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DIREITOS HUMANOS
E DEMOCRACIA
Anuário do Programa de Pós-Graduação
em Direito da UNIJUÍ – 2023
Ijuí
2023
2023, Editora Unijuí
Editor Rua do Comércio, 3000
Fernando Jaime González Bairro Universitário
98700-000 – Ijuí – RS – Brasil
Coordenadora Administrativa
Márcia Regina Conceição de Almeida
(55) 3332-0217
Capa
Alexandre Sadi Dallepiane
editora@unijui.edu.br
Imagem da Capa
www.freepik.com
www.editoraunijui.com.br
Responsabilidade Editorial,
Gráfica e Administrativa
Editora Unijuí da Universidade Regional fb.com/unijuieditora/
do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
instagram.com/editoraunijui/
Conselho Editorial
• Fabricia Carneiro Roos Frantz
• João Carlos Lisbôa
• Vânia Lisa Fischer Cossetin
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
D598
Direitos humanos e democracia [recurso impresso e eletrônico]: anuário
do programa de pós-graduação em Direito da Unijuí – 2023 / organizadores
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, Joice Graciele Nielsson, Daniel Rubens Cenci.
– Ijuí : Ed. Unijuí, 2023. 246 p. –
Formato impresso e digital.
ISBN 978-85-419-0383-7 (impresso)
ISBN 978-85-419-0381-3 (digital)
1. Direitos humanos. 2. Democracia. 3. Desenvolvimento. 4. Ética – social.
5. Ética – profissional. I. Wermuth, Maiquel Ângelo Dezordi. II. Nielsson, Joice
Graciele. III. Cenci, Daniel Rubens. IV. Título. V. Título: Anuário do programa de
pós-graduação em Direito da Unijuí – 2023.
CDU: 342.7:321.7
Bibliotecária Responsável:
Cristina Libert Wiedtkenper
CRB 10/2651
Este livro foi publicado com recursos oriundos
do Programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior de Apoio à Pós-Graduação
(Proap/Capes), Processo nº 88881.860276/2023-01.
APRESENTAÇÃO................................................................................................................9
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
LINHA DE PESQUISA 1
Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos
– 11 –
A CIDADE :
Território de Confrontação Ativa e de Concretização do Direito Humano à Cidade ... 177
Elenise Felzke Schonardie
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APRESENTAÇÃO
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
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APRESENTAÇÃO
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
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APRESENTAÇÃO
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
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APRESENTAÇÃO
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
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APRESENTAÇÃO
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
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LINHA DE PESQUISA 1
Fundamentos e Concretização
dos Direitos Humanos
A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA E A
POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE UM
ESTILO PENAL HÍBRIDO1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
O presente trabalho é um resultado parcial do projeto de pesquisa denominado “Controle Social,
Política Criminal e Democracia: A Expansão do Sistema Penal Brasileiro e sua Adequação ao Estado
Democrático de Direito”, vinculado ao Grupo de Pesquisa “Fundamentação Crítica dos Direitos
Humanos”, originado na Linha de Pesquisa 1 (Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos)
do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Unijuí.
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A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA E A POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE UM ESTILO PENAL HÍBRIDO
André Leonardo Copetti Santos
Nacional (Brasil, 2021), entre julho a dezembro de 2021, o qual indica que,
em números absolutos, cerca de 833.176 pessoas estavam sob a custódia
do Estado. Deste montante, 199.058 autodeclararam-se brancos e 436.685,
pretos ou pardos.
Alguns sinais, entretanto, indicam que esta página da história dos
poderes punitivos pode estar sendo virada. A realidade de que a prisão é
ineficaz no combate e na redução da criminalidade, há muito conhecida
por pesquisadores dos sistemas punitivos, parece agora estar sendo
admitida nas esferas políticas de governo de alguns países, tal como, por
exemplo, nos Estados Unidos. Barak Obama, em 2015, ao visitar a prisão
de El Reno, em Oklahoma, deu um passo inicial simbólico para acelerar
uma das prioridades de seu último ano e meio de governo: a reforma do
maior e mais caro sistema penal do mundo. Obama iniciou uma nova fase
nas políticas federais relacionadas ao encarceramento massivo decorrentes
majoritariamente do tráfico de drogas, antecipando, com isto, a soltura de 6
mil presos. Lá, deram-se conta de que uma nova abordagem é necessária; que
os custos do sistema prisional são altíssimos; que o aprisionamento em massa
não levou à superação ou à diminuição do tráfico de drogas; que a grande
maioria da população atingida é de negros e hispanos; que foi produzida uma
superpopulação carcerária.
Inobstante as diferenças ideológicas em relação ao governo
democrata de Obama, o seu sucessor, o ultraconservador Donald Trump, deu
seguimento a esta política de desencarceramento, especialmente pelo seu
comprometimento em cortar custos do Estado norte-americano. A postura
de Obama voltada à diminuição do contingente de apenados deu-se por
questões humanitárias e de compreensão da seletividade do sistema penal
norte-americano em relação a negros e pobres, enquanto Trump teve como
motivação fundamentos econômicos liberistas de redução máxima do Estado
e de suas funções.
Contrariando esta tendência, e comprovando que os sistemas punitivos
não são universais, tampouco racionais, o Brasil tem em marcha um processo
de hiperencarceramento, como antes referido, ao mesmo tempo em que,
paradoxalmente, adota novas possibilidades de materialização do sistema
punitivo, menos violentas que a prisão, como a monitoração eletrônica. Neste
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Em contraste, o que parece ser um novo estilo penal nos indica que
este modelo prioriza muito menos a responsabilidade, a culpa, a sensibilidade
moral, o diagnóstico ou a intervenção e tratamento do infrator individual.
Em vez disso, está focado em técnicas para identificar, classificar e gerenciar
agrupamentos classificados por periculosidade. A tarefa é gerencial, não
transformadora (Cohen, 1985; Garland, Young, 1983; Messinger, 1969;
Messinger, Berecochea, 1990; Reichman, 1986; Wilkins, 1973). Procura
regular os níveis de desvio, não intervir ou responder a desvios individuais
ou malformações sociais.
Este novo estilo penal é muito mais do que “discurso”, sua linguagem
ajuda a revelar essa mudança de forma mais impressionante. Não fala de
indivíduos deficientes que precisam de tratamento ou de pessoas moralmente
irresponsáveis que devem ser responsabilizadas por suas ações. Em vez
disso, considera o sistema de justiça criminal e persegue a racionalidade e a
eficiência sistêmicas. Ele procura classificar e classificar, separar o menos do
mais perigoso e criar estratégias de controle racionalmente. As ferramentas
para esse empreendimento são “indicadores”, tabelas de previsão, projeções
populacionais e similares. Nesses métodos, o diagnóstico e a resposta individu-
alizados são substituídos por sistemas de classificação agregados para fins de
vigilância, confinamento e controle (Gordon, 1991). Seria, assim, a ME uma
tecnologia indicadora de um novo estilo penal?
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Despesas com pessoal: Salários: órgãos da administração penitenciária; Salários: outros Órgãos; Material
de expediente; Prestadores de Serviço; Estágio remunerado de estudantes; Outras despesas: Aluguéis
(bens imóveis, móveis, veículos e equipamentos de informática); Transportes (inclusive para deslocamento
para as audiências e atendimentos à saúde) e combustíveis; Material de limpeza; Material de escritório;
Água, luz, telefone, lixo e esgoto; Manutenção predial; Manutenção de equipamentos de segurança;
Manutenção de equipamentos de informática; Aquisição e/ou aluguel de equipamentos de segurança, de
informática, veículos, móveis e imóveis; Atividades laborais e educacionais; Contrapartida da administração
penitenciária em relação a parcerias para desenvolvimento de atividades laborais ou educacionais dos
presos; Alimentação; Material de higiene pessoal; Colchões, uniformes, roupas de cama e banho; Recursos
para assistência à saúde do preso (médica, odontológica, psicológica, terapia ocupacional, etc.).
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o CNJ (Brasil, 2021), cada pessoa presa no país representa um custo médio
de R$ 1.800,00 por mês para cada Estado. O gasto pode variar até 340% entre
as 22 unidades da Federação analisadas.
Já em relação à ME, os números indicam uma realidade orçamentária
completamente diferente. Com base em dados da SAP (Secretaria de Estado
da Administração Penitenciária) de São Paulo, obtidos por meio da Lei de
Acesso à Informação, o custo anual de um preso monitorado por meio de
ME é de R$ 3.803,00. De acordo com as informações disponibilizadas pela
pasta, entre dezembro de 2010 e março de 2015, o órgão desembolsou R$
97,3 milhões para monitorar 4.800 detentos. Isso significar dizer que, no
período (64 meses), foram gastos R$ 317,00 com cada detento submetido
ao monitoramento eletrônico.3 Ainda de acordo como a página web oficial
do Estado do Mato Grosso, no ano de 2015 o Estado monitorava 2.554
recuperandos que receberam o benefício da ME do poder Judiciário. Com
isso, o Estado economizou nesse ano R$ 5.108.000,00 levando-se em conta
que cada preso custa ao erário, em média, cerca de R$ 2.000,00, segundo
dados contidos no documento antes citado (Brasil, 2021).
Com uma progressão escalar na utilização da ME, as despesas com
vários destes parâmetros desapareceriam (alimentação e assistência médica,
por exemplo) e muitas outras seriam bastante reduzidas (contratação de
pessoal e ampliação da infraestrutura), o que pode aliviar o orçamento público
em rubricas que pouco ou nada trazem de produtivo para o desenvolvimento
pessoal dos apenados e para o combate à criminalidade.
2.2.2 O Potencial de uma Maior Concretização dos Direitos Humanos dos
Apenados
O começo dos anos 80 é paradigmático em termos de discursos críticos
em relação aos direitos humanos na América Latina, não tendo sido diferente
no Brasil. Até então, as denúncias de violação de direitos humanos tinham
como foco a ação das ditaduras militares instaladas em praticamente todo
o continente americano, com exceção do extremo norte. As acusações de
mortes e desaparecimentos por motivos de oposição política dirigiam-se
3
https://fiquemsabendo.com.br/gastos-publicos/monitorar-preso-com-tornozeleira-eletronica-custa-r-3-
800-por-ano/.
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contra boa parte dos governos autoritários da região, acoitamentos que pouco
a pouco revelaram-se como totalmente verdadeiros, trazendo à luz genuínos
terrorismos de Estado contra opositores políticos.
Os discursos sobre violações de direitos humanos mudam considera-
velmente de perspectiva quando, em 1983, o Instituto Interamericano de
Direitos Humanos realiza uma extensa e detalhada pesquisa tendo como
objeto as violações de direitos humanos nos sistemas penais de países
latino-americanos, investigação que resultou na publicação “Sistemas Penales
y Derechos Humanos en América Latina” (IIDH, 1983). Neste relatório de
pesquisa foi apontada uma série de violações de direitos humanos que já
naqueles anos se perpetravam em termos normativos/abstratos e fáticos/
concretos, tanto no campo penal quanto processual penal, pelo poder penal
dos Estados da região. A partir daí, as investigações com este objetivo jamais
cessaram, havendo uma farta literatura que aponta a enorme efetividade
das penas privativas de liberdade em concretizar tais violências aos direitos
humanos dos presos.
Em relação ao universo individual dos apenados, o rol de violações
de seus direitos em decorrência do encarceramento é bastante extenso.
Condições insalubres dos presídios em que cumprem suas penas,
superlotação, proliferação de doenças, falta total de segurança caso não
se submetam a alguma organização criminosa, alimentação de baixíssima
qualidade, saúde precarizada, falta de acesso à educação, ao trabalho, à
cultura, enfim, uma longa lista de não prestações estatais que ocorrem em
razão do encarceramento em prisões que não só atingem a alma, como diria
Foucault ao se referir ao estilo penal da economia dos direitos suspensos, mas
que atingem o próprio corpo dos apenados.
Com a ampliação das situações penais e processuais de adoção da
ME, não há dúvidas de que uma gama cada vez maior de direitos humanos
dos indivíduos aos quais ela se destinará será respeitada. Não só direitos
vinculados ao núcleo das liberdades, mas também uma série de outros direitos
de natureza social deverão ser efetivados, como os direitos vinculados às
relações de trabalho, os direitos de natureza cultural, além de outros, que, sem
sombra de dúvidas, irão agregar porções importantes de cidadania à existência
destas pessoas, afastando-os cada vez mais da criminalidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A positivação nos sistemas normativos penal e processual penal
brasileiros da utilização da Monitoração Eletrônica, com a entrada em vigor
da Lei n. 12.258/2010, que modificou a Lei n. 7.210/84, levou muitos juristas
a se questionarem se chegamos a um novo estilo penal a la Big Brother, com
a superação de um velho modelo de penologia, baseado na responsabilidade
do indivíduo e nas penas privativas de liberdade, por um novo tipo de sistema
“persecutório punitivo” no qual prevalece a ideia de controle por meio de
novas tecnologias.
Será que estamos, com a adoção da monitoração eletrônica, nesta
virada epocal em termos punitivos? Será que efetivamente a Monitoração
Eletrônica significa um abrandamento do poder penal do Estado e isto tem se
constituído num fator de criminogênese, como consideram alguns defensores
de um Direito Penal máximo?
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O CONSTITUCIONALISMO IDENTITÁRIO
E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
A Proteção Jurídica das Diferenças Identitárias
na Suprema Corte Brasileira1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A sociedade contemporânea tem protagonizado reivindicações de
cunho identitário que reclamam o reconhecimento jurídico de suas diferenças.
Notadamente no Brasil crescem as legislações, decisões judiciais, produção
teórica e políticas públicas que incorporam na agenda democrática a defesa
jurídica da diferença (questões de gênero, étnicas, de cor, de idade, etc.) como
um valor fundamental para a proteção e inclusão das “minorias”. Por isso,
entender as causas, os limites, a densidade e a extensão desse movimento
político-jurídico brasileiro em nome das causas identitárias e sua repercussão
no campo da teoria jurídica é importante para a formação de saberes e práticas
que estimulem e situem o diálogo entre a igualdade e a diferença no contexto
de um Direito e de um Estado Democráticos.
As decisões do Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, têm ocupado
um lugar central nesse processo de reconhecimento e proteção identitária.
Nesse cenário de ambivalências e de reclamos por reconhecimento das
diferenças, este texto pretende responder aos seguintes questionamentos:
Quais os elementos fundamentadores do direito à diferença identitária que
1
Texto produzido no âmbito do projeto de pesquisa “ Direitos Humanos e a proteção jurídica das
diferenças identitárias nas decisões contemporâneas do STF”, financiado pela Chamada CNPq/MCTI/
FNDCT Nº 18/2021.
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O CONSTITUCIONALISMO IDENTITÁRIO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS DIFERENÇAS IDENTITÁRIAS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA
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gênero, revelam-se cada vez mais frágeis e, no seu lugar, novas formas de
convívio social são projetadas como fontes de pertencimento que possibilitam
a elaboração da identidade. É como se as identidades tradicionais, prossegue
Bauman, mais sólidas e perenes, não funcionassem nesse mundo de realidades
líquidas; como se tivessem desaparecido os grandes relatos unificadores,
diria Jean-François Lyotard (2004), eclodindo em seu lugar uma “sociedade
transparente” ( Vattimo, 1990) na qual as etnias, culturas, gênero, raças e
comunidades apenas pudessem manifestar sua existência pela diferença de
suas identidades.
Nessa trilha de argumentos, Stuart Hall (2005) destaca que a sociedade
da modernidade tardia processa mudanças constantes, rápidas e provisórias, as
quais têm contribuído para o descentramento, deslocamento e fragmentação
das identidades modernas. Não apenas as localizações sociais tradicionais
(família, gênero, religião, nacionalidade, raça) são enfraquecidas, mas o
próprio “sentido de si” estável, menciona Hall, perde sua referenciabili-
dade nesse contexto. Assim, a identidade totalmente “unificada, completa,
segura e coerente é uma fantasia”. Em vez disso, prossegue o autor, os
sujeitos deparam-se com uma multiplicidade de sistemas de significação e de
representação cultural ao mesmo tempo, com cada um dos quais se é possível
identificar ao menos temporariamente. O processo de fragmentação das
identidades produz, então, uma espécie de subjetividade flexível, decorrente
da vivência entrelaçada de diferentes culturas dentro de um mesmo indivíduo
que, na composição de sua vida, transita por uma diversidade de grupos
sociais com práticas diferenciadas e até divergentes.
Na sociedade contemporânea e mesmo na modernidade, como já
referimos, o indivíduo convive ao mesmo tempo em vários espaços. Sua vida
não é linear e nem pré-ordenada. É complexa e muitas vezes até caótica. Não
mantém vínculos com um único sistema de sociabilidade. Não se pode, por
isso, falar de um vínculo exclusivo com uma unidade, mas com vínculos com
várias unidades a um só tempo. A própria história como algo unitário parece
não ter mais sentido, disse Vattimo. “Vivir en este mundo múltiple significa
experimentar la libertad como oscilación continua entre la pertenencia
y el extrañamiento” ( Vattimo, 2000, p. 29). Apoiando-se em Heidegger e
Nietzsche, o autor refere que o ser não coincide necessariamente com o
estável, fixo e permanente, senão que tem uma relação mais próxima com o
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das críticas ao modelo de atuação do STF, frequentemente
acusado de ativista, é possível destacar que o Supremo Tribunal Federal vem
consolidando, mesmo que lentamente, um constitucionalismo identitário de
tipo afirmativo, que dialoga e substancializa os limites materiais do princípio
da igualdade e reconhece demandas de reconhecimento identitário de viés
liberal. Para consolidar essa função, o papel contramajoritário da Suprema
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Corte tem sido fundamental, pois ele permite a defesa das regras do jogo
democrático e dos direitos fundamentais de grupos historicamente excluídos,
a exemplo dos abordados neste texto. Isso porque, não raras vezes, a solução
justa não é a mais popular. E o populismo judicial é tão danoso à democracia
quanto qualquer outro. Além disso, o papel representativo impõe que o poder
Judiciário “olhe à sua volta” e decida tendo em mente a realidade concreta, o
mundo da vida. Nesse sentido, seria importante ampliar o acesso à Corte às
minorias periféricas, pois as estatísticas indicam uma participação ainda muito
pequena desses grupos.
Recentemente, a propósito, o Supremo Tribunal Federal trouxe
coletâneas que consolidam seus entendimentos jurisprudenciais vocacionados
à proteção do direito das minorias numa série recente de publicações
temáticas, o que denota uma preocupação crescente da Suprema Corte
quanto a tais pautas identitárias. Se o constitucionalismo é o poder limitado
e o respeito aos direitos fundamentais, não há como negar que o Supremo
Tribunal Federal, no papel de guardião da Constituição, tem desempenhado
importante função no sentido do estabelecimento de um constitucionalismo
de jaez identitário. Esse movimento é novo e, como dissemos, não é visto
como totalmente positivo por todos os autores. Uma coisa, porém, é certa:
as questões identitárias fazem parte da agenda de qualquer país democrático
e é normal que as suas pautas por reconhecimento e proteção sejam cada
dia mais habituais nos ambientes institucionais da República. O Direito e a
política estão incitados, cada um do seu lugar, a dizer algo e deverão elaborar
as soluções para que esses grupos minoritários tenham o igual direito de
viverem as suas diferenças.
REFERÊNCIAS
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inimigo ficcional. São Paulo: Thomson Reuters, 2022.
BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o
governo da maioria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5,
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O CONSTITUCIONALISMO IDENTITÁRIO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS DIFERENÇAS IDENTITÁRIAS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA
Doglas Cesar Lucas
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A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS DIFERENÇAS IDENTITÁRIAS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA
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A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS DIFERENÇAS IDENTITÁRIAS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA
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A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS DIFERENÇAS IDENTITÁRIAS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA
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O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL:
Estado, Políticas Públicas e Cidadania
– Uma Tríade Estrutural
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O direito à saúde no Brasil, consagrado na Constituição Federal
de 1988, é direito de todos e dever do Estado (artigo 196), garantido por
meio de políticas sociais e econômicas – políticas públicas,1 voltadas para a
redução de riscos e de doenças, objetivando, essencialmente, a garantia do
acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e
recuperação da saúde da população. Assim, o termo saúde concretizou-se
como um direito humano reconhecido igualmente a todos, além de ser um
meio de promoção e preservação da vida, contribuindo também para a o pleno
exercício da cidadania.2
1
Políticas públicas podem ser definidas como conjuntos de disposições, medidas e procedimentos que
traduzem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de
interesse público. São também definidas como todas as ações de governo, divididas em atividades diretas
de produção de serviços pelo próprio Estado e em atividades de regulação de outros agentes econômicos
(Lucchese, 2004, p. 3). Ou ainda, [...] políticas públicas são respostas do poder público a problemas políticos.
Ou seja, as políticas designam iniciativas do Estado (governos e poderes públicos) para atender demandas
sociais referentes a problemas políticos de ordem pública ou coletiva (Schmidt, 2018, p. 122).
2
Cidadania é a pertença passiva e ativa de indivíduos em um Estado-nação com certos direitos e
obrigações universais em um específico nível de igualdade ( Janoski apud Vieira, 2001, p. 34).
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O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E CIDADANIA – UMA TRÍADE ESTRUTURAL
Janaína Machado Sturza
3
Infatti una politica pubblica no è un fenomeno oggettivo dal profilo evidente, ben definito,
compiutamente formalizzato, come una legge, un trattato, un’organizzazione burocratica, i cui contorni
sono ben delineati (Regonini, 2001, p. 22).
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O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E CIDADANIA – UMA TRÍADE ESTRUTURAL
Janaína Machado Sturza
4
Políticas de governo expressam opções de um governo ou de governos com a mesma orientação
ideológica; estão menos enraizadas na institucionalidade estatal e menos legitimadas pelo conjunto das
forças políticas. Políticas de Estado expressam opções amplamente respaldadas pelas forças políticas
e sociais, têm previsão legal e contam com mecanismos e regulamentações para a sua criação. Políticas
inovadoras frequentemente iniciam como políticas de governo e é o enfrentamento vitorioso dos
desafios da institucionalização e da legitimação político-social que as leva à condição de políticas de
Estado, as quais “atravessam” governos de diferentes concepções ideológicas por estarem entranhadas
no aparato estatal e terem ampla legitimação. Caracterizar uma política como sendo “de Estado” não
é conferir um qualificativo de excelência ético-política e sim reconhecer que ela reúne condições para
se prolongar no tempo. Políticas de governo tendem a ser provisórias; políticas de Estado, duradouras
(Schmidt, 2018, p. 129).
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O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E CIDADANIA – UMA TRÍADE ESTRUTURAL
Janaína Machado Sturza
1 DO PASSADO AO PRESENTE:
IDEIAS PARA ENTENDER A AMPLITUDE DO CONCEITO DE SAÚDE
Na sociedade contemporânea a saúde deve ser considerada um bem de
todos, como um direito social fundamental necessário à manutenção da vida e,
consequentemente, da sobrevivência da espécie humana. O reconhecimento
de sua efetividade concreta, no entanto, é tema no centro de muitos debates,
especialmente em relação aos “direitos sociais e suas externalidades que não
podem ser internalizados na avaliação da saúde como um bem econômico”
(Dallari, 1987, p. 15).
A primeira formulação do conceito de saúde remonta provavelmente
à Grécia antiga, por meio do folheto “Mens Sana in Corpore Sano”, que ainda
hoje se constitui como uma contribuição importante para a definição de saúde.
Em 1946, a constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) definia a
saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não
simplesmente “a ausência de doença ou enfermidade”. “Este conceito refletia,
de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-Guerra:
o fim do colonialismo, a ascensão do socialismo. Saúde deveria expressar o
direito a uma vida plena, sem privações” (Scliar, 2007, p. 37). Dessa forma, a
saúde é reconhecida não somente como um dos direitos fundamentais de todo
ser humano, mas também como um direito humano essencial, independente
de condição social ou econômica, crenças religiosas ou políticas. Nesse
sentido:
O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política
e cultural. Ou seja: saúde não representa a mesma coisa para todas as
pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá
de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas,
filosóficas. O mesmo, aliás, pode ser dito das doenças. Aquilo que é
considerado doença varia muito (Scliar, 2007, p. 30).
Diante disso, a saúde surge como uma busca incessante pelo equilíbrio
entre influências ambientais, estilos de vida e outros pressupostos necessários
para que se obtenha aquilo que todos desejam: uma vida saudável. Nesse
sentido, numa visão bastante avançada em relação à época em que foi
aprovada, a definição da OMS ampliou o conceito de saúde, historicamente
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5
As políticas públicas em saúde integram o campo de ação social do Estado orientado para a melhoria
das condições de saúde da população e dos ambientes natural, social e do trabalho. Sua tarefa específica
em relação às outras políticas públicas da área social consiste em organizar as funções públicas
governamentais para a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da coletividade
(Lucchese, 2004, p. 3).
6
No Brasil, as políticas públicas desempenharam um papel muito importante para a consolidação
da ordem republicana que, desde a origem, manteve traços antidemocráticos cujas raízes penetram
profundamente nas estruturas existentes, fundindo-se em interesses sociais objetivos e contraditórios
entre si (Sousa, 2015, p. 107).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao elaborar este texto, a intenção não foi exaurir completamente a
abordagem aqui apresentada, mas apenas pontuar algumas considerações
sobre questões observadas ao longo da sua escrita. As palavras de Ost (1995,
p. 389), portanto, parecem sábias: “[...] não há necessidade de concluir. Ao
contrário, é preciso abrir o círculo: ele se transforma em espiral e turbilhão,
circularidade em movimento como a própria vida e as ideias [...]”.
A pesquisa não é, portanto, um estudo definitivo, mas uma maneira
de formular questionamentos, reflexões e alternativas para a produção de
conhecimento sobre questões de importância direta e fundamental para o
processo de construção e reconstrução do Estado Democrático de Direito e,
consequentemente, de seus relevantes princípios e direitos fundamentais e
sociais, para que a cidadania seja efetivada.
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O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL: ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E CIDADANIA – UMA TRÍADE ESTRUTURAL
Janaína Machado Sturza
REFERÊNCIAS
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DALLARI, Dalmo de Abreu. Viver em sociedade. São Paulo: Moderna, 1985.
DALLARI, Sueli Gandolfi. A saúde do brasileiro. São Paulo Paulo: Editora Moderna,
1987.
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DIREITOS HUMANOS, JUSTIÇA REPRODUTIVA
E MORTALIDADE MATERNA NO BRASIL 20
ANOS DEPOIS DA MORTE DE ALYNE PIMENTEL
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente texto analisa o complexo legislativo e as políticas públicas
de enfrentamento à mortalidade materna colocadas em prática no Brasil nos
últimos 20 anos, a fim de verificar a repercussão da condenação brasileira
no caso internacional Alyne da Silva Pimentel Teixeira – “Caso Alyne” – vs.
Brasil, quanto à incorporação e efetivação do paradigma da justiça reprodutiva.
Trata-se de pesquisa realizada junto a Linha Fundamentos e Concretização
dos Direitos Humanos, com ênfase na investigação sobre a efetivação dos
direitos humanos das mulheres, da igualdade de gênero e dos direitos sexuais
e reprodutivos. Está vinculada ao Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos
Humanos, e ao projeto de pesquisa “A atuação dos Sistemas Internacionais
de Proteção aos Direitos Humanos Frente à Diversidade de Gênero e
Sexualidade”.
Para seu desenvolvimento, utiliza abordagem qualitativa a partir
de estudo documental do relatório do Caso Alyne Pimentel e dos dados
acerca da mortalidade materna no Brasil, buscando responder à pergunta:
Em que medida as recomendações estabelecidas pela Cedaw no caso Alyne
repercutiram no arcabouço jurídico e nas políticas públicas brasileiras,
promovendo a incorporação do paradigma da justiça reprodutiva e diminuindo
os índices de mortalidade materna no país?
O artigo está estruturado em três partes. Na primeira apresenta uma
descrição do caso e da decisão de mérito. Na segunda examina os contornos
teóricos do paradigma da justiça reprodutiva, defendendo sua utilização como
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NO BRASIL 20 ANOS DEPOIS DA MORTE DE ALYNE PIMENTEL
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querem ter filhos, o número de filhos que têm e, até certo ponto, o tipo
de filhos que têm. A ênfase teórica e política da liberdade reprodutiva na
autonomia e no bem-estar das pessoas é fundamentada em uma estrutura
centrada no indivíduo para discutir a ética da procriação. Ele protege os
interesses dos procriadores e reduz significativamente os motivos permitidos
para interferência de terceiros.
Sobre cada indivíduo específico, no entanto, entrecruzam-se diferentes
dimensões e contextos estruturais de vida que impactam na tomada de decisão
sobre direitos e a elaboração de políticas de acesso à saúde reprodutiva. A
compreensão de como as discriminações e desigualdade impactam as decisões
sobre reprodução e sexualidade de pessoas que gestam é o que preconiza a
ideia de justiça reprodutiva, uma vez que tais decisões não são dissociadas da
comunidade em que se inserem os sujeitos e das injustiças enfrentadas por
eles. A justiça reprodutiva muda o foco dos direitos sexuais e reprodutivos:
em vez de evidenciar a importância de decisões individuais, enfrenta como
os diferentes regimes de opressão impactam a saúde sexual e reprodutiva e
prioriza a organização coletiva para demandar direitos e políticas fundamentais
ao exercício livre e autônomo da sexualidade (Ross, 2006).
O conceito justiça reprodutiva popularizou-se em 2003, em uma
Conferência proferida por Loretta Ross (Oliveira, 2022). Nessa perspectiva,
a ideia de justiça é bem mais ampla que a de Direito, pela inclusão das
intersecções ou imbricações sociais de meninas e mulheres em suas inúmeras
diversidades. Justiça reprodutiva refere-se aos recursos econômicos, sociais
e políticos para que as mulheres possam tomar decisões saudáveis sobre os
seu corpo, sua sexualidade e suas reproduções, não de uma maneira apenas
individual, mas levando em conta suas famílias, comunidades e a estrutura
social (opressiva sob diferentes aspectos) em que estão inseridas (Ross, 2006).
Logo, conforme Ross (2006), a abordagem da justiça reprodutiva analisa
como a capacidade de qualquer mulher para determinar seu próprio destino
reprodutivo está ligada às condições de sua comunidade, e essas condições não
são apenas uma questão de escolha individual e acesso. A justiça reprodutiva
aborda a realidade social da desigualdade, especificamente, a desigualdade de
oportunidades para determinar o destino reprodutivo. Para além da demanda
da privacidade e do respeito pelas tomadas de decisão individuais, considera
os apoios sociais necessários para que as decisões individuais sejam realizadas
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(2022), é inegável que nos últimos anos o Brasil foi reconhecido por adotar
uma perspectiva de direitos humanos por meio do quadro legal introduzido
pela Constituição Federal de 1988 e leis infraconstitucionais, ratificando os
principais instrumentos de direitos humanos e demonstrando avanços para
instituição do direito à saúde e direitos reprodutivos. Embora haja aparente
igualdade formal perante a lei, no entanto, a igualdade substantiva permanece
fora do alcance para muitas mulheres.
De um modo geral é possível perceber que as legislações e políticas
públicas colocadas em prática no Brasil nos primeiros anos após a condenação
do caso Alyne Pimentel não levaram em consideração os princípios da justiça
reprodutiva e não alcançaram a amplitude e interseccionalidade necessárias
para a efetiva abordagem do tema: enfrentamento conjunto às desigualdades
de gênero, raça e classe que são estruturalmente vinculadas à mortalidade
materna e infantil no Brasil. Isto se evidencia se observarmos os dados
epidemiológicos desagregados segundo raça-cor, que indicam o impacto que
o racismo tem na condição de saúde da população negra ( Werneck; Iraci,
2016). Em 2004, conforme Cruz (2004), logo após a morte de Alyne Pimentel,
a taxa de mortalidade materna geral era de 51,7/100.000 nascidos vivos, mas
nas mulheres brancas era de 37,73, e de 212,80/100.000 nas mulheres pretas.
Ou seja, conforme Werneck e Iraci (2016), as mulheres negras são 62%
das vítimas de morte maternas no Brasil, as quais que seriam evitáveis com
o acesso a um sistema de saúde adequado, no entanto, segundo as autoras,
apenas 55% das mulheres negras fizeram sete consultas de pré-natal em 2012.
O perfil mais traçado das mulheres que falecem é de mulheres com baixos
níveis de escolaridade, solteiras, de cor parda, sendo apontadas deficiências no
pré-natal, não reconhecimento de fatores de risco e superlotação nos hospitais
(Rodrigues; Cavalcante; Viana, 2020)
Nestes termos, é possível vislumbrar que a literatura hegemônica,
os documentos oficiais sobre saúde reprodutiva e a configuração da morte
materna como objeto sanitário, bem como as legislações e políticas públicas
acerca dos direitos reprodutivos, colocadas em prática no Brasil durante a
primeira e segunda décadas do século 21, no que tange ao enfrentamento
à mortalidade materna falharam ao incorporar o paradigma da justiça
reprodutiva, ocultando o racismo e as injustiças sociais estruturalmente
vinculadas ao tema.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da realização da pesquisa, pode-se destacar três pontos à
guisa de conclusão: 1. O paradigma da justiça reprodutiva mostra-se o mais
adequado para se pensar a efetividade dos direitos sexuais e reprodutivos
e o acesso a programas e políticas de saúde que garantam a sua viabilidade
e vivência; 2. A decisão de mérito do Comitê Cedaw é paradigmática ao
reconhecer a morte materna e evitável de Alyne Pimentel como violência de
gênero, articulando as categorias gênero, raça e classe na análise do caso; 3.
Em que pese a decisão tenha garantido novas bases jurídicas para a abordagem
interseccional, no que tange às legislações e políticas públicas sobre saúde
materna brasileiras, estas falharam em garantir a justiça reprodutiva.
Acerca do primeiro ponto, tem-se que o paradigma da justiça
reprodutiva deva ser adotado na abordagem do tema, uma vez que expande
os paradigmas clássicos, seja da saúde, seja dos direitos sexuais e reprodutivos
para além da ética da escolha individual. Enfatiza os elementos da justiça social
e do racismo, considerando que não é possível efetivar o direito de escolha
acerca da vida sexual e reprodutiva sem considerar as imbricações estruturais
do racismo, da pobreza e de outras estruturas de poder que precarizam vidas.
Acerca do segundo ponto, vislumbra-se a relevância do Caso Alyne e sua
decisão, o primeiro caso a abordar a mortalidade materna perante o Sistema
Global de Direitos Humanos. Quanto à decisão de mérito é paradigmática,
pois reconhece a morte materna evitável de Alyne Pimentel como uma violação
de direitos humanos, fruto da imbricação entre violência de gênero, racismo
e injustiça social.
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NO BRASIL 20 ANOS DEPOIS DA MORTE DE ALYNE PIMENTEL
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Acesso em: 15 jul. 2023.
100
PANORAMA DA MONITORAÇÃO
ELETRÔNICA DE PESSOAS NO CONTEXTO
LATINO-AMERICANO:
Uma Alternativa ao Superencarceramento?1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A monitoração eletrônica tem sido utilizada em grande parte dos países
da América Latina como alternativa ao cenário de superlotação carcerária
evidenciado na região. O cumprimento da pena privativa de liberdade, em um
cenário de vagas deficitárias, transforma a prisão em uma pena aflitiva, cruel e
degradante, em afronta aos direitos assegurados pela maioria das legislações
internas dos países latino-americanos, bem como em vários Tratados de
Direitos Humanos, com destaque para a Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH).
O cenário apresentado pelos sistemas penitenciários da região,
inclusive, levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
em 25 de novembro de 2019, com supedâneo no artigo 64.1 da CADH, a
solicitar uma Opinião Consultiva da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CorteIDH) acerca do necessário enfoque diferenciado que deve
ser dado às pessoas privadas de liberdade. A solicitação da Comissão à Corte
foi fundamentada no contexto de extrema vulnerabilidade das pessoas
1
Artigo produzido no âmbito do projeto “Rede de cooperação acadêmica e de pesquisa: Eficiência,
efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com utilização de monitoração eletrônica
e integração de bancos de dados”, do Programa de Cooperação Acadêmica em Segurança Pública e
Ciências Forenses (Edital Procad/Capes nº 16/2020 – Processo nº 88887.516380/2020-00).
101
PANORAMA DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO:
UMA ALTERNATIVA AO SUPERENCARCERAMENTO?
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
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PANORAMA DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO:
UMA ALTERNATIVA AO SUPERENCARCERAMENTO?
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
103
PANORAMA DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO:
UMA ALTERNATIVA AO SUPERENCARCERAMENTO?
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
2
Nesse tipo de monitoramento eletrônico se utiliza tanto a Tecnologia GPS (Global Positionning System)
quanto a GPR (General packet radio services) (Campello, 2019, p. 54).
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PANORAMA DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO:
UMA ALTERNATIVA AO SUPERENCARCERAMENTO?
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UMA ALTERNATIVA AO SUPERENCARCERAMENTO?
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2.1 Argentina
Em solo argentino cada província possui seu próprio sistema de
justiça, com a província de Buenos Aires sendo a primeira do país a adotar o
monitoramento eletrônico, em 1997. Nesse sentido, a Argentina é referenciada
como o primeiro país da América Latina a adotar a monitoração eletrônica,
na esteira da Lei nº 24.660/1996. A legislação prevê a possibilidade de
monitoração eletrônica em casos de violência de gênero e prisões domiciliares
para condenados e com prisão preventiva. A prisão domiciliar é aplicada em
seis casos: 1 – detento que necessite de tratamento adequado de saúde; 2 –
detento acometido de doença terminal; 3 – detento portador de deficiência;
4 – detento com idade superior a 70 anos; 5 – mulheres grávidas; 6 – mães
de criança menor de cinco anos ou pessoa com deficiência (Argentina, 1996).
O sistema empregado é o de radiofrequência, mediante serviços prestados
pela empresa Surely S.A.3
3
Disponível em: https://surely-sa.com.ar/servicios-2/monitoreo-de-detenidos/control-arresto/
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2.2 Bolívia
Não foram localizados dados precisos quanto à instituição da medida
de monitoração eletrônica na Bolívia. Sabe-se que a medida está prevista na
Lei n° 1.005, de 15 dezembro de 2017, que estabelece o Código do Sistema
Penal (suspenso em 2018) e que prevê sua aplicação como medida substitutiva
de prisões cautelares impostas a adultos (Bolívia, 2018).
No dia 24 de abril de 2023 foi protocolado na Câmara dos Deputados,
pelo presidente da Bolívia, Luis Arce, o Projeto de Lei nº 358-22-23 que trata
sobre o uso de controle e funcionamento técnico do dispositivo eletrônico
de vigilância. O Projeto visa a regulamentar a utilização de monitoramento
eletrônico como medida de proteção às vítimas de violência e como
medida cautelar de caráter pessoal. Segundo a normativa, o benefício do
monitoramento eletrônico não poderá ser aplicado a condenados: a) pelos
crimes aos quais a Constituição Política do Estado preveja a imprescritibi-
lidade; b) pelos crimes de feminicídio, infanticídio, parricídio, homicídio,
homicídio culposo, tráfico de pessoas, sequestro, estupro, estupro de criança,
menina, menino ou adolescente; c) pelos crimes de legitimação de lucros
ilícitos, terrorismo e financiamento do terrorismo; d) pelos crimes previstos
na Lei nº 1.008, de 19 de julho de 1988, sobre o Regime da Coca e Substâncias
Controladas, exceto quando os réus forem mulheres grávidas ou com filhos
menores de 6 anos; da mesma forma, mulheres com filhas ou filhos com
deficiência grave ou gravíssima; e) pelos crimes de posse, posse ou porte e
uso de armas convencionais e tráfico ilícito de armas e f ) pelos crimes cuja
vítima seja menina, menino ou adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
Quanto à duração da medida cautelar, o artigo 11 do Projeto de Lei prevê
o prazo máximo de vigilância por 6 meses, com possibilidade de revisão e
modificação (Bolívia, 2023).4
2.3 Brasil
No Brasil a monitoração eletrônica de pessoas iniciou-se em Recife,
no ano de 2011, na esteira do que autoriza a Lei nº 12.258/2010, que alterou
dispositivos da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984).
4
Notícia sobre o assunto pode ser assistida em: https://www.youtube.com/watch?v=6zMH5k5x9f8
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2.4 Chile
No Chile, a instituição da monitoração eletrônica ocorreu a partir
de 2013, mediante a Lei nº 20.603/2012, que regula as medidas alternativas
à prisão, incorporando ao rol a chamada liberdade vigiada intensiva, cujo
objetivo consiste em buscar a efetiva reinserção da pessoa e um maior
controle da medida (Chile, 2012). Adota-se a monitoração eletrônica em
5
Produzido no âmbito da mesma parceria entre o Depen e o Programa das Nações Unidos para o
Desenvolvimeno (Pnud Brasil), no âmbito do Projeto BRA/14/011 – Fortalecimento da Gestão do Sistema
Prisional Brasileiro, e atualizado no âmbito do Projeto BRA/18/019 – Fortalecimento do Monitoramento
e da Fiscalização do Sistema Prisional e Socioeducativo, entre CNJ e Pnud Brasil, efetivado em parceria
com o Depen (Brasil, 2017).
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2.5 Colômbia
A Colômbia utiliza monitoração eletrônica desde 2008. A legislação
que regulamenta o tema, entre outros textos legislativos, são o Decreto nº
177/2008 e a Lei nº 906/2004, que estabelecem possibilidades de utilização
da medida em casos de pessoas acusadas (medida substitutiva das prisões
cautelares) e condenadas (medida alternativa à pena privativa de liberdade).
Dispõe o artigo 1º do Decreto nº 177/2008 que o Juízo de execução
das penas privativas de liberdade e medidas de segurança poderá ordenar
a utilização do sistema de monitoramento eletrônico sempre que estiverem
presentes os seguintes requisitos: a) que a pena imposta na sentença não seja
superior a oito anos de prisão; b) que não se trate de delitos de genocídio,
contra o Direito Internacional dos Direitos Humanos, de desapareci-
mento forçado, sequestro extorsivo, tortura, deslocamento forçado, tráfico
de migrantes, tráfico de pessoas, delitos contra a liberdade, integridade e
formação sexuais, extorsão, organização criminosa, lavagem de dinheiro,
terrorismo, financiamento de terrorismo e administração de recursos
relacionados com atividades terroristas ou com tráfico de drogas; c) que a
pessoa não tenha sido condenada por crime doloso ou preterdoloso nos
últimos cinco anos; d) que o desempenho pessoal, laboral, familiar ou social
do condenado permita ao juiz deduzir, de forma fundamentada e motivada,
que o sujeito não colocará em perigo a comunidade e que não se evadirá
do cumprimento da pena; e) que seja efetuado o pagamento total da multa
arbitrada; f ) que sejam reparados os danos ocasionados pelo delito dentro
dos termos fixados pelo juiz; g) que o condenado se comprometa, mediante
caução, ao cumprimento das seguintes obrigações: observar boa conduta;
não praticar novo delito ou contravenção durante a execução da pena;
6
Disponível em: https://www.pegasus.cl/#Bienvenidos
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2.7 El Salvador
A monitoração eletrônica em El Salvador é regida pela Ley Reguladora
del Uso de Medios de Vigilancia Electrónica en Materia Penal (Decreto nº
924/2015), a qual estabelece os casos em que se autoriza a utilização da
medida. Nesse país, a monitoração pode ser empregada: a) como meio de
monitoração das medidas alternativas ou substitutivas da prisão provisória nas
hipóteses previstas no Código de Processo Penal (artigo 332); b) nas hipóteses
em que foi excedido o prazo de prisão provisória (24 meses); c) como
mecanismo de colaboração interinstitucional na supervisão das condições a
que se encontra submetido um condenado a quem foi outorgada a liberdade
condicional (abstenção de frequentar determinados lugares ou outras medidas
determinadas de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto). A
monitoração poderá ser aplicada aos réus em liberdade condicional, em
liberdade condicional antecipada e nos casos de prisão domiciliar. Também
se autoriza a monitoração para agressores em casos que envolvem violência
de gênero (El Salvador, 2015). O sistema empregado é o de GPS.
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2.8 Equador
No Equador, a monitoração eletrônica encontra-se em uso desde
o ano de 2017. O Reglamento para la Prestación del Servicio de Vigilancia
Electrónica (Registro Oficial nº 37, de 17 de julho de 2017) prevê, em seu
artigo 11, que poderão ser usuários do dispositivo de monitoração eletrônica
as seguinte pessoas: a) sentenciadas com mudança de regime fechado para
regime semiaberto; b) sentenciadas com mudança de regime semiaberto para
aberto; c) processadas com medidas cautelares ou de proteção; d) processadas
com caducidade da prisão preventiva; e) casos especiais de prisão preventiva
previstos em lei; f ) vítimas, testemunhas ou outros participantes do processo
penal; g) demais hipóteses permitidas em lei – a exemplo da violência de gênero.
A tecnologia empregada é GPS, instalada por meio do Servicio Integrado de
Seguridad ECU 911 em todo o território nacional (artigo 21) (Equador, 2017).
2.9 Guatemala
Na Guatemala, em que pese a monitoração eletrônica, com tecnologia
GPS, estar prevista na Ley de implementación del control telemático en el
proceso penal (Decreto nº 49, de 27 de outubro de 2016), a medida ainda não
foi posta em prática. A legislação prevê que a medida possa ser aplicada a presos
provisórios e condenados, assim como para casos que envolvem violência de
gênero (Guatemala, 2016). Em 11 de maio de 2023 o governo da Guatemala
anunciou que em breve iniciará a introdução da monitoração eletrônica no
processo penal do país,7 já dispondo de 2 mil tornozeleiras para uso.
2.10 Honduras
Em Honduras, a monitoração eletrônica ainda não foi adotada, em que
pese a sua previsão no Decreto nº 98/2017, que alterou o Código de Processo
Penal, introduzindo os artigos. 173-A e 173-B, prevendo a possibilidade de
utilização da medida como alternativa à prisão provisória, mediante tecnologia
de GPS (Honduras, 1999, 2017).
7
Disponível em: https://mingob.gob.gt/autoridades-implementan-control-telematico-en-el-proceso-penal-
de-guatemala/
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2.11 México
No México, a monitoração eletrônica é autorizada tanto como medida
alternativa à prisão cautelar (nos termos do Artículo 155, Fracción XII, do
Código Nacional de Procedimientos Penales) quanto como medida substitutiva
da pena privativa de liberdade (nos termos do que prevê a Ley Nacional de
Ejecución Penal, publicada no Diário Oficial de la Federación em 16 de junho
de 2016). Os requisitos para liberdade condicional mediante monitoração
eletrônica são: a) cumprimento de 50% da pena; b) boa conduta; c) não ter
sido condenado em outro processo; d) não ter multas; e) não ter outros
processos em curso; f ) cumprir com atividades no centro penitenciário
(culturais, recreativas, cívicas, desportivas, etc.). A legislação mexicana não
admite monitoração eletrônica nos casos de sequestro, tráfico de pessoas e
crime organizado. O país discute a utilização da monitoração eletrônica em
casos que envolvem violência de gênero. A tecnologia empregada é o GPS
(México, 2023a,b).
No contexto mexicano, a legislação prevê que a ferramenta para a
monitoração eletrônica seja provida pela autoridade penitenciária. Existe,
no entanto, a possibilidade de o imputado acessar a medida com recursos
próprios, nos casos em que a autoridade pública não puder provê-la. Esse
entendimento restou consolidado no âmbito da Suprema Corte de Justicia de
la Nación, em sessão pública de número 28, realizada em 4 de abril de 2017,
na qual o ministro Arturo Salivar declarou a invalidade de diversas disposições
da Ley Nacional de Ejecución Penal, destacando que, “excepcionalmente,
cuando las condiciones económicas y familiares del beneficiario lo permitan,
éste cubrirá a la Autoridad Penitenciaria el costo del dispositivo”.8 A empresa
GPS Monitor – Rastreo Satelital tem explorado, diante dessa possibilidade, esse
ramo de mercado no cenário mexicano, conforme informações disponíveis no
seu web site.9
8
Voto disponível em: https://arturozaldivar.com/wp-content/uploads/2019/08/AI-61_2016-Ley-Nacional-
de-Ejecuci%C3%B3n-Penal-.pdf. Acesso em: 17 maio 2023.
9
Disponível em: https://www.brazaleteselectronicos.mx/
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2.12 Panamá
No Panamá, a monitoração eletrônica foi estabelecida em 2021,
mediante autorização da Resolución n° 223-R-177, de 23 de dezembro de
2021. A medida pode ser aplicada : a pessoas com enfermidades graves e
crônicas; a mulheres grávidas, lactantes e com filhos com deficiência, desde
que não tenham praticados crimes graves; em casos de prisão domiciliar;
em delitos em que caibam fiança; em casos de liberdade condicionada;
como medida cautelar (artigo 3º, Resolución nº 223-R-177) (Panamá, 2021).
Estuda-se a possibilidade de aplicação da monitoração eletrônica em casos
de violência doméstica, sendo que a última informação encontrada sobre o
assunto afirmava que o monitoramento, nessas hipóteses, aconteceria a partir
do mês de maio de 2023 (TVN, 2023). A tecnologia empregada é o GPS.
2.13 Paraguai
No Paraguai, a monitoração eletrônica encontra autorização nas Leis nº
5.863/2017 e 6.568/2020 (Paraguai, 2017, 2020). Até o momento, no entanto,
a regulamentação ainda não foi aplicada.10 A legislação paraguaia prevê a
utilização da monitoração eletrônica em casos que envolvem tratamento
de doenças supervenientes à condenação; controle das medidas privativas
de liberdade; controle da prisão domiciliar; controle da suspensão em
julgamento da execução da pena; controle de liberdade condicional; controle
da suspensão condicional do processo; controle da medida de internamento
em observação; fiscalização de medidas alternativas ou substitutivas à prisão
preventiva; controle da ordem de internamento do arguido em estabele-
cimento de cuidados; controle de medidas provisórias para adolescentes
previsto no procedimento especial de menores; controle estabelecido na
seção correspondente ao período probatório; controle prisional domiciliar;
controle de saídas transitórias; controle do regime de semiliberdade; controle
da prisão descontínua e de fim de semana; controle das autorizações de saída
(Paraguai, 2017). Autoriza-se a medida, também, em casos de violência de
gênero (Paraguai, 2020). A tecnologia empregada é o GPS.
10
Sobre o tema, conferir notícia disponível em: https://www.ip.gov.py/ip/analizan-mecanismos-para-la-
-implementacion-de-tobilleras-electronicas/. Acesso em: 30 abr. 2023.
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2.14 Peru
No Peru, a monitoração eletrônica encontra autorização na Lei
n° 29.499/2010, que prevê a possibilidade de sua aplicação como medida
substitutiva às prisões cautelares e à pena privativa de liberdade. O país
também admite a medida em situações que envolvem violência de gênero.11
A tecnologia empregada é o GPS (Peru, 2010, 2017, 2023).
2.16 Uruguai
A monitoração eletrônica, no Uruguai tem sido empregada em casos
que envolvem violência de gênero, nos termos da Lei de Violencia Doméstica
nº 17.514/2002 (Uruguai, 2002). A tecnologia empregada é o GPS.
11
Informação disponível em: https://www2.congreso.gob.pe/Sicr/Prensa/heraldo.nsf/CNtitulares2/b118f201
1381dd4a052577820008ee56/?OpenDocument. Acesso em: 2 maio 2023.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do estudo realizado, cujo escopo foi traçar um panorama
acerca da instituição da monitoração eletrônicas no âmbito jurídico-penal no
contexto latino-americano, a partir das diferentes experiências observadas nos
países que integram a região, torna-se possível, a título conclusivo, afirmar
que a monitoração eletrônica tem sido uma medida empregada com base em
um discurso que reconhece a necessidade de se pensar alternativas ao cárcere
em um contexto de profundas e graves violações de direitos humanos nestes
espaços. Nesse sentido, o próprio Modelo de Gestão desenvolvido no Brasil
destaca a medida como orientada para o desencarceramento (Brasil, 2017).
Para isso, no entanto, é necessário que a monitoração eletrônica seja, além de
concebida com essa finalidade, efetivada de modo planejado, sendo objeto de
constante monitoração e avaliação.
É necessário conhecer e debater a medida. Observou-se, na realização
desta pesquisa, uma grande escassez de estudos relacionados ao tema, o
que torna o debate latino-americano bastante incipiente e, em alguns países,
praticamente inexistente – ainda que a monitoração já esteja prevista em seus
respectivos ordenamentos jurídicos. Não existe, até o momento, um debate
sólido, por exemplo, a respeito da temática da monitoração eletrônica em
sua interface com a ressocialização do sujeito monitorado, por meio de sua
participação efetiva no seu meio social, convivência familiar, oportunidades
de trabalho, etc.
Nesse sentido, como propõe Caiado (2013), a monitoração eletrônica
pode e deve começar a ser percebida menos como uma estratégia de
dominação e mais como uma estratégia de liberdade, de responsabilidade
e de empoderamento. Para tanto, o respeito aos direitos humanos precisa
assumir a posição central nos debates acerca da adoção e aplicação da medida,
de modo a distanciá-la do estigma e da violência que caracterizam os sistemas
carcerários latino-americanos.
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REFERÊNCIAS
ARGENTINA. Ley nº 24.660/1996. Ejecución de la pena privativa de la libertad.
Disponível em: http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/35000-
39999/37872/texact.htm. Acesso em: 1º maio 2023.
ARGENTINA. Ministério da Justiça e Direitos Humanos. Resolução 86/2016.
Programa de atendimento a pessoas sob vigilância eletrônica. Disponível em:
https://www.boletinoficial.gob.ar/detalleAviso/primera/143094/20160404. Acesso
em: 1º maio 2023.
BOLÍVIA. Cámara de Senadores. Senado sanciona Proyecto de Ley de abrogación
del Código del Sistema Penal. 2018. Disponível em: https://web.senado.gob.
bo/prensa/noticias/senado-sanciona-proyecto-de-ley-de-abrogaci%C3%B3n-del-
c%C3%B3digo-del-sistema-penal. Acesso em: 2 maio 2023.
BOLÍVIA. Proyecto de ley 358-2022-2023. Disponível em: https://pt.scribd.com/
document/645651510/PL-358-2022-2023#from_embed. Acesso em: 19 maio
2023.
BRASIL. Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho
de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de
equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica.
Brasília: Presidência da República, 2010.
BRASIL. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei
nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão
processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras
providências. Brasília: Presidência da República, 2011.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Monitoração eletrônica criminal:
evidências e leituras sobre a política no Brasil. 2021. Disponível em: https://
www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/diagnostico-politica-monitoracao-
eletronica.pdf. Acesso em: 26 abr. 2023.
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“LA SUPREMA CORTE DE
LOS GRANDES INOCENTES”:
As Transformações no Mundo do Trabalho
e o Acesso à (Qual) Justiça?
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O labor humano tem sido, predominantemente, espaço de sujeição,
sofrimento, desumanização e precarização nas relações de trabalho, muito
acentuada com a pandemia da Covid-19 e as novas tecnologias. Vivencia-se
em pleno século 21, mais do que nunca, milhões de homens e mulheres
dependendo de forma exclusiva do trabalho para sobreviver e cada vez mais se
encontram em situação de vulnerabilidade social. Isto é, ao mesmo tempo que
se amplia o contingente de trabalhadores e trabalhadoras em escala global, há
uma diminuição imensa dos empregos; aqueles que se mantêm empregados
contemplam a degradação dos seus direitos trabalhistas e a erosão de suas
conquistas históricas e sociais.
O fenômeno da “uberização” consiste na situação em que os
trabalhadores e as trabalhadoras com seus automóveis, seus instrumentos
de trabalho, arcam com todas as despesas como seguridade, manutenção,
alimentação, limpeza e outras que advierem. Enquanto o “aplicativo”, uma
empresa privada e mundial disfarçada sob a modalidade de trabalho desregula-
mentado, apropria-se do maior valor gerado pelos motoristas, ignorando os
direitos trabalhistas e a dependência econômica que provêm desta relação
laboral, não reconhecida como vínculo empregatício. Considerando a
importância do trabalho digno e decente como o foco do Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 8, que tem como objetivo
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
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AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
1
Moraes suspende processo que reconhecia vínculo entre motorista e aplicativo de transporte.
Ministro do STF, Alexandre de Moraes, afirmou que a decisão destoa do entendimento do
Tribunal sobre possibilidade de formas alternativas à relação de emprego. Disponível em: https://
ndmais.com.br/politica/moraes-suspende-processo-que-reconhecia-vinculo-entre-motorista-e-
aplicativo-de-transporte/#:~:text=O%20ministro%20do%20STF%20(Supremo,fora%20de%-
20opera%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil. Acesso em: 31 jul. 2023.
130
“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
2
Uber do Brasil Tecnolgia Ltda. (2018); informação contida no sociedade empresária ;disponível em
https://www.uber.com/pt- BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/. Acesso em: 24 abr. 2018.
3
Sobre o assunto, destaco recente decisão proferida no Tribunal Superior do Trabalho pelo ministro Relator
Ives Gandra Martins Filho no AIRR-1000605-23.2021.5.02.0062: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO
DE REVISTA DO RECLAMANTE – RITO SUMARÍSSIMO – VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E
PLATAFORMAS TECNOLÓGICAS OU APLICATIVOS CAPTADORES DE CLIENTES (99 TECNOLOGIA LTDA.)
- IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
– TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Avulta a transcendência
jurídica da causa (CLT, art. 896-A, §1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
4
Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/04/13/brasil-tem-16-milhao-de-
pessoas-trabalhando-como-entregadores-ou-motoristas-de-aplicativos.ghtml Acesso em: 31 jul 2023.
133
“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
mínimo vigente durante a coleta dos dados era de R$ 1.212. Para motoristas,
a renda líquida média varia entre R$ 2.925 e R$ 4.756. Para entregadores, o
rendimento médio varia de R$ 1.980 a R$ 3.039.5
Nesse contexto não se acredita no fim do trabalho e sim o que Antunes
intitula como “nova polissemia do trabalho, ou seja, outras ressignificações e
sentido para o sujeito que trabalha (Antunes, 2009, p. 139).
Por conseguinte se o mundo do trabalho passa e passará por sérias
transformações, junto a ele tem os sistemas de justiça, como irão se reinventar
e dar respostas a soluções complexas como as mencionadas anteriormente. E
qual será o papel de atuação do Estado e principalmente do poder Judiciário
em garantir o acesso à justiça pelos trabalhadores. É inconcebível o Estado
deixar de regulamentar de maneira equânime as relações do mercado com os
trabalhadores, a ter um olhar mais atento nas plataformas de mobilidade. Aliás,
o fato de ainda não se ter decisão consolidada e pacificada sobre a relação
entre motoristas e entregadores de plataformas de mobilidade é um recuo a
inovação tecnológica ou um (des)acesso à justiça?
5
Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/04/13/brasil-tem-16-milhao-de-
pessoas-trabalhando-como-entregadores-ou-motoristas-de-aplicativos.ghtml. Acesso em: 31 jul. 2023.
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
6
Disponível em: https://www.abogadovergara.com.ar/2019/05/la-suprema-corte-de-los-grandes.html
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“LA SUPREMA CORTE DE LOS GRANDES INOCENTES”:
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
Fonte: https://www.abogadovergara.com.ar/2019/05/la-suprema-corte-de-los-grandes.html
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AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos humanos laborais são impregnados das discussões sobre
temais atuais como: universalismo, efetividade, multiculturalismo, e envolvem
as transformações no mundo do trabalho. Os princípios da liberdade e
igualdade que dão o tom dos direitos fundamentais no mundo do trabalho
podem ser ampliados pelo princípio da fraternidade e do acesso à Justiça.
Ainda sublinha-se a centralidade das discussões sobre o trabalho
no âmbito dos direitos humanos à Agenda 2030, que entrou em vigor em
2016, foi adotada em 2015 na Cimeira das Nações Unidas para a adoção da
agenda de desenvolvimento pós-2015 após vários anos de ampla consulta e
negociação.
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AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
REFERÊNCIAS
ALBORNOZ, S. O que é trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
ALVES, G. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo
manipulatório. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2011.
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.
ANTUNES, R. O caracol e sua concha: ensaio sobre a nova morfologia do trabalho.
São Paulo: Boitempo, 2005.
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AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O ACESSO À (QUAL) JUSTIÇA?
Rosane Teresinha Carvalho Porto
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LINHA DE PESQUISA 2
Democracia,
Direitos Humanos
e Desenvolvimento
TRANSFERÊNCIA DE RENDA, PROTEÇÃO
SOCIAL E DIREITOS HUMANOS1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente estudo analisa a importância dos programas de transferência
de renda como mecanismos de proteção social e de garantia dos direitos
humanos, tendo em vista os níveis elevados de desigualdade, pobreza e fome/
insegurança alimentar2 presentes na sociedade brasileira. Especificamente,
centra as discussões em problemas que são histórico-estruturais, verificando
como o acesso a uma renda mínima poderá reduzir os efeitos negativos e as
condições de vulnerabilidade, considerando que as desigualdades sociais e a
pobreza são problemas de ordem multidimensional, podendo estar associadas
à raça, classe, gênero, etnia, território, idade, participação, poder, entre outras.
Assim, pensar soluções que amenizem ou solucionem tais problemas requer
passar por todas essas interseccionalidades.
Como mecanismo público de garantia de uma renda mínima, será
estudado o Programa de Transferência de Renda Bolsa Família, tendo como
problemática a seguinte questão: Qual o impacto do Programa Bolsa Família,
1
Estudo desenvolvido a partir do projeto de pesquisa “Determinantes Multidimensionais da Pobreza e da
Fome no Brasil e na Argentina: Estudo Comparado Sobre o Alcance dos Programas de Desenvolvimento
e Assistência Social na Superação das Situações de Vulnerabilidades”, Edital Fapergs 14/2022, ARD/
ARC; vinculado à Linha 2 – Democracia, Direitos Humanos e Desenvolvimento, do Programa de
Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos da Unijuí.
2
Para o estudo optamos por trabalhar as duas expressões de forma conjunta, mas entendendo que a fome
pode ser considerada uma situação duradoura e o entendimento sobre insegurança alimentar como a
dificuldade de ter acesso à comida, podendo acontecer por um dia inteiro ou mais, assim como não ter
acesso à alimentação saudável em quantidade e qualidade suficiente para a garantia do seu bem-estar
nutricional (Agência Brasil, 2023).
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1 DESENVOLVIMENTO, INTERSECCIONALIDADES
E VULNERABILIDADES: A INSUFICIÊNCIA DE RENDA
E SEUS REFLEXOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA
O Brasil, como um dos países que mais produz e exporta alimentos no
contexto mundial, convive com o paradoxo de ser, também, o lugar em que
um número significativo de pessoas passa fome ou convive com a questão da
insegurança alimentar severa ou moderada. Nesse sentido, podemos classificar
a insegurança alimentar severa como um nível de gravidade em que,
em algum momento do ano, as pessoas ficam sem comida e passam
fome, o que chega a acontecer, em casos mais extremos, por um dia
inteiro ou mais. Já a fome propriamente dita é uma situação duradoura,
que causa sensação desconfortável ou dolorosa pela energia insuficiente
da alimentação. Por fim, a insegurança alimentar moderada é aquela
em que as pessoas enfrentam incertezas sobre sua capacidade de obter
alimentos e são forçadas a reduzir, em alguns momentos do ano, a
qualidade e a quantidade de alimentos que consomem, devido à falta
de dinheiro ou outros recursos (Agência Brasil, 2023).
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3
Conforme esclarece Dowbor (2022, p. 181-182), “o Brasil produz o equivalente a onze mil reais por
mês por família de quatro pessoas. Uma soma que, não fosse a brutal concentração de renda, permitiria
a todos uma vida digna e confortável. Bastaria uma redução moderada da nossa desigualdade para
assegurar que as pessoas vivessem bem. O problema central e estruturante do Brasil não é econômico,
é de organização política e social. Não há democracia que funcione com o grau de desigualdade que
temos”.
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4
Conforme destaca a Fiocruz (2023), “há casos, ainda, em que as prestações previdenciárias podem não
prover renda bastante aos beneficiários, de modo a protegê-los do estado de exclusão social. Assim,
tanto em um caso quanto no outro, o direito a renda suficiente não está assegurado.”
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Assim, referido mecanismo tem colaborado para garantir uma renda mínima
para milhões de brasileiros. Segundo dados do governo federal, o Novo Bolsa Família,
instituído pelo Medida Provisória Nº 1.164, de 2 de março de 2023, mais de 18,52
milhões de famílias foram retiradas da linha da pobreza no mês de junho/2023.
Tais informações podem ser consultadas nas páginas oficiais, conforme
demonstra a imagem a seguir.
Figura 2 – Novo Bolsa Família
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do estudo analisamos a relevância dos programas de
transferência de renda na proteção social e de garantia dos direitos humanos,
considerando que as vulnerabilidades são problemas de ordem multidimen-
sional, podendo estar associadas a raça, classe, gênero, etnia, território, idade,
participação, poder, etc., e requer transitar por todas essas interseccionali-
dades.
O Programa de Transferência de Renda Bolsa Família, como mecanismo
público de garantia de uma renda mínima, foi a referência para toda a
construção teórica, uma tentativa de responder qual seu impacto como
meio de transferência de renda nas condições de bem-estar e promoção da
dignidade dos cidadãos.
Como hipótese, consideramos que no Brasil os programas de
transferência de renda, como é o caso do Programa Bolsa Família, são
fundamentais para garantir direitos sociais mínimos para as populações mais
vulneráveis.
Considerando que no seu desenvolvimento o estudo utilizou o método
de abordagem hipotético-dedutivo, resta comprovada a hipótese inicial de
solução do problema, visto que o aumento das vulnerabilidades sociais,
atravessado por interseccionalidades, requer mecanismos públicos de garantia
de bem-estar e promoção da dignidade, possível a partir dos programas de
transferência de renda mínima como o Bolsa Família.
As desigualdades sociais, a pobreza e a fome/insegurança alimentar
representam muito mais que desequilíbrios sociais, interferem de forma
significativa na realização das necessidades humanas fundamentais com vistas
a uma vida digna de ser vivida. São o reflexo de estratégias desenvolvimentistas
tradicionais, que dominam o campo socioeconômico e que naturalizam os
processos de exclusão histórico-estruturais.
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RFEFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL. Insegurança alimentar atinge 70 milhões de brasileiros.
Relatório da ONU destaca agravamento do problema após pandemia. Disponível
em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-07/inseguranca-alimentar-
atinge-70-milhoes-de-brasileiros. Acesso em: 28 jul. 2023.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate
à Fome. Bolsa Família retira 18,5 milhões de pessoas da linha da pobreza.
Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2023/07/
bolsa-familia-amplia-cardapio-e-horizontes-de-amanda-e-dos-oito-filhos-em-
garibaldi-rs. Acesso em: 29 jul. 2023.
CÁTEDRA JOSUÉ DE CASTRO. Filhas da mesma agonia: fome, pobreza e
desigualdades. In: CAMPELLO, Tereza; BORTOLETTO, Ana Paula. Da fome à fome:
diálogos com Josué de Castro. São Paulo: Elefante, 2022. p. 155-162.
CORTINA, Adela. Aporofobia, el rechazo al pobre: un desafío para la democracia.
Barcelona: Espasa Libros, 2017.
DOWBOR, Ladislau. Fome, uma decisão política e corporativa. In: CAMPELLO,
Tereza; BORTOLETTO, Ana Paula. Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro.
São Paulo: Elefante, 2022. p. 181-193.
FIOCRUZ. Bolsa Família: um direito humano ao qual não se admite retrocessos.
Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/bolsa-familia-um-direito-humano-ao-
qual-nao-se-admite-retrocessos/. Acesso em: 29 jul. 2023.
NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade,
pertencimento à espécie. Tradução Susana de Castro. São Paulo: Martins Fontes,
2013.
NUSSBAUM, Martha C. Educação e justiça social. Tradução Graça Lami. Portugal:
Pedago, 2014.
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Anna Paula Bagetti Zeifert
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NOVAS EPISTEMOLOGIAS PARA UM FUTURO
COM SUSTENTABILIDADE E A GARANTIA DO
DIREITO AO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No contexto da crise ambiental, falar em sustentabilidade requer um
pressuposto de coerência na análise de verdades reconhecidas pela sociedade,
entretanto repassadas sem a devida responsabilidade, constituindo este o
problema fundamental do presente texto, ou seja, a urgência da construção
de uma racionalidade biocêntrica e um outro modelo de desenvolvimento,
como condição fundamental para a sustentabilidade. O objetivo igualmente
adere ao tema ao perquirir as bases da racionalidade econômica e antropocên-
trica, interrogando o sentido do atual contexto vivido, nas perspectivas social,
econômica ambiental e civilizacional, diante dos reconhecidos limites do
planeta, cujo nível de extrativismo extrapola a capacidade de resiliência, não
havendo nenhuma razão para seguir difundindo as ideias para um modelo de
desenvolvimento centrado no crescimento econômico infinito. Questiona-se
a modernidade e seus fundamentos perante um contexto histórico de
liberalismo e neoliberalismo que na promessa da liberdade faz perdurar os
sistemas de dominação, exclusão e mantença da segregação de classes, em
seus signos mais negativos da História.
A sustentabilidade, portanto, emerge como novo princípio de existência
para o presente e o futuro das gerações, com a inclusão de novas ideias,
de outra racionalidade e de novas práticas em direção à possibilidade de
decrescimento como garantia de futuro, cuja racionalidade requer profundas
mudanças epistemológicas e de paradigmas, reposicionando a própria
presença humana na visão de mundo, não mais antropocêntrica, mas em
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liberal o grupo Rockefeller Center gravou em seu portal, numa pedra, a frase
“O valor supremo do indivíduo”. Na versão japonesa deste pensamento,
falava-se que “a sociedade não existe, apenas homens e mulheres”. Harvey,
entretanto, alerta para as diferenças e os riscos apresentados pelas diferenças
entre a teoria do neoliberalismo e o que ele chama de “pragmática concreta da
liberalização”, produzida no afã de fugir de todos os regramentos e interven-
cionismos postos pelo Estado em muitos países, no período após a Segunda
Guerra Mundial (Harvey, 2014, p. 28).
Outro fator fundamental para a caracterização do neoliberalismo é a
conversão dos ativos da economia em ações do mercado de valores, operando
fundamentalmente pelas bolsas de valores. Com o mercado controlado
amplamente pela economia americana, tal conversão centraliza facilmente
em grandes corporações transnacionais, alto poder financeiro, mediante o qual
se estabelecerão os apoios e as dependências dos países em desenvolvimento.
Este processo consolida dois aspectos, sendo um deles a concentração das
fortunas nas mãos de poucas pessoas e de empresas, e por outro lado, esvazia
de poder o Estado, com a total financeirização da economia. Tal processo
efetivamente retira o poder do Estado e permite ao capital financeiro circular
por países nos quais a produção se torna mais atrativa e rentável e ao mesmo
tempo favorece a pura especulação financeira. No âmbito interno, os países
neoliberais também experimentam do próprio veneno do liberalismo, que
na lógica de mercado, esvazia os investimentos na economia local, gerando
estagnação e desconfiança em relação à própria capacidade do mercado de
gerar desenvolvimento (Dowbor, 2017, p. 136).
Harvey afirma que “numa sociedade complexa o significado da
liberdade se torna tão contraditório e tão frágil quanto são estimulantes suas
injunções a agir”. Observa o referido autor que há dois tipos de liberdade,
um bom e outro ruim. Entre estes últimos, a liberdade de explorar o
semelhante, ou a liberdade de obter ganhos extraordinários sem prestar um
serviço comensurável à comunidade, a liberdade de impedir que as invenções
tecnológicas sejam utilizadas para o benefício público ou a liberdade de obter
lucros de calamidades públicas secretamente planejadas para vantagens
privadas; mas também se produziram liberdades que prezamos muito, como
a liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de reunião,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de análise desenvolvida neste ensaio buscou colocar alguns
postulados inerentes ao processo de construção do conhecimento, portanto
postulados teóricos e metodológicos, bem como aspectos substanciais e
fundamentais para uma nova racionalidade, de superação da visão desenvol-
vimentista e extrativista vigente, para uma nova postura ética e prática, em
sintonia com a sustentabilidade. A efetivação da sustentabilidade requer
nova racionalidade em perspectiva biocêntrica e de estilo de vida distinto do
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REFERÊNCIAS
ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos.
Tradução Tadeu Breda. São Paulo. Editora Elefante, 2016.
CAPELLA, Juan Ramón. Fruta prohibida: una aproximación histórico-teorética al
estudio del derecho y del estado. Madrid: Trotta, 1997.
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo:
Cultrix, 2011.
DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo. São Paulo: Autonomia
Literária, 2017.
FARIA, José Eduardo (org.). Direito e globalização econômica: implicações e
perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996.
HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. Tradução Adail Sobral
e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loiola, 2014.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Agenda 2030 – ODS – Metas
nacionais dos objetivos de desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ipea, 2018.
LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Tradução Antônio Viegas. Lisboa:
Instituto Piaget; Economia e Política, 2012.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade,
poder. Tradução Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 1998.
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do
hiperconsumo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2006.
175
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E A GARANTIA DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL
Daniel Rubens Cenci
ONU. Organização das Nações Unidas. Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: FGV, 1988.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS,
Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do sul. São
Paulo: Cortez, 2010. p. 84-130.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento, includente, sustentável e sustentado. Rio de
Janeiro: Garamond, 2004.
176
A CIDADE :
Território de Confrontação Ativa
e de Concretização do Direito Humano à Cidade
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao longo do tempo, muito já se tem produzido a respeito da origem e
funções da cidade. As referências históricas indicam sua existência há mais de
7 mil anos. Nesse sentido, podemos afirmar que a cidade é uma das criações
humanas mais bem-sucedidas. E cumpre indagarmos a respeito de seu
protagonismo no processo de afirmação dos direitos humanos na contempora-
neidade, na medida em que as cidades, em especial as maiores, têm vivenciado
um contínuo e crescente processo de adensamento populacional, tanto em
escala nacional quanto mundial.1
Há uma expressão alemã, utilizada desde o fim da Idade Média, que
pode explicar, em parte, o fascínio que a cidade exerce sobre as pessoas.
“Stadluft macht frei”, ou seja, “o ar da cidade liberta”. A expressão ainda
se aplica aos nossos dias, na medida em que o contingente populacional
urbano tem aumentado consideravelmente nessas três primeiras décadas do
século, muitos em busca de uma pretensa liberdade que somente a cidade
é capaz de oferecer. Esse aumento da população urbana ocorre por vários
fatores, mas em específico destacaremos as migrações do meio rural para
o urbano, das pequenas comunidades para as grandes cidades e regiões
metropolitanas e o deslocamento de sujeitos economicamente desfavorecidos
1
Segundo a Organização das Nações Unidas estima-se que 70% da população mundial viverá em cidades
até 2050 (ONU, 2023a). A estimativa do IBGE para 2022 era de 87% da população brasileira vivendo
em cidades.
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2
Meio ambiente artificial corresponde ao ambiente construído: integra os edifícios, equipamentos
urbanos, comunitários, arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca e instalação científica similar.
3
Essa emenda popular de reforma urbana foi apresentada ao projeto de Constituição e foi subscrita por
131.000 eleitores, sendo apresentada pelo Articulação Nacional do Solo Urbano – Ansur – Movimento
de Defesa do Favelado – MDF – Federação Nacional dos Arquitetos – FNA – entre outras organizações
da sociedade civil. (Saule Jr., 2007, p. 32).
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muito contrastantes que ainda persistem no cenário das nossas cidades. Isso
torna o processo de urbanização ainda mais complexo e dinâmico, muitas
vezes à margem de qualquer forma de controle por parte das autoridades
político-administrativas. Nesse cenário o direito à cidade surge não apenas
como reivindicação, mas como revolução. Uma revolução no nosso modo
de pensar e construir a cidade, não como mercadoria, mas como local para
a concretização de direitos. Neste sentido, pensar a cidade é desafiar-se em
ambientes dinâmicos e mutáveis, sendo a própria cidade, considerada como
um todo, um ambiente objeto de múltiplas e complexas inquirições.
4
Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 16/12/1966,
mas ratificado pelo Brasil somente em 24/1/1992.
5
Adotada e aberta para assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos,
em San José da Costa Rica, em 22/11/1969, mas ratificada pelo Brasil em 25/9/1992.
6
Adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 17/11/1988 e ratificada
pelo Brasil em 21/8/1996, conhecido como Pacto de San Salvador.
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7
Princípio 1 – O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições
de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e gozar de bem-estar e
tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras. A este
respeito as políticas que promovam ou perpetuem o apartheid, a segregação racial, a discriminação,
a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira continuam condenadas e
devem ser eliminadas. (Silva, 2003, p. 59-60).
8
“Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento
sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente”.
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9
Locais cuja ocupação do solo se deu sem quaisquer formas de planejamento e infraestrutura urbana
básica, à margem da cidade legal. Atualmente, as favelas têm sido chamadas de comunidades, na tentativa
de não estigmatização das pessoas que lá vivem.
10
Vilas é a denominação utilizada no sul do Brasil para as aglomerações subnormais conhecidas nas outras
regiões brasileiras como favelas.
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A CIDADE : TERRITÓRIO DE CONFRONTAÇÃO ATIVA E DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO À CIDADE
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento populacional das cidades, em especial das maiores, é
um fato que vem acompanhado de uma série de problemas e complexidades
inerentes ao fenômeno da globalização. O adensamento populacional nos
territórios urbanos, por um lado aponta para a necessidade de adoção de
medidas sustentáveis e de respeito à diversidade cultural, mas de outro
lado tem deixado à mostra a fragmentação, a divisão e os conflitos na cidade
pela falta de planejamento, ou um planejamento retardado, ou insuficiente
que não atende às necessidades da massa populacional alocada, na grande
maioria irregularmente em espaços desprovidos de condições físicas, materiais
e culturais capazes de garantir a dignidade humana.
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Elenise Felzke Schonardie
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A CIDADE : TERRITÓRIO DE CONFRONTAÇÃO ATIVA E DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO À CIDADE
Elenise Felzke Schonardie
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SASSEN, Saskia. Sociologia da globalização. Porto Alegre: Artmed, 2010.
192
A CIDADE : TERRITÓRIO DE CONFRONTAÇÃO ATIVA E DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO À CIDADE
Elenise Felzke Schonardie
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Janeiro: Record, 2018.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros,
2003.
193
OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES
POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
Uma Reflexão a Partir da Obra de Norberto Bobbio
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A obra de Norberto Bobbio possui uma grande complexidade temática
e pode ser caracterizada, em certo sentido, como uma espécie de labirinto.1
No que se refere ao tema dos direitos humanos, contudo, o conjunto de
seus textos possui, pelo menos, quatro linhas condutoras fundamentais.
Estas linhas são as seguintes: 1ª) Os direitos humanos não são naturais e
sim, na verdade, direitos historicamente construídos; 2ª) Os direitos humanos
nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção individualista
de sociedade; 3ª) Os direitos humanos não precisam, neste momento, serem
novamente fundamentados, e sim protegidos; 4ª) Os direitos humanos são os
principais indicadores do progresso ético de uma sociedade.
A preocupação deste texto é com a análise, mesmo que muitas vezes
indireta, da segunda linha condutora, ou seja, com a ideia de que os direitos
humanos nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção
individualista de sociedade. Por isso, o ponto de partida deste trabalho é a
afirmação – talvez bastante simples, mas fundamental – de que a ideia de
que os homens possuem direitos constitui-se uma invenção moderna, tendo
surgido no decorrer do século 18.
1
Neste sentido, ver a obra de Mario G. Losano (2022) sobre a trajetória intelectual de Norberto Bobbio.
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OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
UMA REFLEXÃO A PARTIR DA OBRA DE NORBERTO BOBBIO
Gilmar Antonio Bedin
2
A expressão revolução copernicana é utilizada neste trabalho no sentido de inversão do ângulo de
análise ou da perspectiva prevalecente.
3
Este modelo pode também ser chamado de aristotélico devido à importância de seu primeiro grande
expoente: Aristóteles. Neste sentido, ver Bobbio, Norberto. Sociedade e estado na filosofia política
moderna. São Paulo: Brasiliense, 1987.
4
Este modelo pode também ser denominado de jusnaturalista ou de hobbesiano. Neste último caso,
devido à influência de seu primeiro grande expoente: Thomas Hobbes. Neste sentido, ver Bobbio,
Norberto. Sociedade e estado na filosofia política moderna. São Paulo: Brasiliense, 1987.
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OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
UMA REFLEXÃO A PARTIR DA OBRA DE NORBERTO BOBBIO
Gilmar Antonio Bedin
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OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
UMA REFLEXÃO A PARTIR DA OBRA DE NORBERTO BOBBIO
Gilmar Antonio Bedin
2 DA DESIGUALDADE À IGUALDADE
A convicção de que os homens são desiguais prevaleceu durante longo
período da história da humanidade. Uma das primeiras formulações explícitas
– talvez a mais bela – de tal ideia foi feita por Platão em sua obra A República,
ao afirmar que
5
Com esta afirmação não estamos querendo dizer que após os séculos 17 e 18 não existiram algumas
versões organicistas. Ao contrário, estamos apenas indicando que as posições individualistas são
prevalecentes no mundo moderno e as posições organicistas no mundo antigo.
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OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
UMA REFLEXÃO A PARTIR DA OBRA DE NORBERTO BOBBIO
Gilmar Antonio Bedin
... cidadãos (...) sois todos irmãos, porém os deuses vos formaram de
maneira diversa. Alguns dentre vós têm poder de mando, e em sua
composição fizeram eles entrar ouro, motivo pelo qual valem mais
do que ninguém; a outros fizeram de prata, para serem auxiliares;
outros ainda, que se destinam a serem lavradores e artesões, foram
compostos de ferro e bronze... ([19--?], p. 135).
6
Referimo-nos ao debate estabelecido entre Thomas Paine e Edmund Burke. Neste sentido, ver Burke,
Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília: UnB, 1982, e Paine, Thomas. Os direitos do
homem. Petrópolis: Vozes, 1989.
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Gilmar Antonio Bedin
7
Com esta colocação não estamos sugerindo que a crença na desigualdade entre os homens desapareceu
por completo no decorrer dos séculos 17 e 18. Estamos, ao contrário, apontando que houve neste
período uma inversão de princípio.
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OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
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Gilmar Antonio Bedin
ordem social, isto é, ter podido defender que a ordem social era composta,
de maneira hierárquica, pelos que oram, pelos que combatem e pelos que
trabalham (Duby, 1982).
A reivindicação igualitária progrediu da esfera extramundana para a
mundana, mais uma vez, por meio dos reformadores protestantes. Lutero
foi seu agente. Este, entre outras coisas, afirmava que não existem diferenças
entre os homens “espirituais” e os homens “temporais”, e que a doutrina
hierárquica da Igreja nada mais é do que um instrumento de dominação do
poder papal. Desta forma, é possível perceber que estamos diante de uma
das primeiras formulações claras da ideia de igualdade entre os homens neste
mundo (Dumont, 1985).
A completa inversão entre desigualdade e igualdade, no entanto,
somente se concretizou com os pensadores políticos dos séculos 17 e 18.
Foram eles, portanto, os primeiros a sustentarem a ideia de igualdade entre
os homens como um elemento constitutivo da nova sociedade.
Nas palavras de Hobbes,
a natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do
espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente
mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo
assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um
e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer
um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não
possa também aspirar, como ele... (1988, p. 74).
Segundo Locke:
estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e
jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro; nada havendo
de mais evidente que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem,
nascidas promiscuamente a todas as mesmas vantagens da natureza e
ao uso das mesmas faculdades tenham também de ser iguais umas às
outras sem subordinação ou sujeição... (1983, p. 35).
No entender de Rousseau:
Terminarei este capítulo e este livro fazendo uma observação que
deve servir de base a todo sistema social. Quero referir-me que, longe
de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, pelo
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Com isto não estamos afirmando que não existiram/existem posturas que defendiam/defendem o
fundamento teológico ou histórico do poder após os séculos 17 e 18. Ao contrário, estamos indicando
apenas a inversão do princípio prevalecente.
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No entender de Locke:
A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à
liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em
concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade
para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras,
gozando garantidamente das propriedades que tiveram e desfrutando
de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela.
Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a
liberdade dos demais; ficam como estavam na liberdade do estado
de natureza. Quando qualquer número de homens consentiu desse
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As declarações referidas podem ser encontradas na obra Os direitos do homem e o neoliberalismo
(Bedin, 2002).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, é possível perceber que a tradição de se estabelecer deveres
chegou até o início do século 18 e foi, sem dúvida, sustentada, no decorrer
de toda a sua trajetória histórica, pelo modelo organicista ou pela perspectiva
de análise das relações políticas denominada de ex parte principis.
A Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão (1789) são, nesse sentido, os primeiros dois grandes
indicadores de uma profunda mutação histórica: a da emergência de um novo
modelo de sociedade – modelo denominado de individualista – ou uma nova
perspectiva de análise das relações políticas – denominada perspectiva ex
parte populi.
A emergência deste novo modelo ou desta nova perspectiva de análise
foi, assim, em síntese, o que possibilitou o surgimento dos direitos humanos e,
com isto, poderíamos dizer, inaugurou-se uma nova era, nas felizes expressões
de Norberto Bobbio (1992), a Era dos Direitos.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Brasiliense, 1989a.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989b.
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OS DIREITOS HUMANOS E AS CONDIÇÕES POLÍTICAS DE SUA EMERGÊNCIA HISTÓRICA:
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O PATRIMÔNIO DA DOR NO BRASIL:
Considerações Sobre a Violação
dos Direitos Humanos no Tempo Presente
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A expressão “patrimônio da dor” é uma categoria explicativa muito
utilizada na antropologia e na sociologia, mas pode ser plenamente empregada
para as ciências sociais em sua totalidade. O seu uso requer cuidados para
tornar-se explicativa, é empregada para os casos em que a dor dos seres
humanos pode ser entendida como um objeto de pesquisa. É sempre algo
complexo trabalhar com a dor, aqui no nosso caso específico, as dores
sofridas pelas violações aos direitos humanos. As violações causam a dor e o
sofrimento de populações vulneráveis e/ou perseguidas politicamente, as quais
têm os seus direitos subtraídos pelos mecanismos de Estado, ou mesmo por
outros grupos sociais. O sofrimento é uma marca de violação das garantias da
liberdade de expressão num Estado Democrático de Direito, como também
manifestada pela falta das condições mínimas de garantia da dignidade da
pessoa humana.
Trabalhar o patrimônio da dor significa mexer com as os sofrimentos,
com as sensibilidades, tanto individuais quanto coletivas. As sensibilidades
são dimensões pouco exploradas como objetos de pesquisa, mas compõem
os imaginários sociais e as práticas efetivas nos contextos contemporâneos. Da
complexidade das sensibilidades e da dor para a configuração de um objeto de
pesquisa requer do investigador um cuidado para construir uma abordagem
que contemple tanto as representações quanto as práticas efetivas. Sendo
assim, procuramos mapear representações efetivas do patrimônio da dor,
sendo essas representações construídas no tempo presente brasileiro. Não
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lembrança que os outros nos tragam possa ser reconstruída. Sendo assim,
existe sempre uma negociação entre a memória individual com a coletiva,
fazendo entremeios necessários como uma possível mediação entre ambos.
Pollak (1989), contudo, ainda observou que a consideração sobre
memórias subterrâneas surgiu após a configuração da história oral, uma
fonte documental construída pelo pesquisador, capaz de recuperar dimensões
significativas do mundo social ao qual os indivíduos e/ou grupos pertencem.
O mesmo autor evidencia que ao privilegiar a análise dos excluídos, dos
considerados como marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou
a importância de memórias subterrâneas, que, como partes integrantes das
culturas minoritárias e dominadas, se opõem à memória oficial. Este processo
foi considerado um grande salto qualitativo para a recuperação das memórias,
pois esses grupos considerados minorias muitas vezes não possuem registros
escritos e imagéticos de suas memórias, permanecendo apenas na oralidade.
Por isso a importância da história oral para recuperação de suas experiências
e vivências, tanto as cotidianas quanto as traumáticas.
Na continuação de suas observações Pollak (1989) ainda salienta que a
memória subterrânea reabilita a periferia e a considerada marginalidade dos
atores sociais, por um lado acentuando o caráter destruidor, uniformizador
e opressor da memória coletiva nacional. Por outo lado, as memórias
subterrâneas prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira
imperceptível aflorando em momentos de crises em sobressaltos bruscos
e exacerbados. A memória permanece em disputa, existindo um conflito e
competições entre as memórias. Existe por parte dos pesquisadores uma
predileção de trabalhar com os conflitos e disputas em detrimento de
continuidades e estabilidades. Cabe ressaltar que as memórias sempre estão
em disputa, em muitos casos até uma tentativa de negação das memórias que
podem comprometer a imagem de determinados grupos sociais.
No caso mais específico das memórias subterrâneas existe uma
tendência em permanecer em silêncio, as vítimas têm medo de compartilhar
suas lembranças, preferindo guardar em silêncio para não se comprometer.
Têm medo de serem mal-entendidas sobre alguma questão considerada
grave, tendo uma propensão ao esquecimento. Pollak (1989) salienta que em
muitos casos o silêncio tem razões bastante complexas, para poder relatar seus
sofrimentos uma pessoa precisa inicialmente encontrar uma escuta confiável.
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O PATRIMÔNIO DA DOR NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO TEMPO PRESENTE
Ivo dos Santos Canabarro
O medo é sempre latente por isso permanecem com essa dor como indizível,
muitas vezes as pessoas e/ou grupos carregam essa dor por toda a sua vida,
inclusive morrendo com essa memória subterrânea. Esse processo pode ser
para algumas pessoas muito lento e demorado, em casos proeminentes de
morte esses testemunhos oculares querem inscrever suas lembranças contra
o esquecimento.
Afinal, o que é esse não dito para Pollak (1989)? O autor relata que
existem lembranças de uns e de outros, verdadeiras zonas de sombras,
silêncios, os verdadeiros não ditos. Ele ainda destaca que as fronteiras desses
silêncios e não ditos com o esquecimento definitivo e o reprimido inconsciente
não são evidentemente estanques e estão em perpétuo deslocamento.
Nas palavras do autor sempre resta um fio de esperança de que esses não
ditos podem vir à tona em algum momento da vida dessas pessoas, o qual
pode acontecer a qualquer momento. O autor ainda observou que existe
uma angústia de não encontrar uma escuta de ser punido por aquilo que
se diz, ou pelo menos ser mal-entendido. Por isso o fio que liga a memória
ao esquecimento é muito tênue, algumas pessoas preferem esquecer o que
aconteceu e permanecerem para sempre com esse não dito.
O que é a fronteira entre o dizível e o indizível? Para Pollak (1989) a
fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa
em nossos exemplos uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil
dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada
que resume a imagem que uma sociedade ou Estado deseja passar ou impor.
Voltando no caso específico aqui, as disputas da memória, o Estado com seu
poder simbólico de imposição nos coloca uma memória oficial excluindo os
indesejáveis. Sendo assim, sempre vai existir uma memória que permanecerá
como subterrânea, uma dor que é difícil de se curar pelo processo de torná-la
dizível, neste sentido, uma memória subterrânea que compõe o patrimônio
da dor de cada grupo, de cada sociedade.
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Não é possível recuperar uma verdade histórica sem pensar nos atores
sociais envolvidos neste processo, são pessoas de ambas as posições: de um
lado, os que sofreram com as violações dos direitos humanos, ou mesmo
desaparecidos; de outro, os responsáveis pelas prisões, torturas e mortes.
Os responsáveis pelas torturas apoiaram-se na razão instrumental do Estado
para justificar seus atos criminosos, não respondendo por si próprios, mas
pelo papel que desempenhavam nas instituições. A tarefa mais difícil da CNV
foi conseguir os depoimentos dos torturadores, pois eles se negaram a falar
para a Comissão. Os depoimentos obtidos contaram com a colaboração de
vítimas da ditadura e familiares de mortos e desaparecidos. A recuperação
da documentação sobre a ditadura no Brasil foi um trabalho desafiador, pois
muitos deles foram queimados por militares, os depoimentos foram uma das
principais fontes recuperadas.
Os depoimentos prestados à CNV foram extremamente esclarecedores.
Conforme Canabarro (2014), um dos membros do DOI-Codi de São Paulo que
ingressou no Exército em 1965 e integrou a Companhia da Polícia do Exército
informou que somente trabalhava com a análise de informações. Salientou
que nunca participou diretamente de operações de prisões, torturas, mortes
e desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime imposto pelos militares.
Nas observações do depoente, já a partir de 1967 a polícia do Exército foi
responsável pelo processo de repressão às organizações de luta armada.
O referido órgão produzia documentos, informes e relatórios relativos às
operações clandestinas de sequestros, cárcere privado, torturas e mortes de
pessoas envolvidas em movimentos de reivindicações no período da ditadura
civil-militar.
Segundo informações encontradas no Relatório da CNV, a prática
escancarada da tortura já teve início nos primeiros da ditadura civil-militar; os
dados informam que já a partir de 1968, com o AI-5, a tortura tornou-se uma
política de Estado, servindo de instrumento de controle social, os opositores
foram torturados na tentativa de confessarem os planos dos mecanismos de
oposição. Nas observações encontradas na CNV (2014), a tortura foi utilizada
com regularidade nos vários órgãos de estrutura repressiva em todo o Brasil,
nas delegacias, nos estabelecimentos militares, bem como em estabeleci-
mentos clandestinos espalhados por todos os Estados brasileiros.
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de estar, por exemplo nos hospitais. Criou-se uma verdadeira dicotomia entre
o lugar e o não lugar, uma oposição de onde se gostaria de estar e onde
temia-se estar. A pandemia da Covid-19 vitimou aproximadamente 700.000
mil mortes somente no Brasil, foi assustadoramente construído um novo
patrimônio da dor no Brasil pelas perdas de pessoas e seus familiares. É
preciso estudar com mais afinco esse patrimônio da dor para que consigamos
entender a real dimensão da pandemia no nosso país, que deixou um legado
de dor e sofrimento nas famílias brasileiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o patrimônio da dor é uma testemunha de sofrimento, capaz de
nos trazer fragmentos de reminiscências daquilo que não se quer na história,
por meio de elementos tanto da memória individual quanto coletiva. Essas
memórias permeiam os imaginários coletivos e por receio da dor, muitas
vezes são esquecidas, deixadas somente no não dizível. É nesse ponto
de intersecção, todavia, que se encontram os pesquisadores que trazem
à tona o que permaneceu por muito tempo como não dito. No processo
de reconstrução das memórias, de revisitar episódios traumáticos, sejam
eles experienciados individualmente ou em grupos, é preciso ter coragem
e confiança para expô-las, afinal, analisar essas permanências pode causar
sofrimentos no decorrer das falas e das escutas. Por outro lado, também é um
momento de libertação dos traumas psíquicos que atormentam indivíduos e/
ou grupos sociais, além da retomada de sujeito de suas próprias histórias, ao
poder contar suas memórias tornando o não dito em algo dito.
As configurações do patrimônio da dor revelados por meio da
memória subterrânea é uma forma de trazer à tona um conjunto consistente
de representações que permeiam nossos imaginários e práticas sociais. As
representações das memórias subterrâneas dizem respeito a tudo aquilo
que permaneceu como não dito durante muito tempo, aquilo que parecia
inconfessável torna-se algo dizível quando encontra uma escuta segura e
confiável. As práticas de torturas no Brasil permaneceram por muito tempo
como algo velado, uma memória para ser esquecida, mas a CNV nos trouxe
à tona um conjunto significativo de memórias subterrâneas que precisam
ser desveladas e fazerem parte de uma memória social brasileira. A questão
indígena no Brasil também nos aparece como uma incógnita, um sofrimento
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O PATRIMÔNIO DA DOR NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO TEMPO PRESENTE
Ivo dos Santos Canabarro
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COLONIALISMO DIGITAL E TECNOLOGIAS
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO:
Da Vigilância Deletéria no Contexto Global
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O colonialismo digital é uma expressão utilizada para descrever a forma
como as empresas e governos de países desenvolvidos usam a tecnologia
para controlar e explorar países em desenvolvimento, com estratégias como
o monopólio do acesso à tecnologia (infraestrutura de Internet e hardware
de computador), o controle do fluxo de informações (acesso a websites e
redes sociais), extração de dados pessoais, controle da propriedade intelectual
e exploração da mão de obra barata em países em desenvolvimento. Esse
fenômeno é devastador para a igualdade no mundo, pois assim se impede
que os países em desenvolvimento atinjam seu pleno potencial econômico e
social, o que contribui diretamente para a pobreza, a fome e, por conseguinte,
instabilidade política.
A África, por exemplo, é o continente mais pobre do mundo, e também
com a menor penetração da Internet, o que significa que os africanos têm
menos acesso à informação, educação e oportunidades de emprego. Nos
países em desenvolvimento da América Latina e da Ásia o problema também se
apresenta complicado, pois esses países têm uma população jovem e crescente
que está sendo deixada para trás na economia digital, o que potencializa ainda
mais o aumento da desigualdade e da instabilidade social.
Como problema motivador desta pesquisa, pode-se identificar o
seguinte questionamento: Que feições o colonialismo assume no atual
cenário de altas tecnologias sendo utilizadas para a vigilância individual e
populacional? Como hipótese, tem-se que o colonialismo, já tão estudado
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com um véu de sigilo e poder, mas decidem sobre a vida das pessoas sem a
possibilidade de conhecer os critérios de seleção, os dados considerados ou
se houve discriminação ativa (Scasserra, 2021).
Sendo assim, tem-se que as Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs), juntamente com a inovação em Inteligência Artificial (IA) e a capacidade
de estabelecer rapidamente sistemas e infraestrutura em mercados emergentes,
estão concentradas em alguns países, como os Estados Unidos e a China, que
competem pela liderança nesses campos. Essas nações dominantes controlam
recursos de capital e intelectuais, além de possuírem uma arquitetura jurídica
que limita as possibilidades de adoção de políticas favoráveis aos países em
desenvolvimento. A disponibilidade de capital financeiro para experimentação
e desenvolvimento de novos modelos também é escassa nesses países mais
fracos, resultando em uma desigualdade digital na educação e pesquisa, o
que leva a uma dependência tecnológica absoluta. Essa dependência pode ser
considerada uma forma de colonialismo digital, em que o controle político,
econômico e social é exercido por meio da tecnologia digital, com empresas
transnacionais dos EUA desempenhando um papel dominante nesse processo.
A China também tem participação significativa, mas principalmente dentro
de suas fronteiras. O colonialismo digital baseia-se na extração de recursos
e dados, utilizando plataformas e algoritmos que impactam a vida social e
personalidade dos indivíduos. As infraestruturas de cabos submarinos de fibra
óptica também são pontos de tensão geopolítica, envolvendo questões de
território, espionagem e colonialismo de dados. Esse cenário é impulsionado
por um sistema de capitalismo de vigilância global, em que grandes empresas
controlam o ecossistema digital e violam o direito à privacidade. A IA
também apresenta problemas de exclusão e desigualdade, com algoritmos
que reproduzem estigmas e discriminações. A regulação é essencial, mas
instituições como a Organização Mundial do Comércio enfrentam dificuldades
em lidar com essas questões, devido aos interesses de propriedade intelectual
e geração de lucro. Há, no entanto, argumentos a favor da extinção dessas
regras, como no caso das vacinas contra a Covid-19, que poderiam salvar vidas
se fossem amplamente acessíveis. As empresas que controlam essas tecnologias
mantêm um véu de sigilo e poder, tomando decisões que afetam a vida das
pessoas sem transparência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Empresas localizadas em poucos países do mundo – notadamente EUA
e China – detêm recursos e dominam a arquitetura jurídica que impedem o
desenvolvimento, por parte de países em crescimento, de estruturas diversas,
o que leva à dependência tecnológica e ao aumento de desigualdade no acesso
aos capitais tecnológico e intelectual. Essa estrutura exprime uma situação
de colonialismo digital, que enfraquece a soberania de tais países também
no plano tecnológico, com drásticas consequências para o desenvolvimento
humano e institucional para os cidadãos de tais países.
Muito daquilo que se vislumbra no colonialismo característico
dos quatro séculos anteriores ao atual pode ser vislumbrado no chamado
colonialismo digital. A plataformização, os meios de quantificação para a
tradução de dados em lucro e a naturalização dessa abundância de dados
produzidos como trabalho sem qualquer contrapartida significativa permitem
o controle e a apropriação de todos os aspectos da vida humana em sociedade
por atores que não encontram significativos entraves regulatórios.
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