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Universidade do Sul de Santa Catarina

Direito
Internacional
Privado

UnisulVirtual
Palhoça, 2016
Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul


Reitor
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Vice-Reitor
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João Batista da Silva

Direito
Internacional
Privado
Livro didático

Designer instrucional
Elizete Aparecida De Marco Coimbra

UnisulVirtual
Palhoça, 2016
Copyright © Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por
UnisulVirtual 2016 qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista Revisor(a)


João Batista da Silva Diane Dal Mago

Designer instrucional ISBN


Elizete Aparecida De Marco Coimbra 978-85-506-0032-1

Projeto gráfico e capa e-ISBN


Equipe UnisulVirtual 978-85-506-0018-5

Diagramador(a)
Diogo Silva Mecabô

S58
Silva, João Batista da
Direito internacional privado : livro didático / João Batista da Silva
; design instrucional Elizete Aparecida De Marco Coimbra. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2016.
91 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-506-0032-1
e-ISBN 978-85-506-0018-5

1. Direito internacional privado. I. Coimbra, Elizete Aparecida De


Marco. II. Título.

CDD (21. ed.) 342.3

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Introdução | 7

Capítulo 1
Conceito e contextualização histórica do Direito
Internacional Privado | 9

Capítulo 2
Objeto e fontes do DIPr | 23

Capítulo 3
O DIPr e a legislação brasileira | 51

Considerações Finais | 87

Referências | 89

Sobre o Professor Conteudista | 91


Introdução

Palavras do Professor

Saudações, estudantes de Direito Internacional Privado – DIPr!

Esta Unidade de Aprendizagem, constitutiva da Certificação Estruturante Direito


Internacional, remeterá você ao contexto do Direito Internacional Privado –
DIPr, esse importante ramo do Direito Internacional que permite dialogar entre
ordenamentos jurídicos diversos, visando à solução de litígios que envolvam
normas internas e internacionais.

Para tanto, três capítulos de estudos ser-lhe-ão apresentados, a saber:

O primeiro cuidará do conceito e da contextualização histórica do DIPr, mediante


a compreensão do Estado e do Direito como elementos de sustentação dessa
modalidade jurídica.

O segundo tópico de estudos versará sobre o objeto e as fontes internas e


internacionais do DIPr, com foco nos conflitos de leis no espaço e de jurisdições,
além de abordar as questões atinentes à nacionalidade e às condições jurídicas
do estrangeiro.

No terceiro e último tópico de estudos, você identificará a legislação brasileira


aplicada ao DIPr, visando a compreender sua importância e aplicação no Brasil.

Fica, então, o convite para que você explore as informações contidas neste livro
e colhidas dos mais variados e renomados autores, com o desejo de que elas
permitam o aprimoramento do seu conhecimento sobre esse importante e cada
vez mais atual ramo do Direito – o Direito Internacional Privado (DIPr), cujo alcance
e abrangência envolve todos os ramos do Direito sujeitos à extraterritorialidade –
esse instituto que permite a aplicação da norma estrangeira dentro do país, fato
recorrente no atual cenário da internacionalização das relações humanas.

Uma reflexão:

“Há homens que lutam um dia, e são bons; há homens que lutam por um ano, e
são melhores; há homens que lutam por vários anos, e são muito bons; há outros
que lutam durante toda a vida, esses são imprescindíveis.” (Bertold Brecht)

Grato e bons estudos!


Capítulo 1
Conceito e contextualização
histórica do Direito Internacional
Privado

Seção 1
Diante do vigente cenário da globalização, a humanidade tem experimentado
mudanças éticas, econômicas, tecnológicas, ambientais e culturais as quais têm
proporcionado relações jurídico-privadas mais intensas no cenário internacional,
face à quantificação das relações humanas e materiais transcendendo as
fronteiras físicas dos Estados. Isso tem dado maior expressividade ao Direito
Internacional Privado (DIPr).

Mas, o que vem a ser o Direito Internacional Privado (DIPr) e em que contexto
histórico ele está inserido? Qual o papel e a importância do Estado e do Direito na
resolução de conflitos que envolvam a aplicação do direito estrangeiro pelo juiz
nacional?

Nos tópicos seguintes buscar-se-á conceituar e contextualizar historicamente o


DIPr, visando a compreender seu campo de atuação e abrangência no cenário
interno e internacional.

1.1 Considerações iniciais


O desenvolvimento científico e tecnológico, a globalização dos meios de
informação e comunicação, a valorização e a defesa dos direitos humanos
têm proporcionado expressivos fluxos de interação e interdependência para a
humanidade, refletindo em relações jurídico-privadas mais intensas no cenário
internacional, e isso dá cada vez mais expressividade ao DIPr.

Neste primeiro capítulo, o Direito Internacional Privado será conceituado e


contextualizado, historicamente, visando a verificar seu campo de atuação e
abrangência.

9
Capítulo 1

Saliente-se que, com o advento da globalização, tem-se operado mudanças


éticas, econômicas, tecnológicas, ambientais e culturais para a humanidade,
havendo uma fragilização do modelo soberano de Estado, embora esse prossiga
mantendo importância prioritária no atual cenário global, por ser o detentor do
Direito, centrando em si a legitimação das suas ações.

O atual cenário internacional é complexo, marcado por profundas transformações


e pela atuação de considerável gama de atores que precisam ser observados se
quisermos compreender o conflituoso processo histórico da humanidade, o qual
envolve suas ações culturais, políticas, jurídicas, econômicas e sociais.

Tudo isso nos torna cada vez mais “cidadãos mundo”, sendo capazes de
interagir em tempo real, em todos os espaços de poder alcançáveis.

Nesse cenário mundial, é notória a expressividade que o Direito Internacional


adquire, especialmente na atualidade. E isso se deve, em grande medida, à
quantificação das relações humanas e materiais que transcendem as fronteiras
físicas dos Estados, moldadas pelo forte desenvolvimento experimentado
pela humanidade nos aparatos de ciência e de tecnologia, de informação, de
comunicação e de transportes e do considerável fluxo de negócios internacionais.

Vale destacar que o DIPr volta suas atenções para as questões relativas à pessoa
natural e suas relações com a família, os bens, as obrigações e as sucessões,
sempre priorizando e valorizando os princípios e fundamentos constitucionais,
bem como os tratados e convenções relativos aos Direitos Humanos.

Assim, no atual contexto histórico, talvez o mais efetivo dos desafios resida em
adequar o Direito Internacional às demandas oriundas dos Estados que têm
seu modelo constitutivo alicerçado no século XVI e cujas forças intrínsecas
extrapolam as delimitações espaciais e soberanas de poder. Afinal, há uma
interdependência que também nos identifica como seres humanos, ávidos por
direitos que nos contemporizem como iguais em um mundo cada vez mais local,
tornando-nos mais próximos e ciosos por direitos que assegurem nossa igual
condição humana.

É fácil perceber, portanto, os fluxos de interações entre os Estados e os


entes privados em suas relações históricas, jurídicas, ambientais, religiosas,
econômicas, culturais, militares e diplomáticas para consolidar os interesses
nacionais e solucionar os conflitos internacionais.

10
Direito Internacional Privado

Os temas que serão abordados neste livro envolverão as questões atinentes à


nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro, aos conflitos de leis no espaço,
de jurisdições e de fontes; além disso, estudaremos as teorias de remessa, os
elementos de conexão e verificaremos a legislação brasileira aplicada ao DIPr.

1.2 Contextualização histórica


O homem é por natureza um ser social e, toda e qualquer organização social, da
mais simples à mais complexa, desde a família, o clã, a tribo e o Estado, requer
regras capazes de equilibrar as relações humanas ali vivenciadas.

Ulpiano, já por volta do ano 534, no Corpus Iuris Civilis (Corpo de Direito Civil),
referia:

UBI HOMO IBI SOCIETAS. UBI SOCIETAS, IBI JUS que significa “Onde está o
homem está a sociedade. Onde está a sociedade, está o Direito”.

A humanidade, em seu processo evolutivo constituiu o Estado, que pode ser


compreendido como uma sociedade maior e mais complexa — quando comparado
à família, à tribo e ao clã –, que contém uma ordem jurídica própria para regular
soberanamente as relações dos seus habitantes nos limites do seu território.

É importante lembrar que o Estado exercita seu Direito no âmbito da


sua jurisdição, e que essa consiste no seu espaço soberano de poder,
compreendendo suas delimitações fronteiriças, quais sejam: terrestres,
aéreas e marítimas.

Há, assim, uma íntima relação entre ESTADO e DIREITO.

1.2.1 Estado e direito


O Estado, na sua concepção moderna, é um ente político de conformação
jurídica, econômica, social e cultural que se constituiu a partir do século XVI
na Europa, como decorrência do modelo econômico produtivo capitalista,
consolidando-se como soberano e nacional e pretendendo-se democrático e de
direito.

No quadro abaixo, apresentamos a definição de Soberania segundo Bobbio,


Matteucci e Pasquino:

11
Capítulo 1

DEFININDO SOBERANIA

Bobbio, Matteucci e Pasquino ensinam que, em sentido lato, o conceito político-


jurídico de Soberania indica o poder de mando de última instância, em que
a Soberania pretende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido da
transformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de direito.

Lembram que em todas as formas de organização do poder que ocorreram na história


humana sempre é possível identificar uma autoridade suprema, mesmo que, na prática,
esta autoridade se explicite ou venha a ser exercida de modos bastante diferentes.

Já em sentido restrito, na sua significação moderna, o termo Soberania aparece,


no final do século XVI, juntamente com o de Estado, para indicar, em toda sua
plenitude, o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política. Trata-se do
conceito político-jurídico que possibilita ao Estado moderno, mediante sua lógica
absolutista interna, impor-se à organização medieval do poder, baseada, por um
lado, nas categorias e nos Estados, e, por outro, nas duas grandes coordenadas
universalistas representadas pelo papado e pelo império: isto ocorre em decorrência
de uma notável necessidade de unificação e concentração de poder, cuja finalidade
seria reunir numa única instância o monopólio da força num determinado território
e sobre uma determinada população, e, com isso, realizar no Estado a máxima
unidade e coesão política. O termo Soberania se torna, assim, o ponto de referência
necessário para teorias políticas e jurídicas muitas vezes bastante diferentes, de
acordo com as diferentes situações históricas, bem como a base de estruturações
estatais muitas vezes bastante diversas, segundo a maior ou menor resistência da
herança medieval; mas é constante o esforço por conciliar o poder supremo de fato
com o de direito.

Fonte: Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino - Editora
Universidade de Brasília, 1ª ed., p.1179-1181, 1998.

O Direito enquanto ciência é um conjunto de normas jurídicas aplicadas pelo


Estado na organização e no equilíbrio das relações entre as pessoas físicas ou
jurídicas que o constituem, envolvendo as dimensões interna e internacional,
tanto pública quanto privada.

A Constituição – também denominada Carta Magna ou Lei Maior – é para o


Estado o código da organização do seu poder soberano, com alcance interno
e internacional. Internamente, esse poder jurídico-soberano se exerce de modo
imperativo, ao passo que internacionalmente orienta-se pela cooperação e pelo
reconhecimento da igualdade jurídico-soberana dos Estados.

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Direito Internacional Privado

Quadro 1- Características do Direito e do Estado:

DIREITO
ESTADO
PÚBLICO e PRIVADO

Interno Internacional Moderno


Soberano
Nacional
Verticalização Horizontalização
Constitucional
Subordinação Cooperação
De Direito
JUS PUNIENDI JUS COGENS
Democrático
Democrático de Direito

Fonte: Elaborado pelo autor (2016).

Destaca-se que é por meio do Direito Internacional que as relações entre


os Estados acontecem com maior segurança, e as relações privadas de
caráter internacional são facilitadas.

O Direito Internacional divide-se em duas áreas de estudo, a saber: a pública


e a privada.

O Direito Internacional Público (DIP) pode ser definido, segundo Valério


de Oliveira Mazzuoli (2013, p. 74), como a disciplina jurídica da sociedade
internacional, constituindo-se no conjunto de princípios e regras jurídicas tanto
costumeiras quanto convencionais que disciplinam e regem a atuação e a
conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações
internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos), visando
a alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a
segurança e a estabilidade das relações internacionais.

Já o Direito Internacional Privado (DIPr) pode ser conceituado como o


conjunto de normas reguladoras das relações de ordem privada da sociedade
internacional, conjugando leis de ordenamentos jurídicos distintos e indicando
a lei competente a ser aplicada.

O objetivo do Direito Internacional Privado é, assim, decidir qual lei será


aplicada quando houver divergências entre as leis internas de dois Estados
em questões de interesse privado, envolvendo pessoas físicas ou jurídicas.

13
Capítulo 1

Como os Estados são politicamente soberanos para criarem suas normas (leis)
e regerem suas estruturas e relações jurídicas que vão determinar sua atuação
interna e mesmo internacional (campo das relações entre Estados soberanos),
plausível que se verifiquem leis assimétricas entre os diferentes Estados para
reger um mesmo fato jurídico.

Para entender melhor essa questão, vamos aos exemplos a seguir:

O Brasil adota o domicílio [lex domicilli] como elemento de conexão [que é a


parte da norma de DIPr que determina o direito aplicável – se o nacional ou o
estrangeiro] do estatuto pessoal, conforme se lê no Artigo 7º, caput da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro ( Decreto Lei N. 4657, de 4/9/1942,
com Redação dada pela Lei N. 12376, de 30/12/2010), que diz: “(...) A lei do país
em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.

Nos Estados islâmicos (a exemplo do Irã), a religião é o elemento de conexão


aplicável.

O costume tribal é utilizado como elemento de conexão em alguns países da


África. Os países da Europa adotam a nacionalidade como elemento de conexão,
e assim por diante.

Amaral Júnior (2013) ensina que o DIPr se desenvolveu a partir da necessidade


de se forjarem critérios para determinar o direito a ser aplicado a relações
jurídicas estabelecidas entre sujeitos vinculados a sistemas jurídicos distintos.
Tornou-se indispensável também precisar a competência do Judiciário de cada
país em relação aos conflitos que envolvam pessoas, coisas e interesses que
transcendem os limites de dada soberania. Não se pode deixar de reconhecer,
todavia, que a finalidade do DIPr reside na criação de regras que orientem os
juízes e tribunais na escolha da lei aplicável. Embora o conflito não desapareça,
o juiz tem que decidir em face do caso concreto qual lei servirá para solucionar
o litígio. Na verdade, a colidência entre as legislações é inevitável, já que o
ordenamento jurídico pretende oferecer resposta unicamente para os problemas
que surgem em seu âmbito de validade.

Por essas suas características, pode-se dizer que o DIPr consiste num
SOBREDIREITO, vez que traz o direito incidente sobre determinado fato jurídico,
indicando, assim, o direito aplicável, sem solucionar diretamente o litígio, o que
faz por intermédio dos elementos de conexão.

14
Direito Internacional Privado

1.2.2 Conceituação do DIPr


É oportuno destacarmos alguns conceitos de DIPr colhidos de renomados
autores, a saber:

Florisbal de Souza Del’Olmo (2014) conceitua o DIPr como sendo o conjunto de


normas de direito público interno que busca, por meio dos elementos de conexão,
encontrar o direito aplicável, nacional ou estrangeiro, quando a lide comporta opção
entre mais de uma ordem jurídica para solucionar o caso. Cabe salientar a presença
de um elemento externo, que faça a conexão entre o direito interno e o estrangeiro.

O DIPr tem sido entendido como uma técnica de aplicação do direito.

Para Amilcar de Castro, o DIPr é o ramo do direito público que se destina a


organizar o direito adequado à apreciação de fatos que, por qualquer de seus
elementos, estejam em conexão com dois ou mais meios sociais, ou mandando
observar o próprio direito nacional ou imitar direito estrangeiro.

Irineu Strenger define o DIPr como um complexo de normas e princípios de


regulação que, atuando nos diversos ordenamentos legais ou convencionais,
estabelece qual o direito aplicável para resolver conflito de leis ou sistemas,
envolvendo relações jurídicas de natureza privada ou pública, com referências
internacionais ou interlocais.

Para Jacob Dolinger, as regras do DIPr permitem delimitar o âmbito de


incidência de cada ordenamento jurídico, por meio da indicação do direito
nacional que será aplicado no caso concreto.

Trata-se, segundo este autor, de um ramo do direito público interno, tendo


natureza similar ao direito processual, por não conferir direitos nem impor deveres,
nem resolver conflitos, servindo tão somente de instrumento para que se aplique
a norma substantiva.

Maristela Basso afirma que, fundamentalmente, o DIPr é o ramo da ciência


jurídica que desafia o princípio da territorialidade das leis, na medida em que fixa
os fundamentos da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional: quando
aplicar? Em quais casos? E quais os limites dessa aplicação?

Para essa autora, o DIPr representa, na atualidade, um dos ramos do


ordenamento jurídico que mais crescem em importância e significado, porque
os povos do mundo a cada dia interagem de modo mais evidente e as relações
individuais de caráter privado se acentuam no plano das relações jurídicas, cada

15
Capítulo 1

vez mais mescladas de elementos estrangeiros. E finaliza afirmando que, de


todos os ramos da ciência jurídica, o DIPr é, sem dúvida, o que realizou o maior
progresso no decurso das últimas décadas e o que mais se humanizou.

Pode-se depreender dos conceitos acima mencionado que o DIPr:

1. É ramo do direito público interno;

2. Determina o direito, a lei aplicável a uma relação jurídica de direito


privado com conexão internacional;

3. Aplica-se à resolução de conflitos de leis no espaço.

Assim, sempre que estivermos diante de um caso que envolva um elemento


estrangeiro, havendo divergências entre as leis internas de dois Estados em
questões de interesse privado envolvendo pessoas físicas ou jurídicas, estaremos
diante de um caso de DIPr, ambientado pelo conflito de leis no espaço.

Cumpre lembrar que dois fatores são indicativos do conflito de leis no espaço:
a diversidade legislativa, mediante a qual cada sistema jurídico, autônomo
e soberano dá tratamento diferente a aspectos sociais e, por outro lado, a
existência de uma sociedade transnacional, da qual resultam relações entre
indivíduos vinculados a sistemas jurídicos diferentes.

Portanto, diante de um litígio e para que o Direito se preste à sua solução, à


pacificação e ao equilíbrio das relações, deve-se identificar se esse envolve
entes públicos ou privados, pessoas físicas ou jurídicas, se regido por normas
eminentemente internas ou estrangeiras.

Já se pode aqui antecipar que o DIPr visa a responder a três questões básicas:

Primeiro: onde acionar?

– Deve-se determinar a competência da justiça (conflito de jurisdições).

Segundo: que lei aplicar?

– Determinar a lei aplicável ao caso.

Terceiro: como executar um ato ou decisão estrangeira?

– Cooperação interjurisdicional (Cartas Rogatórias, Sentenças


Estrangeiras).

Vejamos o seguinte exemplo hipotético de aplicação do DIPr no Brasil, no quadro


a seguir:

16
Direito Internacional Privado

Manuel e Maria são portugueses e se casaram enquanto estavam domiciliados em


Portugal. Mais tarde vieram a residir no Brasil. Aqui decidem se divorciar. Pergunta-
se: Podem requerer o divórcio no Brasil?

Resposta:

– Pela lei brasileira sim. O artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro – LINDB (antiga Lei de Introdução ao Código Civil – LICC) estabelece: A lei
do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim
da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Veja que nesse exemplo estamos diante de cidadãos de nacionalidade portuguesa,


que se casaram em Portugal, que residem no Brasil e que aqui decidem se divorciar.

Algumas situações jurídicas estão presentes, neste caso: a nacionalidade


portuguesa do casal, o casamento firmado em Portugal, o domicílio fixado no Brasil
e o divórcio aqui requerido.

Portanto, um típico caso de DIPr envolvendo elementos estrangeiros e ambientado


pelo conflito de leis no espaço: a legislação portuguesa (nacionalidade e casamento)
e a legislação brasileira (domicílio do casal e requerimento de divórcio).

Veja que no exemplo, o elemento de conexão da lei brasileira (Art. 7º da LINDB)


indica a aplicação da lei brasileira para o requerimento do divórcio, vez que aqui
Manuel e Maria estão domiciliados.

Mas, nem sempre foi assim!

Na antiguidade, os estrangeiros não tinham participação na vida jurídica dos


Estados de acolhimento, vez que o direito derivava exclusivamente da religião e
dela o estrangeiro era excluído.

Por essa razão não se registravam conflitos entre as leis locais e as de outros
sistemas jurídicos. Portanto, o DIPr era desconhecido.

A Civilização Romana contava com o Direito Civil para os cidadãos romanos, e


com o - Jus Gentium – um direito comum entre Roma e outros povos, permitindo
a aplicação direta do direito estrangeiro ao invés do direito romano. O estrangeiro
contava com o Praetor Peregrinus – juiz de estrangeiros, que administrava a
justiça nos casos entre peregrinos (estrangeiros) e entre peregrinos e romanos.

Em seu processo histórico, o DIPr experimentou pelo menos três escolas


estatutárias:

17
Capítulo 1

•• italiana, no século XIV;


•• francesa, no século XVI;
•• holandesa, no século XVII.

Na Escola italiana os juristas eram os estudiosos do direito romano –


denominados glosadores e pós-glosadores – pois escreviam na margem dos
textos lidos a melhor interpretação para aplicação da lei ao caso concreto.

Caracterizam essa Escola:

1. A divisão do direito em duas partes: estatutos pessoais e reais


(pessoas e coisas).
2. A lei do local do contrato é adotada para as obrigações dele
emanadas (hoje art. 9º, LINDB).

Importante lembrar!

O Direito Civil é um ramo do Direito Privado que rege as relações entre os


particulares (tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas), com o objetivo
de reger as relações pessoais, familiares, patrimoniais e obrigacionais.

Pessoa Física

Para que um indivíduo seja considerado um sujeito de direito, ele deve obter a
personalidade jurídica, ou seja, a capacidade de obter direitos e obrigações, o que
ocorre com o nascimento com vida, dando-lhe a qualidade de nascituro, tornando-
se sujeito de direito.

Pessoa Jurídica

A pessoa jurídica adquire sua personalidade a partir do registro dos seus atos
constitutivos e respectivo registro legal em local específico.

Constituem-se pessoas jurídicas de direito público interno quando envolvem a


União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias, os territórios, as
associações e as entidades consideradas públicas, em conformidade com a lei.

Os Estados estrangeiros e todos os indivíduos governados pelo direito internacional


público constituem as pessoas jurídicas de direito público internacional.

As pessoas jurídicas de direito privado são as associações, sociedades e


fundações.

18
Direito Internacional Privado

O italiano Bártolo de Sassoferrato (1314/1357) foi seu principal representante.

Da Escola francesa (século XVI), destacam-se:

1. Charles Dumoulin (1500/1566)


»» Introduziu a teoria da autonomia da vontade, lançando as
bases do processo qualificador.

2. Bertrand D’Argentré (1519/1590)


»» Defendeu a teoria do territorialismo, que abarcava o caráter
territorial tanto para os direitos reais (concernentes aos bens)
quanto para os direitos pessoais (concernentes à pessoa), na
medida em que a lei pessoal deveria atender ao domicílio da
pessoa (território) e não sua nacionalidade.

Da Escola holandesa (século XVII) destaca-se Ulrich Huber (1636/1694), que


enunciou três importantes princípios:

1. As leis do Estado imperam dentro dos limites do seu território, não


produzindo efeitos fora;
2. Súditos são todas as pessoas que estiverem dentro do Estado, em
caráter definitivo ou temporário;
3. Os soberanos atuam para possibilitar que as leis do seu Estado,
depois de aplicadas dentro de suas fronteiras, conservem sua força
e eficácia além delas.
É a denominada Cortesia Internacional – comitas gentium – que
permite a aplicação extraterritorial da lei interna.

Uma quarta escola, a Alemã, do século XVIII, é concebida doutrinariamente como


aquela que se limitou a desenvolver e aperfeiçoar o que fora criado pelas três
escolas anteriores.

Nesse contexto, tendências universalistas, doutrinas modernas e


contemporâneas demarcaram o DIPr a partir do século XIX.

Assim, merece destaque a implementação dos Códigos Civis, francês (1804 =


Napoleão), italiano (1865) e alemão (1896).

19
Capítulo 1

O moderno DIPr evidencia três renomados autores:

•• Joseph Story,
•• Friedrich Carl Von Savigny;
•• Pasquale Mancini.

Story, juiz da Suprema Corte norte-americana e professor em Harvard, foi


o primeiro a empregar a expressão DIPr, em sua obra: Conflito de Leis, de
1834. Nela, examina uma variedade de questões envolvendo a aplicação do
direito estrangeiro: fixação do domicílio no estrangeiro, casamentos, divórcios,
testamentos, sucessões, contratos, jurisdição, processos e julgamentos
estrangeiros.

Savigny, professor da Universidade de Berlim, publicou em 1839 a obra Sistema


do Direito Romano, na qual inovou o DIPr, discordando das teorias territorialistas
e adotando como método de resolução dos conflitos a localização da sede da
relação jurídica.

Para Savigny, o juiz, em face de um conflito deve:

a. Examinar a natureza da relação jurídica;


b. Verificar qual a lei aplicável;
c. Aplicar a lei, mesmo sendo estrangeira, limitando-a ao direito
interno (Ex: poligamia = Costume aceito por determinadas
sociedades que admitem a união conjugal de uma pessoa com
várias outras).

No Brasil, o casamento é monogâmico podendo ser celebrado por casais


heteroafetivos ou homoafetivos.

Mancini, jurista italiano, em 1852 estabeleceu a nacionalidade como critério


determinador da lei a ser aplicada à pessoa em todas as matérias atinentes a seu
estado e à sua capacidade (contrariamente ao critério do domicílio defendido por
Savigny). Ele visava à unificação da Itália.

Contemporaneamente se conjuga uma pluralidade de métodos para equacionar


as questões atinentes à jurisdição e à lei a ser aplicada na solução de um litígio
envolvendo o conflito de leis no espaço, matéria da competência do DIPr.

20
Direito Internacional Privado

Del’Olmo (2014, p. 20-21) refere-se aos métodos territorial, conflitual, material


e imperativo, destacando que classicamente o DIPr utiliza o método conflitual
sendo esse o mais usado (Europa e América Latina), inclusive no Brasil, tendendo
a prevalecer por mais tempo, conduzindo a uma das ordens jurídicas envolvidas
(a nacional ou a estrangeira), à qual caberá dirimir a lide.

O método conflitual é assim caracterizado:

•• Não soluciona a lide;


•• Indica, contudo, a legislação, do foro ou a estrangeira, para dirimir o
conflito;
•• Tem ênfase no sistema e não na solução;
•• Tem regras próprias (Código Civil ou leis separadas);
•• Contempla as tentativas de uniformização do DIPr, a exemplo da
Conferência de Haia e das CIDIPs, (Conferência Interamericana de
Direito Internacional Privado), na América Latina;
•• Métodos de escolha da lei aplicável

Nádia de Araujo (2004, p. 36-37) esclarece que o método conflitual utilizado pelo
DIPr dos países da Europa e da América Latina tem como particularidade uma regra
de conflito que dá a solução de uma questão de direito contendo um conflito de leis
por meio da designação da lei aplicável pela utilização da norma indireta.

Assim, não compete ao DIPr fornecer a norma material aplicável ao caso concreto,
mas unicamente designar o ordenamento jurídico ao qual a norma aplicável
deverá ser requerida. Trata-se de escolher a lei melhor colocada para intervir em
razão da localização dos fatos, ou da relação dela com as pessoas a que esses
respeitam. Os valores predominantes, portanto, são os da segurança e certeza
jurídica, cuidando de atingir uma justiça formal, pois seu objetivo é garantir a
continuidade e estabilidade das situações jurídicas.

21
Capítulo 2
Objeto e fontes do DIPr

Seção 1
No cenário globalizado do atual sistema internacional, o Estado se destaca como
instituição soberana constitutiva de uma ordem jurídica própria, todavia, cada
vez mais tendo de acolher relações humanas que transcendem as suas fronteiras
físicas e lhe requerem mecanismos seguros na efetivação de suas relações
jurídico-privadas, tanto na instância local/regional quanto global, insertas no
senso de cooperação internacional.

Nesse contexto, é fundamental que se identifique: qual o objeto do DIPr,


considerando os conflitos entre leis internas e internacionais envolvendo
as intensas relações jurídico-privadas na atualidade? E quais as fontes que
sustentam a elaboração das normas aplicadas à resolução de tais conflitos?

Para responder a essas questões, propomos a leitura do texto mediante as


quais você identificará as normas reguladoras das relações jurídico-privadas
internacionais, conjugadas por leis de distintos ordenamentos jurídicos, os quais
permitem a aplicação da lei competente para a resolução de um conflito de leis
no espaço.

1.1 Considerações iniciais


O Estado é um ente político de base soberana que tem no direito um instrumento
de organização das relações entre as pessoas físicas ou jurídicas que o
constituem, envolvendo as dimensões interna e internacional, tanto pública
quanto privada.

É pertinente lembrar que cada Estado possui uma ordem jurídica própria, cuja
expressão maior está na sua Constituição e que a globalização tem quantificado

23
Capítulo 2

as relações humanas e materiais as quais transcendem as fronteiras físicas dos


Estados, moldadas pelo forte desenvolvimento experimentado pela humanidade,
nos aparatos de ciência e de tecnologia, de informação, de comunicação e de
transportes, e do considerável fluxo de negócios internacionais.

De acordo com Dolinger (2012, p. 19), a internacionalização da vida e das


atividades humanas acarreta uma série de fenômenos de natureza jurídica que
devem ser enfrentados pelos Estados isoladamente e pelas entidades regionais e
internacionais no plano coletivo.

Internamente, o poder jurídico-soberano do Estado se exerce de modo imperativo,


mediante uma relação de subordinação, ao passo que internacionalmente orienta-
se pela cooperação e pelo reconhecimento da igualdade jurídico-soberana dos
Estados.

No âmbito interno, o Estado tem poder sobre os seus subordinados,


gerando uma relação de poder em que os indivíduos se submetem ao
poder exercido pelo Governo que eles mesmos elegeram.

No plano internacional, além de os Estados se organizarem


horizontalmente, suas ações atendem ao conjunto das normas jurídicas
que foram objeto do seu consentimento. Já no plano interno, o Estado
ainda age como autoridade superior para garantir a vigência da ordem
jurídica.

A expressão direito internacional (international law) surge com Jeremias


Bentham, em 1780, utilizada em oposição a national law ou a municipal law. Ela
foi traduzida para o francês e demais línguas latinas como direito internacional.
(ACCIOLY, 2009).

Na lição de Sidney Guerra (2009, p. 33), o Direito Internacional se caracteriza


pelo conjunto de normas que regulam as diversas relações existentes entre os
múltiplos atores que compõem a sociedade internacional.

É por meio do Direito Internacional que as relações internacionais entre os


Estados acontecem com maior segurança, e as relações privadas de caráter
internacional são facilitadas.

Ordenamento jurídico é o conjunto de normas jurídicas existentes dentro


de um país. Chama-se ordenamento, porque as normas seguem uma
ordem entre si, evitando que uma se sobreponha a outra.

24
Direito Internacional Privado

1.2 Objeto do DIPr


Para resolver um conflito de leis no espaço, o DIPr determina a lei aplicável a uma
relação jurídica com conexão internacional.

O DIPr trata das relações humanas ligadas a dois ou mais sistemas


jurídicos, cujas normas materiais não coincidem, cabendo determinar qual
dos sistemas será aplicado.

Maristela Basso (2013, p. 13) elenca a diversidade de ordenamentos jurídicos, a


extraterritorialidade das leis, o intercâmbio universal e o cosmopolitismo humano,
como alguns dos aspectos que explicam a importância do DIPr.

O objeto do Direito Internacional Privado é, assim, decidir qual lei será aplicada
quando houver divergências entre as leis internas de dois países em questões de
interesse privado.

Conflitos de leis no espaço. Eis aí o cerne do DIPr.

Eliane Braz (2006, p.7) afirma que a característica essencial do DIPr está na
conexão, pela qual o juiz é levado a considerar preceitos de ordem jurídica
distinta da sua, embora essa determinação decorra de norma territorial (lex fori).
É esse elemento estrangeiro (pessoa, coisa, ato jurídico, decisão judiciária) que
identifica o objeto do DIPr. Sem a sua existência, não podemos falar de DIPr.

Emerson Malheiro (2012, p. 9-10) ensina que conhecer o objeto do DIPr significa
desvendar o assunto sobre o qual versa essa ciência. Para esse autor, a disciplina
abrange cinco matérias distintas, a saber:

1. O conflito de leis, que investiga as relações humanas ligadas a


dois ou mais sistemas jurídicos cujas regras materiais não são
concordantes, assim como o direito aplicável a uma ou diversas
relações jurídicas de direito privado com conexão internacional.
Aqui, não há a apresentação de uma solução para a questão
jurídica que caracteriza o caso concreto, mas a indicação de qual
direito, entre aqueles que tenham ligação com o litígio sub judice,
deverá ser aplicado pelo magistrado. Nesse sentido, o DIPr é um
direito interno conforme sua origem, possuindo cada Estado suas
normas sobre o assunto.

25
Capítulo 2

2. O conflito de jurisdições analisa a competência do Poder Judiciário


na solução de situações que envolvem pessoas, coisas ou
interesses que extravasam o limite de uma soberania, observando
o reconhecimento e a execução de sentenças proferidas no
estrangeiro.
3. A nacionalidade esquadrinha detalhadamente a caracterização
do nacional de cada Estado, as formas originárias e derivadas de
atribuição de nacionalidade, a sua perda e reaquisição, assim como
os seus conflitos positivos e negativos, os casos de polipatrídia,
apatrídia e as restrições aos nacionais por naturalização.
4. A condição jurídica do estrangeiro busca conhecer os direitos
do estrangeiro de entrar e permanecer no país, bem como de
domiciliar-se e residir no território nacional, sem prejuízo de suas
prerrogativas no âmbito econômico, político e também social.

DESTAQUE

Entre os Objetos do DIPr também são apontados os direitos adquiridos na


dimensão internacional.

Del’Olmo (2014, p. 4-5) nos ensina que o respeito aos direitos adquiridos é
considerado basilar para a segurança jurídica, fazendo parte dos ordenamentos
jurídicos contemporâneos, sendo que no Brasil ele está inserido na Carta Magna
(art. 5º, inc. XXXVI). Segundo esse autor, verificar a prevalência desses direitos
quando invocada em outro país interessa ao DIPr. Aduz que muitos autores têm-
se ocupado do tema, considerando-o objeto da disciplina (DIPr), enquanto outros
adotam posição diversa, entendendo que os direitos adquiridos alegados, nesse
contexto, não se afastam dos conflitos de leis, por estarem neles integrados. O
autor prossegue afirmando que seria um contrassenso imaginar o ser humano,
ao ultrapassar as fronteiras do seu país, deixando os direitos adquiridos,
especialmente os que constituem o seu estatuto pessoal. Trata-se de direitos
privados, os quais foram reconhecidos por ordenamento jurídico competente.
Nessa esfera são repelidos, por óbvio, os que ofendem a ordem pública, os bons
costumes e a soberania nacional. Assim, por exemplo, não se permitirão novas
núpcias de um cidadão árabe que aqui aportar já casado e alegar o direito de
poligamia existente na legislação de seu país. Igualmente alguém que trouxesse
seus escravos e quisesse mantê-los nessa condição aqui em nosso país.

26
Direito Internacional Privado

Caio Mário da Silva Pereira (1951, p. 125) assim se pronuncia sobre o direito
adquirido: “Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou
alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha
termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem.
São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam
os já realizados ou aqueles que simplesmente dependem de um prazo para seu
exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de
outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.”.

1.3 Conflito de leis no espaço


A matéria do conflito de leis é de Direito Interno, referindo-se a normas que
definem qual o direito a ser aplicado a uma relação jurídica com conexão
internacional, indicando o direito aplicável. Tem por objetivo a harmonização das
decisões judiciais proferidas pela justiça doméstica, com o direito dos países com
os quais a relação jurídica tem conexão internacional.

Isto porque não há um Governo Universal nem um Direito Universal. Há a


coexistência de Ordens Jurídicas Distintas e Independentes.

Assim, o contato entre ordens jurídicas diferentes remete ao conflito de leis no


espaço, cuja solução é o objeto do DIPr, indicando o direito competente para o
fato interjurisdicional.

Trata-se, portanto, de equacionar duas questões básicas: jurisdição e lei aplicável.

Em direito há duas Espécies de conflitos de leis: no tempo e no espaço.

a. Conflito de leis no tempo


Desse, trata o Direito Intertemporal, apoiando-se no artigo 2º da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que diz: “Não
se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.”.

b. Conflito de leis no espaço


Desse, trata o Direito Internacional Privado, apoiado no artigo 7º
e ss, da LINDB e outras leis fora do código civil (leis extravagantes)
que disciplinam os conflitos de leis no espaço, ou seja, constituem o
sistema brasileiro de aplicação da lei estrangeira.

27
Capítulo 2

O conflito de leis abrange leis de toda natureza e de toda origem: direito


privado e direito público, normas estabelecidas por Estados soberanos
e por províncias, cantões ou estados-membros de uma Federação, bem
como regras oriundas de sistemas pessoais, como as etnias e as religiões.
(DOLINGER, 2012, p. 38).

Mas, qual a natureza do conflito de leis no espaço?

Como vimos anteriormente, no mundo hoje, coexistem diferentes ordens


jurídicas distintas e independentes e, na medida em que as relações jurídico-
privadas entre pessoas físicas ou jurídicas de diferentes Estados, regidos por
diferentes normas jurídicas (autônomas e soberanas), forem se estabelecendo,
maior a probabilidade dos conflitos de leis no espaço.

Ademais, temos a questão da extraterritorialidade da lei. É preciso que os


países permitam a aplicação de leis estrangeiras em seus próprios territórios,
pois a sobrevivência dos Estados, num mundo globalizado e altamente
interdependente em suas relações exteriores orienta para aplicação de leis
extraterritoriais (lex non valet extraterritorium).

É necessário lembrar, entretanto, que, nesses casos de aplicação de leis


extraterritoriais, cada Estado impõe seus limites, visando a respeitar seus
domínios jurídicos soberanos.

Assim, no Brasil, por exemplo, a aplicação de lei estrangeira pelo juiz brasileiro
na resolução de um determinado litígio não pode ofender a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes (LINDB, art. 17).

Outro fator determinante do conflito de leis no espaço é o intercâmbio universal


ou comércio internacional, cujos atos/negócios são cometidos diuturnamente
em todo o mundo.

Lembre-se de que para o cumprimento do seu objeto, o DIPr deve responder a


três questões básicas:

Primeiro: onde acionar?

– Aqui o juiz deve determinar a competência da justiça – se a interna ou


a internacional. Está-se diante do conflito de jurisdições.

28
Direito Internacional Privado

Jurisdição - É o poder de julgar de um tribunal ou de uma autoridade,


aplicando a lei ao caso concreto com vistas à solução de um litígio, de
âmbito interno ou internacional, envolvendo aí a área territorial em que tal
poder pode ser exercido.

Segundo: que lei aplicar?

– Uma vez determinada a competência judiciária, deve o juiz determinar


a lei aplicável ao caso – se a norma interna ou a estrangeira.

Terceiro: como executar um ato ou decisão estrangeira?

– Aqui se está diante da cooperação interjurisdicional – ou seja, a


cooperação entre Estados na área jurídica, visando à execução das
Sentenças Estrangeiras, o atendimento às Cartas Rogatórias – tudo
com o objetivo de assegurar a efetividade das normas jurídicas de
comando.

Eliane Braz (2006, p. 5-10) lembra que o DIPr cuida, majoritariamente, de


interesses de pessoas privadas, físicas ou jurídicas, e quando cuida de
interesses do Estado, esde figura apenas como membro da sociedade comercial
internacional e não como ente soberano.

Esta autora aduz que a característica essencial do DIPr está na conexão com a
lei estrangeira, pela qual o juiz é levado a considerar preceitos de ordem jurídica
distinta da sua, embora essa determinação decorra de norma territorial (lex fori).
É esse elemento estrangeiro (pessoa, coisa, ato jurídico, decisão judiciária) que
identifica o objeto do DIPr. Sem a sua existência não podemos falar de DIPr.

Nesse sentido, Braz defende que há várias concepções sobre qual seria o objeto
do DIPr e quais as matérias estariam relacionadas ao objetivo da disciplina. A
corrente alemã restringe o objeto da disciplina ao conflito de leis. A Europa
Oriental inclui o conflito de jurisdições. A Grã-Bretanha e os Estados Unidos
incluem, além do conflito das leis e o conflito de jurisdições, o reconhecimento de
sentenças estrangeiras.

A corrente francesa – acolhida pelo Brasil – é a que adota um maior número de


pontos, abrangendo quatro matérias distintas: a nacionalidade, a condição
jurídica do estrangeiro, o conflito de leis no espaço e o conflito de jurisdições.

29
Capítulo 2

1.4 Conflito de jurisdições


Jurisdição é o foro especializado e independente que examina os litígios à luz do
direito e profere decisões obrigatórias. Vincula-se ao poder jurídico que o Estado
exerce nos limites territoriais de sua soberania, envolvidas aí sua tridimensão
espacial: terrestre, aérea e marítima.

A jurisdição nacional se impõe pela ação cogente (imperativa) do Estado a


indivíduos, empresas e entidades de direito público, ao passo que a jurisdição
internacional só se exerce equacionando conflitos entre soberanias, quando
essas previamente deliberam submeter-se à autoridade das cortes.

Cumpre destacar que no plano internacional a arbitragem foi ao longo dos


séculos a única jurisdição conhecida e, ao contrário da jurisdição arbitral, a
jurisdição judiciária (do Estado) é recente na cena internacional, vez que nasce
com o Estado em sua concepção moderna, a partir do século XVI.

NOTA

A arbitragem é um mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos que


envolvam direitos patrimoniais (aqueles direitos que podem ser avaliados
pecuniariamente) e disponíveis (direitos sobre os quais as partes podem transigir).
Nela, (a arbitragem) um árbitro, escolhido livremente pelas partes conflitantes,
decide sobre a lide. Essa decisão constitui uma sentença com a força de uma
sentença judicial.

No Brasil, o procedimento da arbitragem é regido pela Lei nº 9.307/96, em cujo


art. 1° lê-se: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”.

No Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 1)


encontramos a definição de pessoa capaz, nos artigos 1º ao 10º. Essa mesma
codificação exclui da apreciação da lei arbitral alguns grupos de direitos,
conforme se lê no seu artigo 852: “É vedado compromisso para solução de
questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham
caráter estritamente patrimonial.”.

1 A Lei nº 13.129/2015 altera a Lei nº 9.307/1996 e a Lei nº 6.404/1976, para ampliar o âmbito de aplicação
da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção
da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de
arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9307/1997.

30
Direito Internacional Privado

O Estado Moderno tem na administração da justiça uma de suas funções


soberanas essenciais. Nesse sentido, a delimitação da competência jurisdicional
do Estado decorre das suas normas internas, determinando se sua jurisdição
é competente ou não para dirimir determinado conflito sob sua apreciação. O
Estado é, portanto, autônomo para verificar sobre a competência de seus juízes e
tribunais, sem qualquer ligação ou subordinação com outro Estado.

No âmbito do DIPr, é o direito processual civil internacional que trata do conflito


entre as normas processuais de vários Estados, fixando os preceitos pertinentes
à competência, à jurisdição, à tramitação dos juízos e à execução das sentenças
estrangeiras, com o intuito de assegurar aos particulares, no âmbito do Direito
Internacional Privado, a preservação dos seus direitos.

Assim, sempre que mais de um Estado se julgar competente para decidir um


determinado litígio envolvendo direito alienígena, ou seja, direito estrangeiro,
estaremos diante de um conflito de jurisdição.

O conflito de jurisdição está vinculado ao foro (quem tem a competência para


julgar determinado litígio?), ao passo que o conflito de leis está vinculado ao
Direito (qual lei deve ser aplicada para dirimir o litígio no caso concreto?).

1.5 Nacionalidade
O direito à nacionalidade é um direito fundamental da pessoa humana, constituindo
disciplina jurídica de Direito Interno, vez que o Estado legisla soberanamente,
fixando suas próprias regras para os fins de concessão (aquisição/atribuição)
e cancelamento (perda) desse instituto jurídico. É tema versado no Direito
Constitucional, no Direito Civil e no Direito Internacional Público.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, em seu artigo. 15, I,
proclama: “Todo homem tem direito a uma nacionalidade. Ninguém será arbitrariamente
privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.

A aferição da nacionalidade de cada pessoa é importante, pois distingue nacionais e


estrangeiros, cujos direitos não são os mesmos. Nos países que adotam o critério da
nacionalidade para reger o estatuto pessoal, a nacionalidade é pressuposto da maior
importância para o DIPr, e a proteção diplomática das pessoas quando no exterior
depende da determinação de sua nacionalidade. (DOLINGER, 2012, p. 42)

Assim, o instituto da nacionalidade adquire relevância para o DIPr precipuamente,


quando indicativo do elemento de conexão do estatuto pessoal da pessoa física.
Em geral, o estatuto pessoal costuma ser regido pela nacionalidade da pessoa
ou por seu domicílio. A tendência moderna, contudo, é adotar como elemento de
conexão o domicílio e a residência habitual do indivíduo.

31
Capítulo 2

Estatuto pessoal é o conjunto dos elementos que constituem a individualidade


jurídica da pessoa humana, aí compreendidos, por exemplo, o nascimento, o
nome, a filiação, o casamento, o divórcio, o poder familiar, a morte.

A pertinência do instituto da nacionalidade para os nossos estudos de DIPr,


portanto, deve ser concebida enquanto se vincule diretamente à resolução dos
conflitos de leis no espaço (objeto do DIPr), determinando o direito aplicável a
uma relação jurídica com conexão internacional.

Elementos de Conexão: São normas que o DIPr estabelece para indicar


qual direito deve ser aplicado nas diversas situações jurídicas que tenham
conexão com mais de um sistema legal.

No Brasil, a competência para legislar sobre nacionalidade e naturalização é da


União (Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, Art. 22, XIII) e
as principais regras sobre a matéria encontram-se na CRFB (art. 12) e em leis
esparsas, como o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980 – art. 111 e ss.).

Conceitualmente, a nacionalidade é o vínculo político entre o Estado soberano e


o Indivíduo, que faz desse um membro da comunidade constitutiva da dimensão
pessoal do Estado.

José Francisco Rezek o define como vínculo jurídico-político de direito público


interno e de caráter permanente entre o Indivíduo e o Estado.

A naturalização, por sua vez, é um ato unilateral e discricionário do Estado


no exercício de sua soberania, podendo conceder ou negar a nacionalidade
a quem, estrangeiro, a requeira, ainda que preenchidos todos os requisitos
estabelecidos pelo legislador. Exceção deve ser observada ao artigo 12, II,
b, da CRFB, admitindo como brasileiros naturalizados os estrangeiros de
qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais
de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram
a nacionalidade brasileira. Esse é um caso em que a naturalização não é ato
discricionário, não depende de critério governamental e deverá ser concedida.

Jus sanguinis (vínculo familiar) e jus soli (vínculo territorial) são os critérios utilizados
pelos Estados para instituir a nacionalidade, em sua dimensão primária ou originária.

A nacionalidade secundária ou derivada é a que decorre da naturalização.

Em face dos critérios geradores da nacionalidade (jus sanguinis e jus soli), podem
ocorrer alguns conflitos de nacionalidade, como a plurinacionalidade (dupla
nacionalidade) e a anacionalidade ou apatridia (ausência de nacionalidade).

32
Direito Internacional Privado

A CRFB/88 (Título II – direitos e garantias fundamentais – capítulo III) trata da


nacionalidade em seu artigo 12, incisos, I e II e parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, fixando
os critérios legais para a condição de brasileiro nato, naturalizado e, também,
para a perda da nacionalidade.

1.5.1 Brasileiros natos


Conforme Artigo12, I são considerados brasileiros:

a. os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais


estrangeiros, desde que esses não estejam a serviço de seu país;
(critério territorial);
b. os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira,
desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa
do Brasil; (critério sanguíneo + funcional);
c. os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira,
desde que sejam registrados em repartição brasileira competente
(critério sanguíneo + registro em repartição competente) ou venham
a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer
tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira; (Critério sanguíneo + residencial + opção confirmativa
(Maioridade +Justiça Federal). (Redação dada pela Emenda
Constitucional n. 54, de 2007). É a denominada NACIONALIDADE
POTESTATIVA, a qual depende de opção confirmativa do
interessado e não pode ser recusada pelo Estado, pois o efeito
pretendido depende exclusivamente da vontade do interessado.
Assim, até os 18 anos é brasileiro nato. Acima dos 18 anos sofre
condição suspensiva e dependerá, portanto, da opção confirmativa
para manter a condição de brasileiro nato.

Essa compreensão deriva da Emenda Constitucional 54/2007, a qual acrescentou o


Art. 95 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, com o seguinte
teor: “Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação
dessa Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão
ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em
ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil.”.

1.5.2 Brasileiros naturalizados


Conforme artigo 12, II, da CRFB/88 (naturalização Especial – Constitucional) são
considerados naturalizados:

33
Capítulo 2

a. os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira,


exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas
residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral (Expressa
Ordinária Discricionária – Lei nº 6.815/80;
b. os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República
Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem
condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
(Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de
1994) (Expressa Extraordinária)

Artigo 12:

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se


houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos
os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão n. 3, de 1994) (Equiparação).
§ 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros
natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta
Constituição. (Extradição/Cargos Privativos de brasileiros natos/
Controle de veículos de radiodifusão e empresas jornalísticas).

Atualmente, a reciprocidade entre Brasil e Portugal no que tange à


Igualdade de Direitos e Obrigações Civis e o Gozo dos Direitos Políticos
encontra respaldo no Decreto n. 3.927/2001, que promulgou o Tratado de
Amizade, Cooperação e Consulta entre os referidos países, celebrado em
Porto Seguro/BA, em 22 de abril de 2000.

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:


I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
(I a IV = Linha sucessória presidencial Art. 80, CRFB)
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 23, de 1999)

34
Direito Internacional Privado

1.5.3 Perda da nacionalidade brasileira

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:


I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em
virtude de atividade nociva ao interesse nacional (aplica-se ao
brasileiro naturalizado);
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos da Redação
dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994,
aplica-se ao brasileiro nato ou naturalizado;
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei
estrangeira (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3,
de 1994);
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao
brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para
permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis
(Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994).

Seção 2
2.1 Condição jurídica do estrangeiro
À luz do direito local de determinado Estado, estrangeiro é aquele que não
detém a mesma condição jurídica de alguém nato nesse local.

Na medida em que deixamos o nosso Estado nacional e adentramos em outro,


assumimos a condição de estrangeiro.

Importa lembrar que os Estados gozam de caráter discricionário para


legislar sobre os critérios jurídicos que adotam na administração do ingresso,
permanência e saída de estrangeiros do seu território.

Cuidaremos das questões atinentes à condição jurídica do estrangeiro


considerando a legislação brasileira, precipuamente a Lei nº 6.815, de 19 de
agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), alterado pela Lei nº 6.964, de 09 de
dezembro de 1981, lembrando que tramita no Congresso Nacional o Projeto de
Lei nº 5.655, de/2009, visando a instituir um novo Estatuto do Estrangeiro no
Brasil. Referido PL encontra-se na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados,
desde 10 de novembro de 2015.

35
Capítulo 2

Fundamentalmente, o atual Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815, de 19 de agosto


de 1980), que está em vigor até hoje, está bastante divorciado das percepções
humanistas contemporâneas, na medida em que fora concebido no contexto da
Guerra Fria e em plena vigência do regime ditatorial brasileiro.

Requer, assim, uma política imigratória mais humanista e pautada na garantia dos
direitos humanos, na preservação das instituições democráticas, na defesa do
trabalhador nacional, na defesa dos interesses socioeconômicos e culturais do
Brasil e mesmo na segurança da sociedade e das relações internacionais.

Um dos direitos consagrados ao ser humano, registrado na Declaração Universal


dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia
Geral das Nações Unidas (ONU), é o de livre locomoção dentro das fronteiras de
cada Estado.

Além dessa regra prevista no artigo XIII, o seu parágrafo segundo estabelece o
direito que toda pessoa tem de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a esse
regressar, caso que requer uma legislação que defenda o cidadão.

Com base nesse princípio, consagra-se ao cidadão o direito à imigração, que é


quando um estrangeiro se domicilia no território de um Estado, instalando-se no
país com ânimo definitivo.

Cada Estado, como afirmamos, tem soberania para definir internamente as


regras de receptividade de estrangeiros, mas deverá abrir suas fronteiras aos
estrangeiros, exceto quando para preservar o interesse da própria conservação.

Os países estabeleceram como documento de identidade internacional o


passaporte, que é um documento de natureza policial, entregue pela autoridade
competente e destinado a garantir a livre passagem de seu portador de um lugar
a outro.

Para permitir a entrada, estada e saída de cada país legalmente, adotou-se


o sistema de vistos. Assim, pode ser dado visto a um indivíduo em caráter
permanente (imigrante), temporário (para trabalho, estudo, turismo ou trânsito),
diplomático, oficial ou de cortesia (especial para representantes do Estado ou
convidados ilustres do país).

No Brasil, os vistos estão definidos nos artigos 4º a 19 da Lei nº 6.815/80


(Estatuto do Estrangeiro). O Brasil adota o sistema de visto de entrada, que é
solicitado pelo estrangeiro junto a um Consulado ou Embaixada brasileira no
exterior, e que tem a validade de cinco anos, e o sistema de visto de permanência,
que é dado pela autoridade aduaneira brasileira, nos portos, aeroportos e em
postos aduaneiros de fronteiras, em razão do motivo da estada do estrangeiro.

36
Direito Internacional Privado

O visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa


de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser
obstado. Isso porque o visto não é um direito, e sim uma cortesia. Não
cabe AÇÃO contra a negativa de entrada de estrangeiro no país.

Quando a autoridade, por qualquer motivo, não concede o visto pretendido pelo
estrangeiro, ele não é aceito dentro do território nacional e deve retornar ao país
de origem, nem chegando a ingressar em solo brasileiro, situação conhecida
como impedimento ou repatriação.

O fato de ser estrangeiro em um país dá ao cidadão o reconhecimento de direitos


decorrentes de duas circunstâncias: a personalidade humana e a situação do
Estado como membro da comunidade internacional.

Segundo Dolinger (2012, p. 100-101), o Estado não tem obrigação de admitir


estrangeiros em seu território. Mas, uma vez admitidos, devem-lhes ser
concedidos um mínimo de direitos, isto é, uma posição de certa igualdade
com os cidadãos, pelo menos no que tange à segurança de suas pessoas e
propriedades, o que não significa que eles devam ter os mesmos direitos dos
cidadãos. Dessa forma, o status jurídico concedido ao estrangeiro não pode ficar
abaixo de um certo standard mínimo de civilização.

Os estrangeiros também têm deveres perante o Estado em que se encontram,


como o pagamento de impostos e o respeito às leis locais, sendo que o seu
desrespeito é passível de punição. Quanto à jurisdição civil e comercial, aplica-
se a lei local do país onde se encontram, especialmente tratando-se de ações
reais sobre imóveis. Quanto à jurisdição criminal, em princípio, sujeitam-se os
estrangeiros aos tribunais locais (princípio da territorialidade).

Os Direitos e Deveres do estrangeiro no Brasil, constantes do Estatuto do


Estrangeiro, têm sua matéria disciplinada nos artigos 95 a 110 e 125 a
126. Nos arts. 95 a 110, embora se assegure ao imigrante residente no
Brasil o gozo de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros nos termos
da Constituição da República e das demais leis, corroborando assim o
princípio da igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros, há uma
série de restrições, principalmente no que tange ao exercício de atividade
laboral, qual seja, restrições ao mercado de trabalho. Os artigos 125 e 126,
respectivamente, referem-se às infrações e consequentes penalidades a
que se sujeita o estrangeiro no Brasil.

37
Capítulo 2

Nas relações entre o estrangeiro e o Estado em que se encontra, estão previstas


algumas ações do Estado para retirar o indivíduo de seu território. No caso,
poderão ser aplicados os institutos da deportação, da expulsão e da extradição.

A deportação de estrangeiros é uma forma de exclusão, do território nacional,


daquele estrangeiro que aqui se encontra após uma entrada irregular, geralmente
clandestina, ou cuja estada tenha se tornado irregular, por exemplo, por excesso
de prazo (deixou expirar o prazo do visto, sem pedir a renovação).

Quem cuida das exclusões são as autoridades locais (no Brasil é a Polícia Federal
que cuida desse assunto), sem envolvimento da cúpula do Governo. O deportado
pode voltar ao país, desde que regularizada sua situação. A deportação dos
estrangeiros pelo Estado Brasileiro está prevista no Estatuto do Estrangeiro,
artigos 57 a 64.

A expulsão dos estrangeiros consiste no direito do Estado de expulsar os


estrangeiros que não se submetem às leis locais ou às medidas de polícia que
lhes são impostas.

Os atos que podem determinar a expulsão são: ofensa à dignidade nacional,


mendicidade e vagabundagem, atos de devassidão, propaganda subversiva,
provocação de desordens, conspirações, espionagem, intrigas contra países
amigos ou entrada ilegal no território nacional (quando já não couber a
deportação).

A expulsão pressupõe um inquérito que é realizado no âmbito do Ministério da


Justiça, e ao longo do qual se assegura ao estrangeiro o direito de defesa.

Verificada no inquérito a existência da circunstância que motiva a expulsão, cabe


ao Presidente da República decidir, ao final, sobre a expulsão e materializá-la
por meio de decreto presidencial, que será publicado no Diário Oficial da União,
determinando, em seguida, a retirada do estrangeiro do território do país.

A expulsão importa na impossibilidade de retorno ao país. Só a edição de um


decreto futuro, revogando o primeiro, faculta ao expulso o retorno ao Brasil. A
volta do expulso ao Estado, sem a revogação do decreto, poderá resultar em sua
prisão. Se retornar antes disso, comete o crime previsto no artigo 338 do Código
Penal Brasileiro.

38
Direito Internacional Privado

A seguir apresentamos crimes contra a administração da justiça.

2.2 Dos crimes contra a administração da justiça

2.2.1 Reingresso de estrangeiro expulso.

Art. 338 – Reingressar no território nacional o estrangeiro que


dele foi expulso:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, sem prejuízo de
nova expulsão após o cumprimento da pena.

A expulsão dos estrangeiros pelo Estado brasileiro está prevista no Estatuto


do Estrangeiro, artigos 65 a 75.

A extradição de estrangeiros é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo


estrangeiro, acusado de fato delituoso ou já condenado como criminoso, a outro
Estado para ser julgado e/ou punido.

Um Estado deve concordar com a extradição, salvo se a julgar injusta ou


irregular.

A extradição pressupõe sempre um processo penal. O fundamento jurídico de


todo pedido de extradição é um tratado de extradição celebrado entre os dois
países envolvidos, no qual se estabelece que, em presença de determinadas
condições, o Estado requerido entregará a pessoa reclamada (criminoso) ao
Estado requerente. Na falta de tratado, poderá ser firmada uma promessa de
reciprocidade, a qual poderá ser acolhida ou rejeitada pelo Estado, pois é um
mero acordo de cavalheiros.

O Estatuto do Estrangeiro disciplina a matéria nos artigos 76 a 94.

Aplicam-se, ainda, as regras da Convenção de Havana de Direito Internacional


Privado, assinada em 1928, artigos 344 a 381.

Para a realização da extradição, são observadas as seguintes condições contidas


no quadro a seguir

39
Capítulo 2

a) quanto ao lugar da infração - em geral, os atos criminosos foram praticados fora


do Estado requerido e dentro dos limites territoriais do Estado requerente (princípio
da territorialidade);

b) o fato deve ser punível nos Estados requerente e requerido - o Estado requerido
não concederá a extradição quando a infração ou a pena estiverem prescritas 1.

c) o fato de ainda não ter sido julgado no Estado requerido - não se concede a
extradição por fato que determine o pedido e que esteja sob julgamento ou já
julgado no país requerido;

d) o não julgamento por tribunal de exceção - a extradição não será concedida se


o delito for julgado no tribunal de exceção no país requerente. O crime deve ser
julgado pelos tribunais legalmente constituídos dentro do país requerente;

e) a nacionalidade do indivíduo extraditando - não importa se o Estado extraditar


um estrangeiro, mas sendo um nacional seu, por regra geral, o Estado se nega
a extraditar. Admitem-se exceções, como é o caso de envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes. A falta de extradição não pode gerar a de punição, sendo
obrigação do Estado que se nega a extraditar aplicá-la;

f) trata-se de indivíduo condenado à morte no país onde cometeu o delito - a regra


é que os países que não admitem a pena de morte negam a extradição ou só a
concedem mediante a substituição da pena;

g) condições particulares do extraditando - o extraditando é um Chefe de Estado,


não se admite a extradição. Quando não é mais, dependendo da situação, admite-
se a extradição;

h) quanto à gravidade das infrações - os atos mais graves dão origem à extradição.
As infrações terão que ser puníveis nos Estados requerente e requerido. Excluem-se
dos tratados de extradição certas categorias de delitos, como os crimes políticos
(exceção ao terrorismo), delitos de imprensa e contra a religião, delitos militares e
puramente militares (abandono de posto, insubordinação, deserção, covardia), e
delitos especiais, como os de caça e pesca, as contravenções fiscais etc.

1. Prescritas: A prescrição da pena acontece quando o Estado levou tanto tempo para terminar
o processo crime que esse já não terá mais validade. É como um perdão da pena pelo fato de o
Estado ter sido inerte por tanto tempo.

40
Direito Internacional Privado

No Brasil, os pedidos de extradição passam pela análise de dois órgãos: o


Supremo Tribunal Federal (STF) e a Presidência da República. É o STF que
verifica se o pedido de extradição apresenta as condições de legalidade exigidas
pela legislação interna e pelo tratado que vigora entre os dois países. Se
verificada a legalidade, o Presidente da República define, por último, sobre o
cumprimento do tratado e a entrega do indivíduo às autoridades estrangeiras.

Quadro 2.1 - Formas de afastamento compulsório do estrangeiro

Extradição Deportação Expulsão

Causa Solicitação do país O estrangeiro está O estrangeiro está


no qual a pessoa no país de forma no país de forma
foi condenada ou irregular (não cumpre regular, mas sua
indiciada, cuja as condições permanência se torna
legislação é necessárias para inconveniente ao país
competente para o ingresso ou anfitrião, devido a
julgá-la pelo crime permanência regular crime ou atitude por
que lhe é imputado. no país). ele cometida.

Natureza Ato político-judicial Medida administrativa Medida político-


(não é pena) administrativa (não é
pena)

Iniciativa Ato bilateral, depende Iniciativa do Estado Iniciativa do Estado


da solicitação de em que se encontra em que se encontra
outro país. o estrangeiro o estrangeiro – é
– no Brasil o ato discricionário
Departamento da do Presidente da
Polícia Federal. República (decreto).

Requisitos Existência de tratado Não há. Não há.


ou promessa de
reciprocidade.

Procedimento Quando não há Em regra, é Há inquérito (instrução


recusa sumária pelo concedido ao sumária) com
Executivo, o pedido é estrangeiro prazo observação de regras
analisado pelo STF. para que se retire processuais, perante
voluntariamente do o Ministério da Justiça.
país.

Destino do Deferida a extradição, O estrangeiro é O estrangeiro é


estrangeiro o país requerente enviado para o país encaminhado para
retirará o estrangeiro de sua nacionalidade, qualquer país que o
do território nacional. de sua residência ou aceite.
outro que consinta
em recebê-lo.
continua...

41
Capítulo 2

Extradição Deportação Expulsão

Possibilidade de Depende de Sim, desde que Em princípio, não


retorno ao Brasil cumprimento de sua sanadas as poderá retornar, a
pena no Estado em irregularidades menos que o decreto
que foi condenado e que impediam sua de expulsão seja
da aceitação pelas permanência no país. revogado.
autoridades brasileiras.

SITUAÇÕES Artigo 91 do Estatuto Quando implicar em Quando implicar em


IMPEDITIVAS do Estrangeiro elenca extradição inadmitida. extradição inadmitida.
requisitos para que se
efetue a extradição.

Impossibilidade A lei não prevê. A lei não prevê. Sim, quando é


quando há casado há mais de
cônjuge/filho 5 anos e tenha filho
brasileiro que dependa de sua
economia.

Possibilidade de Somente poderá ser Não se aplica. Não se aplica.


brasileiro sofrer extraditado brasileiro
a medida naturalizado, por
crime anterior à
naturalização ou por
tráfico de drogas.

Fonte: Adaptado de DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado- ( 2014, pp. 109-110).

Além do impedimento/repatriação, deportação, expulsão e extradição, a condição


jurídica do estrangeiro abrange também os institutos do asilo e do refúgio,
compreendidos como Direitos Humanos de Proteção ao Estrangeiro, abarcando
os Direitos Humanitários.

2.2.2 Asilo político


É o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido em outro país por causa
de dissidência política, de delitos de opinião ou por crimes relacionados com a
segurança do Estado. Eles não configuram quebra do Direito Penal Comum.

O asilo político, na sua forma perfeita e acabada, é territorial: concede-o o Estado


àquele estrangeiro que, havendo cruzado a fronteira, colocou-se no âmbito
espacial de sua soberania, e aí requereu o benefício. Mas o asilo pode dar-se na
forma diplomática, isto é, no caso de ter sido solicitado junto a uma Embaixada
ou a um Consulado do país de acolhimento dentro do território onde esse
estrangeiro se encontra.

42
Direito Internacional Privado

Os pressupostos do asilo político são a natureza política dos delitos e o estado


de urgência.

Aplicam-se as Convenções de Havana, de 1928, que instituiu o Código de Direito


Internacional Privado (Código Bustamante), de Montevidéu, de 1933, o qual
promulgou as convenções sobre direitos e deveres dos Estados e sobre Asilo
Político e de Caracas, de 1954, versando sobre Asilo Diplomático.

O asilo político está previsto no Estatuto do Estrangeiro, nos artigos 28 e 29.

Destaca-se que a partir da Revolução Francesa, com o desenvolvimento dos


ideais de liberdade e direitos individuais, começou a se consolidar a aplicação do
asilo a criminosos políticos e a extradição de criminosos comuns.
“A Constituição Federal de 1988 declara em seu art. 4º que o Brasil rege as
suas relações internacionais pelos princípios da “prevalência dos direitos
humanos e da concessão do asilo político”.

Asilo diplomático

•• Caráter provisório. Antecede o asilo territorial. Concedido nas legações, nos


navios, aeronaves e acampamentos militares.
•• Direito Costumeiro.
•• Próprio da América Latina Convenções: Havana (1928); Montevidéu (1933);
Caracas (1934)

Asilo territorial

•• Caráter permanente. Âmbito espacial da soberania do Estado.


•• DUDH, ONU 1948 – Art. 14(2)
•• Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo
em outros países.

2.2.3 Refúgio
No que concerne ao Direito dos Refugiados, é importante salientar que a efetiva
proteção aos refugiados pela comunidade internacional somente surgiu com a
Sociedade de Nações ou Liga das Nações instituída em 1919, no pós-1ª Guerra
Mundial (1914/1918), pelo Tratado de Versalhes.

Isto porque, com o fim da 1ª Guerra Mundial, o mundo viu-se diante de grandes
problemas de movimentos massivos relacionados, principalmente com a
Revolução Russa e o desmoronamento do Império Otomano.

43
Capítulo 2

Já com a 2ª Guerra Mundial (1939/1945), o problema dos refugiados tomou


proporções jamais vistas, com o deslocamento de milhões de pessoas por
diversas partes do mundo.

Em 1943, realizou-se a Conferência de Bermudas, a qual ampliou a proteção


internacional, definindo como refugiados: “todas as pessoas de qualquer
procedência que, como resultado de acontecimentos na Europa, tiveram
que abandonar seus países de residência por terem em perigo suas vidas ou
liberdade, devido a sua raça, religião ou crenças políticas.”.

O tema prosseguiu merecedor da atenção da sociedade internacional e, em 1946,


a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu os seguintes princípios,
próprios da condição de refugiado:

•• O problema dos refugiados tem alcance e caráter internacional;


•• Não se deve obrigar o regresso ao país de origem aos refugiados
que expressarem objeções válidas ao retorno;
•• Um órgão internacional deveria ocupar-se do futuro dos refugiados e
pessoas deslocadas;
•• Tarefa principal consistiria em estimular o pronto retorno dos
refugiados a seus países e ajudá-los por todos os meios possíveis.

Em dezembro de 1947, foi então criado o Alto Comissariado das Nações


Unidas para Refugiados (ACNUR), com a função de proporcionar proteção
internacional aos refugiados. Trata-se de uma instituição apolítica, humanitária e
social.

Em 1951, por fim, é aprovada a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados,


que, no seu artigo 1º, define refugiado como “toda pessoa que como resultado
de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e devido a fundados
temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, por
pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, encontre-se
fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores,
não queira recorrer à proteção de tal país; ou que, carecendo de nacionalidade
e estando, em consequência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera
sua residência habitual, não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira
regressar a ele.”.

44
Direito Internacional Privado

2.2.4 Refugiados no Brasil


No Brasil, a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, define mecanismos para
a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras
providências.

Institui-se o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão colegiado,


vinculado ao Ministério da Justiça, composto por representantes dos seguintes
órgãos:

•• Ministério da Justiça, que o preside;


•• Ministério das Relações Exteriores, que exerce a Vice-Presidência;
•• Ministério do Trabalho e do Emprego;
•• Ministério da Saúde;
•• Ministério da Educação;
•• Departamento da Polícia Federal;
•• Organização não governamental, que se dedica a atividade
de assistência e de proteção aos refugiados no País – Cáritas
Arquidiocesana de São Paulo e Rio de Janeiro;
•• Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
com direito a voz, sem voto;
•• Tanto nos casos de asilo, quanto nos de refúgio, ao estrangeiro é
fornecido documento de identidade e carteira de trabalho, ficando
assegurado o exercício de todos os direitos civis de um estrangeiro
residente no País;
•• Quando necessário, ao asilado e ao refugiado, pode ser concedido
passaporte brasileiro e autorização para viagem ao exterior.

Observe as informações a seguir:

Asilo – Refúgio – Extradição

A condição de refugiado é excludente de extradição.

A condição de asilado, somente quando o fato motivador do


pedido de extradição assumir a qualificação de crime político ou
de opinião ou se as circunstâncias subjacentes à ação do Estado
requerente demonstrar a configuração de inaceitável extradição
política disfarçada.

45
Capítulo 2

No quadro a seguir, verificam-se as diferenças entre asilo e refúgio:

Quadro 2.2 - Diferenças entre Asilo e Refúgio

ASILO REFÚGIO

Caráter Político Caráter Humanitário

Regional = América Latina Alcance Universal

Proteção diante de uma perseguição Proteção justificada apenas no temor de


atual e efetiva perseguição

Perseguição em razão de crimes políticos Motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo


social, opinião política ou grave e generalizada
violação de direitos humanos em seu país.

Perseguição política individualizada A perseguição, como regra, assume aspecto


generalizado, atingindo grande número de
pessoas.

O estrangeiro poderá requerer o asilo Pressupõe que o estrangeiro perseguido esteja


mesmo estando dentro de seu país. A fora de seu país
proteção poderá se dar em Estado
estrangeiro (ASILO TERRITORIAL) ou em
embaixadas (ASILO DIPLOMÁTICO)

O ato que concede o asilo é constitutivo O ato que concede o refúgio é meramente
declaratório

Requerimento iniciado na PF e Requerimento formulado perante a PF, sendo


posteriormente submetido à manifestação o procedimento de competência do CONARE
do MRE e decisão do MJ – Comitê Nacional para Refugiados (contra a
decisão do CONARE cabe recurso ao MJ)

Fonte: Darlan Barroso ( 2009, p. 98).

Seção 3
3.1 Fontes do DIPr
Apresentamos a seguir os conceito de Fontes utilizados no DIPr:

De acordo com Nádia Araújo (2004), Fontes do direito são atos ou fatos aos
quais um ordenamento jurídico atribui idoneidade ou capacidade de produzir
norma jurídica.

46
Direito Internacional Privado

As fontes podem ser materiais e formais: as fontes materiais seriam as de


inspiração do direito (fatores sociológicos, econômicos, culturais) enquanto as
fontes formais seriam as de vigência do Direito (as leis, o costume, a analogia, os
princípios gerais do Direito).

Temos também as fontes internas e fontes internacionais: as internas referem-


se às leis de cada país, ao passo que as internacionais referem-se aos tratados.

Em ambas as fontes, encontramos o costume, a doutrina e a jurisprudência.

3.2 Lei
É a fonte primária do DIPr na grande maioria dos países. E esta que, se existente,
na prática, deve ser consultada em primeiro lugar diante de uma relação jurídica
de direito privado com conexão internacional. (RECHSTEINER, 2000, p. 69)

No Brasil, a CRFB/88, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),


o Código Tributário Nacional (CTN), o Código Civil e o Código de Processo Civil
são leis que atuam como fontes do DIPr.

3.3 Tratados
É ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou
mais pessoas internacionais.

O DIPr tem importante fonte internacional nos Tratados e Convenções bi e


multilaterais, face a ausência de leis supranacionais e pelo fato de possuírem
natureza jurídica dupla, ou seja, obrigam seus integrantes no plano interno e
internacional.

No Brasil, são fontes de DIPr, o Código Bustamante, o Instituto Internacional


para o Direito Internacional Privado UNIDROIT – sigla em inglês para International
Institute for the Unification of Private Law e as Convenções Interamericanas de
Direito Internacional Privado (CIDIPs).

3.4 Doutrina
A doutrina conjuga os estudos desenvolvidos pelos juristas, visando a
compreender os tópicos relativos ao Direito, como normas e institutos.

A doutrina tem especial relevância para o DIPr, principalmente quando há


omissão da Lei e inexiste Tratado.

47
Capítulo 2

3.5 Costume
Conjunto de regras imperativo-atributivas públicas e gerais criadas
espontaneamente pelo povo, convalidadas pela prática reiterada, uniforme e
constante de atos relevantes para o direito em determinado meio social, com a
convicção de sua necessidade ou conveniência e obrigatoriedade reconhecidas e,
não raro, impostos pelo Estado com validade jurídica. (MALHEIRO, 2012, p.38)

No Brasil, são empregados na falta ou na omissão da Lei, conforme determina a


LINDB.

3.6 Jurisprudência
É a ciência da lei. Significa o conjunto das decisões, das aplicações e das
interpretações das leis.

Enquanto fonte do DIPr, vem assumindo crescente relevância; no Brasil, tem


possibilitado frequentes decisões dos nossos tribunais.

3.7 Conflito de fontes


Por envolver fontes internas (leis do país) e internacionais (tratados), não é raro,
no DIPr, ocorrerem conflitos entre lei e tratado, lei anterior e tratado posterior,
tratado anterior e lei posterior e mesmo entre tratado e Constituição.

O status normativo dos tratados internacionais no ordenamento brasileiro reflete o


conflito doutrinário (conflito de teorias) – monismo (ordem lógico-jurídica única) e
dualismo (duas ordens lógico-jurídicas distintas, sem qualquer tipo de vinculação)
– fundamentalmente para explicar como se dá a incorporação das normas
internacionais (tratados) ao direito pátrio – se de modo automático ou mediante
processo legislativo.

No Brasil os Tratados Internacionais só ganham eficácia mediante tramitação


de projeto de lei especial moldado nos termos do Tratado ou da Convenção
Internacional. Reflete, assim, o dualismo moderado, mediante o qual a
incorporação do tratado internacional prescinde de lei, mas requer a observância
procedimental prevista na Constituição, determinando que haja aprovação
congressual (competência legislativa – Art. 49, I) e promulgação presidencial
(competência executiva – Art. 84, VIII).

Os Tratados Internacionais, no direito brasileiro, são equiparados à generalidade


das Leis e, portanto, passíveis de derrogação por elas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) - guardião da Constituição- fixa exceções à


equiparação entre Tratado e Lei Ordinária para o artigo 98 do Código Tributário

48
Direito Internacional Privado

Nacional, o qual determina a observância dos Tratados pelas Leis que lhe
sobrevenham e, também, para a extradição, porquanto lei interna (Estatuto do
Estrangeiro), submetida ao Tratado.

Destaque merecido, no rol das exceções, para a Emenda Constitucional n.º 45, de
8 de dezembro de 2004, que instituiu o § 3º ao artigo 5º da CRFB, assim redigido:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.

Assim, no que tange à hierarquia dos Tratados Internacionais no direito pátrio


(brasileiro), prevalecem os seguintes julgados do STF, em 03 de dezembro de
2008, da alçada do Ministro Gilmar Mendes:

Recurso Extraordinário (RE) 466.343-SP e Habeas Corpus (HC) 87.585-TO

•• Tratados de direitos humanos não aprovados com quorum qualificado


– artigo 5º, § 3º, da CRFB/88: tem valor supralegal;
•• Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
aprovados com quorum qualificado pelo Congresso Nacional:
Tem status de emenda constitucional (caráter constitucional).

•• Tratados e convenções que não versam sobre direitos humanos:


Tem status de lei ordinária (tese da equiparação ou paridade
normativa com as leis ordinárias).

Exceção à regra do item anterior está no eventual tratado sobre direito


tributário, visto que ele usufrui de caráter supralegal, em razão do disposto no
artigo 98 do Código Tributário Nacional.

Posição Majoritária STF [Voto Min. CELSO DE MELO – RE 466.343-SP]

•• Status de norma constitucional aos Tratados de direitos humanos


independentemente de aprovação legislativa qualificada [§ 3º, art. 5º, CF].

49
Capítulo 3
O DIPr e a legislação brasileira

Seção 1
Com o advento da globalização, como vimos, a transposição das fronteiras
jurídicas dos Estados ganha amplitude, alicerçada nas tecnologias da informação,
da comunicação e dos meios de transportes, cuja interdependência permite
que a humanidade experimente uma considerável gama de relações privadas
envolvendo uma pluralidade de situações jurídicas internacionais – como, por
exemplo, comércio, crédito, economia, cultura, importação/exportação, família,
sucessão/inventário, obrigações e contratos internacionais, adoção internacional
e regime de bens – remetendo para o conflito de leis no espaço – em cujo
contexto o DIPr adquire expressão, na medida em que suas regras determinam
quando o direito estrangeiro será aplicável dentro do território nacional.

Maristela Basso (2013) nos faz lembrar que o DIPR é o ramo da ciência jurídica
que desafia o princípio da territorialidade das leis na medida em que fixa os
fundamentos da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional: Quando
aplicar? Em que casos? E quais os limites dessa aplicação?

É importante considerar, nesse contexto, que a lei é fonte primária do DIPr e deve
ser consultada, sempre que estivermos diante de uma relação jurídica de direito
privado com conexão internacional.

Regra geral, a lei está vinculada aos domínios soberanos de exercício da


jurisdição estatal, devendo viger nos limites do território do Estado – princípio da
territorialidade. O DIPr impõe os limites à extraterritorialidade da lei e assume
importância cada vez maior, com vistas a uma convivência harmônica no mundo
globalizado.

O Brasil tem intensificado sua inserção no cenário das relações privadas


internacionais, tanto no âmbito regional quanto global, razão pela qual devemos

51
Capítulo 3

indagar: qual a legislação aplicável ao DIPr no Brasil? Em que consistem os


elementos de conexão e as teorias de remessa no âmbito do DIPr brasileiro?

Neste capítulo, apontaremos os conflitos de normas existentes nas relações


internacionais de caráter privado, buscando compreender como o DIPr brasileiro
resolve esses possíveis conflitos. Para tanto, demonstraremos como se aplicam
as teorias de remessa e os elementos de conexão, decifrando que legislação
nacional será aplicada, num caso privado de relações internacionais.

1.1 O DIPr no Brasil

No Brasil, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 12.376,


de 30.12.2010 - LINDB/2010) - antiga Lei de Introdução ao Código Civil –
Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Em LICC/1942 - nos
artigos 7º a 19 fixa as regras de aplicação da lei estrangeira, visando a
solucionar os conflitos decorrentes da aplicação espacial de normas.

O contexto das relações internacionais, conforme já mencionado, cada vez


mais ampliado pelo fluxo das relações privadas, tem levado a se admitir a
aplicação de leis estrangeiras dentro do território nacional do Estado, bem como
a aplicação de leis nacionais dentro do território estrangeiro – princípio da
extraterritorialidade.

Consiste a extraterritorialidade no reconhecimento, por um Estado, da


necessidade de aplicar uma lei promulgada fora de seus limites territoriais e
jurisdicionais.

Isso tem flexibilizado o entendimento de que as leis não valem ou não produzem
efeitos fora do território soberano dos Estados.

Cumpre aqui lembrar que a soberania do Estado se exerce na imposição de sua


lei e de sua jurisdição (poder de declarar o direito aplicável aos fatos) ao povo e
ao território ocupado pelo Estado.

Nesse contexto, o Brasil impõe determinadas restrições à aplicação da lei


estrangeira, em face de sua soberania jurídica, como, por exemplo, na disposição
do artigo 17 da LINDB, que declara:

Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

52
Direito Internacional Privado

Perceba que implicitamente o nominado artigo 17 da LINDB assegura a aplicação do


direito estrangeiro no Brasil, desde que respeitadas as três exceções nele apontadas,
a saber: ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes.

Colhe-se dos ensinamentos de Sebastião José Roque (2009) que a soberania


nacional tem significado abrangente no Direito Público, ligando-se aos
problemas de segurança nacional. Para o DIPr tem reflexos significativos, por
exemplo, se uma sentença estrangeira dá direitos a uma empresa estrangeira
sobre imóveis junto às fronteiras ou junto a instalações militares brasileiras.

A ordem pública vincula-se à aplicação dos verdadeiros princípios da ética e


de uma sadia estruturação do Estado, inarredáveis para sua sobrevivência, de
sorte que a inobservância desses princípios fere as tradições, os sentimentos e a
consciência de um povo.

O critério dos bons costumes reflete o comportamento costumeiro de um povo


dentro dos elevados padrões éticos e de sadia convivência social.

Desse modo, no Brasil, consagra-se o princípio da territorialidade temperada,


admitindo-se a aplicabilidade de leis e sentenças estrangeiras em nosso território,
desde que observados os seguintes impedimentos legais:

a. Não se aplicam leis, sentenças ou atos estrangeiros no Brasil


quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes (art. 17, LINDB).
b. Não se cumprirá sentença estrangeira no Brasil
sem exequatur (cumpra-se), ou seja, a permissão dada pelo STJ
para que a sentença tenha efeitos, conforme art. 105, I, i da CF.

É importante destacar que em 18 de março de 2016 entrou em vigor no Brasil


o Novo Código de Processo Civil – CPC (Lei nº 13.105, de 17 de março de
2015). Essa nova codificação processual civil trouxe significativas mudanças
para as situações jurídicas transnacionais, tanto no que se refere à competência
internacional brasileira quanto à cooperação jurídica internacional.

Nesse sentido, a professora Nádia de Araújo (2015) ressalta, no quadrante da


Competência Internacional, as novas regras de competência concorrente da
justiça brasileira, nos casos de alimentos e consumidor; as novas regras de
competência exclusiva para divórcio, separação judicial e dissolução de união
estável, quando houver bens no Brasil; e, ainda, a possibilidade de escolha de
foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional.

Já no que se refere à Cooperação Jurídica Internacional, ela esclarece que o novo


CPC traz um capítulo dedicado exclusivamente à matéria, consolidando as regras

53
Capítulo 3

já existentes no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - STJ (antiga


Resolução n. 9) e regulando expressamente o auxílio direto.

Colhe-se de Del’Olmo (2014, p. 265-269) que a competência internacional consiste


na aptidão que um ordenamento jurídico reconhece como sua para processar e julgar
demandas. Nesse sentido, jurisdição (faculdade de dizer o direito) é o poder de julgar
como um todo, e competência é a parcela dessa jurisdição assumida pelo Estado.
Assim, competência nada mais é do que um limite da jurisdição e a sua outorga pode
ser invocada por outra ordem jurídica. Assim a competência internacional pressupõe
a possibilidade de um conflito entre jurisdições de países diferentes.

Deve-se esclarecer que a competência pode ser absoluta ou concorrente. Será


absoluta (exclusiva) quando a ordem jurídica do Estado mantém para si a
exclusividade do julgamento. Será concorrente (relativa, alternativa ou cumulativa)
quando o poder de dirimir o feito por esse Estado não impede que a Justiça de
outro país o exerça. Nesse caso, a decisão estrangeira deverá, para produzir
efeitos jurídicos no Brasil, ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Assim, o Direito Processual Internacional tem por objeto o estudo dos aspectos
processuais que envolvem relações jurídicas entre elementos de mais de uma
ordem jurídica, como os direitos do estrangeiro em matéria processual e a
identificação do tribunal adequado para dirimir essas contendas.

1.2 A Cooperação Jurídica Internacional


O Art. 26 do CPC determina que a cooperação jurídica internacional será regida
por tratado de que o Brasil faz parte e observará: I - o respeito às garantias do
devido processo legal no Estado requerente; II - a igualdade de tratamento entre
nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso
à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária
aos necessitados; III - a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo
previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente; IV - a existência de
autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação; V -
a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.

§ 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional


poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via
diplomática. § 2º Não se exigirá a reciprocidade [Título VII-A incluído
pela Emenda Regimental n. 18/2014: Dos processos oriundos
de estados estrangeiros referida no § 1º para homologação de
sentença estrangeira]. § 3º Na cooperação jurídica internacional não
será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam
resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem
o Estado brasileiro. § 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções
de autoridade central na ausência de designação específica.

54
Direito Internacional Privado

No contexto da Cooperação Jurídica Internacional estão presentes os institutos


da Carta Rogatória, do Exequatur e da Homologação de Sentença Estrangeira.

A Carta Rogatória é a requisição feita à Justiça de outro país para a prática de


uma diligência judicial necessária à elucidação de um conflito.

O Exequatur, que significa: execute-se, aplica-se à ordem de cumprimento de Cartas


Rogatórias oriundas de países estrangeiros, cuja competência é do Superior Tribunal
de Justiça _STJ, estabelecida pela Emenda Constitucional – EC n. 45, de 2004.

A expressão exequatur também representa o ato pelo qual o governo


de uma nação aceita o cônsul estrangeiro, ou confirma autorização para
exercer suas funções no país em que foi nomeado.

No que se refere à Homologação de Sentença Estrangeira, há um princípio de


Direito Internacional que diz: nenhum Estado está obrigado a reconhecer, em seu
território, decisão proveniente de outro Estado.

No Novo CPC as questões atinentes à Sentença Estrangeira bem como à sua


Homologação (Homologação de Sentença Estrangeira) respeitam ao disposto nos
artigos 515, 516 e 960 a 965.

Destacamos os caputs dos artigos 960 e 961 que assim dispõem:

Art. 960 - A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de


homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido
contrário prevista em tratado.

Art. 961 - A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a


homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas
rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.

Vale lembrar que o art. 15 da LINDB assim se refere à Sentença Estrangeira:

Art. 15 - Será executada no Brasil a sentença proferida no


estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado
à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades
necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide
art.105, I, i da Constituição Federal).
Parágrafo único.   (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).

55
Capítulo 3

1.3 Algumas normas brasileiras aplicadas ao DIPr


De acordo com Sebastião José Roque (2009), o DIPr é o conjunto de normas que
examinam um ato ou fato jurídico que, por uma razão qualquer, esteja vinculado
a dois ou mais sistemas jurídicos, vale dizer, quando for regido pela lei do Brasil
e também pela lei de outros países; é o esforço de conciliação de várias leis
na apreciação de uma questão jurídica envolvendo o direito interno e o direito
estrangeiro, visando a apontar quem tem a competência de foro e qual a lei
deverá ser aplicada na solução do conflito.

Elencamos no quadro a seguir as seguintes legislações aplicadas ao DIPr:

•• Constituição da República Federativa do Brasil (1988), como a Lei Maior.


[Artigos 4º, 5º, 12, 15, 21, 22, 49, 52, 84, 102, 105, 109, 114, 137,
170, 172, 176, 178, 190, 192, 207, 227, 237 e 95 do ADCT – Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias].

•• Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº


4.657/1942 – Redação determinada pela Lei nº 12.376, de 30.12.2010) .
•• Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980).
•• Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)
•• Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
[ Artigos 2º, 5º, 42 70, 75, 77, 198,215, 224, 318, 435, 732, 1125,
1126, 1127, 1134, 1135, 1136,1137, 1138, 1140, 1141, 1152, 1517,
1544, 1639, 1641, 1711, 1712, 1715, 1723, 1727, 1779, 1785, 1787,
1792, 1829, 1845, 1862, 1863, 1871, 1880, 1886, 1887, 1888, 1889,
1890, 2038]

•• Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 17 de março de 2015)


[ Artigos 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37,
38, 39, 40, 41, 69, 237, 256, 260, 377, 515, 516, 960, 961, 962, 963,
964 e 965]

•• Lei da Arbitragem (Lei nº 9.307/1996)


[Artigos 1º, 2º, 18, 31, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40]

•• Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966)


[Artigos 19, 21, 23, 26, 98, 100]

•• Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940 – Parte Geral com redação


determinada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984)
[Artigos 5º, 7º, 8º, 9º, 41, 42, 63, 206, 231, 309, 310, 334, 337-B,
337-C, 337-D, 338]

56
Direito Internacional Privado

•• Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941)


[Artigos 1º, 70, 88, 89, 90, 236, 368, 369, 672, 780, 781, 782, 783,
784, 785, 786, 787, 788, 789, 790]

•• Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941)


[Artigos 2º, 7º]

•• Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973)


[Artigos 32 e 129]

•• Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/2006)


[Artigos 40, 65, 70]

•• Letra de Câmbio e Nota Promissória (Decreto nº 2.044/1908)


[Artigo 42]

•• Lei de Recuperação de Falências (Lei nº 11.101/2005)


[Artigo 3º]

•• Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990)


[Artigos 31, 46, 51, 52, 84, 85]

•• Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998)


[Artigos 1º, 2º, 3º]

•• Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943)


[Artigos 359, 651]

•• Técnicos Estrangeiros (Decreto-Lei nº 691/1969)


[ Artigos 1º, 2º, 3º, 4º]

•• Serviços no Exterior (Lei nº 7.064/1982)


[Artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 10, 11, 12, 15, 16, 18, 20, 21, 22]

•• Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986)


[Artigos 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10]

•• Regimento interno do Supremo Tribunal Federal


•• Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
•• Código Bustamante

57
Capítulo 3

1.4 Elementos de conexão


Carla Noura Teixeira (2007, p.120-121) ensina que na determinação do direito
aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, isto é,
na qual se apresenta um elemento de estraneidade, é necessário reunir o objeto de
conexão ao elemento de conexão pertinente, seguindo-se os seguintes passos:

1º - Devem ser enquadrados os fatos e os elementos dos fatores sociais, com


conexão internacional, alegados e provados, se controversos no processo, no
objeto de conexão da norma indicativa, adequada e apropriada ao caso concreto
– é a denominada qualificação.

Renata Campetti Amaral (2006) salienta que qualificar significa enquadrar a


questão dentro do ramo do direito pertinente (família, obrigações), classificando a
questão jurídica e definindo questões principais (ex: divórcio) e questões prévias
(ex: capacidade para o casamento, regime de bens). A qualificação se dá sempre
pela lei do foro, ou seja, a lei nacional do juiz que está apreciando a questão,
salvo quando a norma de DIPr prevê ao contrário. Exemplo de exceção a essa
regra encontra-se no artigo 9º da LINDB, que determina: “Art. 9º - Para qualificar
e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.

2º - Quando o juiz conhece a norma indicativa ou indireta aplicável ao caso, a


norma, por si mesma, mediante o seu elemento de conexão, indicará o direito
aplicável: o direito interno ou determinado direito estrangeiro.

Assim, visando à resolução de conflitos decorrentes do Direito Internacional


Privado (conflitos de leis no espaço), o juiz deverá, primeiro, identificar o
conflito, depois qualificar a questão jurídica, e, por último, determinar qual o
direito aplicável ao caso concreto, identificando o elemento de conexão que
determinará a sede jurídica daquela questão.

O que vem a ser, então, o elemento de conexão?

Para Malheiro (2012, p. 22-23), conexão é a ligação, é o contato entre uma


situação da vida e a norma que vai regê-la.

Nesse sentido, elementos de conexão são normas estabelecidas pelo DIPr que
indicam o direito aplicável a uma ou diversas situações jurídicas unidas a mais de
um sistema legal.

Elementos de conexão são aqueles s técnico-jurídicos (nacionalidade,


território, domicílio, situação do imóvel, local onde acontece um fato, local
onde é ajuizada uma ação) que indicam a lei aplicável (centro de interesses)
em um caso jusprivatista (de direito privado) com presença de elemento

58
Direito Internacional Privado

estrangeiro. São, portanto, as normas jurídicas que indicam o direito


aplicável às diversas situações jurídicas conectadas a mais de um sistema
legal (envolvendo um sistema jurídico nacional e outro estrangeiro).

No Brasil, é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº


12.376/2010) que fixa as regras básicas para a aplicação das leis estrangeiras,
eliminando o conflito de leis no espaço.

A LINDB recebe tratamento especial, uma vez que é considerada como lei
reguladora das demais leis.

A primeira parte da LINDB, nos artigos 1º ao 6º cuida da forma de aplicação da


lei. A segunda parte, compreendendo os artigos 7º ao 19º, estabelece normas de
DIPr, estando vários elementos de conexão indicados nos artigos 7º ao 13 º

As regras de conexão estão diretamente ligadas às normas indiretas e


qualificadoras.

As normas do Direito Internacional Privado podem ser diretas, indiretas ou


conflituais e qualificadoras.

•• Diretas são as normas que resolvem a questão jurídica


independente da aplicação de outras normas.
•• Indiretas ou conflituais aquelas que apenas indicam qual o direito
aplicável, em um caso de conflito de jurisdição.
•• Qualificadoras são aquelas que definem a categoria jurídica.

A regra geral do DIPR é a de que o juiz deverá aplicar a norma indicada


pela lex fori (lei do foro).

Por conta da complexidade da matéria, contudo, é frequente o exame de outros


institutos que podem determinar a forma pela qual uma norma indicativa ou
indireta incidirá ou não sobre um caso concreto de conflito de leis no espaço de
conexão internacional.

Vejamos, a seguir, na íntegra, a lei de Introdução às Normas Do Direito Brasileiro


LINDB (destacados os artigos 7º ao 19º):

59
Capítulo 3

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - CASA CIVIL - SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS


JURÍDICOS

DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.

LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. (REDAÇÃO DADA


PELA LEI Nº 12.376, DE 2010)

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o


artigo 180 da Constituição, decreta:

Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e
cinco dias depois de oficialmente publicada.

§ 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida,


se inicia três meses depois de oficialmente publicada. (Vide Lei nº 2.145, de 1953)
(Vide Lei nº 2.410, de 1955) (Vide Lei nº 3.244, de 1957)  (Vide Lei nº 4.966, de
1966) (Vide Decreto-Lei nº 333, de 1967)

§ 2o (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).

§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto,
destinada à correção, o prazo desse artigo e dos parágrafos anteriores começará a
correr da nova publicação.

§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961)

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja


com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior.

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já


existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.

Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.

60
Direito Internacional Privado

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito,
o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo


em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle,
possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição
pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba
recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre


o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família.

§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira


quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

§ 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades


diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada
pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do


matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.

§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que


tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio
conjugal.

§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante


expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do
decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de
comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta
adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem


brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da
sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo,
caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições
estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior
Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a
requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação
de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a
produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009).

61
Capítulo 3

§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se


ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos
incapazes sob sua guarda.

§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no


lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.

Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,


aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto


aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros
lugares.

§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja


posse se encontre a coisa apenhada.

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em


que se constituírem.

§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de


forma essencial, será essa observada, admitidas as peculiaridades da lei
estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em


que residir o proponente.

Art. 10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em
que domiciliado, o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza
e a situação dos bens.

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada


pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de
quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal
do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)

§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para


suceder.

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como


as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se
constituírem.

§ 1o Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou


estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo
Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

62
Direito Internacional Privado

§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer


natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido
de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou
susceptíveis de desapropriação.

§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios


necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes
consulares. (Vide Lei nº 4.331, de 1964)

Art. 12.  É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu


domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações


relativas a imóveis situados no Brasil.

§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e


segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas
por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao
objeto das diligências.

Art. 13.  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei
que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo
os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

Art. 14.  Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a


invoca prova do texto e da vigência.

Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que


reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias


para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide art.105, I, i da


Constituição Federal).

Parágrafo único.   (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).

Art. 16.  Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar


a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se
qualquer remissão por ela feita a outra lei.

63
Capítulo 3

Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades


consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de
Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito
dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.     
(Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a


separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo
filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais
quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as
disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão
alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu
nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o
casamento.       (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013)   Vigência

§ 2o É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído,


que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas
as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado
próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste
da escritura pública.       (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013)   Vigência

Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e


celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-Lei nº 4.657,
de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais.
(Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido


recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do
mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em
90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela
Lei nº 3.238, de 1957)

Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942, 121o da Independência e 54o da República.

GETULIO VARGAS
Alexandre Marcondes Filho
Oswaldo Aranha.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.9.1942

64
Direito Internacional Privado

Merecem destaque, na LINDB, os comandos da Territorialidade e


Extraterritorialidade da lei, conforme -apresentado a seguir:

A Extraterritorialidade tem sua previsão legal nos artigos 7º, 10, 12 e 17, a saber:

Art. 7º - A lei do país em que domiciliada a pessoa determina


as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a
capacidade e os direitos de família.
Art. 10 - A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do
país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer
que seja a natureza e a situação dos bens.
Art. 12 - É competente a autoridade judiciária brasileira, quando
for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a
obrigação.
Art. 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como
quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil,
quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os
bons costumes.

No que tange à Territorialidade, os artigos 8º, 9º, 11 e 13, assim expressam:

Art. 8º - Para qualificar os bens e regular as relações a eles


concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem
situados.
Art. 9º - Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do
país em que se constituírem.
Art. 11 - As organizações destinadas a fins de interesse coletivo,
como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado
em que se constituírem.
Art. 13 - A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-
se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de
produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a
lei brasileira desconheça.

1.5 Regras de conexão destacadas


Na sequência, destacamos as regras de conexão existentes para a área do DIPr:

•• lex patriae: lei da nacionalidade da pessoa física, pela qual se


rege seu estatuto pessoal, sua capacidade, segundo determinadas
legislações, como as da Europa Ocidental;
•• lex domicilii: lei do domicílio que rege o estatuto, a capacidade da
pessoa física em legislações de outros países, como a maioria dos

65
Capítulo 3

países americanos;
•• lex loci actus: lei do local da realização do ato jurídico para reger
sua substância;
•• lex regit actus: lei do local da realização do ato jurídico para reger
suas formalidades;
•• lex loci contractus: lei do local onde o contrato foi firmado para
reger sua interpretação e seu cumprimento;
•• lex loci solutionis: lei do local onde as obrigações, ou a obrigação
principal do contrato deve ser cumprida;
•• lex voluntatis: lei escolhida pelos contratantes;
•• lex loci delicti: lei do lugar onde o ato ilícito foi cometido, que rege
a obrigação de indenizar;
•• lex damni: lei do lugar onde se manifestaram as consequências do
ato ilícito, para reger a obrigação de indenizar;
•• lex rei sitae ou lex situs: a coisa é regida pela lei do local em que
está situada;
•• mobilia sequuntur personam: o bem móvel é regido, segundo
certas legislações, pela lei do local em que seu proprietário está
domiciliado;
•• lex loci celebrationis: o casamento é regido, no que tange às suas
formalidades, pela lei do local de sua celebração;
•• lex monetae: lei do país cuja moeda a dívida ou outra obrigação
legal é expressa;
•• lex loci executionis: lei da jurisdição em que se efetua a execução
forçada de uma obrigação, via de regra, confunde-se com a lex
fori; em direito trabalhista, o local onde o contrato é executado pelo
contratado;

Regras de lei mais favorável: em alguns países, resolvem-se certas dúvidas de


aplicação de lei aplicando a mais benéfica, em homenagem ao princípio da lei
mais favorável:

•• Lex favor infans: a lei que melhor protege o menor nas relações
familiares;
•• Lex favor negotii: a lei mais vantajosa para o empregador, nas
relações trabalhistas ou a lei que considera válidos o ato, o contrato
ou a constituição da sociedade;

66
Direito Internacional Privado

•• Lex favor matrimonii: a lei mais vantajosa a aplicar-se nas relações


de casamento;
•• Lex favor laesi: a lei que protege a pessoa que sofreu danos;

Regras de conexão de natureza processual internacional:

•• Lex forum rei sitae: competência do foro em que se situa a coisa;


•• Lex fórum obligationis: competência do foro do local em que a
obrigação deve ser cumprida;
•• Lex fórum delicti: competência do foro em que ocorreu o delito;
•• Lex fórum damni: competência do foro onde a vítima sofreu o prejuízo.

O Brasil adota, predominantemente, a teoria das qualificações pela lex


fori, optando, porém, pela lex causa e nas hipóteses dos artigos 8º e 9º da
LINDB, que determinam, respectivamente, que “para qualificar os bens e
regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que
estiverem situados” e que “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-
se-á a lei do país em que se constituírem”.

Segundo Carla Noura Teixeira (2007), a lex fori tem várias acepções no DIPr, a saber:

De regra básica – o juiz aplica sempre as normas de DIPr vigentes no lugar do


foro. Normas na sua maioria indicativas ou indiretas, designando meramente o
direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado.

De elemento de conexão – a lex fori exerce outra função, o papel de elemento de


conexão, mais precisamente quando se trata de determinar a lei aplicável a uma
relação jurídica de direito privado com conexão internacional.

O seu campo de aplicação é, principalmente, o direito de família (proteção de


menores e adoção). Favorece a atuação mais rápida por aplicar o direito que é
familiar ao juiz; o direito do seu foro, ademais, favorece as partes e serve ainda à
economia processual.

Autonomia da vontade

A autonomia da vontade das partes é princípio de ampla aceitação no comércio


internacional e significa que as próprias partes podem escolher o direito aplicável
a um negócio jurídico de direito privado com conexão internacional, aplicado,
principalmente, às obrigações contratuais. Assim, a própria vontade manifestada
pelas partes consistiria no elemento de conexão.

67
Capítulo 3

No Brasil o elemento de conexão aplicável às obrigações rege-se pelo artigo 9º


da LINDB (para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em
que se constituírem), que é omisso quanto à admissão da autonomia da vontade
das partes como elemento de conexão.

Na prática, contudo, muitos contratos internacionais de comércio realizados por


empresas brasileiras contêm cláusula expressa determinando o direito aplicável
ao contrato.

Ademais, a Lei nº 9.307/96 (que dispõe sobre a arbitragem) determina de forma


expressa que as partes poderão escolher livremente as regras de direito a serem
aplicadas na arbitragem (Art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de
equidade, a critério das partes. § 2º Poderão, também, as partes convencionar
que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e
costumes e nas regras internacionais de comércio).

DESTAQUE

O Novo Código de Processo Civil – CPC reconhece expressamente a autonomia das


partes para a escolha do foro, conforme se depreende do seu artigo 25, in verbis:

Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o


processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula
de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional,
arguida pelo réu na contestação.
§ 1º Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de
competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo. § 2º
Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, §§ 1º a 4º.

É pertinente mencionar que os Contratos resultam de acordos de vontades entre


as partes e estão sempre submetidos à lei, visando à concretização de objetivos
e buscando por resultados.

O artigo 78, do Código Civil, permite a escolha de foro que: “nos contratos
escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e
cumpram os direitos e obrigações deles decorrentes.

Importante salientar, também, que o contrato internacional tem como


características:

•• Várias jurisdições competentes;


•• Competência internacional e interna;
•• Duas ou mais legislações;

68
Direito Internacional Privado

•• Diversificado contexto cultural e político;


•• Práticas comerciais e empresariais distintas.

Assim, a autonomia da vontade tem aplicabilidade no Direito Contratual


[liberdade contratual]. A autonomia da vontade é a liberdade para decidir:

•• Com quem contratar (Escolha da outra parte);


•• Sobre o que contratar (Escolha do conteúdo);
•• Quando contratar (Escolha do tempo);
•• Como contratar (Escolha da forma).

Atualmente, esse princípio perdeu seu caráter absoluto, devendo ser ponderado
com a função social dos contratos (Art. 421 Código Civil/02).

1.6 Função social dos contratos


O artigo 421 do Código Civil afirma: “A liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato”.

•• A autonomia da vontade cede espaço para que alguns interesses


sejam preservados.
•• Os contratos atuais têm adquirido uma concepção cada vez mais
voltada aos interesses sociais em detrimento da importância
individual que outrora demonstravam.
•• Os contratos adquirem como função a circulação de riquezas, a
distribuição da renda, a criação de empregos, a educação e respeito
do povo para a vida em sociedade.
•• A partir de então, o indivíduo é inserido em uma estrutura coletiva
e tratado como parte de um complexo societário, no qual suas
vontades devem ser limitadas, objetivando o equilíbrio de suas
relações para com a sociedade.

É essa a função social dos contratos:

Promover o bem-estar e a dignidade dos homens, primando pelo


desenvolvimento social em harmonia com o interesse pessoal, de forma a
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”. (CRFB/88, Art.3º, I).

Reenvio (retorno, remissão, devolução, opção, renvoi (francês) – ou


remission ( inglês)

69
Capítulo 3

1.7 Retorno ou Reenvio


Segundo Del’Olmo (2014), os termos retorno, devolução, reenvio e remissão,
entre outros, tem sido usados como sinônimos pelos autores, com prevalência
de retorno ou reenvio. Entendemos mais racional o emprego de retorno para o
chamado retorno de primeiro grau (devolução da lide à ordem jurídica da qual
proveio) e reenvio para os demais (segundo ou terceiro graus).

Segundo Beat Walter Rechsteiner (2000), as normas do DIPr fazem parte da ordem
jurídica nacional, que cada país possui suas próprias normas de DIPr e que esse é
internacional tão somente quanto ao seu objeto. Resolve conflitos de leis no espaço,
isto é, determina qual é o direito aplicável quando se trata de uma relação jurídica de
direito privado com conexão internacional. O direito aplicável é sempre o direito nacional
ou um determinado direito estrangeiro que as normas do DIPr da lex fori indicarem.

No direito brasileiro as normas do DIPr designam, como direito aplicável


estrangeiro, somente as normas substantivas ou materiais, excluindo assim as
indicativas ou indiretas do DIPr do seu âmbito. É o que dispõe a LINDB em seu
artigo 16, “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a
lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer
remissão por ela feita a outra lei.”.

Percebe-se, pelo contido no art. 16 da LINDB acima, que o Brasil não


permite o reenvio. Apenas o envio.

Por esse motivo, o juiz brasileiro não precisa levar em consideração o conteúdo
do DIPr estrangeiro, conforme a legislação em vigor, quando julga uma causa de
direito privado com conexão internacional.

Assim se, por exemplo, conforme o artigo 7º, § 4º da LINDB for aplicável a lei do
primeiro domicílio conjugal, quanto ao regime de bens de um casal que contraiu
núpcias no exterior, o juiz brasileiro aplica diretamente o direito substantivo ou
material estrangeiro, isto é, as normas do respectivo Código Civil sobre o regime
de bens entre os cônjuges. Entretanto, se o DIPr estrangeiro indica, por exemplo,
como direito aplicável o domicílio conjugal, ou o direito cuja nacionalidade os
cônjuges possuem, esse fato é irrelevante para o juiz.

Art. 7o - A lei do país em que domiciliada a pessoa determina


as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a
capacidade e os direitos de família.
(...)
§ 4o - O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do
país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso,
a do primeiro domicílio conjugal.

70
Direito Internacional Privado

Para Teixeira (2007), Normas indicativas ou Indiretas são aquelas que se limitam
a indicar o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão
internacional, não solucionando a questão jurídica propriamente dita. As normas
conceituais ou qualificadoras em paralelo às normas indicativas ou indiretas atuam
de forma auxiliar ou complementar determinando, basicamente, como uma norma
indicativa ou indireta de DIPr deve ser interpretada e aplicada ao caso concreto.

Quadro 3.1 - Elementos de conexão brasileiros previstos na LINDB/2010

Artigo da LINDB Conceito Quadro Elemento de Conexão

Art. 7º, caput Capacidade, personalidade, Lei do domicílio


direitos de família e nome

Art. 7º, § 1º Formalidades de celebração e Lei do local da celebração


impedimentos dirimentes do
casamento

Art. 7º, § 3º Invalidades do casamento Lei do primeiro domicílio conjugal


caso os nubentes tenham
domicílios diversos

Art. 7º, § 4º Regime de bens Lei do local do domicílio dos


nubentes (se diverso, primeiro
domicílio)

Art. 8º, caput Bens móveis e imóveis Lei da situação do bem

Art. 8º, § 1º Bens móveis trazidos com Lei do domicílio do proprietário


o proprietário ou que se
destinarem ao transporte

Art. 8º, § 2º Penhor Lei do domicílio da pessoa que


estiver com a posse do bem

Art. 9º, caput Obrigações contratuais e Lei do país em que se constituírem


extracontratuais

Art. 9º, § 1º Obrigação que necessita de Lei do local onde foi constituída &
formalidade especial lei do local da execução

Art. 10, caput Sucessões Lei do domicílio do de cujus

Art. 10, § 1º Sucessões com relação a Lei mais favorável (brasileira ou do


cônjuge ou filhos brasileiros domicílio do de cujus)

Art. 10, § 2º Capacidade para suceder Lei do domicílio do herdeiro ou


legatário

Art. 11, caput Pessoa jurídica Lei do local onde se constituírem

Fonte: AMARAL,(2006, p. 120-121).

71
Capítulo 3

Observe que no conceito quadro uma abrangente variedade de situações


jurídicas estão previstas, permitindo assim definir a lei a ser aplicada e a
competência de foro na aplicação dessa lei, visando a solucionar uma lide que
envolva o DIPr.

Partindo da legislação brasileira do DIPr vamos considerar algumas situações


hipotéticas para melhor compreendermos a aplicação do DIPr no Brasil.

Tomemos em análise a exemplificação e os esclarecimentos trazidos pela


professora Milene Pacheco Kindermann (2006):

Um argentino, residente na Argentina, está viajando a trabalho numa feira


internacional, na qual representará os produtos de uma empresa argentina. A
feira está acontecendo em São Paulo, Brasil. Nessa feira, ele faz contato com um
inglês, que vive no Chile, e está visitando os estandes, com interesse de identificar
produtos que possam ser comprados por sua empresa chilena e distribuídos no
Chile com exclusividade. O argentino e o inglês fecham um contrato de compra e
venda internacional ali mesmo na feira.

Agora observe!

Indivíduo 1 – Argentino, residente na Argentina, representa empresa argentina.

Indivíduo 2 – Inglês, residente no Chile, representa empresa chilena.

Local onde está acontecendo o contrato – São Paulo, Brasil.

Pode acontecer que tanto a lei do país de nacionalidade dos contratantes (Argentina
e Inglaterra), ou de residência deles (Argentina ou Chile), possa ser aplicada quanto
a lei do Estado onde elas estão realizando o negócio (Brasil – São Paulo).

Para começar a definir a situação, começaremos sempre a fazer a análise pela lei
do local onde a situação está acontecendo. Nesse caso, será pela lei brasileira.

Dentro do ordenamento jurídico de cada país, temos as leis de DIPr (que são
chamadas de leis de foro) e o restante das normas jurídicas (que são chamadas
de leis de fundo).

A Lei de Foro é o conjunto de artigos que tratam de dois assuntos: como resolver
os conflitos de leis no tempo e como resolver os conflitos de leis no espaço (aqui
definindo a teoria de remessa que o país adota e o elemento de conexão que
deve ser utilizado em cada caso).

72
Direito Internacional Privado

A Lei de Fundo é a gama de legislação que disciplina toda a ordem de situações


dentro do território do país (penais, trabalhistas, civis, tributárias, previdenciárias,
processuais etc.).

Voltando à situação descrita no exemplo anterior, comece analisando a lei de foro


brasileira, porque o contrato está acontecendo em São Paulo.

A primeira pergunta é se cabe a lei brasileira nesse contrato de compra e venda.

Verificando a Lei de Foro Brasileira, você identificará dois indicativos: a teoria


da remessa e o elemento de conexão que o Brasil utiliza no caso de criação de
obrigações (contrato).

Segundo a Lei de Foro Brasileira (LINDB), a teoria que o Brasil adota é a chamada
teoria do envio.

Existem duas teorias de remessa: a teoria do envio e a teoria do reenvio.

A teoria do envio acontece quando não é possível utilizar a lei do próprio país
(por indicação do elemento de conexão nacional), essa permite a remessa da
pesquisa para a Lei de Fundo de outro país.

A teoria do reenvio faz a remessa para a Lei de Foro do outro país e, se essa Lei
de Foro indicar, por meio de seus elementos de conexão, a lei de um terceiro país,
deverá ser feita a pesquisa nesse terceiro país, e assim sucessivamente, até que
se encontre o país cuja Lei de Foro indique como competente para o caso a sua
Lei de Fundo. Por isso, essa segunda teoria se chama de reenvio, porque permite
tantas remessas quanto forem necessárias, diferentemente da primeira teoria que
só permite a primeira remessa, buscando diretamente a Lei de Fundo do outro país.

Abaixo uma representação das teorias:

Lei de Foro Lei de Foro


Brasileira Argentina

Lei de Fundo Lei de Fundo


Brasileira Argentina

Conforme você pode perceber a seta que sai da Lei de Foro Brasileira está
indicando a competência da Lei de Fundo Argentina. Esse fenômeno É chamado
de envio. Assim, a lei brasileira recepciona a lei da Argentina para ser aplicada
num caso concreto.

73
Capítulo 3

Lei de Foro Lei de Foro


Brasileira Argentina

Lei de Fundo Lei de Fundo


Brasileira Argentina

Conforme você pode perceber, a seta que sai da Lei de Foro Brasileira está
indicando a competência da Lei de Foro Argentina. Mas a Lei de Foro Argentina
indica como competente, por força de seus elementos de conexão, a Lei de
Fundo Brasileira. Esse fenômeno é chamado de reenvio.

Assim, a lei brasileira recepciona a lei da Argentina, que indica novamente a Lei
de Fundo Brasileira, para ser aplicada num caso concreto a lei brasileira, mesmo
que, inicialmente, essa mesma tenha indicado a lei da argentina.

A teoria do envio está prevista no artigo 16 da LINDB, lembra?

Art. 16 - Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver


de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta,
sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

O artigo indica que, nos casos dos artigos anteriores (7º ao 15º), que estabelecem
os elementos de conexão da lei brasileira, se tiver que ser buscada a lei
estrangeira, essa busca será feita diretamente na Lei de Fundo, porque esse
artigo não permite que seja feita a busca em “qualquer remissão por ela feita a
outra lei”.

O segundo passo da pesquisa é saber o elemento de conexão da lei brasileira,


que, nesse caso específico, está no artigo 9º da LINDB, que assegura em seu
artigo. 9º - Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que
se constituírem.

Nesse caso, o elemento de conexão é o local da constituição da obrigação. Isto


é, o local onde o contrato está sendo feito é o Brasil, portanto, o elemento de
conexão indica como competente para o caso a própria Lei de Fundo Brasileira,
ou seja, se aplicaria o Código Civil Brasileiro.

No caso que estamos analisando, pode ser que a lei chilena ou argentina também
tivessem elementos de conexão que indicassem elas próprias para serem
utilizadas. Estaríamos aí frente a um conflito positivo de competência.

74
Direito Internacional Privado

Se a lei brasileira, ao invés de indicar como elemento de conexão o país em


que se constituir a obrigação, tivesse indicado o país em que se cumprirá a
obrigação, caberia à lei de fundo do Chile.

Nesse caso, a lei brasileira seria negativamente competente (ou incompetente)


para ser aplicada no caso. E seria competente a lei chilena, sendo feita a remessa
diretamente à Lei de Fundo Chilena, ou seja, ao Código Civil Chileno.

No entanto, se o Brasil adotasse, ainda nessa situação, a teoria do reenvio, seria


feita a remessa, inicialmente, à Lei de Foro Chilena.

Verificando os elementos de conexão que a Lei de Foro Chilena indica, poderiam


se configurar duas situações: a primeira, em que o elemento de conexão chileno
indicasse, também, o país de cumprimento da obrigação, remetendo para a sua
própria Lei de Fundo a pesquisa; a segunda, em que o elemento de conexão do
Chile indicasse elemento de conexão diferente, que poderia ser o do país em
que se constituísse a obrigação, devolvendo a competência para a Lei de Fundo
Brasileira, ou que indicasse como elemento de conexão o país de origem dos
produtos, no caso a Argentina, caso em que seria feita a remessa para a Lei de
Foro Argentino, que poderia indicar a sua própria Lei de Fundo ou a Lei de Foro
de outro país, fazendo mais uma remessa.

A teoria do reenvio tende a complicar mais a pesquisa, não é mesmo?

No entanto, ela respeita a soberania do ordenamento jurídico estrangeiro por


inteiro, ao passo que a teoria do envio faz um corte no ordenamento estrangeiro,
destacando e rejeitando as suas regras de foro.

Seção 2
2.1 Arbitragem
Sebastião José Roque (2009) defende que a arbitragem é um sistema de solução
pacífica de controvérsias internacionais e nacionais, de Direito Público ou Privado,
em que um julgador não pertencente à jurisdição normal é escolhido pelas partes
conflitantes para dirimir de forma rápida e discreta as divergências entre elas.

A Arbitragem, assim, é processo pelo qual uma controvérsia é submetida à


decisão (julgamento) de um terceiro imparcial.

•• Há decisão.
•• As partes ficam vinculadas à decisão do árbitro.

75
Capítulo 3

No plano internacional, a Arbitragem foi, ao longo dos séculos, a única jurisdição


conhecida.

Ela não encerra, mas previne a jurisdição estatal.

Jurisdição: foro especializado e independente que examina os litígios à luz


do direito e profere decisões obrigatórias.

No plano internacional, a década de 50 propiciou a Convenção de Nova Iorque


como a grande propulsora da arbitragem internacional.

No ano de 1976, houve a Edição do Regulamento de Arbitragem pela Comissão


da ONU para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL)- ao passo que em
1985 houve a aprovação de Lei Modelo sobre Arbitragem.

Arbitragem no Brasil – Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996

No Brasil, a arbitragem está normatizada pela Lei n. 9.307, de 23/9/1996,


consistindo-se num marco histórico, haja vista que desde o descobrimento a
arbitragem encontrou previsão no ordenamento jurídico pátrio.

Oriana Piske (2012), Juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios,
em artigo intitulado: Considerações sobre a Arbitragem no Brasil – esclarece que
a Lei nº 9.307/96 constitui-se, na verdade, em uma legislação avançada sobre
arbitragem e estribada no que há de mais moderno a respeito dos princípios e
garantias dos litigantes. Trouxe sensível benefício à sociedade brasileira, pois
colocou à sua disposição um meio ágil de resolver controvérsias, com árbitros
por aqueles próprios escolhidos, imparciais e independentes, especialmente em
matéria técnica, tudo com sigilo, brevidade e com informalidade.

Aduz que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os


mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo
condenatória, constitui título executivo.

Ademais a arbitragem tem seus pontos-fortes nos seguintes fatores: a)


rapidez e informalidade no julgamento; b) possibilidade de contar com árbitros
especializados em matérias pouco conhecidas; c) garantia de imparcialidade,
uma vez que cada parte indica um árbitro e esses é que indicam um terceiro. As
dificuldades ficam por conta da possibilidade de criarem-se Tribunais Arbitrais
sem a necessária isenção e respeitabilidade e o hábito arraigado do brasileiro em
recorrer ao Judiciário.

76
Direito Internacional Privado

Salienta que o Estado brasileiro atento à necessidade de desenvolver outros


foros para a pacificação social e para a solução de controvérsias patrocinou a
criação do Juízo Arbitral, tendo como escopo agilizar os processos e facilitar o
acesso à Justiça, criando um foro adequado às causas, envolvendo questões
de direito comercial, negócios internacionais ou matérias de alta complexidade,
para as quais o Poder Judiciário não está aparelhado. É nesse contexto que a
arbitragem surge como excelente e insuperável alternativa para a solução de
litígios, funcionando ainda para descongestionar os órgãos jurisdicionais estatais,
excessivamente sobrecarregados, na esteira do que vem ocorrendo nos mais
diversos países, especialmente europeus e sul-americanos.

O advento da Lei de Arbitragem brasileira (Lei n. 9.307/96), contudo, remeteu para


um intenso debate a respeito da sua constitucionalidade, questão que foi dirimida
pelo Supremo Tribunal Feral – STF, em 12/12/2001, com o entendimento de que a
Lei de Arbitragem brasileira é constitucional.

A principal objeção era no sentido de considerar inconstitucional a imposição da


arbitragem à parte que apenas contratou a cláusula compromissória, tornando a
lei incompatível com o princípio da inafastabilidade do poder judiciário.

Cláusula compromissória

Promessa de futura contratação da arbitragem sobre conflitos ainda não definidos.

Nesse caso, as partes contratantes, no momento da contratação, firmam uma


cláusula comprometendo-se a fazer uso da arbitragem caso venha a ocorrer um
conflito durante a execução do contrato.

Compromisso arbitral

Litígio já existente é submetido à arbitragem.

Nesse caso, como as partes não haviam firmado o uso da arbitragem em caso de
conflito no momento da contratação, tendo o conflito surgido durante a execução
do contrato, as partes pactuam pela utilização da arbitragem como meio de
resolução do conflito existente.

Em que contexto se deu a promulgação da lei de arbitragem e por que se voltou


a falar de Arbitragem no Brasil?

77
Capítulo 3

Razões Jurídico-Legais
•• Excesso de ações no Poder Judiciário – reflexo muito da CF/88 e do
CDC/90;
•• Movimento no mundo jurídico brasileiro para gerar uma Justiça mais
rápida, mais eficaz (reformas processuais, antecipação de tutela
etc.)

Razões Econômico-Sociais
•• Processo de abertura econômica do país (Collor em 1990);
•• Plano Real (1994): Necessidade de captação de investimentos
estrangeiros, estabilização monetária, privatizações.

E quais eram os principais motivos que impediam o desenvolvimento da


Arbitragem no Brasil?
•• O sistema da lei anterior previa a necessidade de homologação da
decisão arbitral, havia, assim, a possibilidade das partes recorrerem
ao Poder Judiciário.
•• A legislação não estabelecia com perfeita clareza como deveria se
dar o procedimento arbitral: o que era cláusula compromissória, o
que era compromisso arbitral etc.

Quais as principais mudanças introduzidas pela nova lei de Arbitragem?


•• Equiparação entre os efeitos da sentença arbitral e a sentença
proferida pelo Poder Judiciário (art. 31), com a criação de um título
executivo judicial. A decisão da arbitragem, portanto, não precisa
mais ser homologada pelo Poder Judiciário, não sendo mais cabível
recurso ao Poder Judiciário.
•• Definição mais clara de como deve ser processada a arbitragem: quem
pode ser árbitro, diferença entre cláusula arbitral e o compromisso
arbitral, que regras poderão ser usadas na arbitragem etc.

Quem pode ser árbitro?


•• Qualquer pessoa capaz e de confiança das partes (art. 13)
•• Pode ser utilizado um Tribunal Arbitral;
•• Podem ser escolhidos um ou mais árbitros (se for par, eles escolhem
outro para ficar ímpar);
•• Mesmas regras de impedimento e de suspeição dos juízes.

78
Direito Internacional Privado

Como ficam as arbitragens feitas no exterior?

•• Tem plena validade no Brasil, desde que homologadas pelo STJ –


Superior Tribunal de Justiça (EC 45/2004).
•• Elas somente não valem, de regra, se na arbitragem do exterior
ocorreu alguma das causas de nulidade de uma arbitragem feita no
Brasil (partes incapazes, sentença extrapolou do litígio etc.)
•• Além destas, mais duas causas: (i) se pela lei brasileira o objeto da
discussão não era passível de arbitragem (Direito de Família, Penal,
Falimentar, Previdenciário) e (ii) se a decisão ofender a ordem
pública nacional (soberania nacional, bons costumes etc.)

Quais as vantagens da utilização da Arbitragem?

Rapidez

•• As partes podem estabelecer em quanto tempo o juízo arbitral deve


dar sua decisão.
•• Se não estipularem nada, terá o prazo de 06 (seis) meses. Nada
impede, por exemplo, que se fixe em 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias.
•• Comparativamente ao Poder Judiciário, a diferença é enorme.

Sigilo

•• Diferentemente do processo judicial que é público, na arbitragem


ninguém (concorrentes, mercado) tem acesso à discussão, exceto
as partes e seus advogados.
•• Deve ser destacado que, mesmo quando o processo judicial corre
em segredo de justiça, ainda assim – na prática – várias pessoas
têm acesso aos autos (cartorários, escrivão, secretários etc.)

Julgadores especializados

•• As questões serão decididas não por um juiz, que de regra possui o


conhecimento do Direito, mas não de outras áreas.
•• Evita-se, assim, os usais processos em que os juízes, sem ter
conhecimento técnico específico, acabam normalmente seguindo o
que estabelece o perito do juízo.Com a arbitragem, as partes podem
escolher um “expert” no assunto, para resolver a causa. Evita a
surpresa, o receio das partes que a causa seja apreciada sem o
necessário conhecimento técnico.

79
Capítulo 3

Estipulação das regras

•• As partes não ficam sujeitas à lei brasileira, ao Código Civil, ao


Código Comercial, podem escolher por qual regra será regida a
arbitragem.
•• Pode ser a “lex mercatoria”, podem ser utilizados os usos e
costumes, pode ser por um critério de equidade (justiça).

Lex Mercatoria: normas que regem o comércio internacional mediante


um sistema de fontes múltiplas: Usos e costumes internacionais
(consuetudinário); Convencional; Jurisprudencial; Arbitral.

Decisões dos tribunais

•• Declaração de Constitucionalidade pelo STF: não há ofensa ao texto


constitucional, que declarara que é direito de todos terem suas
causas apreciadas pelo Poder Judiciário (a renúncia à jurisdição é
parcial e pontual, não absoluta e genérica).
•• Invalidade da arbitragem em contratos de adesão e, em qualquer
contrato, sempre que haja um grande desequilíbrio entre as partes.

2.2 Direito uniforme


De acordo com Dollinger (2012), o DIPr trata basicamente das relações humanas
vinculadas a sistemas jurídicos autônomos e divergentes, devendo considerar
as hipóteses em que os direitos autônomos não divergem, mas, pelo contrário,
coincidem em suas regras, dando-se aí o fenômeno do Direito Uniforme.

Ele destaca, de modo sintético, quatro fatores, a saber:

1. O Direito Uniforme consiste em instituições ou normas de caráter


interno, que espontaneamente recebem o mesmo tratamento pelas
leis de dois ou mais sistemas jurídicos; em certos casos, esta
uniformidade resultará de coordenação internacional, que deve ser
compreendida como Direito Uniformizado. Não ocorrem conflitos.
2. O Direito Internacional Uniformizado refere-se a atividades de
caráter internacional, objeto de convenções internacionais que
uniformizam as regras jurídicas disciplinadoras da matéria por meio
de leis uniformes. Também não ocorrem conflitos.

80
Direito Internacional Privado

Exemplifica com as Convenções de Genebra sobre cheques


e sobre notas promissórias, de 1930 e 1931 que constituem
direito uniformizado e direito internacional uniformizado, pois,
primeiramente, fixam normas sobre os títulos de crédito a
serem aplicados por todos os países convencionados – Direito
Uniformizado – e, em seguida, criam normas de escolha da lei
aplicável para as hipóteses em que remanesçam diversidades –
Direito Internacional Privado Uniformizado.

3. No Direito Internacional Privado, não ocorrendo os fatores acima,


verificam-se conflitos de 1º grau nas situações e relações humanas
conectadas com sistemas jurídicos autônomos e divergentes: O
DIPr de cada país determina a aplicação de uma entre as leis em
conflito, escolhida por um sistema de opções (regras de conexão).
Este fator corresponde ao método conflitual.
4. No Direito Internacional Privado Uniformizado, para evitar
conflitos entre as regras do DIPr de dois ou mais sistemas –
conflitos de 2º grau – criam-se convenções internacionais que
estabelecem regras de conexão aceitas pelos países signatários,
uniformizando as suas regras de DIPr.
Exemplifica como Estatuto da Conferência de Direito Internacional
Privado de Haia que estabelece como seu objetivo trabalhar pela
uniformização progressiva das regras de DIPr.

Assim, na inexistência dos fatores 1 ou 2, ocorrem os conflitos de 1º grau e os


sistemas jurídicos recorrem ao fator 3.

Para evitar que esse acarrete conflitos de 2º grau, procura-se produzir o fator 4.

Modernamente, estes fatores colaboram entre si, complementando-se.

2.3 Convenções importantes na área de DIPr


1. Conferência de Haia DIPr
Países Baixos - (1893)
Organização intergovernamental de caráter permanente.

»» Trabalha precipuamente no campo do sistema de conflito de leis.

81
Capítulo 3

Principais Convenções:

Cooperação judiciária internacional, as obrigações alimentares, a


proteção jurídica dos menores e a adoção internacional.
Esses textos têm por objetivo principal a ajuda entre as autoridades
e a determinação da lei aplicável.

2. Conferências Especializadas Interamericanas de DIPr (CIDIP)


As CIDIP são reuniões especializadas, por iniciativa da Organização
dos Estados Americanos - OEA, que visam a promover a
uniformização e harmonização do direito internacional privado.

Foram promovidas 6 Conferências:

»» Panamá (1975), Montevidéu (1979), La Paz (1984), Montevidéu


(1989), México (1994) e em Washington (2002).
»» Em andamento a CIDIP VII, convocada em junho de 2003 pela
Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos –
OEA, por meio das Resoluções AG/RES. 1923 (XXXIII-O/03) e
2033 (XXXIV-O/04.

As Convenções, frutos desses encontros, são aplicadas perante os


Estados que as ratificarem. Em relação aos demais, permanecem
em vigor as normas internas de DIPr.

Temas convencionados - CIDIP:

•• Cartas rogatórias
•• Restituição internacional de menores
•• Letras de câmbio
•• Notas promissórias
•• Cheques
•• Obrigações alimentícias
•• Contratos internacionais

O Brasil participou de todas as Conferências, como membro da OEA, mas


somente a partir de 1994 é que começou a ratificar algumas de suas convenções.

82
Direito Internacional Privado

Quadro 3.2 - Temas tratados na CIDIP VII

Comércio Eletrônico 1. Brasil

2. México (meios eletrônicos – proteção ao consumidor)

3. Canadá (aspectos jurisdicionais – proteção ao


consumidor)

4. Uruguai (aspectos jurisdicionais em transações entre


empresas e consumidores)

5. Estados Unidos (valores de investimento– registros


comerciais)

Proteção do Consumidor 1. Brasil (Convenção Interamericana para a Proteção do


Consumidor nas Américas)

2. México (proteção ao consumidor no comércio


eletrônico)

3. Canadá (aspectos jurisdicionais e proteção ao


consumidor no comércio eletrônico)

4. Uruguai (aspectos jurisdicionais em transações entre


emprestes e consumidores no comércio eletrônico)

Fluxos Migratórios de Pessoas 1. Brasil (Movimentos Transfronteiriços – Fluxos


Migratórios de Pessoas)

2. México (Movimentos Transfronteiriços – Fluxos


Migratórios de Pessoas)

Responsabilidade Civil 1. El Salvador (acidentes rodoviários, produtos,


contaminação ambiental)

2. Uruguai (contaminação ambiental)

Transporte 1. Peru (enfoque multimodal por ferrovia, rodovia, ar e


água)

Insolvência Transfronteiriça 1. Brasil (insolvência comercial transfronteiriça)

Jurisdição Internacional 1. Uruguai

Proteção de Menores 1. México

Títulos e Profissões 1. El Salvador (uniformização de títulos universitários e livre


exercício da profissão)

Fonte:OEA (Disponível em: scm.oas.org/doc_public/PORTUGUESE/HIST_04/CP12514P08.doc)

83
Capítulo 3

3. Instituto de direito internacional


Fundado em 1873, é uma associação científica que visa ao estudo
e ao progresso do direito internacional.

Os associados reúnem-se a cada dois anos para debater temas


sobre o direito internacional.

A intenção da organização é reunir membros que representem


cada país do mundo.

Suas resoluções refletem a opinião da entidade e influenciam a


doutrina, jurisprudência e a legislação dos países:

“O Instituto reconhece a evidente utilidade e até a necessidade,


em certas matérias, de tratados, por meio dos quais os Estados
civilizados adotem, de comum acordo, regras obrigatórias e
uniformes de DIPR.”

Principais organizações internacionais promotoras do direito


uniformizado:

a. Organizações especializadas da ONU, como a (Organização


Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a Organização
Mundial do Comércio (OMC), a Comissão das Nações Unidas
para o Direito do Comércio Internacional ( UNCITRAL).
•• A - Comissão das Nações Unidas para o Direito do
Comércio Internacional (UNCITRAL)
•• É um órgão da ONU, criado em 1966.
•• Visa à uniformização e regulamentação de alguns aspectos
do comércio internacional.
•• Atua exclusivamente na área do direito do comércio
internacional
•• Exemplos:
»» Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de
Compra e Venda de Mercadorias (Convenção de Viena
de 1980)
»» Lei-modelo Arbitragem Internacional de Comércio, de
21/6/85, visando a uniformizar a prática da arbitragem no
mundo todo, inspirando também a lei nacional de cada
país.
»» Uso de Comunicações Eletrônicas em Contratos
Internacionais, de 16/12/96.

84
Direito Internacional Privado

b. Unification Droit (UNIDROIT)


•• Com sede em Roma, o Instituto para a Unificação do
Direito Privado, UNIDROIT, foi criado em 1926, pela Liga
das Nações, com a finalidade de preparar gradualmente
a adaptação, por diversos Estados, de uma legislação
uniforme.
•• O trabalho do Instituto não é dirigido somente para a
transformação de seus textos apenas em convenções
internacionais, mas ainda para serem utilizados como uma
fonte para os tribunais que cuidam dessas questões.

Único organismo voltado à unificação jurídica internacional que cobre o direito


privado como um todo.

UNIDROIT - Convenções destacadas:

•• Convenção relativa a uma lei uniforme sobre a venda internacional


de bens (Haia, 1964)
•• Convenção relativa a uma lei uniforme para a forma de um
testamento internacional (Washington, 1973)
•• Convenção UNIDROIT sobre objetos culturais roubados ou
exportados ilegalmente (Roma, 1995).

c. Câmara de comércio internacional de Paris - contribuição ao


DIPr:
Regras sobre termos comerciais – Incoterms [international
commercial terms].

Regras de âmbito internacional e de caráter facultativo, que


definem responsabilidades quanto ao pagamento de frete,
seguro, despesas portuárias, entre outras

Regras sobre Arbitragem.

•• É responsável pela evolução da lex mercatória, isto é, uma


lei não escrita, de caráter uniforme, internacionalmente
aceita, para reger as relações de comércio internacional
desenvolvido pelos próprios agentes do comércio
internacional.

85
Capítulo 3

Código Bustamante

Convenção de Direito Internacional Privado - 20/02/1928

Incorporada ao Direito Brasileiro pelo Decreto n. 18.871, de 13/08/1929

SANTIAGO – CUBA, 1928 - Código de DIPr - Antonio Sánchez y Bustamante

ENVOLVE:

•• Direito Civil Internacional


•• Direito Comercial Internacional
•• Direito Penal Internacional
•• Direito Processual Internacional

Embora bastante abrangente, por legislar sobre Direito Civil Internacional,


Direito Comercial Internacional, Direito Penal Internacional e Direito Processual
Internacional, talvez por isso, O Código Bustamante não deu uniformidade à lei
que deva reger o estado e a capacidade das pessoas, ao dispor:

Artigo 7º - Cada Estado contratante aplicará como leis pessoais


as do domicílio, as da nacionalidade ou as que tenham adotado
ou adote no futuro a sua legislação interna.

86
Considerações Finais

Finalizados os estudos desta Unidade de Aprendizagem, espero ter contribuído


para que os propósitos inicialmente firmados fossem alcançados. A considerar a
expressividade que o DIPr adquire com os fluxos de interação e interdependência
que a humanidade hoje vivencia – o que intensifica as relações privadas no
âmbito internacional – é fundamental compreender o contexto histórico em que
o DIPr se insere, identificar seu objeto, suas fontes constitutivas, a legislação
pertinente e a sua aplicabilidade no intuito de dirimir conflitos que conjuguem leis
de ordenamentos jurídicos distintos (internos e externos).

No Brasil tem-se percebido uma evolução legislativa para as lides jurídico-


privadas internacionais, embora o Estado se mantenha cauteloso e adotando
posturas de reserva em face das suas convenções disciplinadoras.

A busca por relações mais humanizadas, pacíficas e equilibradas, capazes de


garantir um cenário de maior segurança, certeza jurídica e celeridade na resolução
de conflitos de natureza privada internacional é o que se requer no atual cenário
global.

Estar apto a assim agir é, sem dúvida, um diferencial, cujos reflexos são
perceptíveis tanto em nossa vida pessoal quanto profissional.

Dar-me-ei por satisfeito se essa singela obra contribuir para isso.

Forte abraço!

Prof. João Batista da Silva, MSc.

87
Referências

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 17. ed. São


Paulo: Saraiva, 2009.

AMARAL, Renata Campetti. Direito Internacional Público e Privado. Série


Concursos. 2.ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico. 2006.

ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. 2ª


Ed.Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

BARROSO, Darlan. Direito internacional: elementos do direito. v. 11. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2009.

BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. 3. ed. São Paulo:


Atlas, 2013.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco - Dicionário de


política I. Editora Universidade de Brasília, 1998.

BRAZ, Eliane. Curso de direito internacional privado. Coord. Lier Pires Ferreira
Júnior e Verônica Zarete Chaparro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada


até a EC n. 90, de 15/09/2015. Disponível em: www.planalto,gov.br. Acesso em:
20 set. 2015.

BRASIL. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980.


Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.
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CONSELHO PERMANENTE DA OEA/Ser.G - ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS


AMERICANOS CP/CAJP-2149/04 - 15 abril 2004 - COMMISSÃO DE
ASSUNTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS. Disponível em: scm.oas.org/doc_public/
PORTUGUESE/HIST_04/CP12514P08.doc. Acesso em: dez.2015.

DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado. 10ª Ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2014.

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2012.

89
GUERRA, Sidney. Curso de direito internacional público. 4. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2009.

JÚNIOR, Alberto do Amaral. Curso de Direito Internacional Público. 4 ed. São


Paulo: Atlas, 2013.

KINDERMANN, Milene Pacheco. Direito internacional: livro didático / Milene


Pacheco Kindermann ; design instrucional Carolina Hoeller da Silva Boeing. – 2.
ed. rev. e atual. – Palhoça: UnisulVirtual, 2006.

MALHEIRO, Emerson. Manual de direito internacional privado. 2. Ed. São


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MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7. ed.


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PEREIRA, Caio Mário Da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro:


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RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática. 4.


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ROQUE, Sebastião José. Direito Internacional Privado. Coleção Elementos de


Direito. São Paulo: Ícone, 2009.

TEIXEIRA, Carla Noura. Direito Internacional: público, privado e dos direitos


humanos. São Paulo. Saraiva, 2007.

90
Sobre o Professor Conteudista

João Batista da Silva


Possui licenciatura em História pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1991), graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (1997) e
mestrado em Relações Internacionais para o Mercosul pela Universidade do Sul
de Santa Catarina (2005). Atualmente, é Professor Titular da Universidade do Sul
de Santa Catarina. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito
Internacional Público e Privado e Direitos Humanos.

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capa_curva.pdf 1 08/07/16 11:40

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