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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Ciências Sociais

Ana Flávia Dias Santos


Ingrid Assis Vosgrau
Vinicius Gabriel Souza Dutra

O INDIVÍDUO COMO SUJEITO ATIVO NO DIREITO INTERNACIONAL:


uma análise do caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005)

Belo Horizonte
2020
Ana Flávia Dias Santos
Ingrid Assis Vosgrau
Vinicius Gabriel Souza Dutra

O INDIVÍDUO COMO SUJEITO ATIVO NO DIREITO INTERNACIONAL:


uma análise do caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005)

Monografia apresentada ao Curso de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientadora: Profa. Dra. Letícia Carvalho de Souza
Área de Concentração: Instituições e Organizações
Internacionais

Belo Horizonte
2020
Ana Flávia Dias Santos
Ingrid Assis Vosgrau
Vinicius Gabriel Souza Dutra

O INDIVÍDUO COMO SUJEITO ATIVO NO DIREITO INTERNACIONAL:


uma análise do caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005)

Monografia apresentada ao Curso de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Relações Internacionais.
Área de Concentração: Instituições e Organizações
Internacionais

__________________________________________________________________
Profa. Drª. Letícia Carvalho de Souza – PUC Minas (Orientadora)

__________________________________________________________________
Profa. Ma. Roberta Cerqueira Reis – PUC Minas (Banca Examinadora)

__________________________________________________________________
Profa. Ma. Fabiana Freitas Sander (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2020


RESUMO

Este estudo trata da relação entre ordem e justiça a partir dos pressupostos da Escola Inglesa,
de forma a avaliar a evolução dos direitos humanos na sociedade internacional pós-1945, com
foco nos desdobramentos do mecanismo de petição individual no âmbito do Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). A metodologia utilizada foi a
revisão bibliográfica de fontes primárias e secundárias. A proposta teve como objetivo analisar
o impacto do mecanismo de petição individual do Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos na institucionalização de demandas individuais incorporadas à ordem
internacional. Mais especificamente, buscou-se mapear o processo de institucionalização dos
direitos humanos e o desenvolvimento da petição individual, analisar a evolução dos
mecanismos do SIPDH e demonstrar, a partir da análise do caso Almonacid Arellano y otros
Vs. Chile (2005), a consequência da adequação legal para a mudança do papel do Estado com
relação ao indivíduo. Concluiu-se que o surgimento de novos padrões institucionais na ordem
internacional a partir do surgimento de novos mecanismos, como o da petição individual, leva
à criação de novos parâmetros de justiça internacional, que revestem a ordem vigente de caráter
justo, e transforma, assim, o padrão de atuação do Estado por meio da adequação deste de
prerrogativas legais domésticas às internacionais.

Palavras-chave: Escola Inglesa. Ordem. Justiça. Sociedade Internacional. Petição Individual.


Direitos Humanos. Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.
ABSTRACT

This study treats the relation between ordem and justice based on English School theory
concepts, in order to assess the evolution of human rights in international society post-1945,
with a focus on the developments of the individual petition system within the Inter-American
Human Rights System (IAHRS). The methodology used was literature review of primary and
secondary sources. The proposal had the aim of analysing the impact of IAHRS’ individual
petition mechanism in the institutionalization of individual demands incorporated to the
international order. More specifically, the proposal sought to map the process of human rights’
institutionalization and the development of the individual petition, analyse the evolution of
IAHRS’ mechanisms and demonstrate, with the analysis of the case Almonacid Arellano y otros
Vs. Chile (2005), the consequences of States’ legal adaptation, and consequent change in role,
in relation to individuals. It concludes that the emergence of new institutional patterns in the
international order leads to the creation of new international justice parameters, which overlay
the current order with a just character, transforming the States’ action pattern through the
adequacy of its domestic legal prerogatives to the international ones.

Keywords: English School. Order. Justice. International Society. Individual Petition. Human
Rights. Inter-American Human Rights System.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13

2 O INDIVÍDUO, O ESTADO E A SOCIEDADE INTERNACIONAL  ................... 17


2.1 A ordem e a justiça na Escola Inglesa......................................................................... 18
2.2 Direitos Humanos como Instituição da Sociedade Internacional ............................ 27
2.3 A construção da justiça na sociedade internacional contemporânea ...................... 32

3 DIREITOS HUMANOS, A PETIÇÃO INDIVIDUAL E O SISTEMA


INTERAMERICANO .................................................................................................. 39
3.1 A emergência histórica dos direitos humanos como instituição da sociedade
internacional .................................................................................................................. 40
3.2 O reconhecimento do indivíduo no Sistema Legal Internacional ............................ 52
3.3 O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos ............................... 55

4 O CASO ALMONACID ARELLANO, A PETIÇÃO INDIVIDUAL E A TENSÃO


ENTRE ORDEM E JUSTIÇA ..................................................................................... 73
4.1 A petição individual na Comissão Interamericana e na Corte IDH ........................ 74
4.2 Caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile no Sistema Interamericano de Proteção
dos Direitos Humanos ................................................................................................... 83
4.3 A petição individual entre a ordem e a justiça ........................................................... 94

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 101

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 105


13

1 INTRODUÇÃO

Os direitos humanos, desde o final do século XIX, fazem parte das preocupações dos
Estados. Contudo, somente a partir da segunda metade do século XX, essa preocupação se
traduziu na criação de tratados e mecanismos voltados para a proteção e garantia desses direitos.
Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, é talvez o
marco normativo mais importante para a história dos direitos humanos na sociedade
internacional contemporânea, pois instituiu, pela primeira vez, a universalidade de tais direitos,
servindo de base, até os dias atuais, para vários tratados relacionado a essa temática.
O desenvolvimento do chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH)
stricto sensu, portanto, ganhou força nesse período pós-1945, e tem desdobramentos
importantes tanto a nível internacional, como a nível regional. A nível internacional, vários
tratados sobre o tema foram criados, como os dois Pactos (Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) bem
como mecanismos voltados para uma participação mais ativa dos indivíduos no contencioso
internacional, como o Tribunal Penal Internacional (TPI). A nível regional, alguns sistemas
restritos a certos continentes surgiram, como o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos (SIPDH) e o Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos (SEPDH), em um
primeiro momento voltados para a promoção dos direitos humanos nos respectivos continentes,
e mais tarde, voltados também para a realização de uma participação mais ativa dos indivíduos,
por meio da petição individual.
É possível analisar esse processo de crescente desenvolvimento dos direitos humanos
pela discussão sobre ordem e justiça presente na Escola Inglesa. A partir das discussões
de Hedley Bull (2002), entende-se que os Estados da sociedade internacional tendem a priorizar
a manutenção da ordem em detrimento da busca pela justiça, o que ocasiona uma tensão entre
as duas, pois a justiça é pautada por ideias consideradas mais “revolucionárias”, logo tais ideias
podem trazer instabilidade à ordem se incorporadas bruscamente ou em detrimento a esta
última. Contudo, em certos momentos, tais Estados consideram a incorporação de ideias
relacionadas à justiça à sociedade internacional, de forma gradual com o intuito de preservar a
manutenção da ordem. Ao fazer isso, essas ideias passam a fazer parte da manutenção da ordem,
e o respeito a elas por parte dos Estados se torna um dos requisitos para a legitimação de seus
comportamentos na sociedade internacional.
A observação do processo de desenvolvimento dos direitos humanos no pós-1945 faz
possível perceber que o próprio desenvolvimento se deu com uma certa gradualidade a partir,
14

começando com documentos de caráter não-vinculante, ou seja, que não estabeleciam


responsabilidades efetivas aos Estados, como a própria DUDH, até chegar em mecanismos de
caráter obrigatório, como a petição individual. Com isso, ao observar esse processo de forma
mais ampla, é notável a mudança do papel dos Estados, os quais, progressivamente, passaram
a enxergar a proteção e garantia dos direitos humanos como um requisito legitimador de suas
ações.
Além disso, a incorporação de ideias de justiça à ordem e à sociedade internacional
acabou por institucionalizar os direitos humanos nessa última. A institucionalização desses
direitos pode ser entendida a partir da discussão feita por Barry Buzan (2004), onde o autor
coloca que as instituições internacionais seguem uma certa hierarquia, sendo umas mais
institucionalizadas do que outras. Dessa forma, tem-se que elas devem ser tratadas por uma
abordagem de nesting, ou seja, certas instituições primárias mais institucionalizadas
(instituições máster) abrigam, ou geram, outras instituições mais específicas (instituições
derivadas) que originam outras instituições (instituições secundárias). Os direitos humanos,
como instituição, são considerados uma derivação da instituição máster igualdade dos povos,
que surgiu após 1945, e geram outras diversas instituições secundárias, como o Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). A institucionalização, portanto,
também faz parte do processo gradual de incorporação dos direitos humanos à sociedade
internacional, consolidando novas normas e valores, os quais passam a fazer parte do papel dos
Estados e de sua legitimação, como mencionado anteriormente.
Uma forma de enxergar melhor as consequências desse processo de desenvolvimento
dos direitos humanos para a relação entre ordem e justiça dentro da sociedade internacional, é
por meio da análise de um caso levado a uma das instituições secundárias dessa sociedade e
possibilitado pela existência de um mecanismo que confere maior participação aos indivíduos.
No caso desse trabalho, o caso escolhido foi Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005),
levado ao SIPDH, mais especificamente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) e julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). O caso em
questão foi escolhido devido a sua contribuição para uma maior incorporação da justiça à
sociedade internacional, a partir da consolidação da ideia de que as legislações internas devem
se adequar às leis internacionais de direitos humanos, o chamado controle de
convencionalidade. Esse controle garante que os direitos humanos garantidos, no caso do
SIPDH, pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), sejam respeitados pelos
Estados que reconheceram a competência contenciosa da Corte IDH, independente de
15

disposições internas possivelmente contrárias ao estabelecido pelas prerrogativas


internacionais, como a Convenção, por exemplo.
Desse modo, a pergunta de pesquisa é “Como a petição individual, sobretudo no sistema
interamericano, reflete o processo de mudança na ordem internacional a partir da inserção de
demandas por direitos humanos, evidenciadas por novos padrões institucionais?”. Dessa forma,
a hipótese que será trabalhada é de que “O mecanismo de petição individual no Sistema
Interamericano impacta a relação entre os Estados e indivíduos, na medida em que ressignifica
essa relação ao ser um reflexo da institucionalização dos direitos humanos na sociedade
internacional. Essa institucionalização proporciona uma ampliação do papel dos indivíduos,
tornando-os sujeitos ativos, e muda os padrões de atuação do Estado, os quais perpassam o
respeito aos direitos individuais. Dessa forma, o conjunto de demandas relacionadas aos direitos
dos indivíduos são incorporadas à ordem dos Estados se convertem em instituições, trazendo
um revestimento de justiça à ordem, alterando esta última”.
A metodologia empregada no trabalho é de caráter teórico-empírico, com a revisão
bibliográfica das fontes teóricas da Escola Inglesa de Relações Internacionais, da visão
jusnaturalista do Direito Internacional Público e do Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Na parte empírica, será apresentado dados sobre a performance do sistema
interamericano de direitos humanos, além de ser intentado analisar o desenvolvimento do
caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. O trabalho, portanto, se divide em três partes. A
primeira, que concerne primordialmente ao marco teórico da Escola Inglesa, procura relacionar
o indivíduo, o Estado e a sociedade internacional, selecionando os conceitos utilizáveis para
esse exercício. Dessa forma, se explora como as demandas dos indivíduos por novos padrões
de justiça se incorporam no âmbito dos Estados, tornando-se instituições internacionais, se
configurando como parâmetros de participação e manutenção da ordem internacional. Além
disso, esse processo envolve a mudança de atuação dos Estados, em relação intencional em
vista de legitimidade, e por outro lado, influencia a ordem, uma vez que a reveste de um caráter
mais justo, garantindo maiores parâmetros de ação aos indivíduos.
A segunda parte trata da evolução dos direitos humanos, já como instituição da
sociedade internacional. Nessa parte, se aborda como essa institucionalização segue a lógica da
tensão entre ordem e justiça. Dessa forma, se prossegue com o reconhecimento do indivíduo e
seu processo de desenvolvimento como sujeito de direito internacional, e como o curso desses
fatos se conflitou e relacionou com a ordem dos Estados. Por fim, o capítulo trabalha a criação,
institucionalização e a consolidação do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos (SIPDH). Nesta seção, se exploram os mecanismos, os tratados, as jurisprudências,
16

dentre outras evoluções em proteção dos direitos individuais no continente americano, e como
estes se basearam em demandas individuais e se converteram em novos padrões institucionais
de justiça humana na ordem internacional, sobretudo no continente americano.
Por último, na terceira parte, se investiga o caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile,
julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), com vistas a se tratar a
configuração da petição individual, e como se foi dado o procedimento central e correlatos a
esse litígio. Busca-se, com o caso, ilustrar as importâncias das evoluções e das dinâmicas tanto
do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) como da ação individual, presentes nos
dois capítulos anteriores. A partir dessa ação institucional, o trabalho se empenha a demonstrar
a integração de novos padrões de justiça humana à sociedade e ordem internacionais, os quais
resultam em uma mudança no padrão de atuação dos Estados, em vista da participação e
manutenção da ordem, e o seu consequente revestimento de justiça. Este último acaba por
possibilitar uma ampliação da capacidade individual de buscar justiça a nível internacional
quando não fornecida domesticamente. Estes processos refletem assim, a institucionalização de
padrões, que modificam gradualmente a ordem internacional.
17

2 O INDIVÍDUO, O ESTADO E A SOCIEDADE INTERNACIONAL 

Com o final da Segunda Guerra Mundial e as diversas atrocidades ocorridas com as


pessoas envolvidas, percebeu-se que uma maior atenção deveria ser dada aos indivíduos, já que,
assim como os Estados, eles também possuíam sua importância no sistema internacional. Com
isso, a partir dos anos de 1950, declarações, tratados e cortes foram criados para salvaguardar
os direitos desses indivíduos que, assim, passaram a ser sujeitos ativos do Direito Internacional
e, consequentemente, passaram a ter sua voz ouvida e a serem vistos por esse sistema em
diversos âmbitos. 
Nesse sentido, o presente capítulo expõe a relação entre a ascensão do indivíduo como
sujeito ativo do Direito Internacional e os impactos disso na dinâmica entre ordem e justiça
dentro da sociedade internacional. Assim, o argumento que se constrói é o de que a tensão
existente entre ordem e justiça advém da incorporação de demandas originárias de uma ideia
sociedade mundial à sociedade internacional, as quais são inspiradas pela noção de justiça, em
todos os seus âmbitos. O caso mais relevante para a discussão é a incorporação gradual de
direitos humanos e individuais. A sociedade mundial, contudo, não contém registro histórico,
sendo apenas uma projeção imaginária. Tal incorporação de ideais de justiça não é geral, mas
restrita a alguns temas que são de interesse dos membros da sociedade internacional, sendo os
direitos humanos, na contemporaneidade, um deles. Essa lógica funciona de maneira que os
Estados só reconhecem e acatam pautas que não ameassem a ordem internacional. Ao passo
que, quando estas demandas não ferem essa última e são reconhecidas como justas, os Estados
tendem a incorporá-las gradualmente, revestindo a ordem internacional de uma ideia
justiça. Dessa forma, a incorporação dos direitos humanos à sociedade internacional cria
normas compartilhadas entre os Estados, as quais representam uma ideia de justiça humana na
ordem internacional.
Para tanto, este capítulo estará disposto em três partes principais. A primeira parte
apresentará as ferramentas teóricas mais basilares a serem utilizadas para a construção da
argumentação sobre como ocorre a relação entre a ordem e a justiça, baseadas nas obras
de Hedley Bull (2002) e Barry Buzan (2004, 2014). A segunda parte retomará o processo de
incorporação dos direitos humanos como instituição da sociedade internacional. A terceira
parte, por fim, explorará a incorporação de ideias de justiça cada vez mais atreladas à promoção
dos direitos individuais e da reafirmação do papel do Estado nesse processo na sociedade
internacional contemporânea, com a finalidade de, através das discussões presentes nas duas
18

seções anteriores, suceder a argumentação demonstrando como se arranja a ordem revestida de


uma ideia de justiça mais voltada para a salvaguarda dos direitos humanos.

2.1 A ordem e a justiça na Escola Inglesa

A presente seção irá apresentar os conceitos básicos da Escola Inglesa das Relações
Internacionais e a relação entre eles de modo a explicitar as dinâmicas existentes entre ordem e
justiça. Destacam-se as contribuições teóricas feitas por Hedley Bull (2002) e Barry Buzan
(2004, 2014) e faz-se uma relação entre os conceitos de ordem (internacional e mundial), justiça
(internacional, mundial e humana), sistema internacional, sociedade (internacional e mundial),
bem como os conceitos de instituições primárias e secundárias. O foco é mostrar como se
constrói a tensão entre ordem e justiça dentro da sociedade internacional e os efeitos disso nas
relações entre os Estados, e destes com os indivíduos.
A Escola Inglesa foi pensada por acadêmicos do Comitê Britânico de Teoria Política
Internacional1 como uma terceira via entre as teorias realistas e idealistas que tinham dominado
as discussões sobre teoria das Relações Internacionais até meados da década de 1950. Pretendia
introduzir novos conceitos (ordem, sociedade, justiça, instituições, etc.) às análises de política
internacional que iam além daqueles contemplados pelas principais correntes teóricas da época.
Além disso, diferentemente do mainstream do período, a Escola Inglesa introduziu um
entendimento societário da política internacional, isto é, os Estados baseiam suas relações em
valores e normas compartilhados, formando uma sociedade ao buscarem alcançar interesses
comuns.
A Escola Inglesa, portanto, entende as relações internacionais como um universo de
“[...] reconhecimento, associação, filiação, igualdade, equidade, interesses legítimos, direitos,
reciprocidade, costumes e convenções, acordos e desacordos, disputas, ofensas, injúrias, danos,
reparações, e o resto: o vocabulário normativo da conduta humana.” (JACKSON, 1992 p. 271,
tradução nossa)2. Dessa forma, a teoria reserva um espaço considerável para as discussões
histórico-sociológicas do campo, bem como para a ideia de sociedade.  

1
O Comitê Britânico de Teoria Política Internacional foi criado formalmente pelo historiador Herbert Butterfield
entre 1959-1961 em Cambridge, na Inglaterra. Juntaram-se à Butterfield autores como Martin Wight e Hedley
Bull (EPP, 2014). O objetivo do Comitê era criar uma abordagem nova para analisar a política internacional,
uma abordagem que fosse diferente do realismo e do idealismo. Para isso, os autores se encontraram
regularmente entre 1959 e 1984, e o resultado desses encontros foi a elaboração do que ficou conhecido como a
Escola Inglesa das Relações Internacionais (DUNNE, 2011).
2
[..] recognition, association, membership, equality, equity, legitimate interests, rights, reciprocity, customs and
conventions, agreements and disagreements, disputes, offenses, injuries, damages, reparations, and the rest: the
normative vocabulary of human conduct.
19

Dessa forma, para melhor se compreender o potencial de contemplação da Escola


Inglesa das Relações Interacionais, é necessário entender que essa atividade teórica se forma
fundamentalmente sobre a égide de três conceitos: sistema internacional, sociedade
internacional e sociedade mundial. Contudo, antes de chegar a tais concepções nucleares é
necessário retomar a como se é entendido o conceito de soberania. Para Hedley Bull (2002),
a soberania pode ser classificada em duas partes. Primeiro, o Estado possui entre sua população
e seu território uma soberania interna, sendo entendida como “a supremacia entre todas as
demais autoridades dentro daquele território e com respeito a essa população” (BULL, 2002, p.
13).  Ou seja, essa “seção” da soberania estaria direcionada à própria relação de um Estado com
sua população, por exemplo, como se concebe nas teorias contratualistas3. A segunda parte da
soberania é a soberania externa, a qual é entendida como a “independência com respeito às
autoridades externas.” (BULL, 2002, p. 13), ou seja, aos demais Estados. Essa segunda seção,
por sua vez, pode ser exemplificada no próprio aspecto que separa e diferencia um Estado de
outro, isto é, cada unidade soberana tem sua jurisdição e autonomia sobre o seu povo.
Consequentemente, um Estado não tem controle sobre outros Estados, pelo contrário, ele tende
a respeitar a “soberania” dos demais para que a sua se mantenha resguardada.  
Dessa forma, entendido o conceito de soberania, é possível dizer que um sistema
internacional existe quando “[...] dois ou mais estados têm suficiente contato entre si, com
suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até
certo ponto, como partes de um todo.” (BULL, 2002, p.15). Desse modo, elenca que, pode-se
considerar que existe um sistema de Estados quando um Estado, ao passar a ser variável na
equação dos demais, se fazendo “fator necessário” na consideração dos iguais. Essa interação
entre os Estados pode tomar caráter de cooperação, conflito e até de neutralidade na relação dos
objetivos de cada ente soberano (BULL, 2002). É importante ressaltar que, assim que um
Estado reconhece formalmente outro Estado, há um indicativo de que um sistema está
formado.
Esse sistema internacional pode evoluir para a formação de uma sociedade
internacional. Esta existe quando “um grupo de estados, conscientes de certos valores e
interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu
relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns.”

3
As teorias contratualistas estabelecem, de formas diferentes, as relações entre indivíduos para a criação do
Estado. Entretanto, elas compartilham a ideia de que o Estado é criado por meio de acordos, ou seja, contratos
firmados entre indivíduos, com o intuito de salvaguardar certos direitos fundamentais à manutenção do
ordenamento doméstico. As principais obras contratuais são “Leviatã” (1651) de Thomas Hobbes, “Dois
Tratados sobre o Governo” (1689) de John Locke, e “Do Contrato Social” (1762) de Jean-Jacques Rousseau.
20

(BULL, 2002, p. 19). Esse passo demonstra ser mais profundo, na medida em que envolve um
entrelaço de valores entre entes soberanos. Essa relação pode ser fruto de um passado comum
ou, até mesmo, de uma forte influência em termos de cultura, ciência, e pensamentos que
permeiam um entendimento de mundo compartilhado entre coletividades. Para ilustrar essa
relação na política internacional, podemos pensar em como um bom número de Estados
reconhece a instituição direitos humanos, e suas positivações internacionais, as quais serão
tratadas na próxima seção. No momento, é importante situar que a aceitação desses direitos
como fundantes de valores e práticas, baseia a moral de uma sociedade internacional no
parâmetro político internacional da contemporaneidade.  
Nesse aspecto de uma sociedade internacional, os Estados-parte procuram respeitar sua
igualdade, honrando acordos e limitando a utilização recíproca da coerção pela força. Além
disso, eles buscam, pelo compartilhamento das normas, regras e valores, um respeito às
instituições vigentes. Nesse sentido, a sociedade internacional é como um contrato social entre
os Estados soberanos, os quais possuem seus próprios contratos sociais internos e, ademais,
uma espécie de contrato social internacional, ou seja, na ausência do ser regulador, em âmbito
internacional, a ordem seria baseada no respeito à cada soberania de cada Estado. Essa relação
entre ordem e sociedade internacional será melhor trabalhada adiante. Assim, o conceito de
sociedade internacional tem sido o centro do pensamento e dos debates da Escola Inglesa
(BUZAN, 2014).
O último conceito dos três é o de sociedade mundial, a qual tem como principais atores
os indivíduos, as organizações não-estatais e a população global como um todo (BUZAN,
2014). Tal sociedade busca transcender o sistema de Estados na direção de uma sociedade
cosmopolita, isto é, uma sociedade na qual as fronteiras e constrangimentos estatais não existem
e a humanidade é considerada como uma só (BUZAN, 2014). Isso significa que essa sociedade
é formada por seres humanos, uma ideia que transpassa a própria sociedade de Estados. A
sociedade mundial reúne vontades e interesses de uma comunidade humana que reverberam na
sociedade internacional, onde os atores são os próprios Estados nos quais estão compreendidos
essa massa humana. Pode-se dizer que “neste sentido, o conceito de uma sociedade mundial
está para a totalidade da interação social em todo o mundo assim como o nosso conceito de
sociedade internacional está para a noção de um sistema internacional.” (BULL, 2002, p.314).
Essa colocação de Bull levanta o fato de que essas interações sociais evoluem e se transformam,
com o tempo, em novos padrões sociais de justiça, sendo esta última a que pressiona a sociedade
de Estados a se mobilizar por demandas justas. Essa relação será melhor explorada na interação
entre ordem e justiça na terceira seção deste capítulo. Contudo, é importante retomar a ideia de
21

que, como a sociedade mundial carece de qualquer registro histórico das relações
internacionais, ela não existe no mundo real, mas sim no mundo ideal. No entanto, a sua própria
teorização invoca os aspectos que suscitam a priorização dos direitos individuais. Dessa forma,
um grande leque de oportunidade de diálogo e abrangência de teorização é aberto na
interlocução destes três conceitos nucleares; desde uma realidade mais realista, na qual os
Estados competem veementemente pelo poder, a um sistema ditado pela coexistência e
cooperação dos Estados e, para além disso, a uma sociedade onde Estados soberanos não são
mais as unidades centrais (BUZAN, 2014). 
Em uma sociedade internacional, os Estados, no ato da prática de ações baseadas em
valores e, ainda, da percepção desses comportamentos como corretos, fazem surgir
as instituições. Estas práticas são tanto fruto de evoluções comportamentais e normativas
derivadas das “demandas justas” da sociedade mundial, quanto desenhadas pelos Estados na
tentativa de manutenção da ordem; mas não apenas, a guerra e o balanço de poder são
instituições que demonstram que nem sempre são formadas por demandas justas, mas sim pela
priorização da própria ordem, como vistas por Bull (2002). Assim, essas instituições podem
tomar formas abstratas como a ideia dos direitos humanos, e formas físicas como a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que surgem do processo histórico e evolutivo,
com a finalidade de fiscalizar e servir como âncora da promoção, mesmo que não geral, desses
direitos. Ambos os movimentos serão compreendidos na segunda seção deste capítulo. 
Dessa forma, as instituições são produto de profundos processos históricos e são a
imagem dos valores e objetivos dentro de uma sociedade, originando-se na aceitação mútua de
certas práticas e, de uma perspectiva evolutiva, tendo passado por mudanças ao longo do tempo.
As instituições, ainda, sustentam a convivência dentro do ambiente da sociedade internacional
e funcionam como critério de entrada para essa última. Pode se dizer então que as instituições
são encontradas em quaisquer sociedades internacionais que já existiram (BUZAN, 2014). A
ideia de sustentação da convivência internacional é congruente à própria ideia de ordem, e as
instituições são os pilares de uma sociedade internacional, pois significam as diretrizes
acordadas entre os membros que mantêm as práticas como aceitas, e, assim, mantém a
existência entre os iguais soberanos. Buzan (2014), desse modo, define instituições primárias
como “[...] práticas sociais relativamente profundas e duráveis no sentido de serem evoluídas,
mais do que desenhadas. Essas práticas devem ser não somente compartilhadas entre os
membros da sociedade internacional, mas também vistas por eles como comportamentos
22

legítimos.” (BUZAN, 2014, p. 17, tradução nossa)4. Sendo assim, o conceito de instituição de
Bull tem sentido similar ao empregado por Buzan (2004). Dessa forma, Bull (2002) elenca
cinco instituições primárias observadas pela atuação dos Estados pós-Westphalia na sociedade
internacional europeia do século XVIII. São elas: o equilíbrio de poder, o direito internacional,
os mecanismos diplomáticos, o sistema administrativo das grandes potências e a guerra (BULL,
2002). Em ambos os autores se é entendido a edificação de instituições únicas e,
consequentemente, de uma imagem societária internacional diferente, mesmo que o sentido de
instituições seja similar.
Ao contrário de Bull (2002), Buzan (2004) considera outras instituições como sendo
instituições primárias, mas não faz uma lista exaustiva das mesmas. Entre elas, estão: soberania,
territorialidade, diplomacia, sistema administrativo das grandes potências, igualdade dos povos,
mercado, nacionalismo e gestão ambiental. Ambos os autores, no entanto, apontam que essas
instituições evoluem com o tempo, podendo passar por processos de mudança que fazem com
que algumas delas deixem de existir e outras surjam. Essa ideia explicita a lógica de
complementaridade conceitual mencionada acima.  
Buzan (2014) também trabalha com o conceito de instituições secundárias. As
instituições secundárias são um produto ou design do esforço comum dos Estados, sendo
organizações com lugar físico no espaço dos Estados, se prontificando na manutenção,
aprimoramento, regulação e fiscalização das práticas comuns dos Estados. Além disso, são uma
influência direta das instituições primárias e existem há pouco tempo (BUZAN, 2014). Nessa
lógica, o autor aponta, por exemplo, a Assembleia Geral da ONU como uma instituição
secundária ligada à instituição primária soberania (BUZAN, 2004). Pode ser suscitado nessa
lógica de design, a criação de várias cortes para a defesa do indivíduo humano no sistema
internacional, frutos de acordos entre Estados. Estes últimos, baseados na instituição direitos
humanos, na leitura de Buzan (2004), direcionaram sua capacidade conjunta na sociedade
internacional para a positivação judicial física desses direitos, fazendo surgir estruturas físicas,
como as tais cortes regionais, as quais serão contempladas nas próximas seções.
As instituições primárias e as instituições secundárias, portanto, estão na base da
manutenção da ordem internacional. São elas que traduzem os valores e normas compartilhados
pelos Estados em instrumentos que ajudam a regular as relações entre eles, logo colaboram para
manter o ordenamento da sociedade internacional. Assim, é por meio da incorporação das

4
They are deep and relatively durable social practices in the sense of being evolved more than designed. These
practices must not only be shared among the members of international society but also be seen among them as
legitimate behaviour.
23

demandas, em diversas pautas, que se traduzem as mudanças que a ordem internacional sofre.
Uma ocorrência de demanda por uma mudança considerada como justa, ao ser acatada
gradualmente pela sociedade dos Estados implica em uma diferenciação ou desenvolvimento
da pauta correspondente, essa que induz mudanças na política entre os países. Dessa forma,
para se entender como a ordem afeta a política internacional, deve-se primeiro explicitar o
próprio conceito das “ordens” para a Escola Inglesa. A primeira está compreendida como ordem
internacional, à qual Bull se refere como sendo “[...] um padrão ou disposição das atividades
internacionais que sustentam os objetivos elementares, primários ou universais de uma
sociedade de Estados.” (BULL, 2002, p. 23), ou seja, os Estados, ao buscar a ordem, procuram
satisfazer alguns objetivos. O primeiro e mais importante deles é a própria manutenção do
sistema e sociedade vigentes. Dessa forma, Bull diz que  

[...] os estados modernos se unem na crença de que eles são os principais atores da
política mundial, e os mais importantes sujeitos de direitos e deveres dessa
sociedade. A sociedade dos estados tem procurado garantir que ela continuará a ser a
forma predominante da organização política mundial, de fato e de direito (BULL,
2002, p. 23). 

Entende-se, portanto, que as unidades de qualquer sistema político internacional se
esforçam para se manterem no centro das relações internacionais. Isso significa que, em um
primeiro momento, os Estados ignorariam as demandas mais radicais da sociedade mundial,
por conta de uma possibilidade de rompimento da própria lógica fundante da sociedade.
Contudo, a sociedade internacional se põe a escutar algumas demandas para manter a sua
própria legitimidade. Esse processo parte de uma demanda, pela qual os Estados, na percepção
de que não irá ferir à lógica da ordem, ou seja, sua primeira prioridade com a ordem, acatam as
demandas de forma que esta solicitação reveste a própria ordem de um caráter justo. Essas
inclusões em “justiça” funcionam de forma a legitimar as ações dos Estados.
O segundo objetivo dos Estados é a manutenção de sua independência ou soberania
externa. Logo, o autor expõe que o reconhecimento da independência dos Estados em relação
às autoridades externas e, especialmente o reconhecimento da sua supremacia sobre seu
território e população, implica no respeito à soberania dos demais Estados (BULL, 2002). O
“preço” que o Estado paga para fazer a ordem perdurar é justamente respeitar a soberania dos
outros, o que a Escola Inglesa chama de Raison de Système (BUZAN, 2014). De volta aos
objetivos para a manutenção da ordem internacional, Bull (2002) diz que, em terceiro lugar, há
o objetivo de manutenção da paz, relacionando-se ao primeiro objetivo, pois, na ocorrência de
24

guerra, o sistema e a sociedade são transformados. Isso não significa a ausência total e absoluta
de guerras, mas sim que a paz é o status natural da ordem (BULL, 2002). 
Para Bull (2002), há um quarto objetivo, que reuniria o que ele chama de “objetivos
comuns a toda vida social” (BULL, 2002, p. 25). Esses objetivos se referem à “[...] limitação
da violência que resulte na morte ou em dano corporal, o cumprimento das promessas e a
estabilidade da posse mediante a adoção de regras que regulam a propriedade.” (BULL, 2002,
p. 25). Dessa forma, o primeiro elemento da frase se refere ao respeito pelas vidas das
populações e aos direitos fundamentais da sociedade humana pela autolimitação da violência
pelo Estado. Bull fala que “Os estados cooperam entre si para manter seu monopólio da
violência, e negam a outros grupos o direito de exercê-la. Por outro lado, aceitam limitações ao
seu próprio direito de usar a violência.” (BULL, 2002, p. 25). A própria característica
contratualista entre o Estado e sociedade, supracitada nos primeiros parágrafos, retorna aqui
nas motivações da ordem internacional. O Estado, assim, tenta manter um certo padrão de
legitimidade e, de quebra, respeitar uma ordem que suscita tal padrão de comportamento.  
O conceito de ordem mundial se refere aos “padrões ou disposições da atividade humana
que sustentam os objetivos elementares ou primários da vida social na humanidade considerada
em seu conjunto.” (BULL, 2002, p. 25). Destarte, Bull, agora, refere-se aos indivíduos e não
aos Estados, ultrapassando, assim, as fronteiras das sociedades internacionais com o que ele
considera como “questões de importância mais duradoura”, referindo-se à fundação da ordem
na sociedade cosmopolita (BULL, 2002). A ordem mundial, dessa forma, precede moralmente
a ordem internacional, orientando-a como objetivo primário de sustento da ordem para o
conjunto da humanidade (BULL, 2002). Contudo ela é, como a sociedade mundial, uma
idealização. A sua característica ideal se dá pela ausência de registro histórico que a materialize
como existente na história das relações internacionais. Contudo, é possível entender que suas
características demonstram a evolução que a sociedade de pessoas do mundo continuamente
sofre, como a própria noção de direitos humanos se desenvolveu através das décadas e é
destinada a todos, independentemente das origens geográficas dos indivíduos. A tonalidade das
questões suscitadas pela evolução da ordem mundial, de fato, dirige à todas as demais. Isso se
dá por conta da própria fundação dos padrões humanos, que ultrapassam as fronteiras dos
Estados, padrões esses que geram e desenham todas as mudanças, principalmente as diretrizes
que envolvem direitos e a própria noção de justiça. 
O aspecto da sociedade mundial de demandar justiça está tão interligado à mudança na
ordem da sociedade internacional que essa relação se faz principal. As demandas por justiça
causam transições graduais na transformação da própria sociedade internacional, formando
25

novos aparatos institucionais, que seguem, em certa medida, a justiça. Esse processo de tensão
da ordem pela justiça na formação da sociedade internacional contemporânea e, por
conseguinte, da institucionalização de normas, valores e comportamentos, estará melhor
detalhado nas próximas seções deste capítulo.  
Dessa forma, a própria natureza da justiça, como modeladora dos padrões para a vida
social se torna de principal compreensão. Justiça é um dos termos mais subjetivos e envolve
um arcabouço da moral e de valores vigentes, ou seja, está permeando o espaço das
ordens. Contudo, para um uso mais prático desse termo, a Escola Inglesa faz uma diferenciação
entre sua concepção de igualdade em direitos e privilégios, e seu significado de conduta moral
(BULL, 2002). A primeira concepção se exemplifica na concepção do que se ampara e positiva,
na própria lei, e a segunda, refere-se à própria questão transcendente à lei, de significado da
prática ética, que concebe a moral evolutiva. Assim, Bull separa os termos para cada objeto no
universo das relações internacionais. A primeira das regras morais que atribuem deveres e
responsabilidades se destina aos Estados, chamada de justiça internacional pelo autor (BULL,
2002). Aqui cada Estado mantém sua própria justiça ou ordenamento interno, e o que se abrange
como justiça internacional é como se é dado seu relacionamento internacional para com os
demais membros da sociedade internacional. Com relação ao espaço interno, há um acordo de
reconhecimento de jurisdições de cada soberania para a coexistência no espaço anárquico.  
No que se fala de indivíduo, as regras morais que se institucionalizam dando direitos e
deveres são compreendidas no termo de justiça humana, sendo essas precedentes do
jusnaturalismo. Em alguns casos, essa noção de justiça, envolta nos termos de direitos humanos,
levanta questões de conflito entre tais direitos e o próprio Estado (BULL, 2002). Além disso,
“Estas são questões que, respondidas de um certo modo, podem produzir desordem nas relações
internacionais, ou até mesmo levar à destruição da própria sociedade internacional.” (BULL,
2002, p. 98). Por causa desse conflito com a sociedade internacional, esses direitos estão
relacionados com os objetivos menos importantes para a manutenção da ordem supracitados.
Dessa forma, se mantém uma tensão específica entre a justiça humana e a ordem internacional.
Como mencionado anteriormente, os Estados priorizam a manutenção da ordem internacional
e enxergam certas demandas como “revolucionárias”; tais solicitações por justiça humana, por
exemplo, em muitas vezes, são postergadas. Contudo, em certos momentos, os Estados
entendem que a própria sobrevivência da ordem internacional depende da sua capacidade de se
manterem como os atores legítimos. Essa condição de legitimidade está necessariamente ligada
à condição de acatamento das demandas de justiça humana. Assim, se provocam mudanças na
26

ordem gradualmente, a revestindo de um caráter de justiça, nesse caso de direito humanos,


mantendo, ao mesmo tempo, a legitimidade de conduta dos Estados.
Bull finaliza os termos sobre as regras morais com a finalidade de alcançar uma
imaginária sociedade, na qual estejam englobados todos os interesses de uma totalidade dos
indivíduos. Assim, ele atribui a ideia de justiça mundial à definição do que é certo ou não para
uma sociedade cosmopolita, afirmando que “Essa idéia (sic) do bem comum em escala mundial
tem a ver não com os objetivos ou valores comuns da sociedade dos estados, mas com os da
sociedade universal que reúne toda a humanidade, constituída por membros que são seres
humanos individuais.” (BULL, 2002, p. 99). Assim, o autor finaliza dizendo que, pela natureza
conflitante dessas convenções morais evolutivas, tanto a justiça humana como a mundial têm
menos espaço do que a justiça internacional (BULL, 2002).  
A centralidade argumentativa se contempla no trecho citado no parágrafo anterior, pois
a tensão sobre a ordem internacional, na sociedade internacional, se dá conforme a demanda
por justiça humana, ou seja, por direitos individuais. Esse processo se dá, primordialmente, por
meio da ascensão de novos parâmetros de justiça humana. Por conseguinte, tais demandas
tensionam a ordem internacional para que ocorram mudanças no acatamento gradual desses
desígnios. Ao passo que estas mudanças não são percebidas como “revolucionárias”, ao ponto
de ameaçar a manutenção da ordem internacional, elas são acatadas. No entanto, isso não se dá
por essa promoção de direitos ser considerada uma prioridade entre os Estados, mas sim pela
legitimidade gerada pelo acatamento de tais demandas ser valiosa aos Estados. Eles promovem
demandas de justiça humana pois miram na sua própria consolidação como os principais atores,
e tal condição é depositária da promoção de uma ordem internacional revestida minimamente
de um caráter justo. A própria noção dos Estados, do cumprimento de diretrizes comuns à vida
na sociedade anárquica, ganha, então, mais um requisito para a garantia da manutenção da
ordem e do cumprimento da Raison de Systéme, traduzindo-se na aparição de novas
instituições. Ou seja, as mudanças provocadas pelo processo supracitado originam, em certa
medida, uma mudança institucional na sociedade internacional.
Essa operação de tensão da ordem pela justiça pode ser exemplificada por meio da
capacidade dos indivíduos entrarem em litígio com os Estados ao processá-los no âmbito de
cortes internacionais, quando do esgotamento do ordenamento jurídico interno dos Estados.
Dessa forma, essa demanda específica se deu historicamente, sendo em primeira ocasião
rejeitada por ser percebida como uma ameaça à estrutura da sociedade dos Estados. Contudo,
pequenas mudanças em prol do indivíduo foram se concretizando regionalmente, primeiro em
âmbito europeu e depois nos demais continentes (CANÇADO TRINDADE, 2012). Esse
27

processo levou décadas e foi promovido pois garantiu legitimidade aos Estados e manteve a
ordem internacional estável durante as últimas décadas. Surgiram, assim, demandas pelo
reconhecimento de direitos para a promoção de uma maior justiça humana, as quais foram
internalizadas gradualmente na sociedade internacional, sendo promovidas ao passo que fossem
percebidas como não ameaçadoras à ordem internacional. Tais demandas foram se
institucionalizando e sendo progressivamente pensadas e implementadas com o aval dos
próprios Estados em atos internacionais (tratados, convenções, reuniões, etc.). Desse modo, ao
passo em que a ação dos indivíduos se concretizou, o respeito a ela passou a ser entendido como
um pré-requisito para a participação dos Estados na sociedade internacional contemporânea. 
Foram apresentados nessa seção os principais conceitos abordados pela Escola Inglesa,
como eles se completam e/ou se entrelaçam e, também, como eles permeiam as dinâmicas da
sociedade internacional. Uma vez expostos todos esses conceitos, que serão extremamente
importantes ao longo do trabalho, a próxima seção tratará sobre o que a Escola Inglesa pondera
com relação às instituições, sejam elas primárias, derivadas ou secundárias, e como,
principalmente, os direitos humanos passaram a ser parte e a ter uma maior significação frente
à sociedade internacional. 

2.2 Direitos Humanos como Instituição da Sociedade Internacional

A presente seção irá apresentar a discussão teórica sobre os direitos humanos como uma
instituição da sociedade internacional contemporânea. Discute-se, portanto, a abordagem
de nesting, ou seja, o processo de derivação das instituições, proposta por Buzan (2004). Além
disso, faz-se uma breve apresentação do tema de direitos humanos no âmbito do Direito
Internacional e o impacto disso na sociedade internacional. 
Os direitos humanos passaram a ser considerados instituições da sociedade internacional
há pouco tempo, desde o final da Segunda Guerra Mundial (1945). Com as atrocidades
ocorridas na guerra, viu-se necessário a criação de mecanismos institucionais internacionais
que dessem uma maior importância à questão dos direitos humanos. Vê-se, portanto, uma
evolução dos direitos humanos como um valor e norma compartilhados na sociedade
internacional contemporânea. O processo de incorporação desses direitos à sociedade
internacional como uma instituição será propriamente discutido mais adiante nesta seção. 
Segundo Buzan (2004), dentro da Escola Inglesa não existe uma concepção muito
elaborada sobre como e por quê as instituições da sociedade internacional mudam, apesar de
autores, como o próprio Bull (2002), aceitarem que as instituições primárias podem mudar e
28

mudam, de fato. Nesse sentido, Buzan (2004) defende a ideia de que, para que a concepção de
instituições primárias da Escola Inglesa tenha um papel coerente na teoria, é preciso que o
entendimento do que uma instituição representa (ou não) esteja claro. Assim, para o autor,
alguns pontos necessitam de uma atenção maior, entre eles estão que, primeiro, as instituições
primárias de Bull devem ser entendidas como parte de uma sociedade internacional histórica
(do século XVIII, nesse caso), e não como universais, o que abre espaço para considerar outras
instituições; segundo, que as instituições podem mudar, e que o processo de evolução das
mesmas (surgimento e decaimento) devem ser levados em consideração; e, terceiro, que existe
a necessidade de introduzir uma hierarquia entre as instituições primárias (BUZAN, 2004). 
Dado que as “Instituições primárias são padrões duráveis e reconhecidos de práticas
compartilhadas enraizadas em valores comuns aos membros das sociedades de estados”
(BUZAN, 2004, p. 181, tradução nossa)5, pode-se dizer que se esses valores comuns mudam,
os padrões também irão mudar, consequentemente levando a uma mudança nas instituições.
Isso mostra que, apesar de duráveis, as instituições primárias não podem ser entendidas como
fixas, e, geralmente, irão passar por um processo histórico de ascensão, evolução e declínio
(BUZAN, 2004). Ainda segundo Buzan (2004), essas mudanças podem ser consideradas um
sinal de adaptação e fortalecimento, ou de declínio. Por isso, é necessário diferenciar as
mudanças nas instituições e as mudanças de instituições primárias. 
Para um melhor entendimento das instituições primárias, o autor também propõe uma
hierarquização entre elas, pois, afinal, algumas são mais consolidadas do que outras. A proposta
de Buzan (2004) é tratar essa questão como um problema de nesting, ou seja, algumas
instituições primárias, devido a suas características, podem conter, ou gerar, outras instituições.
Essas instituições são chamadas pelo autor de “instituições máster” (BUZAN, 2004, p. 176),
pois dão origem a várias instituições mais específicas, as “instituições derivadas” (BUZAN,
2004, p. 182), que são construídas sobre as máster, e que dão origem, por sua vez,
às “instituições secundárias” (BUZAN, 2004, p. 182). 
Buzan (2004) propõe essa diferenciação para lidar com a questão da hierarquia entre as
instituições primárias da sociedade internacional, considerado pelo autor um dos grandes
desafios teóricos da Escola Inglesa. O autor entende, portanto, que as denominadas instituições
máster possuem esse nome pois são consideradas como práticas mais profundas e consolidadas
na sociedade internacional, dando origem, ou moldando, todas as outras práticas. Logo, existem

5
Primary institutions are durable and recognised patterns of shared practices rooted in values held commonly by
the members of interstate societies […]. 
29

duas camadas de instituições primárias, as instituições máster e as instituições derivadas destas,


sendo as primeiras mais “profundas” do que as segundas (BUZAN, 2004).  
Nesse sentido, o autor propõe que, na sociedade internacional contemporânea, a
instituição máster igualdade dos povos gera a instituição derivada direitos humanos, a qual, por
sua vez, gera várias instituições secundárias, como, por exemplo, o Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas (CDHNU) (BUZAN, 2004). Essa questão da derivação
institucional pode ser entendida a partir da focalização de um aspecto mais singular de uma
instituição mais abstrata e ampla. Nesse sentido, a instituição igualdade dos povos pode ser
entendida como um produto histórico de ações e valores, dado um determinado
compartilhamento de identidades. A instituição derivada dela teria de estar carregando uma
entonação de um dos vértices da instituição máster, agindo como uma extensão desta. Nesse
caso, foi observado o surgimento da derivação “direitos humanos” como depositária da ideia
ampla de igualdade dos povos e, mais tarde, o surgimento do CDHNU como depositário dos
direitos humanos.  
A igualdade dos povos, contudo, somente passou a ser considerada como
instituição máster da sociedade internacional após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Até esse momento, era a desigualdade entre os povos que prevalecia como valor compartilhado
entre os Estados, pois estava diretamente ligada ao imperialismo e colonialismo como
instituições de base. Mesmo que existente antes da Segunda Guerra Mundial, foi durante esta
que a desigualdade entre os povos esteve mais forte como instituição, colapsando logo em
seguida, juntamente com as instituições que serviam como base, o imperialismo e colonialismo
(BUZAN, 2014). 
Após o final da guerra, com a vitória dos Aliados (Estados Unidos, Reino Unido, China,
França e União Soviética) e a criação das Nações Unidas, surgiu um contexto favorável à
mudança de certos valores e normas na sociedade internacional, ocasionando o surgimento de
novas instituições máster. Uma dessas normas é a da igualdade humana, presente na Carta das
Nações Unidas (1945) e mais visivelmente expressa na Declaração Universal de Direitos
Humanos, de 1948 (BUZAN, 2014). Essa norma, que fundamenta a definição de direitos
humanos, estabelece o princípio de que todos os seres humanos são iguais em direitos desde o
momento de seu nascimento, independentemente de fatores como sexo, religião, nacionalidade,
etnia, entre outros. Nesse sentido, “a Declaração Universal de Direitos Humanos fez com que
os seres humanos individuais se tornassem titulares de direitos por si próprios” (MAYALL,
30

2000 apud BUZAN, 2014, p. 158, tradução nossa)6, ou seja, a partir desse momento, os
indivíduos passaram a ser considerados como possuidores de direitos pela sua própria condição
de seres humanos, sendo esse direito posto como não alienável e indisposto à intervenção
estatal.  
Segundo Christian Reus-Smit (2011a, 2011b), a norma da igualdade humana é
antecessora dos direitos humanos, pois é a partir dela que estes podem ser considerados
verdadeiramente universais (REUS-SMIT, 2011a, 2011b). É nesse sentido, segundo a
concepção de nesting de Buzan (2004), apresentada acima, que a igualdade dos povos é uma
instituição máster da sociedade internacional contemporânea, e os direitos humanos são uma
instituição que deriva desta última. Segue-se que, a partir disso, instituições secundárias surgem
e expressam os valores e normas embutidos nas instituições máster e derivadas. No caso dos
direitos humanos, atualmente existem várias instituições secundárias, que começaram a surgir
na segunda metade do século XX, como Convenções e comitês das Nações Unidas, bem como
organizações internacionais formais e cortes internacionais de direitos humanos, tanto no nível
global como no nível regional (BUZAN, 2014)7. 
A partir dessa progressiva incorporação dos direitos humanos à sociedade internacional
como uma instituição desta última, é possível argumentar que, como foi exposto na primeira
seção deste capítulo, os direitos humanos incorporam a noção de justiça humana, logo são
originários e estão relacionados à ideia de uma sociedade mundial. Nesse sentido, a ideia de
justiça humana precede e é base para os direitos humanos. Apesar de estar localizada,
originalmente, dentro dessa sociedade mundial utópica, a noção de justiça humana, incorporada
na ideia de direitos humanos, entra na sociedade internacional por meio da tensão entre ordem
e justiça. A partir disso, os direitos humanos passam a integrar, progressivamente, por meio do
processo de institucionalização descrito acima, o conjunto de valores e normas que legitimam
a ação dos Estados dentro da sociedade internacional, e passam, portanto, a serem
garantidos. Dessa forma, a partir dessa tensão, os direitos humanos encontram caminho para a
sociedade internacional, fazendo com que esta última se torne mais justa. Esse ponto será
melhor explorado na seção seguinte. 
A relação entre ordem e justiça, que caracteriza a tensão entre ambas, pode ser entendida
como sendo de co-constituição, ou seja, uma relação onde, por um lado, a justiça transforma a
ordem, mas, por outro, a ordem dos Estados é o que possibilita a realização da justiça. Os

6
The UDHR made individual human beings ‘right holders on their own behalf’.
7
A discussão sobre o processo histórico de surgimento dos direitos humanos, bem como do surgimento de
instituições ligadas a eles, será feita, de forma mais profunda, no segundo capítulo deste trabalho.
31

direitos humanos, então, têm um papel importante nessa relação. Como mencionado no
parágrafo anterior, os direitos humanos tem como base a ideia de justiça humana, logo trazem
consigo demandas de caráter justo, o que contribui para a transformação da ordem internacional
na medida em que tais demandas se institucionalizam e, depois, são positivadas no Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). No entanto, os direitos humanos, logo a justiça,
só são garantidos porque existe uma ordem na qual os Estados se comprometem a proteger
esses direitos, por meio de tratados, por exemplo, os quais restringem as ações dos Estados, e
os punem, quando estes agem contrariamente à proteção dos direitos humanos em suas relações
mútuas. Dessa forma, as demandas por justiça humana avançam, progressivamente, na ordem
internacional, mesmo esta sendo protagonizada por Estados. Apesar de os direitos humanos
estarem diretamente relacionados aos indivíduos, são os Estados que são os responsáveis
principais por promover e garantir tais direitos. Assim, a justiça transforma a ordem na medida
em que a incorporação de demandas mais justas, ao serem institucionalizadas na sociedade
internacional, restringem a ação dos Estados, os quais devem se atentar a tais demandas para
não ferirem sua legitimidade, fazendo com que a ordem opere dentro de uma lógica nova. Ao
mesmo tempo, essa justiça é garantida por essa mesma ordem dos Estados, os quais, pautados
pelo valor comum de proteção dos direitos humanos, firmam acordos entre si com o intuito de
proteger os direitos humanos.
As discussões da Escola Inglesa sobre a institucionalização dos direitos humanos na
sociedade internacional, e o consequente aumento da atuação do indivíduo em tal sociedade, é
precedida pela discussão feita pelo Direito Internacional acerca do mesmo tema.
Segundo Cançado Trindade (2012), apesar de o papel dos indivíduos ter sido apagado da
doutrina jurídica internacional do século XIX e do início do século XX, os autores clássicos8,
dos séculos XVII e XVIII, colocavam o jus gentium (direito das gentes) em posição de destaque
em suas respectivas teorizações. No século XX houve um resgate da concepção do indivíduo
como sujeito de direito internacional, sendo que no início do século já se viam indícios disso,
com o surgimento de manifestos relacionados à proteção dos direitos humanos. Apesar disso,
foi a partir da segunda metade do século, depois da Segunda Guerra Mundial, como
mencionado acima, que a doutrina jurídica internacional concentrou esforços para o
reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de direito internacional. Isso reverberou na
sociedade internacional por meio da criação de tratados, declarações e mecanismos

8
Entre os principais teóricos desse período encontram-se Fracisco de Vitória, Francisco Suárez, Alberico
Gentili, Hugo Grotius, Samuel Pufendorf e Christian Wolff (CANÇADO TRINDADE, 2017).
32

institucionais (como as cortes internacionais de direitos humanos) voltados para o


reconhecimento e proteção desses direitos9 (CANÇADO TRINDADE, 2012).  
Apesar dos direitos humanos terem conseguido certa legitimidade como instituição
derivada da sociedade internacional a partir do século XX, ainda existe muita contestação
acerca de sua força como instituição, principalmente dentro da Escola Inglesa. Buzan (2014)
aponta que direitos humanos podem ser considerados uma instituição emergente da sociedade
internacional, mesmo tendo um amplo status como um princípio legitimador (pelo menos na
sociedade internacional ocidental), como dito anteriormente. Mesmo assim, segundo o autor,
“não pode haver dúvida de que a igualdade humana é agora ampla e profundamente aceita como
uma instituição da sociedade internacional, oferecendo uma fundação estável sobre a qual a
evolução dos direitos humanos pode ser construída” (BUZAN, 2014, p. 160, tradução nossa)10. 
Esta segunda seção abordou a discussão dos autores da Escola Inglesa, principalmente
de Buzan (2004, 2014), acerca da hierarquia das instituições existentes na sociedade
internacional. Essa questão é entendida pelo autor por meio de uma abordagem de nesting, ou
seja, uma instituição mais consolidada deriva instituições mais específicas. A presente seção
também discutiu a importância dada à instituição igualdade dos povos a partir do século XX e
como os direitos humanos, que derivam dela, transformaram certas normas e valores
compartilhados pelos Estados, institucionalizando os direitos humanos na sociedade
internacional. Esse processo resultou no reconhecimento do indivíduo como sujeito ativo de
direito internacional11. A próxima seção dará continuidade à discussão sobre a tensão entre
ordem e justiça na formação da sociedade internacional contemporânea e as implicações desse
processo no papel dos indivíduos como sujeitos ativos no direito internacional.

2.3 A construção da justiça na sociedade internacional contemporânea

Até o momento, fez-se uma discussão sobre os principais conceitos da Escola Inglesa
que foram e ainda serão utilizados neste trabalho e o debate que os autores fazem sobre
instituições em diversos âmbitos, assim como a incorporação dos direitos humanos na
sociedade internacional contemporânea. A presente seção irá retomar a discussão sobre ordem
e justiça na sociedade internacional, feita na primeira parte e mencionada na segunda, por meio

9
A evolução teórica dos indivíduos como sujeitos do direito internacional, dentro deste último como campo
acadêmico, será abordada mais detalhadamente no segundo capítulo deste trabalho.
10
[…] there can be no doubt that human equality is now widely and deeply accepted as an institution of
international society, providing a stable foundation on which the evolution of human rights can be built.
11
A ascensão e a importância dos indivíduos como sujeitos ativos e os mecanismos que os amparam serão melhor
explorados no segundo capítulo.
33

do processo de surgimento de demandas baseadas em uma ideia de justiça, e explicitar como a


tensão existente entre ordem e justiça impacta a incorporação dos direitos humanos nessa
sociedade, o que resulta em uma participação bastante ativa dos indivíduos no Direito
Internacional, trazendo um caráter de justiça para a sociedade internacional contemporânea.  
Há uma constante tensão entre ordem e justiça, não só presente na lógica entre os
Estados que priorizam a preservação da ordem, mas também aos demais que atribuem maior
peso às mudanças baseadas em suas concepções de justiça. Contudo, Bull (2002) aponta que a
sociedade internacional se põe ao compromisso de se revestir de justiça humana, até levando
em conta os objetivos de uma ideia de justiça mundial mais raramente. 
 Tal tensão demonstra que os Estados mantêm um compromisso com pautas de justiça
humana, pois essas os garantem a própria legitimidade necessária para assegurar os objetivos
da ordem internacional, principalmente a sua manutenção. Por outro lado, as demandas por
justiça só encontram canal para serem manifestas quando o momentum da sociedade dos
Estados e da ordem internacional se mostra propício para tal. Essa relação demonstra o porquê
de vários processos acontecerem gradualmente, promovendo mudanças na ordem, a revestindo
de justiça. O mais importante processo para a atual discussão se põe na lógica da
institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional e da atuação individual
resultante disso, que foram previamente citados na segunda seção, e serão mais profundamente
contemplados no segundo capítulo. 
É importante ter a noção de que, apesar de ter um papel secundário, a justiça humana é
parte integrante da coexistência e legitimidade entre os Estados, assim como é parte da ordem,
como mencionando anteriormente. Segundo Bull, “Os Estados estão dispostos a subordinar a
ordem à justiça humana em certos casos especiais que os afetam muito de perto, mas não estão
dispostos a permitir a derrubada de toda a estrutura da coexistência internacional.” (BULL,
2002, p. 105). Essa relação feita por Bull entre justiça humana e a ordem internacional
demonstra que os Estados vão permitir a evolução de algumas demandas de modo gradativo,
de forma que não se ameace a coexistência da ordem internacional. É devido a esse fato que a
própria internalização e positivação do DIDH, ocorreu em processos, obedecendo
uma gradualidade que não afetou a estrutura internacional vigente de forma brusca. Além da
dimensão gradual, é possível perceber que a internacionalização e institucionalização dos
direitos humanos parte da demanda dos indivíduos para uma maior proteção de tais direitos. Os
Estados, por sua vez, acatam tais demandas, de modo que estas não afetem a estabilidade da
ordem internacional. Ao fazer isso, o papel dos Estados muda e a ordem assume uma nova
lógica, pois, a partir desse processo, entende-se que a legitimidade estatal está relacionada à
34

proteção dos direitos humanos, e entende-se também que a estabilidade da ordem está
relacionada, em certa medida, ao respeito aos direitos humanos por parte dos Estados. O
processo de positivação dos direitos humanos propriamente dito será observado no próximo
capítulo. Bull ainda afirma que 

No entanto, há uma incompatibilidade entre as regras e instituições que sustentam


atualmente a ordem dentro da sociedade dos estados e as exigências de uma justiça
mundial, que implicam destruição dessa sociedade; as demandas pela justiça humana,
que só podem ser acomodadas de forma seletiva e parcial, e as exigências da justiça
entre os estados, ou internacional, com respeito à qual essas regras e instituições não
são basicamente hostis, mas que só podem satisfazer de forma limitada (BULL, 2002,
p. 110).  

Bull (2002), ao contemplar a relação conflitante entre as ordens na política mundial,
afirma que é apenas sob a égide das demandas justas que se é prolongado a existência de tal
ordem internacional, assim como reflete que tais mudanças e demandas por justiça devem levar
em conta o primeiro objetivo da ordem, a sua própria manutenção. Desse modo, imagina-se que
o autor leve em conta que quaisquer demandas estarão sob um meio termo, não podendo ser
radicais o bastante ao ponto de ameaçarem a ordem internacional. Novos padrões de justiça
humana, então, serão levados em conta em um processo de mudança gradual, tensionando a
ordem internacional na medida em que ela só contemple a modificação por passos progressivos
e gradativos (BULL, 2002).
Logo, Bull trabalha a relação entre o consenso a respeito do significado da justiça em
uma demanda na sociedade internacional. Assim,  

Quando a demanda de justiça, no âmbito da sociedade internacional, é feita na


ausência de consenso a respeito do que a justiça significa, abre-se a perspectiva de
que desaparecerá também o consenso existente a respeito da ordem ou da coexistência
mínima. É preciso então enfrentar a questão da prioridade a ser atribuída à ordem e à
justiça. [...] A ordem na vida social é desejável porque é uma condição para que outros
valores sejam respeitados e vividos. Se não houver um padrão das atividades humanas
que sustente os objetivos elementares, primários e universais da vida social, não será
possível atingir ou preservar objetivos avançados e secundários, ou as metas
específicas de determinadas sociedades. A ordem internacional, ou a ordem dentro da
sociedade dos estados, é uma condição necessária para a justiça ou igualdade entre os
estados ou nações (BULL, 2002, p. 113). 

Desse modo, como mencionado na seção anterior, a relação entre ordem e justiça pode ser
caracterizada como co-constitutiva, no sentido de que uma depende da outra para existir dentro
da sociedade internacional. A ordem é necessária para que os objetivos comuns dos Estados
possam ser alcançados de forma satisfatória. Nesse sentido, a justiça só pode ser alcançada se
houver uma ordem internacional estável. Por outro lado, com o passar do tempo, os valores e
35

normas que sustentam a ordem podem mudar, passando a incluir demandas de caráter mais
humanitário, por exemplo. Essa mudança de valores implica, em um primeiro momento, uma
mudança das instituições da sociedade internacional, o que, por sua vez, acarreta uma mudança
no papel dos Estados dentro dessa sociedade, que, a partir das novas instituições, necessitam
respeitar certos princípios a fim de garantir sua legitimidade. Por meio desse processo, a ordem
internacional permanece estável, pois as demandas são acatadas e cumpridas pelos próprios
Estados, e, ao mesmo tempo, a ordem se torna mais justa, ao incorporar essas demandas mais
humanitárias.
Em vista disso, é importante considerar o contexto no qual as demandas humanitárias
começaram a surgir, especialmente, para este trabalho, as demandas por direitos humanos,
especificamente por uma capacidade ativa dos indivíduos no direito internacional. Com o final
da Segunda Guerra Mundial, ficou explícita, devido as atrocidades praticadas contra indivíduos
durante o conflito, a necessidade de criar mecanismos internacionais para proteger os direitos
humanos. Esse entendimento impulsionou, em um primeiro momento, a criação de documentos,
de caráter recomendatório, que versavam sobre os direitos que deveriam ser protegidos pelos
Estados, sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) o principal deles. A partir
dos anos de 1950, a discussão acerca dos diretos humanos evoluiu para a criação de mecanismos
mais desenvolvidos, no sentido de que eles englobavam aparatos judiciais, como cortes de
justiça, e davam mais destaque para o indivíduo, na medida em que estes poderiam, eles
próprios, denunciar seus Estados de origem por violações de direitos humanos por meio da
petição individual. Esse movimento de construção da petição individual como processo
gradativo será trabalhado mais à frente no capítulo dois.
O processo histórico descrito acima colabora para o entendimento da relação entre
ordem e justiça na sociedade internacional. O contexto histórico da sociedade internacional da
segunda metade do século XX propiciou o surgimento de demandas pela proteção dos direitos
humanos. Os Estados, por sua vez, conscientes de que tais demandas eram valores importantes
para a manutenção da ordem, decidiram aceita-las, incorporando-as à ordem internacional
vigente, por meio da institucionalização e, consequentemente, os mecanismos de proteção
desses direitos começaram a ser criados (instituições secundárias). Esse processo de
incorporação se dá por meio da institucionalização dos direitos humanos na sociedade
internacional, como abordado com mais detalhes na segunda seção deste capítulo. Tais
demandas são constantes e são incorporadas à ordem gradualmente de forma a não afetar a
estabilidade desta última. Nesse sentido, com o passar do tempo, novas demandas surgiram,
como, por exemplo, por uma maior participação dos indivíduos no âmbito internacional,
36

ilustrado aqui pela petição individual. Na medida em que tais demandas foram sendo acatadas
pelos Estados como valores necessários para a preservação da ordem, o respeito aos direitos
humanos passou a ser institucionalizado, fazendo parte do papel dos Estados na sociedade
internacional, sendo parte integrante de sua legitimidade. A ordem, portanto, muda de acordo
com o surgimento de demandas de caráter humanitário impulsionadas pelos indivíduos,
contudo a mudança ocorre gradativamente e com o aval dos Estados, sem ferir a sua existência
primordial.
Pode-se dizer, então, que a ordem internacional se reveste de justiça em um esforço de
manter a estrutura da sociedade anárquica. O reflexo desse processo se dá, por exemplo, na
institucionalização de direitos individuais e mecanismos para a sua promoção e proteção a nível
internacional, o que, por um lado, muda as condições de pertencimento e de atuação na
sociedade internacional, e, por outro, muda o próprio relacionamento interno dos Estados com
sua população, em um processo de redefinição dos seus direitos e deveres. De um lado, muda
as condições de pertencimento de atuação dos Estados pois estes, por meio dos acordos que
firmam entre si, se tornam responsáveis por garantir os direitos individuais, e somente por meio
disso são aceitos como membros da sociedade internacional; do contrário, são excluídos da
convivência nessa sociedade. De outro lado, a internalização desses direitos no âmbito
doméstico dos Estados muda a relação entre estes e sua população, na medida em que esses
acordos são incluídos no ordenamento jurídico interno dos Estados, os quais passam a ser
obrigados a seguir as diretrizes acordadas em suas políticas públicas, por exemplo. 
É possível perceber, então, o acatamento gradual das demandas por justiça humana e a
necessidade de respeitar os direitos humanos como requisitos de coexistência dentro da
sociedade internacional (BULL, 2002). É importante situar que dentro dessa lógica, com a
evolução da igualdade dos povos como instituição máster, e a ascensão dos direitos humanos
como instituição derivada, e incluso aqui a noção do indivíduo como sujeito ativo, são um
exemplo dessas mudanças dentro da ordem internacional; as cortes, por exemplo, tiveram
aparecimento gradativo em diferentes localidades, efeito de uma pressão de indivíduos sobre
os governos, e de uma jurisprudência que se fez tendência no contexto pós-Segunda Guerra
Mundial (CANÇADO TRINDADE, 2012). Nesse sentido, concebe-se o novo aparato das
cortes regionais de petição individual como instituições secundárias, derivadas da instituição
direitos humanos, constituindo, assim, parte da sociedade internacional contemporânea. Esse
processo, ainda, ressignifica, dentro dos agentes que compõem essa sociedade internacional, a
relação inerente ao direito supracitado entre Estado e sua população. 
37

O presente capítulo abordou como o indivíduo, o Estado e a sociedade internacional


estão relacionados. Nesse sentido, a partir dos conceitos apresentados na primeira seção,
buscou-se discutir como as demandas relacionadas aos indivíduos, nesse caso pela proteção dos
direitos humanos, passam a ser incorporadas à sociedade dos Estados, tornando-se instituições
internacionais, contribuindo, portanto, para a manutenção da ordem internacional. Esse
processo tem como consequência uma mudança no papel dos Estados, de forma a tornar suas
ações legítimas, e na caracterização da ordem, que se torna mais justa. Feitas essas discussões,
o segundo capítulo deste trabalho apresentará, a partir de um panorama histórico, como as
normas referentes ao DIDH foram se desenvolvendo e evoluindo, passando a fazer parte do
conjunto da sociedade internacional ao se tornarem instituições internacionais, tanto em âmbito
global quanto, mais especificamente, no âmbito do sistema interamericano. Além disso, será
explorada a evolução do indivíduo como sujeito ativo do Direito Internacional e como ele
passou a ser um relevante ator na sociedade internacional, aprofundando-se a discussão sobre
a petição individual e o papel dela na relação entre ordem e justiça.
38
39

3 DIREITOS HUMANOS, A PETIÇÃO INDIVIDUAL E O SISTEMA


INTERAMERICANO

A preocupação com os direitos humanos existe, na sociedade internacional, desde o final


do século XIX, ganhando maior destaque quando da ascensão do Direito Internacional
Humanitário (DIH), a partir do final da Primeira Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra
Mundial, essa preocupação tomou maiores proporções devido às inúmeras violações de direitos
humanos cometidas antes e durante o conflito. Com isso, é possível dizer que uma nova ordem
internacional começava a surgir no pós-1945 e, com ela, novos valores e normas, dentro dos
quais se encontrava o respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, formou-se uma perspectiva
ampla sobre os direitos humanos, que é chamado de Direito Internacional dos Direitos Humanos
(lato sensu). Essa perspectiva engloba, portanto, as três vertentes principais do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), quais sejam o Direito Internacional Humanitário
(DIH), voltado para o direito na guerra; o Direito Internacional dos Direitos Humanos (stricto
sensu), o qual lida com a criação de direitos individuais internacionais universais; e o Direito
Internacional dos Refugiados (DIR), que assegura os direitos dos refugiados a nível
internacional.
O presente capítulo, então, aborda a evolução histórica e normativa do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (stricto sensu)12 para traçar o processo de
institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional contemporânea,
destacando as reverberações desse processo a nível regional, no Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). O propósito deste capítulo, portanto, é observar a
evolução dos direitos humanos como instituição internacional, dando ênfase ao mecanismo de
petição individual, de forma a entender como o indivíduo se tornou sujeito do Direito
Internacional e as implicações disso para a tensão entre ordem e justiça.
Para tanto, este capítulo está disposto em três partes. A primeira parte trata da
emergência histórica dos direitos humanos e a sua institucionalização na sociedade
internacional contemporânea. A segunda parte aborda, historicamente, o reconhecimento do
indivíduo no sistema legal internacional, enfatizando o papel do mecanismo de petição
individual e as consequências dele para a relação entre ordem e justiça. A terceira parte,
finalmente, traça um panorama histórico e normativo do SIPDH, focando em seus principais
dispositivos e contribuições para a elevação do status do indivíduo no Direito Internacional, e

12
A partir de agora, quando se fizer menção ao Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), este deve ser
entendido como o Direito Internacional dos Direitos Humanos (stricto sensu).
40

as repercussões disso na sociedade internacional contemporânea, a partir da tensão entre ordem


e justiça.

3.1 A emergência histórica dos direitos humanos como instituição da sociedade


internacional

A ideia do direito das gentes, ou jus gentium, está presente na sociedade internacional
desde o século XVIII, quando aconteceram dois eventos que marcaram a defesa de direitos
individuais universais, quais foram a Revolução Francesa, e a consequente Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a Constituição dos Estados Unidos da América,
de 1793. No final do século XIX e início do século XX, houve novos avanços na ideia de jus
gentium, caracterizados pelo fortalecimento do Direito Internacional Humanitário (DIH)13,
principalmente devido à Primeira Guerra Mundial; pela luta contra a escravidão, que teve início
no século XVIII, mas começou a se tornar primordial na primeira metade do século XX; pela
luta por direitos trabalhistas, caracterizada pela atuação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT); e pelo Sistema de Minorias e Mandatos da Liga das Nações, que fornecia
proteção a certas minorias, habitantes de territórios mandatados, e refugiados (PARLETT,
2011; CANÇADO TRINDADE, 2011; SILVA PASSOS, 2016). Esses momentos foram
importantes como fundação de uma ideia que, mais tarde, seria um dos fundamentos da
concepção contemporânea de direitos humanos, tal qual a sua universalidade. O DIDH,
propriamente dito, ganhou força após o final da Segunda Guerra Mundial, quando se percebeu
que as violações dos direitos humanos não somente colaboraram para o início da guerra
(CLARK, 2007), mas também foram praticadas durante todo o período do conflito
(PIOVESAN, 2014). Com isso, teve início a evolução do DIDH no âmbito internacional,
quando começaram a ser criados tratados e instrumentos de proteção dos direitos humanos.
Contudo, esses documentos iniciais não previam a realização de tais direitos pelos Estados, nem
a responsabilização dos mesmos em caso de violação (SILVA PASSOS, 2016).
A evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) pode ser entendida
em dois âmbitos: no internacional e no regional. No âmbito internacional, ela é caracterizada,
principalmente, pelos esforços empreendidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em
diversos documentos criados a partir de 1945. No âmbito regional, é caracterizada pela criação

13
O Direito Internacional Humanitário (DIH), depositário do artigo 1 das quatro Convenções de Genebra de 1949
e do Art. 1º § 1 do Protocolo Adicional I de 1977 às Convenções de Genebra, presta-se às partes contratantes o
compromisso a respeitar e a fazer respeitar as obrigações incondicionais convencionais em situação de conflito.
Tais direitos são de responsabilidade independente da natureza da participação no determinado conflito
(CANÇADO TRINDADE, 2003a).
41

de sistemas próprios de determinadas regiões do mundo, os quais possuem características


específicas, como cortes internacionais, onde se destaca o instrumento de petição individual,
que será abordado mais detalhadamente na segunda seção deste capítulo. Um desses sistemas
é o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), o qual é o foco deste
trabalho. É importante ressaltar que esses dois âmbitos não existem separadamente, visto que o
âmbito regional espelha e se baseia em muitos dos princípios advindos dos processos ocorridos
no âmbito internacional.
Os instrumentos criados, portanto, principalmente no período entreguerras,
funcionavam de duas formas. Primeiro, existiam instrumentos, como a Convenção da
Escravidão, de 1926, que eram benéficos aos indivíduos, mas não concediam nenhum direito a
eles formalmente; ou seja, nesse sentido, os indivíduos eram considerados somente como
agentes passivos, e a abolição, efetivamente, funcionava por meio de obrigação entre os
Estados. Segundo, existiam instrumentos, como o Sistema de Minorias e Mandatos da Liga das
Nações, que conferiram direitos a certos grupos de indivíduos formalmente, como foi o caso de
algumas minorias, dos refugiados e dos habitantes de territórios mandatados. Esses direitos
eram acompanhados de medidas de proteção que, em muitos casos, possibilitavam aos
indivíduos se proteger contra seus próprios Estados em âmbito internacional (PARLETT,
2011). Contudo, como mencionado anteriormente, a ideia de direitos humanos, propriamente
dita, ainda não existia nessa época, logo tais mecanismos não eram universais, mas restritos a
certos grupos.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, começou a florescer a ideia de direitos
humanos universais. Durante o decorrer dos enfrentamentos, os Aliados, frente às violências
empreendidas pelo Eixo, tanto aos seus próprios cidadãos, como aos cidadãos dos territórios
conquistados, começaram a considerar a defesa dos direitos dos indivíduos um dos objetivos da
guerra (PARLETT, 2011). Segundo Kate Parlett (2011), essas referências apontavam para uma
mudança no entendimento de como os nacionais deveriam ser tratados dentro das fronteiras de
seus respectivos Estados. Além disso, na academia anglo-saxã, vários estudiosos estavam
voltando sua atenção, cada vez mais, para a discussão acerca dos direitos humanos (PARLETT,
2011).
Após o fim do conflito e a vitória dos Aliados surgiu, portanto, um espaço dentro da
sociedade internacional para a discussão sobre os direitos humanos como valor universal, o que
foi um passo importante para o processo de institucionalização, internacionalização e
positivação de tais direitos. Nesse sentido, após 1945, o primeiro documento a fazer referência
aos direitos humanos foi a Carta de São Francisco (1945), a qual deu origem à Organização das
42

Nações Unidas (ONU)14. Em seu artigo 1º § 3, a Carta estabelece como um dos propósitos da
organização

Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de


caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção
de raça, sexo, língua ou religião [...] (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
2017, p. 5).

Os direitos humanos não foram precisamente definidos na Carta de São Francisco


(1945), pois outro documento dedicado a tratar especificamente desses direitos estava sendo
escrito. Tal documento é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. Segundo Cançado Trindade (2003a),

[...] a noção de direitos inerentes à pessoa humana encontra expressão, ao longo da


história, em regiões e épocas distintas. A formulação jurídica dessa noção, no plano
internacional, é, no entanto, historicamente recente, articulando-se nos
últimos cinqüenta (sic) e cinco anos, mormente a partir da adoção da Declaração
Universal de Direitos Humanos de 1948 (CANÇADO TRINDADE, 2003a, p. 33).

A criação da Carta e da Declaração demonstra o esforço inicial no pós-guerra para a


promoção dos direitos humanos no âmbito internacional. Apesar de importante, esse esforço
foi um tanto quanto superficial, pois, além de não especificar quais são os direitos humanos que
devem ser respeitados, não foram impostas obrigações aos Estados-membros com relação a
promoção e respeito aos direitos humanos. Segundo Kate Parlett (2011), a Carta apenas
indicava aos Estados uma obrigação de boa-fé, logo não conferia nenhum direito internacional
aos indivíduos. Sendo assim, o documento é de caráter recomendatório. A importância da
Declaração Universal, por sua vez, para o desenvolvimento dos direitos humanos como
instituição da sociedade internacional, é indiscutível. Como visto acima, ela serviu, e ainda
serve, de base para a maioria dos documentos internacionais que tratam do assunto. Contudo,
assim como a Carta, a DUDH não impõe nenhuma obrigação aos Estados15 com relação ao
respeito e proteção dos direitos humanos, sendo, portanto, um instrumento de soft law, ou seja,
não vinculante (PARLETT, 2011).

14
Na Carta consta também, em seu artigo 7º § 1, a criação de um Conselho Econômico e Social (ECOSOC),
também relacionado à proteção dos direitos humanos.
15
A Declaração não foi pensada para ser um documento que prescrevesse obrigações aos Estados, pois, à época,
acordou-se que outros instrumentos, que seriam criados posteriormente, teriam base convencional, ou seja,
seriam vinculantes. Isso se deu, pois, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (atual Conselho de
Direitos Humanos), responsável por escrever a Declaração, optou por produzir um documento que pudesse ser
aceito facilmente pela maior parte dos membros da ONU e, para isso acontecer, tal documento teria de ser de
natureza não-vinculante (PARLETT, 2011).
43

A DUDH, apesar de não vinculante, é de suma importância para a autonomia da ideia


dos direitos humanos, assim como para a internacionalização do DIDH. A Declaração Universal
introduziu a concepção contemporânea de direitos humanos (PIOVESAN, 2014), qual seja os
direitos humanos são universais, isto é, inerentes a todos os seres humanos; indivisíveis, ou
seja, todos têm o mesmo grau de importância; interdependentes, em outras palavras, são co-
constitutivos; e inalienáveis, ou seja, o poder estatal deriva da vontade dos indivíduos, logo os
direitos individuais antecedem os direitos dos Estados (CANÇADO TRINDADE, 2003a).
Além disso, a DUDH também se tornou um parâmetro de proteção dos direitos individuais para
os ordenamentos jurídicos internos dos Estados (CANÇADO TRINDADE, 2003a). A
Declaração Universal, portanto, foi a base para a evolução do corpus juris do DIDH durante as
décadas seguintes a sua criação.
Após a DUDH, vieram dois Pactos: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(PIDCP) e seu Protocolo Facultativo, e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (PIDESC), ambos de 1966. O PIDCP diz respeito à garantia e concessão de direitos
internacionais relacionados à autodeterminação dos povos, não-discriminação, liberdades
individuais, acesso à justiça, participação política, entre outros (BRASIL, 1992a) e entrou em
vigor em 23 de março de 1976. Além disso, estabeleceu também o Comitê de Direitos
Humanos, órgão de supervisão do Pacto, responsável por receber e examinar as comunicações
interestatais relacionadas ao tratado (CANÇADO TRINDADE, 2003a). O Protocolo
Facultativo, por sua vez, estabelecia o sistema de comunicações individuais, sob supervisão do
Comitê, que, como o próprio nome diz, é responsável por receber queixas feitas pelos
indivíduos (CANÇADO TRINDADE, 2003a). Segundo Silva Passos (2016), o PIDCP foi
importante na medida em que reconheceu direitos que iam além daqueles que já constavam na
DUDH.
O PIDESC, por sua vez, diz respeito a garantia e concessão de direitos internacionais
relacionados a trabalho, saúde, educação, lazer, padrão de vida adequado, entre
outros (BRASIL, 1992b) e entrou em vigor em 03 de janeiro de 1976. Juntamente com o
PIDCP, possui um sistema de relatórios, onde os Estados Parte deveriam enviar, regularmente,
ao Secretário-Geral das Nações Unidas, relatórios sobre “as medidas que tenham adotado e
sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos
no Pacto” (BRASIL, 1992b, s/p). O órgão responsável por analisar os relatórios é o Conselho
Econômico e Social (BRASIL, 1992b). Segundo Silva Passos (2016), o principal objetivo do
PIDESC era “incorporar os dispositivos da Declaração Universal de 1948, sob a forma de
preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes” (SILVA PASSOS, 2016, p. 240), ou seja,
44

fazer com que os Estados se tornassem responsáveis pela concessão e proteção dos direitos
presentes no Pacto. Assim, o PIDESC “elencava deveres para os Estados, e não para os
indivíduos [...]. Os preceitos nele contidos visavam condicionar a atuação do Estado para a
implementação dos direitos, que necessitavam de recursos econômicos e incentivos estatais”
(SILVA PASSOS, 2016, p. 240).
Assim, conjuntamente com a Carta de São Francisco, os Pactos compreendem a Carta
Internacional dos Direitos Humanos. Segundo Cançado Trindade (2003a), com a concretização
da Carta “acelerava-se o processo de generalização da proteção internacional dos direitos
humanos e abria-se o campo para a gradual passagem da fase legislativa à de implementação
dos tratados e instrumentos internacionais de proteção.” (CANÇADO TRINDADE, 2003a, p.
62). A partir disso, então, teve início a expansão dos instrumentos internacionais voltados para
a proteção dos direitos presentes nos documentos supracitados, o que colaborou para a
institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional, os quais tornaram-se, com
o tempo, valores essenciais para a manutenção da ordem internacional.
Ainda na década de 1960, houve um acontecimento importante para a consolidação e
revisão da posição dos direitos humanos no espaço legal internacional: a I Conferência Mundial
de Direitos Humanos, ocorrida em Teerã, no Irã, em 1968. O objetivo da Conferência era avaliar
se houve progressos relacionados aos direitos humanos passados vinte anos desde a adoção da
DUDH, em 1948, bem como dar continuidade aos esforços iniciados no mesmo ano
(CANÇADO TRINDADE, 2003a). A Conferência deu origem à Proclamação do Teerã,
documento no qual constava a avaliação das duas últimas décadas, assim como a reafirmação
da indivisibilidade dos direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003a). Desse modo, a
referida Proclamação do Teerã contribuiu, a tais resoluções, com advertências aos países sobre
seus entraves na promoção dos direitos humanos. Enfocou-se também a questão do
crescente gap entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em sua proteção aos direitos
humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003a). A Proclamação, então, pode ser considerada,
segundo Cançado Trindade (2003a), como um “relevante marco na evolução doutrinária da
proteção internacional dos direitos humanos” (CANÇADO TRINDADE, 2003a, p. 79), assim
como um dos marcos da passagem da fase legislativa, ou seja, de criação de normas de direito
internacional dos direitos humanos, à fase de implementação, ou seja, de criação de
instrumentos capazes de assegurar o cumprimento e observâncias desses direitos (CANÇADO
TRINDADE, 2003a).
Outro evento importante para a evolução do DIDH foi a II Conferência Mundial de
Direitos Humanos, ocorrida em Viena, em 1993, que reavaliou os andamentos em proteção
45

internacional dos direitos humanos, em um cenário de consolidação dos sistemas regionais de


proteção (que serão abordados mais adiante) e seus órgãos de supervisão. Da Conferência de
Viena surgiu a Declaração e Programa de Ação de Viena, a qual, segundo Cançado Trindade
(2003a), retomou diretrizes basilares de importância central na proteção dos direitos humanos,
já consagradas anteriormente, demonstrando a configuração entrelaçada, indivisível, universal
e inquestionável da matéria dos direitos humanos. Já o Programa de Ação, que tem como
objetivo a ratificação universal das matérias de direitos humanos do Sistema ONU, e como fim
benéfico, a promoção de tais direitos, se constituiu pela preocupação do ajuste coordenativo
entre os múltiplos órgãos de proteção, fazendo avaliação das estratégias passadas adotadas por
tais sistemas. A Conferência, portanto, foi um marco para o processo de gradual
desenvolvimento dos direitos humanos pois serviu como consolidador da ideia de que a própria
evolução e adaptação da matéria é devida ao imperativo das leis de proteção, isto é, à
consolidação convencional das petições, reclamações, denúncias e relatórios (CANÇADO
TRINDADE, 2003a).
Como mencionado anteriormente, as duas Conferências Mundiais foram importantes na
medida em que colaboraram, primeiramente, no plano legal internacional, para o avanço da
legislação (no caso da I Conferência) e da implementação (no caso da II Conferência) do DIDH;
e, em segundo lugar, no plano da sociedade internacional, colaboraram para uma maior
institucionalização dos direitos humanos, os quais passam a compor o conjunto de valores
compartilhados entre os Estados e que legitimam a ação destes últimos. O processo de
institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional contemporânea será
analisado com mais detalhes adiante nesta seção.

Quadro 1 - Principais tratados do Direito Internacional de Direitos Humanos


(stricto sensu)
Ano de Finalidade Caráter dos Contribuição para o
criação direitos DIDH
humanos:
vinculante ou
recomendatório

Carta de São Francisco 1945 Estabelecimento da Recomendatório Primeira menção aos


ONU para garantir a direitos humanos no pós-
paz guerra
Declaração Universal dos 1948 Garantia de direitos Recomendatório Primeiro documento
Direitos Humanos (DUDH) inerentes a todos os dedicado exclusivamente
seres humanos, os a estipular direitos
quais são individuais no plano
considerados internacional
universais,
46

inalienáveis e
interdependentes
Declaração Americana de 1948 Estabelecimento da Recomendatório Início da ideia de
Direitos e Deveres do Homem base procedimental e proteção dos direitos
(1948) normativa dos humanos no continente
direitos humanos no americano
continente americano
Convenção Europeia de Direitos 1950 Estabelecimento da Antes do Início da ideia de
Humanos base procedimental e Protocolo nº 11: proteção dos direitos
normativa dos recomendatório humanos no continente
direitos humanos no europeu e, após o
continente europeu Protocolo 11,
Depois do
fortalecimento da ação
Protocolo nº 11:
do indivíduo com a
vinculante
obrigatoriedade da
petição individual
Pacto Internacional dos Direitos 1966 Garantia de direitos Vinculante Extensão da concepção
Civis e Políticos (PIDCP) civis e políticos a de direitos humanos,
todos os seres pois engloba direitos que
humanos não constam na DUDH

Pacto Internacional de Direitos 1966 Garantia de direitos Vinculante Extensão da concepção


Econômicos, Sociais e Culturais econômicos, sociais e de direitos humanos,
(PIDESC) culturais a todos os pois engloba direitos que
seres humanos não constam na DUDH
Protocolo 1968 Conferência realizada Recomendatório Consolidação e revisão
de Teerã (I Conferência Mundial no Teerã, Irã, que da posição dos direitos
de Direitos Humanos) tinha como objetivo humanos no espaço legal
averiguar se os internacional e
direitos humanos reafirmação da
obtiveram progresso, indivisibilidade dos
passados 20 anos da direitos humanos
adoção da DUDH
Protocolo de Viena 1993 Conferência ocorrida Recomendatório Reavaliação dos
(II Conferência Mundial em Viena, e que andamentos em proteção
de Direitos Humanos) possuía o mesmo internacional dos
objetivo da direitos humanos e
conferência ocorrida consolidação da ideia de
no Teerã: reavaliar o que a própria evolução e
progresso da adaptação da matéria é
proteção internacional devida ao imperativo das
dos direitos humanos leis de proteção
Estatuto de Roma 1998 Estabelecimento de Vinculante Criação de um tribunal
uma corte internacional
internacional permanente para julgar
permanente para crimes cometidos por
julgar crimes de indivíduos
guerra, crimes contra
a humanidade, crimes
de genocídio e crimes
de agressão
praticados por
indivíduos
Fonte: Elaborado pelos autores com dados extraídos de CANÇADO TRINDADE (2003a);
PARLETT (2011); SILVA PASSOS (2016).

Nos anos 1990, um avanço em um processo paralelo de implementação do DIDH, o


Direito Internacional Penal (DIP), começou a surgir, caracterizado pela criação de dois tribunais
47

internacionais ad hoc, ou seja, tribunais de caráter extraordinário, criados para lidar com casos
específicos. Esses tribunais foram feitos para tratar das violações de direitos humanos ocorridas
em Ruanda, quando do conhecido Genocídio de Ruanda (1990-1994), e na Iugoslávia, quando
da Guerra da Bósnia (1992-1995). Mais tarde, em 1998, esses tribunais se tornariam um tribunal
permanente, o Tribunal Penal Internacional (TPI), constituído por meio do Estatuto de Roma,
o qual atribuiu ao TPI característica de órgão complementar às jurisdições penais dos países.
O TPI, então, é responsável por julgar crimes internacionais cometidos por indivíduos,
sendo os crimes passíveis de julgamento, primeiro, crimes de guerra, os quais constituem
violações das Convenções de Genebra; segundo, crimes contra a humanidade, ou seja, ataques
sistemáticos generalizados contra a população civil não combatente praticado e/ou autorizado
pelo Estado; terceiro, crimes de genocídio, os quais são crimes contra a humanidade com o
objetivo específico de exterminar uma determinada população pelo que ela é; e, por último,
crimes de agressão, que são crimes cometidos pela parte que inicia o conflito e são atribuídos a
chefes de Estado e/ou generais (CANÇADO TRINDADE, 2013). Desse modo, percebe-se que
houve uma demanda e um esforço da sociedade internacional por um processo de consolidação
de uma justiça internacional, afigurada no “sucesso” dos tribunais ad hoc e na formação do
TPI.
A diferença entre o TPI e os demais instrumentos que constam no DIDH, mencionados
anteriormente nesta seção, é que enquanto estes últimos garantem ao indivíduo o direito de
atuar contra seus respectivos Estados em caso de violação dos direitos humanos, o TPI
possibilita que indivíduos sejam criminalmente responsabilizados a nível internacional quando
da violação de tais direitos. Assim, segundo Cançado Trindade (2012), é possível dizer que os
indivíduos, atualmente, no nível internacional, gozam tanto de direitos (como o direito de
petição individual), como de deveres (os quais, quando não cumpridos, tornam possível a
criminalização internacional de tais indivíduos).
Até agora, a presente seção tratou da evolução do DIDH no âmbito internacional. Como
mencionado no início da seção, existe também a evolução do DIDH no âmbito regional. O
primeiro sistema regional criado foi o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos (SIPDH), o qual teve origem com a Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem (DADDH) de 1948. Essa Declaração formulou a base procedimental e normativa dos
processos de proteção dos direitos humanos no continente americano (PIOVESAN, 2014).
Assim, a DADDH, apesar de carecer de enforcement normativo, foi considerada um dos
primeiros documentos dedicados a exercício específico e deu partida à ação em proteção dos
direitos humanos no continente americano. Nesse sentido, “A Declaração Americana de 1948
48

proclamou os direitos nela consagrados como inerentes à pessoa humana, avançou - [...] - uma
visão integral dos direitos humanos (civis, políticos, sociais e culturais), a assinalou a correlação
entre direitos e deveres.” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 34).
No seu início, o Sistema Interamericano, apesar de ter seu primeiro instrumento como
sendo de caráter recomendatório, ainda foi parâmetro para a formação de legislações e
constituições de diversos países na América Latina. Com o passar dos anos, foi-se demandado
a incorporação de mecanismos de proteção, e em 1959, foi inaugurado o primeiro órgão de
proteção aos direitos humanos do sistema interamericano, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH). A comissão gozava de pouca força normativa, dada a falta de uma
base convencional. Contudo, a CIDH foi se consolidando gradativamente, acrescidas
competências por emendas, protocolos e resoluções adicionais. Destaca-se, nesse processo de
endossamento do corpo normativo da CIDH, a introdução pioneira da análise de petições
individuais e comunicações sobre violações de direitos humanos. A CIDH, apesar de muito
demandada e da interpretação extensiva e liberal do seu estatuto, só veio a ser devidamente
positivada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em 1969 (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
A CADH, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (1969), serviu
como um marco para a institucionalização convencional de todo o aparato de proteção
interamericano. Ele instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) como
novo mecanismo de proteção judicial interamericano, o qual possuía uma função contenciosa,
validada por um protocolo adicional à CADH. Desse modo, a Comissão Interamericana herdou
suas competências anteriores à Convenção Americana, sendo polo de recebimento de petições
individuais, denúncias e comunicações16. Já a Corte IDH tinha a competência contenciosa do
julgamento de petições individuais, disputas e litígios envolvendo Estados. Tais petições são
coordenadas entre a CIDH e a Corte IDH, essa última herdando os casos que não foram
solucionados anteriormente no âmbito da Comissão. A Corte IDH ainda obteve, através da
CADH, competência consultiva, a qual os Estados, partes ou não da CADH, podem requisitar à
Corte, interpretações e pareces sobre a compatibilidade entre o corpus juris regional e o seu
ordenamento jurídico interno (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Desse modo, a CADH se constituiu como a principal vértebra do SIPDH, visto que sua
condição de convencionalidade atribuía valor ativo aos mecanismos de proteção do
Sistema (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Assim, nos anos que se passaram após sua

16
Além disso, era responsável, também, pela observação, investigação e promoção de estudos e relatórios em
matéria de direitos humanos na região.
49

efetivação, a construção jurisprudencial e a ampliação do corpo normativo com a atuação dos


dois órgãos, resultaram em uma maior profundidade de ação do SIPDH e promoção do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) no continente. Tal aprofundamento, que fora
constituído principalmente pelo enforcement da produção tanto da CIDH, quanto da Corte IDH,
acarretou a modificação profunda de boa parte dos ordenamentos internos dos países latino-
americanos. O arcabouço da proteção dos direitos humanos no continente americano será
aprofundado na terceira seção desse capítulo (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Em ordem cronológica, o segundo sistema regional de proteção dos direitos humanos
criado foi o Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos, cujo início data de 1950.
Antes disso, no entanto, já existia uma discussão na Europa acerca da necessidade da criação
de um Conselho Europeu, o qual foi estabelecido em 1948, após reuniões na Conferência de
Haia durante o mesmo ano. Contudo, membros do Movimento Europeu17 denunciaram que o
Estatuto do Conselho quase não fazia referências aos direitos humanos e, portanto, reivindicava
a adoção de um tratado regional de proteção desses direitos (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
A reivindicação feita pelo Movimento advinha do fato de que a DUDH (1948) não estabelecia
medidas de implementação dos direitos que constavam nela, ou seja, não obrigava os Estados
a cumprirem, efetivamente, suas obrigações com tais direitos. Dessa forma, estabeleceu-se, pela
resolução final da Conferência de Haia, que seria criado uma Convenção regional sobre direitos
humanos, acompanhada do estabelecimento de uma corte europeia de direitos
humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
A Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950, a princípio, lidaria, mais
atenciosamente, com direitos civis e políticos, e, posteriormente, com direitos econômicos,
sociais e culturais. Estabeleceu-se, então, que o Sistema Europeu seria composto de dois órgãos
de supervisão, a Comissão Europeia de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos
Humanos, além do Comitê de Ministros (CANÇADO TRINDADE, 2003b). As principais
mudanças ocorridas no Sistema ao longo do tempo podem ser sintetizadas nos Protocolos
Adicionais números 818, 919 e 11 à Convenção Europeia. O Protocolo nº 11, de 1998, é, talvez,

17
O Movimento Europeu, datado de 1947, foi formado em oposição aos horrores da Segunda Guerra Mundial por
figuras notáveis como Winston Churchill, Konrad Adenauer e François Miterrand, e almejava a integração
regional europeia e a proteção dos direitos humanos (EUROPEAN MOVEMENT INTERNATIONAL, c2020).
18
O Protocolo nº 8, de 1985, foi adotado para tornar o Sistema Europeu mais eficiente, frente ao aumento de casos
na Comissão e na Corte, e também no Conselho Europeu. Logo, estabeleceu a criação de câmaras, compostas
por juízes, de forma que os processos pudessem ser analisados e julgados mais rapidamente (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
19
O Protocolo nº 9, de 1990, conferiu aos indivíduos acesso direito à Corte Europeia (CANÇADO TRINDADE,
2003b), o que, segundo Cançado Trindade (2003b), foi de extrema importância para a asserção da posição do
indivíduo no regime legal internacional de direitos humanos da época.
50

o mais importante dentre os três mencionados acima, pois, por meio dele, mudanças de extrema
importância foram instituídas no Sistema Europeu, principalmente pelo fato de que fortaleceu
o direito de petição individual e a jurisdição da Corte, os quais passaram a ter caráter
mandatório, ou seja, todos os Estados que assinassem a Convenção Europeia estariam
obrigados a reconhecer a petição individual e a jurisdição da Corte20.
Com relação ao estabelecimento do caráter mandatório da petição
individual, Cançado Trindade (2003b) aponta que a capacidade do indivíduo poder iniciar
processos na Corte inaugurou uma fase mais adiantada na proteção dos direitos humanos. Os
efeitos disso não foram importantes apenas para o Sistema Europeu de Direitos Humanos, mas
contribuíram, também, para o fortalecimento da concepção do indivíduo como sujeito pleno do
Direito Internacional Público, dotado de capacidade processual internacional, o que, por sua
vez, contribuiu para a consolidação do DIDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Além disso,
tais avanços também foram importantes para uma maior institucionalização dos direitos
humanos na sociedade internacional, na medida em que novas instituições secundárias, nesse
caso a Corte Europeia, ganharam destaque dentro do Sistema Europeu (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
Assim como os sistemas americano e europeu, a África também possui o seu sistema
regional de proteção dos direitos humanos, embora não seja tão desenvolvido como o da
América e o da Europa. Em 1963, houve a adoção da Carta da Organização da Unidade Africana
(OUA). Foi nesse mesmo ano que um projeto que antecedeu a Convenção foi preparado, tendo
esse projeto, como inspiração “[...] tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
como a Declaração Universal dos Direitos dos Povos (adotada em Alger, Argélia)” (KODJO,
1989 apud CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 195). Mas foi somente em 1981 que a Carta
Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que visava proteger os direitos inerentes às
pessoas humanas no continente, foi criada e o continente africano passou a contar com uma
Convenção de direitos humanos, esta que rapidamente agiu contra as atrocidades ocorridas à
época. O órgão responsável por supervisionar a efetivação da Carta é a Comissão Africana dos
Direitos Humanos, sendo que no plano normativo, destaca-se a inclusão de direitos civis e
políticos, assim como os econômicos, sociais e culturais, além do direito dos povos
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).

20
Além disso, por meio do Protocolo nº 11, foi criada uma nova Corte Europeia de Direitos Humanos, que passou
a substituir a Comissão Europeia, a antiga Corte Europeia e o Comitê de Ministros, mas assumindo as funções
das duas primeiras, sendo, a partir de então, o único órgão jurídico da Convenção Europeia. A consequência
disso foi o fortalecimento institucional e judicial do Sistema Europeu, bem como a maior eficiência dos
procedimentos da Corte (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
51

Casos concretos sobre sérias violações não aconteceram até meados dos anos de 1990,
década onde resistências referentes a ideia de se possuir um tribunal responsável por esses casos
foram superadas. Em relação a ação da Comissão Africana, até os anos 1990, ela se empenhava
mais em promover os direitos humanos do que em protegê-los. Entretanto, em sessão realizada
em 1993, na Etiópia, a Comissão foi questionada se não deveria se dedicar mais à proteção dos
direitos humanos, e não apenas à promoção destes (CANÇADO TRINDADE, 2003b),
passando, a partir daquele momento, a considerar medidas que fortalecessem a proteção
humana, ainda mais após todos os Estados-membros da OUA terem se tornado parte da Carta.
A ideia de “jurisdicionalização” do sistema regional africano, então, assim como nos já
existentes sistemas americano e europeu, tomava forma. Apesar das diversas dificuldades
enfrentadas pelo sistema regional africano, e de não possuir a força jurídica dos sistemas
americano e europeu, o Sistema Africano é importante na medida em que oferece meios, mesmo
que não sejam tão eficientes, para os indivíduos se manifestarem quando da violação de seus
direitos.
Como explorado no primeiro capítulo, as instituições internacionais podem ser
entendidas por meio da abordagem de nesting de Buzan (2004). Essa abordagem entende que
algumas instituições primárias podem englobar, ou gerar, outras instituições, chamadas de
“instituições máster” (BUZAN, 2004, p. 176), que, por sua vez, dão origem às “instituições
derivadas” (BUZAN, 2004, p. 182). No contexto da emergência dos direitos humanos como
instituição da sociedade internacional, então, pode-se dizer que ela começou após a Segunda
Guerra Mundial, quando a “instituição máster” igualdade dos povos ascendeu na sociedade
internacional, com o reconhecimento da igualdade humana como uma norma importante a ser
compartilhada pelos Estados. Como visto anteriormente, essa norma está presente em todos os
tratados relacionados aos direitos humanos feitos após 1945, notadamente na Declaração
Universal de Direitos Humanos (1948). Logo, é possível dizer que a instituição
“direitos humanos” derivou da instituição máster “igualdade dos povos”, na medida em que a
primeira se pauta pela norma de igualdade humana, tornando-se, então, uma instituição
derivada.
A instituição derivada direitos humanos, então, dá origem a instituições secundárias,
que carregam a mesma norma de igualdade humana que a instituição máster e a instituição
derivada. As instituições secundárias, que derivam da instituição direitos humanos, são os
diversos tratados, convenções e cortes, mencionados acima, presentes tanto no nível
internacional como no nível regional. Essas instituições expressam, de forma mais objetiva, os
valores e normas que compõem as instituições máster e derivadas, fazendo com que aqueles
52

sejam efetivamente compartilhados pelos Estados por meio de obrigações. Dessa forma, os
direitos humanos, como são entendidos atualmente, se tornaram instituições internacionais da
sociedade internacional contemporânea. Por meio do compartilhamento de valores e normas
ligados à igualdade humana, o respeito aos direitos humanos passou a fazer parte do
comportamento entre os Estados, tornando-se, inclusive, uma forma de legitimação da ação
estatal. Isso remete ao argumento exposto no primeiro capítulo, de que a incorporação da noção
de justiça humana, advinda de uma ideia de sociedade mundial, e que é plano de fundo para os
direitos humanos, se dá por meio da tensão entre ordem e justiça. Assim, os direitos humanos
são incorporados à ordem internacional na medida em que os Estados começam a compartilhar
a norma de igualdade humana e começam a criar instrumentos, de forma gradativa, para
salvaguardar os direitos humanos. Esse processo de institucionalização, que está relacionado à
tensão entre ordem e justiça, pode ser observado, por exemplo, na evolução dos sistemas
regionais, e, na prática, podem ser contemplados por meio da demanda dos países pela
ampliação das capacidades dos sistemas de proteção regionais. Logo, por meio desse processo,
os direitos humanos se tornam instituições da sociedade internacional, revestindo esta última
de uma ideia de justiça.
Entre essa discussão de institucionalização histórica do DIDH na sociedade
internacional, elenca-se a petição individual como o passo mais significante de proteção ao ser
humano, sendo um dos mais representativos dessa evolução. Nessa lógica, a próxima seção
abordará esse processo gradual de fortalecimento da capacidade legal do indivíduo revogar seus
direitos internacionalmente.

3.2 O reconhecimento do indivíduo no Sistema Legal Internacional

O surgimento dos direitos humanos, assim como documentos e instrumentos legais que
abrangiam esses direitos, elevou os indivíduos a um posto de sujeitos ativos do direito
internacional (CANÇADO TRINDADE, 2010). A partir da segunda metade do século XX, os
indivíduos passaram a ser detentores de direitos e deveres, com plena capacidade de exercê-los,
estando essa capacidade atrelada a uma personalidade legal (CANÇADO TRINDADE, 2012).
Apesar da discussão sobre direitos humanos ter vindo à tona apenas em 1945, o papel do
indivíduo no direito internacional já era discutido por alguns pensadores clássicos desde o
século XVI, estes que são considerados os “fundadores” do chamado direito das gentes
(CANÇADO TRINDADE, 2012).
53

Entretanto, durante o século XIX e na primeira metade do século XX, ideais contrários
aos defendidos pelos fundadores do direito internacional ascenderam no sistema. Essa nova
ideia, chamada de positivismo jurídico, surgiu a partir do pensamento de Hegel de que o Estado
seria o principal ator do sistema, passando a ignorar os direitos que deveriam ser cedidos aos
indivíduos (CANÇADO TRINDADE, 2003b), validando, assim, qualquer ação do Estado
baseado na lei interna. Para os jusinternacionalistas, a ideia de que os Estados poderiam agir de
forma imprudente e como soberano absoluto no sistema internacional era inimaginável,
defendendo, então, a posição do indivíduo como sujeito no direito internacional. Assim, de
acordo com Cançado Trindade (2010), os indivíduos teriam total direito de ter acesso a
mecanismos internacionais que os protegessem e pudessem validar suas reclamações, inclusive
contra o próprio Estado, sendo este responsável por todos os seus atos. Outros autores, no século
XX, compartilhavam, igualmente, da ideia de que os indivíduos também possuem deveres
perante o Direito Internacional que, caso infringidos, deverão assumir a responsabilidade e
serem julgados por isso, como, por exemplo, crimes cometidos contra a humanidade
(CANÇADO TRINDADE, 2012).
Porém, como já foi mencionado, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que o papel
do indivíduo passou a ser amplamente discutido a partir da criação da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), onde consta a ideia de que indivíduos devem ser protegidos
por seus Estados e, caso o poder estatal violasse algum desses direitos, deveria ser punido. Isso
faz com que o indivíduo seja considerado um sujeito ativo, dotado de personalidade jurídica,
tanto no direito interno quanto no direito internacional (CANÇADO TRINDADE, 2012). Agora
são os interesses dos seres humanos que importam para o Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH).  
Portanto, nos primeiros anos do século XX, já havia a discussão sobre a emancipação
dos indivíduos. Como explicita Cançado Trindade (2012),
  
[...] já na primeira metade do século XX, houve experimentos de direito internacional
que efetivamente outorgaram capacidade processual internacional aos indivíduos.
Exemplificam-no o sistema de navegação do rio Reno, o Projeto de uma Corte
Internacional de Presas (1907), a Corte Centro-Americana de Justiça (1907-1917),
assim como, na era da Liga das Nações, os sistemas das minorias [...]” (CANÇADO
TRINDADE, 2012, p.33).

Mas, como mencionado na seção anterior, foi apenas anos mais tarde, já no âmbito da
ONU, que essa emancipação realmente tomou forma. Com a criação de diversos tratados sobre
direitos humanos, um sistema de petições individuais passou a ser adotado, principalmente em
54

âmbitos regionais, com a adoção da Convenção Americana de Direitos Humanos (1948) e a


Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950). O direito às petições individuais foi uma
grande conquista do DIDH, já que assegura o acesso à justiça em plano internacional para
qualquer indivíduo e, além disso, reconhece “[...] o caráter objetivo das obrigações de proteção
e à aceitação da garantia coletiva de cumprimento das mesmas [...]” (CANÇADO TRINDADE,
2012, p. 34). 
Para entender como a petição individual funciona, é necessário compreender seu
funcionamento nos sistemas regionais, já que a grande maioria das petições são ajuizadas em
âmbitos regionais. No caso específico do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos (SIPDH), lida-se não apenas com casos individuais, mas também com violações
sistemáticas dos direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2012). A garantia da petição
individual se tornou convencional através do artigo 44 da Convenção Americana de Direitos
Humanos. A partir desse artigo, o direito à petição se tornou obrigatório, de aceitação imediata
a todos os Estados que tivessem ratificado a Convenção. Segundo Cançado Trindade (2012), a
Convenção vai além “[...] da legitimatio ad causam, que estende a todo e qualquer peticionário,
podendo prescindir até mesmo de alguma manifestação por parte da própria vítima.”
(CANÇADO TRINDADE, 2012, p.35), ampliando, assim, o alcance da proteção. O
funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, assim como seus tratados e
ações, será o foco da próxima seção do presente capítulo.  
Com isso, é possível perceber que a internacionalização da salvaguarda dos direitos
humanos, assim como a “evolução normativa-institucional" dos sistemas regionais, além de
abranger um número maior de pessoas, fez com que fosse possível aos indivíduos desempenhar
direitos, sendo considerados como detentores principais dos direitos humanos, estes que não
derivam do Estado, mas sim são inerentes a todos os seres humanos e, também, reconhece a
personalidade jurídica e a capacidade processual dos indivíduos (CANÇADO TRINDADE,
2012). A emancipação conquistada pelos indivíduos e o desenvolvimento de todo o judiciário
a fim de atender novas demandas individuais mostra o “respeito à dignidade da pessoa humana”
(CANÇADO TRINDADE, 2010) e o quão atrelado a isso está a sua personalidade jurídica e ao
papel de detentores de direitos e deveres no cenário internacional. Com a participação, hoje,
dos indivíduos em processos contenciosos, além da punição a violações aos direitos humanos,
inclusive havendo a punição a Estados, e novos instrumentos internacionais de condenação, é
possível dizer que existe uma “humanização do direito internacional”.  
Essa emancipação dos indivíduos no âmbito do direito internacional implica em novas
dinâmicas para a relação entre ordem e justiça. Como exposto no primeiro capítulo, a tensão
55

entre ordem e justiça surge a partir da incorporação gradual de elementos relacionados a uma
ideia de sociedade mundial, logo, relacionados também à ideia de justiça humana. Pode-se dizer
que dentro da ideia de justiça humana está inserido o mecanismo de petição individual, pois
este pressupõe a subjetividade do indivíduo na sociedade internacional. Assim, ao ser
incorporado à sociedade internacional, por meio da institucionalização dos direitos humanos, a
petição individual ajuda a promover valores de caráter mais humano dentro de tal sociedade,
revestindo-a de justiça. Com isso, na medida em que esses valores são incorporados à sociedade
internacional, ao se tornarem instituições secundárias (advindas da instituição derivada
“direitos humanos”), os Estados devem adequar o seu comportamento de forma a respeitar tais
valores a fim de garantir sua legitimidade. Dessa forma, esses valores, dos quais a petição
individual está imbuída, passam a fazer parte da manutenção da ordem, caracterizando, assim,
a relação entre ordem e justiça.  
Pode-se dizer, então, que o reconhecimento do indivíduo como sujeito ativo do direito
internacional foi um grande passo para o pensamento jurídico do século XX. A libertação dos
seres humanos do poder absoluto do Estado e a posição central da pessoa como destinatária das
normas jurídicas, tanto em âmbito doméstico, como em âmbito internacional, confirma a
importância do direito das gentes (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Essa evolução perdura,
ainda, durante o século XXI, como resposta aos horrores que ocorreram no fim do século XX
na Guerra da Bósnia (1992-1995) e em Ruanda (1990-1994). Logo, atrocidades cometidas por
Estados são cada vez mais reconhecidas pelos tribunais internacionais e, caso sejam
responsabilizados por seus atos, eles podem ser punidos. Hoje em dia, contudo, os próprios
Estados entendem que suas ações frente aos indivíduos não possuem mais um poder ilimitado,
e que eles devem responder a qualquer ação que possa infringir os direitos garantidos aos seres
humanos.

3.3 O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos

A regionalização da proteção dos direitos humanos foi um ideal que tomou forma na
sociedade internacional durante a segunda metade do século XX, com as ascensões dos sistemas
regionais americano, europeu e africano de proteção dos direitos humanos, como observado na
primeira seção desse capítulo. Destarte, essa seção tratará da história do Sistema Interamericano
de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), sendo ela organizada na sequência cronológica de
formação do sistema.
56

A proteção dos direitos humanos, como explanada na primeira seção, serviria além de
uma atividade positiva, como a prevenção, mas também como uma forma de universalizar
direitos de modo a apaziguar injustiças históricas e consolidar a experiência da democracia
liberal. A institucionalização dessa última seria a primeira medida a promover os direitos
humanos (PIOVESAN, 2014) como uma maneira de contornar as barbáries das
experiências totalitárias no mundo e, principalmente, na América Latina (MONTERISI,
2009).
Antes de tratar especificamente do sistema em si, é necessário retomar alguns
antecedentes históricos dos dispositivos fundadores do aparato regional de proteção dos direitos
humanos. Dessa forma, Cançado Trindade (2003b) elenca que alguns instrumentos foram
constituídos, não-intencionalmente, como sendo preliminarmente e limitadamente congruentes
com alguns direitos e valores de direitos humanos, que seriam futuramente preconizados pelo
SIPDH21. Desse mesmo modo, na Conferência Interamericana de Lima, de 1938, se produziu
uma resolução mais próxima da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
(DADDH), que viria a ser criada após uma década. Tal resolução da Conferência de 1938, pela
primeira vez, abordou diretamente os direitos humanos em uma reunião de países americanos,
ainda contendo medidas para sua promoção e prevenção. Com essa resolução, observou-se uma
considerável dose de acordos recomendatórios e vinculantes sobre matérias que seriam
observadas mais integralmente apenas uma década depois. Nesse contexto, houve acordos que
foram contemporâneos à fundação do SIPDH, também são notáveis no âmbito da proteção dos
direitos humanos22.
Assim, em meio a esse momentum do surgimento de novos ideais na sociedade
internacional do pós-guerra, o SIPDH teve seu “nascimento” com os dois dispositivos
consagrados em 1948, a Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem (DADDH), no objeto de criação da Organização dos Estados Americanos (OEA). O
objetivo da proteção dos direitos humanos em âmbito regional foi amplamente percebido no
preâmbulo da Carta da OEA, onde se esclareceu que “[...] a missão histórica da América é
oferecer ao Homem uma terra de liberdade e um ambiente favorável ao desenvolvimento de

21
Essa questão é exemplificada pelos seguintes dispositivos: Convenção sobre Direitos dos Estrangeiros (1902),
Convenção sobre o Estatuto de Cidadãos Naturalizados (1906), Convenção sobre o Estatuto de Estrangeiros
(1928) e a Convenção sobre o Asilo (1928). Além desses, também são consideradas importantes as resoluções
XXVII, sobre liberdade de informação, XXVIII sobre direitos da mulher, XLI sobre discriminação racial, LV
sobre direitos da mulher e da criança, e LVI sobre questões sociais da Conferência de Chapultepec, de
1945 (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
22
Tais dispositivos coexistentes são a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais (1948), Convenções
Interamericanas sobre Direitos Políticos e Civis da Mulher (1948) e as Convenções sobre Asilo Diplomático e
Asilo Territorial (1954) (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
57

sua personalidade e à realização de suas justas aspirações” (CARTA, s/d, s/p). A Carta da OEA
também incorporou a si a obrigação da atuação regional conforme direitos e valores
considerados no âmbito da ONU (CARTA, s/d), os quais se dispuseram da elevação dos direitos
humanos com a consagração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em
1948.
A Carta da OEA, ainda, proclamou valores como a “solidariedade americana”, a
promoção das instituições democráticas como um regime de liberdade individual e justiça
social, e o respeito dos direitos essenciais do homem. O artigo 17 da Carta também estabelece
que “Cada Estado tem o direito de desenvolver, livre e espontaneamente, a sua vida cultural,
política e econômica. No seu livre desenvolvimento, o Estado respeitará os direitos da pessoa
humana e os princípios da moral universal.” (CARTA, s/d, s/p). Assim, clarifica-se a noção de
soberania como emanada de uma condição de personalidade jurídica internacional, entretanto,
encontrando limites na não consideração dos direitos humanos, uma barreira do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) nascente aos Estados.
Contudo, atribui-se à Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
(DADDH), de 1948, o objeto de maior importância para o projeto de proteção dos direitos
humanos no continente americano. Essa objetificação de importância se deve ao fato de que a
Declaração foi a primeira base normativa dedicada a proteger uma série de direitos. A DADDH,
como contemporânea da Carta da OEA, tinha natureza de complementariedade a essa última,
compondo, assim, o primeiro corpo normativo do Sistema Interamericano de Proteção. A
estrutura que estava a se formar nesse momento obedecia à lógica observada nos acordos
anteriores supracitados, mas não só, também mantinha a mesma lógica dos seus
contemporâneos, como a construção do dispositivo europeu de proteção, exemplificado na
Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950.
Para quanto a Declaração,

[...] estabelece o sistema inicial de proteção que os Estados americanos consideram


adequado às atuais circunstâncias sociais e jurídicas, não deixando de reconhecer,
porém, que deverão fortalecê-lo cada vez mais no terreno internacional, à medida que
essas circunstâncias se tornem mais propícias, [...] (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1948, s/p).

Dessa forma, a base de direitos que foram consagrados envolve, primordialmente, direitos à
vida, liberdade, à segurança e integridade, à isonomia perante a lei, à liberdade religiosa, de
culto, ao reconhecimento da personalidade jurídica e dos direitos civis, à justiça e à petição
58

(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1948)23. Com isso, Cançado Trindade


(2003b) enxerga as principais contribuições da DADDH na concepção dos direitos humanos
como diretamente relacionados à pessoa humana, a integralidade na concepção dos direitos,
abarcando os direitos supracitados, que perpassam a esfera civil, política, econômica, social e
cultural. Tal pacote de direitos foi uma junção de vários outros consagrados anteriormente em
âmbito internacional e regional, clarificando a natureza gradual da maturação e da importância
dos processos de justiça no mundo.
Essa natureza evolutiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) ainda
fora retomada no preâmbulo dessa Declaração, que estabelece “[...] Que a proteção
internacional dos direitos do homem deve ser a orientação principal do direito americano em
evolução [...].” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1948, s/p). Ainda sobre
essa questão do avanço, Cançado Trindade (2003b) pontua que a contribuição da Declaração é
igualmente importante no tocante ao fornecimento de base normativa para os próximos avanços
do Sistema, mas, também, para o ordenamento interno dos Estados. A gradualidade do processo
de maturação do SIPDH a ser tratado faz perceber o processo de institucionalização da ordem
internacional do pós-Segunda Guerra Mundial, com a instituição máster “igualdade dos povos”
sendo lapidada no âmbito da internacionalização do DIDH por meio da instituição derivada
“direitos humanos”. No tocante a esse processo, a instituição máster “igualdade dos povos”,
junto a outras instituições da sociedade internacional, fez surgir a Organização dos Estados
Americanos (OEA). Durante o andamento, dentro dessa última, surgiram outros mecanismos
pontuais de proteção dos direitos humanos, a serem tratados mais à frente.
Por fim, a DADDH, apesar de ter seu ponto fraco em seu caráter recomendatório, foi o
primeiro instrumento a possibilitar o processo de gradual institucionalização do Sistema
Interamericano. Outro acontecimento importante a possibilitar essa maturação não foi um
tratado, mas sim a V Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, que se deu
na cidade de Santiago, no Chile, em 1959. A Resolução VIII dessa reunião instituiu o primeiro
instrumento “físico” de proteção dos direitos humanos em âmbito interamericano, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) (ORGANIZATION OF AMERICAN STATES,
1960). A Comissão foi criada com o intuito de apenas produzir estudos e promover os direitos

23
Além desses, estão inclusos os direitos à liberdade de opinião, à expressão, à proteção da vida particular, à
infância, à residência, ao trânsito, à inviolabilidade do domicílio, à preservação da saúde, e ao bem-estar e à
educação. Ainda foram consagrados direitos aos benefícios da cultura, ao trabalho e a uma justa retribuição, ao
descanso e ao seu aproveitamento, à previdência social. Por fim, os direitos à nacionalidade, ao sufrágio e de
participação no governo, à reunião, à associação, à propriedade, à proteção contra prisão arbitrária, ao processo
regular, ao alcance dos direitos do homem também passaram a ser resguardados (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1948).
59

humanos, os quais foram enunciados pela DADDH, ou seja, serviria como um órgão consultivo,
sem poderes vinculantes.
Contudo, com base em suas primeiras atuações, que se resumiam em relatórios anuais e
pontuais, visitas a Estados e demais formas de produção de ciência relacionada à proteção dos
direitos humanos no continente americano, logo foi concedido à Comissão a ampliação de suas
competências. Tais relatórios anuais, além de extensas exposições sobre tendências em matéria
de direitos humanos, também envolviam o apontamento de ineficiências nos ordenamentos
internos dos países americanos. Posteriormente, houve o primeiro esforço de ampliação das
capacidades da CIDH com o advento da VIII Reunião de Consulta de Ministros das Relações
Exteriores, em Punta del Este, em 1962. Nessa ocasião, a Resolução IX recomendou ao
Conselho da OEA o aumento das atribuições e poderes da Comissão, que levou à Resolução
XXII da II Conferência Interamericana Extraordinária, que tomou lugar no Rio de Janeiro, em
1965. Essa resolução inaugurava a capacidade da CIDH de receber petições e comunicações
acerca de violações de direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Tal condição de
ação que a CIDH, agora, gozava, fazia com que seu escopo de interpretação se estendesse ainda
mais, tornando a evolução do alcance dos direitos mais rápida24, beneficiando, portanto, os
países que mantiveram esforços para a ampliação do raio de atuação do Sistema Interamericano
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).
O processo de institucionalização e de fortalecimento normativo da Comissão, como
instituição secundária, continuou com o Protocolo de Buenos Aires, de 1967, entrando em vigor
apenas em 1970. Esse Protocolo, também concebido como “Reformas da Carta da OEA”,
elevou o status jurídico do órgão a um dos principais da OEA. Dessa forma, a CIDH, após sete
anos de atuação, passou a ser dotada de base convencional definida. O marco da
convencionalidade dos órgãos é determinante para que seus mandatos ultrapassem a esfera da
promoção, compondo sua principal atividade, como o controle e a fiscalização da proteção dos
direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Assim, inaugura-se uma nova fase no
combate às violações de direitos humanos no continente americano, no qual “Estava aberto o
campo ao fortalecimento “constitucional” do exercício de seus poderes e da significação
política de suas decisões” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 37).

24
Um exemplo de como sua atividade evoluiu foi percebido no caso da República Dominicana (1965-1966), onde
a Corte operou procedimentos no país por mais de um ano e no qual se observou que “[...] a Comissão
transformou-se em verdadeiro órgão de ação, [...], tal ação, sem precedentes, ampliou sua competência”
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 36).
60

Dessa forma, essa condição de fortalecimento abriu novas portas para a CIDH em
matéria de manter investigações in loco nos países-parte, coleta de dados sobre as violações,
além de elaborar recomendações e relatórios anuais com informações dadas pelos próprios
aparatos estatais sobre direitos humanos. Segundo Cançado Trindade (2003b), a CIDH ainda
funcionava como um catalisador para a harmonização das legislações domésticas com o pacote
de direitos concedidos pelos tratados e protocolos consagrados no âmbito regional. Assim, a
atuação da Comissão em relação às comunicações e petições era restrita aos critérios de
admissibilidade. Esses últimos formavam um conjunto de condições, as quais o sujeito
peticionante, ou comunicador, deveria satisfazer para, assim, usufruir dos atendimentos da
CIDH. Conforme acordado no Protocolo supracitado, o peticionamento individual deve
acontecer apenas quando os recursos do direito interno se esgotarem (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 1967).
No entanto, a atuação da Comissão Interamericana com relação aos critérios de
admissibilidade foi extensiva e liberal, tendendo a utilizar técnicas processuais em prol dos
reclamantes. No sentido de a CIDH adotar tal metodologia de aproximação às condições, ela,
por vezes, demonstrou se esforçar para explorar ao máximo os limites de admissibilidade dos
casos. Tal situação é percebida quando a CIDH, em vez de descartar os casos por esses não
alcançarem o “esgotamento das medidas de direito interno”, os posterga ou solicita informações
adicionais sobre esse, visando a sua reabertura subsequente. Nessa lógica, a Comissão utilizou
uma regra de interpretação, primeiramente utilizada na II Conferência Interamericana
Extraordinária, para relativizar o critério do esgotamento interno em violações generalizadas de
direitos humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Logo, “[...] a Comissão voltou a aplicar aquela regra de interpretação em alguns casos
concernentes à suspensão de garantias do devido processo legal e a outras irregularidades, e à
ineficácia dos recursos de amparo e de habeas corpus; [...]” (CANÇADO TRINDADE, 2003b,
p. 40, grifos do autor). Dessa forma, essa condição extraordinária de dispensa dos critérios de
admissibilidade correspondeu, em certa medida, a uma aproximação do Sistema Interamericano
e da ordem interna de proteção aos direitos humanos, ainda demonstrando que esses não eram
absolutos. Percebe-se, nessa instância, que a gradualidade dos avanços dos padrões de justiça
não obedece a uma sequência linear e exclusiva da concessão de poderes às instituições
diretamente. Entretanto, o poder de atuação das instituições, também, emana da sua própria
maneira de forçar as barreiras que as limitam. Esse processo toma parte no conflito existente
entre a dualidade do direito interno com o internacional, como dito acima.
É possível entender a prática da Comissão a partir da ideia de que
61

As regras geralmente reconhecidas do direito internacional - às quais se referem a


formulação do requisito do esgotamento nos tratados e instrumentos internacionais de
proteção dos direitos humanos, - ademais de seguirem uma evolução própria nos
distintos contextos em que se aplicam, sofrem necessariamente, quando inseridas em
tratados e instrumentos de direitos humanos, um certo grau de ajuste ou adaptação,
ditado pelo caráter especial do objeto e propósito destes e pela especificidade
amplamente reconhecida da proteção internacional dos direitos humanos
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 42).

Dessa forma, concebe-se que a atuação da CIDH influenciou e consolidou o próprio processo
e andamento do SIPDH. Isso ocorreu não apenas pela flexibilização dos critérios de
admissibilidade no âmbito das comunicações e petições, mas também pela concepção dos
relatórios anuais e estudos sobre temas de direitos humanos, como por meio das medidas
preventivas que, em certo ponto, influenciaram a conjugação de normas nos ordenamentos
jurídicos internos dos países.
A partir de toda a evolução percebida na década de 1960, especialmente pela atuação da
CIDH e, ainda, pela Resolução XXIV da II Conferência Extraordinária Interamericana, esse
processo de evolução teve sua continuação quando se decidiu pela elaboração de uma
Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Após receber o aval dos Estados-membros da
OEA, os atores se reuniram na Conferência Interamericana Especial sobre Direitos Humanos,
em San José, na Costa Rica. Dessa forma, os retoques finais e o acordo para a criação da
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) ocorreram entre os dias 7 e 22 de
novembro de 1969, sendo conhecida, também, pelo nome Pacto de San José da Costa Rica
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).
No entanto, anteriormente, em seu processo preparatório, foi levantada a matéria da
complementariedade e coordenação entre o Pacto e outros dispositivos de proteção dos direitos
humanos da ONU (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Isso demonstra que o processo de
evolução normativo foi encarado pelos próprios aparatos regionais e institucionais como de
coexistência, no sentido de se desenvolver não conflituosamente na sociedade internacional, o
que exemplifica a consolidação da ordem baseadas nas diretrizes do pós-guerra. O processo de
internacionalização dos direitos humanos se deu, e ainda se dá, necessariamente, devido a essa
coordenação internacional. Dessa forma, a Convenção se constituiu, primeiramente, de um
catálogo atualizado de direitos civis e políticos, e não enunciava, especificamente, nenhum
direito social, cultural ou econômico. No entanto, tal catálogo de direitos foi incluído na
Convenção pelo Protocolo de San Salvador, em 1988, o qual entrou em vigor em 1999, fazendo
com que, assim, os Estados garantam tais direitos internamente (PIOVESAN, 2014).
62

Conforme a presença dos direitos consagrados na CADH, um Estado ratificador toma


pra si obrigações negativas, como respeitar os direitos individuais, e também positivas, como
incorporar o conjunto de direitos do Pacto em sua respectiva Constituição e/ou aparato de leis
internas (BUERGHENTAL, 1984 apud PIOVESAN, 2014). Para além disso, a CADH inaugura
o aparato da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e a sua consequente
coexistência com o instrumento da Comissão. Primeiramente, é necessário abordar as mudanças
que a Comissão sofreu com o advento da Convenção e de sua coordenação das competências
conjuntas dos dois órgãos, com o novo mecanismo da Corte. Dessa forma, a CIDH herdou suas
competências anteriores, mas passou a aplicar as novas disposições da Convenção, as quais
tornavam considerações preexistentes na Carta da OEA e na Declaração Americana, como de
caráter obrigatório. Assim, ampliou sua atuação em conjunto com a soma do leque de
concepções para os direitos humanos, agora não só presentes na CADH, mas também na Carta
e na Declaração (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Um ponto fundamental para a discussão reside no fato de que os mecanismos de petições
instituídos anteriormente não tinham caráter mandatório, mas com a adoção da Convenção e
seus protocolos, eles se fizeram obrigatórios. Por outro lado, a denúncia interestatal não atingiu
esse patamar, tornando-se facultativo (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Portanto, uma
institucionalização da justiça em direitos humanos se deu por meio de um processo gradual,
fazendo com que demandas pela sua positivação acontecessem sem que ferissem a ordem
internacional, já que se tratava de uma mudança não radical, a curto prazo. Em contrapartida, o
mesmo não pode ser afirmado para o processo do litígio interestatal, o qual se positivado,
poderia efetuar numa desestabilização da ordem dos Estados no continente americano. Isso é
entonado pelo fato de que o litígio interestatal, em sua característica facultativa, nunca foi
utilizado no SIPDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
De volta às competências da Comissão, a CADH definiu os procedimentos dessa como,
primeiramente, composta por sete membros eleitos pelos Estados-membros na Assembleia
Geral, para quatro anos de trabalho, com uma possível reeleição. A Comissão, também,
preserva a sua capacidade de ação preventiva ao solicitar a um Estado que este, em caso de ter
sido denunciado, pare alguma atividade específica e informe os fatos do caso, recebendo, ainda,
petições e comunicações. Assim, a Comissão recebe as petições conforme disposições da
ratificação do Pacto pelo Estado e da satisfação dos critérios de admissibilidade pela petição
(PIOVESAN, 2014).
Dessa forma, no recebimento das petições, a Comissão, preliminarmente, analisa sua
admissibilidade conforme os critérios da litispendência, ou seja, se o objeto em questão já não
63

esteja sendo julgado em outro mecanismo internacional ou se já se esgotaram os recursos do


ordenamento interno do país denunciado. Ao passo que, se está admitido o caso, a Comissão
inicia o processo de investigação, o qual inclui a solicitação de informações, análise e
apreciação de possíveis contradições da ação com algum dos direitos abrangidos em algum
dispositivo consagrado no SIPDH. À medida em que não se é atingido soluções amistosas entre
as partes, o caso se encaminha automaticamente para o processo de interpretação e aplicação
da Convenção, vide o reconhecimento prévio do protocolo facultativo de reconhecimento da
matéria contenciosa da Corte IDH (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS,
1969).
A Corte IDH, desse modo, torna o aparato de proteção dos direitos humanos mais
isonômico, ao passo que o torna mais complexo. Tal instituição de um contencioso jurídico na
Corte, dificultou qualquer juízo de valor que a prossecução dos casos pudesse assumir na
Comissão. Apesar da sua instituição estar marcada na CADH, suas efetivas atividades só
começaram em 1979, quando se aprovaram seus dispositivos regulamentares 25. Sobre as
competências da Corte, essa desempenha tanto um papel consultivo, quanto contencioso. A
primeira se refere à interpretação dos dispositivos de proteção dos direitos humanos, com ênfase
na própria CADH, em procedimentos sem finalidades específicas. Desse modo,

A Corte ainda pode opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação


doméstica em face dos instrumentos internacionais, efetuando, assim, o “controle da
convencionalidade das leis”. Ressalte-se que a Corte não efetua uma interpretação
estática dos direitos humanos enunciados na Convenção Americana, mas, tal como a
Corte Europeia, realiza interpretação dinâmica e evolutiva, considerando o contexto
temporal e as transformações sociais, o que permite a expansão de direitos
(PIOVESAN, 2014, p. 114).

É importante ressaltar a passagem “dinâmica e evolutiva” da intepretação da


Convenção, no que remete à característica de atuação anterior da Comissão como extensiva e
liberal. No caso da Corte, essa interpretação, também, se dá com a evolução dos resultados dos
casos (PIOVESAN, 2014). Dessa forma, a atribuição consultiva da Corte IDH contribui
fundamentalmente para que as diretrizes em direitos humanos se mantenham integras, assim
como sua evolução e o controle procedimental no SIPDH. Já a competência contenciosa se
constitui pela solução de litígios, os quais podem envolver um indivíduo ou um grupo de
indivíduos contra um Estado, que tenha possivelmente violado algum direito convencional do

25
A Corte, assim como a Comissão, tem sete membros, entre juristas e cidadãos dos Estados-membros da OEA,
que cumprem um mandato de sete anos, com uma possível reeleição. Além dessas regras, dois juízes de mesma
nacionalidade não podem coexistir ao mesmo tempo dentro da Corte (COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 1969).
64

Pacto. No entanto, como marco do andamento do processo de institucionalização do DIDH, o


reconhecimento do exercício da competência contenciosa pelo Estado não é, ainda,
automático26. A regulação da Comissão e da Corte são regidas por estatutos oficiais, assim
configurando os procedimentos dos casos27 (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Portanto, a utilização da matéria contenciosa e, principalmente, do recebimento da
petição individual, constitui o instrumento mais importante de todo o Sistema Interamericano.
(CANÇADO TRINDADE, 2003b). A constituição do indivíduo como sujeito ativo de direitos
e deveres internacionais, tal como sua introdução positivada pela Convenção no contencioso
interamericano, configura sua nova posição de importância em relação ao Estado. Tal
característica de ação do indivíduo, que se institui, o eleva a um ator principal no âmbito da
política internacional interamericana, desenhada no âmbito da nova ordem da sociedade dos
Estados, a qual agora abarca os direitos das pessoas e sua capacidade de petição.
Retomando aos comportamentos da Corte,

[...] em seus julgamentos, tem relacionado tais direitos protegidos com a obrigação
geral dos Estados Partes sob a Convenção Americana de assegurar o respeito desses
direitos; a esta se pode acrescentar a outra obrigação geral sob a Convenção de adotar
medidas legislativas e outras que se fizerem necessárias para dar efeito a tais direitos
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 54, grifos do autor).

Esse tipo de prática influenciou profundamente o andamento das legislações dos países
membros. Além disso, a Corte IDH, através da evolução dada pela jurisprudência, tem ordenado
cada vez mais medidas provisórias prima facie, ou seja, com base em uma presunção “razoável”
para com os Estados, para garantir a segurança de indivíduos que ainda não tiveram seus casos
aprovados ao atendimento da Comissão (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Ainda sobre a
evolução normativa da Corte, é importante citar a evolução do seu regulamento, sendo eles
quatro, até os dias atuais, tendo seu último regulamento reformado em duas oportunidades
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2009).
Essa evolução foi um processo gradual de adaptação da regulação, em referência da
natureza evolutiva dos casos. Com vistas a relativizar o rígido processo de adjudicação, em
ordem de simplificar e de torná-lo mais maleável às diferentes demandas que a Corte
enfrentava. Uma das evoluções mais importantes no tocante aos regulamentos se deu no terceiro

26
Desse modo, o Estado deve, em ordem de atribuir à Corte a contingência nos casos, reconhecer a declaração
especial do artigo 62º §§ 1 e 2, com o Estado podendo fazer um acordo especial, prescrito no artigo 62º § 3 da
Convenção (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).
27
Todos os casos de petição passam pelas fases de “[...] exceções preliminares, competência, mérito, reparações,
supervisão do cumprimento das sentenças e interpretação das mesmas.” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p.
53).
65

regulamento da Corte IDH, quando se introduziu a capacidade dos representantes dos


indivíduos (locus standi) de apresentar suas próprias provas à concernência da Corte. Já no
quarto regulamento da Corte, introduziu-se o locus standi in judicio, o que possibilita os
indivíduos peticionantes de acompanhar o processo em todas as suas etapas (CANÇADO
TRINDADE, 2003b). Dessa forma, é possível entender que, com o passar dos anos, existem
várias “frentes” em atuação da evolução do sistema de proteção interamericano, tendo,
inclusive, o próprio arranjo institucional se aprimorado a medida em que seus mecanismos
adquiriram experiência quanto às suas funções.
Nesse sentido, “Este histórico avanço reconhece o indivíduo peticionário, de modo
inequívoco, como verdadeira parte demandante, e sujeito do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, dotado de plena capacidade jurídico-processual internacional” (CANÇADO
TRINDADE, 2003b, p. 58). Desse modo, a evolução do SIPDH, passa a ser, também,
considerada pela jurisprudência produzida em suas decisões nas duas matérias de sua
competência, da consultiva e contenciosa. Em relação a primeira, a jurisprudência no exercício
da função consultiva, fora percebida no âmbito das dezenas de pareceres da Corte IDH. Tais
pareceres se tratavam do fornecimento de opiniões aos países da OEA e suas considerações
acerca de assuntos relativos aos direitos humanos. Destaca-se na ordem dessas evoluções por
opiniões consultivas, as considerações aos diversos dispositivos em direitos humanos, a
extensão do alcance de sua função consultiva, a intangibilidade de recursos judiciais de amparo
e preventivos tal como o habeas corpus e a preservação da democracia e do Estado de Direito
(CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Ainda sobre as evoluções atingidas pelos pareceres consultivos, a Corte tratou, também,
da relativização dos requisitos de admissibilidade das petições em casos de indigência ou de
representação legal por temor. De mesmo modo, no décimo-quarto parecer fora explorado
condições, as quais uma lei do ordenamento interno de um estado, torna-se devidamente
violável devido a incongruência com os preceitos concedidos pela CADH. No décimo-sexto
parecer, a Corte sustentou que, no âmbito da Convenção de Viena sobre Relações Consulares
em seu artigo 36 sobre o direito à informação na assistência consular e, o seu não cumprimento
em casos de pena de morte, contempla uma violação do devido processo legal. Assim,
acarretando à uma grave violação ao direito à vida, consagrado na CADH, sujeitando tal Estado
às cargas jurídicas a essa transgressão (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Nesse sentido, é possível relacionar a característica da utilização ampla dos pareceres
como um modelo de opinião, com um padrão de justiça que tensiona a ordem dos Estados e
66

provoca mudança no SIPDH e, consequentemente, no continente americano como um todo.


Ainda no tocante a evolução pela execução da função consultiva,

[...] os Pareceres da Corte Interamericana têm contribuído a esclarecer questões


centrais atinentes à prevalência dos direitos da pessoa humana em nossa região, da
maior importância à operação do sistema interamericano de proteção dos direitos
humanos (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 66).

A Corte também logrou resultados expressivos no exercício de sua função contenciosa, essa
que, foi de longe, a mais importante por se tratar de um processo devidamente jurídico entre a
pessoa humana e o Estado, com força vinculante e obrigatória. Segundo Cançado Trindade
(2003b), a petição individual é a capacidade protagonista no conjunto de mecanismos de
proteção dos direitos humanos. Visto essa colocação, é importante pensar, como já dito na seção
anterior, que o processo de peticionamento individual mudou muito após a entrada em vigor da
Convenção Americana, em 1979.
A Corte, primordialmente, tem o dever positivo de cobrar as obrigações gerais dos
Estados-parte da CADH, as quais podem se resumir na salvaguarda dos direitos assumidos, na
prevenção por medidas legislativas, entre outras. Combinando os deveres com as
especificidades dos direitos protegidos em cada caso de violação, produziu-se uma quantidade
considerável de decisões, ou títulos executivos, os quais se traduziram em novos padrões de
justiça ao longo dos anos de desempenho da Corte. Deste modo, é possível citar algumas
evoluções baseadas nas especificidades e conclusões de casos notáveis durante os anos de
atuação da Corte IDH. O primeiro caso litigioso foi o caso Velásquez Rodríguez
e Godínez Cruz versus Honduras, em 1988. Realizada a investigação dos fatos e as informações
apresentadas, a Corte concluiu que, devido aos direitos violados, deveria adotar uma
interpretação pioneira da CADH, ao cobrar o dever de investigação e da punição dos devidos
perpetradores ao Estado hondurenho (PIOVESAN, 2014).
De mesmo modo, a Corte também adotou medidas pioneiras quando das considerações
do caso Castillo Páez versus Peru (1987), onde se concluiu a cobrança da isonomia e eficiência
dos aparatos jurídicos do Estado peruano, fazendo relação à característica democrática e do
Estado de Direito. Em relação ao caso Loayza Tamayo versus Peru (1997), se lidou,
primeiramente, com uma incongruência de dispositivos judiciais internos com direitos da
CADH. Nesse mesmo âmbito da incompatibilidade perante disposições da CADH, no caso
Suárez Rosero versus Equador (1997), a Corte IDH, ao declarar a incompatibilidade de um
artigo do código penal interno com uma disposição da Convenção Americana, cobrou
reparações das normas internas equatorianas. No âmbito do litígio Castillo Petruzzi versus Peru
67

(1998), a corte interamericana defendeu, pela primeira vez, as bases do direito de petição
individual após o Estado a ter contestado. Nesse sentido, o caso Hilaire, Benjamin
e Constantine versus Trinidad e Tobago (2001), de mesmo modo, representou a defesa da
integridade do mecanismo de petição individual pela Corte contra o argumento de conflito com
interesses do Estado. No mérito do caso Paniagua Morales e Outros versus Guatemala (1998),
a carga de sentença do contencioso resultou, pela primeira vez, em uma categoria inteira apenas
sobre medidas legislativas internas que o Estado deveria providenciar. Após esse, o caso
Blake versus Guatemala, ocorrido um ano depois, também resultou na inclusão de uma
categoria de reforma legislativa interna (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Referente às evoluções no plano cultural, no caso Aloeboetoe versus Suriname (1993),
considerou-se, dentre as reparações do Estado surinamês, as especificidades culturais do grupo
dos saramacas. Nessa categoria de evoluções por considerações culturais, no
caso Mayagna Awas Tingni versus Nicarágua (2001) se considerou o próprio modus vivendi da
comunidade na reparação sobre direitos de propriedade. Já em relação ao direito de anistia, o
caso Barrios Altos versus Peru (2001) representou um avanço, a partir do momento em que a
Corte deferiu que o Estado tentou impedir a manifestação da “verdade”, admitindo a
inadmissibilidade da ausência de dispositivos internos de anistia, concluindo que leis sobre tal
deveriam ser reformadas no intuito de não representarem mais obstáculos às investigações
futuras. Ainda sobre essa categoria de direitos, o caso “A última tentação de
Cristo” versus Chile (2001), quando se proibiu a exibição do filme “A Última Tentação de
Cristo” no Chile, sendo este considerado uma violação do direito à expressão e difusão de ideias
e informações, concluindo, portanto, que a reparação deveria se basear na suspensão de leis de
direito interno sobre a censura da película (CANÇADO TRINDADE, 2003b). No mesmo
sentido, no caso Almonacid Arellano versus Chile (2006), a Corte agiu contra o aparato de leis
do Estado que impediam o devido levantamentos dos fatos, ou seja, uma violação contra a
anistia, tendo a Corte, então, exigido uma reforma do ordenamento interno, na reparação, com
a suspensão e homogeneização das disposições de anistia da CADH com o aparato de leis
chileno. Esse procedimento de reparação de leis pela compatibilidade recebeu, nesse processo,
a conceituação de controle de convencionalidade (PIOVESAN, 2014).

Quadro 2 - Evolução jurisprudencial por meio do exercício contencioso da Corte


IDH
  Data  Relevância para o SIPDH 
Castillo Páez versus Peru 1987 Interpretação do art. 25 à obrigação
geral do art. 1 (1): sobre a violação ao
68

Estado de Direito, tornando-se


jurisprudência constante
Aleoboetoe versus Suriname 1993 Acrescentam à ponderação das
reparações - as práticas culturais
dos saramacas
Loayza versus Peru 1997 Inaugurou-se o conceito de “projeto de
vida”. Primeira vez que houve
incompatibilidade dos dispositivos do
direito interno com as da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos
(1969)
Suárez Rosero versus Equador 1997 Estabeleceu incompatibilidade de uma
norma penal interna em relação à
Convenção Americana de Direitos
Humanos (1969)
Castillo Petruzzi versus Peru 1998 Corte sustentou a procedência do
direito de petição individual nas
circunstâncias do caso.
“Panel Blanca” - Paniagua Morales e 1998 Corte depositou na sentença uma
Outros versus Guatemala categoria inteira apenas para o Estado
tomar providências no plano do direito
interno
“Meninos de Rua” (Villagrán Morales e 1999 Resultou na ampliação do direito à
Outros) versus Guatemala vida para “condições dignas de
existência”
Blake versus Guatemala 1999 Também incluiu na sentença medidas
de direito interno para assegurar o
cumprimento da obrigação
Comunidade Mayagna Awas Tingni versus Nicarágua 2001 Consideração do direito à propriedade,
relacionado ao modus vivendi da
comunidade
Hilaire, Benjamin e Constantine versus Trinidad e 2001 Corte em conflito com os interesses do
Tobago Estado e a integridade do dispositivo
internacional
Barrios Altos versus Peru 2001 Estado tentou limitar disposições de
anistia; Corte interviu, julgando
inadmissível a falta de mecanismos de
verdade. Não podem representar um
obstáculo à investigação dos fatos e à
punição dos responsáveis pelas
violações dos DH
Almonacid Arellano versus Chile 2006 Instituição do controle
de convencionalidade
Fonte: Elaborado pelos autores com dados extraídos de CANÇADO TRINDADE (2003b);
PIOVESAN (2014).

Além das próprias medidas desenvolvidas e encontradas no mérito dos casos, a Corte
também teve um papel fundamental na resposta às solicitações da Comissão, no que diz respeito
ao caráter das medidas provisórias. Nesse sentido, a Corte, com base do artigo 63(2) da CADH,
pode adotar medidas em respeito à prevenção de possíveis danos irreversíveis. Na matéria dessa
competência, a Corte só pode responder a solicitação da Comissão, não conferindo a ela caráter
jurídico positivo referentes às medidas provisórias emitidas. No entanto, antecedendo esse
processo, a Corte IDH tende a verificar se o Estado reconhece sua competência contenciosa,
antes de emitir o pedido de medida provisória à Comissão, com o intuito de realizar um
69

procedimento, uma prova de presunção razoável, ao provável litígio. Dessa forma, com base
nos direitos a serem salvaguardados, a Corte, no evento dos Haitianos e Dominicanos de
Origem Haitiana na República Dominicana (2000), desenvolveu embrionariamente um
dispositivo de habeas corpus internacional (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Referente a
isso,

[...] a Corte adotou medidas provisórias visando, inter alia, proteger a vida e
integridade pessoal de cinco indivíduos, evitar a deportação ou expulsão de dois deles,
permitir o retorno imediato à República Dominicana de dois outros, e a reunificação
familiar de dois deles com seus filhos, além da investigação dos fatos (CANÇADO
TRINDADE, 2003b, p. 82, grifos do autor).

Logo, percebe-se que a atuação dos mecanismos de proteção da OEA contribuiu em


muito na consolidação do SIPDH no paradigma da ordem internacional. A organização a
revestiu de novos padrões de justiça, desenvolvendo não só o fomento à evolução sequencial
do corpus normativo, que positivou e reforçou os direitos e deveres de proteção dos direitos
humanos, mas também a ação unilateral, tanto da Comissão como da Corte, das suas decisões
e de suas interpretações extensivas e liberais das normas consagradas, o que ampliou muito seu
raio de atuação e, por conseguinte, a proteção dos direitos humanos. No entanto, apesar de tais
evoluções, ainda se faz importante explorar a evolução da estrutura de normas contemporâneas,
assim como seu estabelecimento, que surgiram de modo a fazer os dois acordos supracitados,
mais abrangentes e adaptados às novas lógicas do continente e do mundo.
Essa incorporação adicional de normas aos acordos basilares do sistema é compreendida
através de resoluções de reuniões, protocolos adicionais e convenções sobre direitos específicos
a serem protegidos, as chamadas convenções setoriais. À Convenção Americana, foram
acrescentados dois protocolos adicionais. O primeiro, conhecido como Protocolo de San
Salvador, de 1988, foi um documento a aprimorar o catálogo de direitos da CADH, protocolo
este que adicionou direitos econômicos, sociais e culturais, os atrelando aos já consagrados
direitos civis e políticos da Convenção, abrangendo, assim, mais direitos na proteção dos
indivíduos (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1988). Já o segundo,
concernente a abolição da pena de morte, de 1990, levou a adoção de dispositivo obrigatório
para os Estados, referentes à não aplicação da pena de morte em nenhum indivíduo em seus
territórios, complementando o artigo 4(2 a 6) da CADH (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1990), com dadas exceções para períodos de guerra. Para além desses dois
dispositivos, o SIPDH englobou quatro convenções setoriais sobre direitos humanos. A
primeira, dedicada à Prevenção e Punição da Tortura (1985), esta que “estabelece a
70

responsabilidade individual pelo delito de tortura (artigo 3) e as obrigações dos Estados Partes
de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição.” (CANÇADO TRINDADE, 2003b,
p. 86).
Já a segunda convenção setorial foi sobre desaparecimento forçado de pessoas, de 1994, que
estabeleceu a responsabilidade individual no delito de desaparecimento forçado, configurando-
a, então, como uma violação internacional, de modo a culpabilizar o indivíduo perpetrador e
promover deveres de investigação e punição a esse pelo Estado, entre outras obrigações.
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994). A terceira das convenções
setoriais foi sobre a questão da prevenção, punição e da erradicação da violência contra a
mulher, assinada em 1994. Esta cumpriu o dever de ampliar o catálogo de direitos civis,
econômicos, sociais e culturais, além de positivar obrigações aos Estados e agregar seus deveres
de monitoramento às lógicas dos mecanismos do SIPDH, a CIDH e a Corte IDH
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994b). Na quarta, e última convenção
setorial, até os dias atuais, se abordou a eliminação de todas as formas de discriminação contra
pessoas portadoras de deficiências, adotada em 1999. Ela delega deveres de prevenção e
punição aos Estados sobre todas as formas de discriminação à indivíduos deficientes, assim
como sua devida integração com a sociedade. Entre tais deveres se inclui a submissão de
relatórios de supervisão desses direitos perante a Corte (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, 1999).

Quadro 3 - Tratados principais do Sistema Interamericano de Proteção dos


Direitos Humanos (SIPDH)
Natureza Acordos Contribuição para o SIPDH
Antecedentes Convenção sobre Direitos dos Primeira convenção interamericana
Estrangeiros (1902) de direitos de Estrangeiros
Convenção sobre o Estatuto de Primeira convenção interamericana
Cidadãos Naturalizados (1906) de direitos sobre processos de
naturalização
Convenção sobre o Estatuto de Evolução percebida ao catálogo de
Estrangeiros (1928) direitos dos Estrangeiros
Convenção sobre o Asilo (1928) Evolução aos direitos dos
estrangeiros
Conferência Chapultepec (1945) Conferência onde se produziram
resoluções sobre liberdade de
informação, direitos da mulher e da
criança e entre outras questões
sociais.
Tratados principais Declaração Americana de Direitos e Marco do início do processo de
Deveres do Homem (1948) evolução do SIPDH, declaração não-
vinculante que aborda direitos
inerentes a pessoa humana. A
Declaração abarca uma série de
71

direitos, incitando o processo de


ampliação a partir dela.
Convenção Americana de Direitos Ponto fundamental de
Humanos (1969) institucionalização da proteção dos
direitos humanos. Inclui direitos
civis e políticos. Atribuiu
responsabilidades obrigatórias e
instituiu a Comissão e, a nova, Corte
Interamericana de Direitos Humanos
como mecanismos principais de
proteção aos Direitos Humanos.
Dispositivos notáveis Resolução VIII da Reunião de Instituição a Comissão
Consulta de Ministros das Relações Interamericana de Direitos Humanos
Exteriores (1959)
Resolução XXII da II Conferência Inaugurou a capacidade da Comissão
Interamericana Extraordinária de receber petições individuais
(1965) acerca de violações de direitos
humanos
Protocolo de Buenos Aires (1967) Protocolo de reforma da Carta da
OEA, elevou patamar jurídico da
Comissão, a estabelecendo como um
dos órgãos principais da OEA
Protocolo de San Salvador (1988) Protocolo adicional de direitos
econômicos, sociais e culturais à
Convenção Americana.
Protocolo à Convenção Americana Protocolo adicional de direitos e
sobre Direitos Humanos relativo à deveres acerca da pena de morte.
abolição da Pena de Morte (1990)
Convenções setoriais Convenção Interamericana para Amplia o arcabouço de normas,
Prevenir e Punir a Tortura (1985) responsabilidades e procedimentos
acerca em matéria da violação por
Tortura.
Convenção Interamericana sobre Amplia o catálogo de direitos e
Desaparecimento Forçado de deveres acerca da violação por
Pessoas (1994) desaparecimento forçado de pessoas.
Convenção Interamericana para Amplia obrigações do estado pela
Prevenir, Punir e Erradicar a supervisão da situação de violência
Violência contra a Mulher (1994) contra a mulher
Convenção Interamericana sobre a Amplia responsabilidades aos
Eliminação de Todas as Formas de estados acerca da integração social e
Discriminação contra Pessoas da supervisão de portadores de
Portadores de Deficiências (1999) deficiências
Fonte: Elaborado pelos autores com dados extraídos de CANÇADO TRINDADE (2003b).

Desse modo, com todo esse arcabouço evolutivo, é possível observar a


institucionalização das instituições derivadas e secundárias à instituição principal, “igualdade
dos povos”, esta que encontra caminho longo no continente americano, com dificuldades de se
adequar ao ideal de segurança e padrões de justiça humana. No entanto, a evolução gradual que
a ordem dos Estados, não só americanos, mas de toda a sociedade internacional, sofreram, dá a
noção de que a proteção do ser humano, assim como a ampliação de seus direitos, alcançou
notáveis resultados desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A falta de automatismo jurídico
internacional ainda continua a figurar como um grande problema no que se diz respeito a
universalidade dos direitos humanos, os quais devem ser protegidos pelos Estados. Assim, as
72

limitações físicas dos mecanismos internacionais tornam-se um empecilho na hora de ofertar


respostas às tantas perguntas demandadas. Contudo, o desenvolvimento de novas
reivindicações de justiça em direitos humanos tensiona mudanças, relativizando fronteiras
estatais. Como se trata de direitos e deveres para indivíduos, o paradigma da soberania
encontrou, durante esse processo, não uma ameaça, mas uma maneira de fortalecimento. A
ordem internacional moldada durante a segunda metade do século XX, e que continua em uma
lenta evolução, é desenhada pelos desejos dos Estados pela sua atual manutenção e, em vista
disso, o respeito para com os direitos humanos fazem com que essas nações emanem seu poder
e legitimidade.
O presente capítulo, então, abordou a evolução histórica e institucional dos direitos
humanos, o reconhecimento do indivíduo como sujeito do direito internacional, além da
constituição, evolução e consolidação do aparato institucional do Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). O próximo capítulo, por sua vez, fará uma análise de
um caso específico julgado dentro do âmbito do SIPDH, de forma a observar como se dá a
utilização do mecanismo de petição individual, e como se é cumprida, ou não, a sentença pelo
Estado a fim de entender os impactos dessas dinâmicas na relação entre ordem e justiça.
73

4 O CASO ALMONACID ARELLANO, A PETIÇÃO INDIVIDUAL E A TENSÃO


ENTRE ORDEM E JUSTIÇA

O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), ao longo de sua


existência, tem possibilitado aos cidadãos dos países do continente americano buscar justiça no
âmbito internacional quando ocorre violação de seus direitos por seus respectivos Estados. Por
meio do mecanismo de petição individual, o qual faz parte do aparato da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH), indivíduos conseguem, mediante algumas condições, buscar a justiça que seus
Estados não conseguiram prover a eles. Isso constitui um avanço para a atuação individual no
ambiente internacional, na medida em que, por meio desse processo, novas dinâmicas entre
Estado e indivíduo são construídas, criando novas jurisprudências internacionais que
beneficiam a atuação individual.
Ao longo deste capítulo, será demonstrado como a petição individual é aplicada na
prática, através do caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Tanto a petição individual quanto
a análise do caso se colocam no intuito de demonstrar a evolução dos direitos individuais e a
possibilidade da busca por justiça na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Além disso, será analisada a relação estabelecida entre ordem e justiça no marco da petição
individual, e como essa tensão se mostrou na prática do Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH), em um caso contencioso no continente americano, o caso Almonacid
Arellano y otros Vs. Chile (2005).
Logo, o presente capítulo se divide em três seções. A primeira seção trata da petição
individual, mais especificamente de como foi tida a sua atividade na Comissão Interamericana
e na Corte IDH, e como alguns casos foram importantes e contribuíram para a evolução da
jurisprudência, e, portanto, da sua abrangência de ação no SIPDH. A segunda seção apresenta
o caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile de busca pela justiça através de sua família, e seus
desdobramentos. Por fim, a terceira seção relaciona o caso de Almonacid Arellano com a
discussão teórica, buscando o objetiva-lo na relação entre ordem e justiça, o aplicando como
exemplo de um fruto da evolução institucional que a ordem internacional sofreu durante a
segunda metade do século XX. Além disso, a seção tenta remontar a relação institucional ao
Estado, o qual passa a incorporar novos padrões de justiça humana, como forma de credibilizar-
se e gerar legitimidade. Dessa forma, o capítulo busca mostrar a importância das dinâmicas
evolutivas dos direitos humanos, especificamente da petição individual, na sociedade
internacional.
74

4.1 A petição individual na Comissão Interamericana e na Corte IDH

A petição individual percorreu um longo caminho nos sistemas regionais. No caso do


SIPDH, a partir demanda dos Estados na Resolução 22 da II Conferência Extraordinária, em
1965, as petições começaram a figurar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), em vistas de oferecer um respaldo às sociedades civis da época quando o ordenamento
jurídico doméstico não fosse suficiente para levar justiça aos cidadãos. Com a consagração do
Protocolo de Buenos Aires, de 1967, a CIDH foi elevada ao patamar de órgão principal da
Corte, sendo suas decisões fortalecidas, imbuindo-se de caráter constitucional. A Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH), promoveu, desde 1969, a obrigatoriedade dos
mecanismos da Comissão e da Corte IDH, salvo que a competência contenciosa desta última
estaria validada pelo reconhecimento especial do Art. 62°, §§ 1 e 2 da CADH (CANÇADO
TRINDADE, 2003b). Faz-se necessário, portanto, a exposição de alguns dados referentes ao
recebimento de comunicações e petições pelos mecanismos do SIPDH, para ilustrar a evolução
do Sistema como instituição internacional, bem como evidenciar o ganho de importância e
legitimidade conferido ao SIPDH ao longo do tempo.
Apesar da importância da Convenção Americana para a instituição da obrigatoriedade
da petição individual no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH),
antes de 1969 a Comissão já recebia um número considerável de comunicações sobre direitos
humanos. Segundo Cançado Trindade (2003b), até 1975 a Comissão recebeu 1.800 dessas
comunicações; no final dos anos oitenta, período em que a CADH começou a vigorar, 3.200
casos haviam sido examinados pela Comissão; de 1978 a 1985, 6.666 petições ou comunicações
haviam sido encaminhadas à Comissão; e no início dos anos 1990, mais de 10.000
comunicações haviam sido recebidas pelo órgão (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
Como é possível observar no gráfico 1, a partir dos anos 1990, o número de petições
enviadas à Comissão começou a crescer cada vez mais. Entre 1997 e 2019, 35.509 petições
foram recebidas pelo órgão, sendo 2019 o ano em que mais petições foram recebidas - 3.034
(COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2019b), o que pode ser
interpretado como evidência do aumento da demanda e da visibilidade do SIPDH.

Gráfico1: Petições recebidas pela CIDH de 1997 até 2019


75

Fonte: COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2019b.

O gráfico 2 mostra quais processos cumpriram os requisitos mínimos de admissibilidade


e entraram na fase de procedimentos na CIDH. Percebe-se que, nesse âmbito, o número de
petições em trâmite foi aumentando em quase todos os anos, o que está relacionado com a
melhora na eficiência da Comissão e com a consequente desburocratização dos processos, que
os tornaram mais rápidos. Além disso, pode-se atribuir a esses resultados a utilização de
artifícios jurídicos da CADH em prol da admissão das petições, que evoluiu com o passar dos
anos. Tais artifícios, como por exemplo, o arquivamento, em vez da exclusão, de processos que
não atingiam, em dado ponto, os requisitos de admissibilidade. Por outro lado, essa atuação que
visava a flexibilização, poderia se traduzir também em aumento de prazos para a entrega de
documentos. Segundo Cançado Trindade (2003b), a Corte, em sua atuação, tentava de acordo
com suas prerrogativas flexibilizar as normativas com relação à cada especificidades dos casos.
Em 2019, 4757 petições se encontravam em trâmite dentro da Comissão, o que representa quase
cinco vezes o número computado em 1997 (COMISIÓN INTERAMERICANA DE
DERECHOS HUMANOS, 2019a).

Gráfico 2: Petições e casos em trâmite (admissibilidade e fundo) na CIDH de 1997 até


2019
76

Fonte: COMISÍON INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2019b.

Até o ano de 2019, na Corte IDH, 433 casos culminaram em uma sentença e 675
medidas provisórias foram emitidas (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 2020). No ano de 2019, 32 novos casos foram submetidos à Corte IDH, 25
sentenças foram emitidas, 18 audiências públicas foram realizadas e 20 resoluções de medidas
provisórias publicadas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2019).
Isso indica que, em contraponto com os anos anteriores, conforme a evolução percebida no
gráfico, o sistema foi ficando mais eficiente de modo gradativo, contando com novos sistemas
informacionais, além da flexibilização da sua atuação em vias das suas novas regulações, que
foram surgindo conforme sua evolução, sobretudo na última década.

Gráfico 3: Casos contenciosos julgados pela Corte IDH de 1979 até 2019
77

Fonte: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2019.

Como consta no gráfico 3, o número de casos levados à Corte IDH tem aumentado com
o tempo. Primeiramente, isso se relaciona, em termos práticos, com o aumento de petições
submetidas à Comissão; se as petições aumentam, logo os casos também irão aumentar. Em
segundo lugar, o aumento do número de casos também pode estar relacionado a uma mudança
de percepção acerca do papel da Corte IDH, a qual passa a ser entendida, cada vez mais, como
um dos últimos recursos para muitas pessoas, visto que as petições só são aprovadas quando os
recursos jurídicos domésticos dos Estados se esgotam. Em terceiro lugar, isso pode ser
entendido, em termos mais normativos, como uma evidência do aumento do reconhecimento
do papel da Corte IDH como protetora dos direitos humanos no âmbito do SIPDH, o que mostra
a importância desse aparato jurídico para fortalecer a atuação dos indivíduos no âmbito
internacional em busca de justiça.
Dentre todos os casos que já foram julgados pela Corte IDH, alguns merecem uma breve
menção tendo em vista suas contribuições para a ação do indivíduo no âmbito do SIPDH, com
destaque para a petição individual. Para fins desse trabalho, foram escolhidos casos de destaque
que podem ser encaixados em duas categorias: “incompatibilidade da legislação interna com a
Convenção Americana” e “contestação da competência contenciosa da Corte IDH”28. A
primeira categoria se justifica pelo caso escolhido para posterior análise, na seção dois deste
capítulo, Almonacid Arellano y otros Vs. Chile se encaixar nessa categoria; e a segunda se
justifica por abordar casos onde a Corte IDH fez valer a sua competência contenciosa diante de
questionamentos estatais, o que acabou por fortalecer sua atuação.

28
As categorias foram criadas pelos autores exclusivamente para a demonstração da força da jurisprudência da
Corte IDH. Não há outras categorias além das apresentadas neste trabalho.
78

O primeiro caso de destaque da categoria “incompatibilidade da legislação com a


Convenção Americana” é o caso Suárez Rosero Vs. Equador29a Corte IDH declarou que um
artigo do Código Penal do Equador violava o Art. 2°30, que dispõe sobre o “dever de adotar
disposições de direito interno” bem como o Art. 7°, sobre o direito à liberdade pessoal, § 531,
da Convenção Americana. A importância dessa sentença advém do fato de ter sido

a primeira vez que a Corte estabeleceu uma violação do artigo 2 da Convenção pela
existência per se de uma disposição legal do direito interno, [...] porquanto, em seu
entender o Estado demandado não havia tomado as medidas adequadas de direito
interno a fim de tornar efetivo o direito contemplado no artigo 7(5) da Convenção
(CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 70, grifos do autor).

O segundo caso de destaque da categoria “incompatibilidade da legislação com a


Convenção Americana” é o caso “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e Outros Vs
Guatemala)32, de 1999, o qual foi importante pela ponderação da Corte IDH sobre a violação
do Art. 4° da Convenção Americana, o qual versa sobre o direito à vida (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969). Nessa ocasião, a Corte ampliou a
interpretação do direito à vida, estendendo-a além da não privação arbitrária da vida, ou seja,
não é permitido privar a vida de alguém de forma abusiva, englobando, também, o acesso a
condições garantidoras de uma existência digna (CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 1999 apud CANÇADO TRINDADE, 2003b).

29
Esse caso diz respeito ao modo como a prisão do Sr. Rafael Ivan Suárez Rosero por uma suspeita de
envolvimento com tráfico internacional de drogas foi feita por policiais equatorianos. Foram violados os Arts.
5º (direito à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial)
da Convenção Americana (BARLETTA, 2018).
30
O artigo 2º enuncia o “dever de adotar disposições de direito interno”, ou seja, “se o exercício de direitos e
liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outras
natureza, os Estados partes comprometem-se a adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as
disposições desta convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar
efetivos tais direitos e liberdades” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
31
O artigo 7º se refere ao “direito à liberdade pessoal”. O seu § 5 disserta que “toda pessoa detida ou retida deve
ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções
judiciais e tem direito a ser julgada dentro um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que
prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em
juízo” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
32
Esse caso diz respeito ao sequestro, tortura e execução de cinco jovens em situação de rua (Anstraum Villagrán
Morales, Henry Giovani Contreras, Federico Clemente Figueroa Túnchez, Julio Roberto Caal Sandoval e Jovito
Josué Juárez Cifuentes) pela polícia guatemalteca (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 1999). O Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar os direitos), 4º (direito à vida), 5º (direito
à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais), 19º (direito das crianças), 25º
(proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS,
1999).
79

O terceiro caso de destaque dessa categoria é o caso Loayza Tamayo Vs Peru33 (1997),
no qual a Corte IDH ponderou, pela primeira vez em um caso contencioso, a incompatibilidade
do direito interno de um Estado com a Convenção Americana pela violação do Art. 8°, que se
refere às garantias judiciais, § 434 dessa última. O caso foi importante pois, dentre outras
contribuições, levou ao fim dos chamados “juízes sem rosto”35 do Peru, extintos pelo governo
do país no mesmo ano da sentença emitida pela Corte IDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b).
O quarto caso de destaque, e de extrema importância para a jurisprudência relativa à
validade das leis de anistia domésticas, é Barrios Altos Vs Peru36 (2001), no qual a Corte IDH
“advertiu que as disposições de anistia, de prescrição e de fatores excludentes de
responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por
violações graves dos direitos humanos [...] são inadmissíveis [...].” (CANÇADO TRINDADE,
2003b, p. 74). Segundo a sentença emitida pela Corte, as disposições citadas acima, ao
isentarem o Estado de responsabilidade, contribuem para dar sequência à impunidade e não
fornecem meios para as vítimas desses crimes buscarem justiça, o que é incompatível com a
Convenção Americana (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Logo, o Estado deve mudar a sua
legislação interna para que tais leis não constituam barreiras na busca da justiça. Esse caso,
juntamente com o caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005), que será analisado com
mais detalhes na segunda seção deste capítulo, foram extremamente importante para o
estabelecimento do chamado controle de convencionalidade (MAZZUOLI, 2008), que também
será explorado mais à frente.

33
Esse caso diz respeito à prisão e tortura da Sra. María Elena Loayza Tamayo por membros da Divisão Nacional
contra o Terrorismo da Polícia Nacional do Peru, sem uma ordem de prisão expedida por um órgão judicial
competente, por ser suspeita de fazer parte do grupo subversivo “Sendero Luminoso” (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1997). O Estado foi condenado de violar os Arts. 1º
(obrigação de respeitas os direitos), 5º (direito à integridade pessoal), 7º (direito à liberdade pessoal), 8º
(garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE
DERECHOS HUMANOS, 1997).
34
O artigo 8º se refere às “garantias judiciais”. O § 4 disserta que “o acusado absolvido por sentença passada em
julgado não poderá ser submetido a novo processo pêlos (sic) mesmos fatos” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
35
A prática de tribunais dos chamados “juízes sem rosto” foi muito comum em países da América Latina durante
a época dos regimes militares. O nome se refere a juízes que trabalhavam em casos considerados altamente
perigosos, como os de crime organizado e terrorismo, e, por esse motivo, não tinham suas identidade reveladas
(FREIRE, 2019).
36
Esse caso diz respeito ao assassinato de quinze pessoas e ao cometimento de ferimentos graves a outras quatro
por membros do Exército Nacional do Peru na vizinhança conhecida como Barrios Altos, em Lima, no Peru
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 4º (direito à
vida), 5º (direito à integridade pessoal), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana
(CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS).
80

Um último caso importante dessa categoria é Olmedo Bustos e Outros Vs Chile (A


Última Tentação de Cristo)37 (2001), no qual a Corte IDH estabeleceu que o Chile violou o Art.
13°38 da Convenção, que versa sobre a liberdade de pensamento e expressão, ao não permitir a
exibição do filme “A Última Tentação de Cristo” no país e, por isso, deveria modificar sua
legislação interna para acabar com a censura prévia no país e permitir a exibição do filme
(CANÇADO TRINDADE, 2003b). É possível dizer que a essência do controle de
convencionalidade está presente nesse caso, na medida em que a Corte IDH entendeu que a
norma interna do Estado chileno deveria ser modificada pois violava disposições da Convenção
Americana (CAMILO, 2016).
A importância desses casos advém de dois fatores. Em primeiro lugar, a categoria
“incompatibilidade da legislação com a Convenção Americana” considera que, mesmo após a
ratificação da Convenção Americana, a petição individual e a competência contenciosa da Corte
IDH são vistas como inconstitucionais por alguns países, sendo consideradas ameaças às suas
soberanias legislativas em relação aos seus cidadãos. No entanto, ao passo que esses Estados,
por motivos diversos, aceitaram o Art.62º39 da Convenção Americana, ou seja, aceitaram a
obrigatoriedade da competência judicial da Corte IDH, reconhecem a validade e pertinência da
capacidade jurídica internacional, e, portanto, que devem aceitar o direito e a interpretação da
Corte IDH sobre possíveis violações. Esse processo significa que o Estado é influenciado pela
instituição internacional, mesmo que essa última configure uma percepção de justiça diferente
daquela percebida pelo Estado. Assim, a importância dessa matéria se configura em momentos
em que a instituição, que carrega uma significação de justiça humana, é importante para garantir
a continuidade dos direitos individuais já alcançados, assim como sua evolução.
Em segundo lugar, alguns casos, notadamente Olmedo Bustos e Outro Vs Chile (A
Última Tentação de Cristo) (2001) e Barrios Altos Vs Peru (2001), contribuíram para o que

37
Esse caso diz respeito à uma censura judicial imposta à exibição do filme ”A Última Tentação de Cristo” no
Chile (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 1º
(obrigação de respeitar os direitos), 2º (dever de adotar disposições de direito interno), 12º (liberdade de
consciência e de religião) e 13º (liberdade de pensamento e expressão) da Convenção Americana (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001).
38
O artigo 13º se refere à “liberdade de pensamento e expressão”. Seu parágrafo 1 coloca que “toda (sic) pessoa
tem direito à liberdade de pensamento e expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e
difundir informações e idéias (sic) de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito,
ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
39
O artigo coloca em seu § 1 que “Todo Estado Parte pode, no momento do deposito de seu instrumento de
ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece
como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Côrte (sic) em todos os casos
relativos a interpretação ou aplicação desta Convenção.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 1969, s/p).
81

viria a ser chamado, após o caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005), de controle de
convencionalidade. Esse controle contribui para o fortalecimento da jurisdição da Corte, na
medida em que a legislação interna dos países é submetida a questionamentos quando da
violação dos direitos humanos fundamentais contidos na Convenção Americana40. Logo, o
controle de convencionalidade busca evitar que os Estados sejam, simultaneamente, os fiscais
e fiscalizados do dado controle (CAMILO, 2016). A Corte IDH, então, solicita aos Estados a
mudança de tal legislação para que os direitos humanos violados sejam salvaguardados, seja
por meio da extinção de alguma lei e/ou criação de novas legislações. Dessa forma, além de
fortalecer e legitimar sua própria atuação, a Corte IDH também contribui para fortalecer a
proteção dos direitos humanos tanto no continente americano como no mundo.
Na segunda “contestação da competência contenciosa da Corte IDH”, por sua vez, o
primeiro caso de destaque é Castillo Petruzzi Vs Peru41 (1998), onde o Estado havia atacado o
direito de petição individual, e a Corte IDH sustentou a procedência do mecanismo
apresentando todos os fundamentos de sua competência contenciosa (CANÇADO
TRINDADE, 2003b), reafirmando a importância de tal mecanismo para garantir o exercício
dos direitos individuais no continente americano.
Em outros dois casos, Tribunal Constitucional Vs Peru42 (2001) e Ivcher Bronstein Vs
Peru43 (2001), ao ter sua competência questionada novamente, quando da intenção do Peru de
não reconhecer, unilateralmente, a competência contenciosa da Corte IDH, sem mais
explicações. Nessa ocasião, a Corte IDH declarou a atitude do Peru inadmissível e sem
fundamento jurídico válido no âmbito do direito internacional e de tratados relacionados ao
SIPDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Segundo Cançado Trinade (2003b), essa postura da

40
O controle de convencionalidade será explicado com mais detalhes na próxima seção.
41
Esse caso diz respeito ao julgamento de quatro cidadãos peruanos (Jaime Francisco Sebastián Castillo Petruzzi,
María Concepción Pincheira Saéz, Lautaro Enrique Mellado Saavedra e Alejandro Luis Astorga Valdez) por um
tribunal com juízes sem rosto que pertencia à justiça militar, culminando na condenação à prisão perpétua pelo
crime de traição à pátria (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 1999). O Estado violou
os Arts. 7º (direito à liberdade pessoal), 8º (garantias judiciais), 9º (princípio da legalidade e da retroatividade)
e 20º (direito à nacionalidade) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 1999).
42
Esse caso diz respeito a destituição de três juízes do Tribunal Constitucional do Peru (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar
os direitos), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2001).
43
Esse caso diz respeito à privação, por parte do Peru, da nacionalidade do senhor Ivcher Bronstein, cidadão
naturalizado peruano, com o objetivo de tirá-lo do controle do editorial do Canal 2, responsável por divulgar
violações graves de direitos humanos e crimes de corrupção (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS, 2001). O Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar os direitos), 8º (garantias judiciais), 13º
(liberdade de pensamento e expressão), 20º (direito à nacionalidade), 21º (direito à propriedade privada) e 25º
(proteção judicial) da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS,
2001).
82

Corte IDH “salvaguardou a integridade da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, [...]
e, em última análise, contribuiu decisivamente a fortalecer a base jurisdicional de sua
competência em matéria contenciosa” (CANÇADO TRINDADE, 2003b, p. 72-73).
No caso Hilaire, Benjamin e Constantine y otros Vs Trinidad e Tobago44, de 2001,
também tentou-se enfraquecer a competência contenciosa da Corte IDH quando Trinidad e
Tobago, por meio de uma exceção preliminar não prevista no Art. 62° da Convenção
Americana, o que, se aceita pela Corte IDH, implicaria em uma interpretação baseada na
Constituição de Trinidad e Tobago e não na Convenção Americana, abrindo espaço para uma
deslegitimação da Convenção e do próprio SIPDH (CANÇADO TRINDADE, 2003b). Ao não
acatar tal exceção preliminar, a Corte IDH fez valer sua própria jurisdição, mantendo a
integridade tanto da Convenção Americana como do SIPDH no geral (CANÇADO
TRINDADE, 2003b).
A importância desses casos está relacionada, principalmente, à afirmação da Corte IDH
como um aparato jurídico legítimo ao qual os indivíduos que se sentirem lesados por seus
próprios Estados possam recorrer em busca de justiça. Nesse sentido, ao reafirmar sua
competência contenciosa frente aos Estados que a contestam, a Corte IDH não abre brechas
para que sua jurisdição seja desrespeitada, fortalecendo-se como instituição internacional. Além
disso, também se coloca de maneira mais afirmativa como um local dotado de mecanismos
voltados para a proteção dos direitos humanos que deve ser respeitado pelos Estados e visto
como legítimo, na medida em que esses últimos concordaram em cria-la, logo, estão de acordo
com seus procedimentos.
Como mencionado anteriormente, o caso a ser analisado neste trabalho é o caso
Almonacid Arellano y otros Vs Chile. A escolha desse caso advém de suas contribuições para
o Direito Internacional Público, assim como para o próprio Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH) e, principalmente, para os sistemas regionais. A contribuição mais
importante do caso, como será discutido, foi a formalização do que é chamado de controle
convencionalidade (MAZZUOLI, 2008), um mecanismo para avaliar a conformidade entre leis
domésticas e leis internacionais, que ajuda a garantir a efetividade do cumprimento dos tratados,
garantindo, em troca, o próprio funcionamento do SIPDH e, mais especificamente, do
mecanismo de petição individual. Além disso, o caso também abriu margem para um amplo

44
Esse caso é um compilado de três demandas submetidas à Corte IDH (CORTE INTERAMERICANA DE
DERECHOS HUMANOS, 2002). De modo geral, o Estado violou os Arts. 1º (obrigação de respeitar os direitos),
2º (dever de adotar disposições de direito interno), 4º (direito à vida), 5º direito à integridade pessoal), 7º direito
à liberdade pessoal, 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana com relação a
todos os envolvidos (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2002)
83

desenvolvimento de estudos na área do Direito Internacional Público, bem como para a própria
institucionalização das reparações legislativas. A próxima seção, portanto, abordará o caso com
mais detalhes, sua história e suas repercussões, tanto normativas como para o direito
internacional.

4.2 Caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile no Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos

Durante a segunda metade do século XX, diversos países da América Latina foram
assolados por regimes militares45. Um desses países foi o Chile, o qual em 11 de setembro de
1973, teve seu governo e o presidente, Salvador Allende, destituídos.46 A justificativa dada
pelos militares foi de que a ordem deveria ser mantida no país e que, para isso, eles passariam
a assumir não só o poder executivo, mas também o poder constituinte (judiciário) e o legislativo.
Segundo os militares, a nova presidência se beneficiava “[...] de uma soma de poderes jamais
vista no Chile [...].” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 27).
Porém, juntamente com a ascensão dessa nova Junta de Governo, presidida pelo general
Augusto Pinochet, a repressão generalizada tomou conta de boa parte do território chileno.
Desde o dia do golpe até o fim do regime militar, em 10 de março de 1990, pessoas que eram
consideradas opositoras eram torturadas, privadas de sua liberdade, sequestradas e, em casos
mais extremos, executadas. Essa repressão mais violenta ocorreu, de forma mais intensa, nos
primeiros meses do regime militar, sendo as vítimas notáveis figuras da esquerda, militantes,
políticos contrários ao novo governo, sindicalistas, estudantes, representantes de movimentos
sociais, entre outros (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Foi nesse cenário que ocorreu a execução do militante do Partido Comunista e dirigente
do sindicato de professores da cidade de Rancagua, o professor Luis Alfredo Almonacid
Arellano, que, na época, tinha 42 anos. Considerado pelo regime um subversivo que não se
alinhava com os ideais dos novos governantes, Almonacid Arellano foi procurado no dia 14 de

45
Onda de regimes militares direitistas que ocuparam diversos países da América do Sul, a partir da década de
1960. A tomada desses países pelos militares tinha como justificativa a ameaça do comunismo e de revoluções
(HOBSBAWM, 1995)
46
Em 1973, o Estado do Chile sofreu um golpe militar, fortemente apoiado pelos Estados Unidos da América,
com a justificativa de combater seus inimigos, que era formado pela esquerda unida de socialistas, comunistas
e outros progressistas. Com isso, o governo de Salvador Allende, líder socialista e presidente eleito do Chile
desde 1970, foi substituído pelo governo do chefe militar, Augusto Pinochet, esse que impôs uma política
ultraliberalista no território. O regime militar chileno durou 17 anos, anos estes caracterizados por execuções,
massacres, tortura de prisioneiros e exílios em massa de adversários políticos (HOBSBAWM, 1995)
84

setembro de 1973, em sua casa, por uma patrulha de carabineiros47, não sendo encontrado no
momento já que não estava vivendo ali por motivos de segurança. Entretanto, dois dias depois,
em 16 de setembro, Arellano foi até a sua casa ver sua esposa, Elvira Gómez Olivares, e, então,
no fim da manhã daquele dia, a patrulha apareceu para “busca-lo para depor” (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Enquanto era levado até o furgão,
mesmo não tendo apresentado resistência alguma à escolta, o professor foi metralhado em sua
rua, em frente à sua esposa, família e vizinhos. Ele ainda foi levado ao hospital, operado, mas
não resistiu aos ferimentos. Além de sua morte, esse episódio causou a perda do filho que ele e
sua esposa estavam esperando, já que, no momento em que seu marido foi fuzilado, a placenta
de Elvira se rompeu, causando a perda de seu bebê (BARRIENTOS-PARRA, 2011).
Foi a partir desse acontecimento que a família de Almonacid Arrelano, em outubro de
1973, através de sua viúva Elvira Olivares, tentou por diversas vezes ajuizar uma ação que
pudesse apurar os acontecimentos e identificar os responsáveis pela morte de seu marido.
Porém, apenas 25 anos depois, em 1998, que algo de efetivo começasse a acontecer nesse caso,
a partir de seu encaminhamento para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Antes disso, as diversas tentativas de buscar justiça no “âmbito do Poder Judiciário Chileno”
não obtiveram muito êxito. Em outubro de 1973, uma apuração da morte do professor foi
iniciada pela Primeira Vara do Crime de Rancagua, com o número de processo 40.184 (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Entretanto, depois de pouco mais
de um mês do início da apuração, em 7 de novembro, o caso foi arquivado. Foi demonstrado
uma clara falta de vontade da Vara do Crime de Rancagua de investigar o caso, sendo ele aberto
e arquivado por diversas vezes até 1974.
No ano de 1978, no dia 18 de abril, uma lei decretada pela Junta de Governo chilena
complicou um pouco mais a investigação de vários casos de tortura e assassinatos ocorridos
durante o regime, incluindo o caso de Almonacid Arellano. O Decreto Lei nº 2.191 concedia
anistia, como dito em seu Art. 1º

Concede-se anistia a todas as pessoas que, em qualidade de autores, cúmplices ou


encobridores tenham incorridos em fatos delituosos, durante a vigência da situação de
Estado de Sítio, compreendida entre 11 de setembro de 1973 e 10 de março de 1978,

47
Segundo o § 1 da “Ley Organica Constitucional de Carabineros de Chile”, a Carabineros de Chile “es una
Institución polítical técnica y de carácter militar, que integra la fuerza pública y existe para dar eficacia al
derecho; su finalidade es garantizar y mantener el orden público y la seguridade pública interior em todo el
territorio de la República y cumplir las demás funciones que le encomiendan la Constitución y la ley.” (CHILE,
1990, p. 1). Participaram ativamente do golpe de Estado de 1978, se tornando membros da Junta de Governo.
85

sempre que não se encontrem atualmente submetidas a processo ou condenadas


(CHILE, 1978, tradução nossa)48.

Esse decreto perdurou por muitos anos no Chile e prejudicou a condenação de diversos autores
de crimes bárbaros cometidos durante a ditadura.
Em 10 de março de 1990, após 17 anos no poder, o regime militar chileno teve fim e,
assim a democracia pôde ser restaurada no país. Apesar de o governo do general Pinochet ter
terminado, muito dos aparatos políticos, como a Constituição, e econômicos impostos no
regime militar perduraram nos anos seguintes, sem muitas modificações. Entretanto, mesmo
com essas poucas mudanças, elas foram suficientes para que a família de Almonacid Arellano
pudesse buscar por justiça. Em 1992, a viúva de Arellano solicitou que reabrissem o processo
que tinham ajuizado em 1973. A Primeira Vara do Crime de Rancagua, onde o caso foi posto,
interrogou dois supostos réus, Manuel Segundo Castro Osorio e Raúl Hernán Neveu Cortesi
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). No entanto, após os
depoimentos dos réus, a Vara se reconheceu como incompetente para julgar o caso e o mandou
para a Justiça Militar, decisão contestada pela representante do caso, o que, por fim, acabou
estagnando-o, mesmo com as investigações continuando abertas formalmente.
No dia 8 de fevereiro de 1995, o juiz responsável pelo caso declarou a conclusão do
inquérito, e no dia 15 e fevereiro do mesmo ano, ele acabou por arquivá-lo de vez, aplicando o
Decreto Lei nº 2.191, a Lei de Anistia. Porém, em 5 de junho de 1996, a Corte de Apelação
voltou a revogar a decisão de arquivamento do caso e ordenou ao juiz responsável que
condenasse os autores do atentado contra Almonacid Arellano. Em agosto do mesmo ano, o
Tribunal de Rancagua decidiu que Manuel Segundo Castro Osorio fosse considerado cúmplice
e Raúl Hernán Nebeu Cortesi fosse indiciado como autor do crime de homicídio do senhor
Arellano (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). A decisão não
foi suficiente para que os autores dos crimes fossem presos, já que, em janeiro de 1997, os
promotores da Segunda Fiscalía de Ejército y Carabineros pediram que o Segundo Juzgado
Militar encerrasse o processo, alegando que os dois não poderiam ser acusados, de acordo com
a Lei de Anistia.

48
Concédese amnistia a todas las personas que, en calidad de autores, cómplices o encubridores hayan incurrido
em hechos delictuosos, durante la vigencia de la situación de Estado de Sítio, comprendida entre el 11 de
Septiembre de 1973 y el 10 de Marzo de 1978, siempre que no se encuentren actualmente sometidas a processo
o condenadas.
86

Devido a essa última decisão, a viúva do senhor Almonacid recorreu à Corte Marcial49,
porém sem muito sucesso, já que essa Corte reforçou e confirmou a decisão do Segundo
Juzgado. Os argumentos utilizados foram que

A anistia é um objetivo causal de extinção da responsabilidade criminal e seus efeitos


se produzem de pleno direito a partir do momento estabelecido por lei, sem que
possam ser recusados por seus beneficiários, [...] pois se trata de leis de direito
público, que olham para o interesse geral da sociedade. O que foi expresso significa
que, uma vez verificada a procedência da lei de anistia, os juízes devem proceder a
declará-la, sem que, consequentemente, tenha a aplicação obrigatória do disposto no
artigo 413 [do Código de Procedimento Penal], que exige, para o indeferimento do
término definitivo, que esteja esgotada a investigação com que tenha tratado de
comprovar o corpo do delito e determinar a pessoa do Deliquente (BARRIENTOS-
PARRA, 2011, p. 38, tradução nossa)50

A representação da família de Almonacid Arellano, então, apresentou recurso contra o


arquivamento do caso, alegando que as convenções internacionais de direitos humanos não
estavam sendo consideradas e eram contrárias aos ideais contidos na Lei de Anistia. No entanto,
a Corte Marcial rebateu essa reclamação dizendo que, como o Pacto de San José da Costa Rica
foi ratificado pelo Chile apenas em 21 de agosto de 1990 e o Pacto Internacional de direitos
Civis e Políticos foi incorporada à jurisdição do país em abril de 1989, sua aplicação não poderia
acontecer, já que afetaria o “princípio da irretroatividade da lei penal”51. Essa decisão foi
questionada por uma ministra da Corte, que considerava que a execução de Almonacid Arellano
ocorreu em uma época em que vigorava um “estado de guerra interna” no território chileno e
que tal acontecimento era “[...] uma das ações proibidas pelo artigo 3º [comum] das Convenções
de Genebra.” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 35). Além
disso, ela alegava que as Convenções de Genebra, em seu artigo 52, previam que os crimes de
guerra que infringiam os direitos dos indivíduos não deveriam, de forma alguma, ser anistiados
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). A contraposição da
ministra não foi suficiente e, por fim, no dia 11 de novembro de 1998, a Corte Suprema de
Justiça do Chile, última instância judicial, acabou por arquivar o processo.

49
Tribunal militar que determina punições a membros das Forças Armadas caso eles violem, de alguma forma, a
disciplina, a regras militares ou a hierarquia das forças militares (RODRIGUES, 2020).
50
La amnistia es una causal objetiva de extinción de responsabilidade criminal y sus efectos se producen de pleno
derecho a partir del momento estabelecido por ley, sin que puedan ser rehusados por sus beneficiarios [...], pues
se trata de leyes de derecho público, que miran al interés general de la sociedad. Lo expresado significa, que
uma vez verificada la procedencia de la ley de amnistia deben los jueces proceder a declararla, sin que en
consecuencia tenga obligatoria apliación lo dispuesto en el articulo 413 [del Código de Procedimiento Penal],
que exige para decear el sobreseimiento definitivo que este agotada la investigación com que se haya tratado de
comprobar el cuerpo del delito y determinar la persona del Delicuente
51
Lei em que se proíbe que, a partir do momento em que uma lei determina uma conduta ilícita, os efeitos que
possam ser incriminantes e condenatórios de uma certa lei, retroaja para o momento anterior à vigência desta
(MACHADO, 2019).
87

Tendo esgotado todos os recursos em âmbito doméstico, a família de Almonacid


Arellano e seus representantes, no final de 1998, apresentaram sua denúncia à CIDH, não pelo
assassinato do senhor Almonacid Arellano em si, mas sim pela “denegação de justiça” por parte
do Estado chileno. Então, no dia 9 de outubro de 2002, a CIDH aceitou o relatório nº 44/02,
admitindo a petição feita pelos representantes da vítima, em relação aos Arts. 1º, § 152, 8º53 e
25º54 da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
2006), alegando que o Estado do Chile violou os direitos dos artigos supracitados.
A CIDH fez uma série de recomendações ao governo chileno, como forma de as
violações dos direitos da vítima e de sua família fossem reparadas § 155 da Convenção e art.
44°56 de seu Regulamento, a CIDH, em 11 de julho de 2005, submeteu o caso Almonacid
Arellano à Corte IDH. Logo depois, no mesmo dia da submissão, o Chile, fora do prazo
estabelecido, enviou para a CIDH seu relatório sobre o cumprimento das recomendações, mas
já era tarde (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
A partir do momento em que a petição foi submetida à Corte, os representantes do
senhor Arellano, assim como os do Estado do Chile, e a Corte IDH, começaram a expor suas
defesas em relação ao caso. No que diz respeito aos representares da vítima e sua família, que
foram representados pelo senhor Mario Márquez Maldonado, o caso submetido era sobre a

52
O art. 1º, § 1 diz respeito a “obrigação de respeitar os direitos” e coloca que “Os Estados Partes nesta Convenção
comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a
toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma,
religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica,
nascimento ou qualquer outra condição social.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 1969, s/p).
53
O art. 8º refere-se às garantias judiciais de cada indivíduo e coloca, em seu § 1, que “Toda pessoa tem direito a
ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou para que determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
54
O art. 25º é sobre proteção judicial e coloca, em seu § 1 que “Tôda (sic) pessoa tem direito a um recurso simples
e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos
que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção,
mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficias.”
(COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
55
O art. 51º, em seu § 1, coloca que “Se no prazo de três meses, a partir da remessa aos Estados interessados do
relatório da Comissão, o assunto não houver sido solucionado ou submetido a decisão da Corte pela Comissão
ou pelo Estado interessado, aceitando sua competência, a Comissão poderá emitir, pelo voto da maioria absoluta
dos seus membros, sua opinião e conclusões sôbre (sic) a questão submetida â sua consideração” (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
56
O art. 44º do Regulamento da CIDH diz respeito à “submissão do caso à Corte”, e coloca, em seu § 1, que “Se
o Estado de que se trate houver aceito a jurisdição da Corte Interamericana em conformidade com o artigo 62
da Convenção Americana, e se a Comissão considerar que este não deu cumprimento às recomendações contidas
no relatório aprovado de acordo com o artigo 50 do citado instrumento, a Comissão submeterá o caso à Corte,
salvo por decisão fundamentada da maioria absoluta dos seus membros.” (COMISSÃO INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2002, p. 16). Além disso, em seu § 2, apresenta-se os elementos considerados
fundamentais para a obtenção de justiça no caso em questão (COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2002).
88

“denegação de justiça” por parte do Chile, em relação à investigação do delito, denegação essa
que durou de 1996 a 1998 (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Segundo o representante, além da infração do direito à vida, houve a probidade de justiça por
parte do Estado. Já em relação à prova testemunhal e pericial, em audiência que ocorreu em 29
de março de 2006, o representante apresentou o testemunho de Elvira Gómez Olivares, que
presenciou todo o ocorrido e passou pelo caminho de tentar resolver o caso em âmbito
doméstico. De acordo com a depoente, além da perda de seu marido e do filho que estava
esperando, e da destruição de sua família como um todo, sua vida é bastante precária pois,
apesar de receber uma pensão do Estado, esta é quase insuficiente para cobrir seus gastos,
devido à precariedade de sua saúde (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006). Ela ainda expressou que da Corte IDH ela deseja que “[...] se faça justiça,
[...] se reivindique a memória de [seu] marido [...] e, na medida que [...] se faça justiça, nunca
mais ninguém volte a sofrer o que [ela] sofreu.” (CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 20) e, além disso, clamou pelo fim da Lei de Anistia que,
segundo a mesma, é uma lei falha (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006).
Em relação ao Estado do Chile, em um primeiro momento, o mesmo alegou para a Corte
IDH algo que já tinha tentado alegar para a Comissão: que o depósito do Instrumento de
Ratificação da Convenção e o reconhecimento da competência da Corte IDH foi apenas
realizado nos anos 1990, e que o delito contra o senhor Almonacid Arellano ocorreu antes de
todas essas adesões, ou seja, o caso estaria dentro da declaração de incompetência ratione
temporis57. O Estado também alegou, em uma segunda exceção, que a CIDH enviou a petição
para a corte IDH sem considerar o relatório enviado à Comissão referente às medidas adotadas
pelo Estado no que dizia respeito às recomendações do Relatório de Mérito, sendo o Estado,
naquela ocasião, ignorado e impedido de ser ouvido, o que é um direito seu (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Já no que se refere à prova
documental, o Chile contou com a declaração do senhor Cristián Correa Montt, o qual se
posicionava a favor das medidas de compensação já adotadas pelo governo chileno em favor
dos indivíduos que tiveram seus direitos violados durante o período do regime militar (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Entre essas reparações estariam,
além de um relatório sobre as violações de direitos humanos redigido pela Comissão Nacional
de Verdade e Reconciliação, uma pensão, benefícios médicos, benefícios educacionais para os

57
Em razão do tempo ou do prazo, em que determinado ato judicial deve ser realizado (RATIONE TEMPORIS,
2020).
89

filhos de vítimas, entre outros (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,


2006); estes benefícios citados teriam sido todos dados aos familiares do senhor Almonacid
Arellano.
Além disso, um perito indicado pelo estado, o senhor Cristian Maturana Miquel, alegou
que

A respeito da primeira recomendação [da Comissão Interamericana], que consiste em


estabelecer as responsabilidades pela execução extrajudicial do senhor Luis Alfredo
Almonacid Arellano mediante um devido processo judicial e uma investigação
completa e imparcial dos fatos, [...] esta requer que o Estado se remete a uma situação
anterior a 11 de março de 1990, e por isso, tanto a Comissão como a Corte
Interamericana são incompetentes segundo a Declaração formulada pelo Estado do
Chile (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 19).

Também alegou que o Chile estaria adequando aos poucos sua “legislação interna à normativa
dos direitos humanos”; em relação à jurisdição penal militar, diversas modificações em nível
constitucional estavam sendo realizadas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006). No que diz respeito ao Decreto Lei nº 2.191 (Lei de Anistia), este que vai
em direção contrária ao escrito na Convenção Americana, os representantes do Estado disseram
que, mais recentemente, o poder judiciário do Chile não o aplicava mais em diversos casos,
além de alegarem que o que existe no Chile

[...] é um papel escrito no qual consta uma decisão ditada pelo governo de fato, com
um número e alguns considerados que chamamos de Decreto Lei de Anistia, mas este
praticamente não existe como norma vigente no Chile [...], posto que os tribunais
sistematicamente não o aplicam” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006, p. 24).

Quanto as alegações da Comissão em relação à petição, o ocorrido descumpriu os


deveres gerais contidos nos Arts. 1°, § 1, e 2° da Convenção, além de violar os Arts. 8° e 25°
da mesma. Segundo a Comissão, o Chile negou justiça aos parentes do senhor Arellano, devido
à aplicação da Lei de Anistia, que perdurava até o momento do julgamento, esta que interfere
na busca de justiça por parte das vítimas; e que foi mantida mesmo com a ratificação da
Convenção pelo Chile (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Os argumentos da Corte IDH no que concerne o caso Almonacid Arellano foram os
seguintes: a Corte IDH reconheceu que a morte de Arellano se constituiu como um crime de
lesa humanidade, visto que “o assassinato executado em um contexto de ataque generalizado
ou sistemático contra setores da população civil, era violatório de uma norma imperativa do
Direito Internacional.” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p.
45), já que crimes dessa ordem são proibidos, o que é amparado pelo jus cogens em que,
90

violações como essa devem ser julgadas com base no Direito Internacional. Além disso,
baseando-se nas ideais da Assembleia Geral das Nações Unidas de que indivíduo e humanidade
são vítimas dos crimes de lesa humanidade, os responsáveis devem ser punidos, como afirmado
na segunda resolução da Assembleia (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006).
Assim, os crimes de lesa humanidade devem ser investigados pelos Estados através de
todos os meios legais e, em hipótese alguma, concessões de anistia devem ser adotadas em
casos como esse. Logo, a Corte aponta que leis de anistia, como o Decreto Lei nº 2.191 vigente
no Chile na época, desprotegem completamente a vítima e deixam impunes os crimes, assim
como seus autores, além de ser incompatível com o que consta da Convenção Americana. A
Corte IDH ainda alega que, mesmo com o governo chileno dizendo que não sei aplica mais a
lei desde 1998, apenas isso não é eficaz para que se satisfaça as exigências do artigo 2 da
Convenção (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Nesse sentido, pode-se dizer que o caso possui grande importância no que diz respeito
à convergência entre as leis internas de um país e as leis internacionais, nesse caso a Convenção
Americana, o chamado controle de convencionalidade. Essa expressão tem origem no direito
da França de 1975, onde se começou a observar qual a compatibilidade entre as leis domésticas
dos países e a Convenção Europeia de Direitos Humanos (MAZZUOLI, 2008). De acordo com
Valério Mazzuoli (2008), o controle de convencionalidade tem como objetivo convergir as leis
internas vigentes nos Estados com os tratados internacionais que são ratificados pelos mesmos
e que tem atuação no país. Portanto, é necessário que as leis que imperam nos territórios
nacionais sejam adaptadas de forma que, no momento de sua aplicação, os deveres previstos
pelos tratados e acordos internacionais sejam refletidos nas leis domésticas (MAZZUOLI,
2008). O autor ainda coloca que

Não somente os tribunais internos devem realizar doravante o controle de


convencionalidade (para além do clássico controle de constitucionalidade), mas
também os tribunais internacionais (ou supranacionais) criados por convenções entre
Estados, onde estes (os Estados) se comprometem, no pleno e livre exercício de sua
soberania, a cumprir tudo o que ali fora decidido e dar sequência, no plano do Direito
interno, ao cumprimento de suas obrigações estabelecidas na sentença, sob pena de
responsabilidade internacional (MAZZUOLI, 2008, p. 205).

A Corte IDH, desde o momento de sua criação, tinha como intenção harmonizar “o
ordenamento jurídico com a Convenção Americana de Direitos Humanos”, mas isso seria feito
apenas caso o Estado tivesse ratificado a Convenção e reconhecido a jurisdição da Corte IDH.
No âmbito interamericano, esse controle de convencionalidade seria como um controle de
91

tratados, já que seria uma obrigação dos Estados que reconheceram a Convenção Americana se
adequar às “disposições inscritas em um tratado internacional de direitos humanos” (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Além disso, as ações normativas e
administrativas de cada território devem ser compatíveis com o que é ditado pelos Arts. 1°, §
1, e 2° da Convenção Americana, ou seja, os tratados de direitos humanos têm prevalência sobre
o ordenamento jurídico interno. O caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile foi o primeiro caso
no qual o conceito e nomeação controle de convencionalidade foi utilizado no SIPDH
(MAZZUOLI, 2008).
Com isso, no caso analisado nesse trabalho, foi reconhecido pela Corte IDH que, apesar
dos juízes e tribunais internos deverem seguir a legislação doméstica do país, a partir do
momento em que o Estado ratifica e concorda com algum tratado internacional, como a
Convenção Americana, os juízes e o ordenamento interno estão submetidos a ela e devem seguir
o que está escrito, não se deixando levar por qualquer lei interna que seja contrária às
disposições dos tratados internacionais. Entende-se, portanto, que “o Poder Judiciário deve
levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana,
intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo” (CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 52). No caso do senhor Arellano, em que o poder
judiciário do Chile aplicou o Decreto Lei nº 2.191 (Lei de Anistia), decreto esse que impediu a
investigação e livrou os autores do assassinato de uma eventual condenação, além de negar
justiça à família da vítima, concluiu-se que o judiciário chileno ignorou completamente o Art.
1°, § 1 da Convenção, a qual foi ratificada e reconhecida pelo Chile, e também infringiu os
direitos da viúva do senhor Arellano e seus filhos, os quais são consagradas no Arts. 8°, § 1,
25°. Considerou-se que o Chile ignorou o tratado internacional de direitos humanos,
descumpriu os direitos da Convenção Americana e ignorou o chamado controle de
convencionalidade (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Finalmente, a conclusão da Corte IDH sobre o caso Almonacid Arellano y otros Vs
Chile, no dia 26 de setembro de 2006, se deu com a responsabilização do Chile por infringir os
direitos contidos nos Arts. 8°, § 1, e 25° da Convenção, assim como o descumprimento dos
deveres dos Arts. 1°, §§ 1, e 2°. Logo, devido ao julgamento com base no direito internacional,
toda violação que tenha gerado determinado dano deve ser reparada. Logo, a Corte IDH
determinou que o Estado

i) realize uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, com o objetivo de
estabelecer a verdade e punir os responsáveis materiais e intelectuais pelo homicídio
do senhor Almonacid Arellano;
92

ii) adote as medidas legislativas e de outra natureza, de acordo com seus processos
constitucionais e as disposições da Convenção Americana, com o propósito de
suspender, de forma definitiva e em todas as instâncias, os efeitos do Decreto Lei nº
2.191 e, nos processos judiciais nos quais tenha sido aplicado, reverter sua situação
ao estado anterior a tal aplicação;
iii) garanta que não sejam negados às vítimas de violações de direitos humanos,
cometidas durante a ditadura militar que governou o país entre setembro 1973 e março
de 1990, a proteção judicial e o exercício do direito a um recurso simples e eficaz, nos
termos dos artigos 8 e 25 da Convenção;

iv) adote as medidas necessárias para garantir que os casos relativos a violações de
direitos humanos não serão investigados ou julgados pelo foro militar, sob nenhuma
circunstância, e

v) outorgue uma plena e adequada reparação aos familiares do senhor Almonacid


Arellano, que inclua qualquer indenização adicional às que a família já tiver recebido
e que abarque danos materiais e morais, assim como as custas e gastos legais
incorridos pelas vítimas na tramitação do caso tanto em nível nacional, quanto perante
o sistema interamericano (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006, p. 56).

Também em suas considerações, a Corte IDH, nos termos do Art. 63°, § 158 da
Convenção, considera Elvira Olivares e os filhos de Arellano, Alexis e José Luis Almonacid
Gómez, como as partes lesadas e aponta medidas de reparação para o caso, como o alinhamento
do direito interno à Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006), assim como a obrigação do Estado chileno de investigar, julgar e punir os
autores do crime, não podendo se apossar de nenhuma lei interna que proíba investigações sobre
o assassinato de Almonacid Arellano. Entre outras reparações estão: o reconhecimento público
por parte do Chile, assim como a veiculação das investigações, como forma de mostrar à
sociedade chilena a verdade sobre os fatos do caso e o que ocorria na época do regime militar;
a família da vítima deve ser indenizada, de forma que o valor possa reparar os danos morais,
como a negação pela busca da justiça, e danos materiais, referente aos custos e gastos do caso,
com o valor sendo pago em dólares ou o valor equivalente na moeda chilena (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
Todas as considerações e reparações impostas pela Corte IDH, decididas por
unanimidade, dispõem que o Decreto Lei nº 2.191 (Lei de Anistia) não deve ser empecilho para
as investigações do caso e o Estado tem que se assegurar disso; as reparações materiais devem
ser realizadas dentro do prazo de um ano, a partir da decisão, assim como o reconhecimento

58
O art. 63º, em seu § 1, coloca que “Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos
nesta Convenção, a Côrte (sic) determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade
violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou
situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento d.e (sic) indenização justa â
parte lesada.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, s/p).
93

público, que deve ser realizado dentro de seis meses. Por fim, a Corte IDH afirma que o
cumprimento das reparações seria supervisionado e que o Estado, concluídas as reparações,
deveria enviar à Corte IDH um relatório sobre essas medidas (CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS, 2006).
No ano de 2010, declarações sobre o cumprimento da sentença emitida pela Corte IDH
foram divulgadas. No que diz respeito à obrigação de identificar, investigar e julgar os
responsáveis pelo atentado contra o senhor Arellano, e também a respeito da Lei de Anistia,
que não deveria mais ser um empecilho para a continuação das investigações, assim como não
deveria interferir em nenhum caso, o Estado informou que a reabertura das investigações
ocorreu em 2007, além de que projetos de lei para uma reforma constitucional do Chile foram
enviadas ao Congresso Nacional (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
2010). Porém, esta última não foi aprovada pelo Congresso, mas foi garantido pelo judiciário
que, enquanto a Lei de Anistia estivesse em vigência, ela não seria utilizada em casos no país.
Por fim, a Corte IDH afirma que ainda mantém em aberto o procedimento de supervisão
dos pontos acima, já que eles continuam pendentes. Portanto, as investigações e
responsabilização dos autores e a garantia da não utilização do Decreto Lei nº 2.191 (Lei de
Anistia), para que este não seja um obstáculo como no referido caso, ainda estão em processo
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010). Em relação às outras
decisões impostas ao Chile pela Corte IDH, como o reembolso dos custos que a família incorreu
ao longo do processo, o Estado informou à Corte IDH que o pagamento foi realizado no ano de
2007, com nenhuma objeção dos representantes da vítima e com satisfação por parte da
Comissão, já que esse ponto foi cumprido totalmente (CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2010).
Uma outra decisão totalmente cumprida foi a obrigação que o Estado chileno tinha de
publicar a sentença dada pela Corte IDH no seu Diário Oficial, assim como em meios de
comunicação públicos. Segundo o que consta na Supervisão de Sentença (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010), o Chile comunicou que “realizou
tal publicação ‘no Diário Oficial do Chile e no Diário ‘A Nação’, nos dias 14 e 13 de maio [de
2007], respectivamente’” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010,
p. 10, tradução nossa)59 e apresentou cópia de tais publicações, divulgando formalmente a culpa
estatal pelos crimes referentes ao senhor Luis Alfredo Almonacid Arellano e sua família.

59
En su primer informe el Estado comunicó que realizó tal publicación “en el Diario Oficial de Chile y en el Diario
‘La Nación’, los dias 14 y 13 de mayo [de 2007], respectivamente
94

A partir do caso descrito e seus desdobramentos, é possível perceber a relevância o caso


Almonacid Arellano, no que diz respeito ao Direito Internacional, sobretudo no sistema
interamericano, assim como no direito doméstico do Chile. Em relação ao Direito Internacional,
o caso foi importante ao introduzir o conceito de controle de convencionalidade no SIPDH,
fazendo com que, assim, os países que aderiram a Convenção incorporem seus direitos e
deveres às suas leis internas. O controle de convencionalidade, como conhecido atualmente, é
considerado um dos produtos mais notáveis produzidos pela jurisprudência da Corte IDH.
Além disso, a importância do caso se dá na medida em que demonstra aos cidadãos
americanos, como um todo, que caso contravenções aos direitos fundamentais ocorram, eles
têm a possibilidade de recorrer ao sistema interamericano e buscar por justiça. Ademais, o
reconhecimento do Chile como culpado das diversas violações aos direitos humanos, à época
do regime militar, a resolução do caso de Almonacid Arellano e outros, além de sua veiculação
na mídia, responde à demanda dos cidadãos chilenos por uma sociedade mais justa, assim como
a busca por uma Constituição mais democrática.

4.3 A petição individual entre a ordem e a justiça

A análise do caso Almonacid Arelano y otros Vs Chile (2005), apresentado na última


seção, se compreende através do processo de tensão entre a ordem e a justiça descrito no
primeiro capítulo, e pelo desenvolvimento da proteção dos direitos humanos e pelo
funcionamento das instituições interamericanas, descritas no segundo capítulo. A questão
apresentada na seção anterior, do caso, converge, portanto, com a construção teórica dos
capítulos anteriores. Por ventura, ainda se faz necessário retomá-los, os aplicando à realidade
dos relatos referentes à violação sofrida pela família chilena e o processo de obtenção da justiça.
Dessa forma, como exposto no primeiro capítulo, existe uma tensão entre ordem e
justiça no que diz respeito a priorização, por parte dos Estados, de um ou de outro, na Sociedade
Internacional. Pode-se dizer que, durante seu período ditatorial, o Chile como país em uma
ditadura, de preceitos neoliberais, buscava preservar a sua soberania da ameaça percebida do
comunismo no país. As ameaças que carregavam espectros de oposição a este governo, como
também de vários outros da América Latina na época, eram reprimidas com a utilização
sistemática da força. No âmbito externo, a ordem internacional na década de 1970 ainda não
comportava, de maneira consolidada, normas de proteção dos direitos humanos; a incorporação
dessas normas se deu de forma gradativa após a Segunda Guerra Mundial, como visto no
capítulo dois. Além disso, a ideia de justiça humana também não era consolidada, em uma
95

ordem internacional recheada de conflitos ideológicos, a relação entre os indivíduos e o Estado


passava longe de uma proteção deste último pelos cidadãos.
Contudo, como coloca Bull (2002), a sociedade internacional, apesar de resistir à
incorporação da ideia de justiça mundial, em certos momentos leva em conta tais ideias,
incorporando-as àquela sociedade. Sendo assim, com a evolução progressiva dos direitos
humanos como instituição derivada ao longo da segunda metade do século XX, bem como o
surgimento de mecanismos de proteção desses direitos, como o próprio SIPDH, novas
dinâmicas floresceram na sociedade internacional, notadamente o fortalecimento da relação
entre proteção dos direitos humanos e legitimidade estatal. Nesse sentido, a garantia desses
direitos pelo Estado, foi gradativamente virando um parâmetro de coerência, pelo avanço
institucional da ordem, e, portanto, de credibilidade e legitimidade na sociedade internacional.
Concomitante a essa evolução, se deram os vários processos de redemocratização de países
latino-americanos, que trouxeram consigo ideias relacionadas à garantia e proteção dos direitos
humanos, sendo o Chile um dos países que passaram pela redemocratização, na década de 1990.
Pode-se dizer, então, que o momento de redemocratização, por carregar a ideia de proteção dos
direitos humanos, se mostrou propício para a manifestação das demandas por justiça humana
na América Latina, o que culminou, no caso do Chile, na ratificação da Convenção Americana
e da competência contenciosa da Corte IDH, ambos em 1990 (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, s/d).
A partir dessa evolução e da institucionalização advinda dela, é possível afirmar que o
processo gradual de institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional pode
ser observado no caso do Chile, onde houve, com o tempo, o reconhecimento do SIPDH e de
seus mecanismos, o que colaborou para o crescimento da atuação individual em âmbito
internacional de cidadãos chilenos que buscam justiça, permitindo, portanto, que o caso de
Almonacid Arellano fosse levado à CIDH. Apesar disso, esse reconhecimento não é integral,
no sentido de que não há, ainda, uma total institucionalização dos direitos humanos no
continente americano. Isso pode ser percebido pelo não cumprimento total da sentença emitida
pela Corte IDH por parte do Chile (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2010).
A despeito disso, como mencionado anteriormente, uma das novas dinâmicas que
surgiram com a progressiva institucionalização dos direitos humanos foi a relação entre o
respeito a esses direitos e a legitimidade estatal. Tal aspecto remete, principalmente, à
participação de um Estado em uma sociedade internacional, em que a coexistência é fruto do
respeito das diretrizes que se institucionalizam, nesse caso de padrões de justiça humana, em
96

uma ordem estável. Isso significa dizer que as ações dos Estados só são consideradas legítimas
quando estão de acordo com as normas de direitos humanos; do contrário, eles podem passar
por um processo de shaming (constrangimento) por parte dos demais Estados. No caso do Chile,
a questão da legitimidade pode ser percebida no ato da publicação da sentença da Corte IDH,
na qual consta as reparações a serem feitas pelo Estado de modo a trazer justiça para a(s)
vítima(s). Dessa maneira, caso o Estado não cumpra essas reparações, seus comportamentos
podem ser considerados como ilegítimos perante a sociedade internacional, visto que o mesmo,
primeiro, não zelou pela proteção dos direitos humanos, uma das instituições de tal sociedade;
e, segundo, não cumpriu com um tratado assinado por ele mesmo.
É perceptível que no caso Almonacid Arellano, o Estado chileno falhou em promover
justiça, com a utilização de um mecanismo de auto-anistia, o Decreto Lei nº 2.191 (CHILE,
1978), já que, além do caso do senhor Arellano, essa lei também privou outras vítimas de
buscarem justiça. Com o decorrer do processo, a consequente culpabilização do Chile, e o
reconhecimento formal do crime cometido, percebe-se que estas foram apenas uma exceção
dentre tantos outros delitos que não chegaram ao SIPDH. O reconhecimento e a culpabilização
de todos os crimes cometidos durante essa época significariam que a estrutura internacional, ou
seja, a ordem internacional teria sofrido um grande rompimento, gerando uma mudança, que
seria barrada, impossibilitando uma coexistência entre tais modelos de Estado e um ambiente
pautado pelo respeito absoluto aos direitos humanos. No entanto, esse processo não aconteceu,
o que é evidenciado pelo marco de que os Estados não estão dispostos a permitir a derrubada
de toda a estrutura da ordem, e como essa coexistência é recente, ela ainda demonstra heranças
do passado, mesmo que em constante evolução para com os padrões de justiça humana.
Essa relação supracitada reanima o fato da relação secundária que a justiça humana tem
na ordem internacional, no entanto, tal configuração a faz, ainda, parte da coexistência dos
Estados. Isso significa que, em certa medida, o Chile, pressionado por tais padrões de justiça, o
afeta de perto, de modo que ele cede e aceita sua própria culpabilização. Isso se compreende
porque esse aceite configura uma forma do Estado de se formar como um ser que legitima, e
por isso, pode coexistir na sociedade internacional. A ameaça da coexistência de países
membros da OEA, mais especificamente, dos países que aceitaram a competência jurídica da
Corte IDH, seria uma possibilidade caso o Chile tivesse, completamente a negligenciado. No
entanto, é necessário retomar que essa ordem não é composta e dirigida, exclusivamente pela
justiça, mas que ela é apenas um dos padrões a serem observados pelos Estados para a devida
participação internacional.
97

No âmbito internacional, a tensão que os padrões de justiça humana se caracterizam pela


demanda dos indivíduos, e força a ordem internacional por uma mudança gradual. A
institucionalização de certos parâmetros de justiça se percebeu, no caso Almonacid Arellano,
vindo de “fora” do entorno Estado para dentro, como visto no controle de convencionalidade,
situada na seção um do presente capítulo. Após ter sido intentado diversas vezes o julgamento
do mérito dentro do Estado e de ter sido falhas, tais tentativas, a família Arellano buscou
resposta internacional. Esse processo evidencia que uma instituição, relativa à justiça humana,
avançou de forma que fosse possível gerar litígios entre indivíduos e o próprio Estado. Por outro
lado, demonstra que essa atuação internacional jurídica institucionalizada, pode gerar
culpabilizações por tais delitos, e por seu status cobrar reparações. Isso ainda faz possível inferir
que o Estado ao aceitar sua culpa, ao menos demonstra a importância que tal ação tem para seu
status na sociedade internacional, no caso do Chile, dos anos 2000. O que, possivelmente não
teria o mesmo efeito caso tivesse se colocado na década de 70.
É importante relembrar o fato de que tais processos de institucionalização exemplificam
a questão da gradualidade teorizada no primeiro capítulo, o que significa que padrões de justiça
humana só serão levados em conta se existir um momentum propício a isso na ordem dos
Estados (BULL, 2002). Esse período propício pode ser visto no caso Almonacid Arellano com
o processo das redemocratizações na América Latina nas últimas décadas do século XX, que
pressupunham, em cada caso, uma maior aceitação dos direitos humanos, além de outros
padrões já defendidos em dispositivos internacionais de proteção dos direitos humanos, como
mencionado anteriormente nas seções.
Essa mudança de valores em direção a democracia coexiste com o fortalecimento da
instituição mestre igualdade dos povos na sociedade internacional, o que, por sua vez, acarreta
uma mudança no papel dos Estados dentro dessa sociedade (BUZAN, 2004). Aos Estado se faz
necessário respeitar as instituições que derivam do ideal de igualdade, e a estes primeiros se faz
importante, a participação e aceitação dessas instituições secundárias, como a própria Corte
IDH, para compor uma mínima coexistência no ordenamento internacional. A legitimidade, o
qual os Estados perseguem na sociedade, passou no sentido do caso Almonacid Arellano y otros
Vs. Chile, por uma aceitação da sua culpa, e mais profundamente, pela inviolabilidade de
algumas normas do seu ordenamento interno. O acontecimento sugere que o fortalecimento do
SIPDH foi capaz de provocar mudanças legislativas que ainda procedem atualmente, no país
chileno, tendo parte na “readequação” do Chile. Essa adequação se dá pois o Estado ainda
carrega heranças legislativas de seu passado ditatorial, e por conta dessa incompatibilidade
normativa entre o ordenamento interno jurídico chileno e o internacional, gera pressões ao
98

Estado a abdicar gradualmente das normas inviáveis, se direcionando à tais que respeitam dos
princípios alcançados pela evolução dos direitos humanos na região, como retratado no capítulo
dois.
Por outro lado, apesar de o reconhecimento não ser completo, ele existe parcialmente.
Um exemplo disso, no caso em análise nesse trabalho, é a entrega, mesmo que atrasada, pelo
Chile, do relatório solicitado pela Comissão a respeito do que já havia sido feito pelo Estado
chileno com relação ao caso de Almonacid Arellano. O Estado alegou que algumas das
considerações feitas pela Comissão já haviam sido cumpridas, como indenizações, a realização
de uma Comissão da Verdade, entre outros (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2010). Dessa forma, é possível dizer que o Chile acatou, de certa forma, as
demandas da CIDH, mesmo que não do jeito que essa última previa (vide o atraso da entrega),
em uma tentativa de mostrar à CIDH o cumprimento das normas em questão. Isso mostra que
o Chile se preocupou, em partes, com a questão da legitimidade estatal.
O caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile, portanto, faz parte do processo que reveste
a ordem internacional de justiça na medida em que é um reflexo da institucionalização de
direitos individuais e mecanismos que os protegem a nível internacional (a CIDH, a petição
individual e a Corte IDH). Esse processo muda as condições de pertencimento e atuação dos
Estados na sociedade internacional (o que é visível na atuação do Chile no caso Almonacid
Arellano), bem como o relacionamento do Estado com a sua população. Assim são redefinidos
os direitos e deveres, tanto do Estado (como tomar providências para que a Lei de Anistia não
fosse um empecilho nas investigações do caso, levando em conta o controle convencionalidade)
quanto do indivíduo, como sua capacidade de reivindicar satisfações às injustiças que não sejam
devidamente respondidas internamente.
A disposição chilena de responder às reparações demonstrou essa lógica de um novo
dever na sociedade internacional. O seu não cumprimento poderia afetar a legitimidade do
Estado chileno na ordem internacional. Ainda nesse âmbito, tal dever jurídico imposto ao Chile,
na internalização de uma nova prerrogativa, muda a relação de poder do Estado sobre sua
população, ao passo que a primeira, agora, é passível de “correção” legal por um órgão jurídico
internacional, como a Corte IDH. Essa prerrogativa, portanto, configura um dos aspectos de
participação e coexistência na sociedade.
No aspecto em que se concerne a evolução institucional, o SIPDH teve seu
desenvolvimento e estabelecimento formal durante as últimas duas décadas do século passado.
Além disso, continuou a figurar sua importância e angariar desenvolvimentos jurisprudenciais
(CANÇADO TRINDADE, 2003b). Tal processo institucional levou a ser possível o surgimento
99

e consolidação de recursos jurídicos necessários para o mérito do caso Almonacid Arellano,


fazendo com que este fosse mais um dos casos de petição individual que, além de possuir
relevância no âmbito interamericano, mostra que o indivíduo vem conquistando seu lugar como
sujeito no Direito Internacional Público. Um dos desenvolvimentos presentes, no caso foi o do
locus standi in judicio, o qual possibilitou a participação da viúva de Almonacid, em todas as
etapas do mérito do caso.
O presente capítulo, portanto, abordou brevemente a configuração da petição individual
no âmbito da Comissão Interamericana e da Corte IDH, de forma a apresentar como a mesma
foi utilizada no caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile, bem como os processos relacionados
ao caso. Por último, fez-se uma análise do caso em questão com o intuito de mostrar não só a
utilização da petição individual, mas, principalmente, a importância das dinâmicas envolvidas
no processo para a relação entre ordem e justiça na sociedade internacional.
100
101

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho se pôs sobre a proposta de demonstrar a importância dos direitos humanos,


sob a forma de uma instituição, que nasceu no pós-Segunda Guerra Mundial. A evolução que
se engendrou a partir das tensões entre as demandas por justiça nascentes à cada época, e suas
implicações na ordem dos Estados, foi o objeto central de discussão. Dessa forma, o indivíduo
foi retomado em sua ascensão ao papel de sujeito ativo de Direito Internacional, o que lhe
habilitou de angariar resultados em cortes internacionais, em referência de direitos que o seu
próprio Estado falhou em lhe garantir. O Estado, ao presenciar a evolução das derivações
institucionais, os acata em via de se fazer legítimo, dentro de uma ordem, que é gradualmente
revestida de justiça. A monografia, então, se pôs a analisar a empiria desses avanços na análise
do caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile, com vistas a compreender as dinâmicas
envolvendo a institucionalização de padrões de justiça humana na ordem internacional.
Nesse sentido desse desenvolvimento, o trabalho intentou responder à pergunta de
“Como a petição individual, sobretudo no sistema interamericano, reflete o processo de
mudança na ordem internacional a partir da inserção de demandas por direitos humanos,
evidenciadas por novos padrões institucionais?”. Desse modo, a hipótese, a qual se basearam
os vértices de pesquisa, foi que “O mecanismo de petição individual no Sistema Interamericano
impacta a relação entre os Estados e indivíduos, na medida em que ressignifica essa relação ao
ser um reflexo da institucionalização dos direitos humanos na sociedade internacional. Essa
institucionalização proporciona uma ampliação do papel dos indivíduos, tornando-os sujeitos
ativos, e muda os padrões de atuação do Estado, os quais perpassam o respeito aos direitos
individuais. Dessa forma, o conjunto de demandas relacionadas aos direitos dos indivíduos são
incorporadas à ordem dos Estados se convertem em instituições, trazendo um revestimento de
justiça à ordem, alterando esta última”. Dessa forma, a monografia se direcionou a explorar os
conceitos da Escola Inglesa, além da história dos direitos humanos e do Direito Internacional
dos Direitos Humanos (DIDH) e seus mecanismos no continente americano. Por último, foi
feita a análise do caso supracitado, de forma a demonstrar empiricamente os processos
explorados.
Desse modo, o primeiro capítulo abordou a relação entre indivíduo, Estado e sociedade
internacional a partir dos conceitos advindos da Escola Inglesa, com o intuito de discutir o modo
pelo qual as demandas relacionadas aos indivíduos, abordada aqui como os direitos humanos,
são incorporadas à sociedade internacional por meio do processo de institucionalização, de
maneira a manter a ordem internacional estável. Argumenta-se que isso resulta em uma
102

mudança nos padrões de atuação estatal, sendo suas ações legítimas apenas na medida em que
agem de acordo com os valores e normas da sociedade internacional, sendo um desses valores
e normas o respeito aos direitos humanos, institucionalizadas gradualmente, revestindo a
sociedade de um novo caráter de justiça.
O segundo capítulo, por sua vez, tratou a evolução histórica e institucional dos direitos
humanos, bem como o processo de reconhecimento do indivíduo como sujeito de Direito
Internacional. Também tratou do processo de constituição e consolidação do Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), principalmente no que diz respeito
ao seu aparato institucional. Explorou-se como esses desdobramentos ajudaram, e ainda
ajudam, a criar e incorporar novos padrões de justiça humana à sociedade internacional por
meio da tensão entre ordem e justiça.
O terceiro capítulo, finalmente, apresentou a configuração da petição individual na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e na Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH), para explorar como esses mecanismos foram utilizados no
caso Almonacid Arellano y otros Vs Chile (2005). Também foram expostos os processos
envoltos nesse caso, seguido de uma análise do mesmo de forma a mostrar as consequências
das dinâmicas do caso para a tensão entre ordem e justiça na sociedade internacional.
Dessa forma, com tudo o que foi discutido nos capítulos, pode-se observar que há um
impacto, de novos padrões institucionais, na ordem internacional a partir do surgimento de
novos mecanismos, como o da petição individual. Com isso, há o surgimento de novos
parâmetros de justiça internacional, parâmetros esses que tornam a ordem vigente dos Estados
revestida de caráter justo, e transforma, assim, o padrão de atuação do Estado por meio da
adequação deste por prerrogativas legais internas às internacionais. Isso pode ser entendido ao
observar a evolução histórica dos direitos humanos, bem como sua gradual institucionalização
na sociedade internacional, a qual possibilita não somente o surgimento desses novos
parâmetros de justiça, mas também a incorporação deles à sociedade dos Estados. A
institucionalização e a consequente incorporação de novos valores, relacionados aos direitos
humanos, à sociedade internacional, tem como produto instituições secundárias, como o
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), o qual age como um
mecanismo de salvaguarda dos direitos humanos no continente americano, possibilitando que
indivíduos busquem justiça a nível internacional quando não a encontram domesticamente. A
tensão entre ordem e justiça e o consequente revestimento da sociedade internacional de justiça
advém, portanto, da interligação desses processos.
103

O caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile (2005) permitiu compreender as


dinâmicas e a importância das evoluções e do funcionamento dos mecanismos de proteção do
DIDH. Esse processo foi especialmente contemplado no continente americano, o qual
vivenciou diversas violações de direitos humanos durante os regimes ditatoriais latino-
americanos. Isso torna relevante a demonstração de como a evolução das demandas por direitos
individuais no continente americano foi contemporâneo ao surgimento das democracias da
América Latina, exemplificado tanto no desenvolvimento jurisprudencial da Corte IDH, como
nos diversos tratados que foram consagrados e basearam o arcabouço interno de leis desses
países, e a importância que tais catálogos de direitos têm na sociedade. A discussão presente
nessa monografia procura fortalecer o vínculo e o debate entre as Relações Internacionais e o
Direito Internacional, no âmbito de demonstrar o destaque que as implicações de suas
correlações têm nos dias de hoje. Por fim, o trabalho intenta mostrar a importância da ação do
indivíduo como sujeito ativo de Direito Internacional, sendo assim capaz, e respaldado, de
buscar resposta a quaisquer violações que tenha sofrido, se configurando, portanto, como um
elemento central para a busca de justiça, e para a busca de um tratamento digno e igualitário a
qualquer ser humano.
A discussão feita nesse trabalho permite ver as limitações ainda presentes nos
mecanismos institucionais do SIPDH, os quais, apesar de contarem com um aparato legal
internacional, ainda são questionados por alguns Estados, e nem todos cumprem com todas as
disposições da Corte IDH. Os próprios mecanismos de proteção interamericanos ainda estão
distantes de um ideal operacional, faltando investimento em infraestrutura, o que lhe concederia
capacidades de cobrir maiores demandas. Além disso, é possível ver o quanto a jurisprudência
internacional ainda pode evoluir, principalmente no que diz respeito a melhor adequação de leis
domésticas com relação a tratados internacionais, especialmente de direitos humanos. O
objetivo a ser cumprido é o da harmonização total das jurisdições nacionais com as
internacionais, em vista de garantir, independente de governo, a salvaguarda dos direitos
fundamentais aos indivíduos.
Apesar disso, mudanças estão acontecendo no Chile, país do caso abordado nesse
trabalho, em vista de melhorar as suas leis domésticas, essas que, no momento em que esse
trabalho foi escrito, ainda são as leis da época da ditadura militar. Foi aprovada recentemente,
por meio de um plebiscito realizado pela sociedade chilena, a criação de uma Assembleia
Constituinte, que será composta por membros eleitos por votação direta exclusivamente para
redigir a nova Constituição do país. Essa demanda advém de reivindicações por parte da
população em vista de obter mais justiça e uma melhor adequação das leis à realidade atual do
104

país, o qual já se comprometeu com diversos tratados de direitos humanos, mas ainda encontra
dificuldade de operacionalizar tais leis internacionais domesticamente. Isso mostra que, apesar
de existirem falhas na proteção dos direitos humanos, os mecanismos institucionais da ordem
internacional existentes continuam sendo importantes para a salvaguarda e afirmação desses
direitos, os quais tornam a sociedade internacional mais justa para todos.
105

REFERÊNCIAS

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Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ
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BARRIENTO-PARRA, Jorge. O Direito Penal Internacional e os crimes contra a humanidade


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