl.org.br/documentos-institucio-
nais/. Acesso em: 4 fev. 2021.

219
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Contudo, as discussões que são desenvolvidas pela jurisprudência e pela


doutrina demonstram diversos cenários à responsabilização dos profissionais liberais
para além dos dispositivos legais que preveem a aplicação da responsabilidade
subjetiva, evidenciando a incerteza na definição de uma responsabilização civil na
atuação dos profissionais liberais em geral, como abordarão os próximos tópicos
desta pesquisa.
Além disso, a ausência de casos concretos em que o estatístico se insere
como parte nos julgados de Tribunais e da Suprema Corte torna essa análise mais
escassa, motivo pelo qual a presente pesquisa se objetiva a analisar a responsabilização
civil dos profissionais em estatística, bem como buscará identificar os meios pelos
quais esses profissionais são fiscalizados para fins de reparação no âmbito civil.
Desta forma, a identificação das condutas do estatístico que podem
ensejar danos indenizáveis, bem como os meios pelos quais são averiguadas essas
condutas e a forma de reparação dos prejuízos no âmbito civil importará numa
maior segurança jurídica no que diz respeito à responsabilização desses profissionais
em relações de consumo, considerando a escassez de informações e de precedentes
que possam nortear a atuação desses diplomados em face de seus contratantes na
qualidade de consumidores.
Diante de tais considerações preliminares, o presente trabalho tem como
objetivo geral definir os aspectos da responsabilidade civil dos profissionais em
estatística, que se desdobra nos objetivos específicos de (i) identificar as características
da responsabilidade civil em geral e da relação consumerista que permeia a atividade
do profissional, (ii) analisar formas de responsabilização do profissional, bem como
da regulamentação específica que prevê a atuação do estatístico e (iii) identificar
meios de fiscalização da atuação do profissional e possíveis reparações no âmbito
civil.
A metodologia adotada pela pesquisa é indutiva e qualitativa, utilizando-
se de coleta de dados por meio da pesquisa bibliográfica, tendo como base as normas
vigentes que moldam a atuação do estatístico e as discussões presentes na doutrina
acerca da responsabilização civil e da reparação de possíveis danos causados pela
atuação desse profissional.

2 A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

As relações jurídicas, como a relação de consumo, são derivadas de fatos


jurídicos. Esses fatos são situações que decorrem de ação humana ou de forças

220
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

naturais, sendo certo que esses cenários devem ter amparo no ordenamento jurídico
e, portanto, se encaixam em uma hipótese prevista pelo Direito.
Dessa forma, os fatos jurídicos são os quais demandam a produção de
efeitos de direito, ou seja, com a capacidade de provocar a aquisição, a perda e a
modificação de um direito previsto em um ordenamento jurídico6.
O negócio jurídico, por sua vez, se apresenta de forma mais concreta em
relação aos fatos jurídicos ao determinar que são toda ação humana, de autonomia
privada, em que as partes regulam por si os próprios interesses baseados na
composição da vontade dos indivíduos, cujo conteúdo deve ser necessariamente
lícito7.
Assim, compreende-se que a relação de consumo – esta em que o
estatístico tem como característica ser um profissional liberal – se enquadra no
conceito de negócio jurídico, sobretudo por ter como característica a presença dos
elementos subjetivos dessa relação (o consumidor e o fornecedor) e de, pelo menos,
um elemento objetivo (o produto ou o serviço), conforme preceitua o Código de
Defesa do Consumidor.
Na atuação do profissional em estatística com a aplicação do Código
de Defesa do Consumidor em sua relação jurídica firmada com um indivíduo
contratante, a sua responsabilização por possíveis danos causados no exercício de
suas atividades se pautará na subjetividade de suas ações, conforme preceitua o
artigo 14, §4º, considerando o seu enquadramento enquanto profissional liberal.
Vale ressaltar que o profissional liberal se diferencia dos empregados e dos
empregadores, em regra, por sua autonomia e individualidade no exercício de suas
atividades profissionais, sendo a atividade econômica precedida de uma formação
técnica específica, regulamentada e fiscalizada por uma entidade de classe8.
Desta forma, ainda que a relação jurídica firmada entre o profissional
liberal e um contratante sofra a incidência direta do Código Civil, há a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor no que tange à caracterização de sua
responsabilização civil, sendo ela apurada mediante a verificação de culpa no
exercício da atividade que ocasionou o dano ao indivíduo que contratou o serviço.

6 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1934.
7 TARTUCE, Flávio. Direito civil: Lei de introdução e parte geral. 3. ed. São Paulo: Método, 2007.
v. 1.
8 VANNUCCHI, Marco Aurélio. O momento forte do corporativismo: Estado Novo e profissionais
liberais. Tempo, Niterói, v. 25, n. 1, p. 198-218, abr. 2019.

221
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Neste sentido, em caso de prejuízo causado pelo profissional liberal


em sua atuação profissional, o julgador, ao determinar a reparação civil no caso
concreto, aplicará a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil,
cuja caracterização será condicionada à comprovação de que os prejuízos causados
decorreram de um serviço prestado de forma culposa9.
No direito brasileiro, há três formas de culpa que ensejam a
responsabilização civil conforme prevê o art. 14, §4º, do Código de Defesa do
Consumidor. Não obstante, as três formas de culpa ainda são previstas pelo artigo
159 do Código Civil, momento em que o legislador vincula ao profissional que
causar prejuízo a outrem o dever de reparar o dano por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imperícia.
A primeira das três formas é a negligência, que se caracteriza pela falta de
observância dos deveres que as circunstâncias exigem do profissional no exercício de
suas atividades, decorrendo de desleixo, desatenção, inércia, indolência. É a atitude
omissiva do profissional em situações que exigem a adoção de medidas necessárias
para exercer a atividade10.
A imprudência, por sua vez, se caracteriza pela ausência da cautela
necessária. Assim, o profissional age sem um cuidado necessário, causando o dano
por precipitação, imoderação ou insensatez. Nesse caso, a conduta do profissional
liberal é a culpa comissiva11.
Por fim, a imperícia se caracteriza pela falta de habilidade ou inaptidão para
praticar a atividade profissional12. Nessa vereda, o profissional liberal, que precisa
ter uma formação técnica prévia para atuar em sua área, deve ter a competência
que lhe expectam. Assim, o profissional deve dominar os aspectos principais de sua
formação, bem como as especificidades de sua área que são exigidas no exercício da
atividade pela qual ele foi designado.

9 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Acórdão


1173334, 20170110084492APC. Relator Des. Luís Gustavo B. De Oliveira, 4ª Turma Cível, data de
julgamento: 22/5/2019, publicado no DJe: 27/5/2019.
10 MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez de. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. São
Paulo: Saraiva, 1984.
11 RAMOS, Pedro Lúcio Tavares. Erro médico: aspectos jurídico e médico-legal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, nov. 1987. p. 417.
12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 18. ed. Saraiva. v.
7. p. 46.

222
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

3 REGULAMENTAÇÃO GERAL DA PROFISSÃO DE ESTATÍSTICO

A Lei nº 4.739, de 15 de julho de 1965, dispõe sobre o exercício da


profissão de estatístico, determinando os requisitos principais para a sua atuação
profissional, bem como especifica suas atividades no mercado de trabalho.
O artigo 6º da legislação determina que cabe ao estatístico o planejamento
e direção de execução de pesquisas ou levantamentos estatísticos, trabalho de
controle estatístico de produção de qualidade, bem como a realização de pesquisas
e análises estatísticas.
Os profissionais têm como atividades próprias de sua carreira a produção
de amostragem, processos escolásticos, testes estatísticos, análise de séries temporais,
análise de variância, controle estatístico de produção e de qualidade, demografia,
bioestatística, cálculo de coeficientes estatísticos, ajustamento de dados e censos etc.
Nessa vereda, a estatística, objeto de atuação do profissional, é um
conjunto de métodos e técnicas que envolve cada passo de uma pesquisa, desde
o planejamento até a análise e interpretação dos dados para explicar determinado
fenômeno, bem como o uso de cálculo de nível de confiabilidade e de erro existente
na resposta para uma variável e a disseminação dessas informações identificadas na
pesquisa13.
O resultado da atividade exercida pelo profissional em estatística é
utilizado nas mais variadas áreas do conhecimento, sobretudo visando o melhor
uso de recursos econômicos e de processos de produção. Por ser uma ciência
multidisciplinar, seus resultados são classificados e armazenados em diversos
sistemas de informações acessíveis a pesquisadores e gestores, possibilitando o
amplo uso dos dados encontrados nas organizações públicas e privadas.
Visando auxiliar no desempenho das atividades do Poder Judiciário, por
exemplo, a estatística serve como um instrumento de classificação de ocorrências
de determinados fatos jurídicos. Assim, pode um magistrado se valer de pesquisa
estatística para ponderar o julgamento de um determinado réu em processo
penal, considerando-o culpado ou inocente de acordo com os dados obtidos por
estatístico14.

13 IGNÁCIO, Sérgio Aparecido. Importância da Estatística para o Processo de Conhecimento e


Tomada de Decisão. Nota Técnica Ipardes, Curitiba, n. 6, p. 1-15, out. 2010.
14 COELHO, Hemílio F. C. Sobre o profissional em estatística. Disponível em: http://sites.google.
com/site/hemilio/sobre-o-profissional-em-estatistica. Acesso em: 24 fev. 2021.

223
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Vale ressaltar que o diploma legal supramencionado prevê a expressa


atuação da profissão de estatístico em órgãos públicos e em empresas do setor
privado15, reconhecendo a relevância e a viabilidade dos profissionais em todos os
setores econômicos, ainda que de forma indireta, como é possível observar o uso
de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em prol da
atividade de instituições de Direito Público e de Direito Privado.
Não obstante, com a inserção constante de novas tecnologias na rotina
dos cidadãos se tornou mais urgente a realização de classificação de dados e de
informações referentes ao comportamento social on-line, sobretudo como forma
de mapear a evolução tecnológica na sociedade contemporânea, e nesse ponto
destacam-se as pesquisas comumente realizadas pelos estatísticos como forma de
aprimorar a conjuntura socioeconômica de forma bastante multidisciplinar – seja
no marketing digital, na tutela de direitos individuais e coletivos de cidadãos na
internet, no consumo de energia e seus reflexos no meio-ambiente etc.
Do mesmo modo, a profissão também tomou grandes proporções,
suscitando discussões políticas sobre a sua atuação, após a Organização Mundial da
Saúde (OMS) declarar, em março de 2020, que a conjuntura vivida pelo mundo
seria, a partir daquele momento, de pandemia de COVID-19. No Brasil, a inércia
do Poder Executivo Federal em coletar dados diários acerca da incidência da
pandemia no território brasileiro e de divulgá-los à população demandou do setor
privado, sobretudo dos órgãos de comunicação, o trabalho de identificação das
vítimas da doença altamente transmissível16.
É importante destacar que o diploma legal que regulamenta a profissão de
estatístico define, no artigo 1º, que é livre o exercício do profissional em estatística.
Além disso, a análise da profissão sob a ótica do artigo 1º, inciso IV, da CRFB/88,
que define como fundamentos constitucionais os valores sociais do trabalho e da
livre inciativa, permite a compreensão da importância da profissão e de seu peso na
sociedade, fato que, aplicado ao caso da pandemia da COVID-19, elucida que a

15 Lei nº 4.739/1965, art. 2º – todo aquele que exercer as funções de estatístico, ou a direção de
órgão, serviço, seção, grupo ou setor de estatística, em entidade pública ou privada, é obrigado ao uso
da carteira profissional nos termos desta Lei, devendo os profissionais que se encontrem nas condições
dos incisos I e III, do art. 1º, registrar seus diplomas de acordo com a legislação vigente.
16 Veículos de comunicação firmam parceria, chamada de “Consórcio de Veículos de Imprensa”, para
coletar e divulgar número de mortes, contaminados e curados da COVID-19 em território brasilei-
ro. Notícia disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,veiculos-de-comunicacao-for-
mam-parceria-para-dar-transparencia-a-dados-de-covid-19,70003328031. Acesso em: 22 fev. 2021.

224
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

atuação do profissional é, sobretudo, essencial na garantia de controle de situações


de crise e de risco na sociedade.
Desta forma, a profissão do estatístico, em território brasileiro, é
devidamente regulamentada por atuação legislativa, todavia, a liberdade inerente à
profissão liberal do estatístico exige que aspectos específicos sobre a responsabilização
do profissional não tenham previsão legal, exigindo, portanto, da atuação doutrinária
e do Poder Judiciário para firmar entendimentos e resolver controvérsias que podem
surgir no decorrer da atuação dos profissionais no mercado de trabalho.

4 A FISCALIZAÇÃO DA PROFISSÃO DE ESTATÍSTICO

A responsabilização civil, em regra, demanda o reconhecimento de uma


conduta como ilícita, bem como é definida de modo que qualquer ação ou omissão,
ao causar dano a um ou mais indivíduos, seja capaz de gerar a responsabilização17.
Essa responsabilização, no entanto, deve ser identificada para que seja
possível buscar a reparação civil pelo dano causado. No caso dos profissionais
da estatística, é imperioso destacar que a Lei nº 4.739/1965, em seu artigo 9º,
define que a fiscalização do exercício da profissão incumbe ao Conselho Federal de
Estatística e aos Conselhos Regionais de Estatística.
Todavia, a fiscalização realizada de forma direta pelos órgãos
representativos da categoria é, nos limites da lei, direcionada para a análise das
condições necessárias para o cadastro do profissional e a concessão da licença para
a atuação no mercado de trabalho.
Desta forma, o legislador somente se atentou, na produção do diploma
legal supracitado, aos requisitos formais para o reconhecimento do profissional da
área. Todavia, a fiscalização da atuação do profissional no mercado de trabalho resta
implícita no texto normativo, considerando que é cediço que cabe ao Conselho
Federal e aos Conselhos Regionais de Estatística o devido cumprimento do papel
do profissional na sociedade, respeitando os preceitos éticos e morais da profissão e
da vida em sociedade.
Noutro pórtico, é importante destacar a incidência do princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, definido como a principal garantia
constitucional de acesso ao Poder Judiciário, o qual detém o monopólio da jurisdição.

17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 20-21.

225
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Assim, o sujeito titular de um direito lesionado ou que careça da proteção contra


ameaça a lesão pode recorrer ao órgão jurisdicional para pleitear a devida tutela18.
Desta forma, é imperioso reconhecer que o Poder Judiciário é responsável
pela análise da atuação da profissão de estatístico sob a ótica de casos concretos de
litigância, sobretudo no contexto de atuação do profissional liberal causador de
lesão ou de ameaça a lesão a direito de outrem, havendo, nesse caso, a incidência da
teoria da responsabilidade subjetiva do agente causador do dano.
Assim, verifica-se que a fiscalização e averiguação de responsabilização
civil da profissão de estatístico, em contexto de efetiva prestação de serviço, pode ser
demandada para a via administrativa, através de seu órgão da categoria profissional,
e, em razão da inafastabilidade do controle jurisdicional, também compete ao
Poder Judiciário.

4.1 A FISCALIZAÇÃO DO CONSELHO FEDERAL E DOS CONSELHOS


REGIONAIS

Ainda que o diploma legal que dispõe sobre a atividade profissional


do estatístico define que a fiscalização do Conselho Federal de Estatística e dos
Conselhos Regionais de Estatística se limitem à análise das condições para a atuação
profissional, a Resolução nº 016, de 18 de janeiro de 1972, que dispõe sobre o
Regimento do CONFE (Conselho Federal de Estatística), em seu artigo 4º, inciso
I, define como finalidade do órgão orientar, supervisionar, disciplinar e fiscalizar o
exercício da profissão de Estatísticos em todo o território nacional.19
A atuação do Conselho Federal de Estatística na fiscalização da atuação de
seus profissionais ocorrerá na seara administrativa. Em um processo administrativo,
com a garantia do contraditório e da ampla defesa do indiciado, há uma relação
bilateral, diferente da relação trilateral da demanda judicial, que conta com a
intervenção do Estado-juiz.
Dessa forma, ainda que o profissional possa recorrer ao Poder Judiciário
para reverter o seu quadro em face de decisão administrativa tomada pelo órgão de
classe, o procedimento administrativo é previsto no Regimento e gera a aplicação

18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 433.
19 CONSELHO FEDERAL DE ESTATÍSTICA. Regimento do CONFE. Disponível em: http://
www.confe.org.br/regimentoconfe.pdf. Acesso em: 20 fev. 2021.

226
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

de diversos tipos de sanção, variando de acordo com a conduta ilícita praticada pelo
profissional.
Contudo, os instrumentos normativos não preveem formas diretas
de responsabilização do profissional em caso de dano ocasionado a outrem.
A Resolução nº 058, de 06 de outubro de 1976, que dispõe sobre o Código de
Ética Profissional do Estatístico, define diversas condutas vinculantes à atuação do
profissional em seus artigos 16, 17 e 1820. Ainda que exija o efetivo cumprimento
de preceitos éticos, morais e constitucionais, a norma não discorre sobre condutas
decorrente de culpa do profissional no exercício de suas atividades.
Assim, infere-se que, em caso de dano causado a outrem, o profissional
da estatística pode ser responsabilizado no âmbito de seu Conselho Federal, ainda
que não haja expressa previsão legal. Esse entendimento depreende-se da orientação
prevista no artigo 18, alínea “e”, de seu Código de Ética Profissional, que define
como princípio da atuação profissional a realização do trabalho sempre de modo a
preservar a paz e a segurança nacional.
Deste modo, o profissional estará sujeito ao trâmite administrativo do
órgão de classe, que, seguindo os protocolos previstos em lei e nas normativas do
Conselho, deverá punir o indiciado de acordo com o dano causado a outrem e à
categoria profissional, momento em que há a responsabilização na via administrativa,
não excludente da possível responsabilização civil do profissional na esfera judicial.
De toda forma, a fiscalização deve ocorrer pelo Conselho Federal de
Estatística, sendo as informações apuradas pelo processo fiscalizatório essenciais
para que o Poder Judiciário averigue a conduta do profissional e, em caso de
reconhecimento da conduta ilícita analisada sob o viés da subjetividade do sujeito –
auferindo negligência, imprudência e imperícia na atuação do estatístico –, ocorrerá
a reparação civil na seara judicial, caso que será pormenorizado no tópico seguinte.

4.2 A RESPONSABILIZAÇÃO DO PROFISSIONAL NO PODER


JUDICIÁRIO

Independentemente da fiscalização do Conselho Federal de Estatística


sobre um determinado caso de lesão a direito ou ameaça a lesão de um indivíduo
que contratou os serviços do profissional da estatística, pode esse contratante

20 CONSELHO FEDERAL DE ESTATÍSTICA. Código de Ética Profissional do Estatístico. Disponí-


vel em: http://www.conre3.org.br/portal/codigo-de-etica-2/. Acesso em: 20 fev. 2021.

227
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

recorrer ao Poder Judiciário para garantir a proteção de seu direito em face da falha
na prestação de serviço do estatístico.
A utilização do órgão jurisdicional como instrumento fiscalizatório da
atuação do estatístico em um caso concreto de lesão ou ameaça a lesão a direito de
outrem é determinado pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 5º,
inciso XXXV21, prevê o direito de ação para a proteção de um direito material que o
autor dessa ação entende ser lesado.
Desta forma, o que existe é uma forma de controle de litígio consubstanciada
em um processo judicial que, em razão da necessidade do conhecimento dos fatos
pelo magistrado, demandará um procedimento fiscalizatório para averiguar se
houve ou não prática ilícita capaz de lesionar direito do autor da ação.
Assim, ainda que o Poder Judiciário não tenha como competência a
fiscalização da laboração do profissional da estatística, a sua atuação pode ensejar
a fiscalização e o controle do exercício da atividade do estatístico, mediante
requerimento da parte que crê que seu direito material foi prejudicado pelo
profissional.
Em face do enquadramento da atuação do estatístico como profissional
liberal, bem como da incidência do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do
Consumidor, que define a responsabilidade civil subjetiva como regra para
averiguar a conduta ilícita do profissional no exercício de suas atribuições, pode a
parte autora da ação ajuizar demanda junto à Justiça Comum Cível, por meio das
Varas Cíveis da Justiça Estadual do local em que ocorreu a lesão, conforme prevê
o artigo 53, inciso IV, alínea “a”, do NCPC22, bem como pode o autor se valer dos
Juizados Especiais Cíveis, definidos pela Lei nº 9.099/1995, para ajuizar demanda
de reparação civil com valor da causa que não exceda vinte salários mínimos, sem
representação por meio de Advogado, ou até quarenta salários mínimos, com a
presença de Advogado.
Neste sentido, pode o autor do direito lesionado buscar o Poder
Judiciário em virtude da obrigação assumida pelo profissional de estatística, que
tem natureza contratual. Assim, ainda que não haja entendimento consolidado
acerca da aplicação absoluta da regra do artigo 14, § 4º, do CDC, considerar-se-á,

21 CRFB/88, art. 5º, XXXII – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
22 NCPC/2015, art. 53 – é competente o foro: IV – do lugar do ato ou fato para a ação: a) de repa-
ração de dano;

228
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

como posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, que a profissão


do estatístico, ao ocasionar lesão a direito material de outro sujeito, responderá
civilmente quando houver culpa, ainda que presumida.
Contudo, a atuação do Poder Judiciário em face de litígios envolvendo
a profissão liberal do estatístico não afastará a incidência de outros dispositivos do
Código de Defesa do Consumidor com relação ao profissional enquanto fornecedor
de serviços, como a inversão do ônus da prova, as definições de vulnerabilidade e
hipossuficiência, a proteção contratual, dentre outros.

5 CONDUTAS QUE GERAM REPARAÇÃO CIVIL DO ESTATÍSTICO

De acordo com a Lei nº 4.739/1965, que regulamenta a atuação


do profissional da estatística em território brasileiro, o exercício do profissional
compreende a produção de documentos e de atividades que envolvam o uso
da ciência da estatística para alcançar um determinado resultado, bem como o
assessoramento e direção de órgão e seções que trabalham com o uso da estatística
para a produção dessas demandas.
A responsabilidade civil subjetiva, no Direito brasileiro, é aquela causada
por conduta culposa lato sensu, sendo essa dividida em culpa strito sensu, que ocorre
quando o agente causador do dano pratica ato com negligência ou imprudência,
e em dolo, que ocorre quando há vontade consciente do agente para que haja o
resultado ilícito23.
Em situações em que o profissional da estatística agir com inobservância
de um dever que ele própria devia dominar para o exercício daquela determinada
atividade, haverá o enquadramento da culpa stricto sensu24. Assim, a elaboração de
uma padronização estatística, atividade prevista na alínea “d” do art. 6º da Lei nº
4.739/1965, sem o comprometimento do profissional em entregar o documento
revisado com as devidas formatações (coleta de dados lícita, adoção de ferramenta
de controle de processo, uso de gráficos), caso gere dano evidente e incontroverso
a terceiro que solicitou o serviço poderá ensejar a responsabilização do profissional,
nos limites do dano causado.

23 SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. Âmbito
Jurídico. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/responsabilidade-civil-
-origem-e-pressupostos-gerais/. Acesso em: 27 fev. 2021.
24 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

229
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

O dolo, por sua vez, necessita da intenção do agente para a sua


caracterização. Desta forma, reconhecer a vontade livre e consciente do sujeito ao
produzir o evento danoso é indispensável para o enquadramento da conduta do
profissional nesse subtipo da culpa lato sensu25.
Nessa vereda, em um caso fictício em que um profissional da estatística,
intencionalmente, modifica os dados coletados e as variantes utilizadas nas
amostragens da pesquisa para influenciar em um determinado resultado do projeto
contratado por outrem, prejudicando ou sabotando o objetivo do indivíduo
contratante dos serviços do estatístico, irá responder de forma dolosa pelos danos
causados ao titular do direito lesado ou ameaçado de lesão pela conduta ilícita do
profissional.
Ainda que não haja previsão de possíveis condutas ilícitas do profissional
no exercício de sua profissão, o Código de Ética Profissional do Estatístico, da
Resolução CONFE nº 058/1976, e o Regimento Interno do Conselho Federal de
Estatística, da Resolução CONFE nº 016/1972, determinam a adoção de condutas
éticas e morais no exercício das atribuições do profissional. Assim, infere-se que a
inobservância desses atos normativos, ao gerar prejuízo a outrem, também poderá,
após a análise jurídica da subjetividade da conduta do profissional, ensejar a
responsabilização no âmbito civil do estatístico, sem prejuízo de quaisquer sanções
administrativas previstas pelo Conselho Federal e pelos Conselhos Regionais de
Estatística.
Noutro pórtico, importa destacar que as condutas do profissional que
possam resultar em responsabilização civil também estão previstas em outras
normativas, como no Código Civil, sobretudo por dissertar sobre atos ilícitos e
sobre condutas geradoras de danos a outros indivíduos, e no Código de Defesa do
Consumidor, por ser a relação firmada entre o profissional liberal e o contratante
dos serviços prestados regida pelo diploma legal.
Assim, não há, em nenhum diploma legal, um rol taxativo de condutas
que podem gerar a responsabilização civil subjetiva do profissional da estatística. A
análise da subjetividade da conduta do profissional no exercício de suas atividades
laborais impede que haja uma lista exaustiva de atos ilícitos causadores de danos a

25 MOLTOCARO, Thaiane Martins; TAMAOKI, Fabiana Junqueira. Responsabilidade civil: da evo-


lução histórica ao estudo do dano moral. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça. Mato Grosso
do Sul, v. 1, n. 1. 2014. Disponível em: https://periodicosonline.uems.br/index.php/RJDSJ/article/
view/678. Acesso em: 27 fev. 2021.

230
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

terceiros, sendo necessário que ao profissional haja bastante cautela e prudência na


realização de todas as suas atividades profissionais.

6 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil dos profissionais da estatística, no contexto


de exercício da atividade de forma autônoma, implica na aplicação da teoria da
responsabilidade civil subjetiva prevista no art. 14, § 4º, do Código de Defesa do
Consumidor, em razão do seu enquadramento como profissional liberal dentro
do ordenamento jurídico brasileiro, entendimento que foi sendo desenvolvido ao
longo do trabalho.
Na primeira seção, o trabalho abordou os principais pontos relevantes
sobre a responsabilização civil dos profissionais liberais, identificando os requisitos
para a existência da relação jurídica que ensejaria a responsabilização do profissional
e a previsão legal de análise do requisito da culpa na conduta do estatístico para
ensejar a reparação civil pelos danos causados pelo profissional no exercício de suas
atividades.
Em seguida, a segunda seção tratou da regulamentação da profissão
de estatístico em território brasileiro, destacando as principais atividades que o
profissional exerce e os requisitos para que se exerça a profissão no Brasil. Importa
ressaltar que a carreira carrega sua relevância no país desde sua criação, tendo, nos
dias atuais, protagonismo em face de situações diversas – como o caso da pandemia
da COVID-19 – para atender os interesses sociais.
A terceira seção, dividida em duas vertentes de responsabilização
do profissional, discute sobre a fiscalização da atuação do estatístico pela via
administrativa, abordando as demandas de competência do Conselho Federal e
dos Conselhos Regionais de Estatística, e sobre a fiscalização e condenação do
profissional pela via judicial, identificando os pontos relevantes sobre a atuação
do judiciário brasileiro nos casos de litigância que envolvem negócios jurídicos
firmados entre o profissional liberal da estatística e os indivíduos titulares de
direitos lesados ou que sofrem ameaça de lesão no exercício da atividade laboral do
estatístico.
Vale ressaltar que, no que tange ao direito processual envolvido nesses
litígios, pode o titular do direito lesado ou ameaçado ingressar com ação judicial
nas Varas Cíveis da Justiça Estadual ou em Juizados Especiais Cíveis Estaduais,
sendo essa última opção somente para autores sem representação de Advogados em

231
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

demandas com valor da causa de até vinte salários mínimos, ou representados por
Advogados, em demandas com valor da causa de até quarenta salários mínimos, nos
termos da Lei nº 9.099/1995.
Importa destacar, como se fez na última seção da pesquisa, que as
condutas que geram a reparação civil do estatístico vão depender do dano causado
ao titular do direito material lesado ou ameaçado de lesão, sendo elas previstas pelo
diploma legal que regulamenta a profissão do estatístico no ordenamento jurídico
brasileiro, pelas normativas do Conselho Federal e dos Conselhos Estaduais de
Estatística, ou por conduta considerada ilícita pelo Direito brasileiro no exercício
de sua atividade profissional.
No entanto, por serem as condutas do profissional analisadas sob a ótica
da teoria da responsabilidade civil subjetiva, que importa a análise da culpa lato
sensu, não há um diploma legal único que preveja todos os atos ilícitos, de forma
exaustiva, para que o profissional evite durante o exercício de suas atividades.
Cabe ao profissional o conhecimento amplo de suas atribuições e domínio técnico
necessário para realizar as demandas de sua carreira profissional.
Por isso, a análise subjetiva da conduta do profissional, auferindo culpa
no exercício de suas atividades, se torna o meio mais viável para a verificação da
responsabilidade civil do estatístico, sobretudo em face da sua vulnerabilidade
socioeconômica e da sua capacidade de reparação civil na seara jurídica enquanto
profissional liberal.
Desta forma, torna-se coeso que o ordenamento jurídico brasileiro adote
a teoria da responsabilidade civil subjetiva prevista no art. 14, § 4º, do Código
de Defesa do Consumidor, para fiscalizar, processar e julgar os profissionais da
estatística em situações em que sua atuação laboral gerou danos a outrem, garantindo
o equilíbrio entre os possíveis danos que podem ser causados pelo trabalhador e sua
capacidade enquanto profissional liberal em face de cenários de conflito na seara
administrativa e no Judiciário brasileiro.

232
REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do


Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
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BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados


Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: http://www.
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234
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo:
Atlas, 2010.

235
11 Fotógrafo e Filmaker

Victor Rafael Fernandes Alves

1 INTRODUÇÃO

Com a grande evolução tecnológica, hoje existe uma gama de


equipamentos eletrônicos que permitem às pessoas realizarem fotografias e filmagens
em tempo real e com excelente qualidade. Contudo, nem sempre foi tão prático
e simples a realização de tais registros, sendo uma atividade outrora desenvolvida
a partir de técnicas muito específicas e bastante complexas para o grande público.
Da câmara escura, aos equipamentos de revelação, passando pelas câmeras
fotográficas e filmadoras pessoais, até as câmeras digitais, os celulares com câmeras
integradas e chegando aos aplicativos de deep fake e de salvamento na nuvem, um
percurso intrincado de avanços técnicos ocorreu.
De fato, pode-se dizer que a atividade de fotografar e filmar passou a
ser uma praxe comum para o grande público, uma vez que a miniaturização dos
equipamentos, combinada com o poder de salvar os arquivos em mídias digitais,
além da fácil interação e usabilidade, culminou com uma massificação do acesso às
possibilidades dos registros em foto e vídeo. Inclusive, algumas interações recentes
passam a ocorrer praticamente baseadas em imagens; até mesmo algumas redes
sociais se baseiam principalmente nessa forma de comunicação.
Porém, mesmo nesse cenário de acesso facilitado por meio de ferramentas
práticas e intuitivas, o conhecimento e a técnica ainda prevalecem, sendo
extremamente corriqueiro que, para eventos marcantes ou ensaios específicos,
ocorra a contratação de profissionais de fotografia e filmagem. No caso, é bem sabido
que, além das meras lembranças da memória, os registros imagéticos realizados em

236
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

etapas relevantes são uma praxe visando a eternização daquele momento, razão pela
qual reclamam uma atuação profissional.
Atualmente, as técnicas adotadas por um profissional (seja na disposição
ou captura), ou ainda no eventual tratamento das imagens, evidenciam a subsistência
de uma firme demanda no setor. Desse modo, como vários prestadores de serviço,
a atividade vem se reinventando gradativamente na modernidade. Se não mais
ocorre a revelação do material fotográfico, ou a entrega dos filmes em mídia, outros
serviços agregados – como a pré-produção de ensaios ou o tratamento de imagens
por meio de softwares profissionais – têm sido a tônica do mercado.
Nesse sentido, o portfólio para a escolha do profissional é algo também
relevante. Os clientes costumam averiguar o material produzido e até acompanhar
os profissionais de sua preferência pelas redes sociais, atestando em tempo real a
qualidade do conteúdo e assim selecionando àqueles que deseja contratar.
De fato, o fotógrafo/filmaker desempenham atividades relevantes no
mercado como profissionais liberais. Dada a importância e singularidade dos
momentos sublimes que registram, há uma aura na colheita das imagens e seu
resultado que gera uma costumeira expectativa nos adquirentes de tais produtos
e serviços. Com efeito, existem riscos inerentes a atuação desses profissionais, os
quais, de toda sorte, também estão sujeitos à responsabilização diante de eventual
ato danoso.
Diante disso, o presente trabalho visa analisar as peculiaridades
inerentes à responsabilização civil do fotógrafo/filmaker, considerando a natureza
de profissional liberal dos mesmos, e suas repercussões jurídicas. Nesse sentido,
irá inicialmente demarcar elementos da relação jurídica existente, a eventual
regulamentação profissional e, sob a perspectiva jurisprudencial, coletar questões
concretas para amplificação do debate sobre o tema.

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA E FUNDAMENTO DA


RESPONSABILIDADE CIVIL

Inicialmente, é válido perquirir a evolução do conceito de profissional


liberal, com o fito de extrair de modo mais preciso sua gênese e delimitar melhor
seu sentido.
Aponta-se que a denominação de profissional liberal remonta ao Direito
Romano. Em contraponto àqueles que “alugavam” a sua força de trabalho mediante

237
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

um pagamento (locatio operum) os operae liberales eram objeto de um mandato e,


por isso, os serviços prestados eram tecnicamente gratuitos, sendo remunerados
por donativos, denominados honoraria ou munera. A expressão profissional liberal
viria ganhar força nos fins da Idade Média para referir-se às pessoas que passavam
a exercer profissões de modo livre, apartado das corporações de ofício, sendo esse
caráter de autonomia uma nota característica do conceito.
De fato, não há consenso doutrinário atualmente acerca do tema.
Especialmente sobre essa amplitude da dita autonomia e desse grau de liberdade a
caracterizar o profissional liberal.
Maria Celina Bodin de Moraes, por exemplo, ao tratar do tema, pontua
a tendência moderna de um “assalariamento” ou “proletarização” do profissional
liberal, pois estes têm passado a atuar cada vez mais como empregados em sociedade
prestadoras de serviço, trazendo uma colisão essencial entre subordinação no
emprego e autonomia liberal. Essa mudança paradigmática viria exigindo novas
interpretações, pois tais “vicissitudes ocorridas no bojo das relações laborais, vêm
flexibilizando o próprio significado de autonomia”1.
Um ponto que também costuma gerar bastante dissenso reside no caráter
do conhecimento exigido para caracterizar um profissional liberal. Para alguns
autores, é essencial que haja uma tecnicidade, enxergada esta como uma formação
de nível científico superior2, enquanto outros ponderam que bastaria um certo
nível de especificidade técnica, sem necessariamente redundar em uma formação
de graduação específica3.

1 BODIN DE MORAES, Maria Celina; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Anotações sobre a res-
ponsabilidade civil do profissional liberal. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 4, n. 2, 2015. Disponível
em: http://civilistica.com/anotacoes-sobre-a-responsabilidade-civil-do-profissional-liberal/. Acesso
em: 28 fev. 2021.
2 Maria Celina Bodin de Moraes, por exemplo pontua: “Optou-se, assim, por defini-lo como aquele
profissional que exerce atividade regulamentada, com conhecimento técnico-científico comprovado
por diploma universitário, cujo exercício pode até ser realizado mediante subordinação, desde que esta
não comprometa sua independência técnica e a relação de confiança que o vincula ao destinatário do
serviço”. Ibid.
3 Bruno Miragem aponta os: “traços essenciais da atividade do profissional liberal encontram-se a au-
sência de subordinação com o tomador do serviço ou com terceira pessoa, e que realizar na atividade
o exercício permanente de uma profissão, em geral vinculada a conhecimentos técnicos especializados
inclusive com formação específica”. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 398.

238
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Cavalieri transcende essa discussão para afirmar que o grau de


intelectualidade ou de escolaridade não seria nota distintiva essencial, mas sim o
exercício da “profissão livremente, com autonomia, sem subordinação”, apontando
como o melhor caminho definir o profissional liberal “pelas características de sua
prestação de serviços, e não pelo seu grau de escolaridade, ou pelo enquadramento
de sua regulamentação legal”4.
Rizatto Nunes vai na mesma esteira e registra que, com essa perspectiva,
“enquadramos as profissões liberais tradicionais e permitimos o abarcamento de
outras que não são tidas como tipicamente liberais”5. Buscando dissecar o conceito,
Rizatto Nunes arrola as seguintes características do profissional liberal: “a) autonomia
profissional, sem subordinação; b) prestação pessoal dos serviços; c) elaboração de
regras pessoais de atendimento; d) atuação lícita e eticamente admitida.”6
Para fins do artigo em exame, o fotógrafo/filmaker, ainda que prescinda
de uma formação de nível superior, é atividade que notoriamente exige uma técnica
e conhecimentos específicos, além de ser dotada em vários casos de uma autonomia
e pessoalidade que engendram sua categorização como profissional liberal.
De toda sorte, o intérprete deve zelar atentamente pela averiguação do
caso concreto, vez que, em eventuais cenários, a existência de sociedade empresária
ou de subordinação pode apresentar repercussões de ordem processual7. Mas, de
fato, não necessariamente a mera abertura de uma pessoa jurídica afastará a lógica
da responsabilidade subjetiva do profissional liberal8.

4 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p.
312.
5 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 412.
6 Idem. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 230-231.
7 Como se vê, a distinção entre profissional liberal pessoa física e profissional liberal com vínculo
empregatício somente é importante para fins de delimitação da relação jurídica processual que poderá
se formar. Como a pessoa jurídica assume o risco de suas atividades, ela sempre figurará no pólo pas-
sivo da demanda, respondendo pelos atos de seus prepostos. Porém, o profissional liberal sem vínculo
empregatício assume sozinho o risco do exercício de suas atividades, sendo apenas ele o legitimado
passivo na ação de reparação de danos. CALDEIRA, Mirella D´angelo. A responsabilidade dos profis-
sionais liberais no código de defesa do consumidor. Revista dignidade, Unimes/Santos, v. 1, p. 27 - 29,
10 maio 2003.
8 “De fato, o que descaracteriza a atividade como liberal não é a existência da pessoa jurídica, sim-
plesmente, mas a constituição de pessoa jurídica que passe a explorar a atividade que era de prestação
de serviços liberais de maneira típica desenvolvida na sociedade de massa pelos naturais exploradores:
escolha da atividade, exame do mercado, cálculo do custo, do preço, avaliação do risco, tendo em vista

239
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Isto posto, definido o profissional liberal, é importante ainda averiguar a


essência da responsabilidade civil, antes de esmiuçar a sua aplicação aos profissionais
liberais, particularmente ao fotógrafo/filmaker, objeto do presente artigo.
Inicialmente, a responsabilidade civil clássica convencionou uma divisão
essencial a partir da origem entre sua natureza como contratual ou extracontratual
(aquiliana). Essa cisão básica repercutiu em um sistema dualista em várias
codificações.
No nosso sistema em vigor, há um título específico acerca da
responsabilidade civil (arts. 927 a 954) versando sobre responsabilidade
extracontratual, referindo-se ao ato ilícito (art. 186) e abuso de direito (art. 187).
Por outro lado, a responsabilidade negocial está inserta no setor que trata do
inadimplemento das obrigações (art. 389 a 420).
Nesse sistema civilista clássico, orientado pela perspectiva individualista,
a responsabilidade se revela subjetiva, fundada na averiguação da culpa em sentido
amplo. Porém, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), calcado em outra
perspectiva, na lógica do mercado de consumo de massa e de contratos de adesão,
tem como diretriz a responsabilidade objetiva, calcada no risco-proveito9.
Contudo, em que pese esse tratamento setorizado, alguns autores
apontam a superação dessa dicotomia. Tartuce bem registra que o CDC transcendeu
essa distinção, pois, na verdade, “pela Lei Consumerista, pouco importa se a
responsabilidade civil decorre de um contrato ou não”10.
Ocorre que, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor há
uma regra peculiar para os profissionais liberais. Em que pese a consagração da
responsabilidade objetiva, mitigando a aferição do elemento de culpa no âmbito
do mercado de consumo, há uma ressalva atinente aos profissionais liberais,
demarcando que estes responderiam subjetivamente.

o binômio do custo-benefício, prestação do serviço em escala e utilização dos instrumentos de marke-


ting, especialmente a publicidade”. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor.
7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 410.
9 “[...] o fornecedor há de responder pelos riscos que seus produtos acarretam, já que lucra com
sua venda – como de resto já diziam os romanos ‘ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi
incommoda’; ou seja, quem lucra com determinada atividade que representa riscos a terceiros deve
também deve responder pelos danos que a mesma venha a acarretar”. FILOMENO, José Geraldo
Brito. Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 192-193.
10 TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor. Direi-
to Material e Processual. 2. ed. São Paulo: Gen, 2013. p. 123.

240
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Essa questão suscitou uma grande controvérsia, como aponta Cavalieri.


Este explica que a natureza majoritária de relação lastreada na confiança recíproca,
com caráter intuitu personae, em contraponto aos contratos massificados de ordem
consumerista, justificariam esse tratamento diferenciado. Desse modo, obtempera
Cavalieri que “não seria razoável submeter os profissionais liberais à mesma
responsabilidade dos prestadores de serviços de em massa, empresarialmente,
mediante planejamento e fornecimento em série”11.
Uma primeira contenda doutrinária reside no espectro de aplicação
do art. 14, §4º. No caso, o dispositivo em exame situa-se na parte do CDC
destinada ao tratamento do fato do serviço. Ocorre que, como o CDC cinde a
responsabilidade por vício do serviço e por fato do serviço, paira razoável dissenso
acerca da aplicabilidade da responsabilidade subjetiva aos profissionais liberais
apenas nos casos de fato do serviço12 ou se a diretriz deveria ser expandida para as
hipóteses de vício do serviço13.
Destaque-se que, a existência de um sistema de responsabilidade subjetiva
para os profissionais liberais no âmago do CDC não afasta o restante do sistema de
proteção consumerista. Remanesce, portanto, completamente em vigor (quando
no caso de uma relação de consumo, obviamente) todas as outras normas benfazejas
ao consumidor de ordem material e processual.
Inclusive, mesmo com algumas vozes doutrinárias em sentido contrário, é
caudalosa a corrente que compreende viável a inversão do ônus da prova mesmo em
casos de responsabilidade subjetiva do profissional liberal. Até mesmo, alinhando-
se às visões processuais mais modernas do novo Código de Processo Civil referente à
distribuição dinâmica do ônus da prova14, em face ao caráter eminentemente técnico

11 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p.
313.
12 MARQUES, Cláudia Lima. BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. Ma-
nual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 139.
13 Particularmente, dado o caráter mais abrangente da responsabilidade por fato do produto ou do
serviço, alinho-me à perspectiva de que a exceção da responsabilidade subjetiva se aplica aos profis-
sionais liberais também em casos de vício. Ressalvo, de toda forma, que a literalidade interpretativa
advoga em desfavor dessa perspectiva
14 “O artigo 373, §1°, do CPC, é o permissivo legal para a aplicação da distribuição dinâmica do
ônus da prova, que é diversa da inversão do ônus da prova prevista no 6°, VIII, do CDC. Ambos são
casos de flexibilização do ônus da prova, mas com peculiaridades que os distingue [...] O requisito
principal para aplicação da teoria da distribuição dinâmica se perfaz na dificuldade ou na impossibi-
lidade de produção de prova por uma das partes e maior facilidade de produção pela parte contrária,

241
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

do conhecimento detido pelos profissionais liberais, robustece-se a incumbência


dos mesmos de evidenciarem que atuaram com o devido zelo profissional.
Na doutrina e na jurisprudência essa distinção entre as obrigações de
meio e de resultado gerou um primeiro entendimento de que nas obrigações de
resultado a responsabilidade seria objetiva. Contudo, a evolução jurisprudencial
tem consignado que mesmo nas obrigações de resultado a responsabilidade
remanesce subjetiva, conquanto subsista uma presunção de culpa a ser elidida pelo
profissional.
Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do
Consumidor, já enfrentou o tema com precisão e registrando o dissenso em face
da natureza da obrigação de meio e de resultado, pontuou: “natureza do contrato
(de resultado ou de meio) não tem nada a ver com a natureza intuitu personae da
responsabilidade do profissional liberal”. Ou ainda como salienta Tartuce: “não há
qualquer conclusão plausível ou logico-intuitiva que chegue à dedução de que a
obrigação de resultado deve gerar uma responsabilidade sem culpa”.
Seguindo esta senda, tem-se que a distinção entre obrigações de meio e
de resultado, para esses casos, pode até servir como um norte para buscar separar
a factibilidade dos cenários esperados em cada caso concreto; todavia, trata-se de
questão bizantina15 em face do ponto nevrálgico que deve ser a busca do standard
a ser considerado, ou seja, o padrão de diligência e qualidade empreendido
pelo profissional no produto ou serviço ofertado, inclusive tendo em conta as
informações e esclarecimentos prestados16.

o que ocorre constantemente na relação jurídica travada entre o profissional liberal e seu consumidor.
O dever de informação se perfaz na necessidade de decisão fundamentada do magistrado e da abertura
do contraditório para as partes”. FERNANDES FILHO, Carlos Antônio Vieira. Responsabilidade
civil do profissional liberal pelo fato do serviço: aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova.
Brasília: Uniceub, 2019. p. 138.
15 As linhas de Afrânio Carlos Moreira Thomaz bem resumem como deve ser interpretado o dita-
me: “O dispositivo não faz qualquer distinção entre profissões regulamentadas ou de nível superior,
bastando que o fornecedor exerça sua atividade de forma autônoma, sem vínculo de subordinação,
ainda que não requeira formação técnica ou acadêmica específica. De igual modo, o preceito não faz
qualquer referência sobre ser a obrigação do profissional liberal de meio ou de resultado, ou se sua
contratação se deu, ou não, em caráter intuitu personae”. THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições
de direito do consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 261.
16 Caldeira traz uma interessante observação acerca da importância da informação repassada ao con-
sumidor pelo profissional liberal: “a assunção de uma obrigação de meio ou de resultado não im-
porta para caracterizar a responsabilidade do profissional liberal, prevalecendo, sim, o princípio da
informação que deverá ser cumprido, sob pena de responder objetivamente pelos danos causados”.

242
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E FORMA DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

A regulamentação profissional é bastante vaga, uma vez que não há


curso superior específico para fotógrafo/filmaker, sendo extremamente comum a
formação por cursos livres ou mesmo o autodidatismo na profissão.
No caso, em se tratando de repórter fotográfico, ainda subsiste uma
vinculação com a profissão regulamentada de Jornalista. Este é normatizado pelo
Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969 (Dispõe sobre o exercício da
profissão de Jornalista) e pelo Decreto nº 83.284, de 13 de março de 1979 (dá nova
regulamentação ao decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre
o exercício da profissão de Jornalista, em decorrência das alterações introduzidas
pela Lei nº 6.612, de 07 de dezembro de 1978). Contudo, como se infere, nesses
casos a atividade está imanentemente ligada ao serviço jornalístico.
Aqui estamos a tratar da atividade de fotógrafo/filmaker de modo mais
geral, seja para o viés publicitário seja para o registro de eventos, ou para outras
finalidades ainda mais diversas. De fato, os ramos atualmente para a profissão são
bastante variados. Existe, por exemplo, um ramo específico para fotografias de
produtos para fins publicitários; há ainda o ramo de moda, referente à cobertura
de modelos e ensaios. Tem-se ainda a fotografia para eventos sociais, tais como
festas de formatura e casamentos. O ramo gastronômico, referente à fotografia
de alimentos para divulgação. Há também o fotojornalismo, identificado com a
profissão de repórter fotográfico.
Pois bem, apesar da pouca regulamentação específica, de fato, a relação
jurídica entabulada costuma envolver o adquirente (comumente enquadrado na
condição de consumidor) de um produto ou serviço do profissional liberal na
condição de fotógrafo/filmaker.
Comumente, a avença envolve a coligação de uma prestação de serviços
(e.g., registros fotográficos em determinado evento, por determinado período ou por
quantidade de registros) com a entrega de um produto (e.g., um álbum fotográfico
com quantidade específica de páginas ou um vídeo com uma determinada
quantidade de minutos).

CALDEIRA, Mirella D´angelo. A responsabilidade dos profissionais liberais no código de defesa do


consumidor. Revista dignidade, Unimes/Santos, v. 1, p. 27 - 29, 10 maio 2003.

243
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

É corriqueiro que a prestação de serviços envolva também o tratamento


das imagens; a possibilidade/necessidade de seleção entre uma determinada
quantidade de imagens pelo cliente; o armazenamento por determinado período
dos registros (sob pena de exclusão dos mesmos, uma vez que há um custo inerente
de manutenção), dentre outros serviços correlatos.
Um ponto de relevo refere-se também à possibilidade ou não de divulgação
de fotografias a título de portfólio. É comum que os clientes assinem contratos
autorizando seu uso de imagens para fins de divulgação trabalho do fotógrafo/
filmaker. Inclusive, esse é um meio clássico para a captação de novos clientes
pelo profissional. Contudo, esse uso da imagem é um ponto que costuma gerar
eventuais controvérsias, sendo possível inclusive a consignação da impossibilidade
de divulgação de eventuais registros.
Outro ponto peculiar diz respeito a um elemento bastante fluido referente
ao senso estético do cliente e da atividade do profissional. No caso, o tratamento
das imagens por meio de softwares de edição pode gerar efeitos indesejados para
os clientes. Este tipo de tratamento hoje é extremamente comum, inclusive sendo
automatizado em alguns casos (ou seja, o próprio registro fotográfico já comporta
um processamento de imagem interno, como a redução de olhos vermelhos, e.g.).
Em outro sentido, há clientes que desejam um registro “real” (mais assemelhado ao
fotojornalismo), isto é, que sua imagem não seja “tratada”.
Ademais, após o tratamento de imagens, o material costuma ser
encaminhado para uma chancela do cliente, dando seu aval nas alterações realizadas
a fim de delinear a qualidade do produto final. Nessa etapa de aprovação, é possível
ainda que o cliente realize sugestões de troca de determinadas fotos, ou da trilha
sonora, ou ainda de melhoria de edição de algum registro. Em todas essas etapas
é essencial que haja o registro entre o profissional e o cliente, evitando eventuais
lides e controvérsias sobre o tema. Como se verá adiante, a questão da divergência
entre a expectativa e a qualidade final do produto é bastante sensível e tem sido
comumente levada à solução jurisdicional.
Tecidas algumas considerações gerais acerca da relação contratual
subjacente do adquirente de produtos ou serviços de fotografia/filmagem, tenha-se
em conta as problemáticas mais comuns das referidas avenças.
No caso do inadimplemento total pelo profissional liberal, vislumbra-se
este na hipótese em que o serviço sequer tenha sido prestado (por alguma razão o
profissional sequer compareceu ao evento, por exemplo).

244
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Nesse cenário, dificilmente a atividade poderia ser reposta, restando


inviável sequer seu cumprimento a posteriori. O caso concreto aqui deve ser
averiguado, pois, pode ter havido um justo impedimento (como o cenário de
pandemia ou uma enfermidade que acometeu o profissional), ou até mesmo, o
profissional diligentemente encaminhou um substituto para a cobertura do evento
(o qual pode não ter sido aceito pelo cliente, face ao caráter notadamente intuitu
personae da atividade).
Por outro lado, a inadimplência parcial pode ocorrer em situações de
mora (atraso na entrega do álbum, por exemplo). Atente-se que a mora pode advir
do adquirente também (no caso deste deixar decair o prazo para escolha das fotos,
por exemplo). Os contratos costumam prever um intervalo para o cliente encetar
a escolha do material e também para a manutenção do acervo (uma vez que este
é um custo para o profissional liberal). O eventual descarte do material é uma
possibilidade, de modo que a razoabilidade nos referidos prazos é uma diretriz
importante.
Há ainda o complexo cenário de perda dos registros fotográficos ou de
vídeo, seja parcial ou integralmente. Tal caso pode se dar pela desídia profissional
(mau armazenamento, por exemplo), por ação do próprio cliente (exclusão dos
sistemas por desconhecimentos, e.g.), mas também é possível elucubrar situações
em que um terceiro realize um acesso indevido e exija um resgate pelos arquivos,
deletando-os se não for atendido17. Nesses cenários, a diligência do profissional,
compreendendo o zelo com seu acervo, a eventual existência de backups dos
arquivos, ou mesmo de estrutura securitária para tanto, são elementos a serem
obtemperados na análise.
De todo modo, a perda dos registros realizados pelo profissional ocasiona
graves transtornos, pois, de fato, há uma perda de chance em vários casos, impedindo
que um novo registro efetivamente idêntico seja realizado. Nesse sentido, um ensaio
fotográfico que seja perdido, pode (ao menos em tese) ser novamente executado
sem maiores prejuízos. Mas, determinados eventos e festividades, apresentarão
maiores dificuldades a serem superadas (imagine-se o momento da celebração de
um casamento, ou um discurso de formatura).
Obviamente, pode a eventual responsabilização ensejar reparação de
ordem moral, por eventual transtorno ou abalo provocado pelo profissional

17 Ou ainda, realizando o vazamento de fotos. Imagine-se que, porventura, se trate de um ensaio


sensual ou erótico, por exemplo. Em casos assim, a divulgação indevida do material pode ensejar
problemas ainda maiores do que a sua simples exclusão.

245
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

liberal (como no exemplo da perda dos registros de uma cerimônia matrimonial,


por exemplo), mas também pode ocorrer de o cliente atuar de modo danoso (ao
difamar o profissional ou ainda divulgar indevidamente algum material).
Por fim, apesar de deter requisitos de ordem técnica preponderantes é
forçoso reconhecer que há uma certa arte no exercício da atividade de fotografia
e filmagem; uma nota de valoração atinente ao belo e ao harmônico – questões
que são reconhecidamente particulares de cada indivíduo – que, de fato, podem
complexificar a relação contratual.
Desse modo, fotos com baixa luminosidade ou vídeos com péssima
captação do som tendem a ser questões objetivamente analisáveis e que – exceto em
circunstâncias específicas – ensejariam o reconhecimento da existência de nítidos
problemas técnicos. Porém, a escolha por fotos com filtros ou tratamentos de cores
específicos ou vídeos intencionalmente com aspecto “amador” já gerariam discussões
mais acaloradas acerca da delimitação de um patamar de qualidade. Assim, entram
no julgamento a discussão de padrões estéticos da escolha do profissional e do
cliente que podem inclusive dificultar o delineamento do standard de qualidade
dentro de cada caso concreto.

4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA

Relevante se faz um breve sobrevoo de ordem jurisprudencial para trazer


a realidade às teses aqui descritas. Diante disso, foram colacionados alguns julgados
que permitem aprofundar alguns enfoques acerca da responsabilidade civil dos
profissionais liberais fotógrafos/filmakers.
O primeiro julgamento se debruçará sobre questões atinentes ao estilo e
qualidade técnica dos serviços de fotografia – e como isso se traduz em uma questão
de ordem estética. O segundo tocará no tema da integridade do registro fotográfico
e na eventual perda do material pelo profissional. E o terceiro tangenciará a
questão da culpa do profissional em contraponto à atuação/inação do consumidor
adquirente.
Inicialmente, colacione-se um caso advindo da Corte Estadual de Justiça
Gaúcha no qual não restou evidenciada a responsabilidade do profissional, tendo

246
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

a corte delimitado que não subsistiu disparidade entre o serviço contratado e o


serviço prestado18.
De início, o julgado já afirma que por se tratar “de prestação de serviço
desenvolvido por profissional liberal (fotógrafo), o caso é regido pelo § 4º do
artigo 14 do CDC” pontuando então que a responsabilidade deverá, portanto,
ser aferida “mediante a verificação de culpa, que, no caso sub judice, não resultou
demonstrada”.
Em breves linhas, insatisfeita com a qualidade do produto apresentado,
a cliente manejou ação indenizatória por danos materiais e morais. Queixava-se a
autora que “O contrato entabulado entre as partes previu que o serviço seria, de fato,
prestado por dois fotógrafos durante a cerimônia de casamento, sendo um deles o
réu”. Ademais, pontuou que “o álbum entregue pelo demandado conteria fotos que
avançariam para a página ao lado. Além disso, afirma que as fotos apresentam falhas
de continuidade, falta de nitidez, tarjas pretas, dentre outras”.
Contudo, em desacordo do que registrou a autora, o contrato não
estabelecia quem seria o segundo fotógrafo, reconhecendo a corte que houve apenas
“uma expectativa gerada pela própria autora que não pode ser atribuída ao réu, já
que o contrato não estabeleceu, de forma expressa, o nome do segundo fotógrafo
que realizaria o serviço”.
Em seguida, o julgado atenta às mensagens eletrônicas trocadas entre
as partes, vincando claramente que após manifestação inicial pedindo alterações,
o fotógrafo realizou o tratamento do material e, em seguida, obteve o aceite e
chancela pela cliente, de modo que “não há falar em falta de informação, pois a
participação direta da autora na escolha das fotos demonstra que estava ciente de
como poderia ficar o trabalho”.
Um ponto de relevo no presente julgado refere-se à técnica utilizada
em sede de fotografia19, tendo inclusive um publicitário sido ouvido durante as

18 Direito privado não especificado. Apelação cível. Ação de indenização por danos morais e materiais.
Contratação de fotógrafo. Álbum de fotografia. Ausência de disparidade entre o serviço contrata-
do e o serviço efetivamente prestado. Improcedência dos pedidos mantida. TJRS. Apelação Cível:
AC70069677052. Relator Voltaire de Lima Moraes, DJ 20.04.2017.
19 Em outros julgados consultados é corriqueiro que o próprio magistrado emita sua perspectiva sobre
a qualidade do material. De fato, ainda que essa “opinião” seja legítima quanto ao livre convenci-
mento, a oitiva de um perito certamente corrobora uma maior robustez para aferição do standard. A
título de exemplo, em um julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Todavia, após dedilhar
o álbum de fotografias depositado em juízo e depois de melhor observar as fotos de f. 26/30, a meu

247
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

audiências. No caso, os registros fotográficos apresentavam um efeito “granulado”,


o qual foi relatado como um estilo fotográfico de “fotojornalismo”, uma técnica de
feição mais realista. Diante disso, o julgado consigna a possibildiade de ter ocorrido,
em verdade, “que o estilo utilizado pelo réu na edição das fotos não era do agrado
da demandante, mas de tal fato ela teve prévia ciência, como não deixam dúvidas
as provas dos autos”.
Inclusive, o juízo a quo tece ponderações acerca da evolução dos registros
fotográficos e dos sistemas de edição de imagem, mas que, em última ratio, o
exercício da atividade trabalha com o “jogo de luz e foco serve para conduzir o
olhar e destacar elementos. É uma obra artística e, como tal, pode até não contar
com 100% do agrado de todos, o que não significa falha”.
E, no ponto nodal, ao comparar o trabalho encetado com a expectativa
legítima em relação ao mesmo, pontua a julgadora: “O produto final entregue pelo
demandado está dentro do padrão de qualidade contratado e condizentes com o
trabalho exigido de um profissional”. Como já vincado em linhas anteriores, essa
diretriz comparativa do standard exigido é a nota essencial para aferir a subsistência
da culpa na atuação do profissional.
O case a seguir, também da Corte de Justiça Gaúcha20 reverbera um
problema em potencial no ramo do fotógrafo/filmaker: a possibilidade de perda
dos registros. Se outrora o filme fotográfico poderia, pela mera exposição à luz
de forma inadequada, por todo o trabalho a perder; hoje, o profissional conta

ver, as fotos apresentam baixa qualidade. Por exemplo, a foto de f. 26-B, está mal iluminada, fazendo
sombra nos olhos dos noivos, parecendo que foi retratada por amador. A foto de f. 27 não está bem
enquadrada, cortando o ombro esquerdo da noiva, sem contar que está desfocado o rosto da noiva,
senão o cabeleireiro”. TJMG. Proc. nº 0136972-10.2015.8.13.0035. Relator Fernanda Icassati Cora-
zza. DJ 14.07.2016.
20 Consumidor. CONTRATAÇÃO DE serviço fotográfico para o casamento dos autores. extravio da
maioria das imagens captadas durante o evento. INVASÃO DE software malicioso No equipamento
do FOTÓGRAFO. FATO PREVISÍVEL. perda das imagens do make-up da noiva com sua mãe,
madrinhas e alguns parentes, ALÉM de toda a cerimônia religiosa e do início da festa de recepção
aos convidados. Medidas de segurança para evitar a perda de dados que não foram adequadamente
tomadas pelo réu. responsabilidade pelos danos causados aos autores. DEVIDA A restituição do
valor pago pelo serviço, POIS COM ESTE PEDIDO O RÉU ANUIU NA CONTESTAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE abatimento proporcional do preço, PELA ENTREGA DE ALGUMAS
FOTOGRAFIAS, POIS REPRESENTA INOVAÇÃO RECURSAL. dano moral configurado. quan-
tum indenizatório arbitrado em R$8.000,00 que, embora acima do usualmente fixado nas turmas
recursais, revela-se adequado às peculiaridades do caso concreto, estando em conformidade com os
Princípios da proporcionalidade e DA razoabilidade. Sentença mantida. Recursos de ambas as partes
improvidos. TJR. Recurso Cível 71005983366. Relator Ricardo Pippi Schmidt. DJ 29.04.2016.

248
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

com meios digitais de salvamento (normalmente cartões de memória) e por vezes


armazenamento em tempo real em sistemas conectados à nuvem.
O julgado registra que “as partes se reuniram a pedido do réu, ocasião
em que tomaram ciência de que as fotografias haviam sido perdidas em razão de
vírus no computador do demandado”. A linha temporal traçada no julgado registra
que os registros fotográficos do matrimônio principiaram às 13h, nos momentos
anteriores à cerimônia, passando pelo ato religioso às 19h, até o fim do trabalho por
volta das 2h, na festa de casamento. Contudo, “as imagens captadas desde o início
e até 23h43min foram extraviadas, em virtude de vírus no equipamento, restando
apenas àquelas compreendidas entre 23h43min e 1h33min da manhã”.
Como se evidencia, a hipótese em questão traz à tona a irreprodutibilidade
do momento que havia sido registrado, ou seja, mesmo que outra cerimônia
matrimonial fosse “repetida” e novamente fotografada, dificilmente haveria
uma reparação in totum. O próprio julgado narra a circunstância ao ponderar a
cerimônia “com todo o aparato que a envolve; pensada e planejada meses antes,
envolvendo os noivos, suas famílias e amigos para o grande dia; este momento, tão
aguardado, se perdeu inteiramente.” Inclusive, no caso em tela, dada a magnitude
da lesão considerada, além da devolução do valor pago, ocorreu condenação em
danos morais de natureza compensatória.
Interessante que, ao largo de toda a discussão acerca de eventual
diligência do profissional em solucionar a questão, o julgador reputou despiciendo
aprofundar-se na natureza de responsabilidade objetiva ou subjetiva, pontuando
que, para essa lide “a distinção se mostra irrelevante”.
Registra a decisão que a invasão de equipamento por software malicioso
não se configuraria como excludente de responsabilidade, circunstância a qual
inclusive qualquer um de nós estaria sujeito. Portanto, afirma que tal fato seria
previsível, sendo essencial a adoção de medidas de segurança e preservação de
dados, medidas estas ainda mais recomendáveis, pois “da natureza do serviço que
presta. Some-se a isto a ausência absoluta de qualquer particularidade capaz de
transformar a invasão viral em evento extraordinário e insuscetível de ser evitado”.
Pontue-se que ainda que a invasão de sistema por software malicioso não
se configure necessariamente em uma excludente, caso se reconheça a condição
de profissional liberal, é essencial perquirir a subsistência de culpa; ou seja, se
dentro de um determinado standard, ocorreu eventual negligência, imprudência
ou imperícia. Nesse sentido, apesar do julgado não reputar necessário distinguir a

249
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

natureza responsabilidade, ressalta adiante que em qualquer dos cenários subsistiria


o liame da responsabilidade asseverando que “Como se vê, seja por não se perquirir
da culpa, ou por ter o réu agido com imprudência, imperícia e negligência, é ele o
responsável pelos prejuízos que causou”.
O último julgado oriundo da Corte de Justiça do Rio de Janeiro
culminou com o reconhecimento da inexistência de culpa do profissional liberal21.
Basicamente, sustentou a autora da ação que contratou serviços de fotografia e
filmagem para a cerimônia de seu matrimônio e que, tendo pago o serviço, houve
recusa do profissional em entregar o material.
O julgado reconhece a qualidade de profissional liberal e demarca que
para a configuração do dever de indenizar, é necessária a comprovação do fato, do
dano, do nexo causal e da culpa, nos termos do art. 14, § 4º, do CDC”, significando
“que, cabe à parte que alega a má prestação do serviço provar que não houve a
diligência esperada de um profissional zeloso e íntegro”22.
Contudo, de plano, constatou o julgado que a parte demandante não
havia arcado integralmente com o pagamento dos serviços e que nos “autos consta
apenas a comprovação de pagamento de seis das dez parcelas da avença”. Prossegue
a análise asseverando que o dever de indenizar adviria da eventual comprovação
de culpa pelo inadimplemento na entrega das fotos e da filmagem, porém restou
constatado “é que a autora, por não ter ficado satisfeita com o serviço prestado,
é quem se recusa a fazer a escolha das 30 fotos que irão compor seu álbum de
casamento, bem como de participar da montagem do CD da filmagem”.

21 APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. PRO-


FISSIONAL LIBERAL. FOTÓGRAFO. CONTRATO DE SERVIÇO DE FOTOGRAFIA E
FILMAGEM DE CASAMENTO. INEXISTÊNCIA DE CULPA. SENTENÇA DE IMPROCE-
DÊNCIA MANTIDA. Alegação da autora de que contratou os serviços de fotografia e filmagem de
seu casamento junto ao réu e que embora tenha efetuado o pagamento do valor avençado, não lhe
foram entregues o álbum e nem a filmagem do evento. A responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada mediante a verificação de culpa, na forma do art. 14, § 4º, do Código de Defesa
do Consumidor. Autora que não se desincumbiu do ônus da prova, nos termos do artigo 333, inciso
I, do Código de Processo Civil. Ausência de comprovação mínima dos fatos constitutivos do direito
alegado. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO
557, CAPUT, DO CPC. TJRJ. APL 0044967-15.2009.8.19.0066. Relator Claudio Luis Braga Dell
Orto. DJ 09.07.2014.
22 De fato, esse é o cenário legislativo, conveniente de toda forma ressalvar a viabilidade de inversão do
ônus da prova a depender do caso concreto, conforme já ressaltado em linhas anteriores.

250
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Pois bem, no caso em exame, denota-se que a adquirente do serviço de


fotografia e filmagem não se desincumbiu do seu ônus de pagar a parte que lhe
cabia e sequer de escolher o material fotográfico, circunstância que evidenciou a
ausência de culpa do profissional. Nesse sentido, a existência de material probatório
específico que demonstre a diligência profissional é um elemento de relevo para
litígios dessa natureza. Com efeito, a ausência de instrução mínima o recurso foi,
portanto, indeferido.

5 CONCLUSÃO

Ao se debruçar acerca da responsabilidade civil do profissional liberal


foi possível divisar a existência de uma série de elementos que a caracterizam.
No caso particular do fotógrafo/filmaker a discussão já principia na definição de
seu enquadramento na categoria de profissional liberal, face à desnecessidade de
formação superior, mas, apesar de uma parca regulamentação própria, a sua evidente
exigência técnica e a natureza personalíssima dos serviços prestados reclamam o
enquadramento.
Ademais, a averiguação da existência de relação de consumo, bem como
subordinação/autonomia no caso concreto será também relevante para consignar o
caráter específico de profissional liberal e o modelo de responsabilidade subjetiva.
Em se caracterizando este cenário de enquadramento normativo, apenas
a peculiaridade da responsabilidade mediante culpa deve ser considerada, sem
descurar dos elementos de dano e nexo de causalidade, bem como, em sendo relação
de consumo, toda a sistemática do CDC, inclusive a possibilidade de inversão do
ônus probatório.
Após exemplificar elementos básicos da regulamentação profissional e do
contexto do mercado de trabalho, o diálogo com elementos concretos da relação
contratual, bem como a apreciação de suas nuances, permitiu vislumbrar os pontos
mais controvertidos do tema.
Em seguida, o cotejo dos julgados apresentados permitiu inferir a
importância da comparação a um determinado standard de zelo e atenção do
profissional como elemento para delimitar a subsistência da culpa (esta como a
clássica decorrência de eventual negligência, imprudência ou imperícia) e ainda
se debruçar sobre alguns pontos relevantes da eventual inadimplência contratual e
suas repercussões.

251
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

De fato, a análise evidenciou também a dinamicidade da evolução do


tema, uma vez que o próprio standard do que se espera do profissional sofreu
alterações ao longo do tempo. A título de exemplo, a diligência esperada, em termos
técnicos, do profissional que labora com um filme fotográfico e com material
impresso apresentará diferenças e particularidades em relação àquele que se utilizasse
de equipamento completamente digital e salve todos os arquivos diretamente
em uma nuvem virtual; os cuidados e o zelo profissional em cada contexto serão
completamente distintos e terão repercussão importante na apreciação da eventual
culpa do fotógrafo/filmaker.
De toda sorte, é na concretude da análise de casos que se vivifica o
ordenamento jurídico e se consegue vislumbrar perspectivas e peculiaridades.
Nesse sentido, o presente artigo buscou realizar esse sobrevoo analítico de hipóteses
possíveis na relação comercial com o fotógrafo/filmaker a partir da apreciação de
padrões contratuais, bem como dos casos jurisprudenciais. Com isso, reputa-se
que o presente trabalho possa contribuir para lançar luzes sobre eventuais questões
inerentes a esta intrincada relação.

252
REFERÊNCIAS

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