Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Belo Horizonte
2020
Ana Flávia Dias Santos
Ingrid Assis Vosgrau
Vinicius Gabriel Souza Dutra
Belo Horizonte
2020
Ana Flávia Dias Santos
Ingrid Assis Vosgrau
Vinicius Gabriel Souza Dutra
__________________________________________________________________
Profa. Drª. Letícia Carvalho de Souza – PUC Minas (Orientadora)
__________________________________________________________________
Profa. Ma. Roberta Cerqueira Reis – PUC Minas (Banca Examinadora)
__________________________________________________________________
Profa. Ma. Fabiana Freitas Sander (Banca Examinadora)
Este estudo trata da relação entre ordem e justiça a partir dos pressupostos da Escola Inglesa,
de forma a avaliar a evolução dos direitos humanos na sociedade internacional pós-1945, com
foco nos desdobramentos do mecanismo de petição individual no âmbito do Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). A metodologia utilizada foi a
revisão bibliográfica de fontes primárias e secundárias. A proposta teve como objetivo analisar
o impacto do mecanismo de petição individual do Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos na institucionalização de demandas individuais incorporadas à ordem
internacional. Mais especificamente, buscou-se mapear o processo de institucionalização dos
direitos humanos e o desenvolvimento da petição individual, analisar a evolução dos
mecanismos do SIPDH e demonstrar, a partir da análise do caso Almonacid Arellano y otros
Vs. Chile (2005), a consequência da adequação legal para a mudança do papel do Estado com
relação ao indivíduo. Concluiu-se que o surgimento de novos padrões institucionais na ordem
internacional a partir do surgimento de novos mecanismos, como o da petição individual, leva
à criação de novos parâmetros de justiça internacional, que revestem a ordem vigente de caráter
justo, e transforma, assim, o padrão de atuação do Estado por meio da adequação deste de
prerrogativas legais domésticas às internacionais.
This study treats the relation between ordem and justice based on English School theory
concepts, in order to assess the evolution of human rights in international society post-1945,
with a focus on the developments of the individual petition system within the Inter-American
Human Rights System (IAHRS). The methodology used was literature review of primary and
secondary sources. The proposal had the aim of analysing the impact of IAHRS’ individual
petition mechanism in the institutionalization of individual demands incorporated to the
international order. More specifically, the proposal sought to map the process of human rights’
institutionalization and the development of the individual petition, analyse the evolution of
IAHRS’ mechanisms and demonstrate, with the analysis of the case Almonacid Arellano y otros
Vs. Chile (2005), the consequences of States’ legal adaptation, and consequent change in role,
in relation to individuals. It concludes that the emergence of new institutional patterns in the
international order leads to the creation of new international justice parameters, which overlay
the current order with a just character, transforming the States’ action pattern through the
adequacy of its domestic legal prerogatives to the international ones.
Keywords: English School. Order. Justice. International Society. Individual Petition. Human
Rights. Inter-American Human Rights System.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13
1 INTRODUÇÃO
Os direitos humanos, desde o final do século XIX, fazem parte das preocupações dos
Estados. Contudo, somente a partir da segunda metade do século XX, essa preocupação se
traduziu na criação de tratados e mecanismos voltados para a proteção e garantia desses direitos.
Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, é talvez o
marco normativo mais importante para a história dos direitos humanos na sociedade
internacional contemporânea, pois instituiu, pela primeira vez, a universalidade de tais direitos,
servindo de base, até os dias atuais, para vários tratados relacionado a essa temática.
O desenvolvimento do chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH)
stricto sensu, portanto, ganhou força nesse período pós-1945, e tem desdobramentos
importantes tanto a nível internacional, como a nível regional. A nível internacional, vários
tratados sobre o tema foram criados, como os dois Pactos (Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) bem
como mecanismos voltados para uma participação mais ativa dos indivíduos no contencioso
internacional, como o Tribunal Penal Internacional (TPI). A nível regional, alguns sistemas
restritos a certos continentes surgiram, como o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos (SIPDH) e o Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos (SEPDH), em um
primeiro momento voltados para a promoção dos direitos humanos nos respectivos continentes,
e mais tarde, voltados também para a realização de uma participação mais ativa dos indivíduos,
por meio da petição individual.
É possível analisar esse processo de crescente desenvolvimento dos direitos humanos
pela discussão sobre ordem e justiça presente na Escola Inglesa. A partir das discussões
de Hedley Bull (2002), entende-se que os Estados da sociedade internacional tendem a priorizar
a manutenção da ordem em detrimento da busca pela justiça, o que ocasiona uma tensão entre
as duas, pois a justiça é pautada por ideias consideradas mais “revolucionárias”, logo tais ideias
podem trazer instabilidade à ordem se incorporadas bruscamente ou em detrimento a esta
última. Contudo, em certos momentos, tais Estados consideram a incorporação de ideias
relacionadas à justiça à sociedade internacional, de forma gradual com o intuito de preservar a
manutenção da ordem. Ao fazer isso, essas ideias passam a fazer parte da manutenção da ordem,
e o respeito a elas por parte dos Estados se torna um dos requisitos para a legitimação de seus
comportamentos na sociedade internacional.
A observação do processo de desenvolvimento dos direitos humanos no pós-1945 faz
possível perceber que o próprio desenvolvimento se deu com uma certa gradualidade a partir,
14
dentre outras evoluções em proteção dos direitos individuais no continente americano, e como
estes se basearam em demandas individuais e se converteram em novos padrões institucionais
de justiça humana na ordem internacional, sobretudo no continente americano.
Por último, na terceira parte, se investiga o caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile,
julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), com vistas a se tratar a
configuração da petição individual, e como se foi dado o procedimento central e correlatos a
esse litígio. Busca-se, com o caso, ilustrar as importâncias das evoluções e das dinâmicas tanto
do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) como da ação individual, presentes nos
dois capítulos anteriores. A partir dessa ação institucional, o trabalho se empenha a demonstrar
a integração de novos padrões de justiça humana à sociedade e ordem internacionais, os quais
resultam em uma mudança no padrão de atuação dos Estados, em vista da participação e
manutenção da ordem, e o seu consequente revestimento de justiça. Este último acaba por
possibilitar uma ampliação da capacidade individual de buscar justiça a nível internacional
quando não fornecida domesticamente. Estes processos refletem assim, a institucionalização de
padrões, que modificam gradualmente a ordem internacional.
17
A presente seção irá apresentar os conceitos básicos da Escola Inglesa das Relações
Internacionais e a relação entre eles de modo a explicitar as dinâmicas existentes entre ordem e
justiça. Destacam-se as contribuições teóricas feitas por Hedley Bull (2002) e Barry Buzan
(2004, 2014) e faz-se uma relação entre os conceitos de ordem (internacional e mundial), justiça
(internacional, mundial e humana), sistema internacional, sociedade (internacional e mundial),
bem como os conceitos de instituições primárias e secundárias. O foco é mostrar como se
constrói a tensão entre ordem e justiça dentro da sociedade internacional e os efeitos disso nas
relações entre os Estados, e destes com os indivíduos.
A Escola Inglesa foi pensada por acadêmicos do Comitê Britânico de Teoria Política
Internacional1 como uma terceira via entre as teorias realistas e idealistas que tinham dominado
as discussões sobre teoria das Relações Internacionais até meados da década de 1950. Pretendia
introduzir novos conceitos (ordem, sociedade, justiça, instituições, etc.) às análises de política
internacional que iam além daqueles contemplados pelas principais correntes teóricas da época.
Além disso, diferentemente do mainstream do período, a Escola Inglesa introduziu um
entendimento societário da política internacional, isto é, os Estados baseiam suas relações em
valores e normas compartilhados, formando uma sociedade ao buscarem alcançar interesses
comuns.
A Escola Inglesa, portanto, entende as relações internacionais como um universo de
“[...] reconhecimento, associação, filiação, igualdade, equidade, interesses legítimos, direitos,
reciprocidade, costumes e convenções, acordos e desacordos, disputas, ofensas, injúrias, danos,
reparações, e o resto: o vocabulário normativo da conduta humana.” (JACKSON, 1992 p. 271,
tradução nossa)2. Dessa forma, a teoria reserva um espaço considerável para as discussões
histórico-sociológicas do campo, bem como para a ideia de sociedade.
1
O Comitê Britânico de Teoria Política Internacional foi criado formalmente pelo historiador Herbert Butterfield
entre 1959-1961 em Cambridge, na Inglaterra. Juntaram-se à Butterfield autores como Martin Wight e Hedley
Bull (EPP, 2014). O objetivo do Comitê era criar uma abordagem nova para analisar a política internacional,
uma abordagem que fosse diferente do realismo e do idealismo. Para isso, os autores se encontraram
regularmente entre 1959 e 1984, e o resultado desses encontros foi a elaboração do que ficou conhecido como a
Escola Inglesa das Relações Internacionais (DUNNE, 2011).
2
[..] recognition, association, membership, equality, equity, legitimate interests, rights, reciprocity, customs and
conventions, agreements and disagreements, disputes, offenses, injuries, damages, reparations, and the rest: the
normative vocabulary of human conduct.
19
3
As teorias contratualistas estabelecem, de formas diferentes, as relações entre indivíduos para a criação do
Estado. Entretanto, elas compartilham a ideia de que o Estado é criado por meio de acordos, ou seja, contratos
firmados entre indivíduos, com o intuito de salvaguardar certos direitos fundamentais à manutenção do
ordenamento doméstico. As principais obras contratuais são “Leviatã” (1651) de Thomas Hobbes, “Dois
Tratados sobre o Governo” (1689) de John Locke, e “Do Contrato Social” (1762) de Jean-Jacques Rousseau.
20
(BULL, 2002, p. 19). Esse passo demonstra ser mais profundo, na medida em que envolve um
entrelaço de valores entre entes soberanos. Essa relação pode ser fruto de um passado comum
ou, até mesmo, de uma forte influência em termos de cultura, ciência, e pensamentos que
permeiam um entendimento de mundo compartilhado entre coletividades. Para ilustrar essa
relação na política internacional, podemos pensar em como um bom número de Estados
reconhece a instituição direitos humanos, e suas positivações internacionais, as quais serão
tratadas na próxima seção. No momento, é importante situar que a aceitação desses direitos
como fundantes de valores e práticas, baseia a moral de uma sociedade internacional no
parâmetro político internacional da contemporaneidade.
Nesse aspecto de uma sociedade internacional, os Estados-parte procuram respeitar sua
igualdade, honrando acordos e limitando a utilização recíproca da coerção pela força. Além
disso, eles buscam, pelo compartilhamento das normas, regras e valores, um respeito às
instituições vigentes. Nesse sentido, a sociedade internacional é como um contrato social entre
os Estados soberanos, os quais possuem seus próprios contratos sociais internos e, ademais,
uma espécie de contrato social internacional, ou seja, na ausência do ser regulador, em âmbito
internacional, a ordem seria baseada no respeito à cada soberania de cada Estado. Essa relação
entre ordem e sociedade internacional será melhor trabalhada adiante. Assim, o conceito de
sociedade internacional tem sido o centro do pensamento e dos debates da Escola Inglesa
(BUZAN, 2014).
O último conceito dos três é o de sociedade mundial, a qual tem como principais atores
os indivíduos, as organizações não-estatais e a população global como um todo (BUZAN,
2014). Tal sociedade busca transcender o sistema de Estados na direção de uma sociedade
cosmopolita, isto é, uma sociedade na qual as fronteiras e constrangimentos estatais não existem
e a humanidade é considerada como uma só (BUZAN, 2014). Isso significa que essa sociedade
é formada por seres humanos, uma ideia que transpassa a própria sociedade de Estados. A
sociedade mundial reúne vontades e interesses de uma comunidade humana que reverberam na
sociedade internacional, onde os atores são os próprios Estados nos quais estão compreendidos
essa massa humana. Pode-se dizer que “neste sentido, o conceito de uma sociedade mundial
está para a totalidade da interação social em todo o mundo assim como o nosso conceito de
sociedade internacional está para a noção de um sistema internacional.” (BULL, 2002, p.314).
Essa colocação de Bull levanta o fato de que essas interações sociais evoluem e se transformam,
com o tempo, em novos padrões sociais de justiça, sendo esta última a que pressiona a sociedade
de Estados a se mobilizar por demandas justas. Essa relação será melhor explorada na interação
entre ordem e justiça na terceira seção deste capítulo. Contudo, é importante retomar a ideia de
21
que, como a sociedade mundial carece de qualquer registro histórico das relações
internacionais, ela não existe no mundo real, mas sim no mundo ideal. No entanto, a sua própria
teorização invoca os aspectos que suscitam a priorização dos direitos individuais. Dessa forma,
um grande leque de oportunidade de diálogo e abrangência de teorização é aberto na
interlocução destes três conceitos nucleares; desde uma realidade mais realista, na qual os
Estados competem veementemente pelo poder, a um sistema ditado pela coexistência e
cooperação dos Estados e, para além disso, a uma sociedade onde Estados soberanos não são
mais as unidades centrais (BUZAN, 2014).
Em uma sociedade internacional, os Estados, no ato da prática de ações baseadas em
valores e, ainda, da percepção desses comportamentos como corretos, fazem surgir
as instituições. Estas práticas são tanto fruto de evoluções comportamentais e normativas
derivadas das “demandas justas” da sociedade mundial, quanto desenhadas pelos Estados na
tentativa de manutenção da ordem; mas não apenas, a guerra e o balanço de poder são
instituições que demonstram que nem sempre são formadas por demandas justas, mas sim pela
priorização da própria ordem, como vistas por Bull (2002). Assim, essas instituições podem
tomar formas abstratas como a ideia dos direitos humanos, e formas físicas como a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que surgem do processo histórico e evolutivo,
com a finalidade de fiscalizar e servir como âncora da promoção, mesmo que não geral, desses
direitos. Ambos os movimentos serão compreendidos na segunda seção deste capítulo.
Dessa forma, as instituições são produto de profundos processos históricos e são a
imagem dos valores e objetivos dentro de uma sociedade, originando-se na aceitação mútua de
certas práticas e, de uma perspectiva evolutiva, tendo passado por mudanças ao longo do tempo.
As instituições, ainda, sustentam a convivência dentro do ambiente da sociedade internacional
e funcionam como critério de entrada para essa última. Pode se dizer então que as instituições
são encontradas em quaisquer sociedades internacionais que já existiram (BUZAN, 2014). A
ideia de sustentação da convivência internacional é congruente à própria ideia de ordem, e as
instituições são os pilares de uma sociedade internacional, pois significam as diretrizes
acordadas entre os membros que mantêm as práticas como aceitas, e, assim, mantém a
existência entre os iguais soberanos. Buzan (2014), desse modo, define instituições primárias
como “[...] práticas sociais relativamente profundas e duráveis no sentido de serem evoluídas,
mais do que desenhadas. Essas práticas devem ser não somente compartilhadas entre os
membros da sociedade internacional, mas também vistas por eles como comportamentos
22
legítimos.” (BUZAN, 2014, p. 17, tradução nossa)4. Sendo assim, o conceito de instituição de
Bull tem sentido similar ao empregado por Buzan (2004). Dessa forma, Bull (2002) elenca
cinco instituições primárias observadas pela atuação dos Estados pós-Westphalia na sociedade
internacional europeia do século XVIII. São elas: o equilíbrio de poder, o direito internacional,
os mecanismos diplomáticos, o sistema administrativo das grandes potências e a guerra (BULL,
2002). Em ambos os autores se é entendido a edificação de instituições únicas e,
consequentemente, de uma imagem societária internacional diferente, mesmo que o sentido de
instituições seja similar.
Ao contrário de Bull (2002), Buzan (2004) considera outras instituições como sendo
instituições primárias, mas não faz uma lista exaustiva das mesmas. Entre elas, estão: soberania,
territorialidade, diplomacia, sistema administrativo das grandes potências, igualdade dos povos,
mercado, nacionalismo e gestão ambiental. Ambos os autores, no entanto, apontam que essas
instituições evoluem com o tempo, podendo passar por processos de mudança que fazem com
que algumas delas deixem de existir e outras surjam. Essa ideia explicita a lógica de
complementaridade conceitual mencionada acima.
Buzan (2014) também trabalha com o conceito de instituições secundárias. As
instituições secundárias são um produto ou design do esforço comum dos Estados, sendo
organizações com lugar físico no espaço dos Estados, se prontificando na manutenção,
aprimoramento, regulação e fiscalização das práticas comuns dos Estados. Além disso, são uma
influência direta das instituições primárias e existem há pouco tempo (BUZAN, 2014). Nessa
lógica, o autor aponta, por exemplo, a Assembleia Geral da ONU como uma instituição
secundária ligada à instituição primária soberania (BUZAN, 2004). Pode ser suscitado nessa
lógica de design, a criação de várias cortes para a defesa do indivíduo humano no sistema
internacional, frutos de acordos entre Estados. Estes últimos, baseados na instituição direitos
humanos, na leitura de Buzan (2004), direcionaram sua capacidade conjunta na sociedade
internacional para a positivação judicial física desses direitos, fazendo surgir estruturas físicas,
como as tais cortes regionais, as quais serão contempladas nas próximas seções.
As instituições primárias e as instituições secundárias, portanto, estão na base da
manutenção da ordem internacional. São elas que traduzem os valores e normas compartilhados
pelos Estados em instrumentos que ajudam a regular as relações entre eles, logo colaboram para
manter o ordenamento da sociedade internacional. Assim, é por meio da incorporação das
4
They are deep and relatively durable social practices in the sense of being evolved more than designed. These
practices must not only be shared among the members of international society but also be seen among them as
legitimate behaviour.
23
demandas, em diversas pautas, que se traduzem as mudanças que a ordem internacional sofre.
Uma ocorrência de demanda por uma mudança considerada como justa, ao ser acatada
gradualmente pela sociedade dos Estados implica em uma diferenciação ou desenvolvimento
da pauta correspondente, essa que induz mudanças na política entre os países. Dessa forma,
para se entender como a ordem afeta a política internacional, deve-se primeiro explicitar o
próprio conceito das “ordens” para a Escola Inglesa. A primeira está compreendida como ordem
internacional, à qual Bull se refere como sendo “[...] um padrão ou disposição das atividades
internacionais que sustentam os objetivos elementares, primários ou universais de uma
sociedade de Estados.” (BULL, 2002, p. 23), ou seja, os Estados, ao buscar a ordem, procuram
satisfazer alguns objetivos. O primeiro e mais importante deles é a própria manutenção do
sistema e sociedade vigentes. Dessa forma, Bull diz que
[...] os estados modernos se unem na crença de que eles são os principais atores da
política mundial, e os mais importantes sujeitos de direitos e deveres dessa
sociedade. A sociedade dos estados tem procurado garantir que ela continuará a ser a
forma predominante da organização política mundial, de fato e de direito (BULL,
2002, p. 23).
Entende-se, portanto, que as unidades de qualquer sistema político internacional se
esforçam para se manterem no centro das relações internacionais. Isso significa que, em um
primeiro momento, os Estados ignorariam as demandas mais radicais da sociedade mundial,
por conta de uma possibilidade de rompimento da própria lógica fundante da sociedade.
Contudo, a sociedade internacional se põe a escutar algumas demandas para manter a sua
própria legitimidade. Esse processo parte de uma demanda, pela qual os Estados, na percepção
de que não irá ferir à lógica da ordem, ou seja, sua primeira prioridade com a ordem, acatam as
demandas de forma que esta solicitação reveste a própria ordem de um caráter justo. Essas
inclusões em “justiça” funcionam de forma a legitimar as ações dos Estados.
O segundo objetivo dos Estados é a manutenção de sua independência ou soberania
externa. Logo, o autor expõe que o reconhecimento da independência dos Estados em relação
às autoridades externas e, especialmente o reconhecimento da sua supremacia sobre seu
território e população, implica no respeito à soberania dos demais Estados (BULL, 2002). O
“preço” que o Estado paga para fazer a ordem perdurar é justamente respeitar a soberania dos
outros, o que a Escola Inglesa chama de Raison de Système (BUZAN, 2014). De volta aos
objetivos para a manutenção da ordem internacional, Bull (2002) diz que, em terceiro lugar, há
o objetivo de manutenção da paz, relacionando-se ao primeiro objetivo, pois, na ocorrência de
24
guerra, o sistema e a sociedade são transformados. Isso não significa a ausência total e absoluta
de guerras, mas sim que a paz é o status natural da ordem (BULL, 2002).
Para Bull (2002), há um quarto objetivo, que reuniria o que ele chama de “objetivos
comuns a toda vida social” (BULL, 2002, p. 25). Esses objetivos se referem à “[...] limitação
da violência que resulte na morte ou em dano corporal, o cumprimento das promessas e a
estabilidade da posse mediante a adoção de regras que regulam a propriedade.” (BULL, 2002,
p. 25). Dessa forma, o primeiro elemento da frase se refere ao respeito pelas vidas das
populações e aos direitos fundamentais da sociedade humana pela autolimitação da violência
pelo Estado. Bull fala que “Os estados cooperam entre si para manter seu monopólio da
violência, e negam a outros grupos o direito de exercê-la. Por outro lado, aceitam limitações ao
seu próprio direito de usar a violência.” (BULL, 2002, p. 25). A própria característica
contratualista entre o Estado e sociedade, supracitada nos primeiros parágrafos, retorna aqui
nas motivações da ordem internacional. O Estado, assim, tenta manter um certo padrão de
legitimidade e, de quebra, respeitar uma ordem que suscita tal padrão de comportamento.
O conceito de ordem mundial se refere aos “padrões ou disposições da atividade humana
que sustentam os objetivos elementares ou primários da vida social na humanidade considerada
em seu conjunto.” (BULL, 2002, p. 25). Destarte, Bull, agora, refere-se aos indivíduos e não
aos Estados, ultrapassando, assim, as fronteiras das sociedades internacionais com o que ele
considera como “questões de importância mais duradoura”, referindo-se à fundação da ordem
na sociedade cosmopolita (BULL, 2002). A ordem mundial, dessa forma, precede moralmente
a ordem internacional, orientando-a como objetivo primário de sustento da ordem para o
conjunto da humanidade (BULL, 2002). Contudo ela é, como a sociedade mundial, uma
idealização. A sua característica ideal se dá pela ausência de registro histórico que a materialize
como existente na história das relações internacionais. Contudo, é possível entender que suas
características demonstram a evolução que a sociedade de pessoas do mundo continuamente
sofre, como a própria noção de direitos humanos se desenvolveu através das décadas e é
destinada a todos, independentemente das origens geográficas dos indivíduos. A tonalidade das
questões suscitadas pela evolução da ordem mundial, de fato, dirige à todas as demais. Isso se
dá por conta da própria fundação dos padrões humanos, que ultrapassam as fronteiras dos
Estados, padrões esses que geram e desenham todas as mudanças, principalmente as diretrizes
que envolvem direitos e a própria noção de justiça.
O aspecto da sociedade mundial de demandar justiça está tão interligado à mudança na
ordem da sociedade internacional que essa relação se faz principal. As demandas por justiça
causam transições graduais na transformação da própria sociedade internacional, formando
25
novos aparatos institucionais, que seguem, em certa medida, a justiça. Esse processo de tensão
da ordem pela justiça na formação da sociedade internacional contemporânea e, por
conseguinte, da institucionalização de normas, valores e comportamentos, estará melhor
detalhado nas próximas seções deste capítulo.
Dessa forma, a própria natureza da justiça, como modeladora dos padrões para a vida
social se torna de principal compreensão. Justiça é um dos termos mais subjetivos e envolve
um arcabouço da moral e de valores vigentes, ou seja, está permeando o espaço das
ordens. Contudo, para um uso mais prático desse termo, a Escola Inglesa faz uma diferenciação
entre sua concepção de igualdade em direitos e privilégios, e seu significado de conduta moral
(BULL, 2002). A primeira concepção se exemplifica na concepção do que se ampara e positiva,
na própria lei, e a segunda, refere-se à própria questão transcendente à lei, de significado da
prática ética, que concebe a moral evolutiva. Assim, Bull separa os termos para cada objeto no
universo das relações internacionais. A primeira das regras morais que atribuem deveres e
responsabilidades se destina aos Estados, chamada de justiça internacional pelo autor (BULL,
2002). Aqui cada Estado mantém sua própria justiça ou ordenamento interno, e o que se abrange
como justiça internacional é como se é dado seu relacionamento internacional para com os
demais membros da sociedade internacional. Com relação ao espaço interno, há um acordo de
reconhecimento de jurisdições de cada soberania para a coexistência no espaço anárquico.
No que se fala de indivíduo, as regras morais que se institucionalizam dando direitos e
deveres são compreendidas no termo de justiça humana, sendo essas precedentes do
jusnaturalismo. Em alguns casos, essa noção de justiça, envolta nos termos de direitos humanos,
levanta questões de conflito entre tais direitos e o próprio Estado (BULL, 2002). Além disso,
“Estas são questões que, respondidas de um certo modo, podem produzir desordem nas relações
internacionais, ou até mesmo levar à destruição da própria sociedade internacional.” (BULL,
2002, p. 98). Por causa desse conflito com a sociedade internacional, esses direitos estão
relacionados com os objetivos menos importantes para a manutenção da ordem supracitados.
Dessa forma, se mantém uma tensão específica entre a justiça humana e a ordem internacional.
Como mencionado anteriormente, os Estados priorizam a manutenção da ordem internacional
e enxergam certas demandas como “revolucionárias”; tais solicitações por justiça humana, por
exemplo, em muitas vezes, são postergadas. Contudo, em certos momentos, os Estados
entendem que a própria sobrevivência da ordem internacional depende da sua capacidade de se
manterem como os atores legítimos. Essa condição de legitimidade está necessariamente ligada
à condição de acatamento das demandas de justiça humana. Assim, se provocam mudanças na
26
processo levou décadas e foi promovido pois garantiu legitimidade aos Estados e manteve a
ordem internacional estável durante as últimas décadas. Surgiram, assim, demandas pelo
reconhecimento de direitos para a promoção de uma maior justiça humana, as quais foram
internalizadas gradualmente na sociedade internacional, sendo promovidas ao passo que fossem
percebidas como não ameaçadoras à ordem internacional. Tais demandas foram se
institucionalizando e sendo progressivamente pensadas e implementadas com o aval dos
próprios Estados em atos internacionais (tratados, convenções, reuniões, etc.). Desse modo, ao
passo em que a ação dos indivíduos se concretizou, o respeito a ela passou a ser entendido como
um pré-requisito para a participação dos Estados na sociedade internacional contemporânea.
Foram apresentados nessa seção os principais conceitos abordados pela Escola Inglesa,
como eles se completam e/ou se entrelaçam e, também, como eles permeiam as dinâmicas da
sociedade internacional. Uma vez expostos todos esses conceitos, que serão extremamente
importantes ao longo do trabalho, a próxima seção tratará sobre o que a Escola Inglesa pondera
com relação às instituições, sejam elas primárias, derivadas ou secundárias, e como,
principalmente, os direitos humanos passaram a ser parte e a ter uma maior significação frente
à sociedade internacional.
A presente seção irá apresentar a discussão teórica sobre os direitos humanos como uma
instituição da sociedade internacional contemporânea. Discute-se, portanto, a abordagem
de nesting, ou seja, o processo de derivação das instituições, proposta por Buzan (2004). Além
disso, faz-se uma breve apresentação do tema de direitos humanos no âmbito do Direito
Internacional e o impacto disso na sociedade internacional.
Os direitos humanos passaram a ser considerados instituições da sociedade internacional
há pouco tempo, desde o final da Segunda Guerra Mundial (1945). Com as atrocidades
ocorridas na guerra, viu-se necessário a criação de mecanismos institucionais internacionais
que dessem uma maior importância à questão dos direitos humanos. Vê-se, portanto, uma
evolução dos direitos humanos como um valor e norma compartilhados na sociedade
internacional contemporânea. O processo de incorporação desses direitos à sociedade
internacional como uma instituição será propriamente discutido mais adiante nesta seção.
Segundo Buzan (2004), dentro da Escola Inglesa não existe uma concepção muito
elaborada sobre como e por quê as instituições da sociedade internacional mudam, apesar de
autores, como o próprio Bull (2002), aceitarem que as instituições primárias podem mudar e
28
mudam, de fato. Nesse sentido, Buzan (2004) defende a ideia de que, para que a concepção de
instituições primárias da Escola Inglesa tenha um papel coerente na teoria, é preciso que o
entendimento do que uma instituição representa (ou não) esteja claro. Assim, para o autor,
alguns pontos necessitam de uma atenção maior, entre eles estão que, primeiro, as instituições
primárias de Bull devem ser entendidas como parte de uma sociedade internacional histórica
(do século XVIII, nesse caso), e não como universais, o que abre espaço para considerar outras
instituições; segundo, que as instituições podem mudar, e que o processo de evolução das
mesmas (surgimento e decaimento) devem ser levados em consideração; e, terceiro, que existe
a necessidade de introduzir uma hierarquia entre as instituições primárias (BUZAN, 2004).
Dado que as “Instituições primárias são padrões duráveis e reconhecidos de práticas
compartilhadas enraizadas em valores comuns aos membros das sociedades de estados”
(BUZAN, 2004, p. 181, tradução nossa)5, pode-se dizer que se esses valores comuns mudam,
os padrões também irão mudar, consequentemente levando a uma mudança nas instituições.
Isso mostra que, apesar de duráveis, as instituições primárias não podem ser entendidas como
fixas, e, geralmente, irão passar por um processo histórico de ascensão, evolução e declínio
(BUZAN, 2004). Ainda segundo Buzan (2004), essas mudanças podem ser consideradas um
sinal de adaptação e fortalecimento, ou de declínio. Por isso, é necessário diferenciar as
mudanças nas instituições e as mudanças de instituições primárias.
Para um melhor entendimento das instituições primárias, o autor também propõe uma
hierarquização entre elas, pois, afinal, algumas são mais consolidadas do que outras. A proposta
de Buzan (2004) é tratar essa questão como um problema de nesting, ou seja, algumas
instituições primárias, devido a suas características, podem conter, ou gerar, outras instituições.
Essas instituições são chamadas pelo autor de “instituições máster” (BUZAN, 2004, p. 176),
pois dão origem a várias instituições mais específicas, as “instituições derivadas” (BUZAN,
2004, p. 182), que são construídas sobre as máster, e que dão origem, por sua vez,
às “instituições secundárias” (BUZAN, 2004, p. 182).
Buzan (2004) propõe essa diferenciação para lidar com a questão da hierarquia entre as
instituições primárias da sociedade internacional, considerado pelo autor um dos grandes
desafios teóricos da Escola Inglesa. O autor entende, portanto, que as denominadas instituições
máster possuem esse nome pois são consideradas como práticas mais profundas e consolidadas
na sociedade internacional, dando origem, ou moldando, todas as outras práticas. Logo, existem
5
Primary institutions are durable and recognised patterns of shared practices rooted in values held commonly by
the members of interstate societies […].
29
2000 apud BUZAN, 2014, p. 158, tradução nossa)6, ou seja, a partir desse momento, os
indivíduos passaram a ser considerados como possuidores de direitos pela sua própria condição
de seres humanos, sendo esse direito posto como não alienável e indisposto à intervenção
estatal.
Segundo Christian Reus-Smit (2011a, 2011b), a norma da igualdade humana é
antecessora dos direitos humanos, pois é a partir dela que estes podem ser considerados
verdadeiramente universais (REUS-SMIT, 2011a, 2011b). É nesse sentido, segundo a
concepção de nesting de Buzan (2004), apresentada acima, que a igualdade dos povos é uma
instituição máster da sociedade internacional contemporânea, e os direitos humanos são uma
instituição que deriva desta última. Segue-se que, a partir disso, instituições secundárias surgem
e expressam os valores e normas embutidos nas instituições máster e derivadas. No caso dos
direitos humanos, atualmente existem várias instituições secundárias, que começaram a surgir
na segunda metade do século XX, como Convenções e comitês das Nações Unidas, bem como
organizações internacionais formais e cortes internacionais de direitos humanos, tanto no nível
global como no nível regional (BUZAN, 2014)7.
A partir dessa progressiva incorporação dos direitos humanos à sociedade internacional
como uma instituição desta última, é possível argumentar que, como foi exposto na primeira
seção deste capítulo, os direitos humanos incorporam a noção de justiça humana, logo são
originários e estão relacionados à ideia de uma sociedade mundial. Nesse sentido, a ideia de
justiça humana precede e é base para os direitos humanos. Apesar de estar localizada,
originalmente, dentro dessa sociedade mundial utópica, a noção de justiça humana, incorporada
na ideia de direitos humanos, entra na sociedade internacional por meio da tensão entre ordem
e justiça. A partir disso, os direitos humanos passam a integrar, progressivamente, por meio do
processo de institucionalização descrito acima, o conjunto de valores e normas que legitimam
a ação dos Estados dentro da sociedade internacional, e passam, portanto, a serem
garantidos. Dessa forma, a partir dessa tensão, os direitos humanos encontram caminho para a
sociedade internacional, fazendo com que esta última se torne mais justa. Esse ponto será
melhor explorado na seção seguinte.
A relação entre ordem e justiça, que caracteriza a tensão entre ambas, pode ser entendida
como sendo de co-constituição, ou seja, uma relação onde, por um lado, a justiça transforma a
ordem, mas, por outro, a ordem dos Estados é o que possibilita a realização da justiça. Os
6
The UDHR made individual human beings ‘right holders on their own behalf’.
7
A discussão sobre o processo histórico de surgimento dos direitos humanos, bem como do surgimento de
instituições ligadas a eles, será feita, de forma mais profunda, no segundo capítulo deste trabalho.
31
direitos humanos, então, têm um papel importante nessa relação. Como mencionado no
parágrafo anterior, os direitos humanos tem como base a ideia de justiça humana, logo trazem
consigo demandas de caráter justo, o que contribui para a transformação da ordem internacional
na medida em que tais demandas se institucionalizam e, depois, são positivadas no Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). No entanto, os direitos humanos, logo a justiça,
só são garantidos porque existe uma ordem na qual os Estados se comprometem a proteger
esses direitos, por meio de tratados, por exemplo, os quais restringem as ações dos Estados, e
os punem, quando estes agem contrariamente à proteção dos direitos humanos em suas relações
mútuas. Dessa forma, as demandas por justiça humana avançam, progressivamente, na ordem
internacional, mesmo esta sendo protagonizada por Estados. Apesar de os direitos humanos
estarem diretamente relacionados aos indivíduos, são os Estados que são os responsáveis
principais por promover e garantir tais direitos. Assim, a justiça transforma a ordem na medida
em que a incorporação de demandas mais justas, ao serem institucionalizadas na sociedade
internacional, restringem a ação dos Estados, os quais devem se atentar a tais demandas para
não ferirem sua legitimidade, fazendo com que a ordem opere dentro de uma lógica nova. Ao
mesmo tempo, essa justiça é garantida por essa mesma ordem dos Estados, os quais, pautados
pelo valor comum de proteção dos direitos humanos, firmam acordos entre si com o intuito de
proteger os direitos humanos.
As discussões da Escola Inglesa sobre a institucionalização dos direitos humanos na
sociedade internacional, e o consequente aumento da atuação do indivíduo em tal sociedade, é
precedida pela discussão feita pelo Direito Internacional acerca do mesmo tema.
Segundo Cançado Trindade (2012), apesar de o papel dos indivíduos ter sido apagado da
doutrina jurídica internacional do século XIX e do início do século XX, os autores clássicos8,
dos séculos XVII e XVIII, colocavam o jus gentium (direito das gentes) em posição de destaque
em suas respectivas teorizações. No século XX houve um resgate da concepção do indivíduo
como sujeito de direito internacional, sendo que no início do século já se viam indícios disso,
com o surgimento de manifestos relacionados à proteção dos direitos humanos. Apesar disso,
foi a partir da segunda metade do século, depois da Segunda Guerra Mundial, como
mencionado acima, que a doutrina jurídica internacional concentrou esforços para o
reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de direito internacional. Isso reverberou na
sociedade internacional por meio da criação de tratados, declarações e mecanismos
8
Entre os principais teóricos desse período encontram-se Fracisco de Vitória, Francisco Suárez, Alberico
Gentili, Hugo Grotius, Samuel Pufendorf e Christian Wolff (CANÇADO TRINDADE, 2017).
32
Até o momento, fez-se uma discussão sobre os principais conceitos da Escola Inglesa
que foram e ainda serão utilizados neste trabalho e o debate que os autores fazem sobre
instituições em diversos âmbitos, assim como a incorporação dos direitos humanos na
sociedade internacional contemporânea. A presente seção irá retomar a discussão sobre ordem
e justiça na sociedade internacional, feita na primeira parte e mencionada na segunda, por meio
9
A evolução teórica dos indivíduos como sujeitos do direito internacional, dentro deste último como campo
acadêmico, será abordada mais detalhadamente no segundo capítulo deste trabalho.
10
[…] there can be no doubt that human equality is now widely and deeply accepted as an institution of
international society, providing a stable foundation on which the evolution of human rights can be built.
11
A ascensão e a importância dos indivíduos como sujeitos ativos e os mecanismos que os amparam serão melhor
explorados no segundo capítulo.
33
proteção dos direitos humanos, e entende-se também que a estabilidade da ordem está
relacionada, em certa medida, ao respeito aos direitos humanos por parte dos Estados. O
processo de positivação dos direitos humanos propriamente dito será observado no próximo
capítulo. Bull ainda afirma que
normas que sustentam a ordem podem mudar, passando a incluir demandas de caráter mais
humanitário, por exemplo. Essa mudança de valores implica, em um primeiro momento, uma
mudança das instituições da sociedade internacional, o que, por sua vez, acarreta uma mudança
no papel dos Estados dentro dessa sociedade, que, a partir das novas instituições, necessitam
respeitar certos princípios a fim de garantir sua legitimidade. Por meio desse processo, a ordem
internacional permanece estável, pois as demandas são acatadas e cumpridas pelos próprios
Estados, e, ao mesmo tempo, a ordem se torna mais justa, ao incorporar essas demandas mais
humanitárias.
Em vista disso, é importante considerar o contexto no qual as demandas humanitárias
começaram a surgir, especialmente, para este trabalho, as demandas por direitos humanos,
especificamente por uma capacidade ativa dos indivíduos no direito internacional. Com o final
da Segunda Guerra Mundial, ficou explícita, devido as atrocidades praticadas contra indivíduos
durante o conflito, a necessidade de criar mecanismos internacionais para proteger os direitos
humanos. Esse entendimento impulsionou, em um primeiro momento, a criação de documentos,
de caráter recomendatório, que versavam sobre os direitos que deveriam ser protegidos pelos
Estados, sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) o principal deles. A partir
dos anos de 1950, a discussão acerca dos diretos humanos evoluiu para a criação de mecanismos
mais desenvolvidos, no sentido de que eles englobavam aparatos judiciais, como cortes de
justiça, e davam mais destaque para o indivíduo, na medida em que estes poderiam, eles
próprios, denunciar seus Estados de origem por violações de direitos humanos por meio da
petição individual. Esse movimento de construção da petição individual como processo
gradativo será trabalhado mais à frente no capítulo dois.
O processo histórico descrito acima colabora para o entendimento da relação entre
ordem e justiça na sociedade internacional. O contexto histórico da sociedade internacional da
segunda metade do século XX propiciou o surgimento de demandas pela proteção dos direitos
humanos. Os Estados, por sua vez, conscientes de que tais demandas eram valores importantes
para a manutenção da ordem, decidiram aceita-las, incorporando-as à ordem internacional
vigente, por meio da institucionalização e, consequentemente, os mecanismos de proteção
desses direitos começaram a ser criados (instituições secundárias). Esse processo de
incorporação se dá por meio da institucionalização dos direitos humanos na sociedade
internacional, como abordado com mais detalhes na segunda seção deste capítulo. Tais
demandas são constantes e são incorporadas à ordem gradualmente de forma a não afetar a
estabilidade desta última. Nesse sentido, com o passar do tempo, novas demandas surgiram,
como, por exemplo, por uma maior participação dos indivíduos no âmbito internacional,
36
ilustrado aqui pela petição individual. Na medida em que tais demandas foram sendo acatadas
pelos Estados como valores necessários para a preservação da ordem, o respeito aos direitos
humanos passou a ser institucionalizado, fazendo parte do papel dos Estados na sociedade
internacional, sendo parte integrante de sua legitimidade. A ordem, portanto, muda de acordo
com o surgimento de demandas de caráter humanitário impulsionadas pelos indivíduos,
contudo a mudança ocorre gradativamente e com o aval dos Estados, sem ferir a sua existência
primordial.
Pode-se dizer, então, que a ordem internacional se reveste de justiça em um esforço de
manter a estrutura da sociedade anárquica. O reflexo desse processo se dá, por exemplo, na
institucionalização de direitos individuais e mecanismos para a sua promoção e proteção a nível
internacional, o que, por um lado, muda as condições de pertencimento e de atuação na
sociedade internacional, e, por outro, muda o próprio relacionamento interno dos Estados com
sua população, em um processo de redefinição dos seus direitos e deveres. De um lado, muda
as condições de pertencimento de atuação dos Estados pois estes, por meio dos acordos que
firmam entre si, se tornam responsáveis por garantir os direitos individuais, e somente por meio
disso são aceitos como membros da sociedade internacional; do contrário, são excluídos da
convivência nessa sociedade. De outro lado, a internalização desses direitos no âmbito
doméstico dos Estados muda a relação entre estes e sua população, na medida em que esses
acordos são incluídos no ordenamento jurídico interno dos Estados, os quais passam a ser
obrigados a seguir as diretrizes acordadas em suas políticas públicas, por exemplo.
É possível perceber, então, o acatamento gradual das demandas por justiça humana e a
necessidade de respeitar os direitos humanos como requisitos de coexistência dentro da
sociedade internacional (BULL, 2002). É importante situar que dentro dessa lógica, com a
evolução da igualdade dos povos como instituição máster, e a ascensão dos direitos humanos
como instituição derivada, e incluso aqui a noção do indivíduo como sujeito ativo, são um
exemplo dessas mudanças dentro da ordem internacional; as cortes, por exemplo, tiveram
aparecimento gradativo em diferentes localidades, efeito de uma pressão de indivíduos sobre
os governos, e de uma jurisprudência que se fez tendência no contexto pós-Segunda Guerra
Mundial (CANÇADO TRINDADE, 2012). Nesse sentido, concebe-se o novo aparato das
cortes regionais de petição individual como instituições secundárias, derivadas da instituição
direitos humanos, constituindo, assim, parte da sociedade internacional contemporânea. Esse
processo, ainda, ressignifica, dentro dos agentes que compõem essa sociedade internacional, a
relação inerente ao direito supracitado entre Estado e sua população.
37
12
A partir de agora, quando se fizer menção ao Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), este deve ser
entendido como o Direito Internacional dos Direitos Humanos (stricto sensu).
40
A ideia do direito das gentes, ou jus gentium, está presente na sociedade internacional
desde o século XVIII, quando aconteceram dois eventos que marcaram a defesa de direitos
individuais universais, quais foram a Revolução Francesa, e a consequente Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a Constituição dos Estados Unidos da América,
de 1793. No final do século XIX e início do século XX, houve novos avanços na ideia de jus
gentium, caracterizados pelo fortalecimento do Direito Internacional Humanitário (DIH)13,
principalmente devido à Primeira Guerra Mundial; pela luta contra a escravidão, que teve início
no século XVIII, mas começou a se tornar primordial na primeira metade do século XX; pela
luta por direitos trabalhistas, caracterizada pela atuação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT); e pelo Sistema de Minorias e Mandatos da Liga das Nações, que fornecia
proteção a certas minorias, habitantes de territórios mandatados, e refugiados (PARLETT,
2011; CANÇADO TRINDADE, 2011; SILVA PASSOS, 2016). Esses momentos foram
importantes como fundação de uma ideia que, mais tarde, seria um dos fundamentos da
concepção contemporânea de direitos humanos, tal qual a sua universalidade. O DIDH,
propriamente dito, ganhou força após o final da Segunda Guerra Mundial, quando se percebeu
que as violações dos direitos humanos não somente colaboraram para o início da guerra
(CLARK, 2007), mas também foram praticadas durante todo o período do conflito
(PIOVESAN, 2014). Com isso, teve início a evolução do DIDH no âmbito internacional,
quando começaram a ser criados tratados e instrumentos de proteção dos direitos humanos.
Contudo, esses documentos iniciais não previam a realização de tais direitos pelos Estados, nem
a responsabilização dos mesmos em caso de violação (SILVA PASSOS, 2016).
A evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) pode ser entendida
em dois âmbitos: no internacional e no regional. No âmbito internacional, ela é caracterizada,
principalmente, pelos esforços empreendidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em
diversos documentos criados a partir de 1945. No âmbito regional, é caracterizada pela criação
13
O Direito Internacional Humanitário (DIH), depositário do artigo 1 das quatro Convenções de Genebra de 1949
e do Art. 1º § 1 do Protocolo Adicional I de 1977 às Convenções de Genebra, presta-se às partes contratantes o
compromisso a respeitar e a fazer respeitar as obrigações incondicionais convencionais em situação de conflito.
Tais direitos são de responsabilidade independente da natureza da participação no determinado conflito
(CANÇADO TRINDADE, 2003a).
41
Nações Unidas (ONU)14. Em seu artigo 1º § 3, a Carta estabelece como um dos propósitos da
organização
14
Na Carta consta também, em seu artigo 7º § 1, a criação de um Conselho Econômico e Social (ECOSOC),
também relacionado à proteção dos direitos humanos.
15
A Declaração não foi pensada para ser um documento que prescrevesse obrigações aos Estados, pois, à época,
acordou-se que outros instrumentos, que seriam criados posteriormente, teriam base convencional, ou seja,
seriam vinculantes. Isso se deu, pois, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (atual Conselho de
Direitos Humanos), responsável por escrever a Declaração, optou por produzir um documento que pudesse ser
aceito facilmente pela maior parte dos membros da ONU e, para isso acontecer, tal documento teria de ser de
natureza não-vinculante (PARLETT, 2011).
43
fazer com que os Estados se tornassem responsáveis pela concessão e proteção dos direitos
presentes no Pacto. Assim, o PIDESC “elencava deveres para os Estados, e não para os
indivíduos [...]. Os preceitos nele contidos visavam condicionar a atuação do Estado para a
implementação dos direitos, que necessitavam de recursos econômicos e incentivos estatais”
(SILVA PASSOS, 2016, p. 240).
Assim, conjuntamente com a Carta de São Francisco, os Pactos compreendem a Carta
Internacional dos Direitos Humanos. Segundo Cançado Trindade (2003a), com a concretização
da Carta “acelerava-se o processo de generalização da proteção internacional dos direitos
humanos e abria-se o campo para a gradual passagem da fase legislativa à de implementação
dos tratados e instrumentos internacionais de proteção.” (CANÇADO TRINDADE, 2003a, p.
62). A partir disso, então, teve início a expansão dos instrumentos internacionais voltados para
a proteção dos direitos presentes nos documentos supracitados, o que colaborou para a
institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional, os quais tornaram-se, com
o tempo, valores essenciais para a manutenção da ordem internacional.
Ainda na década de 1960, houve um acontecimento importante para a consolidação e
revisão da posição dos direitos humanos no espaço legal internacional: a I Conferência Mundial
de Direitos Humanos, ocorrida em Teerã, no Irã, em 1968. O objetivo da Conferência era avaliar
se houve progressos relacionados aos direitos humanos passados vinte anos desde a adoção da
DUDH, em 1948, bem como dar continuidade aos esforços iniciados no mesmo ano
(CANÇADO TRINDADE, 2003a). A Conferência deu origem à Proclamação do Teerã,
documento no qual constava a avaliação das duas últimas décadas, assim como a reafirmação
da indivisibilidade dos direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003a). Desse modo, a
referida Proclamação do Teerã contribuiu, a tais resoluções, com advertências aos países sobre
seus entraves na promoção dos direitos humanos. Enfocou-se também a questão do
crescente gap entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em sua proteção aos direitos
humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003a). A Proclamação, então, pode ser considerada,
segundo Cançado Trindade (2003a), como um “relevante marco na evolução doutrinária da
proteção internacional dos direitos humanos” (CANÇADO TRINDADE, 2003a, p. 79), assim
como um dos marcos da passagem da fase legislativa, ou seja, de criação de normas de direito
internacional dos direitos humanos, à fase de implementação, ou seja, de criação de
instrumentos capazes de assegurar o cumprimento e observâncias desses direitos (CANÇADO
TRINDADE, 2003a).
Outro evento importante para a evolução do DIDH foi a II Conferência Mundial de
Direitos Humanos, ocorrida em Viena, em 1993, que reavaliou os andamentos em proteção
45
inalienáveis e
interdependentes
Declaração Americana de 1948 Estabelecimento da Recomendatório Início da ideia de
Direitos e Deveres do Homem base procedimental e proteção dos direitos
(1948) normativa dos humanos no continente
direitos humanos no americano
continente americano
Convenção Europeia de Direitos 1950 Estabelecimento da Antes do Início da ideia de
Humanos base procedimental e Protocolo nº 11: proteção dos direitos
normativa dos recomendatório humanos no continente
direitos humanos no europeu e, após o
continente europeu Protocolo 11,
Depois do
fortalecimento da ação
Protocolo nº 11:
do indivíduo com a
vinculante
obrigatoriedade da
petição individual
Pacto Internacional dos Direitos 1966 Garantia de direitos Vinculante Extensão da concepção
Civis e Políticos (PIDCP) civis e políticos a de direitos humanos,
todos os seres pois engloba direitos que
humanos não constam na DUDH
internacionais ad hoc, ou seja, tribunais de caráter extraordinário, criados para lidar com casos
específicos. Esses tribunais foram feitos para tratar das violações de direitos humanos ocorridas
em Ruanda, quando do conhecido Genocídio de Ruanda (1990-1994), e na Iugoslávia, quando
da Guerra da Bósnia (1992-1995). Mais tarde, em 1998, esses tribunais se tornariam um tribunal
permanente, o Tribunal Penal Internacional (TPI), constituído por meio do Estatuto de Roma,
o qual atribuiu ao TPI característica de órgão complementar às jurisdições penais dos países.
O TPI, então, é responsável por julgar crimes internacionais cometidos por indivíduos,
sendo os crimes passíveis de julgamento, primeiro, crimes de guerra, os quais constituem
violações das Convenções de Genebra; segundo, crimes contra a humanidade, ou seja, ataques
sistemáticos generalizados contra a população civil não combatente praticado e/ou autorizado
pelo Estado; terceiro, crimes de genocídio, os quais são crimes contra a humanidade com o
objetivo específico de exterminar uma determinada população pelo que ela é; e, por último,
crimes de agressão, que são crimes cometidos pela parte que inicia o conflito e são atribuídos a
chefes de Estado e/ou generais (CANÇADO TRINDADE, 2013). Desse modo, percebe-se que
houve uma demanda e um esforço da sociedade internacional por um processo de consolidação
de uma justiça internacional, afigurada no “sucesso” dos tribunais ad hoc e na formação do
TPI.
A diferença entre o TPI e os demais instrumentos que constam no DIDH, mencionados
anteriormente nesta seção, é que enquanto estes últimos garantem ao indivíduo o direito de
atuar contra seus respectivos Estados em caso de violação dos direitos humanos, o TPI
possibilita que indivíduos sejam criminalmente responsabilizados a nível internacional quando
da violação de tais direitos. Assim, segundo Cançado Trindade (2012), é possível dizer que os
indivíduos, atualmente, no nível internacional, gozam tanto de direitos (como o direito de
petição individual), como de deveres (os quais, quando não cumpridos, tornam possível a
criminalização internacional de tais indivíduos).
Até agora, a presente seção tratou da evolução do DIDH no âmbito internacional. Como
mencionado no início da seção, existe também a evolução do DIDH no âmbito regional. O
primeiro sistema regional criado foi o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos (SIPDH), o qual teve origem com a Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem (DADDH) de 1948. Essa Declaração formulou a base procedimental e normativa dos
processos de proteção dos direitos humanos no continente americano (PIOVESAN, 2014).
Assim, a DADDH, apesar de carecer de enforcement normativo, foi considerada um dos
primeiros documentos dedicados a exercício específico e deu partida à ação em proteção dos
direitos humanos no continente americano. Nesse sentido, “A Declaração Americana de 1948
48
proclamou os direitos nela consagrados como inerentes à pessoa humana, avançou - [...] - uma
visão integral dos direitos humanos (civis, políticos, sociais e culturais), a assinalou a correlação
entre direitos e deveres.” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 34).
No seu início, o Sistema Interamericano, apesar de ter seu primeiro instrumento como
sendo de caráter recomendatório, ainda foi parâmetro para a formação de legislações e
constituições de diversos países na América Latina. Com o passar dos anos, foi-se demandado
a incorporação de mecanismos de proteção, e em 1959, foi inaugurado o primeiro órgão de
proteção aos direitos humanos do sistema interamericano, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH). A comissão gozava de pouca força normativa, dada a falta de uma
base convencional. Contudo, a CIDH foi se consolidando gradativamente, acrescidas
competências por emendas, protocolos e resoluções adicionais. Destaca-se, nesse processo de
endossamento do corpo normativo da CIDH, a introdução pioneira da análise de petições
individuais e comunicações sobre violações de direitos humanos. A CIDH, apesar de muito
demandada e da interpretação extensiva e liberal do seu estatuto, só veio a ser devidamente
positivada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em 1969 (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
A CADH, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (1969), serviu
como um marco para a institucionalização convencional de todo o aparato de proteção
interamericano. Ele instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) como
novo mecanismo de proteção judicial interamericano, o qual possuía uma função contenciosa,
validada por um protocolo adicional à CADH. Desse modo, a Comissão Interamericana herdou
suas competências anteriores à Convenção Americana, sendo polo de recebimento de petições
individuais, denúncias e comunicações16. Já a Corte IDH tinha a competência contenciosa do
julgamento de petições individuais, disputas e litígios envolvendo Estados. Tais petições são
coordenadas entre a CIDH e a Corte IDH, essa última herdando os casos que não foram
solucionados anteriormente no âmbito da Comissão. A Corte IDH ainda obteve, através da
CADH, competência consultiva, a qual os Estados, partes ou não da CADH, podem requisitar à
Corte, interpretações e pareces sobre a compatibilidade entre o corpus juris regional e o seu
ordenamento jurídico interno (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Desse modo, a CADH se constituiu como a principal vértebra do SIPDH, visto que sua
condição de convencionalidade atribuía valor ativo aos mecanismos de proteção do
Sistema (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Assim, nos anos que se passaram após sua
16
Além disso, era responsável, também, pela observação, investigação e promoção de estudos e relatórios em
matéria de direitos humanos na região.
49
17
O Movimento Europeu, datado de 1947, foi formado em oposição aos horrores da Segunda Guerra Mundial por
figuras notáveis como Winston Churchill, Konrad Adenauer e François Miterrand, e almejava a integração
regional europeia e a proteção dos direitos humanos (EUROPEAN MOVEMENT INTERNATIONAL, c2020).
18
O Protocolo nº 8, de 1985, foi adotado para tornar o Sistema Europeu mais eficiente, frente ao aumento de casos
na Comissão e na Corte, e também no Conselho Europeu. Logo, estabeleceu a criação de câmaras, compostas
por juízes, de forma que os processos pudessem ser analisados e julgados mais rapidamente (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
19
O Protocolo nº 9, de 1990, conferiu aos indivíduos acesso direito à Corte Europeia (CANÇADO TRINDADE,
2003b), o que, segundo Cançado Trindade (2003b), foi de extrema importância para a asserção da posição do
indivíduo no regime legal internacional de direitos humanos da época.
50
o mais importante dentre os três mencionados acima, pois, por meio dele, mudanças de extrema
importância foram instituídas no Sistema Europeu, principalmente pelo fato de que fortaleceu
o direito de petição individual e a jurisdição da Corte, os quais passaram a ter caráter
mandatório, ou seja, todos os Estados que assinassem a Convenção Europeia estariam
obrigados a reconhecer a petição individual e a jurisdição da Corte20.
Com relação ao estabelecimento do caráter mandatório da petição
individual, Cançado Trindade (2003b) aponta que a capacidade do indivíduo poder iniciar
processos na Corte inaugurou uma fase mais adiantada na proteção dos direitos humanos. Os
efeitos disso não foram importantes apenas para o Sistema Europeu de Direitos Humanos, mas
contribuíram, também, para o fortalecimento da concepção do indivíduo como sujeito pleno do
Direito Internacional Público, dotado de capacidade processual internacional, o que, por sua
vez, contribuiu para a consolidação do DIDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Além disso,
tais avanços também foram importantes para uma maior institucionalização dos direitos
humanos na sociedade internacional, na medida em que novas instituições secundárias, nesse
caso a Corte Europeia, ganharam destaque dentro do Sistema Europeu (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
Assim como os sistemas americano e europeu, a África também possui o seu sistema
regional de proteção dos direitos humanos, embora não seja tão desenvolvido como o da
América e o da Europa. Em 1963, houve a adoção da Carta da Organização da Unidade Africana
(OUA). Foi nesse mesmo ano que um projeto que antecedeu a Convenção foi preparado, tendo
esse projeto, como inspiração “[...] tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
como a Declaração Universal dos Direitos dos Povos (adotada em Alger, Argélia)” (KODJO,
1989 apud CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 195). Mas foi somente em 1981 que a Carta
Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que visava proteger os direitos inerentes às
pessoas humanas no continente, foi criada e o continente africano passou a contar com uma
Convenção de direitos humanos, esta que rapidamente agiu contra as atrocidades ocorridas à
época. O órgão responsável por supervisionar a efetivação da Carta é a Comissão Africana dos
Direitos Humanos, sendo que no plano normativo, destaca-se a inclusão de direitos civis e
políticos, assim como os econômicos, sociais e culturais, além do direito dos povos
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).
20
Além disso, por meio do Protocolo nº 11, foi criada uma nova Corte Europeia de Direitos Humanos, que passou
a substituir a Comissão Europeia, a antiga Corte Europeia e o Comitê de Ministros, mas assumindo as funções
das duas primeiras, sendo, a partir de então, o único órgão jurídico da Convenção Europeia. A consequência
disso foi o fortalecimento institucional e judicial do Sistema Europeu, bem como a maior eficiência dos
procedimentos da Corte (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
51
Casos concretos sobre sérias violações não aconteceram até meados dos anos de 1990,
década onde resistências referentes a ideia de se possuir um tribunal responsável por esses casos
foram superadas. Em relação a ação da Comissão Africana, até os anos 1990, ela se empenhava
mais em promover os direitos humanos do que em protegê-los. Entretanto, em sessão realizada
em 1993, na Etiópia, a Comissão foi questionada se não deveria se dedicar mais à proteção dos
direitos humanos, e não apenas à promoção destes (CANÇADO TRINDADE, 2003b),
passando, a partir daquele momento, a considerar medidas que fortalecessem a proteção
humana, ainda mais após todos os Estados-membros da OUA terem se tornado parte da Carta.
A ideia de “jurisdicionalização” do sistema regional africano, então, assim como nos já
existentes sistemas americano e europeu, tomava forma. Apesar das diversas dificuldades
enfrentadas pelo sistema regional africano, e de não possuir a força jurídica dos sistemas
americano e europeu, o Sistema Africano é importante na medida em que oferece meios, mesmo
que não sejam tão eficientes, para os indivíduos se manifestarem quando da violação de seus
direitos.
Como explorado no primeiro capítulo, as instituições internacionais podem ser
entendidas por meio da abordagem de nesting de Buzan (2004). Essa abordagem entende que
algumas instituições primárias podem englobar, ou gerar, outras instituições, chamadas de
“instituições máster” (BUZAN, 2004, p. 176), que, por sua vez, dão origem às “instituições
derivadas” (BUZAN, 2004, p. 182). No contexto da emergência dos direitos humanos como
instituição da sociedade internacional, então, pode-se dizer que ela começou após a Segunda
Guerra Mundial, quando a “instituição máster” igualdade dos povos ascendeu na sociedade
internacional, com o reconhecimento da igualdade humana como uma norma importante a ser
compartilhada pelos Estados. Como visto anteriormente, essa norma está presente em todos os
tratados relacionados aos direitos humanos feitos após 1945, notadamente na Declaração
Universal de Direitos Humanos (1948). Logo, é possível dizer que a instituição
“direitos humanos” derivou da instituição máster “igualdade dos povos”, na medida em que a
primeira se pauta pela norma de igualdade humana, tornando-se, então, uma instituição
derivada.
A instituição derivada direitos humanos, então, dá origem a instituições secundárias,
que carregam a mesma norma de igualdade humana que a instituição máster e a instituição
derivada. As instituições secundárias, que derivam da instituição direitos humanos, são os
diversos tratados, convenções e cortes, mencionados acima, presentes tanto no nível
internacional como no nível regional. Essas instituições expressam, de forma mais objetiva, os
valores e normas que compõem as instituições máster e derivadas, fazendo com que aqueles
52
sejam efetivamente compartilhados pelos Estados por meio de obrigações. Dessa forma, os
direitos humanos, como são entendidos atualmente, se tornaram instituições internacionais da
sociedade internacional contemporânea. Por meio do compartilhamento de valores e normas
ligados à igualdade humana, o respeito aos direitos humanos passou a fazer parte do
comportamento entre os Estados, tornando-se, inclusive, uma forma de legitimação da ação
estatal. Isso remete ao argumento exposto no primeiro capítulo, de que a incorporação da noção
de justiça humana, advinda de uma ideia de sociedade mundial, e que é plano de fundo para os
direitos humanos, se dá por meio da tensão entre ordem e justiça. Assim, os direitos humanos
são incorporados à ordem internacional na medida em que os Estados começam a compartilhar
a norma de igualdade humana e começam a criar instrumentos, de forma gradativa, para
salvaguardar os direitos humanos. Esse processo de institucionalização, que está relacionado à
tensão entre ordem e justiça, pode ser observado, por exemplo, na evolução dos sistemas
regionais, e, na prática, podem ser contemplados por meio da demanda dos países pela
ampliação das capacidades dos sistemas de proteção regionais. Logo, por meio desse processo,
os direitos humanos se tornam instituições da sociedade internacional, revestindo esta última
de uma ideia de justiça.
Entre essa discussão de institucionalização histórica do DIDH na sociedade
internacional, elenca-se a petição individual como o passo mais significante de proteção ao ser
humano, sendo um dos mais representativos dessa evolução. Nessa lógica, a próxima seção
abordará esse processo gradual de fortalecimento da capacidade legal do indivíduo revogar seus
direitos internacionalmente.
O surgimento dos direitos humanos, assim como documentos e instrumentos legais que
abrangiam esses direitos, elevou os indivíduos a um posto de sujeitos ativos do direito
internacional (CANÇADO TRINDADE, 2010). A partir da segunda metade do século XX, os
indivíduos passaram a ser detentores de direitos e deveres, com plena capacidade de exercê-los,
estando essa capacidade atrelada a uma personalidade legal (CANÇADO TRINDADE, 2012).
Apesar da discussão sobre direitos humanos ter vindo à tona apenas em 1945, o papel do
indivíduo no direito internacional já era discutido por alguns pensadores clássicos desde o
século XVI, estes que são considerados os “fundadores” do chamado direito das gentes
(CANÇADO TRINDADE, 2012).
53
Entretanto, durante o século XIX e na primeira metade do século XX, ideais contrários
aos defendidos pelos fundadores do direito internacional ascenderam no sistema. Essa nova
ideia, chamada de positivismo jurídico, surgiu a partir do pensamento de Hegel de que o Estado
seria o principal ator do sistema, passando a ignorar os direitos que deveriam ser cedidos aos
indivíduos (CANÇADO TRINDADE, 2003b), validando, assim, qualquer ação do Estado
baseado na lei interna. Para os jusinternacionalistas, a ideia de que os Estados poderiam agir de
forma imprudente e como soberano absoluto no sistema internacional era inimaginável,
defendendo, então, a posição do indivíduo como sujeito no direito internacional. Assim, de
acordo com Cançado Trindade (2010), os indivíduos teriam total direito de ter acesso a
mecanismos internacionais que os protegessem e pudessem validar suas reclamações, inclusive
contra o próprio Estado, sendo este responsável por todos os seus atos. Outros autores, no século
XX, compartilhavam, igualmente, da ideia de que os indivíduos também possuem deveres
perante o Direito Internacional que, caso infringidos, deverão assumir a responsabilidade e
serem julgados por isso, como, por exemplo, crimes cometidos contra a humanidade
(CANÇADO TRINDADE, 2012).
Porém, como já foi mencionado, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que o papel
do indivíduo passou a ser amplamente discutido a partir da criação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), onde consta a ideia de que indivíduos devem ser protegidos
por seus Estados e, caso o poder estatal violasse algum desses direitos, deveria ser punido. Isso
faz com que o indivíduo seja considerado um sujeito ativo, dotado de personalidade jurídica,
tanto no direito interno quanto no direito internacional (CANÇADO TRINDADE, 2012). Agora
são os interesses dos seres humanos que importam para o Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH).
Portanto, nos primeiros anos do século XX, já havia a discussão sobre a emancipação
dos indivíduos. Como explicita Cançado Trindade (2012),
[...] já na primeira metade do século XX, houve experimentos de direito internacional
que efetivamente outorgaram capacidade processual internacional aos indivíduos.
Exemplificam-no o sistema de navegação do rio Reno, o Projeto de uma Corte
Internacional de Presas (1907), a Corte Centro-Americana de Justiça (1907-1917),
assim como, na era da Liga das Nações, os sistemas das minorias [...]” (CANÇADO
TRINDADE, 2012, p.33).
Mas, como mencionado na seção anterior, foi apenas anos mais tarde, já no âmbito da
ONU, que essa emancipação realmente tomou forma. Com a criação de diversos tratados sobre
direitos humanos, um sistema de petições individuais passou a ser adotado, principalmente em
54
entre ordem e justiça surge a partir da incorporação gradual de elementos relacionados a uma
ideia de sociedade mundial, logo, relacionados também à ideia de justiça humana. Pode-se dizer
que dentro da ideia de justiça humana está inserido o mecanismo de petição individual, pois
este pressupõe a subjetividade do indivíduo na sociedade internacional. Assim, ao ser
incorporado à sociedade internacional, por meio da institucionalização dos direitos humanos, a
petição individual ajuda a promover valores de caráter mais humano dentro de tal sociedade,
revestindo-a de justiça. Com isso, na medida em que esses valores são incorporados à sociedade
internacional, ao se tornarem instituições secundárias (advindas da instituição derivada
“direitos humanos”), os Estados devem adequar o seu comportamento de forma a respeitar tais
valores a fim de garantir sua legitimidade. Dessa forma, esses valores, dos quais a petição
individual está imbuída, passam a fazer parte da manutenção da ordem, caracterizando, assim,
a relação entre ordem e justiça.
Pode-se dizer, então, que o reconhecimento do indivíduo como sujeito ativo do direito
internacional foi um grande passo para o pensamento jurídico do século XX. A libertação dos
seres humanos do poder absoluto do Estado e a posição central da pessoa como destinatária das
normas jurídicas, tanto em âmbito doméstico, como em âmbito internacional, confirma a
importância do direito das gentes (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Essa evolução perdura,
ainda, durante o século XXI, como resposta aos horrores que ocorreram no fim do século XX
na Guerra da Bósnia (1992-1995) e em Ruanda (1990-1994). Logo, atrocidades cometidas por
Estados são cada vez mais reconhecidas pelos tribunais internacionais e, caso sejam
responsabilizados por seus atos, eles podem ser punidos. Hoje em dia, contudo, os próprios
Estados entendem que suas ações frente aos indivíduos não possuem mais um poder ilimitado,
e que eles devem responder a qualquer ação que possa infringir os direitos garantidos aos seres
humanos.
A regionalização da proteção dos direitos humanos foi um ideal que tomou forma na
sociedade internacional durante a segunda metade do século XX, com as ascensões dos sistemas
regionais americano, europeu e africano de proteção dos direitos humanos, como observado na
primeira seção desse capítulo. Destarte, essa seção tratará da história do Sistema Interamericano
de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), sendo ela organizada na sequência cronológica de
formação do sistema.
56
A proteção dos direitos humanos, como explanada na primeira seção, serviria além de
uma atividade positiva, como a prevenção, mas também como uma forma de universalizar
direitos de modo a apaziguar injustiças históricas e consolidar a experiência da democracia
liberal. A institucionalização dessa última seria a primeira medida a promover os direitos
humanos (PIOVESAN, 2014) como uma maneira de contornar as barbáries das
experiências totalitárias no mundo e, principalmente, na América Latina (MONTERISI,
2009).
Antes de tratar especificamente do sistema em si, é necessário retomar alguns
antecedentes históricos dos dispositivos fundadores do aparato regional de proteção dos direitos
humanos. Dessa forma, Cançado Trindade (2003b) elenca que alguns instrumentos foram
constituídos, não-intencionalmente, como sendo preliminarmente e limitadamente congruentes
com alguns direitos e valores de direitos humanos, que seriam futuramente preconizados pelo
SIPDH21. Desse mesmo modo, na Conferência Interamericana de Lima, de 1938, se produziu
uma resolução mais próxima da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
(DADDH), que viria a ser criada após uma década. Tal resolução da Conferência de 1938, pela
primeira vez, abordou diretamente os direitos humanos em uma reunião de países americanos,
ainda contendo medidas para sua promoção e prevenção. Com essa resolução, observou-se uma
considerável dose de acordos recomendatórios e vinculantes sobre matérias que seriam
observadas mais integralmente apenas uma década depois. Nesse contexto, houve acordos que
foram contemporâneos à fundação do SIPDH, também são notáveis no âmbito da proteção dos
direitos humanos22.
Assim, em meio a esse momentum do surgimento de novos ideais na sociedade
internacional do pós-guerra, o SIPDH teve seu “nascimento” com os dois dispositivos
consagrados em 1948, a Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem (DADDH), no objeto de criação da Organização dos Estados Americanos (OEA). O
objetivo da proteção dos direitos humanos em âmbito regional foi amplamente percebido no
preâmbulo da Carta da OEA, onde se esclareceu que “[...] a missão histórica da América é
oferecer ao Homem uma terra de liberdade e um ambiente favorável ao desenvolvimento de
21
Essa questão é exemplificada pelos seguintes dispositivos: Convenção sobre Direitos dos Estrangeiros (1902),
Convenção sobre o Estatuto de Cidadãos Naturalizados (1906), Convenção sobre o Estatuto de Estrangeiros
(1928) e a Convenção sobre o Asilo (1928). Além desses, também são consideradas importantes as resoluções
XXVII, sobre liberdade de informação, XXVIII sobre direitos da mulher, XLI sobre discriminação racial, LV
sobre direitos da mulher e da criança, e LVI sobre questões sociais da Conferência de Chapultepec, de
1945 (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
22
Tais dispositivos coexistentes são a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais (1948), Convenções
Interamericanas sobre Direitos Políticos e Civis da Mulher (1948) e as Convenções sobre Asilo Diplomático e
Asilo Territorial (1954) (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
57
sua personalidade e à realização de suas justas aspirações” (CARTA, s/d, s/p). A Carta da OEA
também incorporou a si a obrigação da atuação regional conforme direitos e valores
considerados no âmbito da ONU (CARTA, s/d), os quais se dispuseram da elevação dos direitos
humanos com a consagração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em
1948.
A Carta da OEA, ainda, proclamou valores como a “solidariedade americana”, a
promoção das instituições democráticas como um regime de liberdade individual e justiça
social, e o respeito dos direitos essenciais do homem. O artigo 17 da Carta também estabelece
que “Cada Estado tem o direito de desenvolver, livre e espontaneamente, a sua vida cultural,
política e econômica. No seu livre desenvolvimento, o Estado respeitará os direitos da pessoa
humana e os princípios da moral universal.” (CARTA, s/d, s/p). Assim, clarifica-se a noção de
soberania como emanada de uma condição de personalidade jurídica internacional, entretanto,
encontrando limites na não consideração dos direitos humanos, uma barreira do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) nascente aos Estados.
Contudo, atribui-se à Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
(DADDH), de 1948, o objeto de maior importância para o projeto de proteção dos direitos
humanos no continente americano. Essa objetificação de importância se deve ao fato de que a
Declaração foi a primeira base normativa dedicada a proteger uma série de direitos. A DADDH,
como contemporânea da Carta da OEA, tinha natureza de complementariedade a essa última,
compondo, assim, o primeiro corpo normativo do Sistema Interamericano de Proteção. A
estrutura que estava a se formar nesse momento obedecia à lógica observada nos acordos
anteriores supracitados, mas não só, também mantinha a mesma lógica dos seus
contemporâneos, como a construção do dispositivo europeu de proteção, exemplificado na
Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950.
Para quanto a Declaração,
Dessa forma, a base de direitos que foram consagrados envolve, primordialmente, direitos à
vida, liberdade, à segurança e integridade, à isonomia perante a lei, à liberdade religiosa, de
culto, ao reconhecimento da personalidade jurídica e dos direitos civis, à justiça e à petição
58
23
Além desses, estão inclusos os direitos à liberdade de opinião, à expressão, à proteção da vida particular, à
infância, à residência, ao trânsito, à inviolabilidade do domicílio, à preservação da saúde, e ao bem-estar e à
educação. Ainda foram consagrados direitos aos benefícios da cultura, ao trabalho e a uma justa retribuição, ao
descanso e ao seu aproveitamento, à previdência social. Por fim, os direitos à nacionalidade, ao sufrágio e de
participação no governo, à reunião, à associação, à propriedade, à proteção contra prisão arbitrária, ao processo
regular, ao alcance dos direitos do homem também passaram a ser resguardados (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1948).
59
humanos, os quais foram enunciados pela DADDH, ou seja, serviria como um órgão consultivo,
sem poderes vinculantes.
Contudo, com base em suas primeiras atuações, que se resumiam em relatórios anuais e
pontuais, visitas a Estados e demais formas de produção de ciência relacionada à proteção dos
direitos humanos no continente americano, logo foi concedido à Comissão a ampliação de suas
competências. Tais relatórios anuais, além de extensas exposições sobre tendências em matéria
de direitos humanos, também envolviam o apontamento de ineficiências nos ordenamentos
internos dos países americanos. Posteriormente, houve o primeiro esforço de ampliação das
capacidades da CIDH com o advento da VIII Reunião de Consulta de Ministros das Relações
Exteriores, em Punta del Este, em 1962. Nessa ocasião, a Resolução IX recomendou ao
Conselho da OEA o aumento das atribuições e poderes da Comissão, que levou à Resolução
XXII da II Conferência Interamericana Extraordinária, que tomou lugar no Rio de Janeiro, em
1965. Essa resolução inaugurava a capacidade da CIDH de receber petições e comunicações
acerca de violações de direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Tal condição de
ação que a CIDH, agora, gozava, fazia com que seu escopo de interpretação se estendesse ainda
mais, tornando a evolução do alcance dos direitos mais rápida24, beneficiando, portanto, os
países que mantiveram esforços para a ampliação do raio de atuação do Sistema Interamericano
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).
O processo de institucionalização e de fortalecimento normativo da Comissão, como
instituição secundária, continuou com o Protocolo de Buenos Aires, de 1967, entrando em vigor
apenas em 1970. Esse Protocolo, também concebido como “Reformas da Carta da OEA”,
elevou o status jurídico do órgão a um dos principais da OEA. Dessa forma, a CIDH, após sete
anos de atuação, passou a ser dotada de base convencional definida. O marco da
convencionalidade dos órgãos é determinante para que seus mandatos ultrapassem a esfera da
promoção, compondo sua principal atividade, como o controle e a fiscalização da proteção dos
direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Assim, inaugura-se uma nova fase no
combate às violações de direitos humanos no continente americano, no qual “Estava aberto o
campo ao fortalecimento “constitucional” do exercício de seus poderes e da significação
política de suas decisões” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 37).
24
Um exemplo de como sua atividade evoluiu foi percebido no caso da República Dominicana (1965-1966), onde
a Corte operou procedimentos no país por mais de um ano e no qual se observou que “[...] a Comissão
transformou-se em verdadeiro órgão de ação, [...], tal ação, sem precedentes, ampliou sua competência”
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 36).
60
Dessa forma, essa condição de fortalecimento abriu novas portas para a CIDH em
matéria de manter investigações in loco nos países-parte, coleta de dados sobre as violações,
além de elaborar recomendações e relatórios anuais com informações dadas pelos próprios
aparatos estatais sobre direitos humanos. Segundo Cançado Trindade (2003b), a CIDH ainda
funcionava como um catalisador para a harmonização das legislações domésticas com o pacote
de direitos concedidos pelos tratados e protocolos consagrados no âmbito regional. Assim, a
atuação da Comissão em relação às comunicações e petições era restrita aos critérios de
admissibilidade. Esses últimos formavam um conjunto de condições, as quais o sujeito
peticionante, ou comunicador, deveria satisfazer para, assim, usufruir dos atendimentos da
CIDH. Conforme acordado no Protocolo supracitado, o peticionamento individual deve
acontecer apenas quando os recursos do direito interno se esgotarem (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1967).
No entanto, a atuação da Comissão Interamericana com relação aos critérios de
admissibilidade foi extensiva e liberal, tendendo a utilizar técnicas processuais em prol dos
reclamantes. No sentido de a CIDH adotar tal metodologia de aproximação às condições, ela,
por vezes, demonstrou se esforçar para explorar ao máximo os limites de admissibilidade dos
casos. Tal situação é percebida quando a CIDH, em vez de descartar os casos por esses não
alcançarem o “esgotamento das medidas de direito interno”, os posterga ou solicita informações
adicionais sobre esse, visando a sua reabertura subsequente. Nessa lógica, a Comissão utilizou
uma regra de interpretação, primeiramente utilizada na II Conferência Interamericana
Extraordinária, para relativizar o critério do esgotamento interno em violações generalizadas de
direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Logo, “[...] a Comissão voltou a aplicar aquela regra de interpretação em alguns casos
concernentes à suspensão de garantias do devido processo legal e a outras irregularidades, e à
ineficácia dos recursos de amparo e de habeas corpus; [...]” (CANÇADO TRINDADE, 2003b,
p. 40, grifos do autor). Dessa forma, essa condição extraordinária de dispensa dos critérios de
admissibilidade correspondeu, em certa medida, a uma aproximação do Sistema Interamericano
e da ordem interna de proteção aos direitos humanos, ainda demonstrando que esses não eram
absolutos. Percebe-se, nessa instância, que a gradualidade dos avanços dos padrões de justiça
não obedece a uma sequência linear e exclusiva da concessão de poderes às instituições
diretamente. Entretanto, o poder de atuação das instituições, também, emana da sua própria
maneira de forçar as barreiras que as limitam. Esse processo toma parte no conflito existente
entre a dualidade do direito interno com o internacional, como dito acima.
É possível entender a prática da Comissão a partir da ideia de que
61
Dessa forma, concebe-se que a atuação da CIDH influenciou e consolidou o próprio processo
e andamento do SIPDH. Isso ocorreu não apenas pela flexibilização dos critérios de
admissibilidade no âmbito das comunicações e petições, mas também pela concepção dos
relatórios anuais e estudos sobre temas de direitos humanos, como por meio das medidas
preventivas que, em certo ponto, influenciaram a conjugação de normas nos ordenamentos
jurídicos internos dos países.
A partir de toda a evolução percebida na década de 1960, especialmente pela atuação da
CIDH e, ainda, pela Resolução XXIV da II Conferência Extraordinária Interamericana, esse
processo de evolução teve sua continuação quando se decidiu pela elaboração de uma
Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Após receber o aval dos Estados-membros da
OEA, os atores se reuniram na Conferência Interamericana Especial sobre Direitos Humanos,
em San José, na Costa Rica. Dessa forma, os retoques finais e o acordo para a criação da
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) ocorreram entre os dias 7 e 22 de
novembro de 1969, sendo conhecida, também, pelo nome Pacto de San José da Costa Rica
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).
No entanto, anteriormente, em seu processo preparatório, foi levantada a matéria da
complementariedade e coordenação entre o Pacto e outros dispositivos de proteção dos direitos
humanos da ONU (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Isso demonstra que o processo de
evolução normativo foi encarado pelos próprios aparatos regionais e institucionais como de
coexistência, no sentido de se desenvolver não conflituosamente na sociedade internacional, o
que exemplifica a consolidação da ordem baseadas nas diretrizes do pós-guerra. O processo de
internacionalização dos direitos humanos se deu, e ainda se dá, necessariamente, devido a essa
coordenação internacional. Dessa forma, a Convenção se constituiu, primeiramente, de um
catálogo atualizado de direitos civis e políticos, e não enunciava, especificamente, nenhum
direito social, cultural ou econômico. No entanto, tal catálogo de direitos foi incluído na
Convenção pelo Protocolo de San Salvador, em 1988, o qual entrou em vigor em 1999, fazendo
com que, assim, os Estados garantam tais direitos internamente (PIOVESAN, 2014).
62
25
A Corte, assim como a Comissão, tem sete membros, entre juristas e cidadãos dos Estados-membros da OEA,
que cumprem um mandato de sete anos, com uma possível reeleição. Além dessas regras, dois juízes de mesma
nacionalidade não podem coexistir ao mesmo tempo dentro da Corte (COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 1969).
64
[...] em seus julgamentos, tem relacionado tais direitos protegidos com a obrigação
geral dos Estados Partes sob a Convenção Americana de assegurar o respeito desses
direitos; a esta se pode acrescentar a outra obrigação geral sob a Convenção de adotar
medidas legislativas e outras que se fizerem necessárias para dar efeito a tais direitos
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 54, grifos do autor).
Esse tipo de prática influenciou profundamente o andamento das legislações dos países
membros. Além disso, a Corte IDH, através da evolução dada pela jurisprudência, tem ordenado
cada vez mais medidas provisórias prima facie, ou seja, com base em uma presunção “razoável”
para com os Estados, para garantir a segurança de indivíduos que ainda não tiveram seus casos
aprovados ao atendimento da Comissão (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Ainda sobre a
evolução normativa da Corte, é importante citar a evolução do seu regulamento, sendo eles
quatro, até os dias atuais, tendo seu último regulamento reformado em duas oportunidades
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2009).
Essa evolução foi um processo gradual de adaptação da regulação, em referência da
natureza evolutiva dos casos. Com vistas a relativizar o rígido processo de adjudicação, em
ordem de simplificar e de torná-lo mais maleável às diferentes demandas que a Corte
enfrentava. Uma das evoluções mais importantes no tocante aos regulamentos se deu no terceiro
26
Desse modo, o Estado deve, em ordem de atribuir à Corte a contingência nos casos, reconhecer a declaração
especial do artigo 62º §§ 1 e 2, com o Estado podendo fazer um acordo especial, prescrito no artigo 62º § 3 da
Convenção (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).
27
Todos os casos de petição passam pelas fases de “[...] exceções preliminares, competência, mérito, reparações,
supervisão do cumprimento das sentenças e interpretação das mesmas.” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p.
53).
65
A Corte também logrou resultados expressivos no exercício de sua função contenciosa, essa
que, foi de longe, a mais importante por se tratar de um processo devidamente jurídico entre a
pessoa humana e o Estado, com força vinculante e obrigatória. Segundo Cançado Trindade
(2003b), a petição individual é a capacidade protagonista no conjunto de mecanismos de
proteção dos direitos humanos. Visto essa colocação, é importante pensar, como já dito na seção
anterior, que o processo de peticionamento individual mudou muito após a entrada em vigor da
Convenção Americana, em 1979.
A Corte, primordialmente, tem o dever positivo de cobrar as obrigações gerais dos
Estados-parte da CADH, as quais podem se resumir na salvaguarda dos direitos assumidos, na
prevenção por medidas legislativas, entre outras. Combinando os deveres com as
especificidades dos direitos protegidos em cada caso de violação, produziu-se uma quantidade
considerável de decisões, ou títulos executivos, os quais se traduziram em novos padrões de
justiça ao longo dos anos de desempenho da Corte. Deste modo, é possível citar algumas
evoluções baseadas nas especificidades e conclusões de casos notáveis durante os anos de
atuação da Corte IDH. O primeiro caso litigioso foi o caso Velásquez Rodríguez
e Godínez Cruz versus Honduras, em 1988. Realizada a investigação dos fatos e as informações
apresentadas, a Corte concluiu que, devido aos direitos violados, deveria adotar uma
interpretação pioneira da CADH, ao cobrar o dever de investigação e da punição dos devidos
perpetradores ao Estado hondurenho (PIOVESAN, 2014).
De mesmo modo, a Corte também adotou medidas pioneiras quando das considerações
do caso Castillo Páez versus Peru (1987), onde se concluiu a cobrança da isonomia e eficiência
dos aparatos jurídicos do Estado peruano, fazendo relação à característica democrática e do
Estado de Direito. Em relação ao caso Loayza Tamayo versus Peru (1997), se lidou,
primeiramente, com uma incongruência de dispositivos judiciais internos com direitos da
CADH. Nesse mesmo âmbito da incompatibilidade perante disposições da CADH, no caso
Suárez Rosero versus Equador (1997), a Corte IDH, ao declarar a incompatibilidade de um
artigo do código penal interno com uma disposição da Convenção Americana, cobrou
reparações das normas internas equatorianas. No âmbito do litígio Castillo Petruzzi versus Peru
67
(1998), a corte interamericana defendeu, pela primeira vez, as bases do direito de petição
individual após o Estado a ter contestado. Nesse sentido, o caso Hilaire, Benjamin
e Constantine versus Trinidad e Tobago (2001), de mesmo modo, representou a defesa da
integridade do mecanismo de petição individual pela Corte contra o argumento de conflito com
interesses do Estado. No mérito do caso Paniagua Morales e Outros versus Guatemala (1998),
a carga de sentença do contencioso resultou, pela primeira vez, em uma categoria inteira apenas
sobre medidas legislativas internas que o Estado deveria providenciar. Após esse, o caso
Blake versus Guatemala, ocorrido um ano depois, também resultou na inclusão de uma
categoria de reforma legislativa interna (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Referente às evoluções no plano cultural, no caso Aloeboetoe versus Suriname (1993),
considerou-se, dentre as reparações do Estado surinamês, as especificidades culturais do grupo
dos saramacas. Nessa categoria de evoluções por considerações culturais, no
caso Mayagna Awas Tingni versus Nicarágua (2001) se considerou o próprio modus vivendi da
comunidade na reparação sobre direitos de propriedade. Já em relação ao direito de anistia, o
caso Barrios Altos versus Peru (2001) representou um avanço, a partir do momento em que a
Corte deferiu que o Estado tentou impedir a manifestação da “verdade”, admitindo a
inadmissibilidade da ausência de dispositivos internos de anistia, concluindo que leis sobre tal
deveriam ser reformadas no intuito de não representarem mais obstáculos às investigações
futuras. Ainda sobre essa categoria de direitos, o caso “A última tentação de
Cristo” versus Chile (2001), quando se proibiu a exibição do filme “A Última Tentação de
Cristo” no Chile, sendo este considerado uma violação do direito à expressão e difusão de ideias
e informações, concluindo, portanto, que a reparação deveria se basear na suspensão de leis de
direito interno sobre a censura da película (CANÇADO TRINDADE, 2003b). No mesmo
sentido, no caso Almonacid Arellano versus Chile (2006), a Corte agiu contra o aparato de leis
do Estado que impediam o devido levantamentos dos fatos, ou seja, uma violação contra a
anistia, tendo a Corte, então, exigido uma reforma do ordenamento interno, na reparação, com
a suspensão e homogeneização das disposições de anistia da CADH com o aparato de leis
chileno. Esse procedimento de reparação de leis pela compatibilidade recebeu, nesse processo,
a conceituação de controle de convencionalidade (PIOVESAN, 2014).
Além das próprias medidas desenvolvidas e encontradas no mérito dos casos, a Corte
também teve um papel fundamental na resposta às solicitações da Comissão, no que diz respeito
ao caráter das medidas provisórias. Nesse sentido, a Corte, com base do artigo 63(2) da CADH,
pode adotar medidas em respeito à prevenção de possíveis danos irreversíveis. Na matéria dessa
competência, a Corte só pode responder a solicitação da Comissão, não conferindo a ela caráter
jurídico positivo referentes às medidas provisórias emitidas. No entanto, antecedendo esse
processo, a Corte IDH tende a verificar se o Estado reconhece sua competência contenciosa,
antes de emitir o pedido de medida provisória à Comissão, com o intuito de realizar um
69
procedimento, uma prova de presunção razoável, ao provável litígio. Dessa forma, com base
nos direitos a serem salvaguardados, a Corte, no evento dos Haitianos e Dominicanos de
Origem Haitiana na República Dominicana (2000), desenvolveu embrionariamente um
dispositivo de habeas corpus internacional (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Referente a
isso,
[...] a Corte adotou medidas provisórias visando, inter alia, proteger a vida e
integridade pessoal de cinco indivíduos, evitar a deportação ou expulsão de dois deles,
permitir o retorno imediato à República Dominicana de dois outros, e a reunificação
familiar de dois deles com seus filhos, além da investigação dos fatos (CANÇADO
TRINDADE, 2003b, p. 82, grifos do autor).
responsabilidade individual pelo delito de tortura (artigo 3) e as obrigações dos Estados Partes
de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição.” (CANÇADO TRINDADE, 2003b,
p. 86).
Já a segunda convenção setorial foi sobre desaparecimento forçado de pessoas, de 1994, que
estabeleceu a responsabilidade individual no delito de desaparecimento forçado, configurando-
a, então, como uma violação internacional, de modo a culpabilizar o indivíduo perpetrador e
promover deveres de investigação e punição a esse pelo Estado, entre outras obrigações.
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994). A terceira das convenções
setoriais foi sobre a questão da prevenção, punição e da erradicação da violência contra a
mulher, assinada em 1994. Esta cumpriu o dever de ampliar o catálogo de direitos civis,
econômicos, sociais e culturais, além de positivar obrigações aos Estados e agregar seus deveres
de monitoramento às lógicas dos mecanismos do SIPDH, a CIDH e a Corte IDH
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994b). Na quarta, e última convenção
setorial, até os dias atuais, se abordou a eliminação de todas as formas de discriminação contra
pessoas portadoras de deficiências, adotada em 1999. Ela delega deveres de prevenção e
punição aos Estados sobre todas as formas de discriminação à indivíduos deficientes, assim
como sua devida integração com a sociedade. Entre tais deveres se inclui a submissão de
relatórios de supervisão desses direitos perante a Corte (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1999).
Até o ano de 2019, na Corte IDH, 433 casos culminaram em uma sentença e 675
medidas provisórias foram emitidas (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 2020). No ano de 2019, 32 novos casos foram submetidos à Corte IDH, 25
sentenças foram emitidas, 18 audiências públicas foram realizadas e 20 resoluções de medidas
provisórias publicadas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2019).
Isso indica que, em contraponto com os anos anteriores, conforme a evolução percebida no
gráfico, o sistema foi ficando mais eficiente de modo gradativo, contando com novos sistemas
informacionais, além da flexibilização da sua atuação em vias das suas novas regulações, que
foram surgindo conforme sua evolução, sobretudo na última década.
Gráfico 3: Casos contenciosos julgados pela Corte IDH de 1979 até 2019
77
Como consta no gráfico 3, o número de casos levados à Corte IDH tem aumentado com
o tempo. Primeiramente, isso se relaciona, em termos práticos, com o aumento de petições
submetidas à Comissão; se as petições aumentam, logo os casos também irão aumentar. Em
segundo lugar, o aumento do número de casos também pode estar relacionado a uma mudança
de percepção acerca do papel da Corte IDH, a qual passa a ser entendida, cada vez mais, como
um dos últimos recursos para muitas pessoas, visto que as petições só são aprovadas quando os
recursos jurídicos domésticos dos Estados se esgotam. Em terceiro lugar, isso pode ser
entendido, em termos mais normativos, como uma evidência do aumento do reconhecimento
do papel da Corte IDH como protetora dos direitos humanos no âmbito do SIPDH, o que mostra
a importância desse aparato jurídico para fortalecer a atuação dos indivíduos no âmbito
internacional em busca de justiça.
Dentre todos os casos que já foram julgados pela Corte IDH, alguns merecem uma breve
menção tendo em vista suas contribuições para a ação do indivíduo no âmbito do SIPDH, com
destaque para a petição individual. Para fins desse trabalho, foram escolhidos casos de destaque
que podem ser encaixados em duas categorias: “incompatibilidade da legislação interna com a
Convenção Americana” e “contestação da competência contenciosa da Corte IDH”28. A
primeira categoria se justifica pelo caso escolhido para posterior análise, na seção dois deste
capítulo, Almonacid Arellano y otros Vs. Chile se encaixar nessa categoria; e a segunda se
justifica por abordar casos onde a Corte IDH fez valer a sua competência contenciosa diante de
questionamentos estatais, o que acabou por fortalecer sua atuação.
28
As categorias foram criadas pelos autores exclusivamente para a demonstração da força da jurisprudência da
Corte IDH. Não há outras categorias além das apresentadas neste trabalho.
78
a primeira vez que a Corte estabeleceu uma violação do artigo 2 da Convenção pela
existência per se de uma disposição legal do direito interno, [...] porquanto, em seu
entender o Estado demandado não havia tomado as medidas adequadas de direito
interno a fim de tornar efetivo o direito contemplado no artigo 7(5) da Convenção
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 70, grifos do autor).
29
Esse caso diz respeito ao modo como a prisão do Sr. Rafael Ivan Suárez Rosero por uma suspeita de
envolvimento com tráfico internacional de drogas foi feita por policiais equatorianos. Foram violados os Arts.
5º (direito à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial)
da Convenção Americana (BARLETTA, 2018).
30
O artigo 2º enuncia o “dever de adotar disposições de direito interno”, ou seja, “se o exercício de direitos e
liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outras
natureza, os Estados partes comprometem-se a adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as
disposições desta convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar
efetivos tais direitos e liberdades” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
31
O artigo 7º se refere ao “direito à liberdade pessoal”. O seu § 5 disserta que “toda pessoa detida ou retida deve
ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções
judiciais e tem direito a ser julgada dentro um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que
prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em
juízo” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
32
Esse caso diz respeito ao sequestro, tortura e execução de cinco jovens em situação de rua (Anstraum Villagrán
Morales, Henry Giovani Contreras, Federico Clemente Figueroa Túnchez, Julio Roberto Caal Sandoval e Jovito
Josué Juárez Cifuentes) pela polícia guatemalteca (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 1999). O Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar os direitos), 4º (direito à vida), 5º (direito
à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais), 19º (direito das crianças), 25º
(proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS,
1999).
79
O terceiro caso de destaque dessa categoria é o caso Loayza Tamayo Vs Peru33 (1997),
no qual a Corte IDH ponderou, pela primeira vez em um caso contencioso, a incompatibilidade
do direito interno de um Estado com a Convenção Americana pela violação do Art. 8°, que se
refere às garantias judiciais, § 434 dessa última. O caso foi importante pois, dentre outras
contribuições, levou ao fim dos chamados “juízes sem rosto”35 do Peru, extintos pelo governo
do país no mesmo ano da sentença emitida pela Corte IDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
O quarto caso de destaque, e de extrema importância para a jurisprudência relativa à
validade das leis de anistia domésticas, é Barrios Altos Vs Peru36 (2001), no qual a Corte IDH
“advertiu que as disposições de anistia, de prescrição e de fatores excludentes de
responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por
violações graves dos direitos humanos [...] são inadmissíveis [...].” (CANÇADO TRINDADE,
2003b, p. 74). Segundo a sentença emitida pela Corte, as disposições citadas acima, ao
isentarem o Estado de responsabilidade, contribuem para dar sequência à impunidade e não
fornecem meios para as vítimas desses crimes buscarem justiça, o que é incompatível com a
Convenção Americana (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Logo, o Estado deve mudar a sua
legislação interna para que tais leis não constituam barreiras na busca da justiça. Esse caso,
juntamente com o caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005), que será analisado com
mais detalhes na segunda seção deste capítulo, foram extremamente importante para o
estabelecimento do chamado controle de convencionalidade (MAZZUOLI, 2008), que também
será explorado mais à frente.
33
Esse caso diz respeito à prisão e tortura da Sra. María Elena Loayza Tamayo por membros da Divisão Nacional
contra o Terrorismo da Polícia Nacional do Peru, sem uma ordem de prisão expedida por um órgão judicial
competente, por ser suspeita de fazer parte do grupo subversivo “Sendero Luminoso” (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1997). O Estado foi condenado de violar os Arts. 1º
(obrigação de respeitas os direitos), 5º (direito à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º
(garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE
DERECHOS HUMANOS, 1997).
34
O artigo 8º se refere às “garantias judiciais”. O § 4 disserta que “o acusado absolvido por sentença passada em
julgado não poderá ser submetido a novo processo pêlos (sic) mesmos fatos” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
35
A prática de tribunais dos chamados “juízes sem rosto” foi muito comum em países da América Latina durante
a época dos regimes militares. O nome se refere a juízes que trabalhavam em casos considerados altamente
perigosos, como os de crime organizado e terrorismo, e, por esse motivo, não tinham suas identidade reveladas
(FREIRE, 2019).
36
Esse caso diz respeito ao assassinato de quinze pessoas e ao cometimento de ferimentos graves a outras quatro
por membros do Exército Nacional do Peru na vizinhança conhecida como Barrios Altos, em Lima, no Peru
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 4º (direito à
vida), 5º (direito à integridade pessoal), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS).
80
37
Esse caso diz respeito à uma censura judicial imposta à exibição do filme ”A Última Tentação de Cristo” no
Chile (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 1º
(obrigação de respeitar os direitos), 2º (dever de adotar disposições de direito interno), 12º (liberdade de
consciência e de religião) e 13º (liberdade de pensamento e expressão) da Convenção Americana (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001).
38
O artigo 13º se refere à “liberdade de pensamento e expressão”. Seu parágrafo 1 coloca que “toda (sic) pessoa
tem direito à liberdade de pensamento e expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e
difundir informações e idéias (sic) de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito,
ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
39
O artigo coloca em seu § 1 que “Todo Estado Parte pode, no momento do deposito de seu instrumento de
ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece
como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Côrte (sic) em todos os casos
relativos a interpretação ou aplicação desta Convenção.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 1969, s/p).
81
viria a ser chamado, após o caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005), de controle de
convencionalidade. Esse controle contribui para o fortalecimento da jurisdição da Corte, na
medida em que a legislação interna dos países é submetida a questionamentos quando da
violação dos direitos humanos fundamentais contidos na Convenção Americana40. Logo, o
controle de convencionalidade busca evitar que os Estados sejam, simultaneamente, os fiscais
e fiscalizados do dado controle (CAMILO, 2016). A Corte IDH, então, solicita aos Estados a
mudança de tal legislação para que os direitos humanos violados sejam salvaguardados, seja
por meio da extinção de alguma lei e/ou criação de novas legislações. Dessa forma, além de
fortalecer e legitimar sua própria atuação, a Corte IDH também contribui para fortalecer a
proteção dos direitos humanos tanto no continente americano como no mundo.
Na segunda “contestação da competência contenciosa da Corte IDH”, por sua vez, o
primeiro caso de destaque é Castillo Petruzzi Vs Peru41 (1998), onde o Estado havia atacado o
direito de petição individual, e a Corte IDH sustentou a procedência do mecanismo
apresentando todos os fundamentos de sua competência contenciosa (CANÇADO
TRINDADE, 2003b), reafirmando a importância de tal mecanismo para garantir o exercício
dos direitos individuais no continente americano.
Em outros dois casos, Tribunal Constitucional Vs Peru42 (2001) e Ivcher Bronstein Vs
Peru43 (2001), ao ter sua competência questionada novamente, quando da intenção do Peru de
não reconhecer, unilateralmente, a competência contenciosa da Corte IDH, sem mais
explicações. Nessa ocasião, a Corte IDH declarou a atitude do Peru inadmissível e sem
fundamento jurídico válido no âmbito do direito internacional e de tratados relacionados ao
SIPDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Segundo Cançado Trinade (2003b), essa postura da
40
O controle de convencionalidade será explicado com mais detalhes na próxima seção.
41
Esse caso diz respeito ao julgamento de quatro cidadãos peruanos (Jaime Francisco Sebastián Castillo Petruzzi,
María Concepción Pincheira Saéz, Lautaro Enrique Mellado Saavedra e Alejandro Luis Astorga Valdez) por um
tribunal com juízes sem rosto que pertencia à justiça militar, culminando na condenação à prisão perpétua pelo
crime de traição à pátria (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1999). O Estado violou
os Arts. 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais), 9º (princípio da legalidade e da retroatividade)
e 20º (direito à nacionalidade) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 1999).
42
Esse caso diz respeito a destituição de três juízes do Tribunal Constitucional do Peru (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar
os direitos), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001).
43
Esse caso diz respeito à privação, por parte do Peru, da nacionalidade do senhor Ivcher Bronstein, cidadão
naturalizado peruano, com o objetivo de tirá-lo do controle do editorial do Canal 2, responsável por divulgar
violações graves de direitos humanos e crimes de corrupção (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar os direitos), 8º (garantias judiciais), 13º
(liberdade de pensamento e expressão), 20º (direito à nacionalidade), 21º (direito à propriedade privada) e 25º
(proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS,
2001).
82
Corte IDH “salvaguardou a integridade da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, [...]
e, em última análise, contribuiu decisivamente a fortalecer a base jurisdicional de sua
competência em matéria contenciosa” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 72-73).
No caso Hilaire, Benjamin e Constantine y otros Vs Trinidad e Tobago44, de 2001,
também tentou-se enfraquecer a competência contenciosa da Corte IDH quando Trinidad e
Tobago, por meio de uma exceção preliminar não prevista no Art. 62° da Convenção
Americana, o que, se aceita pela Corte IDH, implicaria em uma interpretação baseada na
Constituição de Trinidad e Tobago e não na Convenção Americana, abrindo espaço para uma
deslegitimação da Convenção e do próprio SIPDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Ao não
acatar tal exceção preliminar, a Corte IDH fez valer sua própria jurisdição, mantendo a
integridade tanto da Convenção Americana como do SIPDH no geral (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
A importância desses casos está relacionada, principalmente, à afirmação da Corte IDH
como um aparato jurídico legítimo ao qual os indivíduos que se sentirem lesados por seus
próprios Estados possam recorrer em busca de justiça. Nesse sentido, ao reafirmar sua
competência contenciosa frente aos Estados que a contestam, a Corte IDH não abre brechas
para que sua jurisdição seja desrespeitada, fortalecendo-se como instituição internacional. Além
disso, também se coloca de maneira mais afirmativa como um local dotado de mecanismos
voltados para a proteção dos direitos humanos que deve ser respeitado pelos Estados e visto
como legítimo, na medida em que esses últimos concordaram em cria-la, logo, estão de acordo
com seus procedimentos.
Como mencionado anteriormente, o caso a ser analisado neste trabalho é o caso
Almonacid Arellano y otros Vs Chile. A escolha desse caso advém de suas contribuições para
o Direito Internacional Público, assim como para o próprio Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH) e, principalmente, para os sistemas regionais. A contribuição mais
importante do caso, como será discutido, foi a formalização do que é chamado de controle
convencionalidade (MAZZUOLI, 2008), um mecanismo para avaliar a conformidade entre leis
domésticas e leis internacionais, que ajuda a garantir a efetividade do cumprimento dos tratados,
garantindo, em troca, o próprio funcionamento do SIPDH e, mais especificamente, do
mecanismo de petição individual. Além disso, o caso também abriu margem para um amplo
44
Esse caso é um compilado de três demandas submetidas à Corte IDH (CORTE INTERAMERICANA DE
DERECHOS HUMANOS, 2002). De modo geral, o Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar os direitos),
2º (dever de adotar disposições de direito interno), 4º (direito à vida), 5º direito à integridade pessoal), 7º direito
à liberdade pessoal, 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana com relação a
todos os envolvidos (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2002)
83
desenvolvimento de estudos na área do Direito Internacional Público, bem como para a própria
institucionalização das reparações legislativas. A próxima seção, portanto, abordará o caso com
mais detalhes, sua história e suas repercussões, tanto normativas como para o direito
internacional.
4.2 Caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile no Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos
Durante a segunda metade do século XX, diversos países da América Latina foram
assolados por regimes militares45. Um desses países foi o Chile, o qual em 11 de setembro de
1973, teve seu governo e o presidente, Salvador Allende, destituídos.46 A justificativa dada
pelos militares foi de que a ordem deveria ser mantida no país e que, para isso, eles passariam
a assumir não só o poder executivo, mas também o poder constituinte (judiciário) e o legislativo.
Segundo os militares, a nova presidência se beneficiava “[...] de uma soma de poderes jamais
vista no Chile [...].” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 27).
Porém, juntamente com a ascensão dessa nova Junta de Governo, presidida pelo general
Augusto Pinochet, a repressão generalizada tomou conta de boa parte do território chileno.
Desde o dia do golpe até o fim do regime militar, em 10 de março de 1990, pessoas que eram
consideradas opositoras eram torturadas, privadas de sua liberdade, sequestradas e, em casos
mais extremos, executadas. Essa repressão mais violenta ocorreu, de forma mais intensa, nos
primeiros meses do regime militar, sendo as vítimas notáveis figuras da esquerda, militantes,
políticos contrários ao novo governo, sindicalistas, estudantes, representantes de movimentos
sociais, entre outros (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Foi nesse cenário que ocorreu a execução do militante do Partido Comunista e dirigente
do sindicato de professores da cidade de Rancagua, o professor Luis Alfredo Almonacid
Arellano, que, na época, tinha 42 anos. Considerado pelo regime um subversivo que não se
alinhava com os ideais dos novos governantes, Almonacid Arellano foi procurado no dia 14 de
45
Onda de regimes militares direitistas que ocuparam diversos países da América do Sul, a partir da década de
1960. A tomada desses países pelos militares tinha como justificativa a ameaça do comunismo e de revoluções
(HOBSBAWM, 1995)
46
Em 1973, o Estado do Chile sofreu um golpe militar, fortemente apoiado pelos Estados Unidos da América,
com a justificativa de combater seus inimigos, que era formado pela esquerda unida de socialistas, comunistas
e outros progressistas. Com isso, o governo de Salvador Allende, líder socialista e presidente eleito do Chile
desde 1970, foi substituído pelo governo do chefe militar, Augusto Pinochet, esse que impôs uma política
ultraliberalista no território. O regime militar chileno durou 17 anos, anos estes caracterizados por execuções,
massacres, tortura de prisioneiros e exílios em massa de adversários políticos (HOBSBAWM, 1995)
84
setembro de 1973, em sua casa, por uma patrulha de carabineiros47, não sendo encontrado no
momento já que não estava vivendo ali por motivos de segurança. Entretanto, dois dias depois,
em 16 de setembro, Arellano foi até a sua casa ver sua esposa, Elvira Gómez Olivares, e, então,
no fim da manhã daquele dia, a patrulha apareceu para “busca-lo para depor” (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Enquanto era levado até o furgão,
mesmo não tendo apresentado resistência alguma à escolta, o professor foi metralhado em sua
rua, em frente à sua esposa, família e vizinhos. Ele ainda foi levado ao hospital, operado, mas
não resistiu aos ferimentos. Além de sua morte, esse episódio causou a perda do filho que ele e
sua esposa estavam esperando, já que, no momento em que seu marido foi fuzilado, a placenta
de Elvira se rompeu, causando a perda de seu bebê (BARRIENTOS-PARRA, 2011).
Foi a partir desse acontecimento que a família de Almonacid Arrelano, em outubro de
1973, através de sua viúva Elvira Olivares, tentou por diversas vezes ajuizar uma ação que
pudesse apurar os acontecimentos e identificar os responsáveis pela morte de seu marido.
Porém, apenas 25 anos depois, em 1998, que algo de efetivo começasse a acontecer nesse caso,
a partir de seu encaminhamento para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Antes disso, as diversas tentativas de buscar justiça no “âmbito do Poder Judiciário Chileno”
não obtiveram muito êxito. Em outubro de 1973, uma apuração da morte do professor foi
iniciada pela Primeira Vara do Crime de Rancagua, com o número de processo 40.184 (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Entretanto, depois de pouco mais
de um mês do início da apuração, em 7 de novembro, o caso foi arquivado. Foi demonstrado
uma clara falta de vontade da Vara do Crime de Rancagua de investigar o caso, sendo ele aberto
e arquivado por diversas vezes até 1974.
No ano de 1978, no dia 18 de abril, uma lei decretada pela Junta de Governo chilena
complicou um pouco mais a investigação de vários casos de tortura e assassinatos ocorridos
durante o regime, incluindo o caso de Almonacid Arellano. O Decreto Lei nº 2.191 concedia
anistia, como dito em seu Art. 1º
47
Segundo o § 1 da “Ley Organica Constitucional de Carabineros de Chile”, a Carabineros de Chile “es una
Institución polítical técnica y de carácter militar, que integra la fuerza pública y existe para dar eficacia al
derecho; su finalidade es garantizar y mantener el orden público y la seguridade pública interior em todo el
territorio de la República y cumplir las demás funciones que le encomiendan la Constitución y la ley.” (CHILE,
1990, p. 1). Participaram ativamente do golpe de Estado de 1978, se tornando membros da Junta de Governo.
85
Esse decreto perdurou por muitos anos no Chile e prejudicou a condenação de diversos autores
de crimes bárbaros cometidos durante a ditadura.
Em 10 de março de 1990, após 17 anos no poder, o regime militar chileno teve fim e,
assim a democracia pôde ser restaurada no país. Apesar de o governo do general Pinochet ter
terminado, muito dos aparatos políticos, como a Constituição, e econômicos impostos no
regime militar perduraram nos anos seguintes, sem muitas modificações. Entretanto, mesmo
com essas poucas mudanças, elas foram suficientes para que a família de Almonacid Arellano
pudesse buscar por justiça. Em 1992, a viúva de Arellano solicitou que reabrissem o processo
que tinham ajuizado em 1973. A Primeira Vara do Crime de Rancagua, onde o caso foi posto,
interrogou dois supostos réus, Manuel Segundo Castro Osorio e Raúl Hernán Neveu Cortesi
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). No entanto, após os
depoimentos dos réus, a Vara se reconheceu como incompetente para julgar o caso e o mandou
para a Justiça Militar, decisão contestada pela representante do caso, o que, por fim, acabou
estagnando-o, mesmo com as investigações continuando abertas formalmente.
No dia 8 de fevereiro de 1995, o juiz responsável pelo caso declarou a conclusão do
inquérito, e no dia 15 e fevereiro do mesmo ano, ele acabou por arquivá-lo de vez, aplicando o
Decreto Lei nº 2.191, a Lei de Anistia. Porém, em 5 de junho de 1996, a Corte de Apelação
voltou a revogar a decisão de arquivamento do caso e ordenou ao juiz responsável que
condenasse os autores do atentado contra Almonacid Arellano. Em agosto do mesmo ano, o
Tribunal de Rancagua decidiu que Manuel Segundo Castro Osorio fosse considerado cúmplice
e Raúl Hernán Nebeu Cortesi fosse indiciado como autor do crime de homicídio do senhor
Arellano (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). A decisão não
foi suficiente para que os autores dos crimes fossem presos, já que, em janeiro de 1997, os
promotores da Segunda Fiscalía de Ejército y Carabineros pediram que o Segundo Juzgado
Militar encerrasse o processo, alegando que os dois não poderiam ser acusados, de acordo com
a Lei de Anistia.
48
Concédese amnistia a todas las personas que, en calidad de autores, cómplices o encubridores hayan incurrido
em hechos delictuosos, durante la vigencia de la situación de Estado de Sítio, comprendida entre el 11 de
Septiembre de 1973 y el 10 de Marzo de 1978, siempre que no se encuentren actualmente sometidas a processo
o condenadas.
86
Devido a essa última decisão, a viúva do senhor Almonacid recorreu à Corte Marcial49,
porém sem muito sucesso, já que essa Corte reforçou e confirmou a decisão do Segundo
Juzgado. Os argumentos utilizados foram que
49
Tribunal militar que determina punições a membros das Forças Armadas caso eles violem, de alguma forma, a
disciplina, a regras militares ou a hierarquia das forças militares (RODRIGUES, 2020).
50
La amnistia es una causal objetiva de extinción de responsabilidade criminal y sus efectos se producen de pleno
derecho a partir del momento estabelecido por ley, sin que puedan ser rehusados por sus beneficiarios [...], pues
se trata de leyes de derecho público, que miran al interés general de la sociedad. Lo expresado significa, que
uma vez verificada la procedencia de la ley de amnistia deben los jueces proceder a declararla, sin que en
consecuencia tenga obligatoria apliación lo dispuesto en el articulo 413 [del Código de Procedimiento Penal],
que exige para decear el sobreseimiento definitivo que este agotada la investigación com que se haya tratado de
comprobar el cuerpo del delito y determinar la persona del Delicuente
51
Lei em que se proíbe que, a partir do momento em que uma lei determina uma conduta ilícita, os efeitos que
possam ser incriminantes e condenatórios de uma certa lei, retroaja para o momento anterior à vigência desta
(MACHADO, 2019).
87
52
O art. 1º, § 1 diz respeito a “obrigação de respeitar os direitos” e coloca que “Os Estados Partes nesta Convenção
comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a
toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma,
religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica,
nascimento ou qualquer outra condição social.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 1969, s/p).
53
O art. 8º refere-se às garantias judiciais de cada indivíduo e coloca, em seu § 1, que “Toda pessoa tem direito a
ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou para que determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
54
O art. 25º é sobre proteção judicial e coloca, em seu § 1 que “Tôda (sic) pessoa tem direito a um recurso simples
e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos
que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção,
mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficias.”
(COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
55
O art. 51º, em seu § 1, coloca que “Se no prazo de três meses, a partir da remessa aos Estados interessados do
relatório da Comissão, o assunto não houver sido solucionado ou submetido a decisão da Corte pela Comissão
ou pelo Estado interessado, aceitando sua competência, a Comissão poderá emitir, pelo voto da maioria absoluta
dos seus membros, sua opinião e conclusões sôbre (sic) a questão submetida â sua consideração” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
56
O art. 44º do Regulamento da CIDH diz respeito à “submissão do caso à Corte”, e coloca, em seu § 1, que “Se
o Estado de que se trate houver aceito a jurisdição da Corte Interamericana em conformidade com o artigo 62
da Convenção Americana, e se a Comissão considerar que este não deu cumprimento às recomendações contidas
no relatório aprovado de acordo com o artigo 50 do citado instrumento, a Comissão submeterá o caso à Corte,
salvo por decisão fundamentada da maioria absoluta dos seus membros.” (COMISSÃO INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2002, p. 16). Além disso, em seu § 2, apresenta-se os elementos considerados
fundamentais para a obtenção de justiça no caso em questão (COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2002).
88
“denegação de justiça” por parte do Chile, em relação à investigação do delito, denegação essa
que durou de 1996 a 1998 (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Segundo o representante, além da infração do direito à vida, houve a probidade de justiça por
parte do Estado. Já em relação à prova testemunhal e pericial, em audiência que ocorreu em 29
de março de 2006, o representante apresentou o testemunho de Elvira Gómez Olivares, que
presenciou todo o ocorrido e passou pelo caminho de tentar resolver o caso em âmbito
doméstico. De acordo com a depoente, além da perda de seu marido e do filho que estava
esperando, e da destruição de sua família como um todo, sua vida é bastante precária pois,
apesar de receber uma pensão do Estado, esta é quase insuficiente para cobrir seus gastos,
devido à precariedade de sua saúde (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006). Ela ainda expressou que da Corte IDH ela deseja que “[...] se faça justiça,
[...] se reivindique a memória de [seu] marido [...] e, na medida que [...] se faça justiça, nunca
mais ninguém volte a sofrer o que [ela] sofreu.” (CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 20) e, além disso, clamou pelo fim da Lei de Anistia que,
segundo a mesma, é uma lei falha (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006).
Em relação ao Estado do Chile, em um primeiro momento, o mesmo alegou para a Corte
IDH algo que já tinha tentado alegar para a Comissão: que o depósito do Instrumento de
Ratificação da Convenção e o reconhecimento da competência da Corte IDH foi apenas
realizado nos anos 1990, e que o delito contra o senhor Almonacid Arellano ocorreu antes de
todas essas adesões, ou seja, o caso estaria dentro da declaração de incompetência ratione
temporis57. O Estado também alegou, em uma segunda exceção, que a CIDH enviou a petição
para a corte IDH sem considerar o relatório enviado à Comissão referente às medidas adotadas
pelo Estado no que dizia respeito às recomendações do Relatório de Mérito, sendo o Estado,
naquela ocasião, ignorado e impedido de ser ouvido, o que é um direito seu (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Já no que se refere à prova
documental, o Chile contou com a declaração do senhor Cristián Correa Montt, o qual se
posicionava a favor das medidas de compensação já adotadas pelo governo chileno em favor
dos indivíduos que tiveram seus direitos violados durante o período do regime militar (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Entre essas reparações estariam,
além de um relatório sobre as violações de direitos humanos redigido pela Comissão Nacional
de Verdade e Reconciliação, uma pensão, benefícios médicos, benefícios educacionais para os
57
Em razão do tempo ou do prazo, em que determinado ato judicial deve ser realizado (RATIONE TEMPORIS,
2020).
89
Também alegou que o Chile estaria adequando aos poucos sua “legislação interna à normativa
dos direitos humanos”; em relação à jurisdição penal militar, diversas modificações em nível
constitucional estavam sendo realizadas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006). No que diz respeito ao Decreto Lei nº 2.191 (Lei de Anistia), este que vai
em direção contrária ao escrito na Convenção Americana, os representantes do Estado disseram
que, mais recentemente, o poder judiciário do Chile não o aplicava mais em diversos casos,
além de alegarem que o que existe no Chile
[...] é um papel escrito no qual consta uma decisão ditada pelo governo de fato, com
um número e alguns considerados que chamamos de Decreto Lei de Anistia, mas este
praticamente não existe como norma vigente no Chile [...], posto que os tribunais
sistematicamente não o aplicam” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006, p. 24).
violações como essa devem ser julgadas com base no Direito Internacional. Além disso,
baseando-se nas ideais da Assembleia Geral das Nações Unidas de que indivíduo e humanidade
são vítimas dos crimes de lesa humanidade, os responsáveis devem ser punidos, como afirmado
na segunda resolução da Assembleia (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006).
Assim, os crimes de lesa humanidade devem ser investigados pelos Estados através de
todos os meios legais e, em hipótese alguma, concessões de anistia devem ser adotadas em
casos como esse. Logo, a Corte aponta que leis de anistia, como o Decreto Lei nº 2.191 vigente
no Chile na época, desprotegem completamente a vítima e deixam impunes os crimes, assim
como seus autores, além de ser incompatível com o que consta da Convenção Americana. A
Corte IDH ainda alega que, mesmo com o governo chileno dizendo que não sei aplica mais a
lei desde 1998, apenas isso não é eficaz para que se satisfaça as exigências do artigo 2 da
Convenção (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Nesse sentido, pode-se dizer que o caso possui grande importância no que diz respeito
à convergência entre as leis internas de um país e as leis internacionais, nesse caso a Convenção
Americana, o chamado controle de convencionalidade. Essa expressão tem origem no direito
da França de 1975, onde se começou a observar qual a compatibilidade entre as leis domésticas
dos países e a Convenção Europeia de Direitos Humanos (MAZZUOLI, 2008). De acordo com
Valério Mazzuoli (2008), o controle de convencionalidade tem como objetivo convergir as leis
internas vigentes nos Estados com os tratados internacionais que são ratificados pelos mesmos
e que tem atuação no país. Portanto, é necessário que as leis que imperam nos territórios
nacionais sejam adaptadas de forma que, no momento de sua aplicação, os deveres previstos
pelos tratados e acordos internacionais sejam refletidos nas leis domésticas (MAZZUOLI,
2008). O autor ainda coloca que
A Corte IDH, desde o momento de sua criação, tinha como intenção harmonizar “o
ordenamento jurídico com a Convenção Americana de Direitos Humanos”, mas isso seria feito
apenas caso o Estado tivesse ratificado a Convenção e reconhecido a jurisdição da Corte IDH.
No âmbito interamericano, esse controle de convencionalidade seria como um controle de
91
tratados, já que seria uma obrigação dos Estados que reconheceram a Convenção Americana se
adequar às “disposições inscritas em um tratado internacional de direitos humanos” (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Além disso, as ações normativas e
administrativas de cada território devem ser compatíveis com o que é ditado pelos Arts. 1°, §
1, e 2° da Convenção Americana, ou seja, os tratados de direitos humanos têm prevalência sobre
o ordenamento jurídico interno. O caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile foi o primeiro caso
no qual o conceito e nomeação controle de convencionalidade foi utilizado no SIPDH
(MAZZUOLI, 2008).
Com isso, no caso analisado nesse trabalho, foi reconhecido pela Corte IDH que, apesar
dos juízes e tribunais internos deverem seguir a legislação doméstica do país, a partir do
momento em que o Estado ratifica e concorda com algum tratado internacional, como a
Convenção Americana, os juízes e o ordenamento interno estão submetidos a ela e devem seguir
o que está escrito, não se deixando levar por qualquer lei interna que seja contrária às
disposições dos tratados internacionais. Entende-se, portanto, que “o Poder Judiciário deve
levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana,
intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo” (CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 52). No caso do senhor Arellano, em que o poder
judiciário do Chile aplicou o Decreto Lei nº 2.191 (Lei de Anistia), decreto esse que impediu a
investigação e livrou os autores do assassinato de uma eventual condenação, além de negar
justiça à família da vítima, concluiu-se que o judiciário chileno ignorou completamente o Art.
1°, § 1 da Convenção, a qual foi ratificada e reconhecida pelo Chile, e também infringiu os
direitos da viúva do senhor Arellano e seus filhos, os quais são consagradas no Arts. 8°, § 1,
25°. Considerou-se que o Chile ignorou o tratado internacional de direitos humanos,
descumpriu os direitos da Convenção Americana e ignorou o chamado controle de
convencionalidade (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Finalmente, a conclusão da Corte IDH sobre o caso Almonacid Arellano y otros Vs
Chile, no dia 26 de setembro de 2006, se deu com a responsabilização do Chile por infringir os
direitos contidos nos Arts. 8°, § 1, e 25° da Convenção, assim como o descumprimento dos
deveres dos Arts. 1°, §§ 1, e 2°. Logo, devido ao julgamento com base no direito internacional,
toda violação que tenha gerado determinado dano deve ser reparada. Logo, a Corte IDH
determinou que o Estado
i) realize uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, com o objetivo de
estabelecer a verdade e punir os responsáveis materiais e intelectuais pelo homicídio
do senhor Almonacid Arellano;
92
ii) adote as medidas legislativas e de outra natureza, de acordo com seus processos
constitucionais e as disposições da Convenção Americana, com o propósito de
suspender, de forma definitiva e em todas as instâncias, os efeitos do Decreto Lei nº
2.191 e, nos processos judiciais nos quais tenha sido aplicado, reverter sua situação
ao estado anterior a tal aplicação;
iii) garanta que não sejam negados às vítimas de violações de direitos humanos,
cometidas durante a ditadura militar que governou o país entre setembro 1973 e março
de 1990, a proteção judicial e o exercício do direito a um recurso simples e eficaz, nos
termos dos artigos 8 e 25 da Convenção;
iv) adote as medidas necessárias para garantir que os casos relativos a violações de
direitos humanos não serão investigados ou julgados pelo foro militar, sob nenhuma
circunstância, e
Também em suas considerações, a Corte IDH, nos termos do Art. 63°, § 158 da
Convenção, considera Elvira Olivares e os filhos de Arellano, Alexis e José Luis Almonacid
Gómez, como as partes lesadas e aponta medidas de reparação para o caso, como o alinhamento
do direito interno à Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006), assim como a obrigação do Estado chileno de investigar, julgar e punir os
autores do crime, não podendo se apossar de nenhuma lei interna que proíba investigações sobre
o assassinato de Almonacid Arellano. Entre outras reparações estão: o reconhecimento público
por parte do Chile, assim como a veiculação das investigações, como forma de mostrar à
sociedade chilena a verdade sobre os fatos do caso e o que ocorria na época do regime militar;
a família da vítima deve ser indenizada, de forma que o valor possa reparar os danos morais,
como a negação pela busca da justiça, e danos materiais, referente aos custos e gastos do caso,
com o valor sendo pago em dólares ou o valor equivalente na moeda chilena (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Todas as considerações e reparações impostas pela Corte IDH, decididas por
unanimidade, dispõem que o Decreto Lei nº 2.191 (Lei de Anistia) não deve ser empecilho para
as investigações do caso e o Estado tem que se assegurar disso; as reparações materiais devem
ser realizadas dentro do prazo de um ano, a partir da decisão, assim como o reconhecimento
58
O art. 63º, em seu § 1, coloca que “Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos
nesta Convenção, a Côrte (sic) determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade
violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou
situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento d.e (sic) indenização justa â
parte lesada.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
93
público, que deve ser realizado dentro de seis meses. Por fim, a Corte IDH afirma que o
cumprimento das reparações seria supervisionado e que o Estado, concluídas as reparações,
deveria enviar à Corte IDH um relatório sobre essas medidas (CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
No ano de 2010, declarações sobre o cumprimento da sentença emitida pela Corte IDH
foram divulgadas. No que diz respeito à obrigação de identificar, investigar e julgar os
responsáveis pelo atentado contra o senhor Arellano, e também a respeito da Lei de Anistia,
que não deveria mais ser um empecilho para a continuação das investigações, assim como não
deveria interferir em nenhum caso, o Estado informou que a reabertura das investigações
ocorreu em 2007, além de que projetos de lei para uma reforma constitucional do Chile foram
enviadas ao Congresso Nacional (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
2010). Porém, esta última não foi aprovada pelo Congresso, mas foi garantido pelo judiciário
que, enquanto a Lei de Anistia estivesse em vigência, ela não seria utilizada em casos no país.
Por fim, a Corte IDH afirma que ainda mantém em aberto o procedimento de supervisão
dos pontos acima, já que eles continuam pendentes. Portanto, as investigações e
responsabilização dos autores e a garantia da não utilização do Decreto Lei nº 2.191 (Lei de
Anistia), para que este não seja um obstáculo como no referido caso, ainda estão em processo
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010). Em relação às outras
decisões impostas ao Chile pela Corte IDH, como o reembolso dos custos que a família incorreu
ao longo do processo, o Estado informou à Corte IDH que o pagamento foi realizado no ano de
2007, com nenhuma objeção dos representantes da vítima e com satisfação por parte da
Comissão, já que esse ponto foi cumprido totalmente (CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2010).
Uma outra decisão totalmente cumprida foi a obrigação que o Estado chileno tinha de
publicar a sentença dada pela Corte IDH no seu Diário Oficial, assim como em meios de
comunicação públicos. Segundo o que consta na Supervisão de Sentença (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010), o Chile comunicou que “realizou
tal publicação ‘no Diário Oficial do Chile e no Diário ‘A Nação’, nos dias 14 e 13 de maio [de
2007], respectivamente’” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010,
p. 10, tradução nossa)59 e apresentou cópia de tais publicações, divulgando formalmente a culpa
estatal pelos crimes referentes ao senhor Luis Alfredo Almonacid Arellano e sua família.
59
En su primer informe el Estado comunicó que realizó tal publicación “en el Diario Oficial de Chile y en el Diario
‘La Nación’, los dias 14 y 13 de mayo [de 2007], respectivamente
94
uma ordem estável. Isso significa dizer que as ações dos Estados só são consideradas legítimas
quando estão de acordo com as normas de direitos humanos; do contrário, eles podem passar
por um processo de shaming (constrangimento) por parte dos demais Estados. No caso do Chile,
a questão da legitimidade pode ser percebida no ato da publicação da sentença da Corte IDH,
na qual consta as reparações a serem feitas pelo Estado de modo a trazer justiça para a(s)
vítima(s). Dessa maneira, caso o Estado não cumpra essas reparações, seus comportamentos
podem ser considerados como ilegítimos perante a sociedade internacional, visto que o mesmo,
primeiro, não zelou pela proteção dos direitos humanos, uma das instituições de tal sociedade;
e, segundo, não cumpriu com um tratado assinado por ele mesmo.
É perceptível que no caso Almonacid Arellano, o Estado chileno falhou em promover
justiça, com a utilização de um mecanismo de auto-anistia, o Decreto Lei nº 2.191 (CHILE,
1978), já que, além do caso do senhor Arellano, essa lei também privou outras vítimas de
buscarem justiça. Com o decorrer do processo, a consequente culpabilização do Chile, e o
reconhecimento formal do crime cometido, percebe-se que estas foram apenas uma exceção
dentre tantos outros delitos que não chegaram ao SIPDH. O reconhecimento e a culpabilização
de todos os crimes cometidos durante essa época significariam que a estrutura internacional, ou
seja, a ordem internacional teria sofrido um grande rompimento, gerando uma mudança, que
seria barrada, impossibilitando uma coexistência entre tais modelos de Estado e um ambiente
pautado pelo respeito absoluto aos direitos humanos. No entanto, esse processo não aconteceu,
o que é evidenciado pelo marco de que os Estados não estão dispostos a permitir a derrubada
de toda a estrutura da ordem, e como essa coexistência é recente, ela ainda demonstra heranças
do passado, mesmo que em constante evolução para com os padrões de justiça humana.
Essa relação supracitada reanima o fato da relação secundária que a justiça humana tem
na ordem internacional, no entanto, tal configuração a faz, ainda, parte da coexistência dos
Estados. Isso significa que, em certa medida, o Chile, pressionado por tais padrões de justiça, o
afeta de perto, de modo que ele cede e aceita sua própria culpabilização. Isso se compreende
porque esse aceite configura uma forma do Estado de se formar como um ser que legitima, e
por isso, pode coexistir na sociedade internacional. A ameaça da coexistência de países
membros da OEA, mais especificamente, dos países que aceitaram a competência jurídica da
Corte IDH, seria uma possibilidade caso o Chile tivesse, completamente a negligenciado. No
entanto, é necessário retomar que essa ordem não é composta e dirigida, exclusivamente pela
justiça, mas que ela é apenas um dos padrões a serem observados pelos Estados para a devida
participação internacional.
97
Estado a abdicar gradualmente das normas inviáveis, se direcionando à tais que respeitam dos
princípios alcançados pela evolução dos direitos humanos na região, como retratado no capítulo
dois.
Por outro lado, apesar de o reconhecimento não ser completo, ele existe parcialmente.
Um exemplo disso, no caso em análise nesse trabalho, é a entrega, mesmo que atrasada, pelo
Chile, do relatório solicitado pela Comissão a respeito do que já havia sido feito pelo Estado
chileno com relação ao caso de Almonacid Arellano. O Estado alegou que algumas das
considerações feitas pela Comissão já haviam sido cumpridas, como indenizações, a realização
de uma Comissão da Verdade, entre outros (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2010). Dessa forma, é possível dizer que o Chile acatou, de certa forma, as
demandas da CIDH, mesmo que não do jeito que essa última previa (vide o atraso da entrega),
em uma tentativa de mostrar à CIDH o cumprimento das normas em questão. Isso mostra que
o Chile se preocupou, em partes, com a questão da legitimidade estatal.
O caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile, portanto, faz parte do processo que reveste
a ordem internacional de justiça na medida em que é um reflexo da institucionalização de
direitos individuais e mecanismos que os protegem a nível internacional (a CIDH, a petição
individual e a Corte IDH). Esse processo muda as condições de pertencimento e atuação dos
Estados na sociedade internacional (o que é visível na atuação do Chile no caso Almonacid
Arellano), bem como o relacionamento do Estado com a sua população. Assim são redefinidos
os direitos e deveres, tanto do Estado (como tomar providências para que a Lei de Anistia não
fosse um empecilho nas investigações do caso, levando em conta o controle convencionalidade)
quanto do indivíduo, como sua capacidade de reivindicar satisfações às injustiças que não sejam
devidamente respondidas internamente.
A disposição chilena de responder às reparações demonstrou essa lógica de um novo
dever na sociedade internacional. O seu não cumprimento poderia afetar a legitimidade do
Estado chileno na ordem internacional. Ainda nesse âmbito, tal dever jurídico imposto ao Chile,
na internalização de uma nova prerrogativa, muda a relação de poder do Estado sobre sua
população, ao passo que a primeira, agora, é passível de “correção” legal por um órgão jurídico
internacional, como a Corte IDH. Essa prerrogativa, portanto, configura um dos aspectos de
participação e coexistência na sociedade.
No aspecto em que se concerne a evolução institucional, o SIPDH teve seu
desenvolvimento e estabelecimento formal durante as últimas duas décadas do século passado.
Além disso, continuou a figurar sua importância e angariar desenvolvimentos jurisprudenciais
(CANÇADO TRINDADE, 2003b). Tal processo institucional levou a ser possível o surgimento
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
mudança nos padrões de atuação estatal, sendo suas ações legítimas apenas na medida em que
agem de acordo com os valores e normas da sociedade internacional, sendo um desses valores
e normas o respeito aos direitos humanos, institucionalizadas gradualmente, revestindo a
sociedade de um novo caráter de justiça.
O segundo capítulo, por sua vez, tratou a evolução histórica e institucional dos direitos
humanos, bem como o processo de reconhecimento do indivíduo como sujeito de Direito
Internacional. Também tratou do processo de constituição e consolidação do Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), principalmente no que diz respeito
ao seu aparato institucional. Explorou-se como esses desdobramentos ajudaram, e ainda
ajudam, a criar e incorporar novos padrões de justiça humana à sociedade internacional por
meio da tensão entre ordem e justiça.
O terceiro capítulo, finalmente, apresentou a configuração da petição individual na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e na Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH), para explorar como esses mecanismos foram utilizados no
caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005). Também foram expostos os processos
envoltos nesse caso, seguido de uma análise do mesmo de forma a mostrar as consequências
das dinâmicas do caso para a tensão entre ordem e justiça na sociedade internacional.
Dessa forma, com tudo o que foi discutido nos capítulos, pode-se observar que há um
impacto, de novos padrões institucionais, na ordem internacional a partir do surgimento de
novos mecanismos, como o da petição individual. Com isso, há o surgimento de novos
parâmetros de justiça internacional, parâmetros esses que tornam a ordem vigente dos Estados
revestida de caráter justo, e transforma, assim, o padrão de atuação do Estado por meio da
adequação deste por prerrogativas legais internas às internacionais. Isso pode ser entendido ao
observar a evolução histórica dos direitos humanos, bem como sua gradual institucionalização
na sociedade internacional, a qual possibilita não somente o surgimento desses novos
parâmetros de justiça, mas também a incorporação deles à sociedade dos Estados. A
institucionalização e a consequente incorporação de novos valores, relacionados aos direitos
humanos, à sociedade internacional, tem como produto instituições secundárias, como o
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), o qual age como um
mecanismo de salvaguarda dos direitos humanos no continente americano, possibilitando que
indivíduos busquem justiça a nível internacional quando não a encontram domesticamente. A
tensão entre ordem e justiça e o consequente revestimento da sociedade internacional de justiça
advém, portanto, da interligação desses processos.
103
país, o qual já se comprometeu com diversos tratados de direitos humanos, mas ainda encontra
dificuldade de operacionalizar tais leis internacionais domesticamente. Isso mostra que, apesar
de existirem falhas na proteção dos direitos humanos, os mecanismos institucionais da ordem
internacional existentes continuam sendo importantes para a salvaguarda e afirmação desses
direitos, os quais tornam a sociedade internacional mais justa para todos.
105
REFERÊNCIAS
BARLETTA, Junya. Caso Suárez Rosero vs. Equador (1997) da Corte IDH. Núcleo
Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ
(NIDH),[S.l.], 22 de março 2018. Disponível em: https://nidh.com.br/caso-suarez-rosero-vs-
equador-1997-da-corte-
idh/#:~:text=Su%C3%A1rez%20Rosero%20cometera%20delito%20muito,ou%20a%20culpa
bildade%20do%20Sr.&text=Em%20seguida%2C%20ao%20analisar%20o,violou%2C%20em
%20preju%C3%ADzo%20do%20Sr. Acesso em: 28 nov. 2020.
BUZAN, Barry. From international to world society?: English School Theory and the
social structure of globalisation. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
CLARK, Ian. San Francisco and Human Rights, 1945. In: CLARK, Ian. International
Legitimacy and World Society. Oxford: Oxford University Press, 2007. Cap. 6, p. 131-151.
EPP, Roger. The British Committee on the Theory of International Politics and Its Central
Figures. In: NAVARI, Cornelia; GREEN, Daniel
M. Guide to the English School of International Studies, 2014, p. 25-36.
FREIRE, Maria Eduarda. Juízes Mascarados. GGN, [S.l.], 31 de mai. de 2019. Disponível
em: https://jornalggn.com.br/justica/juizes-mascarados-por-maria-eduarda-freire/. Acesso em:
13 out. 2020.
JACKSON, Robert
H. Pluralism in International Political Theory. Review of International Studies, vol. 18, n. 3,
271–281, 1992.
KJELDGAARD-PEDERSEN, Astrid. The Legal Personality of Individuals in International
Human Rights Law. In: KJELDGAARD-PEDERSEN, Astrid. The International Legal
Personality of the Individual. Oxônia: Oxford Press, 2018. Cap. 7, p. 167-193.
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/arquivo/o-principio-da-irretroatividade-das-leis-
1.2164000. Acesso em: 21 out. 2020.
PARLETT, Kate. The individual in international human rights law. In: PARLETT, Kate. The
Individual in the International Legal System: Continuity and Change in International
Law. Nova York: Cambridge University Press, 2011. Cap. 5, p. 278-339.
RATIONE TEMPORIS. In: LEX Magister. Porto Alegre: Lex Editora S.A., 2020. Disponível
em: http://www.lex.com.br/Dicionarios.aspx?pagina=210. Acesso em: 02 nov. 2020.
REUS-SMIT, Christian. Human Rights in a Global Ecumene. International Affairs, vol. 87,
n. 5, p. 1205–1218, 2011b.
RODRIGUES, Sérgio. Marte na corte marcial. Veja, [S.l.], 31 de jul. de 2020. Disponível
em: https://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/marte-na-corte-marcial/. Acesso em: 02 nov.
2020.
SILVA PASSOS, Jaceguara Dantas da. Evolução Histórica dos Direitos Humanos. Unisul de
Fato e de Direito: revista jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina, Santa Catarina,
ano 7, n. 13, p. 231-244, jul/dez. 2016.
111