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A representação da doença mental no cinema

Um estudo de mídia, comunicação e saúde mental.


O caso do Bicho de Sete Cabeças

Maria Julieta de Oliveira Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva


Universidade Federal da Paraíba

Índice 1 Introdução
1 Introdução 1 Apresentamos um estudo das representações
2 As instituições sociais e a evolução do da saúde mental, da loucura e suas projeções
pensamento 2 no contexto da cultura de massa, focalizando
3 O cinema e a imagem social da lou- o cinema. Ou seja, examinamos como são
cura 2 construídas as noções de “normal” e “pato-
4 A loucura no Cinema Nacional e na lógico”, de “doença” e “saúde mental” no
Teledramaturgia 3 contexto dos audiovisuais. O filme Bicho
5 A clínica e a crítica da cultura de de Sete Cabeças representa uma obra prima
massa 4 do cinema nacional, mais conhecido após a
6 Um trabalho politécnico e interdisci- sua exibição na televisão e pode ser anali-
plinar 5 sado com rigor e sistematização após a sua
7 Da clínica à escola: da Internação à reprodução em videocassete e DVD.
Especialização 7 No que respeita ao eixo temático saúde
8 Bases Epistemológicas para um es- mental e loucura, buscamos situá-lo no con-
tudo da loucura 7 texto objetivo da vida social e das insti-
9 Conexões entre o trabalho teórico e o tuições, e partimos do pressuposto que em
trabalho de campo 8 nossa sociedade as a família, a escola, a
10 Elementos para uma análise do filme igreja, o sindicato, as instituições tradicio-
Bicho de Sete Cabeças 8 nais, estão em crise, passando por profun-
11 Agenda temática para uma discussão das transformações. Tais instituições não de-
de Bicho de Sete Cabeças 9 sapareceram e - evidentemente - ainda têm
12 A palavra dos especialistas 18 cumprido um papel importante no que con-
13 As falas e discursos dos alienados cerne às formas de socialização dos indiví-
mentais 25 duos e grupos. Todavia, percebemos que -
14 Para concluir 28 atualmente - os processos midiáticos (rádio,
15 Referências Bibliográficas 29 cinema, televisão) têm ocupado um papel re-
levante na formação do imaginário, das iden-
2 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

tidades e representações individuais e coleti- mental; isto aparece com clareza em seu cé-
vas, papel este que - outrora -fora dominado lebre livro História da Loucura.
pelas instituições tradicionais. Focalizamos como a imagem da loucura
Na segunda metade do século XX, com a é configurada no espaço dos audiovisuais e
expansão da cultura de massa gerada pelos notamos que o cinema e a televisão têm con-
meios de comunicação, ocorreram modifica- corrido para uma construção da imagem da
ções radicais nas maneiras dos indivíduos e loucura, junto à opinião pública. Nesta dire-
grupos formarem uma consciência sobre si ção, encontramos algumas séries de filmes,
e sobre o mundo à sua volta, e aí podemos que permanecem na memória de várias gera-
incluir as maneiras como são concebidas as ções como exemplos imaginados de doença
noções de ordem e desordem, normalidade e mental. São retratos ficcionais e realistas, ci-
anormalidade, saúde e doença mental. nematográficos e televisuais que podem re-
forçar ou modificar os clichês, as idéias este-
reotipadas sobre a doença mental. Os audio-
2 As instituições sociais e a
visuais são, sobretudo, janelas privilegiadas
evolução do pensamento para um enfoque mais detido sobre a imagem
Contemplando o tema das instituições, da social da loucura.
saúde e da doença mental, compreendemos Partimos do pressuposto que os audiovi-
que o conjunto de transformações sociocul- suais constroem clichês e estereótipos sobre
turais, ocorridas na segunda metade do sé- o louco e a loucura, mas ao mesmo tempo
culo XX, afetou o domínio dos saberes so- podem se constituir enquanto vetores de in-
bre os padrões de normalidade e das pato- formação sobre os transtornos psíquicos, le-
logias mentais, e consequentemente, afetou vando a uma visão mais objetiva, racional e
também o exercício das práticas institucio- sensível sobre a doença mental; esta é uma
nais no campo da saúde mental. hipótese que perseguimos ao longo da nossa
Diversos estudiosos, pesquisadores e es- investigação. No campo da experiência cine-
pecialistas no domínio das doenças mentais matográfica encontramos filmes que podem
contribuíram para uma atualização do olhar ilustrar a nossa argumentação. Não se trata
sobre a loucura e dentre estes, o filósofo e de uma listagem exaustiva, apontamos aqui
historiador Michel Foucault preocupado em os títulos que se mostram relevantes para
contextualizar o surgimento dos saberes so- uma análise.
bre a loucura, o nascimento da clínica, as-
sim como as diversas modalidades terapêu- 3 O cinema e a imagem social da
ticas ao longo da história, enquanto disposi-
loucura
tivos reguladores do comportamento social.
O trabalho de Foucault é importante nos es- O olhar insistente do cinema para os dis-
tudos sobre os fenômenos psíquicos, princi- túrbios psíquicos", explica Paolo Pan-
palmente porque, mesmo não sendo um pro- cheri, professor de psiquiatria na Uni-
fissional da área de saúde, estudou com rigor versidade La Sapienza, de Roma, "deve-
e sistematização os saberes sobre a doença se ao fato de que esses distúrbios têm re-

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A representação da doença mental no cinema 3

percussão profunda nas pessoas, assim a família e foi ao cinema (Júlio Bressane,
como a violência”. Os distúrbios men- 19691 ), que mostra uma sociedade com va-
tais mostrados na tela remetem àquele lores em transformação, em que se perce-
fundo patológico, de loucura ou de al- bem modificações no domínio da ética, da
teração, que está presente em todos nós. moral, do comportamento, da linguagem e
(Guerrerio, 2005). também da maneira como é tratada a lou-
cura. Com esta temática, registramos o filme
No cinema de Hollywood, por exemplo, Azylo muito louco (Nelson Pereira dos San-
há obras em que os distúrbios psíquicos, os tos, 1969/70), adaptação do romance O ali-
transtornos mentais e a loucura servem como enista, de Machado de Assis, que serve, so-
fio condutor da narrativa. Nessa direção, en- bretudo, como uma grande metáfora para a
contramos obras expressivas, como Psicose atmosfera caótica dos anos 70. A narrativa
(Hitchcock, 1960), Um estranho no ninho de O alienista, especificamente, é importante
(Milos Forman, 1965), O expresso da meia porque demonstra a fina ironia de Machado
noite (Alan Parker 1978), O silêncio dos Ino- de Assis a respeito da maneira como a lou-
centes (Jonathan Demme, 1991). Entre tan- cura é vista, no século XIX, pelas classes
tos outros, são filmes que nos apresentam sociais e principalmente pelo olhar da me-
personagens psicóticos, estranhos, anormais. dicina, marcada pelo espírito positivista re-
Portanto, levam o espectador a formar uma gendo o conhecimento científico. Ou seja,
certa imagem do anormal, da doença men- mostra como a construção do saber sobre
tal e da loucura. Entretanto, observando- a loucura se instituiu a partir do discurso
os de maneira mais detida entendemos que autoritário do médico, da classe dominante.
tais filmes tratam de modalidades de incon- Por este viés, podemos perceber igualmente
formismo, resistência e negação do suposto como ocorre o nascimento da clínica, como
estilo de normalidade, proposto pelas regras se processam as internações, de maneira ar-
sociais. Na perspectiva de um olhar clínico, bitrária e a partir de critérios pouco confiá-
acreditamos que estas obras podem instigar veis. A crítica corrosiva de Machado de As-
uma reflexão mais lúcida acerca das diversas sis além de ter sido atualizada no cinema por
patologias mentais. Nelson Pereira dos Santos, foi revisitada na
teledramaturgia, na telenovela Vila do Arco
4 A loucura no Cinema Nacional (Sérgio Jockman, 1975), na extinta TV Tupi,
uma sátira radical da instituição psiquiátrica;
e na Teledramaturgia
a obra foi igualmente retomada com maes-
No cinema nacional, por sua vez, temos al- tria na adaptação da Rede Globo, por Jorge
guns filmes que tratam do tema da loucura, Furtado e Guel Arraes (1997), um programa
e entendemos que, principalmente nos tra- inteligente em que se conjugam a história do
balhos da década de 60/70, há uma produ- conto de Machado e um documentário so-
ção importante, competente na decifração 1
Existe uma versão mais recente de Matou a fa-
dos distúrbios sociais desencadeando a lou- mília e foi ao cinema (1991). Direção de Nevile de
cura individual, durante a ditadura militar. Almeida, com Alexandre Frota e Cláudia Raia.
Um exemplo nessa direção é o filme Matou

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4 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

bre a loucura. Isto é, os audiovisuais, o ci- problema das doenças mentais, e pode igual-
nema, a telenovela, a minissérie, etc vão si- mente sensibilizar a esfera pública para um
nalizando novas perspectivas, novos olhares problema que acomete indivíduos de diver-
sobre o problema da saúde mental, da lou- sos segmentos sociais; a mídia pode ainda
cura e das diversas possibilidades terapêuti- criar expectativas favoráveis com relação aos
cas. tratamentos e à inserção social. Entretanto,
Numa perspectiva clínica, o filme nacio- essa mesma mídia (principalmente, a mídia
nal que talvez represente com mais proprie- eletrônica, a televisão) é movida pela acele-
dade o tema da loucura é Bicho de Sete Ca- ração, repetição, velocidade, e estando geral-
beças (Lais Bodanzky, 2000), em que um jo- mente a serviço do mercado, não tem tempo
vem (Rodrigo Santoro) é internado pela fa- para um olhar mais aprofundado, mais cuida-
mília, contra a sua vontade, no manicômio, doso no que se refere às questões da saúde.
algo que hoje é proibido pela Legislação Fe- Então, o problema que se coloca em nossa
deral. análise reside basicamente no fato de que os
meios de comunicação podem - paradoxal-
mente - conduzir a um esclarecimento das
5 A clínica e a crítica da cultura
massas, e ao mesmo tempo podem inibir a
de massa formação de uma consciência crítica das do-
Metodologicamente, selecionamos este enças mentais. Este é um paradoxo que atra-
filme como objeto de análise por diversos vessa toda produção televisiva comercial, to-
motivos: primeiramente, porque consiste davia partimos do pressuposto que uma “co-
numa obra que focaliza o universo de um municação educativa” pode ser realizada me-
indivíduo num contexto minado pelas insti- diante a discussão crítica e sistemática do
tuições em crise (família, escola, sociedade) conteúdo dos produtos audiovisuais (nos fil-
e que apresenta elementos importantes para mes, nas telenovelas, nas minisséries, etc.).
uma discussão da clínica psiquiátrica; de- Ou seja, a TV e o cinema podem constituir
pois porque constitui um trabalho completo, vetores educativos desde que saibamos usá-
que concede visibilidade ao problema da los; além do mais, os vídeo-cassetes e os
instituição manicomial, numa perspectiva DVDs podem ser reutilizados em sua função
crítica, que inclusive sendo exibido pela educativa.
Rede Globo de Televisão atingiu uma mas- Este trabalho mostra-se pertinente em pri-
siva audiência; e finalmente, porque abriu meiro lugar porque focaliza a doença mental
caminhos para uma reflexão sobre a reforma num contexto interdisciplinar, ou seja, dis-
psiquiátrica. cute as patologias de maneira aberta ao diá-
No plano da cultura contemporânea, como logo com diferentes olhares e saberes, como
afirmamos acima, o cinema, a televisão, a filosofia, a sociologia, a psicologia, a me-
os audiovisuais, têm uma influência muito dicina; em segundo lugar, é relevante porque
forte. E, no que diz respeito à loucura, pode situa o tema da doença mental no conjunto
propiciar reflexões e debates instigantes, le- das representações que gozam de prestígio
vando inclusive a formas educativas sobre o junto às massas, como as narrativas midiá-
ticas, isto é, torna possível uma aproximação

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A representação da doença mental no cinema 5

do tratamento das doenças e as modalidades compreensão por parte da opinião pública


da consciência coletiva sobre as patologias sobre o que significa verdadeiramente a pa-
mentais; finalmente, é importante porque se tologia mental.
propõe enquanto uma prática científica, que Há narrativas na televisão e no cinema
busca repensar os conceitos e as próprias ins- que focalizam os transtornos mentais, como
tituições psiquiátricas, além de discutir alter- a obra O Alienista transposta para o cinema
nativas terapêuticas aos modelos dominan- (Nelson Pereira dos Santos, 1969/70) e para
tes. Logo, consiste num trabalho receptivo às a televisão (Guel Arraes, 1993). Cumpre fo-
diferentes modalidades do saber, incluindo calizar como tais narrativas contribuem para
uma diversidade de profissionais com forma- um novo olhar sobre a loucura e o seu tra-
ção politécnica e multidisciplinar advindos tamento, através de outros caminhos que
dos diferentes campos do conhecimento. não sejam apenas o internamento nos gran-
Colocamos em discussão o modo como a des hospitais psiquiátricos. Em suma, jul-
cultura midiática e a cibercultura (incluindo gamos necessário averiguar como as produ-
não só o cinema e a televisão, mas também ções da cultura de massa, levam os profissi-
a internet) tematiza um assunto como a do- onais a um esclarecimento da doença mental
ença mental, que geralmente se restringe ao e dos conseqüentes procedimentos terapêuti-
fórum dos médicos, cientistas, pesquisado- cos, através da utilização de métodos substi-
res e especialistas. E igualmente explora- tutivos. Ou seja, a televisão e o cinema não
mos as imagens midiáticas (as ficções do têm como função sinalizar direções quanto
cinema e da televisão) como pretexto para aos procedimentos mais adequados, no que
discutir a configuração das doenças mentais concerne às práticas psicoterapêuticas, mas
e sua representação junto ao repertório das suas narrativas podem sensibilizar tanto a
culturas populares, considerando que os di- opinião pública quanto os trabalhadores na
ferentes segmentos sociais formam as suas área de saúde mental sobre a inadequação de
idéias sobre a normalidade e a patologia a certas práticas terapêuticas como a “grande
partir das representações que se inscrevem internação”.
no contexto das mídias. Examinamos como
os discursos sobre a loucura distinguem-se
6 Um trabalho politécnico e
nas representações ficcionais, negativamente
enquanto clichês, estereótipos ou positiva- interdisciplinar
mente, como discursos que permitem um co- Considerando o caráter politécnico e multi-
nhecimento sensível da realidade dos “lou- disciplinar do Curso de Pós Graduação (lato
cos”. Por exemplo, numa minissérie da te- sensu), na modalidade de Especialização em
levisão como O fim do mundo (Dias Gomes, Saúde Mental, para consolidar as bases ci-
1996), temos a representação dos loucos, do entíficas da nossa argumentação, recorremos
asilo e dos psiquiatras. De um lado, temos a algumas noções e conceitos de pensado-
uma representação - de certo modo - “fol- res, estudiosos e especialistas no campo da
clórica” do doente mental, e por outro lado, Saúde Mental, como Pinel, um pioneiro na
temos ali também a visibilidade dos “pacien- prática libertária dos alienados.
tes”, exibindo sintomas que permitem uma

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6 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

“P. Pinel (1745-1826), além de analisar e Em Foucault, principalmente, encontra-


classificar as doenças mentais, demonstrou mos o brilho de um pensamento que, nem
que devemos respeitar o insano como indiví- egoísta, nem altruísta, busca somente e
duo. Concebia a insanidade como distúrbio acima de tudo fazer proliferarem os discur-
do auto-controle e da identidade, pelo que sos sobre a loucura e desta forma, do alto de
preferia denominá-la “alienação” (NUNES sua sabedoria, legitimando as diversas falas e
FILHO, 2005: 2-3). discursos sobre a loucura, instiga-nos a reco-
Tomando como uma das suas bases epis- lher distintos depoimentos sobre esta experi-
temológicas o trabalho de Pinel, Foucault, ência radical e serve rigorosamente como re-
reordena as concepções sobre a loucura e a ferência para o nosso percurso metodológico
saúde mental. e epistemológico.
“A sabedoria, como as outras matérias
A loucura, portanto, é negatividade. Mas
preciosas, deve ser arrancada das entranhas
negatividade que se dá numa plenitude
da terra”. Este saber, tão inacessível e temí-
de fenômenos, segundo uma riqueza sa-
vel, o louco o carrega inteiro em uma esfera
biamente disposta no jardim das espé-
intacta: essa bola de cristal, que para todos
cies. No espaço limitado e definido por
está vazia, a seus olhos está cheia de um sa-
essa contradição, realiza-se o conheci-
ber invisível (Foucault, 1962).
mento discursivo da loucura. Por baixo
Utilizamos também os trabalhos de au-
das figuras ordenadas e calmas da aná-
tores como Paulo Amarante, entre outros,
lise médica opera um difícil relaciona-
que tem contribuído para a atualização de
mento, no qual se constitui o devir his-
métodos substitutivos voltados para um pro-
tórico: relacionamento entre o desatino,
cesso de socialização daqueles que sofrem
como sentido último da loucura, e a raci-
de um transtorno mental. Amarante cons-
onalidade, como forma de sua verdade.
titui uma referência obrigatória para o es-
Que a loucura, sempre situada nas re-
tudo do contexto das significativas transfor-
giões originárias do erro sempre em se-
mações no campo da saúde mental e aten-
gundo plano em relação à razão, possa,
ção psicossocial. Sendo um dos principais
no entanto, abrir-se inteiramente para
profissionais do ensino de saúde mental no
esta e confiar-lhe a totalidade de seus se-
Brasil, Amarante se tornou mais conhecido
gredos, tal é o problema que o conheci-
principalmente após a organização das co-
mento da loucura ao mesmo tempo mani-
letâneas intituladas Arquivos de Saúde Men-
festa e oculta (Foucault, 1978: 251).
tal e Atenção Psicossocial, em dois volumes,
Assim, as noções e conceitos como “ali- publicados em 2003. Convém ainda registrar
enação mental” (Pinel, 1801) e “o discurso suas obras (e obras organizadas por ele) en-
do louco” (Foucault, 1961), têm sido efica- gajadas nos processos terapêuticos alternati-
zes para o aprimoramento de práticas tera- vos como Psiquiatria Social e Reforma Psi-
pêuticas comunitárias, de terapias substituti- quiátrica (1994), Loucos pela vida: trajetó-
vas, promovendo a inserção social dos doen- ria da reforma psiquiátrica (1995), O ho-
tes mentais e a redefinição do seu lugar no mem e a serpente: outras história para a
exercício da cidadania. loucura (1996).

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A representação da doença mental no cinema 7

7 Da clínica à escola: da tativo de indivíduos que tenham sido acome-


Internação à Especialização tidos de transtornos mentais.

Assimilando as informações obtidas ao


longo do Curso de Especialização em Saúde 8 Bases Epistemológicas para
Mental, construímos o nosso arsenal teórico- um estudo da loucura
metodológico para otimizar as nossas com-
Com base no pensamento do filósofo Fou-
petências no que concerne ao trabalho desen-
cault, buscamos sistematizar a nossa argu-
volvido no CAPS (Centro de Atenção Psi-
mentação por meio de um caminho interpre-
cossocial), que procura colocar em prática os
tativo que reúne a dimensão da semiologia
métodos terapêuticos alternativos à interna-
(ciência dos signos) e da hermenêutica (ci-
ção.
ência da interpretação). Logo, inspiramo-
No século XX a filosofia mudou; saiu da
nos nas idéias que constituem a “arqueolo-
sua torre de marfim e passou a fazer parte das
gia do saber”, de Foucault, desde A história
estruturas da vida cotidiana. No campo da
da loucura (1962) até As palavras e as coi-
cultura, política, ética, estética, a loucura, a
sas (1966). A arqueologia é pertinente como
clínica, as prisões, a sexualidade, o sujeito....
um método que escava, encontra e legitima
quase tudo interessava a Michel Foucault,
os discursos sociais, enquanto instâncias que
que procurou – sobretudo – fazer da filosofia
possibilitam a constituição de um conheci-
uma experiência libertária. Com erudição e
mento fidedigno da realidade. Assim, par-
sagacidade, ironia e perspicácia, o pensador
timos de uma perspectiva que reconhece os
se empenhou em fazer vir à tona as verdades
campos da saúde, da clínica e da própria lou-
escondidas, dando voz aqueles que tradicio-
cura, enquanto empiricidades (experiências)
nalmente foram relegados à lata de lixo da
que constituem vetores privilegiados na pro-
história.
dução do conhecimento sobre os problemas
Absorvendo as idéias de Foucault sobre a
mentais.
forma como os discursos sociais contribuem
Quanto à semiologia, antes de se confi-
para a formação de um saber sobre a loucura,
gurar no campo das ciências da linguagem,
buscamos capturar os discursos e as repre-
a semiologia nasceu como um saber que se
sentações da doença mental inseridos na nar-
funda a partir de um olhar, de uma escuta e
rativa ficcional Bicho de Sete Cabeças. Em
de um toque sobre os sintomas, ou seja, a
seguida, contextualizamos os discursos dos
sua origem está no domínio das ciências da
personagens da obra supracitada, junto com
saúde. E na atualidade, consiste numa moda-
os depoimentos dos especialistas, pesquisa-
lidade de conhecimento que confere as bases
dores, profissionais de saúde com a finali-
para as ciências da linguagem, ciências so-
dade de obter um conjunto de “formações
ciais aplicadas e para todos os saberes, pois
discursivas”, que nos permitissem uma apro-
constitui uma estrutura privilegiada para um
ximação da consciência social sobre os pro-
conhecimento dos homens e os seus símbo-
blemas da saúde mental. Igualmente, incluí-
los, e a rigor, para um saber rigoroso sobre
mos os depoimentos de um grupo represen-
os seres humanos e suas relações com os do-

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8 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

mínios da vida, do trabalho e da linguagem. de transformar este objeto de conhecimento.


Então, a semiologia nos serve como uma Logo, ao nos confrontarmos com a experi-
chave interpretativa para decifrar os proble- ência da loucura não deixamos de relativi-
mas da saúde e da doença mental colocando zar os critérios que regem a nossa raciona-
em perspectiva o filme Bicho de Sete Cabe- lidade e, ao mesmo tempo, percebendo que
ças. sempre existe uma dimensão de lucidez nos
Quanto à hermenêutica, uma acepção ad- discursos e ações dos loucos, não cessamos
vinda de Hermes, o deus grego da decifração de aprender e nos tornar mais sábios a partir
dos mistérios, é uma forma de conhecimento de suas sofridas experiências.
(e de sabedoria antiga) que define um modo O nosso objeto de estudo é constituído
de olhar, um modo de escuta, uma interpre- por uma preocupação com a saúde e a do-
tação e uma compreensão rigorosa sobre os ença mental e nos empenhamos numa inves-
problemas da loucura e da saúde mental. tigação rigorosa, pois nos debruçamos sobre
Metodologicamente realizamos algumas uma sólida bibliografia acerca do tema, ao
séries de entrevistas e recolhemos os depoi- mesmo tempo em que realizamos um traba-
mentos de especialistas, que nos autorizam a lho de campo, vivenciando o cotidiano da-
apresentar uma argumentação sólida sobre o queles que sofrem distúrbios mentais, den-
problema da saúde mental e da loucura. tro e fora das clínicas de psiquiatria. To-
davia, norteamos o nosso enfoque, tentando
observar as formas alternativas à internação,
9 Conexões entre o trabalho
mesmo porque - como referimos anterior-
teórico e o trabalho de campo mente - realizamos na prática este tipo de ex-
A partir de uma filosofia do conhecimento, periência.
com Bachelard, Foucault, entre outros, com-
preendemos que o conhecimento é sempre 10 Elementos para uma análise
aproximado. Desde Platão sabemos que o
do filme Bicho de Sete
sujeito do conhecimento não pode apreender
a totalidade da essência do objeto a ser co- Cabeças
nhecido. E lá no século XX, Einstein pro- Entre o vermelho e o negro, Bicho de Sete
moveu uma revolução no campo do conhe- Cabeças2 tem início. A câmera percorre
cimento científico com a teoria da relativi-
2
dade e se considerarmos que as ciências exa- Ficha Técnica. Título Original:Bicho de Sete
Cabeças. Gênero:Drama. Tempo de Duração: 80
tas têm influência sobre as ciências humanas, minutos. Ano de Lançamento (Brasil): 2000. Estú-
compreendemos que também no domínio da dio: Buriti Filmes / Gullane Filmes / Dezenove Som
antropologia (constituída pelos campos das / Imagens e Fábrica de Cinema. Distribuição: Rio-
ciências da vida, do trabalho, da linguagem) filme.Direção:Laís Bodanzky. Roteiro: Luís Bolog-
é preciso repensar as relações entre o sujeito nesi. Produção: Maria Ionescu e Fabiano Gullane.
Música: André Abujamra. Direção de Fotografia:
e o objeto do conhecimento. Ou seja, o su- Hugo Kovensky. Desenho de Produção: Caio Gul-
jeito é sempre contaminado pelo objeto ao lane. Direção de Arte: Marcos Pedroso. Edição: Ja-
qual se dedica e ao mesmo tempo, não cessa copo Quadri e Letizia Caudullo.

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A representação da doença mental no cinema 9

a cidade de São Paulo enquanto os crédi- Como estratégia metodológica, organiza-


tos tomam a tela e os nomes de Laís Bo- mos o nosso enfoque a partir da seleção dos
dansky e Luís Bolognesi aparecem. Di- principais temas explorados no filme e en-
retora e roteirista são os grandes perso- tão com base nestes temas desenvolvemos a
nagens do filme e os principais responsá- nossa argumentação, buscando encadear os
veis pelo sucesso que o filme alcançou. O textos teóricos, os discursos dos e sobre os
trabalho primoroso da câmera e da dire- loucos no filme e os depoimentos dos pes-
ção de atores só é possível devido ao ex- quisadores e especialistas.
celente roteiro, despretensioso, mas pre-
ciso. As partes se completam e revelam
11 Agenda temática para uma
ao Brasil um filme que arrebata e apro-
xima o público do drama vivido por Ro- discussão de Bicho de Sete
drigo Santoro. Cabeças
Sinopse: 11.1 O indívíduo
No centro da cena está Neto (interpretado
Seu Wilson e seu filho Neto possuem um pelo ator Rodrigo Santoro), um jovem ado-
relacionamento difícil, com um vazio en- lescente, vivendo na cidade de São Paulo,
tre eles aumentando cada vez mais. Seu um rapaz simples, de família de classe mé-
Wilson despreza o mundo de Neto e este dia, composta pelo pai autoritário (Othon
não suporta a presença do pai. A si- Bastos), a mãe ausente (Cássia Kiss) e a irmã
tuação entre os dois atinge seu limite e (Daniela Nefussi) que, trabalhando numa
Neto é enviado para um manicômio, onde firma de seguros, tem ascendência sobre a
terá que suportar as agruras de um sis- família, detém o poder de formar opinião e
tema que lentamente devora suas presas. de tomar decisões sobre o destino dos outros
(Vide Site Adoro Cinema Brasileiro) membros da família, devido à sua indepen-
Elenco:Rodrigo Santoro (Neto), Othon Bastos dência financeira.
(Seu Wilson), Cássia Kiss (Mãe de Neto), Caco Ci- De saída, o filme mostra a grande crise
ocler (Rogério). Gero Camilo (Ceará), Daniela Ne- de identidade do jovem no espaço urbano,
fussi (irmã de Neto), Jairo Mattos (Enfermeiro Ivan),
o conflito de gerações e principalmente a
Luís Miranda (Enfermeiro Marcelo), Valéria Alencar
(Leninha), Altair Lima (Dr. Cintra Araújo), Linneu dificuldade no diálogo entre pai e filho,
Dias (Interno Jornalista), Marcos Cesana (Blu), Gus- numa sociedade cujos valores se encontram
tavo Machado (Lobo), Cláudio Carneiro (Alex), Ta- em transformação. Num ambiente socioe-
lita Castro (Bel), Antônio de Andrade (Enfermeiro conômico adverso, em que não há emprego,
Ednei), Bicudo Jr. (enfermeiro Rubens), Sergio
quando a escola não atende às expectativas
Mastropasque (Psiquiatra), Elida Marques (Instru-
tira de Vendas), Jorge Ramon (Esecutivo), Arthumiro dos jovens, em que a experiência amorosa
Del‘Chiaro (freguês da Barraca), Geraldo de Souza se tornou mercantilizada, o indivíduo não
Silva (Freguês Bar), Eduardo Silva Torres (Aluno), se reconhece no contexto das representações
Wagner Deluna Paes (Aluno), Eduardo Miguel Halim sociais e parte para atitudes contraculturais,
(Dono do Bar), Haroldo Campos (PM).

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10 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

colocando-se, deste modo, fora dos supostos turas epistemológicas, que buscam explorar
padrões de normalidade. as influências recíprocas entre o indivíduo
Como todos os jovens da sua idade, Neto e as mídias. No domínio da antropologia,
interage com a tribo dos jovens urbanos que Mássimo Canevacci, contribui com uma co-
se divertem escutando rock, bebendo, dan- letânea de diversos autores, na obra A dia-
çando e fumando maconha, num contexto lética do indivíduo (1984); no campo da fi-
que – a priori – não passa pela malha da vio- losofia e psicanálise, Gilles Deleuze & Félix
lência do narcotráfico. O filme mostra basi- Guattari construíram uma obra monumental
camente como o uso dos entorpecentes serve sobre o indivíduo, o desejo e as suas interdi-
como estopim para detonar a guerra entre pai ções, explorando os padrões de normalidade
e filho. Na película, o uso da maconha repre- e de patologia, desde O anti-édipo (1976)
senta simplesmente um desejo de expansão até Capitalismo e esquizofrenia, um traba-
da consciência, uma vontade de evasão, de lho em três volumes (1972-1980-1991), que
fuga para o mundo interior, uma vez que o tem sido referencial para todos aqueles preo-
mundo exterior (a sociedade) parece hostil e cupados com o tema. Por sua vez, Michel
agressiva. Espremido num contexto opres- Foucault, colocando em perspectiva a His-
sivo, sem as informações que lhe permiti- tória da Sexualidade, construiu um original
riam tornar-se autônomo, tomar decisões e trabalho conceitual, que consiste numa teo-
atuar politicamente como cidadão, o indiví- ria do indivíduo, desde o vol. I, A vontade de
duo se torna alienado, ou seja, isolado, se- saber, mostrando como se escreve uma his-
parado, excluído e, portanto, uma presa fácil tória da sexualidade através da interdição do
para as instituições repressoras e normativas, discurso sobre o sexo, pelas instituições soci-
aqui no caso, a família e a clínica. ais e como os mecanismos de controle sobre
O foco do filme incide sobre a equação o sexo se exercem através de procedimentos
que reúne o individual e o coletivo, num ce- que levam os indivíduos a falarem sobre a se-
nário marcado pelo narcisismo e individua- xualidade (os confessionários e os divãs de
lismo característicos das sociedades ociden- psicanálise). E, nos volumes II e III, respec-
tais. Sem possibilidade de diálogo com a fa- tivamente, O uso dos prazeres e O cuidado
mília e a sociedade, numa estrutura patriarcal de si, o filósofo mostra as possibilidades de
e machista muito forte, Neto termina sendo construção de um estilo de vida, de pensa-
colocado num manicômio pelo pai, após este mento e de linguagem, logo a construção do
ter encontrado em seu poder um cigarro de sujeito livre das amarras das instituições so-
maconha. A partir daí, assistimos a um dila- ciais.
ceramento do sujeito, que após medicamen- Logo, este conjunto de textos podem nos
tos e tratamentos de choque passará a sofrer orientar num entendimento sobre a elabora-
distúrbios mentais. ção dos padrões de normalidade e anormali-
Em diversas áreas do conhecimento a te- dade dos indivíduos, assim como os padrões
mática do indivíduo tem sido abordada. No de saúde mental e loucura, e principalmente,
campo das ciências da comunicação, encon- instiga-nos, enquanto profissionais da área
tramos um trabalho de fôlego, reunindo di- de saúde, a uma crítica e autocrítica sobre
versos autores norteados por diferentes pos-

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A representação da doença mental no cinema 11

a contemplação das doenças mentais a partir um brinco, colocando em dúvida a sua virili-
de outros contextos terapêuticos. dade. Numa outra cena, o pai protesta em re-
Conforme inferimos, o adolescente Neto lação a uma namoradinha do filho, argumen-
e sua inserção no manicômio constituem o tando que ele poderia “arrumar coisa me-
fio condutor da trama, mas numa outra pers- lhor”, ou seja, interfere no campo dos seus
pectiva, vislumbramos a condição dos diver- desejos e a sua mais profunda intimidade, as-
sos indivíduos encarcerados na clínica psi- sim impede a formação de uma mente saudá-
quiátrica e isto nos serve como uma janela vel para fazer as suas próprias escolhas. De-
para contemplarmos o problema das doenças pois, Neto é preso em flagrante pela polícia
mentais e dos tratamentos terapêuticos. O enquanto está pichando os muros da cidade
universo manicomial, exposto em Bicho de junto com um colega. E por fim, encontra o
Sete Cabeças, leva-nos a refletir sobre a ma- “baseado” do filho e com ajuda da filha mais
neira como os dispositivos terapêuticos po- velha, interna o jovem no hospício.
dem se mostrar adequados ou inadequados,
no tratamento dos doentes mentais e princi- 11.3 O trabalho
palmente nos levar a discutir sobre as formas
alternativas de tratamento das doenças men- A produção e a alienação. Um dos maiores
tais. problemas que o profissional de saúde men-
tal enfrenta é a questão da falta, da precarie-
dade, pobreza e escassez dos recursos econô-
11.2 A família micos do paciente, como uma das principais
Consideramos o filme Bicho de Sete Cabe- causas do seu distúrbio. Os discursos dos pa-
ças uma obra adequada para um estudo, pela cientes são recheados de signos que remetem
maneira como este conjuga uma série de te- ao problema da frustração pela vida miserá-
mas que estão ligados aos processos da saúde vel, pela falta de trabalho, segurança e con-
e da doença mental. Se por um lado, fo- dições de vida mais decentes.
caliza a condição do indivíduo que gradati-
vamente é levado à loucura, por outro lado, “... a grande revolução da psicaná-
coloca em destaque o tema da família como lise contemporânea veio, sem dúvida al-
uma das instituições responsáveis pela ano- guma, com a obra Capitalismo e Esqui-
mia, desordem e desorganização mental. Em zofrenia, os autores podem abaixo uma
linhas gerais, ressalta-se a figura do patri- velha tradição do pensamento, a saber,
arca, por sua vez alienado, num mundo cujos que os males sociais têm sua origem in-
valores em transformação ele não aceita. O discutível nos complexos familiares de
pai aparece como a personagem autoritária, édipo e castração. Eles buscam ao con-
que oprime a família, que, julgando estar fa- trário, relativizar o Édipo e se voltam
zendo o melhor, cerceia a liberdade do filho, à questão colocada por Wilhem Reich:
intensifica os seus conflitos e por fim - para por que os homens desejam a repressão?
o pior - encarcera-o numa clínica psiquiá- Para Reich, o desejo pertence ao campo
trica. Em princípio, Neto é repreendido de do social; para os franceses, ele está in-
maneira grosseira pelo pai por estar usando serido na estrutura econômica da soci-

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12 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

edade e o recalque coloca-se a serviço O capital e a loucura. É importante, num


da repressão, e esta é “desejada” pe- olhar mais aguçado sobre a anomia, a de-
las massas, deixando de ser consciente sordem mental, a loucura, prestar atenção
(MARCONDES FILHO, 2003). para o fato de que estar alienado do processo
produtivo, estar sem trabalho, leva conse-
O filósofo da comunicação Marcondes Fi- quentemente a algum tipo de alienação men-
lho, no livro A Produção social da loucura tal. Convém atentar para a conjunção entre a
(2003), por sua vez, mostra que a condição economia, a sociedade e a loucura, pois são
econômica influi na sanidade mental dos in- circunstâncias que estão bem interligadas. A
divíduos, mas para ele a ênfase no processo própria instituição manicomial está enredada
de produção da loucura pertence ao campo nas tramas do capital. A fala do médico, em
do social. Bicho de Sete Cabeças, referindo a possibili-
Estes autores tornam evidentes, através dade de recrutar mendigos, sem teto e outros
de suas interpretações, contextualizadas no alienados para cumprir o número de pacien-
dorso da história social, como a loucura e os tes necessários numa clínica para a obtenção
abismos sociais estão próximos. de recursos financeiros para sustentar a ins-
Há uma fala em Bicho de Sete Cabeças tituição, demonstra uma séria distorção, as-
que se mostra bem sintomática em relação ao sociada evidentemente à exploração do ho-
problema socioeconômico associado à lou- mem, por um sistema que almeja o lucro a
cura. Trata-se de um discurso muito lúcido qualquer preço, sem quaisquer critérios éti-
de um ancião que parece estar interno há cos e humanitários.
muito tempo no hospício e que alerta tam-
bém para as estratégias de sobrevivência no
11.4 O lazer e os prazeres
manicômio.
Faz-se necessário o controle dos prazeres
“É preciso fingir. Quem é que não finge numa sociedade programada para a repro-
neste mundo, quem? É preciso dizer dução do capital. O lazer precisa ser ren-
que está bem disposto, que não tá com tável, capitalizado para a manutenção das
fome..., é preciso dizer que não está com energias produtivas. Este aspecto da socie-
dor de dente, que não está com medo..., dade industrial é vista por Deleuze e Guat-
senão não dá, não dá. tari, mostrando, o desejo, a libido, as ener-
Nenhum médico jamais me disse que a gias sendo canalizadas para a produção, em
fome e a pobreza podem levar ao dis- detrimento da liberdade das escolhas autôno-
túrbio mental. Mas quem não come fica mas, gerando distúrbios mentais.
nervoso, quem não come e vê seus pa- O encarceramento, em sua generalidade,
rentes sem comer pode chegar à lou- priva os indivíduos de uma ocupação, da re-
cura. Um desgosto pode levar à loucura, alização de uma experiência que dê sentido à
uma morte da família, o abandono de um sua vida cotidiana. Aliás, isto é pouco prová-
grande amor. A gente até precisa fingir vel num ambiente em que os indivíduos es-
que é louco sendo louco..., fingir que é tão permanentemente sedados. As perspec-
poeta sendo poeta”. tivas mais recentes se mostram progressistas

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A representação da doença mental no cinema 13

neste sentido, estimulando - por exemplo - empregados nos manicômios, quanto aos cri-
a terapia ocupacional. No filme, a cultura térios de internação daqueles que sofrem de
da clínica psiquiátrica é regressiva, apóia- distúrbios mentais e principalmente quanto
se em técnicas ultrapassadas, sujeitando o aos pais incompetentes para entender os pro-
paciente a uma experiência punitiva. Os blemas dos filhos, numa sociedade que lhes
eletro-choques são aplicados àqueles indiví- nega tudo e que lhes exige o rigor no cum-
duos mau-comportados, anti-sociais, que se primento das regras sociais.
rebelam contra as normas da clínica, algo Exibe-se a cena de uma aula de marketing,
bem diferente da utilização de métodos ra- um treinamento numa empresa de seguros,
dicais e necessários para livrar o indivíduo mas que - de algum modo - traduz o estilo
do estado de patologia. educacional contemporâneo voltado para a
A terapia ocupacional tem sido relevante inserção dos recursos humanos no mercado,
no tratamento dos alienados, de maneira si- mas sem nenhum fundamentação humanís-
milar a outros métodos alternativos, como o tica, sem orientações éticas que pudessem
diálogo e a busca de inserção social dos do- formar cidadãos, sem quaisquer preocupa-
entes mentais. ções de preparar os jovens para a incorpo-
ração de uma consciência crítica e compre-
11.5 A educação ensiva para com os problemas sociais.
Em termos de educação, informação e di-
No plano cognitivo, ou seja, no nível de in- fusão de conhecimento, reconhecemos que o
formação, aquisição de conhecimentos e for- próprio filme é que se mostra relevante neste
mação da consciência, o filme traduz alguns sentido. Trata-se de uma crítica corrosiva das
aspectos da vida social das famílias pobres e instituições sociais e tem o mérito de desper-
de classe média, diante da televisão durante tar os telespectadores do cinema e da tele-
grande parte do seu tempo livre. Não há li- visão para a construção de um outro olhar
vros, nem revistas em cena. A única leitura sobre a loucura e a possibilidade de se es-
representada é de Netinho, ao qual o pai pede capar dela. Esteticamente, o filme é formi-
que leia sobre as notícias esportivas durante dável porque voltado para uma temática de-
o trajeto rumo a uma partida de futebol. Evi- licada, como a incomunicabilidade entre as
dentemente, escapa deste contexto a carta de gerações, focaliza uma experiência extrema
Neto ao pai, antes de sair do segundo sanató- como a loucura, através de diversos códigos
rio, pois, significa uma comunicação literá- de linguagem, que chamam a atenção dos
ria, epistolar, que expõe a revolta contra o ato leigos e dos especialistas.
“covarde” do pai, no que respeita a decisão A produção da trilha sonora inclui música
de internar o filho. A carta de Neto, sendo e letra de Arnaldo Antunes (ex-integrante da
inspirada numa carta verídica, serve como banda Os Titãs). Antunes é reconhecido tam-
fio condutor para a enunciação, ou seja, é bém por sua verve poética e por uma obra
este discurso que sustenta a narrativa cine- que se presta à educação estética. Isto enri-
matográfica de Bicho de Sete Cabeças, ins- quece a narrativa e também estimula a nossa
tigando o telespectador a um sentimento de percepção para contemplar o tema da lou-
indignação quanto aos métodos terapêuticos cura e da lucidez, através de uma melodia

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libertária, que responde aos anseios e expec- dades de sofrimento; mesmo que haja alter-
tativas de uma sociedade neurótica. As bati- nativas para a adequação da sua conduta às
das, as sonoridades, o ritmo e as cadências, normas sociais, os procedimentos utilizados
assim como as letras das músicas feitas para para esta finalidade são mais destrutivos que
o filme, configuram parte de uma narrativa regeneradores. Num certo sentido, a clínica
que traduz sensivelmente, esteticamente, o é uma extensão da casa do jovem rapaz.
universo dos loucos. Este recurso leva o te-
lespectador a desenvolver uma racionalidade 11.7 O regime das afetividades
sensível com o poder de apreensão de outras
realidades. A licença poética que estrutura A incomunicabilidade e a loucura aparecem
o discurso artístico concorre em pé de igual- no filme como partes de um mesmo pro-
dade, em nível de competência, com o dis- cesso. A falta de diálogo entre um pai into-
curso científico sobre o louco e a loucura. lerante e um filho inexperiente toma propor-
A arte do cinema (e da televisão) pode libe- ções extremas nesta representação. Em cena
rar visibilidades inéditas para o olho do es- se projetam os valores machistas de um pai
pecialista em problemas mentais. Assim o de família que, sendo repressor e reprimido,
cinema, de algum modo, pode curar. O uni- não dedica afeto à esposa fechada, muda, in-
verso da loucura, pelo viés da arte tecnoló- trospecta e ausente; não dedica afeto também
gica, se torna mais acessível aos profissio- ao filho que emudece e procura se libertar
nais de saúde mental. Logo, é possível se de um ambiente inóspito através de pequenas
pensar numa educação dos sentidos, numa rebeldias, o que termina levando-o ao hospí-
comunicação educativa, por meio das obras cio.
de arte tecnológicas. Introjetando os valores machistas do pai,
Neto se mostra violento aos assédios de um
homossexual, durante sua aventura na praia
11.6 A sociedade de Santos. Mais tarde encontra uma jovem,
De fato, a organização social dentro da clí- pela qual se sente atraído e com a qual de-
nica, conforme observamos em Bicho de senvolve relações amorosas, mas posterior-
Sete Cabeças, parece-se com a estrutura or- mente será preterido por esta. Durante uma
ganizacional da sociedade de maneira mais “balada”, após a primeira internação, tendo
ampla. Dentro e fora da clínica se configu- bebido, Neto parte para uma experiência eró-
ram hierarquias, cujos discursos e atividades tica com uma menina, mas estando intoxi-
atravessam a mente e o corpo do indivíduo, cado pelos efeitos da medicação, sua em-
conformando-o às regras gerais para a manu- presa não é bem sucedida. Revoltado e sob
tenção do sistema. a ação do álcool e dos remédios, Neto se
O saber, a experiência, o conhecimento do comporta mal, quebra tudo e é novamente in-
mundo pelo pai e pelo médico servem como terno.
legitimação para o exercício de um poder ar- Durante a primeira internação Neto trava
bitrário e em nome a da cura e da inserção relações com três pacientes: um é retardado
do indivíduo no contexto padrão de norma- mental, mas é pacífico e nos leva a entender
lidade, este é submetido às diversas modali- que não deveria estar interno; o segundo, é

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A representação da doença mental no cinema 15

um viciado em drogas injetáveis e demonstra “Pai, as coisas ficam muito boas quando
ser possível a amizade e cumplicidade nos a gente esquece, mas eu não esqueci o
sanatórios para doentes mentais; o terceiro é que você fez comigo. Eu não esqueci a
um velho sábio que lhe alerta para o uso de sua covardia. Agora você vai me ouvir.
estratégias de sobrevivência para escapar das To te mostrando a porta da rua pra você
punições no asilo. sair sem eu te bater”.
Em linhas gerais, o filme mostra como a
carência afetiva e a incomunicabilidade pode No fim do filme, a leitura da carta do filho
desencadear processos de desequilíbrio; ou é relida pelo pai, como quem pensa alto, mas
seja, se os laços de família fossem organiza- novos elementos se apresentam na enuncia-
dos numa base afetiva, de compreensão mú- ção:
tua, tolerância, interação e solidariedade, es-
tes evitariam as experiências radicais como a “Lembra de uma frase que você me disse
internação. uma vez? Eu cheguei onde cheguei,
A experiência amorosa se inscreve na nar- quero ver onde você vai chegar. Pois
rativa como uma dimensão saudável, afirma- é. Eu cheguei aqui, aqui é o meu lugar.
tiva, libertária. Relembramos que durante Você conseguiu, me fez menor que você.
os delírios do jovem, causados pelos efeitos Seu mundo aí fora é grande demais pra
dos psicotrópicos, ele relembra a jovem que mim”.
conheceu em Santos, que lhe emprestou di-
nheiro para voltar a São Paulo, que o levou No texto tudo é metáfora, mas traduz um
para casa, oferecendo-lhe alimentação e afe- primeiro nível de dilaceramento, de desatino
tividade, mesmo que depois tenha se portado e loucura. A relação entre pais e filhos como
superficialmente, descartando-o em seu en- primordial no equilíbrio mental. O diálogo e
contro na livraria. a sua falta como um estopim para o desaba-
mento das estruturas psicológicas. Assim, o
discurso do jovem mostra com muita clareza
11.8 A linguagem como a estrutura familiar pode gerar distúr-
O filme se abre com uma carta ao pai, uma bios mentais, psicológicos e morais. An-
carta rebelde, cheia de mágoa, do filho que tes, Neto era um rapaz calmo, com peque-
se sentiu injustiçado por ter sido jogado num nas rebeldias como todo jovem de sua idade.
manicômio, após ter sido flagrado com um Após a internação, tendo sido violentado em
cigarro de maconha. E com muito mais sua dignidade, tendo tomado medicamentos,
abrangência, o texto declara uma rebeldia ao convivido com os doentes mentais em estado
pai, mas o pai simboliza a lei, a regra, a ló- grave, sofrido agressões físicas, encarcerado
gica sufocante da grande cidade que exclui, nas solitárias e levado eletrochoques, tornou-
aliena e alucina. É principalmente um grito se agressivo, violento e virtualmente margi-
de resistência à norma, à norma hospitalar, à nal.
grande internação e aos seus métodos tera- A linguagem do documentário utilizado
pêuticos desumanos. pela diretora empresta ao filme uma forte
sensação de realidade, aumentando ainda

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16 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

mais o impacto das emoções vividas pelo 11.9 Orientação tempo-espacial


protagonista. No manicômio, Neto é forçado O lado de dentro e o lado de fora da clínica
a amadurecer. E em cada fase de suas inter- são regidos por uma temporalidade imposta,
nações, o seu rosto vai ganhando uma fisi- isto é, o tempo do relógio, do calendário, o
onomia e uma significação diferente, comu- tempo cronológico que organiza a produção
nicando ao telespectador os níveis de dor e substitui o tempo do desejo, o tempo da li-
de sofrimento, mas também vai mostrando, berdade e o tempo das trocas afetivas, ge-
através dos gestos, olhares e posturas, mo- rando um tipo de mal-estar, de desgosto e
dalidades distintas de auto-conhecimento e num caso extremo, de patologia. O lado de
aquisições sistemáticas de estratégias de so- dentro da clínica, não podemos esquecer, já
brevivência. Uma representação do medo e é o lado de fora: o encarceramento é sempre
das modalidades de resistência frente ao re- uma modalidade de exclusão social. O filme
gime corrupto e arbitrário, faz-se com com- nos alerta o tempo inteiro para uma reflexão
petência em Bicho de Sete Cabeças. sobre a clínica e suas metodologias terapêu-
É esta semiologia, enquanto uma revela- ticas que podem ser nefastas e causar danos
ção dos sintomas, da loucura e da clínica irreversíveis.
como incongruências, distorções e dissonân- Uma terapia adequada seria a devolução
cias, que se projeta na tela, conduzindo-nos ao indivíduo do tempo do seu desejo para
a uma outra reflexão sobre a doença mental poder utilizá-lo de acordo com os seus an-
e os processos terapêuticos. seios e aspirações. Encontramos diversos ca-
A cena do diretor do hospício, em que este sos em que os indivíduos desejam somente
se tranca em seu quarto, toma um drink mis- usufruir da liberdade de gozar o seu pró-
turado com fortes estimulantes, abstraindo- prio tempo da maneira que melhor lhes con-
se do cotidiano cruel no trabalho com do- vier e a interdição desta escolha geralmente
entes mentais e imagina os pacientes “dan- acarreta modalidades diferenciadas de pato-
çando” no pátio, como num estranho carna- logias.
val, é soberba. O cinema (e a televisão) en- Além do tempo, a questão do espaço, do
tão torna os estados alterados da percepção território, define os níveis de inserção dos in-
- por meio do álcool e das drogas - de ma- divíduos numa escala de loucura ou de nor-
neira similar aos processos psíquicos deli- malidade. A casa, a terra, o território cons-
rantes. Logo, a linguagem de Bicho de Sete tituem referências físicas, espaciais impor-
Cabeças é pedagógica e libertária, pois se tantes para a realização e sentimento de per-
aproxima do universo patológico; racional- tença para os indivíduos. O tempo e o espaço
mente e esteticamente o filme nos aproxima são referências fundamentais para a orienta-
da região abissal da loucura e nos fornece um ção dos indivíduos em suas vivências cotidi-
caminho para acessar esta região quase inal- anas. A supressão ou alteração destas refe-
cançável pelo olhar lúcido dos especialistas. rências repercute em neuroses e outros dis-
túrbios mentais.

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A representação da doença mental no cinema 17

11.10 A clínica manicomial do que voltado para uma prática


A representação ficcional da instituição ma- terapêutica efetiva.
nicomial é bem fidedigna, pertinente, rele- A segunda clínica aparentemente é mais
vante para uma discussão. Relembramos que “limpa”, entretanto, ali também se eviden-
há duas internações: a primeira por porte de ciam os maus tratos dos pacientes, o abuso
maconha, a segunda, quando o rapaz, já into- da autoridade, o uso do “sossega leão”, do-
xicado pela medicação, após ter levado cho- ses cavalares de medicações injetáveis, en-
que, torna-se violento e quebra tudo numa fim todo um repertório de dispositivos e apa-
festa, é preso e enviado para um manicômio. relhagem, cuja utilização se mostra inade-
A primeira é uma instituição estatal, di- quada na recuperação dos doentes mentais.
rigida por um psiquiatra corrupto, em con- E, nessa segunda clínica, sinaliza-se a ques-
dições precárias, em que se faz uso de mé- tão importante da terapia ocupacional, mas
todos considerados antiquados pelos profis- que na verdade se restringe a um horário res-
sionais de saúde. Ali perambulam aliena- trito para a prática de esportes. Então, pela
dos em diversos estados de perturbação e indicação da falta, da ausência, da subtra-
instabilidade, mas percebemos que há indi- ção dos métodos terapêuticos alternativos, o
víduos, como o retardado, chamado Ceará, filme Bicho de Sete Cabeças se mostra efici-
que não deveria estar ali; ao mesmo tempo, ente e progressista no que respeita ao trata-
os viciados em droga junto com indivíduos mento das doenças mentais. Muito embora,
que aparentemente são irrecuperáveis, ates- o foco desta realização cinematográfica in-
tam uma situação verossímil aos sanatórios cida sobre um equívoco, ou seja, um distúr-
das regiões pobres. Não podemos esquecer bio familiar levando um jovem a uma inter-
que o filme consiste no roteiro adaptado de nação no hospício, repercutindo em sua de-
uma obra literária autobiográfica; logo, parte gradação física, mental e psicológica, esboça
é ficção e parte é realidade. um grande texto sobre o problema da clínica
Genericamente, os dispositivos estrutura- e dos tratamentos psicoterapêuticos.
dores do aparelho psiquiátrico, conforme po-
demos depreender do filme, estão menos 11.11 A poética e o discurso da
a serviço de uma recuperação dos doentes loucura
mentais e mais eficazes no sentido do apri-
moramento da lógica do encarceramento, da Grande parte da força de sentido do filme Bi-
disciplina e da punição: os aventais brancos, cho de Sete Cabeças vem da sua trilha so-
as grades, a divisão dos espaços, a composi- nora. Música e letra do poeta Arnaldo An-
ção dos ambientes, banheiros, sanitários, re- tunes se reúnem de maneira eficiente, infor-
feitórios, dormitórios, os corredores, as áreas mando o telespectador por meio de uma irre-
de lazer, de visitas, assim como os horários sistível elaboração estética. O universo dos
de banho de sol, o prazo estipulado para as loucos, a percepção dos alienados, a ambi-
visitações das famílias... tudo está antes a ência manicomial é traduzida pelos versos e
serviço da organização, disciplina e controle melodias de Arnaldo Antunes, que desnuda
uma outra dimensão do imaginário e assim

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18 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

faz dos telespectadores cúmplices da odis- Nessa direção, apresentamos o depoi-


séia do jovem Neto. mento de um médico psiquiatra, que enca-
minhou o seu argumento sob a forma de um
11.12 As alternativas relato de sua experiência no domínio da as-
sistência aos doentes mentais.
Há algum tempo temos observado uma linha
evolutiva no percurso histórico dos tratamen-
tos terapêuticos. Novos métodos alternati- Depoimento 1
vos ao encarceramento têm sido enunciados
e experimentados no Brasil e no Exterior, nas
Dr. Ivanor Velozo
grandes cidades e no interior do Brasil. O (Psiquiatra e Professor Universitário)
filme Bicho de Sete Cabeças não nos fornece
uma alternativa à clínica; mostra-nos a sua Comecei a trabalhar com pacientes psi-
inadequação, o sistema corrupto que ela ex- quiátricos há cerca de 24 anos atrás, quando
perimenta e a conivência da família para com iniciei um estágio em hospital psiquiátrico
os métodos repressivos, antiquados e preju- ainda na graduação de medicina. Naquela
diciais. Mas, fazendo a sua denúncia, justa- época os hospitais psiquiátricos eram o cen-
mente, a obra nos alerta para outras possibi- tro de referência para o tratamento das do-
lidades no tratamento das doenças mentais. enças mentais, sobretudo, os quadros psicó-
ticos. Era uma época de prosperidade para
estas instituições que viviam superlotadas e
12 A palavra dos especialistas reinvidicando ampliação de seu número de
Inserimos os depoimentos dos especialis- leitos para disponibilizar mais vagas a popu-
tas, pesquisadores e profissionais da área de lação. Como médico sentia-me muito des-
saúde com o intuito de mostrar como di- confortável, tendo inclusive em diversas oca-
ferentes competências advindas de campos siões abalado minhas convicções de seguir a
distintos do conhecimento podem contribuir psiquiatria como especialidade.
para um debate lúcido e rigoroso sobre o pro- Uma das características daquela assistên-
blema da loucura e da saúde mental, e tam- cia, além da óbvia segregação, era a massifi-
bém nos predispomos a dar voz aos indiví- cação do atendimento. Os hospitais neces-
duos acometidos por distúrbios mentais. sitavam de muitos doentes internados para
Sistematicamente, recolhemos os depoi- serem lucrativos com as baixas diárias que
mentos dos médicos, psicólogos, especialis- eram pagas pelo antigo INPS e posterior-
tas e pesquisadores sobre a doença mental, mente pelo SUS, isso implicava em poucos
objetivando contemplar a maneira como se médicos assistindo uma infinidade de doen-
configuram os saberes sobre os loucos no sé- tes O médico não conseguia ser eficaz por
culo XXI; procuramos antes de tudo, verifi- não poder personalizar a estratégia de inter-
car em que medida os seus discursos signi- venção Além disso, sentia-se desmotivado e
ficam uma linha evolutiva, mais humanista, até coagido a prolongar ao máximo a esta-
compreensiva, justa e solidária no que con- dia do enfermo por um conluio estabelecido
cerne aos transtornos mentais. entre a administração desses hospitais que ti-

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A representação da doença mental no cinema 19

nham interesse em mais diárias e os famili- ticas governamentais sem nenhum interesse
ares dos doentes que por preconceito, desin- real pelo doente mental mas com intenção
formação e falta de opções terapêuticas que- de promover uma redução de custos do or-
riam apenas se ver livre do mesmo. çamento da Saúde resultou num desmante-
Mais grave ainda era a total falta de ci- lamento precoce e desastroso dos hospitais
dadania daquele indivíduo, que por ter um psiquiátricos com significativa redução dos
transtorno mental era destituído de todas as leitos disponíveis sem que qualquer aparato
prerrogativas de qualquer cidadão, subme- alternativo de assistência tivesse sido criado.
tido a condições subhumanas de habitação, E o caos se instalou, nessa ocasião, com
alimentação e higiene para baratear custos, muito sofrimento para doentes e seus fami-
sem ter vez nem voz, sujeitava-se aos abu- liares desamparados e sem saber a quem re-
sos de poder exercidos por toda uma gama correr.
de servidores da saúde desde “seguranças”, O sancionamento da Lei de Reforma Psi-
auxiliares de enfermagem e até dos médicos quiátrica e mais ainda a vontade política têm
que sem um sistema de regulação era conta- determinado nos últimos seis anos o surgi-
minados pela onipotência que lhes era propi- mento de uma política de saúde mental que
ciada naquele ambiente. efetivamente tem contribuído para o surgi-
Tudo isso resultava em práticas terapêuti- mento de alternativas terapêuticas ao modelo
cas insípidas, ou até maléficas pois em mui- hospitalar. A destinação de verbas federais
tas situações promoviam a cronificação de para este fim tem feito crescer a olhos visto
processos patológicos sabidamente tratáveis o número de Centros de Atenção Psicosso-
agravavam a desadaptação social e fomen- cial – CAPS por vários municípios em to-
tavam o vício do hospitalismo que levavam das as regiões do Brasil, residências terapêu-
vários pacientes a dependerem do ambiente ticas e os programas que estimulam financei-
hospitalar. Sem contar com as conseqüên- ramente as famílias a receberem doentes crô-
cias irreversíveis que más práticas farmaco- nicos de volta para casa. Além disso a valori-
terapêuticas podiam ocasionar como a dis- zação da atenção básica a saúde representada
cinesia tardia relacionada ao uso indiscrimi- pelo PSF tem ampliado o número de agentes
nado e crônico de medicação neuroléptica. trabalhando pela saúde mental já que algu-
Fui testemunha também das lutas para mu- mas condições psiquiátricas de menor com-
dar este estado de coisas desde o anteprojeto plexidade tem sido incorporadas no atendi-
de lei do deputado Paulo Delgado com toda mento dado pela equipe de saúde da família.
a polêmica que se seguiu e que o levou a tra- Mesmo sem dispor de estatísticas, como
mitar pelo Congresso Nacional por pelo me- profissional da área de saúde mental, sinto
nos doze anos, a formação dos grupos de luta fortemente que vivemos hoje um momento
antimanicomial, o loobe dos proprietários de em que as políticas de cidadania e inclusão
hospitais e os radicalismos de ambas as par- estão ecoando na psiquiatria que dispõe hoje
tes que só redundaram inicialmente em mais de mecanismos de monitoramento e controle
prejuízo aos pacientes. da assistência aos doentes mentais seja pela
Os ideais da luta antimanicomial mal uti- legislação que obriga a notificação ao Minis-
lizados pelos radicais e aproveitado por polí- tério Público de qualquer internação involun-

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20 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

tária, seja porque a assistência é hoje respon- uma estrutura. Não havendo doença, por-
sabilidade de um a equipe multiprofissional tanto, não se fala em cura, mas em uma
que geram mecanismos de auto-regulação de forma de lidar com o sofrimento assim como
condutas e disponibilizam um leque maior os neuróticos também a procuram. Entre-
de alternativas terapêuticas e de ressociabi- tanto ao lidar com a loucura a psicanálise se
lização , seja ainda porque ao longo das lu- depara com a psiquiatria, com o seu olhar
tas pela reforma psiquiátrica as famílias em orgânico e importante (mas que poderia ser
meio ao desamparo se organizaram em gru- bem menos impositivo) em relação a psicose.
pos que hoje tem maior poder de fiscaliza- A psicanálise e acho que posso incluir aí a
ção e pressão sobre as estruturas assisten- psicologia de um modo geral, trata de uma
ciais além de contribuírem na disseminação categoria que vai num sentido oposto ao da
de uma cultura de maior aceitação do doente ciência, e podemos entender aí da psiquia-
mental como parte da comunidade. tria. A psicanálise vai tomar o sujeito em sua
Na prática clínica acredito que como eu particularidade, como aquele que escapa à
muitos psiquiatras se sentem atualmente generalização, ao enquadramento. Portanto
mais instigados e desafiados a colocar o me- os métodos utilizados pela psiquiatria de me-
lhor de seu conhecimento a serviço da saúde dicar, conter, calar, enclausurar o paciente,
mental da população sob o risco de sermos não corresponde à visão de tratamento a um
confundidos com parte de um passado que “sujeito”. Para saber sobre esse sujeito não
todos queremos esquecer. há outra forma possível senão dando-lhe a
possibilidade de falar de si, seus sofrimen-
tos, alegrias e dores. A medicação é impor-
Depoimento 2
tante se vier acompanhada da fala, como um
De maneira distinta, a psicóloga Paula Oli- a mais no tratamento. Então é importante di-
veira Sobral buscou discutir as diferentes zer que a psiquiatria não tem como dar conta
metodologias de campos específicos como a do paciente, nenhum saber sozinho tem, mas
psicanálise e a psiquiatria. Relatando o seu o diálogo entre os saberes pode ajudar a ame-
percurso profissional, a sua experiência, a nizar o seu sofrimento. Os hospitais psi-
psicóloga, sugere uma reflexão sobre o louco quiátricos vêm sofrendo mudanças no funci-
a partir de sua diferença e alteridade. onamento. O poder psiquiátrico vêm sendo
Bem eu terminei o curso de psicologia na questionado (embora a palavra final ainda
UFPB agora no final de 2005 e estou fazendo seja somente cabível ao psiquiatra) e servi-
mestrado em letras sobre psicose e escrita. ços substitutivos vêm sendo criados e isso
Acho que meu olhar sobre a loucura e seu é super importante, mas é importante tam-
tratamento vai muito pelo viés da psicaná- bém que em meio a tudo isso, a reforma não
lise, já que foi a partir dela que conheci a perca de vista o paciente, que em momentos
loucura. Então vou tentar falar um pouco so- de crise precisa sim de um lugar para ficar,
bre minha experiência nesse campo. para ser medicado e “cuidado”. O paciente
É difícil pensar em doença mental para a psiquiátrico difere e muito de um paciente
psicanálise já que a psicanálise não consi- clínico. Quando levado a um serviço não é
dera a psicose como uma doença, mas como contenção física que ele pede. Não é possível

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A representação da doença mental no cinema 21

a um paciente psicótico ficar deitado em uma da Abordagem Centrada na Pessoa. Gosta-


enfermaria recebendo medicação. É neces- ria também de deixar claro que em minha
sário espaço, atividades terapêuticas, atendi- formação não tive muito contato com insti-
mentos individuais, oficinas. Entendo que tuições psiquiátricas, principalmente, devido
trabalhos com a palavra, colocando o paci- ao meu interesse dentro da psicologia, que
ente a falar, a separar de si, colocar para fora não se inclinou para este lado. Por isso, as
aquilo que o atormenta, seja em forma de coisas que posso falar acerca deste assunto
alucinações, delírios, fenômenos corporais, é são bastante superficiais. Mas, vamos lá!
uma forma de tratar. Os trabalhos com arte, Atualmente, é possível ouvir de muitos mé-
papel, tinta, lápis, material plástico, escrita, dicos psiquiatras a importância do trabalho
também permitem ao sujeito extrair no real o com equipes multidisciplinares, ou seja, um
seu sofrimento. No mais, todo trabalho que trabalho que envolva assistentes sociais, psi-
possa priorizar o “sujeito falante”, que possa cólogos e enfermeiros. No entanto, parece
colocar em primeiro lugar a fala do sujeito, a ser que ainda existe uma marca muito forte
sua “verdade”. nas relações entre esses profissionais. O mé-
dico está acima de Deus. Os demais são po-
Depoimento 3 bres mortais que apenas servem como um
mero auxílio para colocar ordem dentro da
Por um outro prisma, Alex Nóbrega, jovem cruel instituição psiquiátrica. Sinto que se
pesquisador no campo da psicologia social, trata de uma forma de tratamento extrema-
retoma a questão da interdisciplinaridade, mente marcada por um abuso do uso de me-
apresenta elementos para uma crítica da psi- dicamentos. É retirada qualquer possibili-
quiatria, mostra os deslocamentos e avanços dade de autonomia e escolha daquele ser hu-
na área da psicologia social, percebe a im- mano que é submetido à internação, muitas
portância de filmes críticos sobre o tema e vezes sem necessidade. Além do mais, os
ainda faz uma apreciação do sistema CAPS, trabalhos propostos por psicólogos são vis-
uma estratégia alternativa de terapia. tos muitas vezes como atividades lúdicas, de
recreação, que não surtem efeito algum e ser-
Alex Figueirêdo da Nóbrega – 23 anos
vem só para distrair os internos. Daí, não são
Aluno do curso de graduação em Psico-
incentivadas pela instituição, funcionando de
logia da UFPB.
forma bastante precária, sempre mendigando
Primeiramente, responder em nome da recursos e ferramentas necessárias à realiza-
Psicologia é algo bastante delicado, visto que ção do trabalho.
esta ciência se apresenta de forma tão plu- Sob uma visão humanista, devo destacar
ral, com linhas e tendências bastante dife- as idéias de Rogers, quando ele alerta para
rentes e até mesmo divergentes, em alguns a necessidade da construção de relações di-
casos. Portanto, penso que devo respon- alógicas entre os seres humanos, sejam eles
der essa questão à luz dos campos para os quem forem. É preciso saber ouvir esse ou-
quais mais dediquei meus anos de forma- tro com o qual nos deparamos. E saber ou-
ção de psicólogo, a saber, a Psicologia So- vir é algo que implica em saber entrar no
cial/Institucional e a Psicologia Humanista mundo do outro, compreender o sentimento

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22 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

daquela pessoa, despindo-se de juízos de va- que se aproximam de uma visão fenomeno-
lor, sobre o que é correto ou não, o que é lógica do ser. Pois, como já falei antes, exis-
normal ou não. É preciso saber que existe tem várias psicologias. E a psicologia que
a diferença, existem modos de existência di- está mais próxima da psicanálise, por exem-
versos. E o que se vê dentro dessas insti- plo, não compartilha das idéias que expus.
tuições é um descaso com o paciente, que é Para a psicanálise, somos todos psicóticos ou
tratado sem saber o que lhe vai acontecer, o neuróticos. Ou seja, “somos” assim. O que
que lhe vão fazer, para onde vão lhe levar, precisamos fazer é aprender a lidar da me-
o que lhe vão dar para tomar. E mais, algo lhor forma com essa configuração que nos
de pior, ao meu ver, é a cristalização dos do- imprimiram ao nascermos.
entes. Ou seja, o olhar médico caracteriza- Talvez meu depoimento seja muito pouco
os como pessoas que “são” assim. Procuro objetivo, e talvez não indique alternativas
entendê-las como pessoas que “estão” assim. palpáveis para o tratamento de doentes men-
Entendo o ser humano como um eterno de- tais. Mas, faz parte de um raciocínio que
vir. Acredito nas possibilidades da existência questiona o que é a “doença mental”. Quem
humana. E não em um ser estático, que pos- é doente mental? Que estilo de vida padrão
sui características imutáveis. Um laudo di- é esse que todos nós temos que ter? Será que
agnóstico é algo que pode “matar” as possi- mantendo uma porção de pessoas enclausu-
bilidades de um ser humano. Percebo muito radas, distantes da sociedade, não estamos
isso dentro do ambiente escolar, onde esta- produzindo a doença mental? Como bem
gio atualmente. Há uma enorme demanda mostra o filme Bicho de Sete Cabeças. Como
para diagnosticar a criança, para saber “o que pode viver de forma saudável um garoto cuja
ela tem”, como se ela tivesse realmente algo. vida familiar é de uma distância tremenda
Em geral, os professores afirmam com toda entre as pessoas, onde a os membros da fa-
a certeza de que existem “os alunos que que- mília não se conhecem, não se conversam,
rem” e “os alunos que não querem”. E, não não dialogam. Que relações humanas nós
raro, vê-se a psicologia consolidando essas estamos produzindo e reproduzindo? Penso
visões com seus laudos e diagnósticos, que que a idéia dos CAPS é muito bem-vinda.
tranqüilizam o professor, pois a partir daí, ele Porém, como humanizar se não nos ofere-
não terá mais a preocupação em desenvolver cem uma formação humanizante? Como fa-
as potencialidades daquele aluno, visto que lar em prevenção, se as universidades vivem
ele “é” tal como disse o laudo, então, lá está sempre sendo socorridas com curativos mal-
a psicologia contribuindo para mais uma ex- feitos e formando profissionais apenas para
clusão social. Laudo é algo efêmero, passa- remediar os problemas? Deixo essas ques-
geiro, momentâneo. Hoje é, amanhã não é tões para que possamos refletir acerca do que
mais. vale mais à pena: uma política preventiva de
É importante destacar que essas idéias as saúde ou uma política que visa apenas re-
quais estou expressando são de uma parte mediar e controlar os estragos, mantendo-os
da psicologia, a Psicologia Humanista, na fora da sociedade.
qual estão incluídas a Abordagem Centrada
na Pessoa, a Gestalt-Terapia, dentre outras

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A representação da doença mental no cinema 23

Depoimento 4 boradas na década de 90, tornando o poder


público cada vez mais comprometido com
Um depoimento contundente nos é apresen-
a nova política de saúde mental, hoje, res-
tado pela psicóloga Marcela Lucena, com es-
paldada e legitimada pelo Sistema Único de
pecialização em Psiquiatria Social pela FIO-
Saúde no que se refere às suas diretrizes e
CRUZ, que lança novas luzes sobre a discus-
linhas de financiamento. È importante res-
são da reforma psiquiátrica no Brasil.
gatar que neste período foi elaborado o pro-
“No Brasil, é na década de 70, momento
jeto de lei de Paulo Delgado que além de dis-
em que se buscava a redemocratização do
por sobre os direitos das pessoas portadoras
país, de eclosão do movimento sanitário, que
de transtornos mentais, recomendava a rede
se desencadeia o que chamamos Movimento
substitutiva a hospital psiquiátrico como pri-
da Reforma Psiquiátrica. Uma reforma que
meiro indicativo de cuidado e o fechamento
visa a reconstrução da concepção de lou-
progressivo de leitos com proibição de cons-
cura, enfocando a questão do sofrimento psí-
trução de novos leitos psiquiátricos em ter-
quico e repensando as formas de cuidado da
ritório brasileiro. Projeto que levou 12 anos
loucura. Propondo um redirecionamento do
(só em 2001) para ser aprovado com altera-
modelo assistencial, antes centrado no hospi-
ções quanto ao fechamento de leitos. Impor-
tal psiquiátrico, para uma atenção integrada,
tante apontar as Conferências de Saúde Men-
em rede, baseada no território. Assim, desde
tal como marcos para a implantação da polí-
então, inicialmente através de profissionais
tica atual. È a III CNSM (2001) composta
de saúde mental denunciando a falta de con-
por movimentos sociais, técnicos, usuários e
dições de trabalho e a inadequada assistência
familiares que vai produzir elementos teóri-
prestada nos hospitais psiquiátricos e poste-
cos e políticos para a atual política de saúde
riormente através de um amplo movimento,
mental no Brasil.
iniciado em 1988 em Bauru – SP, chamado
Portanto, podemos dizer que estamos vi-
Movimento da Luta Antimanicomial.
venciando ainda uma política em transição –
Na década de 80 e 90, grandes experiên-
de um lado o avanço numa nova perspectiva
cias foram iniciadas por governos munici-
e de outro a coexistência de uma rede signi-
pais democráticos, a exemplo a de Santos
ficativa de hospitais psiquiátricos.
(1987) com a primeira intervenção em hospi-
Hospitais Psiquiátricos – Até 2005 –
tal psiquiátrico – o Anchieta e construção de
228 Hospitais com 42.076 leitos. Existên-
uma rede de NAPS (Núcleo de Atenção Psi-
cia ainda de grandes manicômios. Com o
cossocial com funcionamento 24h) e CAPS
Programa de Avaliação da Assistência dos
(Centro de Atenção Psicossocial com funci-
Serviços Hospitalares (PNASH/ Psiquiatria)
onamento intermediário), com forte influên-
e o Programa de reestruturação da assistên-
cia da Psiquiatria Democrática Italiana, em-
cia hospitalar psiquiátrica no SUS com in-
bora com características muito específicas do
dução da diminuição de leitos nos grandes
Brasil.
hospitais, tem se efetuado de forma racional
No nosso país a mudança começou da prá-
a redução progressiva dos leitos. Entretanto,
tica para a legislação. As práticas instituídas
ainda há resistência por parte de muitos ges-
subsidiaram várias portarias que foram ela-
tores fazer maior investimento na rede subs-

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titutiva – leitos em hospitais gerais e CAPS seguidos de 15 anos em ambulatório sendo


III (24h) para efetivação radical da superação os últimos três associados a Caps, pude per-
do hospital psiquiátrico. ceber algumas diferenças nas duas formas
Hoje, vivemos um momento bastante de assistência ao paciente portador de trans-
complexo – uma rede desenhada, mas, dis- torno mental.
cordâncias em torno do fim do hospital psi- Antes do que se convencionou chamar de
quiátrico. Um cenário atual, onde a Federa- reforma psiquiátrica (já que a meu ver o que
ção dos hospitais e o segmento mais tradicio- necessitava de mudanças era o modelo de
nal da psiquiatria (a exemplo a posição atual assistência e não a psiquiatria), os hospitais
da ABP – Associação Brasileira de Psiqui- psiquiátricos primavam por uma permanên-
atria), vêm colocando-se publicamente con- cia mais prolongada do paciente internado.
trários a política atual de saúde mental. Por Suas ações com a família eram mais tími-
um lado, podemos perceber que se há contes- das, limitando-se a algumas comemorações
tação, é porque avançamos e estamos de al- anuais mais importantes (festas juninas, na-
guma forma mexendo com os pilares de um tal/ano novo), geralmente dentro da institui-
estrutura lógica e assistencial secular, entre- ção. Atividades que levassem o paciente
tanto, nos coloca também numa situação de- à rua (desfiles, participação em feiras etc.),
licada, considerando ainda um contexto tran- não vi, pelo menos nos dois citados em que
sitório e as correlações de forças existen- trabalhei. Havia um menor interesse em ten-
tes que nos demanda um movimento político tar uma inserção mais decisiva, até porque
que legitime o que tem sido construído ao não era meta do poder público.
longo do tempo. Para isso, muito ainda te- O grande número de pacientes internados,
mos que caminhar, principalmente sensibili- a grande maioria grave (400 no primeiro e
zando/ envolvendo os profissionais, gestores, 200 no segundo hospital que citei), dificul-
usuários e familiares numa empreitada que é tavam uma melhor individualização do indi-
mais do que técnica e ideológica, mas, polí- víduo, um melhor planejamento terapêutico
tica no sentido do compromisso com a mu- individual, assim como um contato mais pró-
dança social para a garantia dos direitos dos ximo com a família.
nossos usuários, onde todos são protagonis- O fato de só existir este tipo de assis-
tas e podem a partir do seu lugar trazer a tona tência nas maiores cidades do estado (capi-
para a sociedade esta nova forma de conce- tal, campina grande, cajazeiras), dificultava
ber e cuidar da loucura”. o acompanhamento pos internação. Mesmo
nos Caps este tipo de problema acontece. Se
o paciente for de uma outra cidade as dificul-
Depoimento 5
dades para vir ao serviço de forma rotineira
Sandro Soares (Médico Psiquiatra, com Es- também existem.
pecialização em Saúde Mental, Departa- A descentralização no atendimento ao pa-
mento de Psicologia da UFRN). ciente facilita a interação dele com o serviço
Pela experiência pessoal em hospitais psi- e com a comunidade, divulga e desmistifica
quiátricos (Juliano Moreira e Instituto de mais a doença e as formas de atenção. Trás a
Psiquiatria da Paraíba) durante quatro anos, doença mental mais para perto.

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A representação da doença mental no cinema 25

Alguns problemas, entretanto, continuam 13 As falas e discursos dos


mesmo nos lugares onde funcionam Caps. O alienados mentais
pouco envolvimento de outros profissionais
médicos com este tipo de paciente, a falta de Se por um lado recorremos à apreciação dos
capacitação mais incisiva para o tratamento especialistas em transtornos mentais, bus-
dos transtornos mentais. Observo que a mai- cando contemplar o diálogo entre as distin-
oria dos médicos do PSF tem dificuldades tas modalidades de conhecimento, por outro
para tratar os pcts psiquiátricos. Prescreve- lado, procuramos também escutar os usuá-
se um antidepressivo como se fosse um an- rios. As suas falas nos fornecem um semio-
tibiótico; o paciente vai toma-lo por alguns logia das doenças mentais, São entrecortadas
dias e tudo ficara bem. pela dor, pela sofrimento, pela falta, pelas
Os pacientes graves, que são o motivo cen- frustrações e encontramos também flashes de
tral dos Caps, pelo menos teoricamente, de- esperança. Sondamos as formas de seus de-
mandam muito tempo e atenção, seja em sejos, suas expectativas e aspirações. Em
hospital ou em Caps. princípio, julgamos que as suas falas e dis-
Uma outra diferença que percebi é que os cursos falam por si; revelam a essência do
Caps funcionam com apoio do M.S dentro mal-estar, da doença, da patologia. Quando
do clima de mudanças na assitência ao do- nos respondem acerca das questões do coti-
ente mental, fazendo valer idéias que já exis- diano, das vivências, existências, trazem a
tiam dentro da psiquiatria. sua experiência por meio de um comunica-
ção – por vezes anômica, desordenada – mas
refletem a sua própria condição de excluí-
Depoimento 6 dos sociais, de indivíduos frustrados em suas
relações afetivas e a própria incomunicabili-
Dra. Simone Maldonado
dade com a família e os seres amados.
(Antropóloga) Procuramos sinalizar as características de
seus males, sem querer rotular, sem querer
Há muito tempo que na Europa se faz esse diagnosticar. Neste trabalho monográfico,
tipo de acompanhamento do aflito em casa. buscamos esboçar um breve quadro, uma
Não sei os critérios, mas é uma corrente sintomatologia da angústia destes persona-
forte. Eu pessoalmente acho que é preciso gens, que de alguma forma se apresentam
todo um trabalho, toda uma civilização para também na representação ficcional do filme
se empreender uma coisas dessas. A famí- Bicho de Sete Cabeças. Mencionamos as
lia é fundamental. O tipo de afecção mental modalidades, níveis e freqüências de suas
também. Acho que na maior parte dos ca- medicações no sentido de explicitar a ma-
sos é possível fazer. Entre nós seria proble- neira como os processos terapêuticos podem
mático por causa do estigma e da questão da também falar sobre suas condições mentais,
disponibilidade de uma política que mante- ao mesmo tempo em que abrimos um espaço
nha os profissionais e as medicações. de discussão para a forma como reagem à
aplicação destes medicamentos. O que está
em jogo neste trabalho é – no fim das contas

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26 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

– trazer novos elementos para uma discussão 2o Depoimento


sistemática das doenças mentais e das possí-
J. B. S, 28 anos, modalidade de terapia semi
veis alternativas à internação.
intensiva, desde 08.05.2003.
Quanto ao aspecto ético do trabalho, espe-
cificamente no que diz respeito às entrevis-
(Sobre o CAPS) Através das terapias que
tas com os portadores de transtornos men-
faço, oficinas e nos trabalhos. Aqui e acolá
tais, julgamos pertinente nos atermos a um
acontecem discussões. Eu fico querendo de-
questionamento mais voltado para as suas as-
sabafar, fico nervoso.
pirações e expectativas concernentes às mo-
(Sobre o trabalho). Não posso dizer por-
dalidades de terapia desejáveis, aos estilos
que nunca trabalhei na vida. Pessoas no meu
de afetividade familiar que experimentam, às
caso que sintam esses problemas para traba-
formas de pertencimento e de exclusão social
lhar, gostariam muito de trabalhar. Um di-
que vivenciam no cotidiano.
nheirinho para comprar as coisas. Fui inter-
nado por um mês e quinze dias numa clínica.
1o Depoimento Ninguém saía pra canto nenhum. Os homens
são separados das mulheres (diferentemente
M. S. V, 26 anos, desde 16.05.2003, em
do CAPS). Passava o dia jogando dominó.
modalidade de terapia intensiva no CAPS
Tozinho Gadelha.
3o Depoimento
(Sobre o Sistema CAPS) O CAPS re-
R. M., 32 anos, desde junho 2003. Modali-
cebe pobre que não tem condições de pagar.
dade não intensiva.
Gosto de libertar minha sina de doido. A fa-
CID 10: F31.2
mília deixou eu sozinha dentro de casa. Mi-
nha mãe não gosta de mim. Ela tirou a sina
O CAPS ajuda porque aqui sinto segura.
da filha. Ela é pobre e tem inveja de minha
Mas eu não sou doida. Apenas tenho os ner-
riqueza. Tive dois filhos. O pai não quis por
vos abalados. Fui internada em cinco clíni-
preconceito. Não tenho marido, nem a sen-
cas. Os outros judiavam, os guardas amar-
sação de ter. Tem ciúme da doidiça dela e
ravam, batiam... aqui faço amizades. (...) Se
mata.
der serviço, trabalho de graça, com prazer,
Meu pai é louco, coitado. Bate na criança
para ter dinheiro para ir às festas. Socie-
de menor. Vai ser castigado. Ela vai morrer
dade é família e eu quero que meu pai pare
desprezada porque não tem família.
de bater em minha mãe. No dia das mães, o
Formas de pertencimento e de exclusão
meu marido me abandonou porque eu pedi
social.
a ele um almoço diferente. Espero voltar
Eu não tenho idade para trabalhar. Não
para o meu ex-marido porque meu pai não
posso trabalhar para o rico porque ele quer
me aceita em casa. Me chama de rapariga.
que eu seja humilhante. Bota ela pra se per-
Quanto mais o meu pai me botar aqui, pior
der. Já ta perdido, pois se perdeu. Trabalhar
eu saio. Terapia que mais gosto é de dançar
é pecado. Eu assinei que sou pobre. Não
e fumar. As pessoas na rua me chamam de
tenho condições de nada no mundo.

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A representação da doença mental no cinema 27

doida mas é pura inveja. (...) Quero retomar minha mãe, meu irmão e minha irmã. Eu só
a filha, pedir idenização e ficar em casa com saio com meu pai e minha mãe porque ela
meus três filhos. tem muito cuidado em mim. Eu não tenho
amigos na rua, só tenho aqui. Porque eu não
saio de casa para conversar. Eu gosto de tra-
4o Depoimento
balhar só em casa, porque eu não saio muito
J. S. S. CID 10: F20.0 de casa. Às vezes só saio para ir na casa do
No Sistema CAPS desde 2005, modali- vizinho. Eu varro casa, lavo minha roupa,
dade não intensiva. lavo prato e enxugo. Minha irmã só vive an-
dando, mas ela não gosta de andar comigo,
Gosto dos amigos e amigas. Todo mundo só minha mãe. Meus primos moram em São
é bom para mim, mas é porque eu sei en- Paulo. As pessoas na rua, têm uns que me
trar e sei sair. Já fui internado em Sergipe. tratam bem, outros não. Tem vez que os ho-
Mora lá cinco filhos meus. Quando eu passo mens na rua me chamam de doida, mas eu
dois meses sem tomar o remédio, eu enlou- não dou a mínima. Eu vou aos passeios do
queço, desconheço a família. Sou pescador CAPS. Eu não perco um. Me distraio mais.
profissional. Pesco nos açudes de Pombal,
Logradouro e São Bentinho. Trabalhei 39
6o Depoimento
anos na agricultura até ter que sair. O traba-
lho do pobre é perdido porque os ricos não J. A. A., 36 anos, modalidade semi-
dão valor a pobre. Compram a mercadoria intensiva, desde 02.06.2003.
de graça. Só dá 42 reais num saco de feijão.
Sou operado de duas hérnias. Tenho 18 fi- Gosto de estar aqui no CAPS para fa-
lhos, onze de uma e seis de outra e mais um zer tratamento. Antes fiquei em várias clí-
com a cunhada. E nenhum ajuda. Esse úl- nicas. O que mais gosto é Oficina da Pin-
timo filho, deram a uma mulher rica e soube tura. Trabalhei muito com meu pai na agri-
notícias que ele era doutor. O que mais gosto cultura, catando algodão com dez anos, fa-
de fazer é de aguar as plantas. Eu tinha von- zendo carvão, eu e meus irmãos. Fui estu-
tade de ser guarda, para guardar a cidade dar com 18 anos, mas minha cabeça doeu e
toda. Falo no cemitério. Falo com os mortos eu não agüentei estudar. Moro na casa de
e até tomo banho lá. minha mãe com meu irmão e minha irmã,
que agora está tomando droga e ninguém
agüenta mais. Ela era casada com um ca-
5o Depoimento
bra ruim, que chegava em casa e arrastava
De S. A. S, 28 anos, desde 30.06.2003. ela pelos cabelos. Ela separou-se. Minha
mãe vive numa casa pertinho de nós, mora
Gosto de passar o dia no CAPS e ir para com um homem que vende picolé. Moramos
casa. Gosto de fazer as atividades de pin- numa favela que até a polícia tem medo de
tar, botar meu nome e fazer os negócios de entrar. Tem muito elemento ruim. O meu pai
barro. Venho dois dias por semana. Antes batia em mim e me amarrava. Não agüento
vinha todos os dias. Moro com o meu pai, trabalhar porque tenho esse problema na ca-

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28 Julieta Gadelha; Cláudio Cardoso de Paiva

beça. Foi quando tinha um ano e minha irmã mental, pois ali, Pinel classifica e cataloga os
estava comigo nos braços e batia em minha sinais e os sintomas das síndromes psiquiá-
cabeça, num banco de madeira. Começou o tricas. Depois é o que se vê até os dias de
problema quando fiz meus documentos. As hoje: o manicômio é o lugar do louco, to-
pessoas na rua mexem comigo, apelidam eu, talmente tutelado, sem nenhum direito, com
ficam instigando, eu adoeço. Eu nem ligo instalações precárias e sem a função de recu-
mais, nem me importo mais. Não é só um peração como prioridade.
que chama. Um grito chama o outro. Eu Por isso a atual política do Ministério da
deixo passar. Saúde é substituir gradativamente os hos-
pitais psiquiátricos pelos CAPS (Centro de
Atenção Psicossocial), como estabelecimen-
14 Para concluir
tos legitimados para a assistência à saúde
A substituição do modelo clássico do saber mental no âmbito do SUS, sabendo-se que os
psiquiátrico (com atenção centrada na do- CAPS não podem ficar isolados do conjunto
ença, no indivíduo e no hospital) pelas ins- de serviços de saúde em geral. Lá se de-
tituições como o CAPS – Centro de Atenção senvolve um verdadeiro trabalho de equipe,
Psicossocial – objetiva acolher diariamente visando à superação das disciplinas tradicio-
os pacientes portadores de transtorno mental nais.
com direito a um projeto terapêutico perso- No Estado da Paraíba, distribuídos em
nalizado, estimular sua integração familiar e alguns municípios, de pequeno, médio e
reinserção social através do acesso ao traba- grande porte, existem dezenove unidades dos
lho, lazer e direitos civis para assim fortale- centros de atenção psicossocial, classifica-
cer os laços familiares e comunitários. dos em vários níveis: CAPS I – municípios
Somente no século XX é que se começou a com população entre 20 mil e 70 mil habitan-
olhar a loucura com um olhar científico, an- tes, funcionando das oito às dezoito horas, de
tes disso o louco era visto como uma ameaça segunda à sexta feira; CAPS II – municípios
à lei e à ordem social, por isso era encarce- com população entre 70 mil e 200 mil habi-
rado e excluído até a morte nos hospícios — tantes, das oito às dezoito horas, de segunda
palavra pertencente à mesma bacia semân- à sexta; CAPS III – municípios com popu-
tica que hospital, hospedaria, lugar também lação acima de 200 mil habitantes, funcio-
de prostitutas, vagabundos e bandidos, o que nando 24 horas, nos finais de semana e feria-
fortalecia o cruzamento entre a justiça e a dos; CAPS i – para o público infantil, funcio-
medicina. “A noção de periculosidade so- nando durante toda a semana, das oito às de-
cial, associada ao conceito de doença mental zoito horas e CAPS ad – para usuários com
formulado pela medicina, propiciou uma so- transtorno mental ou comportamental devido
breposição entre punição e tratamento, uma ao uso nocivo de álcool e outras drogas. Em
quase igualdade de identidade do gesto que nossa argumentação objetivamos divulgar a
pune àquele que trata” (Barros, 1994:34). Reforma Psiquiátrica, que vem se mostrando
Com Pinel, o primeiro médico conhecido, efetiva na substituição do modelo hospitalo-
o louco é libertado das amarras e o hospital cêntrico, mas sabendo das dificuldades em
passa a ser um local de estudo para a doença implementá-la.

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A representação da doença mental no cinema 29

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