Você está na página 1de 247

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS

PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE


RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Coordenador

Juan Manuel Velázquez Gardeta

Organizadores

Fabrício Germano Alves


Yanko Marcius de Alencar Xavier
Dante Ponte de Brito

Natal, 2021
G218r

Gardeta, Juan Manuel Velázquez


Responsabilidade civil dos profissionais liberais da área da saúde / Juan Manuel Velázquez
Gardeta (coord.), Fabrício Germano Alves (org.), Yanko Marcius de Alencar Xavier (org.)
& Dante Ponte de Brito (org.). – 1. Ed. – Natal – RN: Polimatia, 2021. E-BOOK - PDF.
246 p.

Inclui Bibliografia
ISBN 978-65-992697-3-8

1. Direito. 2. Responsabilidade Civil. 3. Profissional Liberal. 4. Saúde. I. Alves, Fabrício


Germano. II. Xavier, Yanko Marcius de Alencar. III. Brito, Dante Ponte de. IV. Título.

CDD 342.156
CDU 347.56:614.25/49

As opiniões externadas nas contribuições deste livro são de exclusiva responsabilidade de seus autores.

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Polimatia


Rua Barão de Lucena, n. 62
Bairro Pitimbu | 59.066-285 | Natal-RN | Brasil
e-mail: editorapolimatia@gmail.com
Telefone: 84 99145-5262
CONSELHO CIENTÍFICO

CErivaldo Moreira Barbosa


(Universidade Federal de Campina Grande)
Fabio da Silva Veiga
(Universidad de Alcalá - Espanha)
Fabrício Germano Alves
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
José Carlos de Medeiros Nóbrega
(European Legal Studies Institute, Universität Osnabrück - Alemanha)
José Orlando Ribeiro Rosário
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
José Noronha Rodrigues
(Universidade dos Açores - Portugal)
Juan Manuel Velázquez Gardeta
(Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea - Espanha)
Orione Dantas de Medeiros
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Ricardo Sabastián Piana
(Universidad Nacional de La Plata)
Roberto Muhájir Rahnemay Rabbani
(Universidade Federal do Sul da Bahia)
Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira
(Centro Universitário Unieuro)
Robson Antão de Medeiros
(Universidade Federal da Paraíba)
Thiago Oliveira Moreira
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Valfredo de Andrade Aguiar Filho
(Universidade Federal da Paraíba)
Yanko Marcius de Alencar Xavier
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
SUMÁRIO

Apresentação da Obra....................................................................................08

Sobre o Coordenador e os Organizadores...............................................10

Sobre os Autores.............................................................................................12

01 Médico........................................................................................................17

Renata Oliveira Almeida Menezes


José Alyson da Silva

02 Médico Veterinário....................................................................................40

Kleber Soares de Oliveira Santos


Nathália Virgínia de Medeiros Costa

03 Cirurgião Dentista.....................................................................................56

Diego Sidrim Gomes de Melo


Sara de Lima Costa Amaro Freitas

04 Nutricionista..............................................................................................85

Luiz Mesquita de Almeida Neto


Mariana Câmara De Araújo
05 Personal Trainer.........................................................................................106

Fabricio Germano Alves


Mayara Vívian de Medeiros

06 Psicólogo...................................................................................................124

Bruna Agra de Medeiros


Egle Rigel Gonçalves Ferreira

07 Enfermeiro................................................................................................142

Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira


Mercia Fabíola Alves de Faria

08 Fisioterapeuta...........................................................................................166

Sergio Alexandre de Moraes Braga Junior


Maria Clara Galvão

09 Fonoaudiólogo..........................................................................................191

Fábio Antunes Gonçalves


Lílian Caroline Costa Câmara

10 Farmacêutico.............................................................................................208

Yanko Marcius de Alencar Xavier


Karinne Benassuly de Melo
11 Biomédico.................................................................................................230

Ana Marília Dutra Ferreira da Silva


Ermana Larissa Soares
APRESENTAÇÃO DA OBRA

A presente obra é resultado de Projeto de Pesquisa intitulado “Principais


aspectos da responsabilização civil dos profissionais liberais no ordenamento
jurídico brasileiro”, desenvolvido por Professores e alunos do Programa de Pós
Graduação em Direito (PPGD), envolvendo discentes dos Cursos de Graduação
em Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) e do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), em parceria com a Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha, representada pelo Professor Juan Manuel
Velázquez Gardeta, e com a Universidade Federal do Piauí (UFPI), representada
pelo Professor Dr. Dante Ponte de Brito.
As pesquisas contaram ainda com a participação de docentes e discentes
de diversas outras instituições, a saber: Universidade Federal do Piauí (UFPI),
Université de Montréal, Universidade Potiguar (UNP), Universidade Federal
da Paraíba (UFPB), Centro Universitário Mauricio de Nassau (UNINASSAU),
Centro Universitário Natalense (UNICEUNA), Centro Universitário de Formiga
(UNIFOR), Faculdades Integradas IESGO, Centro Universitário UNIEURO e
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
A responsabilização civil surge a partir do descumprimento de um dever
jurídico que causa danos a outrem. Quando isto acontece é atribuído um valor a
título de indenização que deve cumprir uma tripla função: reparar o dano que foi
causado (função compensatória), punir o responsável (função punitiva) e incutir no
sentimento coletivo o caráter de ilicitude da conduta desmotivando a reiteração da
mesma (função didático-pedagógica).
Além de ser prevista na Constituição Federal (artigo 5º, incisos V e
X), a responsabilidade civil é regulamentada na legislação infraconstitucional,
principalmente no Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e no Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/1990). No que diz respeito aos profissionais liberais,
existem ainda as disposições normativas específicas instituídas pelos conselhos
profissionais de cada categoria.

8
A presente obra possui capítulos específicos abordando os fundamentos,
a partir da legislação e da visão jurisprudencial, e a sistemática da responsabilização
civil dos seguintes profissionais liberais da área da saúde: médico, médico
veterinário, cirurgião dentista, nutricionista, personal trainer, psicólogo, enfermeiro,
fisioterapeuta, fonoaudiólogo, farmacêutico e biomédico.

Os organizadores

9
SOBRE O COORDENADOR E OS ORGANIZADORES

COORDENADOR

Juan Manuel Velázquez Gardeta


Doctor en Derecho por la Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea
(UPV/EHU). Profesor Agregado de Derecho Internacional Privado en la Facultad
de Derecho de la UPV/EHU. Director del Máster en Abogacía de la UPV/EHU.
Vicedecano de Posgrado de la Facultad de Derecho de la UPV/EHU. E-mail:
juanvelazquez@ehu.eus.

ORGANIZADORES

Fabricio Germano Alves


Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo
(UNP), Direito Eletrônico (Estácio), Publicidade e Propaganda: mídias,
linguagens e comportamento do consumidor (Intervale), Marketing Digital
(Intervale), Docência no Ensino Superior (FMU) e Metodologias em Educação a
Distância (Intervale). Mestre em Direito (UFRN). Mestre e Doutor em Sociedad
Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Líder do Grupo de Pesquisa Direito das
Relações de Consumo. Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Direito das Relações de Consumo (LABRELCON). Professor da Graduação e Pós-
Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail:
fabriciodireito@gmail.com

Yanko Marcius de Alencar Xavier


Mestre e Doutor em Direito pela Universität Osnabrück/Alemanha. Pós-doutor
pelo Instituto de Direito Internacional Privado e Direito Comparado da Universität
Osnabrück/Alemanha. Professor Titular Livre da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito e Regulação
dos Recursos Naturais e da Energia e Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Direito
e Desenvolvimento. E-mail: yanko.xavier@gmail.com.

10
Dante Ponte de Brito
Pós-Doutor em Direito pela Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Doutor em Direito pela Universidade Fe deral de Pernambuco (UFPE).
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor da
Universidade Federal do Piauí (UFPI). Docente vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito em nível de Mestrado da UFPI (PPGD-UFPI). Advogado
atuante nas áreas de Direito Civil e do Consumidor.

11
SOBRE OS AUTORES

Ana Marília Dutra Ferreira da Silva


Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2013).
Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (2015) e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (2016). Doutoranda em Direito pela Université de Montréal.
Professora do curso de Direito da Universidade Potiguar – UNP. Membro da
Comissão de Direito e Economia da OAB/RN. Coordenadora do Comitê de Ética
em Pesquisa em Seres Humanos, da Universidade Potiguar (CEP-UnP). E-mail:
anamariliadutra@gmail.com

Bruna Agra de Medeiros


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade
Federal da Paraíba. Mestre e graduada pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Especialista em Direito Civil pela FCV. Docente na Uninassau/Natal/
RN e na Empresa Reta Cursos. Assessora Jurídica Ministerial – MPRN. E-mail:
brunaagra@gmail.com

Diego Sidrim Gomes de Melo


Advogado. Especialista em Direito Penal e Criminologia (UNP). Professor da
Graduação do Centro Universitário Natalense (UNICEUNA). Coordenador
do Escritório de Assistência Jurídica do Núcleo de Prática Jurídica do Centro
Universitário Natalense (UNICEUNA). E-mail: diego-sidrim@hotmail.com

Egle Rigel Gonçalves Ferreira


Advogado. Especialista em Direito Civil e processual Civil pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: eglerigel.adv@gmail.com

Ermana Larissa Soares


Técnica em Administração (IFRN). Acadêmica do Curso de Graduação em
Direito (UFRN). Vice-diretora do projeto de extensão Simulação dos Tribunais

12
Constitucionais da UFRN. Monitora da disciplina de Hermenêutica Jurídica e
Teoria da Argumentação. E-mail: ermanalarissa@hotmail.com

Fábio Antunes Gonçalves


Doutor em Direito Privado pela PUC-MG. Mestre em Direito Empresarial.
Professor e Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário de Formiga
– UNIFOR-MG. Advogado. E-mail: fabioag7@gmail.com

Fabrício Germano Alves


Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo
(UNP), Direito Eletrônico (Estácio), Publicidade e Propaganda: mídias,
linguagens e comportamento do consumidor (Intervale), Marketing Digital
(Intervale), Docência no Ensino Superior (FMU) e Metodologias em Educação a
Distância (Intervale). Mestre em Direito (UFRN). Mestre e Doutor em Sociedad
Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Líder do Grupo de Pesquisa Direito das
Relações de Consumo. Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Direito das Relações de Consumo (LABRELCON). Professor da Graduação e Pós-
Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail:
fabriciodireito@gmail.com.

José Alyson da Silva


Acadêmico do curso de Graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior
do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CERES/UFRN).
Ex-membro coordenador do Projeto de Extensão intitulado “percepções e
compreensões dos Direitos Humanos no ambiente escolar” (PROPEX/UFCG).
E-mail: alyson_direito@yahoo.com

Karinne Benassuly de Melo


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais Aplicadas
(CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de
Iniciação Científica do projeto de pesquisa “Estudo da Política Energética e dos
mecanismos legais e políticos de promoção da eficiência energética no Brasil nos
diversos segmentos sociais”. E-mail: karinbenassuly@hotmail.com

Kleber Soares de Oliveira Santos


Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Assessor
Jurídico do TJRN. E-mail: klebersosanto@gmail.com

13
Lílian Caroline Costa Câmara
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro
do Núcleo de Estudos em Direito Digital (Neddig). Membro do laboratório de
inovações jurídicas – Cascudo JuriLab. E-mail: liliancaroline2000@gmail.com

Luiz Mesquita de Almeida Neto


Advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela
Faculdade Damásio. Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). E-mail: luiz.dealmeidaneto@hotmail.com

Maria Clara Galvão


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: claragalvao_direito@hotmail.com

Mariana Câmara de Araújo


Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista
do Programa de Iniciação Científica no projeto de pesquisa intitulado “proteção
jurídica do consumidor no comércio eletrônico (Marketplace)”. E-mail: marrie.
camara@yahoo.com.br

Mayara Vívian de Medeiros


Bacharela em Direito e Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Professora da rede estadual de ensino do Estado do Rio
Grande do Norte. E-mail: vivi_caico@hotmail.com

Mércia Fabíola Alves de Faria


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: merciafariaufrn2010@gmail.com

Nathália Virgínia de Medeiros Costa


Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Monitora de Direito Empresarial e Introdução ao Direito. E-mail: nathaliavmc@
hotmail.com

14
Renata Oliveira Almeida Menezes
Doutora em Direito Privado pela Universidade Federal de Pernambuco, com
período-sanduíche na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutora
em Ciência Jurídicas e Sociais pela Universidad Social del Museo Social Argentino
e Universidade Federal de Campina Grande. Mestre em Direito Privado
pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Adjunta de Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Chefe do Departamento de Direito
de Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó da UFRN. E-mail: renata.
biodireito@gmail.com

Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira


Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre
em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Coordenador de Curso
de Direito das Faculdades Integradas IESGO, Formosa-GO. Professor do Centro
Universitário UNIEURO, Brasília-DF. Advogado. E-mail: espiuca@yahoo.com

Sara de Lima Costa Amaro Freitas


Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Natalense (UNICEUNA).
E-mail:sarafreitasdireito@gmail.com

Sergio Alexandre de Moraes Braga Junior


Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1995) e em
Gestão Pública (2020), mestrado em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela
Universidade Federal do Ceará (1998) e doutorado em Direito pela Universidade
Federal de Pernambuco (2005). Professor titular da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, e Professor Associado II da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Coordenador Operacional do Doutorado Interinstitucional
(DINTER) em Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) em convênio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou
como consultor jurídico, contratado pelo Governo do Estado do Ceará, lotado
na SEDURB e SEINFRA-Secretaria de Infraestrutura, nas áreas de planejamento
urbano, desenvolvimento sustentável e atuação organizacional administrativa-
tributária. E-mail: s.alexandre.prof@gmail.com

Yanko Marcius de Alencar Xavier


Mestre e Doutor em Direito pela Universität Osnabrück/Alemanha. Pós-doutor
pelo Instituto de Direito Internacional Privado e Direito Comparado da Universität
Osnabrück/Alemanha. Professor Titular Livre da Universidade Federal do Rio

15
Grande do Norte – UFRN. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito e Regulação
dos Recursos Naturais e da Energia e Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Direito
e Desenvolvimento. E-mail: yanko.xavier@gmail.com

16
01 Médico

Renata Oliveira Almeida Menezes


José Alyson da Silva

1 INTRODUÇÃO

No mundo contemporâneo, a característica gregarista humana emerge da


impossibilidade fática, praticamente incontestável, do viver totalmente apartado da
convivência social. Nesse contexto de convergências de pessoas com personalidades
psíquicas distintas, não raras são as vezes em que o exercício da individualidade de
um, acaba por causar danos na esfera do outro, seja por ação ou omissão.
É possível afirmar que o instituto da responsabilidade civil se mostra
necessário justamente para recompor o equilíbrio social nos casos em que há a
ocorrência de evento danoso – à exceção da minoria doutrinária que defende a
responsabilidade sem danos – e que o seu fim precípuo é o de retorno ao status quo;
mas que, em caso de impossibilidade, quando não for possível a reparação, ensejará
a conversão da obrigação em perdas e danos.
Ademais, na atualidade, se verifica um aprofundamento do tema no
tocante à evolução das teorias do risco, à tese da erosão dos filtros de reparação,
à perda de uma chance, entre outros temas correlatos, que em um estudo mais
aprofundado até poderiam tocar a responsabilidade civil do médico, embora não
coincidam com o objetivo da presente abordagem.
Se o estabelecimento dos filtros de reparação da responsabilidade civil,
em si só, já é desafiador, essa situação se agrava de modo considerável quando
se trata de relações jurídicas em que em um dos polos figura um profissional da
Medicina. Delimitar a conduta, verificar se houve realmente um dano, analisar
o nexo de causalidade, avaliar a culpa a depender do caso, são questões adotar
nuances muito específicas no âmbito médico. Quando concerne a um organismo

17
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

vivo humano, quando se trata de saúde, de dor, de sofrimento, as perspectivas


de retornar ao estado anterior ou de indenização, por muitas vezes, parecem
irrealizáveis ou ineficazes.
A dinamicidade que permeia a sociedade e a evolução da Medicina,
desafia o Direito a acompanhar e manter-se em constante adaptação, para que não
careça de eficácia social. Desta forma, no tocante à relação jurídica médica, em
que pese não haver grande variação em relação ao objeto, que é a prestação de
serviço de saúde, a depender dos sujeitos com os quais se relaciona, e se configura
ou não vínculo contratual, é possível haver subordinação, autonomia da vontade,
dirigismo contratual, entre outros fatores que vão interferir diretamente na
qualificação da relação jurídica médica, e, consequentemente, no âmbito eficacial
da responsabilidade civil.
Em outros termos, o objetivo precípuo deste artigo é reconhecer que dado
o fato de a natureza jurídica da relação médica não ser una, devem ser esmiuçadas as
suas classificações para, com base nelas, avaliar como a responsabilidade civil pode
incidir, à luz regulação específica sobre a matéria; verificando se a variedade das
classificações altera a incidência de obrigação de meio e de resultado. Em acréscimo
por amostragem, será feita uma análise jurisprudencial, para se constatar como os
tribunais brasileiros vêm se posicionando sobre a matéria.
Para tanto, será adotado um enfoque qualitativo, descritivo e exploratório,
fazendo revisão bibliográfica de doutrinas e artigos científicos de Direito Civil,
Direito Médico e Biodireito; será utilizado o método indutivo-dedutivo para
confrontar as diferentes acepções de relações jurídicas médicas com as respectivas
consequências em termos de responsabilidade civil.

2 NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MÉDICA

2.1 EXTRACONTRATUAL OU CONTRATUAL

A relação médica de natureza contratual compreende uma espécie de


negócio jurídico, que pode ser celebrado pelo encontro de vontades entre o médico
e o paciente; ou nos casos em que em um dos polos encontra-se o médico, e no
outro, figura alguma cooperativa de saúde, associação ou empresa privada que atua
na área.
Na relação clínica ou hospitalar, quando um paciente faz a eleição de
um médico e opta por um determinado tratamento, de acordo com sua vontade

18
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

e a natureza da doença que apresenta, está manifestando a sua vontade, dentro do


que é previsto da regulação da relação jurídica médico-paciente, determinando o
médico e o hospital que deve realizar o seu tratamento, e principalmente, diante da
consciência do que é necessário para o seu bem- estar físico e espiritual, bem como
qual o tratamento a que deve ser submetido1.
A doutrina brasileira e portuguesa, em sua grande maioria, reconhece a
relação médico-paciente como uma relação de natureza jurídica contratual, onde
o paciente manifesta uma vontade coincidente com a vontade do médico, com o
objetivo de realizar um tratamento de saúde2.
No entanto, é válido ressaltar que um dos pontos de maior controvérsia
acerca da natureza jurídica da relação médica contratual, é quando o paciente
desacordado ingressa em uma unidade hospitalar pública, sem possibilidade de
expressar a sua vontade, e o médico realiza os procedimentos necessários para a
tentativa de restabelecimento da saúde.
Nesse caso, André Gonçalo Dias Pereira3 defende que não se trata de
uma relação de natureza jurídica contratual, expressa que inexiste um contrato,
e traça uma argumentação fazendo uma avaliação comparativa com a realização
de atendimentos nos hospitais públicos de pessoas incapazes desacompanhadas de
representantes legais, e compara também os contratos nulos, como os de prestação
de serviço de abortamento.
Embora, seja da essência da relação médico-paciente, o caráter contratual,
em algumas circunstâncias o dever de assistência médica pode não decorrer de vínculo
contratual direto entre o médico e o paciente, conforme fora exemplificado. Nesse
sentido, pode-se acrescentar, ser o caso do médico servidor público, que atende em
instituição obrigada a receber os segurados dos institutos de saúde pública, relação
regulada pelo direito administrativo, ou do médico empregado, que trabalha em

1 BELTRÃO, Sílvio Romero. A fenomenologia do consentimento informado na relação médico-pa-


ciente: estudo baseado na teoria geral do direito civil. Revista do Instituto do Direito Brasileiro. Ano 3,
n. 7, 2014, p. 4760. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2014/07/2014_07_04751_04
816.pdf. Acesso em: 21 jan. 2021.
2 Ibid.
3 PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de
direito civil. Coimbra: Coimbra, 2004. p. 32.

19
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

clínica, hospital privado, ou credenciado por plano de saúde, relação essa regulada
pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)4.

2.2 CONTRATUAL REGIDA PELO DIREITO DO CONSUMIDOR, PELO


DIREITO CIVIL OU PELO DIREITO DO TRABALHO

Partindo da análise contratual, a identificação da natureza jurídica da


relação médica existente se faz importante para estabelecer a validade e eficácia
do negócio jurídico celebrado, bem como determinar sobre qual regime jurídico
o médico estará sujeito às normas. Essas relações médicas podem ser de natureza
contratual regidas pelo Direito do Consumidor, pelas normas de Direito Civil ou
pelo Direito do Trabalho.
A natureza jurídica da relação médica contratual, regida pelo Direito do
Consumidor, tende a ser tida como regra por parcela considerável da doutrina.
Corrobora com o entendimento de que a relação médica assume a configuração de
relação de consumo, Bruno Miragem e Cláudia Marques Lima5, ao afirmarem que
a relação médica existente entre o profissional médico, a unidade hospitalar ou até
mesmo a operadora do plano de saúde, para com o paciente, está consubstanciada
na vulnerabilidade fática do consumidor (enfermo), própria da relação de consumo
e regida pelo Código de Defesa do Consumidor.
No direito brasileiro, o profissional liberal, quando presta serviços
autonomamente, insere-se em relação de consumo, pois o Código de Defesa do
Consumidor faz referência expressa, no art. 3º, a “pessoa física” que “desenvolve(m)
atividade” de “prestações de serviços”. Consolidou-se, no Superior Tribunal de
Justiça, a tese de que se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos serviços
prestados por profissionais liberais, com as ressalvas nele contidas. As normas
do Código Civil são, portanto, supletivas6. O entendimento de grande parte da
doutrina e dos Tribunais de segundo grau do Brasil é o de reconhecer que a relação
médico-paciente é um contrato de consumo, sujeito, portanto, às normas do
Código de Defesa do Consumidor.

4 PEREIRA, Lemos; Francesconi, Paula M. Relação médico-paciente. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. p. 16.
5 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis.
2. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 217.
6 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 359.

20
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

No entanto, há que se sopesar que há casos em que a relação médica


contratual será regida pelo Código Civil. Sobre essa aplicação das normas do
Direito Civil, Sílvio Romero Beltrão7 afirma que, mesmo diante de decisões dos
tribunais superiores, no sentido de enquadrar a relação médico-paciente no âmbito
do diploma consumerista, esse entendimento não pode ser tomado como regra,
podendo, em virtude da diversidade de serviços prestados pelo médico, ser regido
pelo Direito Civil ou como um contrato típico, cuja obrigação adquira caráter
personalíssimo.
Desse modo, a relação médica regida pelo Código Civil é constituída por
um contrato autônomo de prestação de serviços médicos, que, não encontrando a
sua regulação específica no Código Civil, não deixa, no entanto, de ser um contrato
típico, na justa medida em que a sua tipicidade resulta não da lei, mas do simples
fato da sua existência na sociedade enquanto categoria jurídica autônoma8.
Uma característica fundamental que é encontrada neste contrato é ainda
a que respeita à sua natureza intuitu personae. Com efeito, traduz esse contrato
médico uma relação jurídica de caráter pessoalíssimo, fortemente estribada numa
relação de confiança entre o médico e o seu paciente9. Nesse no caso do médico
familiar, a relação jurídica existente é estritamente pessoal, e em muito se aparta do
impessoalismo das relações de consumo.
Ainda no âmbito civil, e de maneira exemplificativa, pode-se apontar
os casos em que os profissionais de medicina atuam sob o regime de cooperativa,
regidos pelo disposto no Capítulo VII, art. 1.093 e seguintes, do Código Civil.
Já quando se fala da relação contratual existente entre o profissional
médico e a unidade hospitalar, clínica ou estabelecimento similar, trata-se de uma
relação médica cujo vínculo é empregatício. Nesses casos, a natureza jurídica inerente
ao vínculo de emprego do médico para com a unidade hospitalar tem respaldo no
Direito do Trabalho, sendo essa relação, portanto, regida pela Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT).

7 BELTRÃO, Sílvio Romero. A fenomenologia do consentimento informado na relação médico-pa-


ciente: estudo baseado na teoria geral do direito civil. Revista do Instituto do Direito Brasileiro. Ano 3,
n. 7. 2014. p. 4761. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2014/07/2014_07_04751_04
816.pdf. Acesso em: 21 jan. 2021.
8 Ibid.
9 FERREIRA, Carlos de Almeida. Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico. Revista de
Direito da Saúde e da Bioética. Lisboa: AAFD, 1996. p. 26.

21
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Dessa relação médica, o profissional adquire direitos e deveres


provenientes da seara trabalhista, mediante a celebração do contrato de prestação
de serviços, atentando-se às normativas e princípios estruturantes da natureza
jurídica trabalhista10.
Nesse sentido, no tocante ao reconhecimento da relação jurídica médica
obrigacional de caráter trabalhista, o entendimento recente do Tribunal Superior
do Trabalho é no sentido de reconhecer a relação médica existente, de natureza
empregatícia, quando o profissional médico atuar na atividade-fim da unidade
hospitalar, bem como estiverem presentes os requisitos do art. 3º11 da CLT, ainda
que este não esteja inserido no quadro permanente na unidade hospitalar, atuando
mediante escalas de plantões12.

2.3 SERVIÇO PÚBLICO REGIDO PELO DIREITO ADMINISTRATIVO

A natureza jurídica da relação médica com base no serviço público


agrega três critérios, o critério orgânico que caracteriza o serviço público como a
atividade material fornecida pelo Estado ou por quem esteja, no caso o médico,
a agir no exercício da função administrativa; o critério material que consagra no
ordenamento jurídico, em especial na Constituição Federal, determinada atividade
como pública; e o regime jurídico de Direito Público que prevalece no desempenho
da atividade caracterizada como serviço público13.
Sendo assim, o profissional médico, que desenvolve suas atividades
laborais na condição de servidor público, tem o seu fundamento baseado nas normas
de Direito Público, mais especificamente nas normas de Direito Administrativo.
Sendo assim, a relação médica existente entre o médico com tais hospitais se dará
pelo preenchimento de um cargo público, vínculo estatutário de Direito Público.

10 ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do trabalho: material, processual e legislação especial. 18.
ed. São Paulo: Rideel, 2018. p. 241.
11 “Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a
empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
12 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Região. Recurso Ordinário n.º 01013710320175010052/
RJ. Relatora: Angela Fiorencio Soares da Cunha. Data de julgamento: 21 de novembro de 2018.
Disponível em: https://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/654019500/recurso-ordinario-ro-
-1013710320175010052-rj. Acesso em: 22 jan. 2021.
13 LEAL, Rogério. Controle Social dos Serviços Públicos no Brasil como Condição de Sua Possibilida-
de. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, ano 1, n. 13, 2003. p. 155.

22
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Nesta hipótese, a natureza jurídica da relação médica entre o profissional


e a Administração Pública dependerá da forma jurídica eleita pelo Poder Público
para descentralizar o serviço de saúde. É possível que o hospital público seja um
hospital-escola e, como tal, mero órgão de uma universidade pública; que seja uma
autarquia ou ainda, excepcionalmente, que seja uma empresa pública ou sociedade
de economia mista14.
Para tanto, o médico servidor de hospital público tem seu regime jurídico
e, portanto, sua relação médica com a administração pública, regida pelas normas
da Lei n.º 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos
civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais; logo não estará
presente o vínculo contratual.

3 A REGULAÇÃO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

Em termos de regulação da atividade da Medicina, conforme pontua


Menezes15 a realidade brasileira enfrenta um grande contrassenso, já que as
normativas éticas provenientes do Conselho Federal de Medicina, que apenas têm
força de soft law, acabam por ser mais completas e detalhadas, em uma primeira
análise que a legislação strictu sensu, com cunho coercitivo.
A depender da natureza jurídica da relação na qual o médico se insere,
diferentes são os deveres aos quais eles se submetem, logo diversos são os efeitos
para fins de responsabilidade civil, como se verificará a seguir.

3.1 NORMATIVAS ÉTICAS DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA


APLICÁVEIS AOS MÉDICOS

Pode-se dizer que a Ética Médica compreende o conjunto de regras de


conduta moral voltado às questões do ofício, com o fito de aprimorar o exercício
profissional, e são reunidas no Código de Ética Médica (CEM), cuja versão, hoje
em vigor, passou a valer em 2019, conforme Resolução 2.217/2018 do Conselho
Federal de Medicina (CFM). O novo código incorporou artigos que tratam de

14 SCALCON, Raquel. O conceito de funcionário público no direito brasileiro e alemão: uma pro-
posta de interpretação restritiva do termo emprego público em empresas estatais. Revista de Estudos
Criminais, n. 72. São Paulo, 2019. p. 120.
15 MENEZES, Renata Oliveira Almeida. A Lei Geral de Proteção de Dados regula o segredo médi-
co? Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-12/direito-civil-
-atual-lei-geral-protecao-dados-regula-segredo-medico. Acesso em: 28 jan. 2021.

23
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

inovações tecnológicas na comunicação e nas relações sociais, aplicando a essas


questões os princípios deontológicos16.
O diploma orienta os médicos a obterem o consentimento dos pacientes
menores de idade em qualquer ato médico, mesmo que estejam representados pelos
pais ou responsáveis legais17; Ademais, proíbe a relação do médico com empresas de
financiamento, cartões de desconto ou consórcios para procedimentos médicos18;
acerca do prontuário médico, além da orientação para que ele seja confeccionado
de maneira legível, veda a permissão de manuseio e conhecimento de seu conteúdo
por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional19.
Também foram reforçados, nessa última versão do Código de Ética
Médica, temas como a proibição ao médico de fazer comercialização de qualquer
medicamento, órteses, próteses ou implantes, bem como o recebimento de qualquer
tipo de comissão ou favorecimento da indústria farmacêutica por produtos
prescritos, porém não adequados ou desnecessários ao paciente20.
Portanto, as normativas éticas estabelecidas pelo Conselho Federal de
Medicina adquirem importância cada vez maior nas atividades médicas, tanto
aquelas relacionadas à prática clínica como também as que dizem respeito às
pesquisas clínicas. Esse processo crescente de educação e fiscalização médica,
quanto ao cumprimento das normas éticas de conduta, conduz a uma análise, por
exemplo, da responsabilidade civil médica mais apurada21.

16 NEVES, N. C. Ética para os futuros médicos: é possível ensinar? Brasília: Conselho Federal de Me-
dicina, 2006. p. 18. Disponível em: https://bit.ly/2R0hduz. Acesso em: 20 jan. 2021.
17 Art. 74. do Código de Ética Médica: “Revelar sigilo profissional relacionado a paciente criança ou
adolescente, desde que estes tenham capacidade de discernimento, inclusive a seus pais ou represen-
tantes legais, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.”
18 Art. 72. do Código de Ética Médica: “Estabelecer vínculo de qualquer natureza com empresas que
anunciam ou comercializam planos de financiamento ou consórcios para procedimentos médicos.”
(Modificado pela Resolução CFM nº 2.226/2019).
19 Art. 85. do Código de Ética Médica: “Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por
pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.”
20 Art. 109. do Código de Ética Médica: “Deixar de zelar, quando docente ou autor de publicações
científicas, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações apresentadas, bem como deixar
de declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos, implantes de
qualquer natureza e outras que possam configurar conflitos de interesse, ainda que em potencial.”
21 CORDEIRO, Quirino; OLIVEIRA, Alexandra Martini de; RIBEIRO, Rafael Bernadon; RIGO-
NATTI, Sérgio Paulo. A ética médica. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e
Direito, v. 8, n. 8, 2011. p. 87.

24
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

3.2 PRINCIPAIS DEVERES LEGAIS DOS MÉDICOS

Ao ser celebrado um pacto contratual entre o médico e o paciente, surge,


derivado da relação obrigacional, direitos e deveres para ambas as partes. Nessa
seara, Irany Novah Moraes22 corrobora com parcela da doutrina que entende que
muito se é exigido do médico, mas, neste contexto, pouco é referido acerca de seus
direitos. Até mesmo é esquecido o mais elementar direito de exercer com liberdade
a sua profissão.
Acerca dos deveres relativos à atuação do profissional médico, observa-
se sua importância à medida que servem como subsídios que ajudarão o julgador
em caso de litígio. De maneira exemplificativa, os principais deveres legais do
médico, estabelecidos no Código de Ética Médica são: dever de informação, dever
de cooperação, dever de vigilância e o dever de abstenção de abuso.
a) Dever de informação: é importante ressaltar que a principal finalidade
do dever de prestar informações ao paciente está ligada à necessidade de obtenção
do consentimento da parte contratante (enfermo) pela prestação de serviço. Nessa
perspectiva, o Código de Ética Médica traz em seu artigo 3423 esse preceito de
maneira explícita.
Portanto, o dever do médico de prestar informações, tanto no direito
brasileiro como português, é fulcral no âmbito das relações médicas (designadamente
sobre a situação clínica ou diagnóstico, os riscos do tratamento e as alternativas).
Este um daqueles deveres que, por força de norma imperativa aplicável à atuação
médica, deverá aplicar-se ao contrato de prestação de serviços médicos24.
b) Dever de cooperação: na relação jurídica médico-paciente, é preciso
que ambas as partes ajam com clareza e de forma cooperativa para o sucesso do
procedimento. Assim, cabe ao paciente agir com lealdade, não impedindo ou
dificultando a atuação do outro contratante25. Deve, portanto, cumprir sua

22 MORAES, Irany Novah. Erro médico e justiça. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
364.
23 Art. 34. do Código de Ética Médica: “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico,
os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar danos,
devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.”
24 ROSA, Paulo Jorge Ferreira da. A natureza jurídica da relação médico-paciente: o contrato de pres-
tação de serviços médicos. Tese (Mestrado Científico em Direito) – Faculdade de Direito da Univer-
sidade de Coimbra, 2013. p. 23.
25 DINELI, Giovana Bovo. Os contratos médicos e os deveres advindos da relação médico-paciente. p.
161. Disponível em: https://intranet.redeclaretiano.edu.br/download?caminho=/upload/cms/revista/

25
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

obrigação de pagamento dos honorários médicos, seguir corretamente as prescrições


do profissional, contribuindo com a eficiência do contrato, segundo os princípios
da boa-fé objetiva.
c) Dever de vigilância: este dever médico, para alguns autores, se refere a
um dever preventivo, uma vez que é preciso garantir uma maior proteção ao médico
nas relações contratuais, principalmente no tocante à relação médico-paciente.
Nesse sentido, a ideia de preservação à integridade do co-contratante impõe-se ao
fornecedor de serviços no momento de sua atuação, isentando-se de qualquer tipo
de omissão que venha a ser caracterizada como inércia, passividade ou descaso. Tal
omissão pode se dar pelo abandono do paciente, por restrição do tratamento ou
retardo no encaminhamento necessário26.
d) Dever de abstenção de abuso: o profissional médico, em virtude
do seu ofício, por lidar com vidas humanas precisa, necessariamente, ser perito,
agindo com sensatez e oportunismo, no intento de não criar riscos excessivos ao
paciente. Sem dúvida, o dever de abstenção de abuso corrobora com uma prática
médica de respeito à dignidade do ser humano, garantia constitucional. Acaso
seja comprovado o excesso na terapêutica ou o uso de meios propedêuticos mais
arriscados, caracterizado está o desvio ou abuso de poder do médico.
Por fim, ao médico compete respeitar os atributos da personalidade do
cliente, zelando para que sua atuação, mesmo quando dolorosa ou lesiva, se faça
na defesa do bem maior visando, basicamente, a vida, ou a saúde do paciente,
observadas, no mais, as regras básicas da convivência humana. Antepostos a
qualquer outro valor, pessoal ou social, esses bens devem, sob o aspecto jurídico, ser
preservados pelo médico, em função, ademais, dos ditames éticos que norteiam a
sua profissão, seguidos dos demais componentes da personalidade do paciente, que
lhe ficam expostos no exercício profissional, como a intimidade, a honra e o sigilo27.
3.3 APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL AO PROFISSIONAL DA
MEDICINA

Nas relações obrigacionais médicas, doutrinadores como Bruno Miragem


e Cláudia Lima Marques28, acompanham o entendimento pacificado pela doutrina

sumarios/614.pdf&arquivo=sumario8.pdf. Acesso em: 21 jan. 2021.


26 Ibid.
27 BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos contratos e dos atos unilaterais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 56.
28 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulnerá-

26
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

no sentido de que a responsabilidade civil médica é de natureza contratual. Sendo


assim, em tese, quando o médico não obtém a cura do paciente, estamos diante
de uma inexecução da obrigação contratual. Todavia, é preciso cautela, uma vez
que, segundo o entendimento que predomina nos tribunais, o fato de se considerar
como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que aparenta,
o resultado de presumir a culpa.
Nessa esteira, explica Savatier29 que a responsabilidade contratual
pode ser tanto presumida como não, a partir da análise se o devedor da relação
obrigacional se comprometeu com o resultado esperado ou simplesmente em
garantir a condução de certa forma. É isso que ocorre quando se está diante da
responsabilidade do médico, que não se compromete em curar, mas em proceder
de acordo com as regras e os conhecimentos específicos inerentes ao exercício de
sua profissão.
A doutrina realiza distinção entre responsabilidade contratual, que decorre
violação de obrigação derivada de um negócio jurídico, cujo descumprimento
caracterizaria o fato ilícito civil gerador do dano, e a responsabilidade extracontratual
ou aquiliana, que abstrai a existência de um contrato previamente celebrado
e decorre de um ato ilícito absoluto, violador das regras de convivência social e
causador de um dano injusto.
A diferença fundamental entre essas duas modalidades de responsabilidade
está na carga da prova atribuída às partes; na responsabilidade contratual, ao autor
da ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a existência do contrato, o fato
do inadimplemento e o dano, com o nexo de causalidade, incumbindo ao réu
demonstrar que o dano decorreu de uma causa estranha a ele; na responsabilidade
extracontratual ou aquiliana, o autor da ação deve provar, ainda, a imprudência,
negligência ou imperícia do causador do dano (culpa), isentando-se o réu de
responder pela indenização se o autor não se desincumbir desse ônus30.
Dessa forma, a responsabilidade do profissional de medicina deriva da
culpa em seu sentido amplo, englobando o dolo e a culpa em sentido estrito, ambos
previstos no Código Penal brasileiro. A essência da culpa está na previsibilidade:
caso o resultado desfavorável for previsível e não for evitado, existe a culpa; caso

veis. 2. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 228.


29 SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en droit français. Paris, 1951. p. 64.
30 JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil do médico. In: Direito e medicina: aspec-
tos jurídicos da Medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 6.

27
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

o resultado desfavorável, diante das circunstâncias fáticas, não era possível ser
previsto, estamos diante das excludentes de culpabilidade, quando o médico não
poderá ser responsabilizado31.
No que concorda Miguel Kfouri Neto32, segundo o qual o profissional
liberal não está sujeito ao regime da responsabilidade objetiva, que prescinde da
comprovação de culpa, que é o sistema consagrado pela lei protetiva das relações de
consumo. Diante disso, Bruno Miragem33 explica que o legislador teria observado a
natureza personalíssima e isolada do serviço prestado pelo profissional liberal e que
por isso não detém estrutura complexa de fornecimento do serviço, em relação ao
qual o interesse básico do consumidor estará vinculado ao conhecimento técnico
especializado deste fornecedor. Daí porque a identificação do profissional liberal
parece se ligar a duas condições básicas: a) primeiro, a espécie de atividade exercida;
b) segundo o modo como é exercida.
Assim, seguindo o entendimento majoritário da doutrina, a
responsabilidade do médico, na relação contratual com o paciente, não é de resultado,
mas de meio. Sendo assim, incumbe ao médico atuar com zelo nos cuidados para
com o paciente, utilizando-se de todos os recursos legais e metodológicos, no
intento de sanar o problema existente, sob pena de ser responsabilizado civilmente,
em caso de incidência em uma das modalidades de culpa: imprudência, negligência
ou imperícia.
Vale ressaltar que as questões mais relevantes trazidas à apreciação
judicial, em razão dos inúmeros casos de pedidos indenizatórios em decorrência
do erro médico (lato sensu), com base na doutrina ainda dominante, cuja visão
pode ser encontrada nas palavras de Serpa Lopes34, para quem, a despeito de como
se considere a natureza jurídica do contrato que vincula o médico e seu cliente
(contratual ou extracontratual), o certo é que se trata de uma obrigação de meio e
incube ao lesado a comprovação da culpa.
O médico deverá fornecer ao paciente todos os recursos, além de
todo o conhecimento atualizado, visando o melhor resultado possível que é,

31 UDELSMANN, Artur. Responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed. Revista da Associa-
ção Brasileira de Medicina, 2002. p. 173.
32 NETO, Miguel Kfouri. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: RT, 2002. p. 165.
33 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2010. p. 398.
34 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964.
v. 5. p. 264.

28
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

obviamente, a cura. Todavia, quando o resultado esperado não é alcançado,


inexistindo imprudência, negligência ou imperícia, não se pode concluir que houve
descumprimento de alguma obrigação contratual e, consequentemente, não haverá
a responsabilização pela culpa35.
No entanto, quando o médico se obriga ao resultado específico, a
denominada obrigação de resultado, e quando o resultado não é configurado
conforme prometido, independentemente de o médico ter agido com culpa, haverá
a ruptura do contrato, acarretando, como consequência, a necessidade de reparação
do dano pelo profissional.
É a situação dos médicos cirurgiões-plásticos, que se obrigam em relação
ao resultado específico, devido à natureza do contrato. Portanto, a obrigação que
assumem é de resultado. Os pacientes, na maioria dos casos de cirurgia estética, não
se encontram doentes, mas pretendem corrigir um defeito, um problema estético36,
ou buscam uma melhoria. Interessa-lhes, precipuamente, o resultado. Se o cliente
ficar com aspecto pior, ou simplesmente se o resultado não corresponde à pretensão
esperada, é cabível o direito à pretensão indenizatória.
No caso de aplicação da responsabilidade civil ao médico servidor
público, pelos atos praticados nessa condição, ele responde regressivamente perante
o ente público condenado a indenizar o dano, se demonstrada a sua culpa, pois a
falta pode ser anônima, atribuível ao serviço, sem possibilidade de individualização
do agente37. A responsabilidade direta e primária é do Estado; a do médico, como a
de todo servidor público, deve ser apenas indireta, recompondo o prejuízo sofrido
pelo Estado, desde que provada a sua culpa.
Já com relação às unidades hospitalares, clínicas e similares, se o médico
atuar no local mediante vínculo empregatício, será empregado submetido às ordens
do hospital. Portanto, se com ela mantiver contrato de prestação de serviços, deve
ser considerado seu preposto e, nas duas hipóteses, aquela responderá pelos atos
culposos do profissional.

35 UDELSMANN, Artur. Responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed. Revista da Associa-
ção Brasileira de Medicina, 2002. p. 173.
36 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência.
4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 645.
37 JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil do médico. In: Direito e medicina: aspec-
tos jurídicos da Medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 35.

29
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O hospital, contudo, terá direito de reaver o que pagou, mediante


uma ação regressiva contra o causador direto do dano. Mas se o médico não for
preposto, e sim profissional independente que tenha usado as dependências do
nosocômio por interesse ou conveniência do paciente ou dele próprio, em razão de
aparelhagem ou qualidade das acomodações, ter-se-á de apurar, individualmente, a
responsabilidade de cada qual38.
Portanto, se o médico integra o quadro da unidade hospitalar, a
responsabilidade será solidária em caso de dano ao paciente. Nesse sentido, a
clínica poderá ser solidariamente responsável se o profissional integra o seu corpo
médico, como funcionário prestador de serviços. É a hipótese frequente em que
o paciente procura diretamente, não o médico, mas a clínica, recorrendo a um
dos profissionais que fazem parte da equipe. Este é, inclusive, o entendimento do
Supremo Tribunal de Justiça39.
Nestes casos, sem embargo da solidariedade, tem-se por imprescindível a
prova da culpa do médico na prática do ato danoso. Isto é, o hospital não responde
objetivamente, mesmo depois da vigência do Código de Defesa do Consumidor,
quando se trata de indenizar dano produzido por médico integrante de seus
quadros40.

3.4 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

É plenamente possível que comprovado o dano ao paciente, cuja causa


originou-se de uma ação médica culposa, durante a atuação do profissional de
medicina, não lhe seja imputada responsabilidade, em virtude de uma circunstância
que o desobriga do dever de indenizar na relação jurídica contratual existente.
Está-se inserido, portanto, no campo das excludentes de responsabilidade civil do
médico.

38 STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil: com comentários ao código civil de 2002. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 67.
39 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. 4ª Turma. REsp n.º 866.371/RS. Relator Ministro Raul
Araújo. Data de julgamento: 20/08/2012. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurispruden-
cia/22100143/recurso-especial-resp-866371-rs-2006-0063448-5-stj/inteiro-teor-22100144. Acesso
em: 21 jan. 2021.
40 NETO, Miguel Kfouir. Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 18.

30
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Nesse diapasão, destacam-se as seguintes excludentes de responsabilidade


civil do médico:
a) Culpa exclusiva da vítima: ocorre nos casos em que o agente, no caso,
o médico, em nada contribuiu para o evento danoso. O fato que gerou o dano foi
causado pelo próprio paciente, sem interferência do médico. Na culpa exclusiva
da vítima desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador
do dano e o prejuízo experimentado pela vítima, já na culpa concorrente, sua
responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa, quanto
da culpa da vítima41.
Desse modo, a culpa exclusiva do paciente pela ocorrência da lesão,
exonera o médico da responsabilização civil pelo dano causado. Já a culpa
concorrente responsabiliza civilmente o médico no limite de sua culpa. Nesse
sentido, pois, o médico se isenta do dever de indenizar o paciente lesado.
b) Caso fortuito e força maior: nestes casos, também há a exoneração do
médico da responsabilidade pelos danos sofridos pelo paciente. No caso fortuito e
na força maior não existe ação ou omissão culposa por parte do agente. Ou seja,
são as situações que não são influenciadas e impedidas de se realizar por ato ou
intervenção humana, como, por exemplo, a greve, o motim e mudança de governo42.
c) Fato de terceiro: essa excludente de responsabilidade se assemelha às
outras duas, quais sejam, a culpa exclusiva da vítima e caso fortuito ou força maior.
Como no caso de um paciente que, por exemplo, está internado em determinado
hospital e seus desafetos o estejam procurando em busca de vingança43. Na hipótese
de invasão de hospital pelos delinquentes com eventuais consequências danosas
para os demais pacientes, pode-se qualificar tal ilícito com fato de terceiro, pois
inteiramente imprevisível e estranho ao objeto do contrato de prestação de serviços
que foi entabulado entre os pacientes e a entidade hospitalar.
Nesse caso, estaria caracterizando aquilo que chama-se de fortuito externo,
ensejando a lição de que, não tendo ilícito resultado da ação do hospital, nem
de qualquer fato conexo com a sua atividade, a responsabilidade ou culpabilidade
estaria inteiramente afastada ante a excludente derivada do fato de que os danos

41 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 145.
42 DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 111.
43 MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico: doutrina e jurisprudência.
3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 59.

31
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

experimentados por seus pacientes decorreram de fato praticado por terceiro, que
não guarda qualquer conexão com as obrigações derivadas dos serviços ajustados.
Portanto, o nexo de causalidade entre a conduta humana do profissional
médico e o resultado que provou a lesão são desfeitos, uma vez que coexistem as
presenças da imprevisibilidade e inevitabilidade, os quais possuem o condão de
excluir o dever de indenizar.
d) Cláusula não-indenizável: a relação jurídica médico-paciente pode ser
submetida a cláusula não indenizável, o qual exonera o profissional, de maneira
convencional e por vontade das partes, o dever de reparar eventuais danos que
venham a ocorrer, transferindo a responsabilidade para o próprio paciente. Apesar de
possível, esta cláusula não é bem vista do ponto de vista do direito contemporâneo,
uma vez que pode ensejar à interpretação de que isentaria a responsabilidade
subjetiva do médico.
De qualquer forma, ainda que livremente convencionada, não opera
essa cláusula em caso de dolo do agente. Não é porque o contratante sabe que
está isento de indenizar que intencionalmente possa ocasionar o dano. Como,
nesse inconveniente cláusula, naturalmente a agente relaxa no cumprimento da
obrigação, se sua culpa for de elevado nível (culpa grave), sua conduta se equipara
ao dolo. O caso concreto vai elucidar o juiz44.
Por fim, se torna cristalino o entendimento segundo o qual a conduta
danosa do médico deve constituir, obrigatoriamente, uma íntima relação com o
dano, a ponto de se verificar, sem sombra de dúvidas, o nexo de causalidade. Dessa
forma, conforme visto, não há de se falar em responsabilidade civil aplicada ao
médico, quando o nexo de causalidade está eivado por algum fator que rompe a
relação, excluindo o médico, portanto, do dever de reparar.

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO


MÉDICO

Para um melhor entendimento sobre a matéria, cumpre analisar, por


amostragem, o entendimento dos tribunais brasileiros, acerca da aplicação da
responsabilidade civil à atividade dos médicos.

44 VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo:
Atlas, 2018. p. 392.

32
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao julgar


Apelação Cível n.º 0028571-13.2010.4.01.380045, decidiu negar provimento ao
recurso da parte autora, destacando que não caberia indenização por danos morais e
materiais decorrentes de erro médico, o entendimento da Corte é no sentido de que
a atividade que o médico desenvolve é de meio, e não de resultado, na qual ele deve
agir para obter o melhor resultado possível, sem vincular-se ao resultado. Portanto,
essa relação é dependente de prova quanto ao dolo ou a culpa do médico. No caso
em tela, a parte autora não dispôs de provas suficientes para a caracterização da
culpa, não tendo o médico, portanto, a obrigação de reparar o dano.
Dessa forma, o Tribunal avaliou que a responsabilidade do médico, no
caso, é de meio e não de resultado. Sendo assim, somente o evento danoso, de
per si, não teria o condão de atribuir ao médico o dever de indenizar, pois, tal
responsabilidade depende da comprovação de sua culpa, bem como do nexo de
causalidade existente entre o evento danoso e o ato médico.
Acompanha esse entendimento o Supremo Tribunal Federal que, ao
julgar improcedente o Recurso Especial n.º 217.389/SP46, em uma ação cuja autora
suscitava a responsabilização do médico que, supostamente, havia agido com
imperícia na realização de um procedimento cirúrgico (não-estético), reconheceu
que o que deve ser objeto de indenização é a conduta médica imperita, ou como
vulgarmente vem sendo difundido, por força de erro médico, que venha a causar os
problemas de que a autora hoje é portadora, e não o era antes da cirurgia a que se
submeteu pela equipe médica. Portanto, em virtude de não haver sido comprovada
a conduta imperita do médico, não há o que se falar em responsabilização.
Por outro lado, existe a hipótese de a relação médica derivar de uma
obrigação de resultado, emergindo, em caso de não obtenção do resultado esperado,
o dever de indenizar por parte do médico. As cirurgias de cunho meramente estético
são exemplos de procedimentos médicos que implicam na obrigação de resultado,
conforme já fora relatado previamente.

45 BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Apelação Cível n.º 0028571-13.2010.4.01.3800.


Relator: Rodrigo Navarro de Oliveira. Data de Julgamento: 07/07/2017. Disponível em: https://trf-
1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/896032594/apelacao-civel-ac-ac-285711320104013800/emen-
ta-896032667. Acesso em: 23 jan. 2021.
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Especial n.º 217.389/SP. Relator:
Min. Néri da Silveira. Data de Julgamento: 22/05/2012. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/pagi-
nadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2137992. Acesso em: 23 jan. 2021.

33
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Diante disso, o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal


e Territórios, ao julgar procedente a Apelação Cível n.º 2015111003523647., o qual
a autora suscitava a indenização por danos morais e estéticos, devido à realização de
um procedimento de preenchimento labial não ter alcançado o resultado esperado.
No Acórdão, ressaltaram que a cirurgia estética consiste em obrigação de resultado,
pois o médico se compromete a obter um resultado específico, que, se não for
alcançado, gera presunção de culpa, com inversão do ônus da prova. No caso,
como o objetivo da paciente não foi atingido, os julgadores decidiram manter a
condenação do médico.

5 CONCLUSÃO

Conforme foi delineado, a diversidade da natureza jurídica em que pode


figurar o médico, gera repercussões em como a responsabilidade civil poderá incidir.
A responsabilidade civil do médico é um tema vasto, complexo, e de extrema
relevância para determinar os parâmetros de atuação do profissional da Medicina,
estabelecendo suas possibilidades e seus limites.
Sendo assim, restou-se evidente que não é possível estabelecer critérios
definitivos no que tange a responsabilidade civil do médico, até porque a Medicina
não é estática, tampouco exata, é dotada de maleabilidade, característica que
também é presente no Direito, para que este se adapte às mudanças sociais.
Conforme comprovado, sejam as relações médicas de natureza pública
ou privada, a determinação do seu regime jurídico se tem revelado, em concreto,
determinante para caracterizar a responsabilidade civil do profissional da área, para
que se considere toda a gama de regulamentação específica disponível.
Como visto, a relação médica pode ser contratual, regida pelo Código
de Defesa do Consumidor ou pelo Código Civil; nesses casos a responsabilidade
médica decorre do descumprimento de alguma normativa positivada no contrato.
Já na relação médica extracontratual, existe a necessidade de o autor provar que o
médico agiu mediante imprudência, negligência ou imperícia, já que em regra não
há previsibilidade da culpa.
Nada obstante, o médico servidor público tem sua responsabilidade
subsidiária, à medida que o Estado é responsável principal em caso de dano

47 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 3ª Turma Cível. Relator: Maria de
Lourdes Abreu. Data de julgamento: 20/06/2018. Disponível em: https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/
IndexadorAcordaos-web/infra/Download.jsp?idd=dwl7705rzgf. Acesso em: 24 jan. 2021.

34
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

causado a paciente em unidade hospitalar pública. Nesse ponto, restou claro que a
responsabilidade do médico será indireta, sendo necessário repor o prejuízo estatal
se comprovada sua culpa.
Frisou-se, inclusive, em linhas anteriores, as hipóteses em que o médico
se resguarda do dever de indenizar, por uma circunstância alheia à sua vontade.
Com efeito, quando constatado uma excludente de responsabilidade no ato
médico, mesmo que este esteja aparentemente ligado ao resultado danoso, não se
aplicará o dever de reparar o dano ao profissional, pois, nessas hipóteses, o nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado é rompido.
Com efeito, as abordagens apresentadas, com bases doutrinárias e
jurisprudenciais, tiveram o fito de contribuir para precisar com maior clareza os
parâmetros que determinam a responsabilidade civil do médico em caso de dano
causado aos pacientes.

35
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do trabalho: material, processual e


legislação especial. 18. ed. São Paulo: Rideel, 2018.

BELTRÃO, Sílvio Romero. A fenomenologia do consentimento informado na


relação médico-paciente: estudo baseado na teoria geral do direito civil. Revista do
Instituto do Direito Brasileiro. Ano 3, n. 7, 2014. p. 4760. Disponível em: http://
www.cidp.pt/revistas/ridb/2014/07/2014_07_04751_04816.pdf. Acesso em: 21
jan. 2021.

BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos contratos e dos atos unilaterais. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2004.

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Apelação Cível n.º 0028571-


13.2010.4.01.3800. Relator: Rodrigo Navarro de Oliveira. Data de
Julgamento: 07/07/2017. Disponível em: https://trf-1.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/896032594/apelacao-civel-ac-ac-285711320104013800/
ementa-896032667. Acesso em: 23 jan. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 3ª Turma Cível.


Relator: Maria de Lourdes Abreu. Data de julgamento: 20/06/2018. Disponível
em: https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/infra/Download.
jsp?idd=dwl7705rzgf. Acesso em: 24 jan. 2021.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Região. Recurso Ordinário n.º


01013710320175010052/RJ. Relatora: Angela Fiorencio Soares da Cunha.
Data de julgamento: 21 de novembro de 2018. Disponível em: https://
trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/654019500/recurso-ordinario-ro-
1013710320175010052-rj. Acesso em: 22 jan. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. 4ª Turma. REsp n.º 866.371/RS. Relator


Ministro Raul Araújo. Data de julgamento: 20/08/2012. Disponível em: https://
stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22100143/recurso-especial-resp-866371-rs-
2006-0063448-5-stj/inteiro-teor-22100144. Acesso em: 21 jan. 2021.

36
CORDEIRO, Quirino; OLIVEIRA, Alexandra Martini de; RIBEIRO, Rafael
Bernadon; RIGONATTI, Sérgio Paulo. A ética médica. Revista do Curso de
Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011.

DINELI, Giovana Bovo. Os contratos médicos e os deveres advindos da relação


médico-paciente. p. 161. Disponível em: https://intranet.redeclaretiano.edu.br/
download?caminho=/upload/cms/revista/sumarios/614.pdf&arquivo=sumario8.
pdf. Acesso em: 21 jan. 2021.

DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

FERREIRA, Carlos de Almeida. Os Contratos Civis de Prestação de Serviço


Médico. Revista de Direito da Saúde e da Bioética. Lisboa: AAFDL, 1996.

JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil do médico. In: Direito e


medicina: aspectos jurídicos da Medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

LEAL, Rogério. Controle Social dos Serviços Públicos no Brasil como Condição
de Sua Possibilidade. Revista de Direito Administrativo & Constitucional. Ano 1, n.
13, 2003.

LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1964. v. 5.

MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a


proteção dos vulneráveis. 2. ed. São Paulo: RT, 2014.

MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico: doutrina
e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MENEZES, Renata Oliveira Almeida. A Lei Geral de Proteção de Dados regula o


segredo médico?. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2020-out-12/direito-civil-atual-lei-geral-protecao-dados-regula-segredo-
medico. Acesso em: 28 jan. 2021.

37
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2010.

MORAES, Irany Novah. Erro médico e justiça. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.

NETO, Miguel Kfouri. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: RT, 2002.

NETO, Miguel Kfouir. Responsabilidade civil dos hospitais: Código civil e Código
de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NEVES, N. C. Ética para os futuros médicos: é possível ensinar? Brasília: Conselho


Federal de Medicina, 2006. p. 18. Disponível em: https://bit.ly/2R0hduz. Acesso
em: 20 jan. 2021.

PEREIRA, André Gonçalo Dias. O Consentimento informado na relação médico-


paciente: Estudo de Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 2004.

PEREIRA, Lemos; Francesconi, Paula M. Relação médico-paciente. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 2011.

RIGONATTI, Sérgio Paulo. A ética médica. Revista do Curso de Direito da


Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROSA, Paulo Jorge Ferreira da. A natureza jurídica da relação médico-paciente: o


contrato de prestação de serviços médicos. Tese (Mestrado Científico em Direito)
– Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2013.

SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en droit français. Paris, 1951.

SCALCON, Raquel. O conceito de funcionário público no direito brasileiro e


alemão: uma proposta de interpretação restritiva do termo emprego público em
empresas estatais. Revista de Estudos Criminais, n. 72. São Paulo, 2019.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e


jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

38
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: com comentários ao código civil
de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

UDELSMANN, Artur. Responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed.


Revista da Associação Brasileira de Medicina, 2002.

39
02 Médico Veterinário

Kleber Soares de Oliveira Santos


Nathália Virgínia de Medeiros Costa

1 INTRODUÇÃO

O médico veterinário vem ganhando considerável destaque social


diante da importância das atividades relacionadas à saúde, higiene, alimentação
e, consequentemente, a tudo o que está vinculado à vida dos animais. Em face do
reconhecimento e da valoração desse trabalho, é natural que exista uma intervenção
do Direito na relação jurídica entre as partes envolvidas, no sentido de garantir a
regulamentação dessa profissão, a prestação de serviço com requisitos mínimos de
qualidade, entre outros aspectos.
Nesse sentido, com os olhos voltados para construção normativa,
é possível citar a Convenção Europeia de Proteção aos Animais de Companhia
(1993), assim como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada
pela Unesco (1978), que possui o viés direcionado à preservação da vida animal.
Como se percebe, é notório o esforço das autoridades para produzir textos
normativos que, além de acompanhar o desenvolvimento da sociedade, mostram-se
capazes de trazer uma maior segurança jurídica aos sujeitos, seja ao profissional, seja
à parte contratante. A preocupação do legislador decorre de situações que podem
acontecer em virtude da existência de culpa ou dolo do médico veterinário, o que
ensejará a abertura de procedimento para fins de apurar responsabilidade civil.
É natural encontrar, no meio social, pessoas que demonstram uma relação
de companheirismo, apreço e carinho para com o animal; inclusive, há pessoas
que o consideram como próprio membro da família. Em vista disso, surgem as

40
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

demandas dos serviços dos veterinários, que procuram atender às necessidades dos
clientes.
Contudo, em determinadas ocasiões, a prestação do serviço não é
realizada da maneira adequada, ocasionando, na parte contratante, um sentimento
de irresignação e o desejo de reparação diante do dano vivenciado.
Não se desconhece que muitas discussões já chegaram ao Poder Judiciário
e ao Poder Legislativo questionando a responsabilidade do médico veterinário pelo
dano provocado não apenas em relação ao animal, mas também ao proprietário.
Nessa linha de raciocínio, o trabalho em tela buscará analisar, sob a ótica
legislativa, qual a responsabilidade (subjetiva ou objetiva) do médico veterinário
em face de acontecimentos que ocasionem algum dano/prejuízo ao proprietário do
animal pela falha na prestação de serviço.
Para a compreensão do presente trabalho, será necessário efetuar
sua divisão em três capítulos. De forma inicial, discutir-se-á o conceito da
responsabilidade civil, os seus pressupostos, a diferença entre a responsabilidade
objetiva e subjetiva, bem como se analisará a temática sob o olhar do Código de
Defesa do Consumidor (CDC).
Em seguida, será examinada a responsabilidade do médico veterinário no
desempenho de sua atividade, enfatizando-se a obrigação de resultado e de meio.
Também se mostra imprescindível discutir a responsabilidade dele quando exerce
sua profissão em clínica veterinária e pet shop.
Por fim, no último item, demonstrar-se-á como o assunto está sendo
tratado no âmbito do Judiciário, colacionando-se, para tanto, alguns precedentes.
A metodologia é derivada de uma pesquisa de natureza aplicada,
hipotético-dedutiva, com abordagem qualitativa, tendo sido utilizadas fontes
diversificadas para desenvolver esse trabalho.
Nessa perspectiva, serão utilizados, como vetores para a abordagem do
tema, textos normativos nacionais, por exemplo, Constituição Federal, Código
Civil, Código de Defesa do Consumidor, Resolução n. 1.138/16 (Código de Ética
do Médico Veterinário), além de jurisprudência dos tribunais e doutrina.

41
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 CONCEITO

A responsabilidade civil, fundamentada no princípio neminem laedere (a


ninguém se deve lesar), como o próprio nome sugere, é a responsabilidade daquele
sujeito que causa dano a outrem a partir de uma conduta voluntária, com dolo ou
culpa, positiva ou negativa. Imputar responsabilidade a alguém é considerar-lhe
culpado (sentido amplo) por alguma coisa, fazendo-o responder pelas consequências
de uma conduta contrária ao dever, sendo responsável o indivíduo que poderia e
deveria ter agido de outro modo1.
Logo, aquele que causar dano a outrem, mesmo que moralmente,
será responsabilizado conforme a lei e os seus princípios norteadores, como a
proporcionalidade e a razoabilidade2. Também será responsabilizada a pessoa que
exceder manifestadamente os limites dos direitos que possui3.
Constitui ato ilícito a ação praticada pelo agente em desacordo com a
ordem jurídica, violando direito subjetivo individual e criando, por conseguinte, o
dever de reparar o dano patrimonial ou moral gerado em desfavor de outra pessoa4.
Com efeito, a responsabilidade civil busca, através da efetivação de
algumas medidas, obrigar alguém a reparar o dano causado a outrem, seja pela
realização de ato por ele mesmo praticado, por pessoa por quem ele é responsável,
por alguma coisa a ele pertencente ou em face de simples imposição legal5.

1 TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a tutela da personali-


dade dos filhos. São Paulo: Paulistana Jur, 2004. p. 245.
2 BRASIL. Código Civil. Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
3 BRASIL. Código Civil. Artigo 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes.
4 Abuso de direito ou exercício irregular do direito: O uso de um direito, poder ou coisa, além do
permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de inde-
nizar. Realmente, sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a ilicitude no resultado, por
atentado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes ou por desvio de finalidade socio- econômica
para a qual o direito foi estabelecido. PELUSO, Cezar. Novo Código Civil comentado. 7 ed. São Paulo:
Manole, 2013. p. 116.
5 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 27. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. v. 7. p. 51.

42
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Nessa perspectiva, pode-se asseverar que os elementos intrínsecos à


configuração da responsabilidade civil dependem, cumulativamente, da conduta
voluntária do agente (dolo ou culpa) e de uma ação ou omissão que gerem danos à
vítima (nexo causal), seja ou não patrimonial (resultado)6.
Sopesando a informação suso mencionada, percebe-se que a conduta
voluntária do agente, no que tange ao dolo, dirige-se à intenção de produzir um
resultado antijurídico desde a origem, ou seja, ela já nasce ilícita. Por outro lado,
na culpa, não há o intuito de o agente causar dano a outrem; contudo, por não agir
com cautela (negligência, imprudência e imperícia), a conduta é considerada ilícita,
haja vista a existência de desvio dos padrões socialmente adequados7.
Noutro quadrante, tem-se a questão referente à ação e omissão. Enquanto
a primeira é fruto da exteriorização da conduta do agente e, portanto, caracterizada
por um comportamento positivo, a omissão, em sentido contrário, é a conduta
negativa juridicamente relevante. Aqui, é igualmente responsável aquele que se
omite quando tem o dever jurídico de agir e de praticar um ato para impedir o
resultado, porém, assim não o faz8.
No concernente ao dano, é possível avultar que se trata de uma lesão –
material ou não – a um bem jurídico de interesse a ser tutelado, cuja causa decorre
de uma ação ou omissão do sujeito infrator9.

6 Atos lesivos que não são ilícitos: Há hipóteses excepcionais que não constituem atos ilícitos apesar
de causarem danos aos direitos de outrem, isto porque o procedimento lesivo do agente, por motivo
legítimo estabelecido em lei, não acarreta o dever de indenizar, porque a própria norma jurídica lhe
retira a qualificação de ilícito. Assim, ante o artigo sub examine não são ilícitos: a legítima defesa, o
exercício regular de um direito e o estado de necessidade. Legítima defesa: A legítima defesa exclui a
responsabilidade pelo prejuízo causado se, com uso moderado de meios necessários, alguém repelir
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Exercício regular de um direito reco-
nhecido: Se alguém no uso normal de um direito lesar outrem não terão qualquer responsabilidade
pelo dano, por não ser um procedimento ilícito. Estado de necessidade: O estado de necessidade con-
siste na ofensa do direito alheio para remover perigo iminente, quando as circunstâncias o tornarem
absolutamente necessário e quando não exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo.
PELUSO, Cezar. Novo Código Civil comentado. 7. ed. São Paulo: Manole, 2013. p. 117.
7 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 32.
8 Ibid. p. 25.
9 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 12. ed. São Paulo, Saraiva, 2014. v. 3. p. 83.

43
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

A respeito do último elemento constitutivo da responsabilidade civil, o


nexo casual é o elo etiológico, o liame que une a ação positiva ou negativa do agente
ao dano10. Constitui elemento imaterial da responsabilidade civil a relação de causa
e efeito entre a conduta culpa do agente e o dano sofrido por alguém11.
Portanto, cabe ao julgador examinar, na situação concreta, se os requisitos
legais foram preenchidos na sua integralidade, pois a ausência de qualquer um deles
inviabilizará a pretensão do autor no tocante à reparação dos prejuízos vivenciados.

2.2 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

A responsabilidade civil pode ser classificada em subjetiva ou objetiva, a


depender da presença ou não do elemento “culpa” no caso concreto. Sendo assim,
será considerada subjetiva a responsabilidade que se ampara na ideia de culpa.
Esta pode ser definida, em sentido estrito, como sendo o desrespeito a um dever
preexistente, não havendo propriamente uma intenção de violar o dever jurídico,
isto é, o agente quer a conduta, mas não quer o resultado12.
A culpa estrita é relacionada a três modelos jurídicos, que são subjetivos,
a saber: a) impudência; b) negligência; e c) imperícia.

10 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 12. ed. São Paulo, Saraiva, 2014. v. 3. p 146.
11 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 345.
12 As principais classificações da culpa stricto sensu são as seguintes: a) “Quanto à origem a culpa
pode ser classificada em culpa contratual (incluindo a culpa ao contratar ou culpa in contrahendo) e
culpa aquiliana. A classificação está de acordo com o duplo tratamento do tema da responsabilidade
civil (contratual x extracontratual), que ainda persiste apesar das tendências de unificação da matéria;
b) Quanto à atuação do agente, há a culpa in comittendo e a in omittendo, classificação que não traz
maiores dificuldades. A primeira é conceito relacionado com a imprudência, ou seja, com uma ação
ou comissão. A segunda está alinhada à negligência, à omissão; c) No tocante ao critério da análise
pelo aplicador do direito, a culpa pode ser in concreto ou in abstrato. Na primeira, analisa-se a conduta
de acordo com o caso concreto, o que é sempre recomendável, tendo em vista o sistema adotado pelo
Código Civil de 2002. Na culpa in abstrato, leva-se em conta a pessoa natural comum, ou seja, o
antigo critério do homem médio”; d) “Quanto à presunção, surgem três modalidades: d.1) culpa in
vigilando haveria uma quebra do dever legal de vigilância como era o caso, por exemplo, da responsa-
bilidade do pai pelo filho, do tutor pelo tutelado, do curador pelo curatelado, do dono de hotel pelo
hóspede e, ainda, do educador pelo educando. D.2) culpa in eligendo era a culpa decorrente da escolha
ou eleição feita pela pessoa a ser responsabilizada, como no caso da responsabilidade do patrão por ato
de seu empregado. d.3) culpa in custodiendo, a presunção da culpa decorreria da falta de cuidado em
se guardar uma coisa ou animal”. TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 9.
ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. v. 2. p. 645-650.

44
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

A impudência é uma conduta positiva exteriorizada na falta de cautela,


uma conduta precipitada, uma ação que o agente deveria abster-se. A título
exemplificativo, cita-se um condutor de um veículo automotor que ingere bebida
alcóolica antes de dirigir13.
A negligência, diferentemente, é uma conduta omissiva, no qual o
agente deveria agir e assim não o faz. Ao realizar uma ação, ele não toma as devidas
precauções exigidas pela natureza da obrigação e pelas circunstâncias14. Tem-se,
por exemplo, aquele indivíduo que antes de viajar não analisa a calibragem dos
pneus ou não realiza os procedimentos de manutenção exigidos pela montadora do
veículo, no sentido de proporcionar uma viagem segura.
Por sua vez, a imperícia é a falta de habilidade técnica para exercer certa
função, profissão ou arte15. À guisa de ilustração, pode-se mencionar o condutor
de automóvel que exerce atividade de direção sem possuir o documento capaz de
atestar sua capacidade de condução.
Diferentemente, no que tange à responsabilidade objetiva, a culpa se torna
um elemento dispensável, pois, segundo o Código Civil, aquele que por ato ilícito
causar dano a outrem, fica obrigado a reparar e haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos previstos em lei ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem16. Relevante realçar que esse dispositivo foi inspirado no
art. 2.050 do Codice Civile Italiano, do ano de 1942, o qual versa sobre esposizione
al pericolo (exposição ao perigo).
A própria legislação impõe a determinadas pessoas a responsabilidade
objetiva a partir de algumas situações, como no caso de incidência do Código
de Defesa do Consumidor (ver item 2.3). Quando isso acontece, diz-se que a
responsabilidade é legal ou objetiva, e prescinde de culpa, satisfazendo-se apenas
com o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado produzido. Essa teoria,
conhecida como objetiva ou do risco, tem a fundamentação lastreada na ideia

13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. 4. p. 376.
14 Ibid.
15 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. 4. p. 376.
16 BRASIL. Código Civil. Art. 927.

45
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

de que todo dano é indenizável e por isso deve ser necessariamente reparado,
independentemente da existência de culpa17.
Assim, em suma, pode-se concluir que a responsabilidade subjetiva
se baseia na ideia de culpa, agindo o agente com negligência, imprudência ou
imperícia. Situação diferente acontece no ato ilícito decorrente da responsabilidade
objetiva, pois, aqui, não se deve comprovar a culpa, mas tão somente o nexo causal
entre a ação e o prejuízo.

2.3 RESPONSABILIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A partir da dicotomia existente entre a responsabilidade civil subjetiva e


objetiva, a Lei Federal nº 8.078/90 (CDC) surge como fator preponderante para
disciplinar o assunto no âmbito das relações de consumo.
O mencionado ato normativo tem como protagonistas os sujeitos da
relação de consumo, isto é: a) o consumidor, pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto ou serviço como destinatário final18; e b) o fornecedor, pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços19.
Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor, a fim de constituir
uma sociedade de produção e de consumo responsável, buscou proteger àquele
sujeito mais fraco da relação jurídico por considerá-lo vulnerável, o consumidor20.
Nesse sentido, colocou o fornecedor como responsável direto pela prestação do
serviço ou do fornecimento do produto, de modo que torna despiciendo examinar
o elemento culpa21. Essa proteção decorre do mandamento oriundo do art. 5º,

17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. 4. p. 47.
18 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 2º.
19 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 3°.
20 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 4º – A Política Nacional das Relações de Consumo
tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde
e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como
a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhe-
cimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...].
21 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, indepen-
dentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos

46
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

inciso XXXII da Constituição Federal, que prescreve: “o Estado promoverá, na


forma da lei, a defesa do consumidor”22.
Porquanto, nota-se que o CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva
baseado no dever e na segurança do fornecedor em relação aos produtos e
serviços lançados no mercado. Isso acontece porque o consumidor está confiante
no investimento realizado para adquirir determinado bem, em conformidade
com aquilo que foi garantido, devendo este atender às expectativas propostas no
momento da negociação de compra e venda23.
A lei consumerista faz uma ressalva que foge à regra geral. Em relação aos
profissionais liberais, a responsabilidade deles será apurada mediante a verificação
do elemento culpa24. Diante desse contexto, nas circunstâncias em que reste ausente
a gana de constituir empresa, o médico, advogado, dentista, médico veterinário,
entre outros respondem de maneira subjetiva.

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO VETERINÁRIO

É visível o descaso do ordenamento jurídico em razão da ausência de


tratamento personalíssimo dos animais, vez que são classificados como coisas pelo
Código Civil ou, às vezes, como produto pelo Código de Defesa do Consumidor,
não sendo detentores de uma denominação jurídica digna.
A despeito dessa omissão normativa, os tribunais vêm, regularmente,
recebendo demandas que reivindicam o direito ao cuidado e à vida desses seres
vivos. Na maioria dos casos, os proprietários de animais procuram, incessantemente,
comprovar a responsabilidade dos profissionais liberais ou das clínicas veterinárias e
pet shops diante da existência de erro ou deficiência na prestação do serviço.
Como realçado no tópico anterior, o profissional liberal responde,
em regra, de modo subjetivo, haja vista que atua no mercado com pessoalidade,

relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.
22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 5°, XXXII.
23 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 18.
24 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 14, §4º.

47
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

liberalidade, sem estar submisso aos poderes do empregador. Dessa forma, ele não
está inserido no círculo diretivo e disciplinar de uma organização empresarial25.
Por outro lado, quando se trata de clínica veterinária ou pet shop, percebe-
se que o médico não é procurado de forma pessoal e direta pelo cliente, mas, na
verdade, o relacionamento é construído entre as partes em face da participação/
interferência de um terceiro, que é a empresa. Então, quando aquele exerce
atividade, com características de relação empregatícia, a responsabilidade imediata
é transferida ao empregador.
Sendo assim, a responsabilidade das empresas que utilizam a mão de
obra contratada do médico veterinário é objetiva, uma vez que são responsáveis
pela reparação dos danos que seus empregados, serviçais e prepostos derem causa
durante o exercício da atividade laboral ou em razão dele26.
Basicamente, esse é o entendimento que vem sendo adotado pelo
Judiciário, conforme se depreende da Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal:
“é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregador ou
preposto”27.
É importante esclarecer que a responsabilidade deve ser apurada no caso
concreto a partir de uma cognição exauriente do processo, podendo ser subjetiva ou
objetiva. Mostra-se importante asseverar também que, nesse último caso, mesmo a
empresa sendo a responsável direta e de forma objetiva na relação jurídica, ela pode
perfeitamente, depois de reparado o dano, ingressar com ação regressiva a fim de
responsabilizar o médico veterinário, tendo como objetivo comprovar a culpa dele.
Quanto à legislação pertinente aos profissionais da medicina veterinária,
tem-se a aplicação da Resolução n. 1.138/16, que dispõe especificamente sobre o
Código de Ética. Esse ato normativo considera essa atividade como imprescindível
ao progresso socioeconômico, à proteção, à saúde humana e animal, ao meio
ambiente e ao bem-estar da sociedade e dos animais.
Além de vários comandos normativos relevantes, cumpre ressaltar que
o Código suso mencionado traz importante lição no Capítulo V, art. 9°, inciso

25 BARROS, Alice de Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 173.
26 BRASIL. Código Civil. Art. 932.
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 601.811. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Decisão
monocrática, j. 30/09/2009.

48
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

I28. Aqui, o tema envolve expressamente a responsabilidade do médico veterinário,


sendo perceptível o zelo e cautela em evidenciar a responsabilidade subjetiva no
exercício da atividade. Contudo, aquele dispositivo deixa em aberto o tema quando
o assunto alcança a responsabilidade envolvendo as clínicas e os pet shops, sendo,
portanto, aplicado aquilo que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (ver item
2.3).
Portanto, observa-se que a relação do predito médico com aquele que
usufrui do serviço pode ocorrer de duas formas distintas. No caso de relação direta
e pessoal do profissional liberal, tem-se a responsabilidade subjetiva (regra). Porém,
se a relação envolver um terceiro, além do profissional e o usuário do serviço, muda-
se a relação comercial. Logo, tratando-se de pessoa jurídica a responsabilidade é
objetiva.

3.1 ATIVIDADE PROFISSIONAL DA MEDICINA VETERINÁRIA:


OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO

A obrigação contraída pelo médico veterinário pode ser classificada como


de meio ou de resultado. A obrigação de meio é aquela em que, como o próprio
nome sugere, o contratado se obriga a realizar sua atividade, sem garantir, todavia,
o desfecho desejado29. Isso acontece quando o profissional está diante de um caso
em que o paciente tem a pretensão de resolver definitivamente uma infecção (v.g.,
dermatite de animal).

28 BRASIL. Resolução n° 1.138/16 (Código de Ética do Médico Veterinário). Art. 9º – O médico


veterinário será responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa,
respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações que venham a causar dano ao paciente
ou ao cliente e, principalmente; I – praticar atos profissionais que caracterizem: a) a imperícia; b)
a imprudência; c) a negligência; II – delegar atos ou atribuições privativas da profissão de médico
veterinário; III – atribuir seus erros a terceiros e a circunstâncias ocasionais que possam ser evitadas,
mesmo quando solicitadas pelo cliente; IV – deixar de esclarecer ao cliente sobre as consequências
socioeconômicas, ambientais e de saúde pública, provenientes das enfermidades de seus pacientes; V
– deixar de cumprir, sem justificativa, as normas emanadas dos órgãos ou entidades públicas, inclusi-
ve dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária; VI – deixar de atender às requisições
administrativas e intimações emanadas pelos órgãos ou entidades públicas dentro do prazo determi-
nado; VII – praticar qualquer ato profissional sem consentimento formal do cliente, salvo em caso de
iminente risco de morte ou de incapacidade permanente do paciente.
29 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 3. p. 285.

49
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Decerto, o profissional deverá se esforçar durante o processo de


atendimento e, em momentos posteriores, se for o caso, a fim de utilizar o meio
apropriado para alcançar o resultado. É necessário consignar que inexiste a
obrigatoriedade do prefalado médico em curar o animal, mas somente o dever de
tratá-lo da maneira mais adequada possível, com dedicação e de acordo com as
técnicas disponíveis à época.
No que tange à obrigação de fim, há o compromisso de desempenhar
sua atividade, assim como surge a incumbência de produzir o resultado desejado
pela parte contratante30. A título exemplificativo, tem-se o profissional que
se compromete em realizar uma castração de animal, garantindo, portanto, a
esterilidade dele após intervenção médica.
Nesse cenário, apesar de alguns doutrinadores considerarem que, em
ambas as situações, haverá responsabilidade civil subjetiva, sendo imprescindível
comprovar a culpa do agente pelos danos experimentados pela vítima31, o Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) se posicionou de maneira divergente.
O caso paradigma foi julgado pela 9ª Câmara Cível e versava sobre
demanda proposta em desfavor do médico veterinário que se comprometeu em
uma obrigação de resultado. Na hipótese vertente, o consumidor contratou o
médico para efetuar o serviço de vasectomia em seu animal de estimação, tendo
sido, na oportunidade, garantido o êxito da referida técnica. Entrementes, após a
execução e conclusão da cirurgia, o animal ainda permaneceu apto à reprodução, o
que evidenciou o insucesso do procedimento.
Sendo assim, a pretensão autora foi julgada procedente e o profissional foi
condenado pelo TJRJ ao pagamento de indenização com base na responsabilidade
objetiva32 33.

30 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 3. p. 286.
31 Ibid.
32 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n. 3871/96. 9ª Câmara Cível. Rel.
Des. Elmo Arueira, j. 25.09.1996.
33 Apesar de ter sido realizado pesquisa em vários Tribunais de Justiça, esse foi o julgado encontrado
que aplicou a responsabilidade objetiva na obrigação de resultado. Observou-se também que esse
caso é bastante comentado na doutrina. Sobre o tema, recomenda-se a leitura de COSTA, Caroline
Amorim. Por uma releitura da responsabilidade civil em prol dos animais não humanos. 2017. 214 f. Tese
(Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2017.

50
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Destarte, impende destacar que, embora a responsabilidade do médico


veterinário seja subjetiva, via de regra, podem ocorrer situações nas quais o
magistrado determine a aplicação da teoria objetiva, condenando-o pela falha na
prestação do serviço. Logicamente, faz-se necessário examinar o caso concreto de
maneira minuciosa, assim como ter pleno conhecimento das regras pactuadas entre
as partes antes de definir o tipo de responsabilidade a ser aplicada.

4 ANÁLISE DE PRECEDENTES JUDICIAIS

Neste espaço, entende-se pertinente examinar algumas decisões do


Judiciário que abordam a responsabilidade do profissional em testilha.
Nessa perspectiva, é imprescindível sopesar a demanda apreciada pela 3ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na qual um proprietário de
animal ajuizou ação em desfavor do médico veterinário. A tese inicial sustentada
pela parte autora foi de que a conduta do médico não se revelou adequada para
tratar o animal. Na decisão, o magistrado reconheceu a responsabilidade subjetiva
do profissional, amparando-se no art. 14, §4° do Código de Defesa do Consumidor,
condenando parte demandada a reparar os prejuízos vivenciados pelo consumidor,
mormente por restar comprovado sua culpa por meio de laudo pericial (conduta
coberta por negligência)34.
Em outra demanda, mostra-se interessante relatar a decisão proferida
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), através da 6ª Câmara de Direito
Privado, diante de um caso de morte de animal após a realização de tosa em pet
shop. In casu, o proprietário pleiteou na inicial o recebimento de indenização com o
escopo de reparar os danos por si suportados. O argumento articulado, em síntese,
pelo autor é de que houve falha na prestação do serviço, visto que, estando sob
o cuidado do pet shop, o animal de estimação foi golpeado na cabeça durante o
procedimento de tosa.

34 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n. 0110486-35.2009.8.19.0001. 3ª


Câmera Cível. Rel. Des. Mario Assis Gonçalves, j. 05.06.2013.

51
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

A partir dos elementos contidos no art. 935 do Código Civil35 e dos


arts. 14, §1°, II, e 34, ambos do Código de Defesa do Consumidor3637, o Tribunal
decidiu, com base na responsabilidade objetiva, condenar o pet shop ao pagamento
da indenização no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), utilizando-se os critérios
de proporcionalidade e razoabilidade38.
Consoante já discorrido no trabalho, os julgados ratificam o
posicionamento de que a responsabilidade civil do médico veterinário é subjetiva
quando se tratar de profissional liberal que exerce sua atividade sem o ânimo de
constituir atividade empresarial. Cumpre alertar que foi citado no corpo do trabalho
uma decisão do TJRJ que reconheceu a responsabilidade objetiva do profissional
liberal quando a obrigação for considerada de resultado.
Já a responsabilidade em relação às clínicas e pet shops, mediante o vínculo
empregatício existente entre o profissional e o estabelecimento comercial (contrato
de trabalho), entende-se que aqueles respondem de forma objetiva pelos danos
causados ao cliente.

5 CONCLUSÃO

Com a pretensão de trazer ao leitor a devida compreensão sobre a


responsabilidade civil do médico veterinário, procurou-se abordar essa temática
sob diversos enfoques, por exemplo, conceito, requisitos, entre outros elementos.
No decorrer do trabalho, foi tratada a questão da responsabilização do
médico veterinário, seja quando ele atua de forma independente e de maneira

35 BRASIL. Código Civil. Artigo 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se
podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no juízo criminal.
36 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, indepen-
dentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele
pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: [...] II – o resul-
tado e os riscos que razoavelmente dele se esperam.
37 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solida-
riamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
38 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 6174039. 6ª Câmara de Direito Pri-
vado. Relª. Desª. Ana Lúcia Romanhole Martucci; j. 13.03.2014.

52
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

autônoma, seja quando ele integra o quadro de funcionários de uma empresa,


atuando com vínculo empregatício.
Também restou desenvolvida a problemática, bastante debatida entre
doutrinadores e estudiosos da área, que é a responsabilidade daquele profissional ao
atuar em uma obrigação de meio ou de resultado.
A fim de trazer maior clareza sobre o assunto em disceptação, verificou-
se a necessidade de demonstrar o entendimento adotado no âmbito do Judiciário.
Nesse ponto, foram colacionados julgados que tratavam e reconheciam a
responsabilidade do prefalado médico de maneira subjetiva, mas, a depender do
caso concreto, houve o posicionamento a favor da aplicação da responsabilidade
objetiva.
Sendo assim, é possível perceber que o profissional em tela responde, em
regra, de forma subjetiva; isso quando atua em uma obrigação de meio, podendo
ser compreendida a sua atividade pelos tribunais de maneira objetiva em situações
que se referem à obrigação de resultado.
Conclui-se, portanto, que nem sempre o profissional da medicina
veterinária irá responder com base naquilo que dispõe o Código de Defesa do
Consumidor, em seu art. 14, §4º, tendo em vista que essa a regra admite exceções.
Outrossim, no que tange à responsabilidade da clínica veterinária e do pet
shop, eles se enquadram na responsabilidade objetiva, não havendo a necessidade
da comprovação de culpa. Todavia, existe possibilidade de as empresas ingressarem
regressivamente contra o causador do dano, devendo nesse momento comprovar a
culpa do profissional.
Em resumo, essas foram as contribuições trazidas por esse estudo, que
tem o propósito de provocar reflexões acerca do tema, assim como subsidiar novos
estudos e pesquisas, além de possibilitar intervenções concretas para melhoria da
relação jurídica entre os sujeitos envolvidos.

53
REFERÊNCIAS

BARROS, Alice de Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo:
LTr, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal.


1988.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil.

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências.

BRASIL. Resolução CFMV n. 1.138/16, de 6 de dezembro de 2016. Dispõe sobre o


Código de Ética do Médico Veterinário.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 601.811. Rel. Min. Ricardo


Lewandowski. Decisão monocrática, j. 30.09.2009.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n. 3871/96. 9ª


Câmara Cível. Rel. Des. Elmo Arueira, j. 25.09.1996.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n. 0110486-


35.2009.8.19.0001. 3ª Câmera Cível. Rel. Des. Mario Assis Gonçalves, j.
05.06.2013.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 6174039. 6ª Câmara


de Direito Privado. Relª. Desª. Ana Lúcia Romanhole Martucci; j. 13.03.2014.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São


Paulo: Atlas, 2012.

COSTA, Caroline Amorim. Por uma releitura da responsabilidade civil em prol


dos animais não humanos. 2017. 214 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-
graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2017.

54
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 27.
ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 7.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 3.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 12.


ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4.

PELUSO, Cezar. Novo Código Civil comentado. 7. ed. São Paulo: Manole, 2013.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 9. ed. Rio de


Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. v. 2.

TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a


tutela da personalidade dos filhos. São Paulo: Paulistana

55
03 Cirurgião Dentista

Diego Sidrim Gomes de Melo


Sara de Lima Costa Amaro Freitas

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil está presente no mundo contemporâneo, sendo


inconcebível que inexista sociedade evoluída que não tenha disciplinado em seu
ordenamento jurídico discussão a respeito da responsabilidade1. O vocábulo
responsabilidade tem origem no latim respondere, que significa responder por algo.
É a necessidade de responsabilizar alguém por seus atos danosos2. Tanto em seu
sentido etimológico quanto jurídico, o significado de responsabilidade é o mesmo,
que é uma obrigação, uma contraprestação.
A responsabilidade civil é um dever jurídico secundário, ou seja, sucessório.
Só se há de falar em tal responsabilidade quando houver violação de uma obrigação –
dever jurídico originário, ou primário – e, consequentemente, dano. Esta obrigação
pode ter sua origem na lei – quando alguém tenha a obrigação de agir ou deixar
de agir – ou em contrato – quando alguém se obriga a agir ou deixar de agir. Em
havendo seu descumprimento, em ambas as hipóteses, com a ocorrência de dano, se
estará diante da responsabilidade civil. Villaça Azevedo, de forma resumida explica
esta distinção: “A relação jurídica obrigacional nasce da vontade das pessoas ou da
lei e deve ser cumprida no meio social, espontaneamente. Quando a obrigação não

1 MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos corporais ocasio-
nados. Monografia de Graduação, 2005. p. 8.
2 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutri-
nária e jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

56
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

se cumpre pela forma espontânea é que surge a responsabilidade”3. Caio Mário da


Silva Pereira bem define, então, o que é a responsabilidade civil4:

Consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em


relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma.
Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da respon-
sabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que
subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador
do dano.

Quanto à natureza da responsabilidade civil, corrobora o entendimento


de Peteffi da Silva, “[...] outro importante ramo do direito obrigacional, a
responsabilidade civil, que se ocupa das obrigações surgidas pela quebra de um
dever preexistente, tanto de origem negocial quanto extranegocial [...]”5. Na
hipótese de um dever jurídico originário ser violado com a ocorrência de dano,
haverá um novo dever jurídico – sucessivo – que é o de responder civilmente quem
descumpriu com a obrigação e causou o dano. Já este, que também vem do latim,
damnu, significa mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral; prejuízo material causado a
alguém pela deterioração, danificação6.
Não é a responsabilidade civil uma inovação do Direito Contemporâneo,
vez que já era tratada nas sociedades pré-romanas, como na Mesopotâmia, com o
Código de Hamurabi, que em seu artigo 220 preceituava7: “Art. 220. Se ele abriu a
região superciliar com lanceta de bronze e destruiu o seu olho, ele pesará a metade
de seu preço”. Em Roma Antiga, a Lei das XII Tábuas também preconizava sobre
responsabilidade civil, como se depreende da Tábua VII.98: “Aquele que causar
dano leve indenizará 25 asses”.

3 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade
civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 31.
4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 11.
5 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2013. p. 1-2.
6 MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos corporais ocasio-
nados. Monografia de Graduação, 2005. p. 10
7 CÓDIGO DE HAMURABI. Código de Manu – Excertos (livros oitavo e novo): Lei das XII Tá-
buas. 3. ed. São Paulo: EDIPRO, 2011. p. 33.
8 Ibid. p. 128.

57
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

A legislação brasileira reconhece ainda, a responsabilidade civil de diversos


profissionais, dentre eles, a dos dentistas, também denominados odontólogos ou
cirurgiões-dentistas. Odontologia que, para Ferreira9, é a parte da medicina que
trata dos dentes e da sua higiene e afecções; conjunto de ciências que se estuda para
o exercício da profissão de cirurgião-dentista. Por outro lado, discorda Venosa, de
que, no Brasil, a odontologia é parte da medicina: “A odontologia tem autonomia
própria, não sendo considerada como parte da Medicina, como ocorre em outros
países. A responsabilidade dos dentistas situa-se, contudo, no mesmo plano e sob
as mesmas perspectivas da responsabilidade médica”10.
O Código Civil de 1916 já tratava de forma expressa sobre a
responsabilidade civil do dentista. Apesar do Código Civil de 2002 não a trazer
de forma expressa, está-se inserida a responsabilidade deste profissional quando de
uma interpretação teleológica do artigo 951.
A atividade odontológica cada vez mais em alta diante do cenário de redes
sociais, influencers, pessoas que buscam cada vez mais no tratamento odontológico
uma melhora na aparência, sendo o sorriso o cartão postal de qualquer pessoa, faz
com que se busque cada vez mais por estes profissionais responsáveis não apenas
pela saúde bucal, mas pela estética do sorriso.
O dentista não está isento de responder pela má prestação de seus
serviços, uma vez que, também se enquadra como fornecedor de serviços pela Lei
Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, mais conhecida como Código de
Defesa do Consumidor. Dentre as condutas profissionais do dentista, pelas quais
ele pode, por exemplo, responder, estão: o dever de prestar informação adequada;
utilização de técnica não aprovada pela comunidade científica; tratamento dentário
inadequado; erro de diagnóstico; erro de tratamento; erro na anestesia; erro de
prognóstico; falta de higiene; erros na perícia, entre outros erros.
Neste capítulo será visto a natureza jurídica da atividade do odontólogo,
se contratual ou aquiliana; se a obrigação é de meio ou de resultado e a que está
ligada esta obrigação; se sua responsabilidade é subjetiva ou objetiva e qual seu
fundamento jurídico; abordar-se-á sobre os erros profissionais em odontologia; e
como vem se posicionando o Judiciário brasileiro quanto à responsabilidade civil
do cirurgião-dentista.

9 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário aurélio. 1. ed. Nova Fronteira, 1975.
10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Obrigações e responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo:
Atlas, 2017. p. 609. v. 2.

58
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA E FUNDAMENTO DA


RESPONSABILIDADE CIVIL

A busca por procedimentos odontológicos é cada vez maior, não apenas


pelos cuidados preventivos e restauradores com a saúde bucal, mas, principalmente,
pela crescente busca da perfeição estética do sorriso, em muitos casos vai além
da satisfação pessoal, sendo exigência profissional, de mercado. O profissional
competente para realização destes procedimentos é o dentista, ou – como já visto
– cirurgião-dentista ou odontólogo. No Brasil, este trabalho é desenvolvido por
dentista devidamente habilitado por escola ou faculdade oficial ou reconhecida,
devidamente registrado o seu diploma na Diretoria do Ensino Superior, no
Serviço Nacional de Fiscalização da Odontologia, na repartição sanitária estadual
competente e inscrito no Conselho Regional de Odontologia onde exerça sua
atividade11.
A relação é formada entre paciente e profissional. Sendo paciente aquele
que procura os serviços do profissional da Odontologia em busca de tratamento
dentário ou de serviços estéticos de seu sorriso. Já o profissional é o dentista
devidamente habilitado e com seu registro no CRO – Conselho Regional de
Odontologia – onde exerça sua atividade laboral. Quando formado por instituição
de ensino superior, o profissional é cirurgião-dentista clínico geral, podendo atuar
em qualquer área da Odontologia, porém, só poderá se dizer especialista após cursar
e concluir curso de especialização. Não pode o dentista se dizer especialista em algo
que não é diplomado12.
Há duas formas de se estabelecer esta relação paciente-dentista. A
primeira é quando o paciente espontaneamente procura pelo profissional dentista,
contratando seus serviços, estabelecendo assim um negócio jurídico prévio, pois
há acerto de vontades entre os envolvidos. Tem-se, dessa forma, uma origem
contratual. A segunda forma é quando, numa urgência hospitalar, o paciente é
atendido por um cirurgião-dentista plantonista, ou escalado numa determinada
jornada, mas que o paciente não tem a liberdade de escolher, sendo atendido por
aquele. Dessa forma, falta a liberdade de escolha e aceitação por parte do paciente,
inexistindo negócio jurídico prévio, sendo assim, uma relação extracontratual.

11 BRASIL. Lei nº 5.081, de 24 de agosto de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-


vil_03/leis/l5081.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.
12 CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA. Aprovado pela resolução CFO-118/2012. Art. 24. É
vedado intitular-se especialista sem inscrição da especialidade no Conselho Regional. Disponível em:
https://website.cfo.org.br/wp-content/uploads/2018/03/codigoetica.pdf. Acesso em: 27 jan. 2021.

59
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Álvaro Villaça de Azevedo bem diferencia estas duas naturezas jurídicas:

Cuida-se da responsabilidade, em duas grandes espécies, pelo


visto: a primeira, que se situa no âmbito da inexecução obri-
gacional do contrato, chamada responsabilidade contratual; a
segunda, posicionada no inadimplemento obrigacional nor-
mativo, cognominada responsabilidade extracontratual. Se A e
B realizam um contrato qualquer, por este, aqueles regula-
mentam seus interesses particulares, de tal forma que fazem
do contrato verdadeira lei entre eles. As cláusulas contratuais
devem ser, por eles, observadas, rigorosamente, sob pena de
responsabilidade do que as descumprir (responsabilidade
contratual). Por outro lado, todos devemos respeitar o di-
reito alheio, obedecer às normas que regram nossa conduta.
Qualquer inobservância de um preceito legal, por exemplo,
acarreta responsabilidade ao transgressor. Aqui, a responsa-
bilidade não se situa no âmbito contratual, daí chamar-se,
como referido, responsabilidade extracontratual. Imaginemos
que alguém quebre vidro de uma vitrina; nenhum contrato
preexistiu, senão uma obrigação de não lesar o próximo, con-
tida na lei. Ante esse ato ilícito, a responsabilidade emerge13.

Em concordância com as palavras de Villaça de Azevedo está Tartuce:

A responsabilidade civil surge em face do descumprimento


obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida
em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de obser-
var um preceito normativo que regula a vida. Nesse sentido,
fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual
ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, tam-
bém denominada responsabilidade civil aquiliana14.

13 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade
civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 171.
14 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. São Paulo: Método, 2020. p.
702.

60
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Na responsabilidade civil do dentista, sua natureza jurídica é


predominantemente contratual, como defendem Pablo Stolze Gabliano e Rodolfo
Pamplona Filho:

Partindo do pressuposto de que o sujeito realiza a atividade


em decorrência de sua atuação profissional, estaremos, sem-
pre, em regra, no campo da responsabilidade civil contratual.
Isso porque o exercício do ofício pressupõe, em condições
normais, a interatividade da realização de um negócio jurí-
dico, em que o profissional se obriga a realizar determinada
atividade pactuada15.

Também Cavalieri Filho:

De qualquer forma, essa divergência acerca da natureza ju-


rídica do contrato em nada altera a responsabilidade do mé-
dico, posto que, tratando-se de responsabilidade contratual,
o que importa saber é se a obrigação gerada pela avença é de
resultado ou de meio16.

Continua o autor:

Em linhas gerais, os princípios pertinentes à responsabilidade


médica aplicam-se às profissões assemelhadas ou afins, como
a do farmacêutico, do veterinário, do enfermeiro, do dentista
etc17.

Venosa, que defende, também, ser a responsabilidade civil do dentista


predominantemente contratual, faz a ressalva de quando será ela extracontratual18:

A responsabilidade odontológica, a exemplo da responsa-


bilidade médica, poderá ser eventualmente não contratual,
quando o odontólogo faz tratamento de emergência, sem

15 GAGLIANO, Pablo Stolze et al. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 16. ed., São Paulo:
Saraiva, 2018. v. 3. p. 288-289.
16 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 360.
17 Ibid. p. 376.
18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Atlas,
2017. v. 2. p. 610.

61
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

a existência de um negócio jurídico prévio, até mesmo sem


consentimento do paciente ou seu responsável.

Superada a questão se a natureza jurídica da responsabilidade civil do


dentista é contratual ou extracontratual, importante discutir sobre o fundamento
de sua responsabilidade civil.
O Código Civil de 1916 (CC/1916) era expresso quanto à responsabilidade
culposa do dentista e seu dever de reparar o dano, como se lê do preceituado no
artigo 1.545:

Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras


e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da
imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais,
resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento19.

O Código Civil de 2002 (CC/02), então vigente, não foi expresso quanto
à responsabilidade profissional do dentista e seu dever de reparar danos:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda
no caso de indenização devida por aquele que, no exercício
de atividade profissional, por negligência, imprudência ou
imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, cau-
sar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho20.

Porém, na melhor hermenêutica, na busca de uma interpretação lógica


e teleológica, já que o referido artigo veio a substituir o artigo 1.545 do antigo
diploma legal e, pela leitura do mesmo que, diz “... no exercício de atividade
profissional, [...] causar a morte do paciente...”, fácil deduzir que o legislador se
referiu aos profissionais da área da saúde, como o fizera o antigo código. Logo,
a responsabilidade civil do odontólogo está aqui embasada, como bem defende
Venosa:

A responsabilidade dos dentistas situa-se, contudo, no mes-


mo plano e sob as mesmas perspectivas da responsabilidade

19 BRASIL. Código Civil de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.


htm. Acesso em: 27 jan. 2020.
20 BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
L10406compilada.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.

62
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

médica, valendo o que aqui foi afirmado. O art. 1.545 do Có-


digo Civil de 1916 colocava-os juntamente com os médicos,
cirurgiões e farmacêuticos. O art. 951 do presente Código os
coloca também em nível de igualdade21.

O atual diploma civil trata do dever de indenizar no artigo 927: “Aquele


que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-
lo”22. Já o ato ilícito vem definido no artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”23.
A interpretação sistemática destes dois dispositivos, encerram a
responsabilidade civil. O artigo 927 determina que quem cometer ato ilícito que
culmine em dano a alguém, tem o dever de repará-lo. E no artigo 186 traz a regra
da responsabilidade subjetiva no ordenamento jurídico pátrio, esclarecendo quais
são os requisitos da responsabilidade civil, quais sejam: conduta (comissiva ou
omissiva) voluntária; culpa (lato sensu), dano e nexo causal entre o dano e a conduta
voluntária.
Segundo ensina Gagliano e Pamplona Filho sobre a conduta humana:
“[...] Trata-se, em outras palavras da conduta humana, positiva ou negativa
(omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo”24.
O dano é definido pelos mesmos autores como sendo “a lesão a um
interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão
do sujeito infrator”25. Mas, não é qualquer dano que venha culminar no dever de
indenizar. A doutrina de Diogo Naves Mendonça defende esse sentido ao dizer
que: “É necessário, em primeiro lugar, que o dano possua alguma relevância para
o direito, afastando-se uma acepção exclusivamente naturalística do fenômeno”26.

21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4.
p. 609-610.
22 BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
L10406compilada.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.
23 Ibid.
24 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabili-
dade civil. Vol. 3, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 79.
25 Ibid. p. 88.
26 MENDONÇA, Diogo Naves. Análise econômica da responsabilidade civil: o dano e a sua quantifi-
cação. São Paulo: Atlas, 2012. p. 73.

63
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Sem danos – de relevância para o direito – não há que se falar em responsabilidade


civil.
O nexo causal é o elo que liga o dano à conduta do agente, seja esta positiva
ou negativa27. A culpa, por fim, como um dos pressupostos da responsabilidade
civil é a “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito,
com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível”28
Estes são os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, regra geral
do ordenamento jurídico brasileiro, conforme preceituado no Código Civil. Porém,
há casos em que a responsabilidade civil não é subjetiva, mas, objetiva, quando
preceituado expressamente por lei, ou em alguns casos do próprio Código Civil
ou, ainda, abarcados pela teoria do risco. O Código de Defesa do Consumidor, por
exemplo, traz como regra geral a responsabilidade objetiva, no caput do artigo 14:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independente-


mente da existência de culpa, pela reparação dos danos cau-
sados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inade-
quadas sobre sua fruição e riscos29.

Por este tipo de responsabilidade, o agente responde independentemente


da existência de culpa. A natureza predominantemente contratual da relação
paciente-dentista em muito se dá, também, pelo enquadramento de ambos nos
conceitos de consumidor e de fornecedor da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa
do Consumidor – CDC)30:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que ad-


quire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, públi-
ca ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,

27 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabili-
dade civil. Vol. 3, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 145.
28 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 34.
29 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.
30 Ibid.

64
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou


prestação de serviços.

Indiscutível que o profissional dentista se enquadra como fornecedor


prestador de serviços, logo, o CDC se aplica perfeitamente a estes profissionais, nas
relações paciente-dentista, como bem aponta Flávio Tartuce:

Não se pode afastar a grande importância do Código de De-


fesa do Consumidor para o tema da responsabilidade civil e
para o próprio Direito Privado como um todo. Basta lembrar
que a maioria das relações jurídicas, atualmente, constitui re-
lações de consumo. A título de exemplo, podem ser citadas
as relações entre correntistas e instituições bancárias e finan-
ceiras (v.g., cartões de crédito), entre compradores e forne-
cedores de produto no varejo (supermercados, lojas, conces-
sionárias de veículos), entre prestadores de serviços em geral,
inclusive profissionais liberais (médicos, dentistas, corretores)
e os respectivos contratantes31.

A grande discussão era se a responsabilidade civil dos profissionais


liberais, dentre eles o dentista, era subjetiva ou objetiva, uma vez que a regra geral
preceituada no CDC é da responsabilidade objetiva, ou seja, prescinde do elemento
culpa, o que gerou grande preocupação para os profissionais liberais de maneira
geral, porém, uma leitura mais atenta do artigo citado, mais precisamente no
parágrafo 4º, permite constatar que sua responsabilidade é subjetiva, por via de
exceção do regramento do diploma consumerista: “A responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Não há dúvidas então que o profissional da Odontologia é fornecedor
pelo que conceitua o artigo 3º do CDC, uma vez que é prestador de serviços e,
que apesar da sistemática geral do código consumerista ser a da responsabilidade
objetiva, o dentista, enquanto profissional liberal, responde de forma subjetiva,
como assevera Cristiano Chaves de Farias:

A responsabilidade, na sistemática de consumo, é objetiva,


prescindindo da culpa. Prescreve, nesse sentido, o art. 14 do
CDC: “O fornecedor de serviços responde, independente-

31 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, v. 2. p. 613.

65
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

mente da existência de culpa, pela reparação dos danos cau-


sados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inade-
quadas sobre sua fruição e riscos.” O art. 14, § 4º, do CDC
consagra importante exceção à responsabilidade objetiva: “A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apu-
rada mediante a verificação de culpa.” Médicos, advogados,
psiquiatras – profissionais liberais, enfim – apenas respondem
civilmente se lhes for provada a culpa32.

Diante do que foi visto até o presente momento, tem-se que a natureza
jurídica da responsabilidade civil do cirurgião-dentista é predominantemente
contratual, sendo em alguns casos aquiliana esta responsabilidade. Constata-
se, ainda que, o dentista, profissional liberal responde de forma subjetiva, sendo
imprescindível a presença da culpa na responsabilização civil daquele, exceção à
regra geral da responsabilidade objetiva do CDC, que se aplica àquele, enquanto
profissional liberal. No entanto, no caso de clínicas odontológicas, associações de
dentistas, cooperativas odontológicas, planos odontológicos, pessoas jurídicas,
em suma, a responsabilidade civil é a do caput do artigo 14 do CDC, além de
responderem de forma solidária com o profissional liberal.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E FORMA DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

A profissão de odontólogo é regulamentada pela Lei federal nº 5.081,


de 24 de agosto de 1966. O exercício profissional rege-se por esta lei, em todo o
território nacional33.
Sobre a autonomia da Odontologia, explica Soares, em sua obra
de conclusão de curso “No ano de 1966 foi publicada a Lei nº 5.081/66 que
regulamenta o exercício da odontologia em todo o território nacional. A partir deste
momento houve a desvinculação odontologia-medicina, passando a odontologia a
ser uma profissão autônoma e regulamentada”34.

32 FARIAS, Cristiano Chaves de et al. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador:
Juspodivm, 2017, v. 3. p. 722.
33 Art. 1º. O exercício da Odontologia no território nacional é regido pelo disposto na presente Lei.
34 SOARES, Marina São Thiago. Responsabilidade civil do cirurgião dentista: o dano causado nas
cirurgias de harmonização orofacial. Trabalho de Conclusão de Curso. 2020. Disponível em: https://

66
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Como já dito, o exercício da Odontologia no Brasil só é permitido ao


profissional habilitado por escola ou faculdade oficial ou reconhecida, após o devido
registro de seu diploma na Diretoria do Ensino Superior, no Serviço Nacional de
Fiscalização da Odontologia, na repartição sanitária estadual competente e inscrição
no Conselho Regional de Odontologia – CRO – sob cuja jurisdição se achar o local
de atividade do profissional35.
Já o artigo 6º da lei que regula a profissão preceitua as competências
do dentista, entre outras: praticar os atos aprendidos no curso de sua formação;
prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas indicadas na Odontologia; atestar
estados mórbidos e outros para justificação de faltas ao emprego, no setor de sua
atividade profissional; proceder à perícia odontolegal; aplicar anestesia local e
troncular; empregar analgesia quando habilitado; prescrever e aplicar medicação
de urgência no caso de acidentes graves que comprometam a vida e a saúde do
paciente36.
A Odontologia é uma profissão que se exerce em benefício da saúde do
ser humano, da coletividade e do meio ambiente. O dentista no desempenho de
suas funções deve observar o preceituado na Lei federal nº 5.081/1966, bem como
no Código de Ética Odontológico (Resolução CFO – 118/2012). Como visto
no capítulo anterior, a responsabilidade civil do dentista é subjetiva, por força de
exceção do parágrafo 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC),
ou seja, o pressuposto culpa norteia a comprovação de sua responsabilidade. Neste
momento, mister se faz esclarecer sobre as obrigações da atividade odontológica.

www.riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/11728/TCC%20PDF-a.pdf?sequence=1&isAllowe-
d=y. Acesso em: 27 jan. 2021.
35 BRASIL. Lei nº 5.081, de 24 de agosto de 1966, art. 2º. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l5081.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.
36 BRASIL. Lei nº 5.081/1966. Art. 6º. Compete ao cirurgião-dentista: I – praticar todos os atos
pertinentes a Odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em cursos
de pós-graduação; II – prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo,
indicadas em Odontologia; III – atestar, no setor de sua atividade profissional, estados mórbidos e
outros, inclusive, para justificação de faltas ao emprego; IV – proceder à perícia odontolegal em fôro
civil, criminal, trabalhista e em sede administrativa; V – aplicar anestesia local e truncular; VI – em-
pregar a analgesia e a hipnose, desde que comprovadamente habilitado, quando constituírem meios
eficazes para o tratamento; VII – manter, anexo ao consultório, laboratório de prótese, aparelhagem
e instalação adequadas para pesquisas e análises clínicas, relacionadas com os casos específicos de sua
especialidade, bem como aparelhos de Raios X, para diagnóstico, e aparelhagem de fisioterapia; VIII
– prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que comprometam a vida e a
saúde do paciente; IX – utilizar, no exercício da função de perito-odontólogo, em casos de necropsia,
as vias de acesso do pescoço e da cabeça.

67
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Quando se discute sobre as obrigações profissionais, têm-se que estas podem ser
obrigações de meio ou obrigações de resultado.
As obrigações de meio são aquelas em que o devedor se obriga a
empreender a sua atividade, porém, sem garantir o resultado que se espera. O
devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligências normais para
prestar determinado serviço, segundo as melhores técnicas, com escopo de atingir
um determinado resultado, mas, sem se vincular a obtê-lo.
Já as obrigações de resultado são aquelas em que o devedor se obriga não
somente a empreender a sua atividade, mas, principalmente, a alcançar o resultado
que espera o credor.
Sobre a diferença entre as duas obrigações, Venosa37:

Na primeira modalidade, obrigações de resultado, o que im-


porta é a aferição se o resultado colimado foi alcançado. Só
assim a obrigação será tida como cumprida. Na segunda hi-
pótese, obrigações de meio, deve ser aferido se o devedor em-
pregou boa diligência no cumprimento da obrigação.

Uma vez que se está diante de uma responsabilidade subjetiva, conforme


parágrafo 4º, do artigo 14 do CDC, nas obrigações de meio, com a ocorrência de
dano na atividade profissional é imperioso que o paciente prove a culpa do dentista
na prestação do serviço, ou o descumprimento de um dever contratual; porém,
nas obrigações de resultado existe alguma discussão doutrinária, mas, a doutrina
majoritária entende que, pelo fato de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor
para o dentista, enquanto profissional liberal, a culpa é pressuposto que deve estar
presente, no entanto, ela é presumida, sendo ônus da prova sua eventual elisão
do odontólogo quando não atingir o resultado, pois só este fato já demonstra o
descumprimento contratual, incidindo a presunção da culpa.
Cavalieri Filho é um defensor desta diferença entre obrigação de meio e
de resultado dentro da responsabilidade subjetiva:

Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsa-


bilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que as-
sumem obrigação de meio; e as regras da responsabilidade

37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.
4. p. 77.

68
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem


obrigação de resultado38.

Compartilha deste mesmo entendimento Pablo Stolze Gagliano e


Rodolfo Pamplona Filho:

Assim, nas obrigações de meio, com a ocorrência de dano na


atividade profissional, para responsabilizar o agente, é preci-
so, ao deduzir os elementos da responsabilidade civil, provar
também o elemento culpa [...] já nas obrigações de resultado,
sendo este não realizado, já terá havido o descumprimento
contratual, incidindo a presunção de culpa, cujo ônus da pro-
va para sua eventual elisão é do demandado39.

Discorda deste raciocínio Venosa, que defende que “sempre que o


profissional assegurar o resultado e este não for atingido, responderá objetivamente
pelos danos causados ao paciente”40.
Nesta esteira do pensamento Venosa contraria o que é preceituado
no Código de Defesa do Consumidor, artigo 14, parágrafo 4º, que literalmente
expressa ser subjetiva a responsabilidade do profissional liberal, incluindo-se aqui
o dentista. Para Venosa, quando a obrigação for de resultado, não existe presunção
de culpa que deva ser elidida pelo dentista com a inversão do ônus da prova para si,
mas, simplesmente, não há que se provar ou discutir o pressuposto culpa.
O entendimento predominante da doutrina, bem como do próprio
diploma legal é pela responsabilidade subjetiva do dentista, tanto nas obrigações de
meio, quanto nas de resultado. A culpa é pressuposto que permeia a responsabilidade
civil do dentista, ocorrendo que se for de meio, o paciente deverá provar que agiu
com culpa o profissional e, em sendo de resultado, existirá a presunção da culpa,
sendo ônus do odontólogo provar que não agiu com culpa.
Para diversos autores, como Venosa e Cavalieri Filho, por exemplo, a
regra é a obrigação de resultado para os dentistas, comportando obrigações de meio,

38 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 370.
39 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabili-
dade civil. Vol. 3, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 308.
40 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.
4. p. 610.

69
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

“[...] no que respeita aos dentistas a regra é a obrigação de resultado”41. Corrobora


Venosa: “A responsabilidade do dentista, contudo, ao lado de ser eminentemente
contratual traduz mais acentuadamente uma obrigação de resultado”42.
Cabe aqui uma crítica a Venosa, que em suas lições, defende que na
Odontologia existe especialidades que são obrigações de meio e especialidades que
são obrigações de resultado:

Há, no presente, várias especialidades da odontologia. Há


especialidades que se constituem claramente obrigações de
resultado, como a restauração de dentes, a odontologia pre-
ventiva, a prótese dental e a radiologia. Outras situações, a
exemplo da atividade médica, não admitem que se assegure
um resultado, constituindo-se geralmente obrigação de meio,
como a traumatologia buco-maxilo-facial, a endodontia, a
periodontia, a odontopediatria, a ortodontia, entre outras,
que merecem exame casuístico43.

Venosa classifica especialidades odontológicas como sendo de meio ou de


resultado, quando, na verdade, deveria observar os procedimentos odontológicos,
já que as diversas especialidades correspondem a uma diversidade de procedimentos
que, podem ou não ser de meio ou resultado, dentro de uma mesma especialidade.
Venosa considera como obrigação de meio a traumatologia buco-maxilo-facial, a
endodontia, a periodontia, a odontopediatria e a ortodontia. E considera como
obrigação de resultado a restauração de dentes, a odontologia preventiva, a prótese
dental e a radiologia44. Já Diniz entende serem obrigações de meio a cirurgia da
gengiva, o tratamento de um canal, a obturação de uma cárie situada atrás do
dente. E serem de resultado os procedimentos de ordem estética (colocação de um
pivô e feitura de uma jaqueta)45.

41 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 376.
42 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo:
Atlas, 2017. v. 2. p. 610.
43 Ibid. p. 610.
44 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.
4. p. 108.
45 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva,
2004. v. 7. p. 312.

70
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Compreendida a distinção entre as obrigações de meio e de resultado,


analisar-se-á procedimentos do profissional dentista que podem ensejar em sua
responsabilização civil, com consequente dever de reparar eventual dano causado.
Uma vez que a relação paciente-dentista é uma relação abrangida pelo
Código de Defesa do Consumidor, já que o paciente é considerado consumidor
dos serviços prestados pelo dentista (fornecedor), tem o primeiro o direito de
receber informação (e adequada) sobre a projeção dos riscos, do tratamento que
será adotado e realizado, quais as alternativas de tratamento quando houver mais
de uma. Fazer implante com material A ou B? Quais seriam os riscos de se optar
por um ou outro? Extrair um dente que pode incomodar o paciente no futuro, mas
que pode também com sua extração desalinhar os outros?46 O dever do dentista
em prestar informação adequada está configurado no artigo 6º, III do CDC47. A
decisão final cabe ao paciente. Uma forma que o odontólogo tem de se resguardar,
principalmente nas obrigações de resultado, uma vez que a culpa é presumida, é
exigir do paciente sua manifestação por escrito.
A falta de informação adequada com consequente dano ao paciente no
tratamento pode culminar no dever de reparar/compensar aquele.
Pode-se classificar os erros profissionais em Odontologia da seguinte
forma: erros de diagnóstico, erros de tratamento, erros de prognóstico, faltas de
higiene e erros nas perícias. Classificação está dada por Lutz48, acrescentando-se
os erros e acidentes na anestesia, que se encontra atualmente dentro dos erros de
tratamento.
A utilização de técnica não aprovada pela comunidade científica por
parte do dentista é ato de imprudência do profissional. Esta situação é incomum,
porquanto existem os Comitês de Ética e Pesquisa que fiscalizam novos materiais
e novas técnicas que entram no mercado da Odontologia. “Atualmente, para
ser responsabilizado por utilização de técnicas não aprovadas pela Comunidade

46 MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos corporais ocasio-
nados. Monografia de Graduação de Curso, 2005. p. 18.
47 Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade,
preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
48 LUTZ, Gualter Adolpho. Erros e Acidentes em odontologia. Rio de Janeiro, 1938.

71
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Científica e condenado a indenizar, é porque o dentista está sendo relapso ou


alienado”49.
Pode também o dentista ser responsabilizado pelo tratamento dentário
inadequado, o que demonstra imperícia sua, por ter havido lapso ou, puro
desconhecimento do que estava fazendo. Segundo este autor em sua monografia
de conclusão de curso:

Em ocorrendo, e se tratando de obrigação de resultado, deve
o dentista provar que o tratamento escolhido era o mais ade-
quado. Em sendo uma obrigação de meio, pode o Juiz en-
tender que o paciente/consumidor é elo fraco tecnicamente,
e inverter o ônus da prova para que o profissional prove ter
escolhido e aplicado o melhor procedimento no caso concre-
to50.

Além destas circunstâncias que podem envolver o cirurgião-dentista,


há outros erros profissionais que ele pode cometer em sua atividade, que poderão
culminar em responsabilizá-lo. Como é o caso do erro de diagnóstico. Este pode
se dar tanto por conduta positiva sua, quando se utiliza de técnica inadequada,
ou, então, opta de forma errada de material a ser utilizado, ou, ainda, quando
comete um erro no próprio diagnóstico e consequentemente do tratamento do
prognóstico. Este erro pode ainda se dar por conduta negativa, quando ver uma
lesão na boca de seu paciente e não dar a devida atenção, ou, quando não optar por
exames complementares quando se fizer necessário para se obter um diagnóstico
correto.
Pode ser responsabilizado por erro de tratamento, que também poderá
ser por ação ou omissão:

Por ação se dará quando da escolha errada do tratamento,


quando da escolha errada do instrumental, quando da indica-
ção errada de remédios, ou então, de sua posologia inadequa-
da (tempo de duração do remédio e a medida da dosagem),
também, quando do tratamento laboratorial incorreto. Por

49 MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos corporais ocasio-
nados. Monografia de Graduação de Curso, 2005. p. 25.
50 Ibid. p. 26.

72
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

omissão, se dará pela falta do tratamento, ou quando o faz de


forma correta, não fez o pós-operatório correto51.

De acordo com a Lei que regulamenta a atividade do cirurgião-dentista,


em seu artigo 6º, inciso V, compete ao cirurgião-dentista aplicar anestesia local e
troncular52. Nesta sua competência, podem ocorrer erros, que são considerados
como erros de tratamento. Estes erros da anestesia podem ocorrer de duas formas:
quando do erro na escolha do anestésico a ser aplicado, pois o dentista deve saber
se o paciente é cardiopata, ou diabético, ou mesmo alérgico. A segunda forma é
quanto à técnica anestésica, quando ao aplicar, o dentista acerta um vaso sanguíneo
ou um nervo, o que pode causar uma disfunção parcial ou mesmo permanente. É
vedado ao dentista aplicar anestesia geral, pois esta apenas é permitido aquele que
tem formação em Medicina.
Erros de prognóstico que, quase sempre estão associados a erros de
diagnósticos, como já visto anteriormente.
Faltas de higiene também podem ocasionar danos relevantes que
culminem na responsabilização civil do dentista. É o caso deste deixar de utilizar
equipamentos de proteção individual (EPIs), tais como: luva, máscara, bata, óculos,
gorro. Ainda pode-se dar pela:

Falta de orientação da auxiliar ao esterilizar os equipamen-


tos. Pode se dar, ainda, pela falta de cuidado do paciente em
suas respostas às indagações do dentista, por exemplo, essa
pergunta se aquele possui alguma doença infecto-contagiosa,
e o paciente responde negativamente quando possui alguma
doença como AIDS, Tuberculose, Hepatite, dentre outras53.

Outra circunstância que pode gerar o dever de indenizar do dentista, é


quando comete erros na perícia, por exemplo, ao fazer uma análise na radiografia,

51 MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos corporais ocasio-
nados. Monografia de Graduação de Curso, 2005. p. 27.
52 CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA. Aprovado pela Resolução CFO-118/2012. Dispo-
nível em: https://website.cfo.org.br/wp-content/uploads/2018/03/codigo_etica.pdf. Acesso em: 27
jan. 2021.
53 MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos corporais ocasio-
nados. Monografia de Graduação de Curso, 2005. p. 28.

73
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ou no próprio paciente, ele comete um erro e este vem a causar, imediata ou


mediatamente dano ao paciente.
Estas são algumas de uma gama de circunstâncias que podem fazer
com que o dentista seja civilmente responsabilizado, culminando em seu dever
de reparar/compensar os danos sofridos por seus pacientes, sendo alguns atos,
obrigações de meio, mas, a grande maioria de resultado. Como ensina Pablo Stolze
Gagliano et al: “Em nossa opinião, a atividade odontológica pode ser considerada
de resultado, se tiver apenas fins estéticos.”54. Continuam os autores dizendo que:
“Entretanto, determinadas intervenções para o tratamento de patologias bucais
deverão, por óbvias razões, ser enquadradas na categoria de ‘obrigações de meios’,
dada a impossibilidade de garantir o restabelecimento completo do paciente”55.
Já Cavalieri Filho ensina que: “[...] é mais frequente nessa área de atividade
profissional a preocupação com a estética”. Prossegue o autor:

Consequentemente, quando o cliente manifesta interesse pela


colocação de aparelho corretivo dos dentes, de jaquetas de
porcelana e, modernamente, pelo implante de dentes, está em
busca de um resultado, não lhe bastando mera obrigação de
meio. Haverá, sem dúvida, como observa Sílvio Rodrigues,
inúmeros casos intermediários em que a preocupação estética
e a de cura se encontram de tal modo entrelaçadas que o exa-
me do caso concreto é que dirá se houve ou não desempenho
profissional adequado”.

O entendimento doutrinário foi analisado nas linhas pretéritas. E como


os Tribunais vêm decidindo sobre a responsabilização civil dos profissionais da
Odontologia?

4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA

Este ponto se reserva à análise de como alguns tribunais pátrios estão


decidindo a respeito da responsabilidade civil do profissional dentista. Para tanto,
buscou-se decisões das principais cortes do país, quais sejam: Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP) e Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

54 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabi-
lidade civil. Vol. 3, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 308.
55 Ibid. p. 308.

74
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O primeiro acórdão a ser analisado foi proferido pelo TJSP no ano de


2020.

Apelação. Erro odontológico. Procedência com condenação


por danos morais, materiais e estéticos. Improcedência do pe-
dido reconvencional. Inconformismo dos corréus reconvin-
tes. Descabimento. Legitimidade passiva da clínica corré. Na
espécie, frente à consumidora, mesmo que seja profissional
liberal, o médico atua em nome da clínica em que recebeu a
paciente ao atendimento. Aplicação da teoria da Aparência.
Artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor. Cerceamen-
to de defesa. Ausência de intimação do assistente técnico para
acompanhamento da elaboração de laudo pericial. Parte devi-
damente cientificada da data e local. Ônus da defesa da parte,
a comunicação do ato. Prejuízo não comprovado. Prelimina-
res afastadas. Falha no planejamento do tratamento. Nexo de
causalidade entre e conduta do profissional e o dano sofrido
pela paciente bem demonstrado. Perda da função mastigató-
ria, fonética e danos estéticos comprovados por laudo pericial.
Ausência de prova de adoção da melhor técnica ou consenti-
mento expresso da paciente para a extração de seus dentes.
Responsabilidade do cirurgião dentista verificada. Danos
materiais comprovados. Danos morais bem reconhecidos.
‘Quantum’ fixado com razoabilidade e proporcionalidade.
Sentença mantida. Recurso improvido56.

Trata-se de condenação em indenização por danos patrimoniais e não


patrimoniais por erro odontológico. A decisão reconheceu a legitimidade passiva
de uma clínica. O Tribunal apoiou-se na teoria da aparência, uma vez que entendeu
que o dentista (apesar da decisão chamar de médico, claro resta que houve erro
material) atua em nome da clínica. A corte paulista entendeu que houve falha no
tratamento. Enxergou o nexo causal entre a conduta do dentista e o dano sofrido
pela paciente. O dano sofrido por esta teria fico provado por laudo pericial, tendo
sido a perda da função mastigatória, fonética, além de danos estéticos.

56 SÃO PAULO. TJSP. Apelação Cível 1000451-85.2017.8.26.0010. Relator(a): Pedro de Alcântara


da Silva Leme Filho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional X – Ipiranga – 3ª
Vara Cível. Data do Julgamento: 28/12/2020; Data de Registro: 28/12/2020. Disponível em: https://
esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=675098976831238D18E690F540F6D624.
cjsg1. Acesso em: 27 jan. 2021.

75
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O profissional dentista não se desincumbiu de seu ônus probandi, não


provou que adotou a melhor técnica no caso concreto, muito menos – e talvez o
mais grave – não provou o consentimento expresso da paciente para a extração de
seus dentes. Ressalte-se aqui o que já foi dito: uma vez que a relação paciente-dentista
é uma relação de consumo, tem este profissional o dever de prestar informação
adequada, conforme preceitua o artigo 6º, inciso III do CDC. Salutar que nas
obrigações de resultado se resguarde das informações prestadas e do consentimento
do paciente de forma escrita, o que não ocorreu no caso concreto.
Segue abaixo outra decisão da corte paulista:

AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. Trata-


mento odontológico. Colocação de implantes dentários. Pró-
teses mal executadas e sem fixação adequada. Obrigação de
resultado. Requerida não comprovou a correção do serviço e
ausência de culpa no resultado insatisfatório. Patente o abalo
moral suportado pela autora. Indenização devida. “Quan-
tum” fixado em R$ 5.000,00, que bem atende à função com-
pensatória e pedagógica da condenação. Correção monetária
da reparação extrapatrimonial se dá a partir do arbitramento.
Juros de mora a contar do evento danoso. Termo inicial da
atualização do ressarcimento pelos danos materiais é o de-
sembolso. Juros moratórios da citação. Sentença reformada.
RECURSO PROVIDO EM PARTE57.

O caso decidido pelo TJSP trata de um tratamento odontológico mal


realizado, que é a colocação de implante dentário (prótese). Próteses mal executadas
e sem fixação adequada. Cabe frisar neste ponto, por mais que a decisão não
aborde, mas o profissional responsável pela confecção de próteses é o protético. Este
confecciona próteses, quase sempre de forma autônoma e artesanal, sob encomenda
para o dentista, que se destinará ao paciente. No entanto, como este tem uma relação
contratual com o dentista, não com o protético, o dentista responde pelo defeito do
serviço ou produto confeccionado pelo protético, cabendo, ação regressiva contra
este último.

57 SÃO PAULO. TJSP. Apelação Cível 1066422-43.2014.8.26.0100. Relator (a): Paulo Alcides; Ór-
gão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento:
20/12/2020; Data de Registro: 20/12/2020. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultado-
Completa.do. Acesso em: 27 jan. 2021.

76
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

No caso, trata-se de uma obrigação que visa fins estéticos, a colocação


de prótese, mas que, ao mesmo tempo, tem uma finalidade de saúde, no auxílio
da mastigação e início da digestão, tendo entendido o Tribunal paulista que a
obrigação era de resultado, logo a culpa da dentista é presumida, invertendo-se
o ônus da prova para ela, que não se desincumbiu deste ônus, não provando que
não agiu com culpa no resultado, tendo sido condenada a indenizar o paciente por
danos morais.
Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça assim tem se posicionado:

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCES-


SO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. TRATAMENTO
ODONTOLÓGICO. CLÍNICA ODONTOLÓGICA.
LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE CI-
VIL OBJETIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO
PROFISSIONAL DENTISTA. OBRIGAÇÃO DE MEIO.
FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. AUSÊNCIA
DE PROVA. A clínica odontológica na qual a parte autora
realizou o tratamento que alega ter sido defeituoso é parte
legítima para figurar no polo passivo da ação de indenização
por erro odontológico, sendo que a verificação dos requisitos
legais para a sua responsabilização civil é questão afeita ao mé-
rito da lide, e como tal deve ser analisada e resolvida em mo-
mento oportuno. A responsabilidade objetiva do prestador de
serviços estabelecida no Código de Defesa do Consumidor,
aplicável às relações entre pacientes e clínicas odontológicas,
médicas, operadoras de planos de saúde e/ou hospitais, não
é regra absoluta, podendo ser afastada por prova que exclua
a evitabilidade do dano, comprovado o dever de cuidado ao
qual estão obrigados o profissional dentista/médico e a entida-
de de hospitalar ou de tratamento odontológico – inteligência
do artigo 14 do CDC (Lei nº 8.078/90). Ressalte-se que a
responsabilidade objetiva da clínica odontológica, do hospital
ou da operadora de plano de saúde pode ser afastada se restar
demonstrada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da
vítima ou de terceiros – hipóteses dos incisos I e II do § 3º do
art. 14 do CDC. Quanto ao dentista ou médico, sua respon-
sabilidade civil é subjetiva, nos termos do § 4º do art. 14 do
CDC, já que a natureza dos seus serviços impede que se des-
considere o fator culpa na aferição da sua responsabilização,

77
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

tendo em vista as peculiaridades da relação existente entre


eles e seus pacientes, atividade de meio, e não de resultados,
nos quais se exige unicamente a utilização dos recursos dis-
poníveis para o tratamento do paciente. Pelo exposto, o mal
resultado em procedimento médico ou odontológico, quando
oriundo do risco provável e inevitável, não pode ser atribuído
ao médico, nem tampouco ao hospital ou à operadora de pla-
no de saúde, sem que reste inequívoca a conduta comissiva ou
omissiva deles. Outrossim, a obrigação do cirurgião-dentista
é de meio, sendo que, apesar de haver certa previsibilidade
das condutas exigidas para se alcançar o resultado esperado
pelo paciente, não pode o profissional odontológico garantir
o resultado final, mormente em se tratando de implante den-
tário, onde as particularidades biológicas e a própria conduta
pós-tratamento do paciente podem ter repercussões na efeti-
vidade da prestação do serviço. Assim, a fim de se constatar
a responsabilização civil da clínica e do dentista requeridos,
imprescindível a perquirição da existência do defeito no ser-
viço prestado pela referida entidade odontológica ou da culpa
do dentista que assistiu a autora, além do dano e do nexo de
causalidade entre a conduta perpetrada e os danos por esta
sofridos. Assim, não comprovado o nexo de causalidade entre
a conduta dos réus e os eventuais danos sofridos pela autora,
bem como ausente prova da conduta culposa, não há se falar
em responsabilização civil no presente caso58.

No caso em comento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais estabeleceu a


responsabilidade civil da pessoa jurídica (clínica odontológica) pelo caput do artigo
14 do CDC e a do profissional liberal (dentista) pelo parágrafo 4º do artigo 14
do CDC, sendo para a primeira uma responsabilidade objetiva e, para o segundo,
responsabilidade subjetiva.
O Tribunal entendeu que o tratamento de implante dentário se caracteriza
como obrigação de meio, pois depende, para seu êxito, de fatores que vão além da
competência do dentista, como fatores biológicos e conduta pós-tratamento por
parte do paciente, sendo assim, quanto ao dentista, o ônus da prova da culpa, além

58 MINAS GERAIS. TJMG. Apelação Cível 1.0000.19.047078-1/001. Relator(a): Des.(a) Otávio


Portes, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/06/2020, publicação da súmula em 25/06/2020.
Disponível em: https://www5tjmg.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 27 jan. 2021.

78
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

do dano e do nexo causal eram do paciente que, no caso concreto, nada conseguiu
provar, sendo negado provimento ao recurso do paciente.
Há ainda divergências de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
quanto ao que é obrigação de meio e o que é obrigação de resultado na atividade
odontológica, pois alguns atos praticados pelos odontólogos ao mesmo tempo que
têm finalidade estética, têm também finalidade funcional que busca melhorar a
qualidade de vida do paciente. O certo é que doutrina e jurisprudência concordam
que a obrigação predominante dos cirurgiões-dentistas é de resultado.

5 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil não é algo exclusivo do Direito contemporâneo,


sendo tratado nas sociedades pré-romanas, como se vislumbra do Código
de Hamurabi, escrito cerca de 3.600 anos antes de Cristo e que tratava da
responsabilidade civil como uma forma de punição do ofensor, vingança, passando
pela Lei das XII Tábuas na Roma Antiga até chegar no atual Direito, em que é visto
como uma forma de reparar/compensar os danos sofridos pela vítima.
No Brasil, a responsabilidade civil vem desde o Código Civil de 1916,
espelhado no Código de Napoleão, na França. Aquele diploma legal trazia a
responsabilidade civil insculpida no artigo 159, bem como a responsabilidade civil
de diversos profissionais como o médico, farmacêutico, inclusive o dentista, no
artigo 1.545. Com a revogação daquele código e a vigência do atual Código Civil
brasileiro, do ano de 2002, ainda existe o dever de indenizar (reparar/compensar) no
artigo 927, pelo ato ilícito (descrito no artigo 186). Apesar de não ser tão expresso
como era o antigo código, o atual ainda trouxe no artigo 951 a responsabilidade
civil do profissional dentista.
A regra geral da responsabilidade civil no ordenamento pátrio se
encontra no Código Civil, sendo a responsabilidade subjetiva, ou seja, quando há a
necessidade de se provar a culpa – lato sensu –, além da conduta voluntária (omissão
ou comissão), dano e nexo de causalidade.
Em setembro de 1990 era publicada a lei federal nº 8.078, que inseriu
em nosso ordenamento o Código de Defesa do Consumidor, que veio a ser
importante arma de defesa aos hipossuficientes nas relações consumeristas: o
consumidor. Esta lei inseriu os profissionais liberais prestadores de serviços como
fornecedores, logo, as relações paciente-dentista estavam abrangidas por aquele
diploma legal. Este código disciplinou a responsabilidade objetiva, como regra nas

79
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

relações de consumo, conforme preceitua seu artigo 14. Por essa responsabilidade,
o pressuposto culpa é dispensável para caracterizar a responsabilidade civil dos
fornecedores, porém, o parágrafo quarto deste mesmo dispositivo legal trouxe uma
exceção: a responsabilidade subjetiva para os profissionais liberais, entre eles, o
dentista.
A profissão da Odontologia está regulamentada pela Lei Federal nº 5.081,
de 24 de agosto de 1966. Em seu artigo 2º o profissional odontólogo deve cursar
curso oficial em escola ou faculdade reconhecida. E só poderá exercer seu labor
após o registro do diploma na Diretoria do Ensino Superior, no Serviço Nacional
de Fiscalização da Odontologia, na repartição sanitária estadual competente e
inscrição no Conselho Regional de Odontologia sob cuja jurisdição se achar o local
de sua atividade, conforme determina o artigo 2º daquela lei.
Discussão importante é sobre a natureza jurídica da responsabilidade
civil do dentista que, sobretudo por ser uma relação de consumo, tem natureza
contratual, já que existe um negócio jurídico prévio entre os contratantes (paciente-
dentista). Porém, há algumas situações em que esta natureza é aquiliana, quando o
paciente não tem a prévia escolha do profissional, como quando na ocorrência de
uma urgência hospitalar.
Além de contratual, não se discute, com o advento do Código de Defesa
do Consumidor, que a responsabilidade é subjetiva, no entanto, quando se trata de
clínicas odontológicas, associações de dentistas, cooperativas, planos odontológicos,
esta responsabilidade é objetiva.
Apesar de alguns doutrinadores, como Venosa, entenderem que quando o
profissional dentista garante um resultado esta responsabilidade passa a ser objetiva,
este é o entendimento minoritário, não acompanhado pela jurisprudência. No caso
da atividade odontológica, a obrigação predominante – segundo a doutrina – é ser
de resultado, pois tem em grande parte de seus atos fins estéticos, mas, também
tem práticas que são de obrigação de meio. Quando a obrigação é de resultado, o
simples fato de não alcançar o resultado já incide no descumprimento contratual e
na responsabilização do dentista. Na obrigação de resultado, a culpa é presumida,
sendo ônus do profissional provar que não agiu com culpa. Já nas obrigações de
meio, o profissional não está adstrito ao resultado, nem o pode garantir, apenas
empenhar sua melhor técnica para a obtenção do resultado, sem, contudo, se
comprometer a realizá-lo. Na obrigação de meio, o credor, no caso o paciente, deve
provar que houve culpa do cirurgião-dentista para se caracterizar a responsabilidade
civil deste e seu dever de indenizar (reparar/compensar).

80
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Uma vez que está numa relação de consumo, é dever do dentista prestar
informação e, de forma adequada ao seu paciente. A falta de informação adequada
pode gerar o dever de indenizar, quando da ocorrência de algum dano ao paciente
em decorrência disso. Além deste, outros erros podem gerar o dever de indenizar do
dentista, tais como: erro no tratamento; erro no diagnóstico; erro no prognóstico;
erro da anestesia; erro de perícia; falta de higiene, para exemplificar.
A jurisprudência pátria ainda não é uniforme no sentido de entender
quais procedimentos são de meio ou de resultado, mas certo é que entendem
haver diferença e, que a atividade do dentista está inserida no Código de Defesa
do Consumidor, sendo este responsável civilmente, de forma subjetiva pelos danos
que vier a causar no tratamento de seus pacientes.
Com isso, o presente capítulo conclui que que a responsabilidade civil
do dentista é, predominantemente contratual, subjetiva por força do Código de
Defesa do Consumidor e, eminentemente de resultado, tendo também obrigações
de meio, respondendo este profissional pelos danos ocasionados pela má prestação
de seus serviços.

81
REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e
responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

BRASIL. Código Civil de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.

BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.planalto.


gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.

BRASIL. Lei nº 5.081, de 24 de agosto de 1966. Disponível em: http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5081.htm. Acesso em: 27 jan. 2020.

CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA. Aprovado pela Resolução


CFO-118/2012. Disponível em: https://website.cfo.org.br/wp-content/
uploads/2018/03/codigo_etica.pdf. Acesso em: 27 jan. 2021.

CÓDIGO DE HAMURABI. Código de Manu – Excertos (livros oitavo e novo):


Lei das XII Tábuas. 3. ed. São Paulo: EDIPRO, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São
Paulo: Saraiva, 2004. v. 7.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto


Braga. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador: Juspodivm,
2017. v. 3.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário aurélio. 1. ed. Nova


Fronteira, 1975.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:


Atlas, 2007.

82
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito
civil: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 3.

LUTZ, Gualter Adolpho. Erros e acidentes em odontologia. Rio de Janeiro, 1938.

MELO, Diego Sidrim Gomes de. Responsabilidade civil do odontólogo pelos danos
corporais ocasionados. Monografia de Graduação de Curso, 2005.

MENDONÇA, Diogo Naves. Análise econômica da responsabilidade civil: o dano


e a sua quantificação. São Paulo: Atlas, 2012.

MINAS GERAIS. TJMG. Apelação Cível 1.0000.19.047078-1/001. Relator(a):


Des.(a) Otávio Portes, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/06/2020,
publicação da súmula em 25/06/2020. Disponível em: https://www5tjmg.jus.br/
jurisprudencia. Acesso em: 27 jan. 2021.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1991.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2018.

SÃO PAULO. TJSP. Apelação Cível 1000451-85.2017.8.26.0010.


Relator(a): Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho; Órgão Julgador:
8ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional X – Ipiranga – 3ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 28/12/2020; Data de Registro: 28/12/2020.
Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.
do;jsessionid=675098976831238D18E690F540F6D624.cjsg1. Acesso em: 27
jan. 2021.

SÃO PAULO. TJSP. Apelação Cível 1066422-43.2014.8.26.0100. Relator (a):


Paulo Alcides; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central
Cível – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/12/2020; Data de Registro:
20/12/2020. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do.
Acesso em: 27 jan. 2021.

83
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2013.

SOARES, Marina São Thiago. Responsabilidade civil do cirurgião dentista: o


dano causado nas cirurgias de harmonização orofacial. Trabalho de Conclusão
de Curso. 2020. Disponível em: https://www.riuni.unisul.br/bitstream/
handle/12345/11728/TCC%20PDF-a.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em:
27 jan. 2021.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua


interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 10. ed. São Paulo: Método, 2020.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil.


12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 2.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2003. v. 4.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 17.


ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 2.

84
04 Nutricionista

Luiz Mesquita de Almeida Neto


Mariana Câmara de Araújo

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil é um dos temas que, hodiernamente, enfrenta


um dos maiores destaques dentro da seara do Direito das Relações de Consumo,
haja vista que, quanto mais a sociedade adentra nas práticas do hiperconsumo,
ditadas por Bauman como sendo aquelas influenciadas pelo anseio da satisfação
dos desejos pessoais dos seres humanos1, maior é a ascensão das relações jurídicas
que se desenvolvem nesse âmbito.
Nessa esteira, à medida que o corpo social se expande, levando consigo
no compasso evolutivo também as relações de consumo, atentar-se-á para uma
maior probabilidade de danos decorrente do crescente grau de complexibilidade de
tais relações e da interdependência das pessoas no cenário atual.
Uma relação jurídica de consumo, regrada inteiramente pelo Código de
Defesa do Consumidor (CDC), tem como objeto principal a aquisição de um bem
(produto) ou de um serviço. E este último, de maior relevância para a temática
principal do presente texto, revela-se como sendo toda e qualquer atividade
fornecida dentro do mercado de consumo, mediante remuneração.
De tal modo, observar-se-á que, quando um nutricionista, profissional
liberal de pessoa física, realiza uma consulta com um paciente, empregando-lhe
suas técnicas e conhecimentos, mediante o recebimento de um valor pecuniário,

1 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

85
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

dá-se, enfim, uma relação de consumo, em que o objeto é justamente a prestação


de serviço do profissional para com o paciente (consumidor).
Nesse contexto, revela-se ao eixo temático principal deste artigo a questão
da responsabilização que recai sobre o nutricionista quando este for tido como
um profissional de cunho liberal. Para tanto, o estudo se dispõe a abordar, como
enfoque principal, as disposições do Código de Defesa do Consumidor acerca da
possibilidade de tal responsabilização desta classe de profissionais, em especial, o
nutricionista.
Nesse sentido, tem-se que a problemática encontrada na raiz temática
se insere na premissa de que os profissionais liberais, como um todo, exercem as
suas atividades independentemente de terceiros, ou seja, para um profissional ser
tido como liberal, ele tem de desenvolver o seu trabalho de maneira livre, sem a
interferência de um empregador.
Por esse motivo o CDC optou por excepcionar a sua responsabilização
por eventuais danos ao consumidor, de modo que esta somente será passível a partir
da aferição e devida comprovação de culpa do atuante da profissão, ocasionando,
assim, a necessidade da análise in concreto de cada caso para auferir se o profissional
teve ou não culpa pelo dano alegado.
O objetivo deste trabalho pauta-se na delimitação da atuação do
nutricionista e a sua consequente responsabilização, na hipótese de dano, tendo
em vista que a reparação de eventuais prejuízos é imprescindível para a consecução
da justiça e para a proteção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito. Para tanto,
será utilizada, como fonte primordial, o Código de Defesa do Consumidor, e como
secundárias, o Código Civil e o Código de Ética e Conduta do Nutricionista.
Utilizar-se-á uma metodologia de natureza objetiva descritiva, a qual
descreverá os tópicos pertinentes para o estudo do tema em comento e, em
somatório, adequar-se-ão as técnicas básicas de pesquisa, como por exemplo,
e leitura documental e doutrinária2 para a feitura desta pesquisa com um foco
aplicado e qualitativo.
Quanto à estrutura, este artigo conta com três partes principais. A
primeira, em referência à relação jurídica de consumo e aos elementos essenciais
do instituto da responsabilidade civil, conta com a presença de uma seção para a
explanação acerca da caracterização de uma relação de consumo, com menções e

2 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2017. p. 85.

86
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

disposição de conceitos dos elementos primordiais para a sua confecção, bem como
também de uma seção específica para os fundamentos da responsabilidade civil,
imprescindíveis para a compreensão temática.
Na segunda parte do trabalho, estarão delineadas a regulamentação
específica da profissão escolhida como enfoque temático e as suas formas de
responsabilização, capítulo este que será dividido em duas abordagens: a priori,
mencionando as disposições específicas da atividade profissional do nutricionista
e a posteriori, colocando a responsabilização civil destes a partir da perspectiva do
Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, tem-se que a terceira parte deste artigo conta com uma análise
da responsabilização do profissional da nutrição a partir de um caso concreto, por
meio de uma decisão selecionada a partir da jurisprudência nacional.

2 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO E ELEMENTOS ESSENCIAIS


DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo normativo algumas


inovações importantes dentro da seara dos direitos do consumidor, dentre as quais,
pode-se citar como sendo uma das mais relevantes, a determinação do art. 5°, inciso
XXXII, de uma implementação legal de cunho específico com o fito de garantir a
proteção que fora idealizada pela norma constitucional aos consumidores, surgindo,
assim, a Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990 que instituiu o Código de Defesa
do Consumidor (CDC), o qual detém-se inteiramente no regramento das relações
jurídicas tidas como de consumo3.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

Embora a relação jurídica seja um dos elementos mais essenciais da


experiência jurídica4, observa-se que o legislador optou por não delimitar de
maneira expressa a sua conceituação no Código de Defesa do Consumidor, uma vez

3 FRANKLIN, Ana Cláudia de Medeiros. Análise da proteção do consumidor nas plataformas de


economia de compartilhamento. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito.
Natal, RN, 2018. p. 69.
4 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 213.

87
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

que esta, para alguns estudiosos do ramo, não chega a traduzir de forma satisfatória
a totalidade das relações humanas as quais essa norma pretende regular5.
Assim, para haver a efetiva compreensão do conceito e da significância
das relações jurídicas de consumo, faz-se necessária uma análise em conjunto dos
elementos que foram expressamente definidos no CDC, a saber: os elementos
subjetivos (que se perfazem nas figuras do consumidor e do fornecedor), o objeto
(produto ou serviço) e o elemento causal ou finalístico (este relacionado a destinação
final do objeto)6.
O Código de Defesa do Consumidor expõe, em seu art. 2º, caput, de
maneira stricto sensu, que consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Partindo dessa premissa,
entende-se doutrinariamente como consumidor toda pessoa física ou jurídica que
vem a adquirir bens em benefício próprio, a fim de satisfazer os seus anseios e
necessidades7.
Utilizando-se de um método de interpretação teleológico, tem-se,
portanto, que para ser tido como consumidor, o agente deve granjear o bem ou o
serviço do mercado consumerista com a finalidade de satisfação das suas necessidades
íntimas e pessoais8. Além da disposição supramencionada, observar-se-á também o
parágrafo único do art. 2° do CDC, o qual expõe que: “a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”, é
equiparada à figura do consumidor.
No polo oposto da relação jurídica de consumo está conceituado o
fornecedor, o qual, por sua vez, é tido como aquele que oferece os produtos e
serviços no mercado de consumo9. Desse modo, tem-se que fornecedor, perante o

5 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil. (Teoria Geral. Relações e Situações Jurídicas). 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3. p. 9-10.
6 ALVES, Fabrício Germano, XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Análise conceitual da relação
jurídica de consumo no Brasil. In: XAVIER, Yanko Marcius de Alencar et al. (org.). Perspectivas atuais
do direito do consumidor no Brasil e na Europa. v. I. Natal, RN: EDURN, 2014. p. 51.
7 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis, SACCO NETO, Fernando. Manual de direito do consumidor.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 9-10.
8 FRANKLIN, Ana Cláudia de Medeiros. Análise da proteção do consumidor nas plataformas de
economia de compartilhamento. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito.
Natal, RN, 2018. p. 77.
9 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
p. 176.

88
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

exposto no caput do art. 3° do CDC, é todo aquele que se caracteriza como sendo
uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como também os entes personalizados, que desenvolve atividades relacionadas à
produção, montagem, criação, transformação, construção, importação e exportação,
distribuição e comercialização de produtos, além, é claro, da prestação de serviços.
Observa-se, para tanto, que a conceituação da figura do fornecedor
trazida pelo Código de Defesa do Consumidor é demasiada ampla, uma vez que
abarca praticamente todos os entes da patente do fornecimento que pratiquem
uma das ações descritas no art. 3° do regramento supracitado, independentemente
de sua natureza, regime jurídico ou nacionalidade, desde de que exerçam essas
atividades de maneira profissional10.
As disposições referentes ao objeto da relação jurídica em análise são
trazidas pelos §1º e §2º do art. 3° do CDC, os quais denotam, respectivamente,
que o produto é “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e que
o serviço se perfaz em “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Convém atribuir destaque também à premissa do consumidor como
destinatário final da relação jurídica de consumo, de forma a levar em consideração
o elemento causal ou finalístico definido pela teoria da finalidade, a qual expressa
que a presença desta dita “destinação final” na aquisição dos produtos e serviços é
um elemento essencial para a consecução da relação jurídica em comento. Entende-
se, dessa maneira, que a atividade consumerista não se realiza apenas no ato da
compra de um determinado produto ou serviço pelo consumidor, mas sim pela
utilização deste11.
Destarte, tendo em vista que a doutrina brasileira, em sua grande maioria,
considera que os sujeitos, o objeto e a norma jurídica (vínculo de atributividade)12
são elementos constitutivos de todas as relações jurídicas, tem-se que, mediante esse

10 FRANKLIN, Ana Cláudia de Medeiros. Análise da proteção do consumidor nas plataformas de


economia de compartilhamento. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito.
Natal, RN, 2018. p. 80.
11 ALVES, Fabrício Germano, XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Análise conceitual da relação
jurídica de consumo no Brasil. In: XAVIER, Yanko Marcius de Alencar et al. (org.). Perspectivas atuais
do direito do consumidor no Brasil e na Europa. v. I. Natal, RN: EDURN, 2014. p. 52.
12 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 217-218.

89
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

raciocínio, para verificar a existência de uma relação jurídica de consumo, basta


observar se houve o encontro dos elementos que devidamente a compõem.
Dentro do liame do Código de Defesa do Consumidor, uma vez
que este estabelece previsões nesse sentido, há um crescente debate acerca da
responsabilidade civil e da sua consequente aplicação fática em razão dos danos
patrimoniais e morais que as pessoas causam umas às outras enquanto partes da
relação jurídica de consumo. Com efeito, observar-se-á, a seguir, alguns dos pontos
mais importantes para a consecução do estudo desse tema e os seus espelhamentos
em uma relação tipicamente de consumo.

2.2 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Influenciada pelas raízes da sociedade de hiperconsumo, as práticas


corriqueiras da sociedade contemporânea se encontram pautadas no ímpeto de
satisfação dos desejos e anseios pessoais dos seres humanos, sendo esta ideia um
dos principais pilares das relações de consumo que vigem hodiernamente13. Assim,
à medida em que o corpo social se amplia, expandindo o número e o grau de
complexidade das relações e da interdependência entre as pessoas, a probabilidade
de danos também entra em ascensão14, pois, onde há a presença do homem, há a
possibilidade de danos a outrem15.
O conceito de responsabilidade civil pode ser relacionado à situação
jurídica de reparação de um dano material ou moral por uma pessoa que não
cumpriu com determinado dever básico, podendo este ter sido definido por lei ou
por convenção. E não obstante a obrigação de reparar o prejuízo atribuído àquele
que causa o dano, a responsabilidade civil igualmente se refere ao direito subjetivo
da vítima16 de obter reparação.
Assim, nesse prisma de abordagem, resta indubitável a importância de
análise do art. 186 do Código Civil, norma que consagra o princípio neminem

13 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
14 SOURDAT, M.A. Trailé général de la responsabilité. 5. ed. Paris, Marchal et Billard, 1902. tomo 1.
15 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 7. p. 31.
16 TERRÉ, François; SIMLER, Philippe; LEQUETTE, Yves; CHÉNEDÉ, François. Droit civil: les
obligations. 22. ed. Paris, Presses Universiteires de France, 2000. tomo 4. p. 23.

90
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

laedere, referente ao dever de indenização da pessoa causadora do prejuízo17,


estabelecendo, em seu bojo, que, aquele que por ação, omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito de forma a causar dano a outrem, ainda
que este dano seja exclusivamente de ordem moral, cometerá ilícito18.
Existem, para tanto, alguns elementos fundamentais para o estudo e
compreensão da aplicabilidade da responsabilidade civil dentro de um contexto
fático, que a doutrina considera como sendo essenciais para a configuração do
referido tema, quais sejam: ação ou omissão do agente, culpa ou risco, nexo causal
e o dano.
Sabe-se que o ato ilícito pressupõe uma conduta do agente, devendo ela
ser violadora de algum instituto jurídico previsto na norma jurídica considerada
lato sensu, ou de ato negocial, causando, consequentemente, uma lesão a um direito
alheio19. O ilícito, por sua vez, pode ser praticado por vias de ação ou de omissão,
sendo estas, respectivamente, condutas consideradas positivas ou negativas.
O fato que acaba por caracterizar tal ato é a voluntariedade, uma vez que
a conduta representa uma circunstância passível de ser determinada pela vontade
humana20. A manifestação voluntária não se confunde, porém, com a intenção de
causar dano a outrem, uma vez que se refere tão somente à vontade e à consciência
do cometimento do ato, sem necessariamente o intencional de gerar prejuízo21.
O segundo elemento constitutivo da responsabilidade civil a ser destacado
é justamente a culpa ou o risco. Este faz menção a uma responsabilização de ordem
objetiva, sendo referente, em síntese, àquela conduta com presença de perigo
ou possibilidade de dano22. Ao passo que a culpa, ensejando a responsabilização
subjetiva, pode ser identificada como um erro de conduta23, tendo como traços

17 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p 23.
18 BRASIL. Lei nº 10.406, de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
19 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. §9. v.
4. p. 22.
20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36.
21 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p 28.
22 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.
146.
23 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. §9. v. 4.

91
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

constitutivos a voluntariedade24, que é manifestação de vontade e discernimento do


agente, e a evitabilidade da conduta25, que diz respeito à possibilidade de atuação
diferente por parte do agente.
O nexo causal, terceiro elemento constitutivo da responsabilidade civil,
é basicamente um elo, de ligação entre a conduta do agente ofensor e o dano que
fora suportado pela vítima, ou seja, é o vínculo que existe entre o fato cometido
e o dano causado para que o autor possa ser devidamente responsabilizado pelo
prejuízo26. Esse instituto se perfaz, enfim, na ocorrência de um fator efetivamente
determinante para a ocorrência do dano27.
Por fim, há de se considerar também o dano como elemento primordial
na consecução da responsabilidade civil, uma vez que não há responsabilidade sem
a existência deste instituto28. Dentro do liame temático no qual este trabalho está
inserido, cabe ressaltar, dentre as diversas características doutrinárias referentes
ao dano e suas espécies, apenas aquelas que se mostram mais imprescindíveis na
abordagem da matéria escolhida. Assim, tem-se que o dano se perfaz na violação
de direitos de outrem, podendo estes ser, basicamente, de ordem patrimonial ou
moral29.
O dano patrimonial revela-se como sendo uma lesão concreta a um
patrimônio econômico da vítima, estando relacionado à perda ou à deterioração de
bens materiais, estando estes suscetíveis à avaliação pecuniária e indenização pelo
agente responsável30. Já o dano moral, diferentemente do patrimonial (material),

24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 7. p. 96-97.
25 KÜHN, Maria Leonor de Souza. Responsabilidade civil: a natureza jurídica da relação médico-
paciente. Barueri: Manole, 2002. p. 35.
26 ARAÚJO, Vaneska Donato de. A responsabilidade profissional e a reparação de danos. 2011. 314 f.
Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p 36
27 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações –
introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 588.
28 AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. t. II. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
p. 702.
29 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 7. p. 110
30 ARAÚJO, Vaneska Donato de. A responsabilidade profissional e a reparação de danos. 2011. 314
f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p. 79.

92
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

tem a pessoa humana como medida para o dano, e não os bens materiais31, de forma
que esse instituto pode ser considerado, em sentindo amplo, como um sofrimento
psíquico para a vítima32, ou, ainda, caracterizado a partir da configuração de uma
lesão aos direitos da personalidade do ofendido33.
Dessa forma, estando considerados os elementos essenciais para o estudo
do eixo temático referente à responsabilização civil, dar-se-á, em diante, a análise
das formas de responsabilização civil do profissional nutricionista quando este se
encontrar embutido como parte responsável causadora de dano em uma relação
jurídica.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E FORMAS DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO NUTRICIONISTA

Em meados da década de 60, na comunidade latino-americana, houve


a ascensão de uma importante discussão sobre a necessidade de formação de um
profissional com nível e qualificação universitária para atuar servindo à saúde
pública com a finalidade de melhorar a nutrição humana34. A partir disso, os vários
países pertencentes a esse grupo social tomaram ciência da imprescindibilidade
dessa atuação e foram, aos poucos, propiciando meios legais para que esta profissão
fosse devidamente implementada em seus territórios.

3.1 REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL E CÓDIGO


DE ÉTICA

No Brasil, o trabalho do profissional da nutrição tem a sua regulamentação


dada pela Lei nº 8.234, de 17 de setembro de 1991, que estabelece, por sua vez,
no caput do art. 1º, que a designação e o exercício da atividade do nutricionista,
em qualquer dos ramos que atue, deverá ser privativa àqueles profissionais

31 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético – responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004. p. 22.
32 SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile em droit français. Paris, L.G.D.J, Anthologie du
droit. p. 101.
33 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO.
p. 489.
34 YPIRANGA, L., GIL, M.F. Formação profissional do nutricionista: por que mudar? In: CUNHA,
D.T.O., YPIRANGA, L., GIL, M.F. (org.). II Seminário Nacional sobre o Ensino de Nutrição. Goiânia:
FEBRAN, 1989. p. 20-36.

93
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

portadores de diploma de graduação na área, sendo estes expelidos por escolas


devidamente oficiais ou reconhecidas e registradas também no órgão competente
do Ministério da Educação. O profissional da nutrição, além disso, deverá também
estar regularmente inscrito no Conselho Regional de Nutricionistas para poder
desenvolver suas atividades35.
Além do supracitado regramento que define as atribuições e as regras
primordiais a serem levadas em consideração no exercício da nutrição, ressalta-se
também a Lei n° 6.583, de 20 de outubro de 1978, a qual institui os Conselhos
Federal e Regionais de nutricionistas, estabelecendo, assim, o funcionamento e a
competência desses órgãos36.
O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), por meio da Resolução
CFN nº 218, de 25 de março de 1999, vem definir os critérios de responsabilidade
técnica dessa classe de profissionais no exercício de suas atividades e em seu art.
1º, atesta que o termo “responsabilidade técnica” refere-se ao compromisso legal
e profissional do nutricionista na execução de suas atividades, as quais devem ser
sempre compatíveis com a sua formação e os princípios éticos da sua área.
Na mesma esteira, o Código de Ética e Conduta do Nutricionista, revela,
no bojo de suas disposições, as responsabilidades encontradas no exercício dessa
profissão. Cita-se, como exemplo, o caput do art. 16, que expõe o dever desses
profissionais de assumirem as responsabilidades pelas suas ações, ainda que estas
tenham sido solicitadas por terceiros37.
Não obstante, ressalta-se também a importância do art. 17 do Código de
Ética e Conduta do Nutricionista, o qual assevera que este profissional tem o dever
de primar por um trabalho adequado, justo e digno, de forma a apontar as falhas
existentes no seu cotidiano, dentro do seu contexto de atuação, e principalmente,
do seu local de trabalho, quando estas forem incompatíveis com o exercício da
profissão e, de todo modo, prejudiciais aos indivíduos e à coletividade38.

35 BRASIL. Lei nº 8.234, de 17 de setembro de 1991. Regulamenta a profissão de Nutricionista e


determina outras providências.
36 BRASIL. Lei nº 6.583, de 20 de outubro de 1978. Cria os Conselhos Federal e Regionais de
Nutricionistas, regula o seu funcionamento, e dá outras providências.
37 BRASIL. Resolução CFN nº 599 de 25 de fevereiro de 2018. Aprova o Código de Ética e de Conduta
do Nutricionista e dá outras providências.
38 Ibid.

94
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Ainda no mesmo regramento de conduta, observa-se que o art. 18


coloca como dever do nutricionista manter-se atualizado e familiarizado com o
conhecimento acerca da sua profissão, bem como também das práticas necessárias
ao bom prosseguimento do seu trabalho39, como forma de evitar danos às pessoas
que se encontram na posição de paciente.
Outro dispositivo que vale a pena frisar, no mesmo prisma de abordagem,
é o art. 20, também do Código de Ética e Conduta do Nutricionista, o qual explicita
como obrigação dos profissionais dessa área o mantimento de sigilo e o respeito à
confidencialidade de informações de suas consultas, podendo ser interpretado em
concomitância com o art. 14, do mesmo regramento, que estabelece a dignidade e
o decoro na atuação do nutricionista.
Em caso de violações às regras impostas pelo Código de Ética e Conduta
do Nutricionista, na forma de ação ou omissão, estas terão suas respectivas
penalidades atestadas por esta mesma codificação, segundo o seu art. 92, bem como
pelas demais normas específicas legais.
Sendo cometidas infrações às normas dispostas no regramento ainda em
comento, tem-se que, tanto a título de autoria, participação, quanto por conveniência
(art. 93), a responsabilidade, assim como todas as circunstâncias envolvidas na ação,
será apurada, de maneira independente às instâncias administrativas e judiciais
competentes, em um processo instaurado de acordo com a legalidade posta pelos
Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas, conforme os dizeres do art. 94.
Em se comprovando efetivamente configuradas as infrações, serão
aplicáveis aos profissionais as sanções previstas, sobretudo, no Art. 20, da Lei n.
6.583, de 197840, que traz, em seus incisos, as possibilidades de: I – advertência;
II – repreensão; III – multa equivalente a até 10 (dez) vezes o valor da anuidade;
IV – suspensão no exercício profissional pelo prazo de até 3 (três) anos, e; V –
cancelamento da inscrição e proibição do exercício profissional.
Por outro lado, e conforme o art. 95, do Código de Ética e Conduta
supra citado, tais possibilidades de sanção impõem uma ordem gradativa, que pode
ser excepcionada nos casos de gravidade manifesta ou reincidência na conduta
(§1º). Por outro lado, conforme o §2º, do art. 95 já mencionado, na “fixação de

39 BRASIL. Resolução CFN nº 599 de 25 de fevereiro de 2018. Aprova o Código de Ética e de Conduta
do Nutricionista e dá outras providências.
40 BRASIL. Lei nº 6.583, de 20 de outubro de 1978. Cria os Conselhos Federal e Regionais de
Nutricionistas, regula o seu funcionamento, e dá outras providências.

95
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

penalidades serão considerados os antecedentes do profissional infrator, o seu grau


de culpa, as circunstâncias atenuantes e agravantes e as consequências da infração”41.
Estes são os termos do que a legislação específica e pertinente – que rege a atuação
do profissional – dispõem. Contudo, interessa ao presente trabalho a adequação da
conduta de tal agente logra no cotejo com a aplicação da legislação de consumo, o
que será abordado no item adiante.

3.2 RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS A


PARTIR DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Levando-se em consideração que existe uma relação jurídica de consumo


presente no atendimento dos nutricionistas aos seus pacientes, uma vez que
essa conduta é tida como uma espécie de prestação de serviço, observa-se que a
responsabilização destes profissionais também será regrada pelo Código de Defesa
do Consumidor, o qual, no pleno gozo de suas competências, excepcionou a
responsabilidade dos profissionais tidos como “liberais”, uma vez que, segundo o
§4º do art. 14 do CDC, estes somente serão responsabilizados mediante a aferição
de culpa42, enquanto todas as demais responsabilizações de fornecedores, presentes
nesta codificação, são de natureza objetiva.
O profissional liberal é aquele que exerce uma profissão de maneira livre,
com autonomia e sem resquícios de subordinação. Os nutricionistas, assim como
os médicos, advogados, engenheiros, dentre outros, se encaixam nessa categoria de
profissionais. O que vai diferenciar também um profissional liberal dos demais é o
seu conhecimento técnico, uma vez que cada profissão precisa de um conhecimento
específico para poder ser exercida.
Embora sejam uma grande classe de trabalhadores, os profissionais
liberais são responsabilizados pelo Código de Defesa do Consumidor de maneira
subjetiva, diferentemente dos demais, justamente porque desenvolvem suas
atividades independentemente de alguém que os empregue, sendo, portanto,
incoerente submetê-los às mesmas responsabilidades daqueles que prestam serviços
em massa43.

41 BRASIL. Resolução CFN nº 599 de 25 de fevereiro de 2018. Aprova o Código de Ética e de Conduta
do Nutricionista e dá outras providências.
42 BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990.
Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
43 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.
478.

96
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Importante ressaltar também a diferença existente entre o profissional


liberal que é efetivamente livre e autônomo (pois não presta seus serviços na
dependência ou no interesse, ou ainda sob o comando, de terceiros), dos profissionais
liberais com vínculo contratual junto a uma pessoa jurídica que lhe subsidie
em sua atuação, os quais, neste último caso, poderão assumir conjuntamente a
responsabilidade pelos seus atos e eventuais danos, figurando no polo passivo da
ação, tendo, portanto, uma responsabilização solidária, e cogitando-se aí então
da apuração de uma responsabilidade objetiva. A prestação dos serviços de tais
profissionais, nesse cenário, é realizada sob a figura da pessoa jurídica em conjunto
com as suas atividades44, pois é passível seu enquadramento na situação de prepostos
ou representantes autônomos da pessoa jurídica à qual se encontram filiados, nos
termos do art. 34, do Código de Defesa do Consumidor45.
As obrigações assumidas pelos profissionais liberais, dentre eles, o
nutricionista, podem ser tidas como obrigações de resultado ou de meio46. Estas, se
referem àquelas em que o devedor se obriga tão somente a utilizar-se da prudência
e diligência na prestação de certo serviço para atingir um resultado, ou seja, a sua
prestação não consiste em um resultado certo e, de todo modo, determinado47.
Assim, estando o consumidor insatisfeito com o serviço realizado, cabe a este
comprovar a culpa do então profissional, provando que não foram utilizados os
cuidados necessários na feitura do serviço48.
As obrigações de resultado, por sua vez, denotam, além da utilização de
prudência e diligência para com o serviço prestado, também a garantia do resultado,
de maneira certa e determinada. Deste modo, essa modalidade de obrigação permite

44 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento
do Código de Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito, 2017. p. 39
45 BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990.
Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
46 LEMOS, Jordana Cardozo de. A responsabilidade civil do profissional liberal: uma abordagem a
partir do código de defesa do consumidor. 2017. 42 f. Monografia (Doutorado) – Curso de Direito,
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2017. p. 31
47 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2002. v. 7. p. 241
48 LEMOS, Jordana Cardozo de. A responsabilidade civil do profissional liberal: uma abordagem a
partir do código de defesa do consumidor. 2017. 42 f. Monografia (Doutorado) – Curso de Direito,
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2017. p. 32

97
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ao credor a exigência da produção do resultado, sem o qual a relação obrigacional


será inadimplente49.
É de se perceber que as obrigações de meio se encaixam na maioria das
atividades praticadas por tais profissionais liberais, como via de regra, haja vista
que, no rol de atuações destas profissões, majoritariamente, não há como garantir
um resultado determinado. Portanto, nesses casos, e sabendo que é subjetiva a
responsabilidade do nutricionista e dos outros profissionais liberais, conforme dito
pelo art. 14, §4º, CDC, quando este for um profissional liberal pessoa física, cabe à
vítima do eventual dano comprovar que o prestador de serviço realmente agiu sem
prestar os devidos deveres de cuidado.

4 A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO NUTRICIONISTA NA


JURISPRUDÊNCIA NACIONAL

Os princípios basilares do instituto da responsabilidade civil pautados


na ideia de reparação de danos se mantiveram plenamente estáveis ao longo do
tempo, no entanto, as normas que regulam tal matéria no que corresponde à sua
aplicabilidade se mostram, de todo modo, bastante dinâmicas ao se adaptarem às
mudanças trazidas pela evolução da sociedade.
Observa-se, assim, a imprescindibilidade da jurisprudência para a
definição de normas jurídicas que se adequem à realidade fática atual do corpo
social50, uma vez que a aplicação da responsabilidade civil está essencialmente
sujeita a mudanças e, por isso, tem de transformar-se e flexibilizar-se na mesma
proporção que a civilização51.
Destacar-se-á nesta seção, portanto, um Recurso de Apelação52 do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que fora interposto como forma de

49 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2002. v. 7. p. 242-243
50 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v.7. p. 32.
51 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 25.
52 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso não conhecido em parte e, na parte
conhecida, negado provimento. Apelação Cível nº 1005862-81.2016.8.26.0451. Relatora: Mônica
de Carvalho. Data de Julgamento: 04 mar. 2020. Publicação: São Paulo, SP. Diário da Justiça Eletrônico
(DJE), 04 mar. 2020.

98
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

impugnação de sentença, a qual julgara improcedente o pedido feito pela parte


autora na inicial, e procedente a reconvenção da parte ré.
Segundo as autoras, a sentença proferida merece ser reformada, uma vez
que a requerida, na sua condição de profissional da nutrição, não prestou os seus
serviços de maneira eficiente, devendo, dessa maneira, ser responsabilizada.
No caso in concreto, mãe e filha, autoras do então processo, procuraram a
ré, uma nutricionista, para dar início a um tratamento com a finalidade de perda de
peso, no ano de 2014. As mesmas alegaram terem sido enganadas pela profissional,
uma vez que esta, supostamente, apenas prescreveu medicação a ser adquirida
em local indicado, não passando, portanto, nenhuma dieta ou aconselhamento
nutricional diário para que mãe e filha seguissem em concomitância com o
tratamento do remédio. Ademais, as autoras alegam que a ré sugeriu que elas não
efetuassem a medição de seus pesos fora do consultório, fato que, segundo mãe e
filha, corroborou para ineficácia do tratamento.
Tendo em vista tais fatos, as partes demandantes requereram em juízo
a devolução do valor efetuado no pagamento do tratamento, no montante de R$
9.000,00 (nove mil) reais e ainda, pediram uma indenização por danos morais
equivalente a 50 (cinquenta) salários mínimos.
Em contrapartida, a nutricionista alega que não só prescreveu o
medicamento para as autoras, como também passou um cardápio adequado aos
seus interesses e fez as pesagens à vista tanto da mãe, quanto da filha, de forma a
executar a sua atividade profissional de maneira correta. No mais, a ré justificou a
pretensão de condenação veiculada em reconvenção com base na premissa de que
as autoras a acusaram de charlatanismo, o que, por sua vez, acabou por macular a
sua imagem enquanto profissional no exercício de sua função.
Em face da sua defesa, a ré expôs ainda que se comprometeu com as
autoras na forma de uma obrigação de meio e não de resultado, e dessa forma,
o objetivo almejado por mãe e filha, nesse tipo de relação jurídica, devido às
circunstâncias, não poderia ser tido como certo e determinado.
A sentença, proferida após a ausência das autoras à audiência aprazada
em primeiro grau de jurisdição, acabou por julgar improcedentes os pleitos autorais
e, ainda, decidiu como procedente o pleito da parte ré, formulado em reconvenção,
para que as requerentes fossem compelidas a indenizá-la pelos danos causados a
sua imagem profissional, como acima mencionado. Dessa decisão foi formulado o
recurso de apelação.

99
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Repete-se que nesse tipo de obrigação, que geralmente ocorre entre


os profissionais de cunho liberal e os seus consumidores, não há uma pronta
responsabilização do profissional sobre o alcance ou não do resultado, justamente
por ele não poder ser determinado. Os profissionais liberais, nessa modalidade de
obrigação de meio, apenas se comprometem a prestar seus serviços com diligência
e prudência, mas de forma alguma devem garantir a efetividade do resultado,
ficando o consumidor responsável por provar a falta de cuidado ou má conduta do
profissional para acarretar sobre ele a responsabilização pela frustração do objetivo
pretendido e por eventuais danos.
Assim, o acórdão ora em análise53 afirma, em um primeiro momento,
quanto a uma questão processual sobre a realização da audiência em primeiro
grau – que poderia ensejar a anulação da sentença – que o recurso não reúne as
condições mínimas para ser tido como admissível neste particular, e se utiliza, para
fins de fundamentação, do art. 1010 do Código de Processo Civil (CPC), o qual
expõe os requisitos que um recurso de apelação deve conter. Dentre o rol elencado,
cita-se o inciso III, que menciona as razões do pedido de reforma ou de decretação
de nulidade neste particular54, ou seja, para que uma apelação seja conhecida, o
apelante deve dar as razões de fato e de direito pelas quais entende que a sentença
recorrida seja anulada ou reformada, sob pena de ferir ao preceito de dialeticidade.
Sem tais razões, o recurso não poderá ser reconhecido55, como de fato, neste ponto,
não foi.
Deste modo, entende a decisão em comento que o Recurso de Apelação
promovido pelas partes autoras deixa de apresentar impugnação específica e de
explicitar as razões pelas quais a sentença outrora proferida deverá ser anulada, não
acatando o disposto no art. 1010, inciso III, do CPC, no que, quanto ao pleito de
anulação da sentença pela questão processual relativa à realização da audiência no
primeiro grau, o recurso não foi sequer admitido.
Por outro lado, no ponto em que foi conhecido o recurso, a decisão
menciona o art. 373, inciso I, também do Código de Processo Civil, sustentando

53 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso não conhecido em parte e, na parte
conhecida, negado provimento. Apelação Cível nº 1005862-81.2016.8.26.0451. Relatora: Mônica
de Carvalho. Data de Julgamento: 04 mar. 2020. Publicação: São Paulo, SP. Diário da Justiça Eletrônico
(DJE), 04 mar. 2020.
54 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
55 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 17.
ed. Revista dos Tribunais, p. 2305.

100
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

que incumbe ao autor a prova dos fatos constitutivos do seu direito, ou seja, faz
alusão ao que já fora dito neste trabalho em outros termos, sobre a necessidade
de que o autor prove a falta de diligência e prudência do profissional liberal em
uma obrigação de meio para que a sua responsabilização seja caracterizada. Esse
dispositivo vem asseverar que se os demandantes da ação, no caso mãe e filha, não
provam a ocorrência do fato, não há como haver o acolhimento das suas pretensões.
Por fim, a decisão salienta, corroborando com a razão dos fundamentos
já apresentados, que em uma situação como a do caso, onde pessoas se predispõem
a realizar uma dieta com o fito do emagrecimento, através dos amparos de um
nutricionista, não há como garantir o sucesso do objetivo, haja vista que os seres
humanos têm metabolismos diferentes e que esse fato acaba por induzir respostas
distintas a esse tipo de tratamento.
O Tribunal estabelece, por conseguinte, a obrigação entre as partes nesta
relação jurídica como sendo de meio, reiterando que não cabe ao profissional
garantir e se comprometer com o resultado final perseguido pelo paciente, mas sim
com o emprego de técnicas e conhecimentos necessários para o tratamento.
Ainda em tempo, é igualmente afirmado na decisão que a responsabilidade
do nutricionista, enquanto profissional liberal é subjetiva. Logo, a responsabilização
deste sobre eventuais danos dependerão da prova de culpa do profissional por parte
do autor da demanda, conforme os dizeres do art. 14, §4º do CDC. E, desta feita,
restou estabelecido o mantimento da condenação relativa à reconvenção, com o
não provimento do recurso de apelação na parte em que o mesmo fora conhecido.

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho aborda a situação jurídica dos nutricionistas, e


particularmente no que se refere à sua responsabilidade civil, frente à legislação de
consumo.
Foi demonstrado, ao longo do texto, que tal categoria profissional
logra regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, na qual seus
deveres profissionais e encargos são muito bem estabelecidos, em uma legislação
sedimentada ao longo de décadas.
Por outro lado, ficou claro que tanto o Código de Ética e Conduta do
Nutricionista quanto a sua legislação correlata, preveem sanções, de gravidades
distintas e pertinentes à conduta, para o profissional que venha a cometer infrações

101
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

no desenvolvimento de seu ofício. Contudo, assim como já foi explanado, tal forma
de responsabilização, que fica a cargo dos Conselhos profissionais, é independente
das possibilidades de sanções administrativas e judiciais que se fizerem pertinentes
no caso.
Com relação à legislação de consumo, vislumbrou-se, a partir da
teoria em um primeiro momento, que o caso do nutricionista se amolda, na sua
interação com os clientes, a uma relação de consumo. Entretanto, enquadra-se tal
relacionamento nos moldes excepcionais da atuação do profissional liberal, situação
inserida no Art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor.
A análise de decisão colhida da jurisprudência nacional comprova, e
ratifica o que já havia sido demonstrado também em teoria ao longo do estudo,
no sentido de que os principais desdobramentos decorrentes da inclusão do
nutricionista enquanto profissional liberal à luz da legislação de consumo se fazem
presentes nos casos concretos apreciados pelo Judiciário. Ou seja: a responsabilização
civil dos nutricionistas segue a regra da responsabilidade subjetiva, padrão previsto
para os profissionais liberais que prestam serviços aos seus consumidores.
Por último, o caso judicial analisado demonstra que as obrigações
assumidas pelo nutricionista, no exercício de sua profissão, podem ser classificadas
como obrigações de meio, no sentido de que tal agente não se compromete, via de
regra, com a realização de um resultado pré determinado, mas sim com o emprego
das técnicas e meios corretos e condizentes com a ciência que embasa sua atuação.
Logo, o principal desdobramento dessa classificação fica notório da análise do caso
judicial demonstrado acima: o consumidor passa a ter, nas obrigações de meio,
o ônus probatório de demonstrar, judicialmente, que o nutricionista não agiu
segundo tais critérios.

102
REFERÊNCIAS

AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. t. II, 12. ed. Imprenta. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2012.

ALVES, Fabrício Germano, XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Análise


conceitual da relação jurídica de consumo no Brasil. In: XAVIER, Yanko Marcius
de Alencar Xavier et al. (org.). Perspectivas atuais do Direito do Consumidor no
Brasil e na Europa. Natal, RN: EDURN, 2014. v. 1.

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil. (Teoria Geral. Relações e Situações


Jurídicas). 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 3.

BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Lei nº 8. 078, de


11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências.

BRASIL. Lei nº 6.583, de 20 de outubro de 1978. Cria os Conselhos Federal


e Regionais de Nutricionistas, regula o seu funcionamento, e dá outras
providências.

BRASIL. Lei nº 8.234, de 17 de setembro de 1991. Regulamenta a profissão de


Nutricionista e determina outras providências.

BRASIL. Lei nº 10.406, de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

BRASIL. Resolução CFN nº 599 de 25 de fevereiro de 2018. Aprova o Código de


Ética e de Conduta do Nutricionista e dá outras providências.

CALDEIRA, Mirella D’Angelo. A responsabilidade civil dos profissionais liberais


com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de
Direito, 2017.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:


Atlas, 2007.

103
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. v. 7.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 17.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3.

FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis, SACCO NETO, Fernando. Manual de


direito do consumidor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

FRANKLIN, Ana Cláudia de Medeiros. Análise da proteção do consumidor nas


plataformas de economia de compartilhamento. Dissertação (Mestrado em Direito)
– Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais
Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2018.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil – responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva,


2002.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil
comentado. 17. ed. Revista dos Tribunais.

KÜHN, Maria Leonor de Souza. Responsabilidade civil – a natureza jurídica da


relação médico-paciente. Barueri: Manole, 2002.

LEMOS, Jordana Cardozo de. A responsabilidade civil do profissional liberal: uma


abordagem a partir do código de defesa do consumidor. 2017. 42 f. Monografia
(Doutorado) – Curso de Direito, Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2017.

LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004.

104
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2019.

NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2016. v. 7.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das


obrigações – introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva. 2004.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo:


Saraiva, 1983. v. 4.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso não conhecido em


parte e, na parte conhecida, negado provimento. Apelação Cível nº 1005862-
81.2016.8.26.0451. Relatora: Mônica de Carvalho. Data de Julgamento: 04 mar.
2020. Publicação: São Paulo, SP. Diário da Justiça Eletrônico (DJE), 04 mar. 2020.

SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile em droit français. Paris, L.G.D.J,


Anthologie du droit.

SOURDAT, M.A. Trailé général de la responsabilité. 5. ed. Paris, Marchal et


Billard, 1902. tomo 1.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO.

TERRÉ, François; SIMLER, Philippe; LEQUETTE, Yves; CHÉNEDÉ,


François. Droit civil – les obligations. 22. ed. Paris, Presses Universiteires de
France, 2000. tomo 4.

YPIRANGA, L., GIL, M.F. Formação profissional do nutricionista: por que


mudar? In: CUNHA, D.T.O., YPIRANGA, L., GIL, M.F. (org.). II Seminário
Nacional sobre o Ensino de Nutrição. Goiânia: FEBRAN, 1989.

105
05 Personal Trainer

Fabrício Germano Alves


Mayara Vívian de Medeiros

1 INTRODUÇÃO

Este texto trabalha a responsabilidade como um dos mais relevantes


temas do Direito Civil, considerando sua importância na proteção de bens jurídicos
tutelados pelo Direito e o seu papel no equilíbrio patrimonial e extrapatrimonial
necessário em casos de danos causados pelas mais variadas atividades presentes no
campo social. Dentre estas, a atividade dos educadores físicos pode gerar prejuízos
que justifiquem a necessidade de reparação no âmbito da responsabilidade civil.
Este Capítulo abordará especificamente a responsabilidade civil do
personal trainer, tendo como base para o seu desenvolvimento publicação de igual
denominação anteriormente realizada pelos autores1.
No início do século XXI verifica-se uma grande procura das pessoas
pela formação superior na área da educação física, provavelmente em razão da alta
demanda pelos serviços prestados nessa área. A busca por uma vida mais saudável,
por meio de atividades físicas em suas várias modalidades, constitui um estilo de
vida cada vez mais incentivado e procurado por pessoas de todas as idades, sendo
recomendado também pelos profissionais da área como uma forma de melhorar a
qualidade de vida e manter a saúde do corpo e da mente.
Como procedimentos metodológicos, a presente pesquisa se utiliza da
abordagem dedutiva, a partir dos princípios gerais da responsabilidade civil, com

1 ALVES, Fabrício Germano. MEDEIROS, Mayara Vívian de. Responsabilidade civil do Personal
Trainer. Revista Meritum, Belo Horizonte, vol. 15, n. 1, p. 81-94, jan./abr. 2020. DOI: https://doi.
org/10.46560/meritum.v15i1.7644.

106
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

resultados apontados para a prática (pesquisa aplicada), abordagem qualitativa,


utilizando pesquisa bibliográfica e documental.
O objetivo deste Capítulo é apresentar a sistemática da responsabilidade
civil dos profissionais liberais que atuam como personal trainer na perspectiva do
ordenamento jurídico brasileiro, de maneira analítica em relação à legislação geral
e à regulamentação específica presente nas Resoluções do Conselho Federal de
Educação Física (CREF), dialogando com o instituto da responsabilidade civil.
Também serão identificados e apresentados casos práticos que ilustram a maneira
pela qual o tema é tratado pelo Poder Judiciário.
Primeiramente, há uma parte introdutória acerca dos delineamentos da
teoria geral da responsabilidade civil, bem como dos conceitos de responsabilidade
objetiva, subjetiva, contratual e extracontratual. Também serão apresentados os
conceitos de ato ilícito e abuso de direito, em conformidade com o ordenamento
jurídico brasileiro. Em seguida, serão abordados os elementos que caracterizam a
responsabilidade civil, a saber, a conduta humana, por ação ou omissão, a culpa
genérica, o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo, sendo estes aspectos essenciais
de sua configuração. Além disso, o texto trata ainda dos demais fundamentos que
justificam a importância da responsabilidade civil nas relações jurídicas e sociais.
Logo após, será apresentada a regulamentação geral e específica do
exercício profissional da educação física no Brasil, presente na Lei nº 9.696/1998,
na Resolução nº 307 e nas demais Resoluções do Conselho Federal de Educação
Física. A análise destas disposições normativas é importante para a compreensão
da forma de trabalho do personal trainer, das relações jurídicas que podem existir
no contexto do exercício de sua atividade e da forma como os danos causados no
desempenho de sua atividade profissional são tratados no Direito brasileiro, em
especial no que diz respeito à responsabilidade civil.
Por fim, serão identificados e apresentados dois casos práticos que
envolvem a responsabilidade civil do personal trainer. Analisar-se-á a decisão
judicial e o tratamento dado ao tema no Poder Judiciário brasileiro, como forma
de estudo da proteção conferida àqueles que sofrem danos ou prejuízos causados
no contexto da prestação de serviço pelos profissionais que atuam como personal
trainers na modalidade liberal, ou sem, sem vínculo empregatício com nenhuma
entidade empresarial.

107
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

2 TEORIA GERAL E ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade é um dos temas do Direito Civil mais presentes no


atual cenário jurídico brasileiro, mas tem sua origem ainda no Direito Romano,
época em que já existia a ideia de compensação, por parte do autor pelos danos
causados a outrem, a partir de uma regulação determinada pelo Estado, seja no
âmbito civil ou penal2.
A responsabilidade está ligada ao restabelecimento do equilíbrio das
relações humanas nas esferas patrimonial e extrapatrimonial, prejudicado por
alguma atividade que resultou em dano. Assim, preza pela pacificação social. Sua
origem pode se dar a partir do não cumprimento da obrigação, inobservância
de regras contratuais ou de demais disposições normativas presentes nas relações
humanas3.
Desta maneira, a responsabilidade está relacionada à uma compensação
justa, eficiente e proporcional ao dano causado, e está focada não apenas na conduta
do autor, mas no dano ou prejuízo causado, bem como em seus efeitos sobre o
patrimônio ou advindos da violação dos direitos da personalidade.
A reparação civil é um direito fundamental, garantido na Constituição
Federal, que em seu artigo 5º, inciso V, instituiu: “é assegurado o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem”. No no inciso X do mesmo artigo determina-se: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”4.
A responsabilidade civil está fundamentada no contrato social e nos
deveres jurídicos inerentes a este, cujo descumprimento pode configurar a
necessidade de reparação e o consequente dever de indenização, seja por danos
patrimoniais ou extrapatrimoniais.
A responsabilidade civil está presente quando ocorre a violação de um
direito privado/particular, e por isso o infrator se submete à reparação do dano

2 TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2017. p. 499.
3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018. v. 4 p. 30-31.
4 BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05
de outubro de 1988.

108
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

visando restaurar o estado anterior das coisas, ou a realizar o pagamento de uma


compensação pecuniária diante da impossibilidade de repor o status quo ante5.
Existem, no ordenamento jurídico brasileiro, diversas classificações
e modalidades de responsabilidade civil, como por exemplo, a responsabilidade
contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva, sendo um sistema dual. A
responsabilidade contratual ou negocial está fundamentada nos artigos 389 a 391
do Código Civil, e se configura a partir do descumprimento de uma obrigação
contratual pré-existente ou de um negócio unilateral, v.g., quando um comodatário
deixa de devolver o objeto colocado aos seus cuidados por ter deixado perecer. Nestes
casos, o ônus da prova cabe ao devedor, que para se eximir da responsabilização
precisa comprovar que o descumprimento do dever obrigacional se deu por força
maior ou caso fortuito6.
Já a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana refere-se ao
dano cujo causador não possui vínculo com a vítima e, portanto, configura-se a
partir do ato ilícito e do abuso de direito, cuja fundamentação está presente nos
artigos 186 e 187 do Código Civil. O ato ilícito é a ação humana que transgride
direitos subjetivos e privados, violando a ordem jurídica ao causar prejuízos nas
esferas penal, civil e administrativa. Assim, gera o dever de indenização, conforme
regulamentado no artigo 927 do Código Civil7.
A responsabilidade objetiva existe em casos em que não é necessária a
comprovação da culpa lato sensu do agente causador do dano, sendo necessário
apenas o elo de causalidade entre o dano e a conduta do infrator. Está ligada à teoria
do risco, consagrada no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Segundo esta
teoria, aqueles que se dispõem a exercer determinada atividade assumem o risco
de dano proveniente dela, tendo em si a obrigação de repará-los caso venha a ser
constatados, mesmo na ausência de culpa lato sensu, pois a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implica, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem. Já no caso da responsabilidade subjetiva, para gerar o dever de indenização,

5 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. 3. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 914.
6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018. v. 4. p. 45.
7 BRASIL. Lei Federal no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

109
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

necessita da comprovação da atitude dolosa ou culposa (negligência, imprudência


ou imperícia)8.
A responsabilidade civil possui alguns elementos ou pressupostos
essenciais para sua existência e configuração. Apesar da inexistência de consenso
quanto à sua determinação, é possível identificar pelo menos quatro elementos que
são considerados essenciais, a saber: a conduta do agente, a culpa genérica, o nexo
ou elo de causalidade e, finalmente, o dano ou prejuízo gerado.
A conduta do agente pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou
por omissão (conduta negativa), sendo voluntária ou por negligência, imprudência
ou imperícia. No caso da omissão ou conduta negativa, é preciso demonstrar que
se caso a conduta fosse praticada, o dano poderia ser evitado. Esta conduta pode ser
observada em casos de responsabilidade pelo fato da coisa, v.g., quando um outdoor,
por falta de manutenção ou retirada por parte de seu proprietário, cai e causa danos
a um transeunte9.
No Direito Civil brasileiro, a culpa precisa ser comprovada em casos de
responsabilidade subjetiva. Por outro lado, é admitida também a responsabilidade
civil objetiva, que não necessita da comprovação da culpa, pela dificuldade que
existe de obtê-la em algumas situações, evitando assim a impunidade em alguns
casos específicos10.
Já o nexo de causalidade é a ligação entre a conduta do agente e o dano
causado, estabelecendo uma relação de causa e efeito. É um pressuposto ou elemento
imaterial da responsabilidade civil obrigatório para que haja o dever de indenizar.
É a comprovação de que o fato, a ação ou omissão do autor gerou um prejuízo ou
dano, como uma consequência já esperada11.
Por fim, o dano é mais um dos elementos essenciais da responsabilidade
civil e do dever de reparação. Não há responsabilidade civil sem danos. Ele
representa a violação de um bem tutelado pelo Direito. O dano pode ser de caráter

8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 3. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 915.
9 TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2017. p. 503.
10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: esquematizado: responsabilidade civil, direito de
família, direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 3. p. 66.
11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. De Acordo com a Constituição de 1988.
5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 75.

110
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

patrimonial ou extrapatrimonial. Este último ocorre nos casos em que recai sobre o
nome e à moralidade ou causa grande sofrimento à vítima12.

3 REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS


EDUCADORES FÍSICOS E FORMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

A regulamentação da atividade profissional do educador físico foi alvo de


discussões desde a década de 1940 no Brasil, porém, apenas com a edição da Lei nº
9.696/1998, a atividade profissional de educação física foi regulamentada. A partir
da referida Lei foi criado o Conselho Federal de Educação Física, com o objetivo
de organizar, regular e fiscalizar o trabalho dos profissionais deste ramo, bem como
promover a proteção e a valorização de sua atividade no mercado de trabalho13.
Uma das principais determinações da Lei nº 9.696/1998 é o
estabelecimento de regras quanto aos sujeitos que podem atuar como profissionais
de educação física. Antes da vigência desta lei, muitos atuavam como educadores
físicos sem possuir formação educacional na área, colocando em risco as pessoas
acompanhadas por eles. Isso causava uma desvalorização deste campo de trabalho
perante as sociedades, além de deixar os usuários dos serviços bastante desprotegidos.
Os artigos 1º e 2º da Lei nº 9.696/1998 definem que a atuação como
profissional de educação física só pode ser realizada por aqueles que possuem
diploma obtido em curso superior de educação física, autorizado ou reconhecido
no território nacional, e que estejam, desta forma, aptos a serem registrados nos
Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs)14. Cabe lembrar que os que já
atuavam na área antes da promulgação da Lei puderam adquirir uma autorização do
CONFEF para continuar trabalhando, como medida de transição e em respeito ao
direito adquirido por eles. Atualmente recebem a denominação de provisionados.
A atividade profissional que é desempenhada pelos educadores físicos
permite, desta forma, a atuação em variadas modalidades e categorias, incluindo

12 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso
de Direito Civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 235.
13 SOUSA NETO, S. et. al. A formação do profissional de Educação Física no Brasil: uma história
sob a perspectiva da legislação federal no século XX. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 25, n. 2,
p. 113-128, jan. 2004. p. 123.
14 BRASIL. Lei Federal nº 9.696, de 1 de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação da Pro-
fissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais de Educação
Física.

111
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

exercícios de musculação, corrida, dança, pilates, ioga, atividades de recuperação


em casos de lesões, entre outras. Entretanto, exige-se a devida capacitação na área
como forma de manutenção da qualidade dos serviços prestados e também como
meio de prevenção contra quaisquer intercorrências que possam atingir as pessoas
que estão sendo acompanhadas15.
A Lei nº 9.696/1998 apresenta em seu artigo 3º um rol exemplificativo
de atribuições necessárias aos educadores físicos profissionais. Nesse rol incluem-
se, por exemplo, planejar, supervisionar, organizar, executar e avaliar trabalhos,
programas e projetos, bem como prestar serviços de consultoria, assessoria, planejar
treinamentos personalizados e específicos, além da participação na divulgação
de informações técnicas, científicas e pedagógicas na área das atividades físicas e
desportos16.
O próprio CONFEF, utilizando sua atribuição como autarquia e
entidade administrativa que regula e fiscaliza a profissão, editou diversas disposições
normativas com o objetivo de garantir os direitos dos profissionais da área, organizar
os cursos de formação e fomentar a supervisão adequada do trabalho dos educadores
físicos. Algumas das disposições mais conhecidas do CONFEF são a Resolução nº
045/2002, que trata da organização de cursos para os profissionais não formados17,
e a Resolução nº 046/2002, que regula a intervenção dos educadores físicos na
organização e supervisão de atividades educacionais no ensino básico18.
A regulamentação da atividade profissional em educação física
aperfeiçoou-se como passar dos anos, e em 2015 foi editada a Resolução nº 307,
que instituiu o Código de Ética dos Profissionais de Educação Física. Este foi
criado levando em consideração o papel social e educacional dos profissionais da
educação física para as comunidades, a importância de promover a qualidade de

15 FREIRE, Elisabete dos Santos; VERENGUER, Rita de Cássia G.; COSTA REIS, Marise Cisnei-
ros. Educação Física: pensando a profissão e a preparação profissional. Revista Mackenzie de Educação
Física e Esporte, 2002, 1(1): p. 39-46.
16 BRASIL. Lei Federal nº 9.696, de 1 de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação da Pro-
fissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais de Educação
Física.
17 CONFEF. Resolução nº 45/2002. Dispõe sobre o registro de não-graduados em Educação Física no
Sistema CONFEF/CREFs. Rio de Janeiro, 18 fev. 2002.
18 CONFEF. Resolução nº 46/2002. Dispõe sobre a Intervenção do Profissional de Educação Física e
respectivas competências e define os seus campos de atuação profissional. Rio de Janeiro, 18 fev. 2002.

112
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

vida da população, o intuito de desenvolver projetos sustentáveis e o cuidado com


as relações humanas dos grupos sociais que estão inseridos neste universo19.
Os princípios que guiaram a formulação do referido Código consideraram
a Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Cultura e a Agenda 21, que
promovem a proteção do meio ambiente nas relações humanas, além da Carta
Brasileira de Educação Física de 2000, que trata da possibilidade de riscos à
natureza, a sociedade e a saúde do indivíduo.
O Código de Ética dos Profissionais de Educação Física visa a crescente
valorização da atividade dos educadores físicos, a partir de contribuições relevantes
para a comunidade em geral, além de manter seu trabalho dentro da legalidade
com qualidade na prestação de serviços, beneficiando, assim, tanto os profissionais,
como a sociedade em geral.
Com este fim, o Código apresenta, em seu artigo 4º e 5º, princípios e
diretrizes a serem seguidos pelos educadores físicos: o respeito à vida, à dignidade
e à integridade do indivíduo, a responsabilidade social, a prestação de serviços de
maneira responsável e honesta, bem como a atuação dentro de sua identidade e
atribuições específicas do seu campo profissional, levando em consideração o papel
social do educador físico e os efeitos de sua atividade sobre a qualidade de vida dos
beneficiários20.
Também são apresentadas no Código de Ética dos Profissionais de
Educação Física as responsabilidades dos educadores físicos profissionais, presentes
nos artigos 6 e 7º, estabelecendo que os serviços e orientações prestadas por estes
profissionais devem ser seguras, responsáveis e sadias, evitando riscos à saúde21.
Desta forma, o educador físico deve ser claro com os usuários quanto aos benefícios
e riscos das atividades realizadas sob a sua supervisão. Além disso, o profissional em
educação física deve evitar atividades que possam resultar em danos não só físicos,
mas também morais para seu cliente, levando a sério, assim, os ensinamentos e
orientações devidamente estudadas em seu curso de formação.
Já os artigos 12 e 14 do Código de Ética estabelecem penalidades a serem
aplicadas aos profissionais em caso de violações às suas normas, como por exemplo:
advertência, suspensão do exercício da profissão, censura pública, cancelamento do

19 CONFEF. Resolução nº 307/2015. Dispõe sobre o Código de Ética dos Profissionais de Educação
Física registrados no Sistema CONFEF/CREFs. Rio de Janeiro, de 9 nov. 2015.
20 Ibid.
21 Ibid.

113
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

registro profissional, entre outras22. Geralmente, estas penalidades ocorrem como


consequência de acidentes ocorridos com pessoas, causados por imprudência,
imperícia ou negligência por parte do educador físico, gerando a responsabilidade
pelos danos patrimoniais ou extrapatrimoniais que necessitam de reparação.
As penalidades que recaem sobre os educadores físicos são analisadas e
aplicadas pelas Comissões de Ética, Juntas de Instrução e Julgamento, Tribunais
Regionais de Ética e pelo Tribunal Superior de Ética do CONFEF ou dos CREFs.
Os profissionais conhecidos como personal trainer são procurados
geralmente por sua atenção individualizada e promoção de objetivos mais específicos,
além do incentivo que dão aos seus alunos para continuar em busca de uma melhor
qualidade de vida. Estão devidamente incluídos entre os demais profissionais de
educação física, devendo assim, obedecer a regulamentação estabelecida para esta
área de atuação, em relação à sua formação, atribuições e responsabilidades.
Desta forma, como sua atividade envolve a possibilidade de danos
patrimoniais e extrapatrimoniais aos seus usuários, é possível que este seja envolvido
em casos de responsabilização e reparação, inclusive por meio de indenização.
Sua atuação está inserida na modalidade da responsabilidade contratual, seja este
elaborado por instrumento formal ou não, seja na forma física ou eletrônica23.
Pode-se observar que a relação entre o personal trainer e os contratantes
de seus serviços em geral configura-se como relação jurídica de consumo, uma vez
que possui em sua dinâmica os elementos ou pressupostos que caracterizam esse
tipo de relação jurídica (no caso, fornecedor, consumidor e serviço). Seus serviços
são geralmente solicitados envolvendo a orientação e supervisão de determinadas
atividades visando um objetivo apresentado pelo consumidor.
Além das disposições contidas na Lei nº 8.078/1990, que instituiu o
Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplica-se a relação em comento o que
foi estabelecido no artigo 475 do Código Civil: “a parte lesada pelo inadimplemento
pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento,
cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. Assim, ainda que
fosse somente regulado pelo regime de Direito Civil, em caso de descumprimento

22 CONFEF. Resolução nº 307/2015. Dispõe sobre o Código de Ética dos Profissionais de Educação
Física registrados no Sistema CONFEF/CREFs. Rio de Janeiro, de 9 nov. 2015.
23 LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 287.

114
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

das suas obrigações, o personal trainer pode responder pelos prejuízos causados ao
seu contratante24.
A responsabilidade civil do personal trainer também pode encaixar-se nas
modalidades objetiva e subjetiva, de acordo com as especificidades da realização
de seu trabalho. Esta diferenciação ocorre em casos onde o personal atua como
profissional liberal, sem vinculação à uma entidade empresarial, e quando este
atua como empregado em alguma instituição, como uma academia de ginástica,
por exemplo, sendo regulada também, desta forma, pelo Código de Defesa do
Consumidor.
No caso de dano, a responsabilidade será subjetiva quando o personal
trainer atuar como profissional liberal, de forma independente, pois é necessária,
nestes casos, a comprovação da culpa ou dolo por parte do agente, para que se
justifique a reparação do dano, seja este material ou moral25. Um exemplo deste
caso seria um aluno acompanhado por um personal trainer, que em virtude de
um exercício com carga excessiva, sofre uma lesão temporária ou permanente,
que causa para este imenso sofrimento, gastos com tratamento de saúde, exames,
medicamentos, entre outros.
Por outro lado, na hipótese de o personal atuar como funcionário de uma
entidade empresarial (v.g., uma academia) a responsabilidade civil será objetiva,
sem necessidade de comprovação de culpa lato sensu. Neste caso, cabe à instituição
a responsabilidade pela reparação dos danos, por ser sua obrigação a manutenção da
segurança dos consumidores que utilizam seu espaço, aparelhos e demais produtos
e serviços26.
Além disso, os atos lesivos causados em consequência dos serviços
prestados pelo personal trainer podem se encaixar no que está determinado no
artigo 186 do Código Civil, que trata dos atos ilícitos como causadores de danos,
tanto físicos como morais, que necessitam de reparação patrimonial e moral27. Se

24 BRASIL. Lei Federal no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.


25 ALMEIDA, Marco Antônio B. et. al. A responsabilidade civil do profissional de educação física:
interpretação jurídica das ações profissionais à luz do direito positivo. Revista EFDeportes. Buenos
Aires – Ano 11 – nº 106 – março de 2007. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd106/a-res-
ponsabilidade-civil-do-profissional-de-educacaofisica.htm. Acesso em: 21 set. 2018.
26 OLIVEIRA, Aurélio Luiz de; Silva, Marcelo Pereira da. O profissional de educação física e a res-
ponsabilidade legal que o cerca: Fundamentos para uma discussão. Artigo científico – IX Simpósio
Internacional de Processo Civilizador – Ponta Grossa/PR, 2005.
27 BRASIL. Lei Federal no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

115
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

o ato lesivo foi cometido dentro de uma relação de consumo, será tratado como
prática abusiva, e apurado de acordo com o sistema de responsabilização instituído
pelo Código de Defesa do Consumidor28.
Assim, sendo ou não sua relação com o usuário inserida nas relações de
consumo, o personal trainer necessita de atenção na realização de seus serviços,
prezando pela saúde e qualidade de vida dos seus acompanhados, agindo de forma
preventiva e cautelosa. Deve observar suas habilidades, capacidades e limitações, e
promover orientações adequadas, sendo claro em caso de riscos. Assim, o personal
trainer pode evitar danos de diferentes dimensões sobre a saúde e a qualidade de
vida das pessoas, passiveis de responsabilização civil29.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PERSONAL TRAINER NA


JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

A análise jurisprudencial do tema trabalhado é de suma importância


para a compreensão e verificação da proteção que está sendo conferida àqueles
que sofrem danos provenientes da atividade dos profissionais que atuam como
personal trainer. A análise também contribui para a compreensão da forma como
este tema é entendido pelos juristas na atualidade, apesar de suas poucas aparições
nas demandas jurídicas nacionais. Para tanto, serão analisados dois casos.
O primeiro é uma ação com pedido de indenização por danos morais,
interposta no Juizado Especial da Comarca de Foz do Iguaçu, julgada em sede de
recurso no Tribunal de Justiça do Paraná. Inicialmente, a parte autora alegou que
firmou um contrato de prestação de serviços com um treinador físico particular
(personal trainer), que a acompanharia em seus exercícios durante uma hora, três
vezes por semana. Todavia, o profissional teria se recusado a prestar os serviços,
descumprindo o contrato, e ainda a expulsou das dependências de estabelecimento
em que trabalhava, causando-lhe enorme constrangimento. Na decisão em primeira
instância, o julgador decidiu pela improcedência da ação.
Na fase recursal, a autora reiterou sua versão dos fatos e pugnou pela
aplicabilidade da normatização proveniente do Código de Defesa do Consumidor.

28 BRASIL. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá


outras providências.
29 OLIVEIRA, Juliana Andrade Padilha de. Responsabilidade civil do profissional de educação física.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Educação Física) – Universidade Tecnológica Fe-
deral do Paraná. Curitiba, 2015.

116
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O Poder Judiciário reconheceu a relação jurídica de consumo e a quebra de


contrato pela recusa na prestação dos serviços, o que contraria o artigo 39, inciso
II do CDC, e por isso configura pratica abusiva30. Apesar da parte ré alegar que
o descumprimento contratual se deu em virtude de atrasos no pagamento das
prestações, tal fato não foi devidamente comprovado, e a decisão foi reformada
em benefício da parte autora31. Este caso é um claro exemplo da aplicabilidade da
responsabilidade civil de natureza contratual, em virtude do ajuste formal prévio
que existia entre as partes.
O segundo caso analisado foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito
Federal. Na petição inicial, o autor relatou que se dirigiu à academia de ginástica
por ele contratada, e não foi orientado de maneira efetiva e próxima por profissional
de educação física. Ao executar seu exercício no aparelho denominado “apolete”,
a barra de flexão se desconectou e atingiu sua mão esquerda, causando a semi-
amputação traumática da parte distal do dedo polegar, com perda da unha e da
falange.
Na petição inicial da ação de indenização por danos morais, materiais
e estéticos, o autor deixou claro que a lesão teria sido consequência da falta de
orientação profissional adequada pelo profissional atuante na academia. O Poder
Judiciário julgou improcedentes os pedidos da parte autora, entendendo que não
havia indícios suficientes para comprovar o nexo de causalidade entre a obrigação
de assistência da ré a as lesões ocorridas.
Em face de apelação, a parte autora sustentou a tese da responsabilidade
civil objetiva da academia, pois mesmo sendo papel dos instrutores desempenhar
a orientação adequada, segura e responsável dos alunos, é dever da academia
de ginástica prezar pela segurança em suas dependências, aparelhos e demais
instrumentos utilizados por treinadores e alunos. O Poder Judiciário reconheceu
que a relação existente se configura como relação jurídica de consumo, e baseando-
se nas determinações presentes no Código Civil, na teoria do risco e no artigo 14,

30 BRASIL. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá


outras providências.
31 PARANÁ, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO (TJPR). Recurso Inominado: RI
001710003201381600301 PR 001700-03.2013.8.16.0030/1 (Acórdão). Recorrente: Tânia Marta
Moreira de Abreu. Recorrido: Cleverson Acordi. Relator: Leo Henrique Furtado Araújo. Curitiba, 3
de dezembro de 2015.

117
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

§1º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor32, determinou a aplicação da


responsabilidade civil objetiva decorrente da prestação do serviço, gerando assim o
dever de reparação por meio de indenização, sem necessidade da comprovação de
culpa lato sensu33.
Apesar deste último caso não estar diretamente vinculado à atividade do
personal trainer, exemplifica de maneira clara o modo pelo qual o Poder Judiciário
brasileiro trata a questão da responsabilização civil dos profissionais de educação
física. O dever de orientação, acompanhamento e alerta em relação à execução dos
exercícios faz parte do trabalho do personal trainer, seja de maneira independente,
como profissional liberal, ou com vínculo empregatício em relação à uma academia
de ginástica, devendo assim respeitar as normas e princípios reguladores da relação
jurídica de consumo.
No caso em questão, a responsabilidade civil foi configurada na
modalidade objetiva, em face do vínculo empregatício existente com a academia,
seguindo a sistemática geral que é regra nas relações de consumo. Por outro lado,
a responsabilidade do educador físico teria de ser apurada subjetivamente, a partir
da comprovação da culpa lato sensu, em caso de atuação independente como
profissional liberal, em obediência ao disposto no artigo 14, §4° do CDC.
No último caso, o julgador reconheceu que o acidente poderia ter sido
evitado por meio da instalação prévia de mecanismos de segurança no aparelho e
com a orientação e alertas adequados por parte do instrutor, já que o autor estava,
como comprovado nos laudos periciais, apoiado de maneira incorreta na execução
do exercício. Entendeu-se que a contratação do serviço de atividade física incluía a
assistência de profissional capacitado para orientação.
A conduta da parte ré, portanto, seria evidentemente inadequada e
contrária às determinações dos artigos 8º e 9º do CDC, por apresentar atitude

32 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela repa-
ração dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso
quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento.
33 DISTRITO FEDERAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA (TJDF). Apelação Cível: APC 0008204-
04.2013.8.07.003 DF 0008204-04.2013.8.07.003. Relator: ANA CANTARINO. Brasília, 13 nov.
2014.

118
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

omissa perante o risco à saúde e segurança do consumidor34. O autor deixou clara a


ausência de adequada atenção por parte dos educadores físicos da academia. Porém,
como estes encontram-se em vínculo com a academia de ginástica, esta responde
objetivamente pelos danos e prejuízos causados em suas dependências.
Nas decisões analisadas anteriormente, destaca-se o reconhecimento da
relação jurídica de consumo entre o personal trainer e o consumidor de seus serviços,
justificando a utilização das normas e princípios instituídos pelo microssistema
consumerista. E além disso a aplicação do sistema de responsabilização previsto no
CDC.

5 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil desempenha um papel essencial na proteção


e manutenção da paz social e do equilíbrio das relações humanas, preservando
direitos de cunho patrimonial e extrapatrimonial. O instituto da responsabilidade
está previsto na legislação brasileira, garantido como direito fundamental no artigo
5º da Constituição Federal, e também em nível infraconstitucional em diversos
enunciados do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.
Este instituto possui em geral quatro pressupostos ou elementos essenciais:
a conduta humana comissiva ou omissiva, o elo de causalidade, a culpa ou dolo,
e o dano, ou prejuízo causado. Manifesta-se em diversas modalidades e formas
de configuração dentro das relações jurídicas atuais. Pressupõe uma obrigação
existente que foi descumprida, seja esta decorrente de uma relação contratual ou
extracontratual, gerando um dano em consequência de um ato ilícito ou do abuso
de direito.
A depender do caso, a responsabilidade pode ser classificada como objetiva
ou subjetiva. A primeira incide independentemente da existência ou comprovação
da culpa lato sensu (dolo ou culpa stricto sensu). A segunda exige a demonstração da
culpa lato sensu, em qualquer de suas modalidades (dolo, imprudência, imperícia
ou negligência) para que se gere a obrigação da reparação.
Dentre as diversas atividades que podem ensejar a responsabilização civil,
está a atuação profissional dos educadores físicos, regulada pela Lei nº 9.696/1998,
e pelas Resoluções emitidas pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF)

34 BRASIL. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá


outras providências.

119
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

e pelos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs), a exemplo do Código de


Ética dos Profissionais de Educação Física (Resolução nº 307/2015). As disposições
normativas reguladoras das atividades dos educadores físicos têm como objetivo a
valorização, organização e qualificação da atuação destes profissionais, bem como
a proteção destes e dos usuários de seus serviços, evitando prejuízos decorrentes de
seu exercício.
No caso do personal trainer, especificamente, ele pode atuar de maneira
independente, como profissional liberal, ou com vínculo empregatício a serviço de
uma academia ou instituição semelhante. Desta forma, de acordo com o artigo 14
do Código de Defesa do Consumidor, em casos de dano causado à consumidores de
seus serviços, este poderá ser responsabilizado subjetivamente, em caso de atuação
independente, desde que haja a comprovação da culpa lato sensu, ou, em caso de
relação de emprego, a academia poderá responder pelos danos de maneira objetiva,
sem exigência da comprovação de culpa.
É possível perceber pela análise jurisprudencial que a reponsabilidade
dos educadores físicos, incluindo a atividade do personal trainer, ainda é rara nas
demandas jurídicas atuais, com decisões divergentes. Isto se dá em virtude da
variedade de relações jurídicas que podem existir neste campo de atuação. Uma das
principais observações a serem feitas neste caso é a forma de responsabilização que
varia de acordo com a espécie de ligação que o personal trainer tem com o ambiente
em que trabalha, seja a partir de um vínculo empregatício ou como profissional
liberal.
O estudo da responsabilidade civil do personal trainer é especialmente
relevante em virtude da crescente procura deste campo de atuação profissional e da
população em geral pelo acompanhamento profissional na busca por uma melhor
qualidade de vida. A responsabilização civil dos profissionais que atuam como
personal trainer reúne normas constitucionais, civis e consumeristas na promoção
do equilibro das relações sociais e da pacificação social.

120
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Marco Antônio Bettine de; GUTIERREZ, Gustavo Luis Gutierrez.


A regulamentação da profissão de Educação Física no Brasil: aspectos legais.
Revista EFDeportes. Buenos Aires – Ano 12 nº 118 – março de 2008. Disponível
em: http://www.efdeportes.com/efd118/a-regulamentacao-da-pofissao-de-
educacao-fisica-nobrasil-aspectos-legais.htm. Acesso em: 19 set. 2018.

ALMEIDA, Marco Antônio B. et. al. A responsabilidade civil do profissional


de educação física: interpretação jurídica das ações profissionais à luz do direito
positivo. Revista EFDeportes. Buenos Aires – Ano 11 – nº 106 – março de 2007.
Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd106/a-responsabilidade-civil-do-
profissional-de-educacaofisica.htm. Acesso em: 21 set. 2018.

ALVES, Fabrício Germano. MEDEIROS, Mayara Vívian de. Responsabilidade


civil do Personal Trainer. Revista Meritum, Belo Horizonte, vol. 15, n. 1, p. 81-94,
jan./abr. 2020. DOI: https://doi.org/10.46560/meritum.v15i1.7644.

BISTENE, Mayra Elisa Barosi. A responsabilidade civil do profissional de Educação


Física. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Educação Física) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei nº 8. 078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 9.696, de 1 de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação


da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e
Conselhos Regionais de Educação Física.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

CONFEF – Conselho Federal de Educação Física. Carta Brasileira de Educação


Física. Rio de Janeiro, 2000.

121
CONFEF. Regulamentação da Educação Física no Brasil. Disponível em: http://
www.confef.org.br/confef/conteudo/16. Acesso em: 20 set. 2018.

CONFEF. Resolução nº 45/2002. Dispõe sobre o registro de não-graduados em


Educação Física no Sistema CONFEF/CREFs. Rio de Janeiro, 18 fev. 2002.

CONFEF. Resolução nº 46/2002. Dispõe sobre a Intervenção do Profissional de


Educação Física e respectivas competências e define os seus campos de atuação
profissional. Rio de Janeiro, 18 fev. 2002.

CONFEF. Resolução nº 307/2015. Dispõe sobre o Código de Ética dos


Profissionais de Educação Física registrados no Sistema CONFEF/CREFs. Rio de
Janeiro, de 9 nov.2015.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 31.
ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 7.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13.


ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. v. 4.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: esquematizado: responsabilidade


civil, direito de família, direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 3.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo:
Atlas, 2018.

FREIRE, Elisabete dos Santos; VERENGUER, Rita de Cássia G.; COSTA


REIS, Marise Cisneiros. In: Educação Física: pensando a profissão e a preparação
profissional. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, 2002, 1(1):39-46.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito


civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional Anísio Teixeira (INEP).


Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação. Disponível em: http://
portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior. Acesso
em: 21 set. 2018.

122
LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 287.

OLIVEIRA, Edson Eduardo Rodrigues de. A importância da regulamentação


da profissão de educação física para uma categoria profissional: o caso de Minas
Gerais. Dissertação (Mestrado em gestão Esportiva) – Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto, Porto, 2017.

OLIVEIRA, Aurélio Luiz de; Silva, Marcelo Pereira da. O profissional de


educação física e a responsabilidade legal que o cerca: Fundamentos para uma
discussão. Artigo científico – IX Simpósio Internacional de Processo Civilizador –
Ponta Grossa/PR, 2005.

OLIVEIRA, Juliana Andrade Padilha de. Responsabilidade civil do profissional


de educação física. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Educação
Física) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2015.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. De Acordo com a


Constituição de 1988. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

SILVA, Carlos Alberto Figueiredo. Educação Física e registro profissional. Motriz,


Rio Claro, v. 18 n. 3, p.615-626, jul./set. 2012.

SOUSA NETO, S. et. al. A formação do profissional de Educação Física no


Brasil: uma história sob a perspectiva da legislação federal no século XX. Rev. Bras.
Cienc. Esporte, Campinas, v. 25, n. 2, p. 113-128, jan. 2004.

TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2017.

123
06 Psicólogo

Bruna Agra de Medeiros


Egle Rigel Gonçalves Ferreira

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo desenvolver uma análise jurídica da


aplicabilidade da responsabilidade civil no desempenho profissional dos psicólogos,
mormente em face das pessoas que tomam seus serviços e que, por vezes, observam
as violações pelas quais seus direitos passam como, por exemplo, a elaboração de
laudos irregulares que divergem da realidade clínica do paciente. A importância
dada ao estudo se revela principalmente diante das incontáveis relações jurídicas
estabelecidas entre psicólogos e pacientes cotidianamente, seja na Psicologia
de Trânsito; na avaliação psicológica para concessão do porte de arma de fogo;
avaliação psicológica em concursos públicos, etc. É nítido a relevância em avaliar
comportamento, capacidade, aptidão e habilidades dos pacientes.
A vida social impõe, em inúmeras ocasiões, que não se esteja bem apenas
fisicamente, mas em boas condições mentais, com o psicológico equilibrado,
principalmente frente ao bombardeio de informações a que se está exposto
diariamente e seus reflexos no comportamento humano. Vislumbra-se que o elo
jurídico formado entre o profissional e a pessoa tomadora do serviço se enquadra
não só na senda civil, mas também no campo consumerista, aumentando a
relevância deste escrito dada sua complexidade jurídica. Inclusive, considerando as
diferentes abordagens que o determinado vínculo em apreço pode acarretar, torna-
se mister refletir a importância de sua dinâmica no meio jurídico
Na sociedade largamente globalizada, em que as relações intersubjetivas
se constituem a todo instante e se contornam de informações com cada vez mais
dinamismo, é inevitável não haver litígios jurídicos, principalmente nos âmbitos

124
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

civis e consumeristas. Os psicólogos cada vez mais estão sendo exigidos, sob a
perspectiva de que os procedimentos terápicos são vistos como verdadeiras soluções
de problemas de ordem interpessoal e objetivos do cotidiano das pessoas, o que
precisa ser avaliado criticamente à luz do conceito proposto para o seu trabalho.
Diante das complexidades que chegam em seus consultórios, por meio
de seus pacientes, nem sempre conseguem satisfazer os anseios destes, não suprindo
suas carências ou, ainda, suprindo, mas trazendo efeitos não perfectibilizados
como almejado por estes. O aparecimento de violações aos direitos dos usuários do
serviço deste profissional liberal pode ocorrer por meio de diversas condutas como,
por exemplo, falta de ética e atuações imprudentes, negligentes e, até mesmo,
desprovidas de conhecimento técnico e habilitação para o adequado desempenho.
Desse contexto, surgem as lides que o Poder Judiciário se incumbe de
resolver quando, sendo imperioso salientar que também há procura da resolução
desses litígios em seara extrajudicial e, felizmente, apesar de diminutas, são, sim,
feitas composições sem a necessidade do litígio propriamente dito.
Desta feita, torna-se basilar compreender algumas definições como por
exemplo, o que vem a ser responsabilidade civil, o conceito de serviço prestado
no âmbito da relação psicológico x paciente. Além disso, é imperioso lembrar
que a discussão proposta, para além da responsabilização civil, enseja a análise
sobre a relação civil e consumerista entre um psicólogo e um particular, o que
pode ser definido como ato ilícito e culpabilidade, dentre outras. Ao tomar ideia
das definições acima, passe-se a esmiuçar as consequências legais que elas podem
infundir.
Nesse sentido, examinar como o instituto jurídico da responsabilidade
civil se insere e é aplicado no vínculo jurídico existente entre o profissional e seu
paciente é o objetivo central do trabalho. Para que isso ocorra, é primordial deixar
cristalino quais os fundamentos que a constituem, bem como a sua natureza
jurídica. Não se deve esquecer da necessidade de focar no arcabouço legal que deu
autonomia à profissão e as maneiras de responsabilização.
Sendo assim, o aludido estudo será construído a partir de uma pesquisa
hipotético-dedutiva, de natureza aplicada (voltada para a prática), realizada com
uma abordagem qualitativa (análise dos institutos e da legislação) e um propósito
descritivo (sobre as formas de responsabilização), com o objetivo de projetar uma
avaliação formativa sobre as possibilidades de responsabilização civil dos psicólogos.

125
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Nesse cerne, é necessário buscar, entender e aplicar os dispositivos legais


que tutelam os indivíduos (pacientes) que se encontram com seus direitos violados
pela atuação profissional de psicólogos que infringem seus atributos legais. É
fundamental a invocação da responsabilidade civil para que sejam preservados os
direitos que sofreram ou sofrem violações cotidianas em consultórios psicológicos.
Este instituto legal ainda é permeado de dissenso no universo jurídico brasileiro
dada as possibilidades de interpretações a que é exposto.

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA EFETIVADA NA PRESTAÇÃO


DE SERVIÇO PELO PROFISSIONAL DA PSICOLOGIA E FUNDAMENTO
DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É inerente ao ser humano a vida em sociedade. Dentro do convívio social


estão as relações profissionais, as quais devem ser pautadas dentro dos ditames legais.
Ao restringir o elo jurídico que surge entre o psicólogo e o indivíduo, torna-se mais
fácil investigar como se dá a responsabilização do dano praticado pelo referido
profissional nas relações jurídicas em que este viola direitos de seus pacientes.
O enfoque dado a este tipo de vínculo jurídico se revela primordial para
a tutela dos direitos dos tomadores do serviço psicológico. Pode-se, desse modo,
individualizar algumas condutas que acabam por atingir direitos pelos psicólogos
durante o desenvolvimento de seu mister.
Para tanto, vislumbra-se que ao examinar o vínculo jurídico formado
entre o psicólogo e o indivíduo tomador do seu serviço, é possível aprofundar a
construção da responsabilidade civil deste profissional liberal tanto na perspectiva
civilista como, também na consumerista. Isso porque, tanto se estaria diante de atores
em situação igualdade (relação civilista) quanto em situação de vulnerabilidade
(consumerista).

2.1 RESPONSABILIZAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ESFERA CIVIL

O surgimento de conflitos entre profissionais liberais e seus clientes/


pacientes é algo comum, tendo em vista que em diversas situações se nota a
falta de clareza e objetivos para com o tratamento do cliente; comportamento
preconceituoso e discriminatório; falta de ética; indução a determinadas convicções
por parte do profissional, ou seja, atitudes que podem violar atributos pessoais dos
pacientes.

126
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Diante desse cenário entre os atores mencionados, faz-se necessário tecer


algumas considerações sobre a influência do Direito Civil na relação constituída por
ambos, uma vez que (justificar que se trata de seara jurídica que trata de relações
privadas, sendo, pois, adequada para o estudo em comento).
A importância do Direito Civil no ordenamento jurídico brasileiro é
notável, principalmente ao levar em conta a sua atuação singular no que tange
a manutenção das pretensões essenciais das pessoas, conduzindo a existência dos
indivíduos desde o momento da concepção até depois de sua morte. Salienta-se,
nesse sentido, que durante o intervalo entre esses dois extremos, qual seja, concepção
e morte, este ramo do direito se imbui do dever de regular inúmeras liames jurídicos
que se dividem da senda familiar, passando pelas relações patrimoniais formadas por
pessoas enquanto seres munidos da razão, da personalidade humana. Constatado
este fato, é cabível a tutela civilista1.
Ao vislumbrar o elo jurídico criado entre um profissional da psicologia
e seu paciente, observa-se a atuação do Jus Civile em decorrência trato social
de surgido entre particulares, todos com direitos e encargos jurídicos a serem
observados e reconhecidos. Em outras palavras, cabe mencionar que na reportada
relação juridicamente constituída, existe um conjunto de normas que incidem de
modo individualizado, bem como nestas se localizam princípios da personalidade
que objetivam evidenciar a relevância dos indivíduos enquanto ser social guarnecido
de atributos personalíssimos2.
Sobreleva-se, ainda, que o Direito Civil manifesta quatro macrotemas,
quais sejam: propriedade, obrigações, família e sucessões3. A relação jurídica
formadas pelo psicólogo e o particular tomador do serviço se molda no macrotema
das obrigações em virtude da verificação do elo jurídico efêmero, constituído entre
um credor e um devedor, de modo que o objeto do laço jurídico firmado deve
apoiar-se em uma contribuição detectada na senda dos direitos pessoais, positiva
ou negativa. Em uma possível observância da inadimplência da obrigação criada,
competirá ao sujeito ativo satisfazer-se no patrimônio do sujeito passivo4.

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 17. ed. São Paulo, Atlas. 2017.
3 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
4 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. volume único.

127
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

É relevante apontar outra ideia congruente ao estudo, qual seja, a que


alude à responsabilidade civil no contexto civilista. Essa perspectiva tem por foco
reconhecer como se dá a responsabilização civil do profissional psicólogo quando este
provoca algum dano a outrem. Em verdade, como o arcabouço jurídico brasileiro
prescreve as possíveis reparações. Todavia, torna-se, inicialmente, compreender os
pontos basilares em que se funda a responsabilidade civil.
Deve-se, a priori, partir do entendimento do que vem a ser dever jurídico
em razão da responsabilidade civil estar fundamentada nesta expressão. Por esta
razão., compreende-se por dever jurídico a de obrigação, encargo, contraprestação
em seu sentido etimológico que filiado ao sentido jurídico denota a noção desvio
de conduta5. Combinado a esta premissa, tem-se que o dever jurídico se divide em
duas perspectivas: dever jurídico originário, onde se retrata um direito absoluto;
e o dever jurídico sucessivo, surgido da violação do primeiro. Nota-se, portanto,
que transgredido um direito, acarreta-se a obrigação de permitir as consequências
jurídicas que pode ser a reparação do próprio dano, como também a punição do
agente causador do prejuízo em consonância com as pretensões que foram lesadas6.
Não se pode esquecer da importância do entendimento que se reveste
o instituto jurídico do ato ilícito. É assinalado como a conduta praticada em
desacordo com o que preceitua ordenamento jurídico ou ao arrepio dele lesando
um mandamento ou proibição legal7.
Inexiste no Código Civil de 2002 uma definição do venha a ser
considerado ato ilícito, contudo o artigo 186 o código declara que: “Aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e no artigo
187 cita que: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes”, isto é, mostra importantes elementos demarcam
ideias que favorece a construção de uma definição trazida principalmente pela
doutrina.
Quando se infringe um dever jurídico originário estar-se-á praticando
um ato ilícito, em decorrência disso surge a obrigação de indenizar. Dessa maneira,

5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
6 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: respon-
sabilidade civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

128
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

via de regra, a responsabilidade civil se origina a partir da consumação de um ato


ilícito. Porém, nenhuma indenização será devida nas situações de ausência de
prejuízo8. O ato ilícito é pressuposto da obrigação de indenizar, isto é, para que
exista o dever jurídico sucessório de reparação do dano é obrigatório que subsista a
constituição do ato ilícito.
Dessa forma, a responsabilização do psicólogo em face das violações
de atributos personalíssimos de seus pacientes como, por exemplo, desrespeito à
honra, ao nome, ou ao corpo poderá se compor em perdas e danos caso se constate
ato ilícito, o nexo causal e o dano ao indivíduo.

2.2 RESPONSABILIZAÇÃO DO PROFISSIONAL PSICÓLOGO NA


ESFERA CONSUMERISTA

Sabe-se que diante um aparato legal bastante constitucionalizado, não se


verifica uma exclusão de normas entre si, mas uma complementação para melhor
aplicação do Direito a cada caso concreto. Sendo assim, ao apontar o objeto
do presente estudo para o âmbito consumerista, enxerga-se outro viés jurídico
digno de análise. Isto posto, para a caracterização de uma relação de consumo é
imprescindível investigar a presença de um produto ou serviço (requisito objetivo);
a atuação de um fornecedor e consumidor (requisito subjetivo); como, também,
a compra ou utilização do produto ou serviço no atributo de destinatário final
(requisito finalístico). No Código de Defesa do Consumidor (CDC), instaurado
pela Lei nº 8.078/1990 inexiste definição explícita do que seja relação jurídica
de consumo. O legislador simplificadamente definiu os elementos do mencionado
liame. Os conceitos devem sempre estarem associados, jamais analisados de modo
isolado. Deve haver, pois, dependência entre eles para que se relacionem e se
estabeleçam9.
É oportuno mencionar que também não há definição legal sobre o
importante conceito de destinatário final pela Lei nº 8.078/90, sendo importante
realçar que existe expressiva divergência teórica no que tange a definição do citado
termo e que se trata de expressão fundamental para conceituação de consumidor.
Nesse pórtico, convém destacar a existência de posicionamento que direciona
destinatário final para o consumidor que adquire produto ou serviço como

8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2016. v. 1.
9 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

129
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

destinatário final fático, pouco importando a característica econômica (Teoria


Maximalista); em contrapartida, também, existe entendimento na direção de
indicar o consumidor como sendo aquele que adquire produto ou serviço como
fático e econômico (Teoria Finalista).
Ressalta-se, diante do exposto, que o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) consolidou um terceiro entendimento, assim dizendo, a finalista mitigada
ou atenuada que objetiva alcançar no modelo consumeristas até mesmo pessoas
jurídicas que, em face dos fornecedores, exponham algum tipo de vulnerabilidade,
seja técnica, econômica ou jurídica10. A bem da verdade, o STJ apenas confirmou
o entendimento que é consumidor aquela pessoa física ou jurídica que adquire o
produto como destinatário final, ou seja, usa o produto ou serviço para seu fim,
uso próprio, sem que sirva de meio para usá-lo em processo produtivo de outras
mercadorias.
O consumidor é destinatário final fático e econômico quando obtêm
produto ou serviço e não o usa profissionalmente, ao passo que quando se trata da
condição de destinatário final fático e não econômico, situar-se-á àquele consumidor
que utiliza o produto ou serviço para fins profissionais. A título exemplificativo, ao
levar em consideração uma fábrica têxtil que ao adquirir algodão (matéria-prima)
para expandir sua produção não coloca fim a cadeia de consumo, exerce a qualidade
de destinatário final somente fático. Entretanto, ocorrendo a compra de um veículo
para transporte de seus funcionários, favorece-se do atributo de destinatário final
fático e econômico, colocando termo ao elo de consumo11.
No que atine a prestação de serviços realizados por psicólogo, nota-se que
ele pode fazer parte da relação de consumo em consequência de ser prestador de
serviço profissional que, ao disponibilizar seus serviços no mercado de consumo,
sujeita a aceitação dele por qualquer consumidor. Desse modo, verificado o
surgimento do consumidor (qualquer indivíduo) e fornecedor (psicólogo); da
prestação de serviço profissional; e da utilização do serviço como destinatário final,
configurada está a formação do elo consumerista.
No campo consumerista é relevante captar a responsabilidade do
psicólogo sob o viés do artigo 14, §4° do Código de Defesa do Consumidor que
afirma: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante

10 STJ. REsp nº 1.195.642/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 13 de nov. de 2012.
11 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado: artigo por artigo.
13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

130
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

a verificação de culpa”. Inicialmente, ressalta-se que o profissional liberal é aquele


que, via de regra, qualifica-se como autônomo em virtude de realizar sua atividade
por liberdade de escolha do cliente. Constata-se um vínculo criado com um
profissional de modo intuito personae. Inexiste subordinação a qualquer cliente ou
paciente, pois é o psicólogo, que direciona o modo como os seus serviços serão
prestados. De forma distinta acontece nas situações fáticas em que se observa
relação de emprego onde o empregado não possui autonomia para a realização de
seus préstimos como deseja devendo seguir determinações do empregador12.
Para a formação da cognição a respeito da responsabilização do psicólogo
no campo consumerista, é indispensável alicerçar-se sobre a obrigação revelada por
este profissional frente ao paciente. Particularmente na do delineamento a despeito
do tipo de obrigação assumida, se de meio ou de resultado. Para isso, torna-se
obrigatório assinalar que na obrigação de resultado o devedor se aproxima de um
resultado definido que caso não o atinja responderá pela inobservância. Todavia,
na obrigação de meio o devedor desfrutará de todos os esforços possíveis para
conseguir atingir o resultado almejado, neste caso não há liame com o resultado,
porém a obrigação de usar os meios para atingi-lo13.
No que tange a obrigação de meio, a responsabilização se dá por meio
da constatação de culpa, via de regra, conforme prevê o artigo 14, § 4º, do CDC:
“[...] A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa”. Isto visto que a relação criada entre o psicólogo e seu paciente
é intuitu persona respaldada na confiança que o profissional passa a seu paciente.
Diante disso, caberá ao paciente demonstrar a culpa do profissional em comento no
que tange a prestação do serviço. Contudo, existem situações em que não obstante
o expert seja profissional liberal, o consumidor pesquisa uma empresa a qual ele
presta serviço onde, neste caso, restará distanciada a responsabilidade subjetiva em
virtude de a relação surgida ser entre consumidor e empresa, não mais em caráter
pessoal do profissional.
Outra exceção a responsabilidade subjetiva se nota quando a prestação
do serviço realizado pelo profissional liberal for de resultado, como ocorrem com
médicos cirurgiões plásticos, onde incidirá a responsabilidade objetiva. No que
corresponde a atuação profissional do psicólogo, tem-se se tratar de responsabilidade

12 Delgado, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.
13 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. ed.
Salvador: JusPodivm, 2017.

131
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

meio, assim deve ser investigada a existência da culpa nas situações de desrespeitos
dos atos profissionais que violem direitos do consumidor14.
Impende salientar que cabe ao paciente, geralmente, comprovar a culpa
do psicólogo, isto é, provocar, administrativamente ou judicialmente, a fim de
averiguar se ele agiu com negligência, imprudência e imperícia (culpa). Entretanto,
o indivíduo, por vezes, não possui o discernimento para angariar provas que
permitam subsidiar seu pedido indenizatório frente ao profissional da psicologia.
Daí surge um dos institutos jurídicos de mais importância na esfera jurídica
consumerista, qual seja, a inversão do ônus da prova na busca da comprovação da
responsabilidade subjetiva.
Anotado no artigo 6º, VIII, do CDC, o ônus da prova e sua inversão
é relevante mecanismo jurídico para favorecer a defesa de direitos em âmbito
judicial. No contexto que envolve a verificação de culpa na prestação de serviços
do psicólogo é possível a inversão do probatório para que o fornecedor fique
incumbido de provar que agiu dentro dos padrões profissionais esperados e usou
de todos os meios instrumentais, intelectuais e esforços possíveis para que o evento
danoso não ocorresse. Nota-se que não há a alteração da responsabilidade subjetiva
pela responsabilidade objetiva, mas a inversão do ônus da prova para o fornecedor
(inversão ope legis), justamente o que prevê o artigo 14, do CDC, ao passo que não
se operou por determinação do julgador (inversão ope judicis)15.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL


DA PSICOLOGIA E FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

Passadas as considerações sobre as formas de regulamentação e


responsabilização das relações estabelecidas entre o expert e o particular que lhe
contrata serviços, é salutar entender como se originou a profissão de psicólogo nas
terras tupiniquins; como se desenvolveu sua consolidação; bem como pesquisar
quais instrumentos normativos serviram para regular o ofício. Não se pode olvidar
da importância do surgimento do Conselho Federal de Psicologia e sua importante
atuação na busca de dar autonomia à ciência, conforme será visto a seguir.
A construção da profissão do psicólogo se revela primordial tendo em
vista o seu delineamento como ciência humana. Posto isto, este conjunto de saberes

14 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado: artigo por artigo. 13.
ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
15 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

132
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

que se desenvolve dentro do campo das relações humanas capazes de, diante toda
a complexidade que as envolve, conceber os limites legais e éticos da sua atuação.

3.1 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL


DA PSICOLOGIA

No que tange à regulamentação específica da profissão do psicólogo


no Brasil, é de suma importância a análise da Lei nº 4.119, de 27 de agosto de
1962. Esta foi a primeira lei voltada para estabelecer algumas funções privativas
do psicólogo, bem como regular um currículo mínimo para os cursos de formação
dessa profissão. Todavia, outros dispositivos legais foram criados para sistematizar a
profissão, porém com menos força do que a lei em comento.
Vale, nesse ponto, destacar que a profissionalização do psicólogo passa
por diferentes momentos em que existe um período de pré-profissionalização,
ocorrido durante o século XIX, isto é, um período de pré-história da psicologia no
Brasil que compreende os anos de 1830 a 1900. Neste dado momento histórico
não se vislumbra a referida profissão em virtude da ausência da constituição de
saberes psicológicos. Apesar da existência de pessoas interessadas na área, o que se
nota é um campo laboral carecente. As pioneiras contribuições que culminaram
com alguns estudos da Psicologia no Brasil são disponibilizadas por médicos através
de suas teses de doutoramento na Faculdade de Medicina16.
Em outro momento mais importante e interessante para o presente
estudo, verifica-se a legitimação da profissão de psicólogo com o advento da Lei nº
4.119/62 e outros dispositivos legais. Para que o fortalecimento e consolidação da
profissão ocorresse, outras áreas como a Educação e a Medicina foram primordiais
neste contexto. Isto porque, no que atine ao campo da educação, a temática voltada
para a Psicologia foi institucionalizada nos currículos das escolas normais, tornando-
se um marco para a concretização da profissão no Brasil. Nada obstante, a atuação
conjunta com a Medicina também fez com que a profissão de psicólogo se tornasse
cada vez mais consolidada e independente, embora nessa atuação conjunta, o
psicólogo acaba se sujeitando ao médico, complementando sua atuação17.

16 SOARES, Antonio Rodrigues. A Psicologia no Brasil. Psicol. cienc. prof. [online]. 2010, v. 30, n.
spe, p. 8-41.
17 PEREIRA NETO, André. PEREIRA, Fernanda Martins. O psicólogo no Brasil: notas sobre seu pro-
cesso de profissionalização. Maringá, v. 8, n. 2, p. 19-27, 2003.

133
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Em verdade, só se notava a Psicologia como sendo matéria decorrente da


ação da Associação Brasileira dos Psicólogos, que estava situada no Rio de Janeiro.
Este grupo foi o responsável pela criação de um anteprojeto de lei que visava “a
regulamentação da profissão de psicologista, como na época era denominada a
profissão”18.A profissionalização propriamente dita se desenvolve a partir da quebra
do vínculo com estas duas outras ciências mencionadas. Isto se dá em um contexto
no qual a psicologia se transforma em disciplina obrigatória no currículo de vários
cursos contagiando a ascendente aprovação dessa ciência.
Observa-se que no ano de 1946, com a Portaria nº 272, que alude ao
Decreto-Lei 9092, oficializou-se a formação profissional do psicólogo. Destaca-
se também que durante os anos 50, notou-se que as principais urbes do Brasil
já possuíam o Curso de Graduação em Psicologia. Neste sentido, cursos de Pós-
graduação stricto sensu, mestrado e doutorado, também foram legalizados em 1966
e 1974, respectivamente. Deste modo, o mister acaba estreitando sua natureza para
cada vez mais se tornar uma profissão, qualificado pelo conhecimento especializado
ganho por esses trabalhadores, fazendo com que se diferencie dos leigos. Assim,
com a formação profissional garantida, o psicólogo se debruça sobre outros campos
de atuação.
A regulamentação da profissão de psicólogo foi uma enorme vitória
direcionada aos profissionais desta ciência visto que consentiu na atuação em
diversas áreas constantes no mercado de trabalho tais como a escola, a saúde, as
empresas, a pesquisa, a esfera jurídica etc. Como não bastasse, foi possível verificar
que interviu no embate com outras profissões. Desse modo, existiu a carência
de coordenar-se por meio de mecanismos formais, como a criação de conselhos
e a elaboração de um Código de Ética. No ano de 1971, a Lei nº 5.766 cria os
Conselhos Federal e Regionais de Psicologia. A feição surgida serviu para orientar a
prática do psicólogo, balizar seus atos e garantir o exercício da sua profissão19.
Após breve relato do contexto histórico que versou sobre a regulamentação
da profissão do psicólogo, é importante trazer à baila as formas de responsabilização
civil deste profissional.

18 CHAVES. Antônio Marcos. 30 anos de uso. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 12, n. 2,
p. 4-9, 1992. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1414-98931992000200002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 22 out. 2019.
19 GOULARTE, Raquel da Silva. Os gêneros de texto na regulamentação das profissões. Linguagens
& Cidadania, v. 13, jan./dez., 2011.

134
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

3.2 FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO PROFISSIONAL DA


PSICOLOGIA

De maneira análoga ao que ocorre em toda profissão, a elaboração de


um Código de Ética serve como um balizador para delinear as responsabilidades
e deveres dos mais diversos profissionais da atualidade e com o psicólogo não é
diferente. Assim, o Código de Ética do Psicólogo oferece orientações para a
formação e delimita os julgamentos dos seus atos, ajudando para o fortalecimento
e expansão do sentido social da profissão20.
O artigo 1º do Código de Ética do Psicólogo traz alguns deveres inerentes
a esta categoria profissional, dentre os quais pode-se citar a título de exemplo: prestar
serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas
à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas
reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação
profissional; Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos
do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia; orientar a quem de direito sobre
os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos,
e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do
trabalho; Zelar para que a comercialização, aquisição, doação, empréstimo, guarda
e forma de divulgação do material privativo do psicólogo sejam feitas conforme os
princípios deste Código21; dentre outros deveres.
Não se deve olvidar que há práticas que são vedadas aos psicólogos
aduzidas em seu artigo 2º, do Código de Ética do Psicólogo, pois caso realizem
acabam por infringir regras, normas e lesar direitos fundamentais de pacientes.
Dentre elas é possível citar: Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que
caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou
opressão; Utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização de práticas
psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência;
Prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços de atendimento
psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou
reconhecidos pela profissão; Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas
quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a

20 CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 6ª REGIÃO. Código de Ética Profissional do Psi-


cólogo. Disponível em: http://www.crpsp.org.br/portal/orientacao/codigo/fr_codigo_etica_new.aspx.
Acesso em: 11 out. 2019.
21 CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO. Conselho Federal de Psicologia.
Brasília, agosto de 2005.

135
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação;


Desviar para serviço particular ou de outra instituição, visando benefício próprio,
pessoas ou organizações atendidas por instituição com a qual mantenha qualquer
tipo de vínculo profissional22; etc.
A título exemplificativo, pode-se fazer relações destas condutas
disposições do Direito Civil ao vislumbrar que algum acordo estabelecido na
prestação de serviço está violando direito a imagem do usuário ao ter o conteúdo
das conversas acessíveis a estranhos ao atendimento por ocasião de conversas alheias
entre o psicólogo e terceiros. Verifica-se uma grave lesão a direito personalíssimo
de imagem, pois o beneficiário do tratamento pode estar expondo diversos pontos
de sua vida pessoal, seja familiar ou sexual, por exemplo, a um profissional que não
possui o cuidado de manter em sigilo o que é conversado.
De outro modo, se em determinado tratamento o paciente verificar que
está sendo oprimido estar-se-á perante uma relação consumerista com falha na
prestação do serviço. A humilhação imposta ao consumidor sinaliza imprudência
por parte do psicólogo que poderá responder por atos que são vedados tanto no
CDC, quanto no próprio Código de Ética do Profissional Psicólogo.
Portanto, em finalização a esse ponto, convém destacar que as relações
estabelecidas anteriormente demonstram atos que os psicólogos estão sujeitos a
observar e que caso descumpram cabem-lhe responsabilização que, conforme já
visto, poderá ocorrer na senda civilista e consumerista.

4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA QUE ABORDA A


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PSICÓLOGOS

É de suma importância entender como as decisões dos Tribunais, ao


interpretar a legislação pertinente e cabível estão sendo proferidas, principalmente
no que tange à responsabilização civil do psicólogo diante de condutas ilícitas em
face dos consumidores/pacientes.
Em sede exemplificativa, em meados de abril de 2014 a 9ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu Acórdão em processo que
versava sobre guarda entre um casal que teve relacionamento conturbado e que,
deste relacionamento, sobreveio uma filha que estava sendo objeto de guarda.

22 CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO. Conselho Federal de Psicologia.


Brasília, agosto de 2005.

136
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Foi pedido, durante o trâmite processual, pelo Ministério Público, que houvesse
a elaboração de laudos periciais tanto do pai, como da mãe e da criança, para
melhor delinear os perfis de cada ator processual. Foi designada psicóloga para o
ato. Todavia, no tocante ao laudo elaborado em face do pai da criança, verificou-se
total distorção sobre seu perfil, caracterizado como agressivo e perigoso sem que ao
menos tivesse sido entrevistado pela profissional designada.
Ocorre que, processos os quais envolvem Direito de Família e,
principalmente, crianças, devem ser analisados de modo minucioso e adequado à
realidade para que não se tome decisão precipitada e injusta que acarrete prejuízos à
dignidade humana dos envolvidos. Desse modo, a psicóloga ao agir desta maneira,
infringiu seu dever de zelo processual agindo culposamente no caso em tela, pois agiu
negligentemente ao construir laudo pericial com ausência de métodos profissionais
que prejudicou o genitor que reconhecidamente foi delineado de maneira errônea
no documento redigido pela profissional, conforme relatou conselheiras tutelares
e testemunhas processuais. Quem não possuía as melhores condições para adquirir
a guarda da filha era a genitora, como ficou comprovado nos autos, pois a guarda
ficou com o pai da criança.
Do contexto acima, o pai da criança, em momento posterior, denunciou
a psicóloga administrativamente, bem como ingressou com ação judicial
reivindicando condenação da profissional a danos morais. Salienta-se que obteve
êxito, a 9ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a
expert ao pagamento de R$ 8.000,00 reais, dando provimento ao apelo em razão da
negligência da psicóloga23.
Em outra decisão, em sede de Agravo Regimental na Apelação e datado
em novembro de 2014, uma psicóloga retratou o perfil de uma pessoa em processo
judicial sob sigilo. Ocorre que a psicóloga teve acesso aos documentos do processo,
mesmo estando sob sigilo. Entretanto não há de se levantar ilegalidade da conduta
da psicóloga visto que dentro das atribuições profissionais ao se ater somente a
elaboração do laudo psicológico da parte do processo, nada mais intervindo.
Ocorre que a parte que teve seu perfil traçado diante a análise das provas juntadas
ao processo se insurgiu alegando cerceamento de defesa. Neste sentido, foi-lhe
negado o acolhimento deste pedido, em razão da inércia tanto da parte quanto do
causídico dela.

23 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº: 70058882200. Relato(a):
Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira. Rio Grande do Sul. Data do julgamento: 09/04/2014. Diário
da Justiça do dia 11/04/2014.

137
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

É importante destacar que neste segundo caso não há ato ilícito praticado
pela profissional liberal. Ela agiu de acordo com as atribuições profissionais que lhe
são inerentes, sem que tenha trazido prejuízo a parte insurgente. Ademais, o fato
de o processo estar qualificado como sigiloso não dá azo a qualquer indagação de
nulidade processual. Isto porque, o ato praticado pela psicóloga se restringiu a sua
atribuição profissional. Portanto, agiu dentro da legalidade24.
Em suma, verifica-se nos casos trazidos acima o modo como deve ser
analisada a conduta do profissional liberal, em especial a do psicólogo, mais
especificamente à maneira como atua e trata o processo de modo que averiguada
excessos, ausências ou equívocos na construção de laudos, este profissional venha
a ser responsabilizado diante o prejuízo provocado e, caso se note a ausência dos
pressupostos de responsabilidade civil, seja afastado o dever de indenizar.

5 CONCLUSÃO

O cenário que cerca a responsabilidade civil de um profissional liberal


como é o psicólogo, via de regra, ainda é cercado de bastante discussão em
virtude das mais variadas formas de análises. O trabalho apresentado se baseou
especificamente em duas perspectivas, quais sejam, a civilista e a consumerista.
A primeira principalmente por tratar das relações jurídicas entre particulares que
possuem direitos invioláveis por suas características personalíssimas e a segunda
diante situações específicas que há entre pessoas dotadas de direitos, mas que de
modo mais intrínseco os concentram numa relação jurídica de consumo durante a
oferta de prestação de serviços e suas implicações frente ao consumidor.
Ainda na senda civilista, ao entender conceitos como dever jurídico e
ato ilícito se tornou primordial para o bom entendimento acerca da temática. Na
relação jurídica constituída entre pessoas dotadas de direitos e deveres é sabido que
é de observância obrigatória a ponderação sobre até que ponto meus atos podem
acarretar danos a outrem. O dever jurídico cabe como o encargo e a obrigação de
reparar lesões a direitos de particulares com quem convivemos nas mais diversas
formas. Ao agir assim, percebe-se que o surgimento de um ato ilícito é capaz de
configurar a responsabilização de um ato provocado por um profissional psicólogo,
conforme visto neste estudo.

24 BRASIL. Tribunal de Justiça de Goiás. Apelação Cível nº 201091518530. Relator Gilberto Mar-
ques Filho. Goiás. Data do julgamento: 13/11/2014.

138
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

No entanto, aplicando os conceitos acima quando diante um


oferecimento de prestação de serviços por um expert a um consumidor, num elo
jurídico de consumo, faz a delineação do entendimento modificar um pouco.
Isto porque, neste tipo de liame a incidência de outros institutos jurídicos que
auxiliam na aplicação da responsabilidade civil como, por exemplo, a inversão do
ônus da prova. Essencialmente, a comprovação desta responsabilidade cabe ao
consumidor lesado, pois resta comprovar a negligência, imprudência ou imperícia
por parte do especialista. Tornando-se insuportável o meio de provar, é possível
que o profissional em comento tenha de demonstrar ter agido dentro dos padrões e
esforços requeridos na prática profissional, havendo a referida inversão.
Ponto singular na construção deste estudo se revelou no adensamento
do conteúdo sobre como se desenvolveu a consolidação da profissão de psicólogo
no Brasil; os dispositivos legais que subsidiaram o enraizamento da profissão no
seio social pátrio como por exemplo a Lei nº 4.119/1962; o caráter complementar
em face de outras ciências como a Medicina e a Pedagogia; bem como a relevância
do surgimento de autarquias como os Conselhos que representam a classe até os
dias atuais. Vê-se que a Psicologia possui significativos fatos que fundamentam sua
existência e dar azo a auxiliar seus profissionais que nela laboram.
A análise jurisprudencial serve de importante mecanismo para se saber
qual o entendimento que os tribunais superiores se valem para responsabilizar os
profissionais psicólogos. Entretanto, verifica-se que ainda há ínfimo arcabouço
jurisprudencial que sirva de parâmetros para aplicação de responsabilização civil,
valendo-se ainda de comparações com outras profissões como dos médicos e
advogados, por exemplo.
Em sede conclusiva, o presente estudo se constituiu num importante
instrumento de conscientização e de verificação de fatores para responsabilização dos
profissionais formados na ciência da Psicologia. Embora haja poucos estudos sobre
o tema, é importante ressaltar que a doutrina se torna fonte ímpar para a construção
de um entendimento que possa subsidiar advogados para fundamentarem suas
peças no afã de indenizarem seus clientes quando diante de violações a direitos.

139
REFERÊNCIAS

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.195.642/RJ. Rel. Min. Nancy


Andrighi. Data de Julgamento: 13 de nov. de 2012.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Goiás. Apelação Cível nº: 201091518530. Relator


Gilberto Marques Filho. Goiás. Data do julgamento: 13/11/2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº:


70058882200. Relato(a): Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira. Rio Grande do
Sul. Data do julgamento: 09/04/2014. Diário da Justiça do dia 11/04/2014.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 13. ed. São


Paulo: Atlas, 2019.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO. Conselho Federal


de Psicologia. Brasília, agosto de 2005.

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 6ª REGIÃO. Código de


Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em: http://www.crpsp.org.br/portal/
orientacao/codigo/fr_codigo_etica_new.aspx. Acesso em: 11 out. 2019.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo:
LTr, 2017.

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:


obrigações. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: responsabilidade civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado:


artigo por artigo. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 15. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017.

140
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 14. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016. v. 1.

GOULARTE, Raquel da Silva. Os gêneros de texto na regulamentação das


profissões. Linguagens & Cidadania, v. 13, jan./dez., 2011.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.

PEREIRA NETO, André. PEREIRA, Fernanda Martins. O psicólogo no Brasil:


notas sobre seu processo de profissionalização. Maringá, v. 8, n. 2, p. 19-27,
2003.

SOARES, Antônio Rodrigues. A psicologia no Brasil. Psicol. cienc. prof. [online].


2010, v. 30, n. spe, p.8-41.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
volume único.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 17. ed. São Paulo, Atlas.
2017.

CHAVES. Antônio Marcos. 30 anos de uso. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 12,
n. 2, p. 4-9, 1992. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1414-98931992000200002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 22
out. 2019.

141
07 Enfermeiro

Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira


Mércia Fabíola Alves de Faria

1 INTRODUÇÃO

Às pessoas que exercem a enfermagem profissionalmente, cabe um papel


de destaque na assistência multiprofissional à saúde. A atuação do profissional
da enfermagem assume importância no quadro de assistência, prevenção,
proteção e reparação da saúde humana. Historicamente, afirma-se, a enfermagem
fundamentou-se no denominado livre exercício laboral em todo o território
nacional. A necessária prática do cuidado, característica teleológica da profissão,
consolida-se a partir de 1860, período da Enfermagem moderna, por influência do
trabalho de Florence Nightingale1, que foi responsável pela fundação da primeira
escola profissionalizante em Londres.
Inicialmente, a escola apresentava bases científicas, artísticas e ideológicas.
No Brasil, as bases da Enfermagem chegam em 1923, através da atuação de Carlos
Chagas2, o qual, por sua vez, implantou as diretrizes da enfermagem nightingaleana
na Escola de Enfermagem Ana Nery, no Rio de Janeiro. Ademais, só após a década
de 1970 é que a prática da Enfermagem, no Estado brasileiro, consolidou as bases
jurídicas regulamentares para o exercício da profissão, e, posteriormente, do ensino
e aprendizagem. Dita regulamentação, materializou-se na Lei Federal 7.498 de 25
de junho de 1986, a qual estipulava os requisitos para o exercício da profissão
enfermeiro(a).

1 Florence Nightingale (1820-1910), cidadã britânica, considerada como a primeira enfermeira ao


tratar de doentes feridos na Guerra da Criméia.
2 Carlos Chagas (1879-1934) foi um grande biólogo, médico, sanitarista. Combateu, veemente-
mente, contra a malária no Brasil.

142
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

No mais, de acordo com o art. 2º, parágrafo único, da Lei 7.498/1986,


a profissão é composta, bem como, restritas as suas funções, privativamente, ao
enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e parteira, limitando
os graus de habilitação e qualificação. Ainda, em situação hodierna, de acordo com
a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem – COFEN – nº 564/2017, em
seu art. 1º, vê-se que o profissional enfermeiro possui liberdade, segurança técnica,
científica e ambiental; além de possuir autonomia, bem como, o direito de ser
tratado sem discriminação, respaldando-se nos princípios e os pressupostos legais,
éticos e dos direitos humanos.
Por conseguinte, há uma relação direta de proporcionalidade no que se
refere a sua importância, exposição, e, consequentemente, responsabilização civil
(devido ao mais elevado potencial danoso, dado que constantemente lida com a
vida humana em estágio iminente de perda e reparação). Percebe-se, portanto, que
a concepção de dano é entendida com a finalidade de se adequar a cada realidade
e vivências, satisfazendo as transformações sociais, evidenciando que o direito está
em constante dinamicidade e em mesmo sentido que a sociedade. Atualmente, a
noção de dano não é mais entendida como uma teoria da diferença, mas sim como
uma teoria do interesse, na qual se vislumbram os interesses supra individuais, tais
como àqueles relacionados ao direito do consumidor, ao meio ambiente e ao dano
moral coletivo3.
Ademais, o Código Civil de 2002 regulamentou as determinadas
responsabilidades civis acima mencionadas, nos artigos 186, 187 e 9274. E, ainda,
a Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, XXXII, trata dos objetivos do
Estado brasileiro, e, dentre eles, a defesa do consumidor realizada na forma de lei.
Registre-se, que em 1990 foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor, o
qual culminou em um olhar holístico para a responsabilidade civil, englobando
um novo sistema de proteção ao consumidor, efetivo e suficiente, ao estabelecer
a responsabilidade civil objetiva; contrastando com a responsabilidade civil
tradicional anteriormente em voga.

3 Teoria da Diferença (differenztheorie) baseia-se na diferença entre a situação patrimonial, mate-


rial anterior e aquela após a sua ocorrência, não englobando casos extrapatrimoniais; já a Teoria do
interesse baseia-se na lesão de interesses que são protegidos juridicamente, sendo materiais ou não, é,
assim, um interesse sobre um bem que lhe seja capaz de satisfazer uma necessidade.
4 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem”.

143
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O Código Deontológico5 da profissão de Enfermagem declara que os


deveres do profissional devem ser normas de conduta que orientam suas atividades,
para com seus pares profissionais, em relações horizontais; ou com seus clientes e
comunidade em si, em relações verticais no qual há um contrato estabelecido com
uma parte hipossuficiente diante de diretrizes técnicas e procedimentais de saúde
tangentes à profissão. O ordenamento jurídico brasileiro adotou, em entendimento
geral, a responsabilidade subjetiva – presumindo-se que o elemento culpa precisa
ser provado.6 Inserindo-se, também, a profissão da enfermagem nessa avaliação.
Investigar-se-á, desse modo, se o profissional responderá sempre por
intermédio da comprovação da culpa, principalmente, no que se refere aos casos
em que há o dever legal de informação. Este dever que, por sua vez, está previsto no
Código de Ética Profissional.7 Dessa maneira, a questão que se propõe responder
no presente estudo, é: Pode ser o profissional da enfermagem responsabilizado na
esfera civil, sob a perspectiva objetiva ou subjetiva?
Para responder tal questionamento, o presente texto se utilizará de um
método de abordagem com viés hipotético-dedutivo e, ainda, o método auxiliar
e histórico-comparativo. A natureza da investigação é a da pesquisa aplicada, por
ter aplicação prática. A abordagem do problema realiza-se de maneira qualitativa,
com objeto de pesquisa de análise exploratória. Por fim, o propósito é o de
avaliação formativa, tomando-se por técnicas de pesquisa as análises bibliográfica,
documental e jurisprudencial.
Na primeira seção, será abordada a teoria geral da responsabilidade civil,
bem como seus pressupostos. A segunda parte apresenta uma revisão histórica sobre
o dano, culminando com a conceituação da responsabilidade civil do profissional
liberal enfermeiro, retratando-se o código de ética profissional com alguns exemplos
de sua aplicação, tais como, o dever de informação. A terceira seção, por seu turno,
discute exemplos de jurisprudência relativa ao tema. Por fim, a quarta, e última,
seção apresentará a conclusão do estudo, indicando que o profissional enfermeiro

5 COFEN. Resolução COFEN nº. 564/2017: Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.
Disponível em: http: // http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_59145.html. Acesso
em: 2 mar. 2019.
6 PREST, Alzira Cristina. A responsabilidade Civil dos Profissionais de Enfermagem frente aos
erros na Terapêutica Medicamentosa. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, v. 59, n. 2,
p. 91-117, 2014.
7 CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN nº. 564/2017: Código de
Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://http://www.cofen.gov.br/resolucao-co-
fen-no-5642017_59145.html. Acesso em: 2 mar. 2019.

144
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

deve ser responsabilizado subjetivamente, sendo necessária a apuração de sua culpa


para tanto.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Os profissionais de Enfermagem são considerados como profissionais


liberais8. É sabido que os profissionais liberais podem ser compreendidos como
àqueles que atuarão com independência ou, ainda, de forma autônoma mediante
o seu conhecimento técnico-científico proveniente da graduação de nível superior
ou técnica.
Em um sentido geral, a responsabilidade pode ser atrelada a um
compromisso, obrigação ou dever de exercer determinada tarefa, de maneira
eficaz, que se foi convencionada. Não sendo satisfeita, haverá o surgimento de
um prejuízo, dano, e, assim, para que se tenha o dever efetivo, deve-se ressarcir
essa perda, infortúnio. Busca-se entender o que é a responsabilidade civil. Esta
que, de fato, está subordinada ao Direito Civil Constitucional e recebe seus efeitos
jurídicos, devendo-se aplicá-la, sendo ela uma lei infra legal, à luz da Constituição
Federal, respeitando a hierarquia das normas.
Para substanciar o entendimento, propõe-se debater a fundamentação
acerca da concepção de dano e, ainda, sob o prisma da teoria geral desse ramo
do Direito que busca direcionamento aos princípios basilares encontrados
na Constituição Federal; a sua natureza jurídica e a classificação dos atos
ilícitos, elencando-se as fontes do direito; e a imputabilidade e os elementos da
responsabilidade.

2.1 DANO

É importante realizar a análise histórica acerca da concepção sobre o dano


e como esse progrediu aos poucos ao longo do tempo, no intuito de contextualizar
e respaldar o significado que tal evolução trouxe ao se referir do ordenamento
jurídico. Primeiramente, o dano foi visto com relação a ideia de penalidade, de
forma cruel, como uma resposta ao ato ilícito – para determinada comunidade

8 OGUISSO T., Schmidt M. J. O enfermeiro e a responsabilidade legal no exercício profissional.


Revista Paulista de Enfermagem, Florianópolis, v. 42, n. 1, p. 37-38, 1985. Disponível em: https://
www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a19v63n3.pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.

145
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ou tribo vinculada ao indivíduo que cometeu aquele dano - ou seja, havia a


preocupação na retaliação e não ressarcimento.
Após isso, no Direito Romano, pode-se perceber o fim da responsabilidade
coletiva e o surgimento de uma certa individualidade da vítima, em que esta,
para ter reparação dos danos, deveria recorrer ao Estado (este que apresentava,
assim, diversos atos ilícitos em sanções como penas pecuniárias, indenizatórias).
Posteriormente, passa-se para um olhar de vingança individual, com a Lei de Talião,
em que propõe o pagamento do mal causado, com outro mal de mesma proporção,
conhecido por “olho por olho, dente por dente”.
Em sequência, surge a Lei de Aquilia em que traz o princípio mediante
a culpa pelos danos provocados. Sendo esse um grande marco para com a
responsabilidade civil, pois faz surgir a responsabilidade extracontratual fundada na
culpa. Com o fim da Idade Média, houve a separação entre os delitos penais e civis
e, após a Revolução Francesa, com o aprimoramento das influências romanas, nasce
o Código Civil Francês (1804) tratando-se, de fato, da responsabilidade subjetiva,
com a fixação de danos indenizáveis e, ainda, a distinção entre a responsabilidade
civil e penal. Consequentemente, o Código Civil Francês – Código de Napoleão –
influenciou vários países, inclusive o Brasil, prova disso é a semelhante elaboração
do Código Civil Brasileiro de 1916, abrangendo a noção de dano e de culpa, ou seja,
considerando a reparação do dano causado com a comprovação e demonstração de
culpa do agente e, notadamente, do resultado danoso de fato.
No mais, o sistema de culpa como um modelo subjetivo, até o final do
século XIX, deu-se satisfatoriamente.9 Entretanto, com o surgimento da Revolução
Industrial houve-se a necessidade de reequilíbrio social, pois as práticas trabalhistas
tomaram outras características, como os maiores números acidentes de trabalho e,
sendo assim, culminava na maior dificuldade da vítima para identificação de uma
“culpa” para origem daquele dano ocasionado. Nesse ponto de vista, percebe-se o
surgimento de outra diretriz da reponsabilidade civil: a objetiva, em que não há o
elemento culpa como um fator imprescindível.
Para definir a responsabilidade civil, entende-se, como sua principal
fonte o ato ilícito. Este, por sua vez, produzirá uma obrigação pecuniária, porque
gera uma indenização para reparar o dano; também, caracterizando-se como
patrimonial, pois é imposta e tem prazo, sendo prescritiva. Notarialmente, assim,

9 FACCHINI NETO, Eugênio. Funções da responsabilidade aquiliana no novo Código. Revista


Jurídica, Porto Alegre, n. 309, p. 23-32, 2003. Disponível em: https://www.lexml.gov.br/urn/urn:le-
x:br:rede.virtual.bibliotecas:revista:1953;000432005. Acesso em 12 fev. 2021

146
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

classificada como uma ação indenizatória – condenatória – e prescricional. O artigo


206, § 3º, V10, do Código Civil estabelece que, para que essa prescrição se efetive,
há três anos para busca da procuração de indenização e reparação do dano.
Diante da máxima do contrato social11, entende-se que o dever jurídico
é a conduta externa da pessoa, imposta pelo ordenamento jurídico como uma
condição para o convívio social. De fato, viver em sociedade requer o pertencimento
de “padrões sociais” em que se está inerente às regras de diversas formas, como as
regras de conduta social. A inviolabilidade de um dever jurídico é não prejudicar,
caso essa premissa não seja efetivada, acontecerá um dano a outrem – sendo, assim,
descoberto o ato ilícito.
O dano causado pode ser definido como a consequência do ato ilícito.
Este, por sua vez, quando posto, deve-se ser ressarcido na tentativa de voltar ao
status originário, quando se é possível. Então, viola-se o dever jurídico originário
(de não lesar alguém) e, nessa violação nasce o ilícito, ocorrendo um dano e,
consequentemente, torna-se necessária a reparação desse de forma indenizatória,
surgindo, assim, um dever sucessivo, secundário ou decorrente da violação do
primeiro. É onde surge a responsabilidade civil, esta, classificada como um dever
jurídico reparatório, sucessivo, advindo de um dever jurídico originário, primário
em que é violado.
O dever civil originário, por sua vez, caracteriza-se como uma obrigação
dos indivíduos. Já a responsabilidade civil, sendo um dever sucessório, deriva desse
e surge na tentativa de propor a volta desse estado primário, sendo a tentativa de
reparar e de deixar a vítima como estava antes do ato danoso. O dano moral, não
é possível a reparação objetivando a volta do seu estado anterior ao fato ilícito pois
trata-se de violação imaterial, tenta-se compensá-lo através da indenização material.

2.2 FUNDAMENTAÇÃO E TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE


CIVIL

Sabe-se que a Enfermagem já possuiu autonomia reduzida e atribuições


com subordinação quando estabelecidos como assalariados em condição de
servidor público ou empregador público. Por conseguinte, nesses casos, tinha-se

10 “Art. 206. Prescreve: § 3º Em três anos: V – a pretensão de reparação civil;” (BRASIL, 2002).
11 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução de Tiago Rodrigues da Gama. 1. ed. São
Paulo: Russel, 2006. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38727/o-
-contrato-social-de-jean-jacques-rousseau-e-a-filosofia-do-direito. Acesso em: 12 fev. 2021.

147
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

a responsabilidade à instituição que os mantinham12. Entretanto, em detrimento


das especialidades na profissão como, por exemplo, a enfermagem obstétrica que
vislumbra a autonomia por intermédio do atendimento domiciliar às gestantes,
parturientes e recém-nascidos. Consequentemente, era reconhecida e havia
tratamento individualmente da responsabilidade civil, seja ela subjetiva ou objetiva.
Consoante a isso, a assistência na área da saúde transforma-se,
progressivamente, nos aspectos tecnológicos, e, também, dos recursos humanos. Há
um tempo o enfermeiro possuía, a reflexo do médico, uma valorização secundária
paradigmática.13 Atualmente, há posicionamento emergente de acordo com o qual
há avaliação valorativa em semelhante nível universitário ao do médico, adquirindo
assim as mesmas características deste no aspecto da responsabilidade civil.
Diante disso, percebe-se, na conjuntura atual, que o corpo da enfermagem
possui reconhecida liberdade e autonomia funcional, acrescentando-se a formação
acadêmica ao necessário registro laboral. Por conseguinte, há uma constante
evolução no que tange o cuidado como prática substancial e precípua à profissão.
Além do mais, há necessidade, cada vez maior, de assistencialismo multiprofissional,
no qual proporciona maior eficácia para com a atuação em função do paciente14. As
atividades voltadas à saúde estão cada vez mais caracterizadas pela necessidade dessa
multidisciplinaridade, o que, de fato, obrigará que cada segmento seja abrangente
diante das conclusões para com o resultado e tratamento do paciente15.
Nesse sentido, de acordo com a Resolução do COFEN nº 564/2017,
a revisão do Código de Ética dos Profissionais da Enfermagem ressalta a referida
autonomia, bem como, os seus preceitos éticos e legais, técnico-científicos e teórico-
filosóficos.16 Assim, a responsabilidade civil de profissionais liberais é estabelecida

12 WINCK, Daniela Ries; BRUGGGEMANN, Odaléa Maria. Responsabilidade Legal do Enfermei-


ro em Obstetrícia. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 63, n.3, maio/jun., p. 464-469, 2010;
SOUZA, Néri Tadeu Câmara. Responsabilidade civil do enfermeiro. Direito e Liberdade: Escola de
Magistratura do RN, Mossoró, v. 2, n. 1, p. 337-350, jan./jul. 2006.
13 PANASCO, W. L. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1984. p. 21.
14 SCHMIDT, Maria José; OGUISS, Taka. O exercício da enfermagem sob o enfoque das normas
penais e éticas. In: SANTOS, Elaine Franco dos et al. Legislação em enfermagem: atos normativos do
exercício e do ensino de enfermagem. São Paulo: Atheneu, 1997. p. 76-77.
15 LIMA, Gilberto Baumann de. Implicações ético-legais no exercício da enfermagem. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1999. p. 102.
16 CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução nº 564, de 6 de novembro de 2017.
Aprova o novo Código de Ética dos profissionais de enfermagem. Art. 1º “Exercer a enfermagem com

148
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

por intermédio do Decreto-Lei de 9 de julho de 1940, que aprovou o quadro das


atividades e profissões e os registros profissionais, da mesma forma que dispôs sobre
o enquadramento sindical e a formação de sindicatos laborais.
Por outro lado, o conceito da responsabilidade civil é classificado como
um direito sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de
um dever jurídico originário17. Só possui responsabilidade civil quem infringiu
um direito civil primário, assim, a responsabilidade civil é um dever sucessivo de
indenizar a vítima. Percebe-se que a responsabilização requer um dever jurídico
pré-existente, outrossim, que toda conduta humana que viola um dever jurídico
primário e causa prejuízo a outrem é fonte geradora da responsabilidade civil.
No mais, propõe-se o entendimento dos princípios basilares e
fundamentais do Direito Civil Constitucional presentes na Constituição Federal.
O princípio da dignidade da pessoa humana, presente no art. 1º, III, é um
indispensável valor supremo no que se refere a todos os direitos inerentes a pessoa.
Já o princípio da solidariedade social, tem como objetivo promover o bem comum
com a não coexistência de qualquer tipificação de preconceito. E, por fim, o
princípio da isonomia, que pode ser formal, considerando uma igualdade absoluta
e abstrata; e material, tratando-se da equidade.
Dito isso, entende-se como o objetivo principal do direito é proteger o
lícito e reprimir o ilícito e, para tanto, estabelece-se deveres positivos e negativos.
O primeiro, consta-se como dar ou fazer alguma coisa, e o outro de não fazer ou
tolerar para que não faça. Por conseguinte, o dever geral define-se como o não
causar prejuízo a outrem. Em suma, tais deveres atingem todos, de uma forma
de direito absoluto; ou, ainda, a uma pessoa determinada inserida em um caso
concreto.
2.3 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL E UMA
ANÁLISE DA CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ILÍCITOS

As premissas básicas do direito civil são as de que não há responsabilização,


sem violação do dever jurídico preexistente. Isso se deve ao fato de que a
responsabilidade pressupõe o descumprimento de uma obrigação, ou ainda,
a verificação do responsável pela ação demanda a apuração de quem é obrigado

liberdade, segurança técnica, científica e ambiental, autonomia e ser tratado sem discriminação de
qualquer natureza, segundo princípios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos”.
17 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.
38.

149
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

pelo próprio dever jurídico originário. Isto é, quem descumpriu o dever jurídico
primário. Ademais, afirma-se, a fonte da responsabilidade civil são os atos ilícitos,
em contraste com as fontes de obrigação, que são os atos lícitos, excepcionalmente
têm-se responsabilização sem ato ilícito prévio.
Os atos ilícitos possuem dois sentidos, o stricto sensu e o lato sensu. O
primeiro, está presente no art. 18618 do Código Civil de 2002, de acordo com
o qual a culpa é requerida e representa a responsabilidade subjetiva, englobando
em si a negligência, imprudência e imperícia. Já o segundo, revela-se no art. 18719
e relaciona-se ao abuso de direito, sem que seja necessária a apuração de culpa,
independendo da existência dano. Caracteriza-o, assim, como responsabilidade
objetiva, vislumbrando os valores éticos, sociais que são consagrados no ordenamento
jurídico em defesa do bem comum, e que não se relacionam com a culpa.
A teoria do abuso de direito nasceu na França, no decorrer do século
XX, como uma construção da doutrina e jurisprudência. Inicialmente, objetivava
impedir a prática de direito legítimo de forma abusiva. Isto é, em prejuízo de outra
pessoa, violando a boa-fé e os bons costumes.
Positivado no Brasil no Código Civil Brasileiro de 2002, possuindo
consonância com a legislação francesa, e, assim, caracterizando como a execução
do direito em forma de abuso, mesmo que não haja dano, obtém sanção. Em
contrapartida, deverá haver a ilicitude, pois esta é o dever infringido pelo ato
ilícito. O que, de fato, mostra que se houver prejuízo sem a ilicitude não poderá ser
classificado como responsabilidade civil.
A responsabilidade civil, ainda, caracteriza-se como contratual e
extracontratual. A contratual, é o inadimplemento de contratos entre partes, ou
seja, é a horizontalidade, o particular sendo infringido. Já a extracontratual é o
ilícito, absoluta violação de um dever jurídico previsto em lei.

2.4 A IMPUTABILIDADE E OS ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE


CIVIL

No que tange o instituto da reponsabilidade civil, essa pode ser


compreendida como subjetiva e objetiva. A subjetiva, por seu turno, possui culpa,

18 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
19 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifesta-
mente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos dois costumes”.

150
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

diferenciando-se da responsabilidade objetiva que não possui a culpa como elemento


comprobatório. No mais, os elementos do Direito Subjetivo estão previstos no
artigo 186 do código civil, referindo-se a omissão ou ação voluntária, sendo, assim,
uma conduta culposa do agente em que viola os direitos e causa danos a outrem.
Seus elementos são, em suma, a conduta, o dano causado e o nexo de causalidade
que se classifica como um liame entre o primeiro e segundo elemento.
A Constituição Federal de 1988 faz menção expressa à responsabilidade
civil objetiva da pessoa jurídica, no § 6º20, do art. 37. Há, também, o art. 92721
do Código Civil que dispõe sobre a responsabilidade civil no Brasil. Este artigo
fundamenta dever de indenizar a vítima. Obstante a isso, há casos em que
possibilitam a exclusão da ilicitude, condições em que estão dispostas no dispositivo
art. 18822 do Código Civil de 2002.
Nessas situações condicionantes, percebe-se que há a objetivação de
elencar atos que não constituem como atos ilícitos, como exemplo os praticados
em legítima defesa ou no exercício regular de um direito, reconhecimento expresso
no inciso I. Assim, diante dos elementos do direito de responsabilidade civil,
percebe-se a conduta, atribuída a responsabilidade subjetiva, classificada como uma
conduta culposa – com dolo ou culpa – possuindo nexo de causalidade e dano; já
responsabilidade objetiva, não necessitará da culpa para caracterizar-se como ilícito.
Para o Direito Subjetivo, a conduta é voluntária, contrária ao direito.
O jurista Cavalieri Filho define-a como o comportamento humano
voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão produzindo
consequências jurídicas. Ou seja, o dever jurídico é exteriorizado através da ação ou

20 “§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
21 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repa-
rá-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
22 “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular
de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim
de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quan-
do as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável
para a remoção do perigo”.

151
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

omissão. Outrossim, os artigos 93223 e 93624 do Código Civil trazem a imputabilidade


como sendo responsabilidade, ou seja, capacidade psíquica de entendimento de se
autodeterminar, necessária para essa atribuição de responsabilidade civil. Pode-se,
ainda, citar o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 11625, e o art. 92826 do
Código Civilista de 2002.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO DE


ENFERMAGEM

A segunda maior causa de morte no país, com números mais elevados


do que os acidentes de trânsito, a violência e os óbitos causados pelo câncer27,
são os erros causados pela atuação dos profissionais da saúde. Nota-se, em suma,
a necessidade de intensificar a atenção para a saúde do país, sobretudo para a
qualificação dos profissionais e investimentos em infraestrutura de hospitais,
unidades de pronto atendimento ou unidades de atenção básica.
Assim, serão abordados os pressupostos da responsabilidade civil frente
aos profissionais liberais, sobretudo o enfermeiro na ótica do seu dever legal de
informar, tão importante para a prevenção e reparação da saúde; também será
abordado a atuação da enfermagem na responsabilização coletiva, principalmente
no que se refere a posição de chefia privativa do profissional enfermeiro no corpo
da enfermagem; e, por fim, a responsabilidade civil do enfermeiro atrelado ao dever

23 “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estive-
rem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que
se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais
e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis,
hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação,
pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos
produtos do crime, até a concorrente quantia”.
24 “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa
da vítima ou força maior”.
25 “Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá de-
terminar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por
outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a
medida poderá ser substituída por outra adequada”.
26 “Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não
tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”.
27 BARONI, Larissa Leiros. A cada 5 minutos, 3 brasileiros morrem em hospitais por falhas. Dispo-
nível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2017/11/22/a-cada-5-minutos-
-3-brasileiros-morrem-em-hospitais-por-falhas.htm. Acesso em: 2 mar. 2019.

152
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

de informação como primordial para o consentimento e conscientização do cliente/


paciente sobre qual terapêutica se necessita ou condição se encontra.

3.1 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DE


PROFISSIONAIS LIBERAIS

Compreende-se que, no Brasil, o exercício que envolve as atividades


profissionais está regulamentado por intermédio no dispositivo art. 5º, XIII
da Constituição Federal. No que tange a profissão da Enfermagem, como
supramencionado, a regulamentação da profissão da Enfermagem foi materializada
na Lei Federal 7.498 de 25 de junho de 1986, em que estabelece o rol de profissionais
aptos para o seu exercício. Na referida lei, no artigo 6º, I, II, III e IV28, percebe-se
quem pode ser denominado enfermeiro.
Consoante a isso, no “preâmbulo” da Resolução do Conselho Federal
de Enfermagem29 atribui-se o Código de Ética dos profissionais de Enfermagem,
admitindo-se o seu conhecimento próprio, tecnicista e cientificista. Expressando
também com objetividade e clareza a importância desses profissionais ao tecido
social. Dentro do corpo da enfermagem, a gestão da própria equipe, como a direção
do órgão de enfermagem, integrante em estrutura básica de saúde pública e saúde
privada, é privativa do enfermeiro, enquanto bacharéis e vinculados ao Conselho
de Enfermagem, normatizado pela lei 7.498/1986, no artigo 11, I30. Assim, o
enfermeiro exerce todas as atividades de consultoria, auditoria, emissão de parecer
de Enfermagem, dentre outras funções privativas dessa profissão.

28 “Art. 6º São enfermeiros: I – o titular do diploma de Enfermeiro conferido por instituição de


ensino, nos termos da lei; II – o titular do diploma ou certificado de Obstetriz ou de Enfermeira
Obstétrica, conferido nos termos da lei; III – o titular do diploma ou certificado de Enfermeira e a
titular do diploma ou certificado de Enfermeira Obstétrica ou de Obstetriz, ou equivalente, conferido
por escola estrangeira segundo as leis do país, registrado em virtude de acordo de intercâmbio cultural
ou revalidado no Brasil como diploma de Enfermeiro, de Enfermeira Obstétrica ou de Obstetriz; IV
– aqueles que, não abrangidos pelos incisos anteriores, obtiverem título de Enfermeiro conforme o
disposto na alínea d do art. 3º do Decreto nº 50.387, de 28 de março de 1961”.
29 CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN nº. 564/2017: Código de
Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-
-no-5642017_59145.html. Acesso em: 2 mar. 2019.
30 “I – ter acesso a informações, relacionadas à pessoa, família e coletividade, necessárias ao exercício
profissional”.

153
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Por sua importância, no que se refere a posição de chefia de serviço à


saúde, observa-se o grau de responsabilidade que a profissão possui, tratando-se dos
danos que podem vir a se tornar existentes quando esse cuidado não é concretizado
de maneira adequada.
O atuar do enfermeiro como uma invariante em que, devido sua
essencialidade, ora pode denominar-se como empregador, ora servidor. Quando
empregador ou comitente, pode advir do fato de que os empregados ou prepostos
podem prestar seus serviços solidariamente ou individualmente, dependendo
dele. Diante disso, os juristas analisam que, consequentemente, a relação de
responsabilidade será feita perante os danos causados ao paciente.
No mais, no que tange o primeiro Capítulo do referido Código
Deontológico, atribuem-se os princípios fundamentais tratando de que a
enfermagem se caracteriza como uma profissão comprometida com a saúde do
ser humano e da coletividade. Ainda, no que se refere a responsabilidade civil do
profissional enfermeiro, vejam-se as responsabilidades do profissional em relação à
própria equipe de enfermagem31.
Em conformidade com o artigo 12, do código supramencionado, é dever
do enfermeiro estar apto a assegurar e proteger sua assistência de enfermagem aos
atos de imprudência, negligencia e imperícia, para com o paciente; o que, de fato,
está em consonância ao que estabelece a responsabilidade civil dos profissionais,
tais como os artigos 186, 187, 927 e 951 do Código Civil de 2002, anteriormente
citados. O referido Código de Ética da profissão determina que há necessidade da
caracterização da presença da culpa no agir do Enfermeiro, vislumbrando, assim,
a responsabilidade subjetiva para este. Em congruência, encontra-se o Código
de Defesa do Consumidor, art 14, § 4º32, o qual aborda que a responsabilidade
dos profissionais liberais será estabelecida através da confirmação de culpa. É
fundamental a demonstração de culpa na atuação do Enfermeiro, para que este,
então, possa ser responsabilizado pelos danos que foram causados a um paciente.

31 “Art. 21. Proteger a pessoa, família e coletividade contra danos decorrentes de imperícia, negligen-
cia e imprudência por parte de qualquer membro da equipe de saúde”.
32 “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 4° A responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

154
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

E, no mais, a averiguação dessa culpa é a implicação da aplicabilidade,


em juízo, de uma atitude avaliativa mediante o prejuízo causado – teoria da culpa33.
Em acréscimo, a culpa pode se classificar como a violação de um dever preexistente,
se este dever é fundado em um contrato, a culpa será, assim, contratual; se é, no
geral, alterum non laedere – a culpa será extracontratual34.
Complementando, ainda, a responsabilização do Enfermeiro, pela teoria
da culpa, necessita de três fundamentos: ação culposa, a existência do dano e o
nexo de causalidade, como já visto anteriormente neste presente estudo. Ainda,
caracteriza a negligencia – culpa no sentido stricto – como omissão e a imprudência
como comissão; já a imperícia, é vista como a falta de qualificação profissional35.
Há também importante relação quanto a responsabilidade civil subjetiva,
trazida no art. 95136 e no tocante aos arts. 94837, 94938 e 95039 do Código Civil. O
primeiro, refere-se à indenização para reparação do dano causado ao outro, e, por
conseguinte, os últimos citados direcionam-se ao fato danoso como o homicídio,
caso de lesão ou outra ofensa e, por fim, se a lesão resultar no efeito de que o
prejudicado não possa mais exercer o seu ofício.

33 SOUZA, Néri Tadeu Câmara. Responsabilidade civil do enfermeiro. Direito e Liberdade: Escola de
Magistratura do RN, Mossoró, v. 2, n. 1, p. 337-350, jan./jul. 2006.
34 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.
804-805.
35 OLIVEIRA, Marcelo Leal de Lima. Responsabilidade civil odontológica. Belo Horizonte: Del Rey,
2000. p. 593-620.
36 “Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por
aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar
a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.
37 “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no
pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação
de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da
vítima”.
38 “Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas
do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que
o ofendido prove haver sofrido”.
39 “Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou
profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamen-
to e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do
trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se
preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez”.

155
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Percebe-se, assim, que o Enfermeiro e o paciente se relacionam


por intermédio de um contrato, ou seja, uma relação contratual. Ocorrerá o
inadimplemento desse contrato quando o profissional da Enfermagem deixar de
promover seus deveres, como o cumprimento com sua obrigação de meio.
Outrossim, apesar de alguns dissensos a respeito, vê-se que a relação entre
o Enfermeiro e Paciente pode ser compreendida, também, como uma relação de
consumo em que, há formalização em regra, por intermédio de um contrato, como
mencionado, conhecido por contrato de vontades que nem sempre estará expresso,
mas que, em todas as relações, o enfermeiro deverá prestar assistência assumida
perante o assistido, caracterizando a obrigação de prestar o serviço adquirido.
Essa obrigação40, é àquela em que o devedor se obriga a usar a prudência
e diligência para atingir suas metas e resultados sem, necessariamente, se obrigar a
obtê-los. É, de fato, o contrato de assistência, de percurso, apropriado ao cuidado
no decorrer do prognóstico e não na obrigatoriedade de se obter a cura, pois esta
não é certa, tampouco requerida para determinada profissão.
Ainda, a obrigação de meio é aquela em que o profissional se obriga a
usar a prudência e diligência normais na prestação de um serviço para garantir
um resultado, sem se vincular a obtê-lo41. De uma mesma forma, quem busca o
médico, procura a recuperação de sua saúde, este profissional, por sua vez, deve se
fazer por diligência, entretanto, a cura em si não pode ser vinculada como o objeto
de contrato, porque essa não pode ser exigida de fato.
Além do mais, o profissional da Enfermagem é classificado e regulamentado
com um profissional liberal, mas o atuar como liberal é uma característica pouco
comum dos Enfermeiros, pois, a profissão tomou-se de uma dependência com o
trabalho assalariado em instituições públicas ou privadas, tornando-se, assim, com
pouca autonomia econômica42.

40 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 294.
41 SILVA, Ricardo Duarte da. Relação profissional/paciente: o entendimento e as aplicações éti-
cas legais durante o tratamento ortodôntico. Disponível em: http://biblioteca.universia.net/fica.
do?id=4072678. Acesso em: 23 set. 2018.
42 MACHADO, Maria Helena. A profissão de enfermagem no século XXI. Revista Brasileira de En-
fermagem, Brasília, v. 52, n. 4, p. 589-595, out./dez. 1999.

156
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

3.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENFERMEIRO E O DEVER DE


INFORMAÇÂO

O Código Deontológico da Enfermagem estabelece, no âmbito das


responsabilidades e deveres da profissão, o dever legal de informar, em seu artigo
1743. Sendo uma responsabilidade profissional, este deve ser respeitado, porém,
nem sempre isso ocorre. Ainda, o direito de informação está previsto como direito
fundamental na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIV44.
O dever de informação também é previsto no Código de Defesa do
Consumidor, abordando que o fornecedor possui o dever de informação no que
se refere ao seu produto ou serviço e, portanto, a informação deve ser passada
com a finalidade de que o consumidor tenha ciência dos benefícios ou malefícios
trazidos pelos produtos ou serviços. Ademais, o dever de informar é tido como uma
obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a consciência e o conhecimento
daquele produto ou serviço que está sendo ofertado a ele.45 Vale-se ressaltar que o
dever de informar, também, está situado no artigo 4º, III46, ao tratar-se desse dever
com fundamento na boa-fé objetiva.
Destarte, tal dever demonstra um comportamento leal e honesto, para
que haja a não violabilidade de direitos e deveres primários e, ainda, a fim de não
ocasionar dano ou desvantagem do consumidor a parte mais vulnerável da relação.
Percebe-se assim que os profissionais de Enfermagem, apesar de estarem abarcados
pela exceção à regra da responsabilidade objetiva, proposta pelo Código de Defesa
do Consumidor, não estão excluídos dos demais preceitos do ordenamento jurídico.

43 “Art. 17. Prestar adequadas informações à pessoa, família e coletividade a respeito dos seus direitos,
riscos, benefícios e intercorrências acerca da assistência em enfermagem”.
44 “XIV. É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando neces-
sário ao exercício profissional”.
45 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 185.
46 “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das neces-
sidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações
de consumo, atendidos os seguintes princípios: III – harmonização dos interesses dos participantes
das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desen-
volvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações
entre consumidores e fornecedores;”.

157
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Os profissionais liberais não estão isentos das demais diretrizes propostas


pela normatividade do Código de Defesa do Consumidor, embora que estejam como
exceção, em regra geral, na responsabilidade civil objetiva. O que, de fato, analisa-
se, precipuamente, é a extensão do dano, do ato ilícito e este, diante a avaliação do
caso concreto, poderá responder objetivamente, caso não seja profissional liberal.
Percebe-se, portanto, que os profissionais de Enfermagem estarão sujeitos
ao dever de informar ao paciente sobre determinado procedimento ou medicamento
que lhe será atribuído. Informação esta, que deve ser completa acerca dos riscos e
benefícios sobre qualquer procedimento de assistência do enfermeiro. A área da
saúde, em si, possui o dever de informar de importância potencializada no que se
refere a proteção à vida e a dignidade da pessoa humana.
Essas mudanças de conduta comprovam uma maior humanização à área
tratada, em que há a procura de se olhar para o indivíduo de maneira holística e não
mais vislumbrando apenas a técnica, a ciência. Os valores morais são resguardados,
e o consentimento é crucial para a tomada de decisão do prognóstico, ou qualquer
outro assistencialismo.
É importante salientar que, destaca-se a atuação do corpo de maneira
lícita, se houver a utilização do termo de consentimento informado do paciente
submetido ao tratamento. O consentimento informado presumirá a declaração de
vontade, tendo em vista o sujeito consciente e capaz de decidir para se submeter,
ou não, a determinado procedimento.47 Há pressupostos para o termo de
consentimento, sendo eles a capacidade do paciente, a voluntariedade, compreensão
e prestação de informações que seja relevante para estes48.
Entretanto, ressalta-se que nem sempre poderá se ter o paciente com
consentimento informado, restando para casos de urgência, de incapacidade
voluntária, riscos para a saúde pública e outros, em que comprometem os requisitos
supracitados, podendo ser reavaliado diante da responsabilização, e, devendo,
também se ter um representante legal, quando possível. Essas premissas estão
dispostas nos artigos 18 e 27 do Código Deontológico da profissão, anteriormente
citados. A responsabilidade civil objetiva, tangente à ausência de um dever legal,

47 FORTES, Paulo Antônio de Carvalho. Reflexões sobre a bioética e o consentimento informado.


Revista Bioética, São Paulo, v. 2, p. 129-135, 1999.
48 GODINHO, Adriano Marteleto; LANZIOTTI, Lívia Hallack; MORAIS, Bruno Salome de. Ter-
mo de consentimento informado: a visão dos advogados e tribunais. Revista brasileira de anestesiologia,
Rio de Janeiro, v. 60, n. 2, 2010, p. 207-14.

158
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

disposto no próprio Código de Ética da profissão. Sendo, portanto, viabilizada no


art. 187 do Código Civil49.
Em suma, na ausência do dever de informar e sem a execução do termo de
consentimento eleito e abarcando os requisitos citados, haverá a responsabilização
civil objetiva, entretanto em caso de profissionais liberais, possuindo relação de
consumo, a responsabilidade continuará sendo subjetiva. Tal dever está embasado,
precipuamente, na fundamentação da boa-fé objetiva50, sendo essa, caracterizada
como substancial e presente em todos os contratos, de maneira explícita ou
implícita. Quando houver quebra desse dever de informar, deve-se responsabilizar
sem a necessidade de averiguar a vontade do agente, como dolo ou culpa, pois,
nesse caso, ela se classificará como objetiva.

4 CONCLUSÃO

Nota-se que a temática responsabilidade civil traz a ideia de compensação,


essa que deve ser imprescindível para reparar os danos causados a outrem. E, ainda,
o entendimento da natureza jurídica da responsabilização se dá por intermédio da
violação de um dever legal preexistente. Tornando-se, assim, crucial sua efetivação,
sobretudo, quando abarcada pelo Código de Defesa do Consumidor, ao aprimorar
a noção de responsabilidade e trazendo a responsabilização objetiva como regra
geral.
Entretanto, ao analisarem-se os elementos atrelados a responsabilização
civil, por intermédio da regra da imputabilidade, prevista no direito subjetivo,
conforme o Código Civil de 2002, art. 186, em que se trata da omissão ou ação
voluntária, a responsabilidade civil dos profissionais liberais é atribuída, em regra,
em sua vertente subjetiva.
Percebe-se, então, que a temática responsabilidade civil de profissionais
liberais sujeitas às relações de consumo, proposta pelo Código de Defesa do

49 PREST, Alzira Cristina. A responsabilidade Civil dos Profissionais de Enfermagem frente aos erros
na Terapêutica Medicamentosa. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, v. 59, n.2, p. 91-
117, 2014.
50 Consagrada pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990, no sistema de direito privado,
como um princípio fundamental às relações de consumo e um importante dispositivo frente à luta
as cláusulas abusivas. Já no novo Código Civil de 2002, é abordado pelo Ministro do STJ Paulo de
Tarso Sanseverino em que este atrela o princípio fundamental as relações compostas por honestidade,
lealdade e probidade. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/100399456/principio-da-
-boa-fe-objetiva-e-consagrado-pelo-stj-em-todas-as-areas-do-direito. Acesso em: 2 mar. 2019.

159
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Consumidor; e a responsabilidade civil do profissional enfermeiro, pelo Código


de Ética da Enfermagem serão tratadas como subjetivas, pois necessitam da
comprovação de culpa existente para configuração do dano indenizável.
Essa determinação legal é substancial para o exercício da profissão do
enfermeiro, principalmente no que se trata do afastamento da sua responsabilização
quando há o nexo de causalidade, bem como, a presença do dano por intermédio
da própria instituição hospitalar, que, muitas vezes, não oferece condições dignas ao
profissional de saúde. Desta forma, a necessidade do elemento culpa é inescapável
para a responsabilização do profissional liberal da enfermagem.
Ademais, percebe-se que a responsabilidade civil atrelada ao profissional
liberal da enfermagem será sempre subjetiva, pois, pela concepção de relações de
consumo, deverá ser comprovada a culpa, e, portanto, é o que se percebe ao avaliar
a celeuma do dever legal de informar.
De fato, responderá de forma subjetiva, ao que se trata primordialmente
e aqui discutido, a obrigação do dever de informação, proposto pelo Código
Deontológico da referida profissão. Da mesma forma opera a obrigação da utilização
do termo de consentimento, que permite aos pacientes obter informações sobre sua
condição e tratamentos necessários, de maneira clara e precisa, para que não restem
dúvidas sobre os riscos e benefícios que o cliente, enquanto consumidor de um
serviço, terá de usufruir.
Percebe-se, portanto, que os profissionais de Enfermagem, embora
estejam adeptos exceção à regra da responsabilidade objetiva, proposta pelo
Código de Defesa do Consumidor, não estão excluídos dos demais preceitos do
ordenamento jurídico. Em síntese, a responsabilização dos profissionais liberais
deve ser analisada, precipuamente, pela extensão do dano causado a outrem, do
ato ilícito surgido e este, diante a avaliação do caso concreto, poderá responder
objetivamente, caso não seja profissional liberal.
Entretanto, observa-se que embora tido como adepto a responsabilização
subjetiva em regra geral, o profissional da enfermagem deve-se observar a noção da
boa-fé objetiva esta que se trata como um dos princípios fundamentais do direito
privado, elencado a um padrão ético de conduta em que dispõe da obrigação das
partes em uma relação de consumo.
Por fim, em relação ao objeto de estudo deste trabalho, nota-se a
necessidade de estar ao par do dever legal de informar, para qualquer profissional
da saúde, principalmente o enfermeiro que está em vigilância e fiscalização,

160
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

diariamente, para restauração da saúde do seu cliente/paciente. A informação é


crucial no que se refere a qualquer âmbito executado pela profissão, seja a terapêutica
medicamentosa, cuidados paliativos ou posição de gestor e responsável pelo corpo
da enfermagem.
Os cuidados curativos ou paliativos da enfermagem são de tamanha
importância, merecendo o respeito e respaldo, e, quando combinados com a
valoração, boas condições de trabalho, qualidade de infraestruturas, sem dúvidas,
haverá uma maior precaução diante a não responsabilização pela menor viabilização
de danos ocasionados.

161
REFERÊNCIAS

BARONI, Larissa Leiros. A cada 5 minutos, 3 brasileiros morrem em hospitais


por falhas. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/
redacao/2017/11/22/a-cada-5-minutos-3-brasileiros-morrem-em-hospitais-por-
falhas.htm. Acesso em: 2 mar. 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de


outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso
em: 23 set. 2018.

BRASIL. Decreto Nº 2.381, de 09 de julho de 1940. Aprova o quadro das


atividades e profissões, para o Registro das Associações Profissionais e o
enquadramento sindical, e dispõe sobre a constituição dos sindicatos e das
associações sindicais de grau superior. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, 12 jul. 1940. Seção 1.

BRASIL. Decreto Nº 50.387, de 28 de março de 1961. Regulamenta o exercício


da enfermagem e suas funções auxiliares no território nacional. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 29 mar. 1961. Seção
1.

BRASIL. Decreto Nº 94.406, de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº


7498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem, e
dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 9 jun. 1987. Seção 1.

BRASIL. Lei Nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação


do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 jun. 1986. Seção
1.

BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12
set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm.
Acesso em: 23 set. 2018.

162
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L80708.htm. Acesso em: 23 set. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº1.621.375. Recorrente:


Fundação Universitária de Cardiologia. Recorrido: Gisele de Melo Ferreira. Data
do Julgamento: 20 de agosto de 2007.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São


Paulo: Atlas, 2012.

COFEN. Resolução COFEN nº. 564/2017: Código de Ética dos Profissionais de


Enfermagem. Disponível em: http:// http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-
no-5642017_59145.html. Acesso em: 2 mar. 2019.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN Nº240, de


30 de agosto de 2000. Aprova o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem
e dá outras providências. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Enfermagem, 2000.
Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br/sitenovo/node/4158. Acesso em:
23 set. 2018.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 19.
ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. II.

FACCHINI NETO, Eugênio. Funções da responsabilidade aquiliana no novo


Código. Revista Jurídica. Porto Alegre, n. 309, p. 23-32, 2003.

FORTES, Paulo Antônio de Carvalho. Reflexões sobre a bioética e o


consentimento informado. Revista Bioética, São Paulo, v. 2, p. 129-135, 1999.

FREITAS, Genival Fernandes de; OGUISSO, Taka. Ocorrências éticas na


enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 58, n. 6, p. 637-639,
2003.

GODINHO, Adriano Marteleto; LANZIOTTI, Lívia Hallack; MORAIS,


Bruno Salome de. Termo de consentimento informado: a visão dos advogados e

163
tribunais. Revista brasileira de anestesiologia, Rio de Janeiro, v. 60, n. 2, p. 207-
214, 2010.

LIMA, Gilberto Baumann de. Implicações ético-legais no exercício da enfermagem.


Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

MACHADO, Maria Helena. A profissão de enfermagem no século XXI. Revista


Brasileira de Enfermagem, Brasília – DF, v. 52, n. 4, out./dez., p. 589-95, 1999.

NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2012.

OGUISSO, Taka. Entidades de Classe na Enfermagem. In: SANTOS, Elaine


Franco (org.). Legislação em enfermagem: atos normativos do exercício e do ensino
de enfermagem. São Paulo: Atheneu, 1997.

OLIVEIRA, Marcelo Leal de Lima. Responsabilidade civil odontológica. Belo


Horizonte: Del Rey, 2000.

PANASCO, W. L. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 1984.

PREST, Alzira Cristina. A responsabilidade Civil dos Profissionais de


Enfermagem frente aos erros na Terapêutica Medicamentosa. Revista da Faculdade
de Direito – UFPR, Curitiba, v. 59, n. 2, p. 91-117, 2014.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução de Tiago Rodrigues da


Gama. 1. ed. São Paulo: Russel, 2006.

SILVA, Ricardo Duarte da. Relação profissional/paciente: o entendimento e as


aplicações éticas legais durante o tratamento ortodôntico. Disponível em: http://
biblioteca.universia.net/fica.do?id=4072678. Acesso em: 23 set. 2018.

SOUZA, Néri Tadeu Câmara. Responsabilidade civil do enfermeiro. Direito e


Liberdade: Escola de Magistratura RN, Mossoró, v. 2, n. 1, p. 337-350, jan./jul.
2006.

164
SCHMIDT, Maria José; OGUISS, Taka. O exercício da enfermagem sob
o enfoque das normas penais e éticas. In: SANTOS, Elaine Franco dos et
al. Legislação em enfermagem: atos normativos do exercício e do ensino de
enfermagem. São Paulo: Atheneu, 1997.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012.

WINCK, Daniela Ries. BRUGGGEMANN, Odaléa Maria. Responsabilidade


legal do enfermeiro em obstetrícia. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v.
63, n. 3, p. 464-469, maio/jun. 2010.

165
08 Fisioterapeuta

Sergio Alexandre de Moraes Braga Junior


Maria Clara Galvão

1 INTRODUÇÃO

A fisioterapia é compreendida como uma ciência relacionada ao


diagnóstico, prevenção e recuperação de distúrbios relacionados ao corpo humano.
O presente texto tem como tema principal a discussão sobre a responsabilidade
civil dos profissionais atuantes nesta importante área da saúde.
A problemática presente se deve a falta de segurança jurídica nas questões
relacionadas à responsabilidade civil do fisioterapeuta enquanto profissional liberal,
havendo uma dualidade de tratamento jurisdicional, de maneira que, por vezes, é
tratado como detentor de responsabilidade objetiva e, em outros momentos, como
responsável subjetivo diante da responsabilização de eventuais danos causados
durante a sua atividade profissional.
Com as mudanças ocorridas no século XX, no campo médico e jurídico,
principalmente ao que se refere aos direitos humanos, o conceito de dignidade
humana passou a ter grande força normativa, inicialmente, por meio da Carta das
Nações Unidas, a qual teve sua ideia concretizada com o advento da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948. Havendo, nesse sentido, uma íntima
ligação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana com os direitos
humanos. A dignidade da pessoa humana passou, portanto, a ser discutida em
diversas constituições, dentre elas, as constituições de países da União Europeia
(portuguesa, alemã, espanhola, grega, italiana, belga e irlandesa), de países do
Mercosul (Brasil e Paraguai), em outros países do continente americano como Cuba,

166
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Venezuela e Peru, além de países da Europa Oriental, tal como a Constituição da


Federação Russa, de 19931.
Nesse contexto, a área da saúde se apresenta como uma das grandes
demandas judiciais na atualidade, principalmente quanto a indenização por
dano causados na prestação de serviços, seja ele material ou moral, este ultimo,
intimamente ligado a violação do principio da dignidade da pessoa humana. De
acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar da
Universidade Federal de Minas Gerais (IESS-UFMG), com base em registros de
prontuários de 182 hospitais do país, localizados em 13 estados, entre o período
de abril de 2017 a março de 2018; todo ano, cerca de 19,4 milhões de pessoas são
tratadas em hospitais no Brasil. Destas, 1,3 milhão sofre pelo menos um efeito
colateral causado por negligência ou imprudência durante o tratamento médico.
Tais danos variam desde um joelho esquerdo operado no lugar do direito até um
analgésico que causou alergia grave em um paciente que já havia notificado sua
sensibilidade ao medicamento, entre outras situações possíveis que podem acabar
resultando em ações judiciais2
O desenvolvimento da doutrina específica, com intuito de auxiliar as
reflexões dogmáticas e jurisprudenciais, torna evidente que os danos com maior
incidência em ações judiciais de reparação civil contra fisioterapeutas e clínicas
de fisioterapia tratam de queimaduras provocadas pelo mau uso de radiação
infravermelha ou a lesões ortopédicas sofridas durante exercícios de reabilitação3.
A fisioterapia vem ganhando destaque notório diante das mudanças
sociais, de modo que é imprescindível elucidar a forma de responsabilização civil dos
que exercem esta profissão, sendo essa questão de interesse tanto dos que se utilizam
dos serviços prestados por tais profissionais como pelos próprios fisioterapeutas
pra fins de prevenção de atos que possam causar danos e consequentemente
acarretar demandas judiciais. Sendo assim, tem-se como objetivo identificar e
analisar a regulamentação geral da responsabilidade civil dos profissionais liberais

1 CAVALCANTE, Lara Campelo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como


fundamento da produção da existência em todas as suas formas. 115 f. Dissertação (mestrado) – Univer-
sidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. p. 30.
2 COUTO Renato Camargos. et al. II Anuário da segurança assistencial hospitalar no Brasil. Belo
Horizonte: IESS-UFMG, 2018. p. 30-46.
3 FURTADO, Gabriel Rocha. Responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das clínicas de fisioterapia.
Rio de janeiro: civilistica.com, a. 3, n. 2, 2014. p. 11.

167
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

em consonância com a regulamentação específica do fisioterapeuta. Além disso,


buscar-se-á debater como a jurisprudência brasileira se posiciona sobre o assunto.
Para o desenvolvimento do trabalho será utilizada a metodologia de
pesquisa aplicada, com abordagem dedutiva e qualitativa, objetivo exploratório,
propósito de pesquisa aplicada e procedimento técnico de pesquisa bibliográfica.
Inicialmente será feita uma exposição acerca da responsabilidade civil
em geral, trazendo o significado desta, sua importância e evolução no decorrer do
tempo, e seus pressupostos de acordo com a previsão existente no atual ordenamento
jurídico.
Posteriormente, tratar-se-á da responsabilidade civil aplicada ao
fisioterapeuta, com fundamento na legislação especifica da profissão, a fim
de compreender como e quando o fisioterapeuta responde civilmente por
inadimplemento profissional.
Por fim, haverá um estudo sobre como a jurisprudência brasileira
se posiciona diante da reparação de danos causados por fisioterapeutas, sejam
patrimoniais ou extrapatrimoniais, identificando como os Tribunais vêm tratando
a responsabilidade civil dos fisioterapeutas no meio jurídico.

2 CONCEITO E FORMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL E A


RELAÇÃO JURÍDICA PRESENTE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PELO FISIOTERAPEUTA

A palavra “responsabilidade” advém do termo em latim spondeo, que


significa “garantir” ou “comprometer-se”, o qual vinculava o devedor nos contratos
verbais do Direito Romano. Dentre as várias acepções existentes destaca-se a noção
de responsabilidade como aspecto da realidade social que busca a restauração do
equilíbrio moral e patrimonial provocado. Assim, o responsável pela violação de
determinada norma é exposto a consequências não desejadas diante da sua conduta
danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante 4.
A responsabilidade civil nasce como o dever por meio do qual uma
pessoa vinculada a um evento fático fica adstrita a reparar o dano causado a outra,
sofrendo não meramente uma punição, mas a efetiva compensação ou reparação
em razão de sua ação ou omissão. A responsabilidade civil é, portanto, um reflexo

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva. v. IV. p. 3.

168
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

jurídico da responsabilidade moral e, como tal, é produto do fato, da realidade e


do meio social regrado. Também pode ser compreendida como um dever jurídico
no qual uma pessoa é imputada para satisfazer a prestação e a realização das sanções
legais que lhe são impostas, podendo estas ser obrigações de fazer, dar ou não fazer
alguma coisa, de ressarcir danos ou suportar penalidades para que a obrigação ou
sanção seja cumprida5. Nessa perspectiva, é a obrigação de indenizar que obriga o
causador das violações a responder pelas consequências advindas de sua conduta,
de modo a repor os prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais causados.
Existe distinção entre obrigação e responsabilidade, pois a primeira,
enquanto vínculo jurídico transitório, dá ao credor o direito de exigir do devedor uma
prestação pessoal, positiva ou negativa, de maneira que seu inadimplemento resulta
em consequências jurídicas, ou seja, em responsabilidade civil. Logo, enquanto a
obrigação é um dever jurídico originário, a responsabilidade corresponde ao dever
jurídico secundário resultante da violação da obrigação (inadimplemento).
Para tratar da responsabilidade do fisioterapeuta como profissional
liberal, primeiramente, torna-se indispensável compreender o significado de tal
conceito. De acordo com o que rege o § 2º do Estatuto da Confederação Nacional
das Profissões Liberais (CNPL), o profissional liberal corresponde àquele que é
legalmente habilitado a prestar serviço de natureza técnico-científico de cunho
profissional com autonomia, tomando decisão por conta própria de acordo com
os princípios normativos de sua profissão e sem vínculo de prestação de serviço6.
Uma obrigação assumida por um profissional liberal pode ser classificada
como obrigação de meio, quando garante o caminho a ser empregado para se chegar
a um fim, ou obrigação de resultado, a qual garante um fim, independentemente
dos meios a serem adotados. Na primeira, o fisioterapeuta enquanto profissional
liberal, assume a responsabilidade de prestar um serviço ao qual dedicará a atenção,
o cuidado e a diligência exigidos, de acordo com o seu título e com os recursos de
que dispõe, não se obrigando a alcançar um determinado resultado, mas somente,
a assumir uma conduta zelosa no desempenho de suas atividades, tendo em vista,
as peculiaridades de cada caso. Isto posto, ocorrendo algum defeito na prestação

5 DIAS, Jefferson Aparecido; MESSIAS, Ewerton Ricardo. Responsabilidade civil contratual e extra-
contratual frente à responsabilidade civil ambiental: uma análise sob o direito pós-moderno. Revista
de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 243-265, jan./abr.2019. p. 246-247.
6 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. Estatuto social da Confedera-
ção Nacional das Profissões Liberais. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.cnpl.org.br/wp-con-
tent/uploads/2020/05/ESTATUTO-SOCIAL-CNPL.pdf.

169
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

do serviço, não bastará ao paciente demonstrar que o resultado almejado não foi
alcançado, como a cura de uma enfermidade, por exemplo7.
Assim, caso o paciente se sinta lesado em uma obrigação de meio, poderá
o profissional ser responsabilizado, desde que, comprovada existência de culpa,
cabendo responsabilidade civil subjetiva, tal como está presente no art. 951 do
Código Civil, segundo o qual, é devida a indenização por aquele que, no exercício
de atividade profissional mediante negligência, imprudência ou imperícia, causar
a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o
trabalho desde que, comprovado existência de culpa.
Já a obrigação de resultado somente será considerada adimplida ao
atingir os resultados pretendidos de forma efetiva. Ela é muito comum em casos
de cirurgias plásticas estéticas e em serviços de concertos ou reparação, de forma
que o profissional se compromete a alcançar o resultado pretendido e contratado.
Nessa hipótese, o paciente poderá exigir o resultado almejado, de forma que, o
mero inadimplemento já faz jus a presunção da culpa do profissional. Diante desses
ditames observa-se que a natureza do serviço compreende um fator de delimitação
do tipo de obrigação assumida pelo fisioterapeuta8.
O dano poderá ser material, quando há lesão ao patrimônio da vítima
suscetível de valoração pecuniária; ainda que no futuro, representado pelos lucros
cessantes; ou extrapatrimonial, quando não se pode medir os danos causados
economicamente de imediato, corresponde, portanto, ao sofrimento da vítima
diante da ofensa a sua honra, intimidade ou vida privada. Nesse sentido, há a
possibilidade de reparação (compensação) do dano na seara exclusivamente moral
(art. 5º, X, da Constituição Federal) em virtude da violação de um bem que integra
a personalidade da pessoa humana (intimidade, imagem, privacidade etc.)9.
O dano extrapatrimonial, além do âmbito subjetivo (moral), ainda
poderá ser analisado no âmbito objetivo, mediante e existência de dano estético,
biológico ou existencial. O dano estético ocorre quando há alteração no aspecto
físico exterior (transformações na aparência permanente que causa um afeamento à
vítima); já o dano biológico corresponde a cessação ou redução da vida de relação

7 MIRANDA, Luiza Dutra. A responsabilidade civil dos médicos nas cirurgias estéticas. 2012. 70 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianó-
polis, 2012. p. 30.
8 Ibid. p. 30.
9 BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais: estético, biológico e existencial: breves considera-
ções. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 73, n. 1, p. 26-29, jan. 2009.

170
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

da pessoa (atividades, capacidade laborativa, situações e relações profissionais


e pessoais) e, por fim, o dano existencial, o qual consiste em espécie de dano
extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida
pessoal, impedindo a efetiva integração da vitima na sociedade, de forma a limitar
o seu pleno desenvolvimento como ser humano10.
De maneira sucinta, não seria possível se falar em indenização, nem em
ressarcimento se não existisse o dano, pois, a indenização sem dano importaria
enriquecimento ilícito ou enriquecimento sem causa para quem a recebesse e
pena para quem a pagasse. O nexo de causalidade trata-se da relação de causa e
efeito entre a conduta praticada e o resultado. Logo, para que surja a obrigação de
indenização, torna-se necessário um fato antijurídico, que possa ser imputado a
alguém, e que tenha causado dano, havendo uma relação de causa e efeito11.
Em um contexto geral, não existe responsabilidade sem prejuízo, de
maneira que do dano nasce a obrigação de reparar, a qual encontra-se apoiada
no princípio romano da restitutio in integrum (princípio da restituição integral),
justificando a existência da regra do artigo 944 do Código Civil, segundo o qual,
em caso de excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá
o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Desta forma, a legislação torna
possível ao julgador graduar de maneira justa a indenização. Torna-se evidente
que a responsabilidade civil inicialmente encontrava-se estruturada sobre quatro
requisitos fundamentais, os quais compõem os chamados pressupostos da
responsabilidade subjetiva, sejam eles: “a atividade humana (ação ou omissão); a
culpa latu sensu (dolo ou culpa strictu sensu: negligência, imprudência ou imperícia);
o dano (material ou moral) e o nexo causal (relação direta de causalidade entre o
fato gerador e o dano)”12.
O Código Civil define ato ilícito, em seu artigo 186, como aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Assim, para a responsabilização
por ato ilícito, além da comprovação do dano e do nexo de causalidade entre a

10 BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais: estético, biológico e existencial: breves considera-
ções. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 73, n. 1, p. 26-29, jan. 2009.
11 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 468-469.
12 MAHUAD, Cassio; MAHUAD, Luciana Carone Nucci Eugenio. Imputação da responsabilidade
civil: responsabilidade objetiva e subjetiva. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Melo; BENAC-
CHIO, Marcelo (coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015.
p. 54.

171
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ação ou omissão e o ato danoso, exige-se a comprovação de culpa do agente. Já


no art. 927, caput, o mesmo Código determina que aquele que, por ato ilícito,
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Logo, a responsabilidade subjetiva
torna-se regra mediante a comprovação da culpa para que o causador do dano seja
responsabilizado.
Ocorre que, com o avanço da teoria da responsabilidade civil, percebeu-
se que em muitos casos o indivíduo lesado simplesmente não consegue provar a
culpa do causador do dano, pois está em uma posição de desigualdade na relação.
Foi nesse contexto que surgiu a reponsabilidade civil objetiva. De acordo com essa
nova modalidade de responsabilidade, todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor
e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa, sendo
a responsabilidade atribuída meramente por meio da comprovação de existência do
nexo de causalidade entre a ação ou omissão do individuo e o dano.
No Brasil, a responsabilidade objetiva deu seus primeiros passos no
ordenamento jurídico por meio da Lei das Estradas de Ferro (Dec. 2.681/1912),
do Código Civil Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986) e da Lei 6.453/1977,
relativa às atividades nucleares. A própria Constituição Federal de 1988 reconhece a
responsabilidade objetiva ao dispensar a existência de dolo ou culpa do empregador
na reparação de danos mediante indenização, em caso de seguro contra acidentes
de trabalho (art. 7.º, XXVIII); ao responsabilizar a União por danos nucleares
independente da existência de culpa (art. 21, XXIII) e ao responsabilizar pessoas
jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (art. 37, § 6.º)13.
A Constituição Federal de 1988 trouxe importantes mudanças para a
forma de pensar e aplicar a responsabilidade civil. Se antes o foco consistia na
penalização do causador do dano, agora passou a ser a reparação da vítima. Assim,
norteado pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (Art. 1º,
III), o magistrado, antes de pensar se o acusado que cometer o injusto deve ser
punido, deve pensar se a vítima faz jus à reparação14.
De modo geral, antes do Código Civil de 2002, a responsabilidade
objetiva era apresentada somente em casos específicos, sendo a existência de culpa

13 MARCHI, Cristiane de. A culpa e o surgimento da responsabilidade objetiva: evolução histórica,


noções gerais e hipóteses previstas no Código Civil. Revista dos Tribunais [recurso eletrônico]. São
Paulo, n. 964, fev. 2016. p. 5.
14 ALMEIDA, Eric. A responsabilidade civil do fisioterapeuta: uma análise crítica da doutrina de juris-
prudência brasileira. Amapá, 2017. p. 7.

172
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

o fundamento jurídico predominante, sem, contudo haver regulamentação da


responsabilidade objetiva. Por meio do art. 927, caput, do referido código, aquele
que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Entretanto, há em
seu parágrafo único que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem”15. Sendo assim, tal clausula considera que em situação de periculosidade
deve a responsabilidade ser aferida objetivamente, pela sua própria natureza e não
em virtude de um comportamento negligente ou imprudente.
A relação de prestação de serviço do fisioterapeuta com seus pacientes/
clientes é compreendida como uma relação jurídica de consumo contratual ou
extracontratual. A relação de consumo existe, pois há num polo o fornecedor de
produtos ou serviços (fisioterapeuta) e no outro o consumidor (paciente/ cliente)
com o objetivo de circulação de um serviço (procedimentos, tratamentos). Assim,
essa relação está submetida aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.
Ocorre que, conforme regulamentado no art. 14 do mesmo, o prestador de serviço
responde de maneira objetiva, independente de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, assim
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos16,
bastando, nesse sentido, que o consumidor lesado comprove o dano e o nexo causal.
Apesar dessa normativa, o §4ª do mesmo artigo faz a seguinte ressalva
“a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa”. Ademais, esses profissionais continuam submetidos aos
princípios da relação de consumo, tais como, boa-fé objetiva, o equilíbrio contratual,
a transparência, a informação e a vulnerabilidade do consumidor, porém, uma
vez que os profissionais liberais foram excluídos do sistema da responsabilidade
objetiva, irão responder subjetivamente pelos danos decorrentes da prestação do
seu serviço. Isso ocorre porque normalmente tais profissionais, independente do
tipo de obrigação assumida, são contratados em razão da natureza intuitu personae,
ou seja, é uma relação baseada na confiança entre o contratante e o contratado17.

15 BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.


16 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8.078, de 11 de setembro de1990.
17 MIRANDA, Luiza Dutra. A responsabilidade civil dos médicos nas cirurgias estéticas. 2012. 70 f. Tra-
balho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,
2012. p. 23-24.

173
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E


POSSIBILIDADES DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO
FISIOTERAPEUTA

A primeira aparição do termo fisioterapia ocorreu no ano de 1851,


com a obra Dr. Gleich’s Physiatrische Schriften, do médico militar alemão Lorenz
Gleich (1798-1865). Entretanto, a área só foi impulsionada através da Revolução
Industrial e as duas grandes guerras no século XX. A profissionalização de fato
do fisioterapeuta iniciou-se na década de 1950, devido a demanda pós-guerra na
reabilitação de pessoas nos Estados Unidos. De maneira geral, a profissão surgiu como
“especialidade paramédica”, ou seja, como auxiliar e colaboradora das atividades
dos médico; tornando-se autônoma e independente apenas posteriormente18.
No Brasil, a história da fisioterapia remonta ao século XIX, quando os
serviços fisioterapêuticos foram trazidos pelos médicos brasileiros a partir de suas
viagens na Europa. Entre 1879 e 1883 implantaram-se os primeiros procedimentos
fisioterapêuticos, como a hidroterapia e a eletroterapia. Tais práticas apresentam-se
como “precursoras” das instituições fisioterapêuticas. Em 1884, foi criado o serviço
de fisioterapia no Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
A fisioterapia firmou-se no país em 1954, com a fundação da Sociedade Brasileira
de Fisioterapia, posteriormente nomeada de Sociedade Brasileira de Medicina Física
e de Reabilitação, a qual era composta por médicos que atuavam na “reabilitação”
de pacientes. No mesmo ano, foi criada a Associação Beneficente de Reabilitação
(ABBR), que criou, em 1956, um curso para formar Fisioterapeutas e Terapeutas
Ocupacionais19.
A palavra physiotherapia é mencionada pela primeira vez na legislação
brasileira a partir do Decreto n° 15.230 de 1921, o qual aprova o regulamento
para o serviço de saúde do exército em tempo de paz20. Mas, somente em 13 de
outubro de 1969 a profissão obteve regulamentação específica com a publicação
do Decreto-Lei nº 938, que prevê sobre as profissões de fisioterapeuta e terapeuta

18 ALMEIDA, Eric. A responsabilidade civil do fisioterapeuta: uma análise crítica da doutrina de juris-
prudência brasileira. Amapá, 2017. p. 12.
19 BARROS, Fábio Batalha Monteiro de. A ​ formação do fisioterapeuta na UFRJ e a profissionalização
da Fisioterapia. Dissertação (Pós-graduação em Saúde Coletiva) – Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, 2002. p. 33-37.
20 OLIVEIRA, Ana Luiza de Oliveira e. Da prática fisioterapista à fisioterapia como profissão, 2011,
226 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva, área de concentração Ciências Sociais em Saúde).
Universidade Estadual de Campinas, Campinas. p. 179.

174
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ocupacional. Os fisioterapeutas foram instituídos a partir daí como profissionais de


nível superior (art. 2º).
O referido Decreto-Lei trata ainda sobre as atividades privativas do
fisioterapeuta em seu artigo 3º, sendo elas, os métodos e técnicas fisioterápicos com
a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do cliente,
logo, o profissional faz jus a obrigações de meio. No que se refere a sua autonomia,
existe independência dos fisioterapeutas em relação aos médicos, bem como do
Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) frente ao
Conselho Federal de Medicina (CFM) e das sociedades médicas em geral21.
Com o advento da Lei nº 6.316 de 197522 foi criado o Conselho
Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), o qual deu inicio a
construção do processo próprio de regulamentação ético-profissional da área, além
dos Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITOs), com
a função de fiscalizar e regulamentar o exercício das profissões de fisioterapeuta e
terapeuta ocupacional.
Em 1978, o COFFITO editou a Resolução nº 08 e definiu as normas
para habilitação ao exercício fisioterapêutico, tornando atos privativos da profissão
“planejar, programar, ordenar, coordenar, executar e supervisionar métodos
e técnicas fisioterápicos que visem à saúde nos níveis de prevenção primária,
secundária e terciária”23.
Em maio de 1987, após a 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS),
a Resolução COFFITO nº 80 buscou ampliar as atribuições do fisioterapeuta
expressas na Resolução nº 08 de 1978. Dentre tais mudanças, tornou objeto de
estudo e trabalho do fisioterapeuta o movimento humano em todas as suas formas
de expressão e potencialidades, tanto no que se refere as suas alterações patológicas,
quanto as repercussões psíquicas e orgânicas, com intuito de preservar, manter,
desenvolver ou restaurar a integridade de órgão, sistema ou função24.

21 FURTADO, Gabriel Rocha. Responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das clínicas de fisioterapia.
Cvilistica.com, a. 3, n. 2. Rio de janeiro, 2014. p .04.
22 BRASIL. Lei nº 6.316, de 17 de dezembro de 1975. Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regio-
nais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional e dá outras providências.
23 REZENDE, Monica de; et al. A equipe multiprofissional da Saúde da Família: uma reflexão sobre
o papel do fisioterapeuta. Ciência & Saúde Coletiva. v. 14, n. 1, 2009. p. 1403-1410
24 Ibid. p. 1406.

175
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Quanto a autonomia profissional dos fisioterapeutas em relação aos


médicos e demais profissionais da saúde, tem-se o entendimento unânime da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso
Especial n.º 693.454/RS25, interposto pelo Conselho Regional de Fisioterapia
e Terapia Ocupacional da 5ª Região (CREFITO 5) contra acórdão do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, o qual havia provimento a apelação do Conselho
Regional de Medicina (CRM) para condicionar o funcionamento de clínicas de
fisioterapia à contratação de médicos fisiatras, ortopedistas ou traumatologistas.
No referido Recurso, a relatora afirmou que o trabalho de fisioterapeutas e dos
terapeutas ocupacionais nas clínicas fisioterapêuticas não deve necessariamente
ser supervisionado por médicos, entretanto nada impede que tais profissionais
trabalhem de maneira conjunta26.
Tal posicionamento está diretamente relacionado ao que explicita a
Resolução COFITTO nº 80/1987, segundo a qual, por sua formação acadêmico-
profissional, pode o fisioterapeuta, atuar juntamente com outros profissionais,
tais como, médicos, enfermeiros, dentistas, nutricionistas, assistentes sociais,
psicólogos, nos diversos níveis da assistência à saúde, na administração de serviços,
na área educacional e no desenvolvimento de pesquisas para que assim possa-se
com base no conhecimento e a compreensão de diversos profissionais, viabilizar a
promoção, prevenção e reabilitação de maneira mais interdisciplinar, promovendo
assim a saúde e bem estar dos pacientes/clientes27.
O Código de Ética Profissional de Fisioterapia foi regulamentado pela
primeira vez pela Resolução 10 do COFFITO em 3 de julho de 1978; sendo
revogado, posteriormente, pela resolução nº 424 de 2013, a qual instituiu um novo
Código de Ética e Deontologia da Fisioterapia. A regulamentação do relacionamento
do fisioterapeuta com o cliente/paciente/ usuário está presente no capítulo III da
referida resolução. De acordo com seu artigo 14, são deveres fundamentais dos
fisioterapeutas na assistência ao cliente/paciente/usuário o respeito a vida humana;
a prestação de assistência em observância a dignidade e os direitos humanos, de
modo a priorizar os atendimentos de urgência; o respeito ao natural pudor e a
intimidade do paciente; o respeitar a autonomia, beneficência e não maleficência

25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 693454 RS 2004/0143653-9. Rel. Mi-
nistra Eliana Calmon, DJ 14/11/2005, Data de Julgamento: 03/11/2005.
26 FURTADO, Gabriel Rocha. Responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das clínicas de fisioterapia.
civilistica.com, a. 3, n. 2. Rio de janeiro, 2014. p. 4-5.
27 REZENDE, Monica de; et al. A equipe multiprofissional da Saúde da Família: uma reflexão sobre
o papel do fisioterapeuta. Ciência & Saúde Coletiva. v. 14, n. 1, 2009. p. 1406.

176
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

do paciente para de decidir sobre a sua pessoa e seu bem estar; informar ao paciente
quanto à consulta fisioterapêutica, diagnóstico e prognóstico fisioterapêuticos,
objetivos do tratamento, condutas e procedimentos a serem adotados; e prestar
assistência fisioterapêutica respeitando os princípios da bioética.
Além disso, conforme artigo 15, do mesmo documento, é proibido ao
fisioterapeuta algumas atitudes, sendo elas:

I – abandonar o cliente/paciente/usuário em meio a trata-


mento, sem a garantia de continuidade de assistência, salvo
por motivo relevante; II – dar consulta ou prescrever trata-
mento fisioterapêutico de forma não presencial, salvo em
casos regulamentados pelo Conselho Federal de Fisioterapia
e de Terapia Ocupacional; III – divulgar e prometer terapia
infalível, secreta ou descoberta cuja eficácia não seja compro-
vada; IV – prescrever tratamento fisioterapêutico sem reali-
zação de consulta, exceto em caso de indubitável urgência; V
– inserir em anúncio ou divulgação profissional, bem como
expor em seu local de atendimento/trabalho, nome, iniciais
de nomes, endereço, fotografia, inclusive aquelas que compa-
ram quadros anteriores e posteriores ao tratamento realizado,
ou qualquer outra referência que possibilite a identificação
de cliente/paciente/usuário, salvo para divulgação em co-
municações e eventos de cunho acadêmico científico, com a
autorização formal prévia do cliente/paciente/usuário ou do
responsável legal28.

Nesse sentido, a não observância dos ditames do art.14 e/ou a infração


ao que está exposto no artigo 15, podem ser caracterizados como ações passíveis
de responsabilização civil do profissional. Outro ponto de real relevância está
expresso no art. 13, o qual trata da preservação do sigilo dos prontuários no melhor
interesse dos pacientes, assim, “o fisioterapeuta deve zelar para que o prontuário
do cliente/paciente/ usuário permaneça fora do alcance de estranhos à equipe de
saúde da instituição, salvo quando outra conduta seja expressamente recomendada
pela direção da instituição e que tenha amparo legal” 29. O sigilo do profissional
também é reforçado no artigo 32, o qual também proíbe ao fisioterapeuta revelar,

28 CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL. Resolução nº


424, de 08 de julho de 2013. Estabelece o Código de Ética e Deontologia da Fisioterapia.
29 Ibid.

177
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

sem justa causa, fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão do exercício
de sua profissão, bem como fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir
cliente/paciente/usuário ou sua imagem em anúncios profissionais em qualquer
meio de comunicação, salvo quando autorizado pelo cliente/paciente/usuário ou
seu responsável legal.
Quanto à responsabilidade civil dos fisioterapeutas por erro em sua
atuação profissional, em seu art. 18, apresenta que esta não é diminuída, mesmo
quando cometido na coletividade de uma instituição ou de uma equipe, e será
apurada na medida de sua culpabilidade. Logo, mesmo que um eventual dano
seja causado durante trabalho em conjunto de vários fisioterapeutas, por exemplo,
responderá o profissional de forma subjetiva por sua atuação e será a clinica ou
hospital no qual ocorreu o fato objetivamente responsável pela reparação, seguindo
os ditames do Código Civil (arts. 927,932, III, 933e 934) e do o art. 14 do Código
de Defesa do Consumidor, podendo utilizar-se do direito de regresso contra os
profissionais que tenham participado com culpa para o evento.
Além disso, quando o fisioterapeuta é encarregado da realização de um
procedimento estético, tal obrigação, como já elencado, possuirá natureza jurídica
contratual de obrigação de resultado, já que, o que busca o paciente é meramente a
melhoria de aparência estética. Assim, caso o resultado esperado não seja alcançado
poderá o cliente requerer indenização pelos danos sofridos, de maneira que,
independente da comprovação de que houve todos os cuidados necessários, caberá
responsabilização objetiva do profissional, diante da natureza da obrigação.
Já em situação em que, a titulo de exemplo, um determinado indivíduo
busca um fisioterapeuta com intuito de reaver sua capacidade de caminhar e ter
independência na realização e tarefas diárias, bem como reverter sequelas físicas
e funcionais, deverá o profissional apenas assegurar uma garantia de meio, ou
seja, assumir o compromisso de dedicação do seu conhecimento técnico e arsenal
terapêutico disponível para prover a melhor evolução clínica possível. Assim, o
profissional, não está adstrito ao resultado.
De forma sucinta, quando o fisioterapeuta assume obrigação de meio, deve
realizar a prestação do serviço com zelo, empenho, perícia e prudência de acordo
com as condições técnico-científicas disponíveis, havendo em caso de eventual dano,
responsabilização mediante comprovação de culpa. Já se for obrigação de resultado,
deverá o profissional, entregar o serviço conforme acordado com o paciente,
de maneira que, em caso de resultado indesejado do procedimento, assumirá o

178
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

profissional o dever de indenizar, tal como presente no art. 18630 do Código Civil
e no parágrafo único do art. 92731 do mesmo dispositivo legal, salvo, por meio de
prova de que houve durante o procedimento, ou posterior a ele, o rompimento do
nexo de causalidade entre o dano e a ação do profissional, mediante, por exemplo,
fator imprescindível, caso fortuito ou força maior, ou por comprovação de que o
dano ocorreu devido culpa exclusiva da vitima ou de terceiro.
Antes de iniciar o tratamento do seu paciente, deve o fisioterapeuta
deixar claro todas as etapas do processo de recuperação, bem como as técnicas a
serem utilizadas, pois, o profissional se mostra como detentor dos conhecimentos
técnicos, logo, precisa manter um diálogo aberto com seu paciente, mantendo-o
ciente de todos os procedimentos, eventuais medicamentos e exames necessários,
gravidade da doença, se for o caso, assim como, os tratamentos possíveis e o
desenvolvimento de cada um, os benefícios que se espera alcançar e os riscos dos
procedimentos, ou seja, é preciso proporcionar ao paciente as condições necessárias
para que possa entender e expressar a sua vontade em relação à própria saúde,
devendo a informação não se limitar meramente ao procedimento específico, mas
abranger tudo o que interferir no estado de saúde ou no quadro clínico do paciente/
cliente. O direito de informar qualifica direito básico, de maneira que, a omissão do
profissional poderá acarretar em obrigação de indenizar, diante da não transparência
quanto aos riscos do procedimento feitos pelo fisioterapeuta e não observância ao
art. 14, V, do Regulamento 424 do COFFITO, bem como do art. 31 do CDC32.
A responsabilização do fisioterapeuta, também pode ser vista para além
do direito brasileiro. De acordo com análise realizada da responsabilização civil
do fisioterapeuta no direito polonês, existem três formas de responsabilização
deste profissional. A primeira é o cumprimento indevido da obrigação assumida
ou o não cumprimento integral da obrigação, a segunda é a ocorrência de danos
que constituem perda ou deficiência do paciente, e por fim, a terceira maneira
que é a existência de causa próxima (nexo causal) entre o cumprimento indevido

30 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
31 Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem
32 LEMOS, Victória Ferreira de Oliveira; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. O aumento do número
de ações judiciais no âmbito da relação médico-paciente pela violação do dever de informação. 2019. 25 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Católica do Salvador. Salvador, 2019.
p. 9-11.

179
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

da obrigação e o dano ocorrido nos termos do artigo 36133 do Código Civil da


Polônia34. Conforme rege o art.§ 1º, do supracitado artigo, a pessoa obrigada a
pagar uma indenização é responsável apenas pelas consequências normais das ações
ou omissões da qual o dano surge, ou seja, tem-se aqui a presença nexo causal entre
o dano e a ação como requisito de responsabilização, já que, o fisioterapeuta não é
responsável pelos resultados de ações que podem ser consideradas extraordinárias,
cabendo ao reclamante comprovar essa relação.
A responsabilidade civil do médico/ fisioterapeuta na Polônia é reparada
mediante o pagamento de uma compensação dos danos causados, além disso, o
profissional fica sujeito a um processo penal, se ocorrer um crime, ou consequências
profissionais, ou seja, ação disciplinar, as quais podem ser um aviso, uma reprimenda
ou uma multa. Este último não pode ser superior a um décimo do salário do
profissional35. Observa-se uma forte relação com o direito brasileiro no que se refere
a busca da reparação do dano ocorrido na conduta profissional.
O empregador para quem o fisioterapeuta realiza suas atividades
profissionais sob contrato, na Polônia, também é responsabilizado, tratando-se,
portanto, da existência de responsabilidade objetiva. Entretanto, as disposições do
Código do Trabalho do referido país dizem respeito apenas aos fisioterapeutas que
possuem vínculo empregatício. As consequências relacionadas a responsabilização
do fisioterapeuta polonês dependem de três requisitos: [...] the type of professional
misconduct, the degree of guilt and prior attitude towards work [o tipo de má conduta
profissional, o grau de culpa e a atitude anterior em relação ao trabalho (tradução
nossa)]36, há aqui um forte indício de responsabilização subjetiva do profissional
ao inserir o grau de culpabilidade do mesmo como requisito de responsabilização.
Comparando ao direito brasileiro, apesar da existência de responsabilização objetiva
no direito polonês, a mesma só ocorre quando há existência de um contrato de
trabalho entre o fisioterapeuta e o empregador, enquanto no Brasil a simples

33 POLÔNIA. Código Civil de 23 de abril de 1964. Art. 361. “Causal relationship; damage. § 1. A
person obliged to pay compensation is liable only for normal consequences of the actions or omis-
sions from which the damage arises. § 2. Within the above limits, in the absence of a provision of
the law or contract to the contrary, remedy ofdamage covers the losses which the aggrieved party has
suffered, and the benefits which it could have obtained had it not suffered the damage.”
34 BIDZIŃSKA, Gabriela; KOŁODYŃSKI. Patryk. Medical error and the civil liability of physio-
therapists. Puls Uczelni, Poland, v. 10, 3 ed, p.38-40, 2016. p. 39.
35 Ibid. p. 39.
36 Ibid. p. 39.

180
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

vinculação do fisioterapeuta ao hospital ou clinica, independente de contrato, pode


configurar reponsabilidade objetiva do estabelecimento.

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO


FISIOTERAPEUTA

A legislação brasileira ainda se mostra tímida no que se refere a


responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das clínicas de fisioterapia, embora esteja
em constante crescimento o número de ações judiciais de indenização por danos
causados durante tratamentos fisioterápicos. Dentre os processos relacionados aos
fisioterapeutas, as maiores discussões estão relacionadas a comprovação de nexo de
causalidade, o tipo de responsabilização e a necessidade ou não de comprovação da
culpa do agente. De maneira geral, observa-se que a jurisprudência nacional vem
caminhando no sentido de uma construção crítica acerca do tema, em contrariedade
a simples e imediata objetivação da responsabilidade civil, embora ainda existam
divergências de interpretações no instituto jurídico nesta área.
A comprovação da responsabilização subjetiva do fisioterapeuta
em um caso prático, pode ser observado, por exemplo, em julgado do Egrégio
Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE), em face de fisioterapeuta e clínica ao qual
o profissional estava vinculado. No citado caso, a parte autora após sofrer um
acidente automobilístico causando lesão no cotovelo esquerdo, necessitou, depois
de tratamento cirúrgico, de cuidados de reabilitação em fisioterapia para retorno
à mobilidade do membro afetado, mediante técnica denominada “crochetagem”.
De acordo com a requerente o dado procedimento lhe causou muitas dores e
fraturou seu braço, porém em área diversa daquela do acidente, sendo necessário
se submeter a outro tratamento cirúrgico para correção com a utilização de placa
fixadora, de maneira que, precisou deixar o tratamento anterior com o profissional
em fisioterapia, tendo como consequência a debilidade de seu membro que estava
em tratamento na clinica37.
Em contrapartida, os requeridos (profissional e clinica), comprovaram
que a autora tem total mobilidade do seu braço esquerdo e que a fratura não decorreu
do tratamento de fisioterapia, de modo a sustentar a inexistência de negligência
profissional, alegando que se tratava de um trauma de difícil recuperação decorrente

37 SERGIPE. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação cível nº 201700822515. Apelante:


Aureliane Vasconcelos De Andrade. Apelado: Aureliane Vasconcelos De Andrade e Centrus Pilates
Fisioterapia Ltda. Relator: Ricardo Múcio Santana De A. Lima. Aracaju, 21 de novembro de 2017.

181
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

da primeira cirurgia e que o dano se deveu inclusive de atitude da própria autora


que, durante o tratamento, não seguindo orientações médicas, realizou prática
de mergulho, postando imagens nas redes sociais. Além disso, o tratamento foi
interrompido durante férias, não podendo os requeridos serem culpados pela nova
fratura e nem mesmo pelos valores gastos pela autora com nova cirurgia. Assim, em
análise do conjunto probatório do caso em questão, foi a clinica e o profissional
inocentados frente a ausência dos pressupostos da responsabilidade civil, não sendo
reconhecido o dever de indenizar diante da fragilidade da prova do nexo causal
entre o atendimento prestado e a sequela apresentada (dano), conforme ementa
abaixo transcrita:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR


DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. ERRO
DO PROFISSIONAL DA ÁREA MÉDICA(FISIOTE-
RAPEUTA). INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDA-
DE OBJETIVA DA CLÍNICA CONDICIONADA À
COMPROVAÇÃO DE CULPA DO PROFISSIONAL DA
ÁREA MÉDICA QUE EFETIVOU O ATENDIMENTO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO FISIOTERAPEU-
TA. SUBJETIVA. ATIVIDADE MEIO. NECESSIDADE
DE COMPROVAÇÃO DE CULPA. LAUDO PERICIAL
QUE COMPROVA QUE FORAM ADOTADOS PELOS
RECORRIDOS OS PROCEDIMENTOS RECOMEN-
DADOS PELA RESPECTIVA ÁREA DE FISIOTERAPIA
NO EMPREGO DA TÉCNICA DE “CROCHETAGEM”.
AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A PATOLOGIA
ALEGADA PELA RECORRENTE (FRATURA COM-
PLETA DA DIÁFISE PROXIMAL DA ULNA – CON-
SOLIDADA E O TRATAMENTO DE FISIOTERAPIA
EMPREGADO NA APELANTE. DOCUMENTOS
CONSTANTES NOS AUTOS QUE AFASTAM A RES-
PONSABILIDADE DOS RECORRIDOS, ESPECIFICA-
MENTE RELATOS POSTADOS PELA RECORRENTE
EM REDE SOCIAL (FACEBOOK), NA QUAL HÁ DE-
MONSTRAÇÃO DA AUTORA PRATICANDO MER-
GULHO E “STAND-UP PADDLE”, EM PERÍODO DE

182
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

RECUPERAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPRO-


VIDO. À UNANIMIDADE (grifo nosso)38.

Inicialmente, observa-se que a apelante requereu indenização cumulativa


de mais de um tipo de dano, sejam eles, morais, materiais e estéticos, o que é
totalmente possível, conforme súmula 37 do STJ, na qual, “são cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” e súmula
387 do mesmo Tribunal, em que, é lícita a cumulação das indenizações de dano
estético e dano moral.
Quanto a reponsabilidade civil das clinicas de fisioterapia recai de forma
objetiva, desde que comprovados o dano e o nexo causal. Já ao que se refere ao
profissional em fisioterapia há a existência de responsabilidade subjetiva, de
forma que, é imprescindível a comprovação de culpa. Conforme os argumentos
apresentados, nem a clinica, nem tão pouco o profissional fora responsabilizado,
visto que, o procedimento (reabilitação) corresponde a obrigação de meio, e houve
uma expressa fragilidade do nexo causal entre o dano e a atividade do profissional;
o que afastou a culpa e o dever de indenizar.
Vale se atentar ao fato de que, no caso em questão, houve a relativização
do nexo causal entre conduta e dano; abrindo caminho para a discricionariedade
na aferição destes elementos no caso concreto, o que poderia ocasionar insegurança
ao que tange desde o próprio conceito de responsabilidade até a existência de
decisões incoerentes. Na jurisprudência apresentada, a parte ré informou que a
autora praticou mergulho e interrompeu o tratamento antes deste ser finalizado
causando o rompimento do nexo causal entre a ação do fisioterapeuta e o dano
alegado devida ação da vítima, sobre essa temática:

[...] sempre que o paciente tiver agido de modo a intervir no


tratamento fisioterápico ministrado e causar com sua própria
conduta o dano, ter-se-á configurada a culpa exclusiva da ví-
tima (ou fato exclusivo da vítima), isentando de responsabili-
dade o profissional. No mesmo sentido, a conduta de terceiro
que conduzir ao dano no âmbito do tratamento poderá rom-
per a cadeia de causalidade, afastando o dever de indenizar do

38 SERGIPE. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação cível nº 201700822515. Apelante:


Aureliane Vasconcelos De Andrade. Apelado: Aureliane Vasconcelos De Andrade e Centrus Pilates
Fisioterapia Ltda. Relator: Ricardo Múcio Santana De A. Lima. Aracaju, 21 de novembro de 2017.

183
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

fisioterapeuta (fala-se, então, em culpa exclusiva de terceiro


ou fato exclusivo de terceiro)39.

Houve o rompimento do nexo causal quando a paciente agiu de maneira


incorreta no tratamento fisioterapêutico, o que lhe causou dano, tomando para
si, portanto, culpa exclusiva. Se o dano houvesse decorrido de um terceiro, por
exemplo, também haveria um rompimento da cadeia de causalidade, afastando o
dever de indenizar do fisioterapeuta.
Ademais, se a atuação da própria vítima ou um terceiro contribuir para
eventuais danos, mesmo que não tenha relação com a interrupção do nexo causal,
haverá culpa concorrente. Nesse caso, a doutrina admite que em casos de reconhecida
a culpa concorrente, seja a parcela de culpa da vítima levada em consideração para
reduzir a indenização paga pelo profissional; por fim, nas hipóteses do dano ser
causado por situações que não se encontram na esfera de atuação do profissional
em virtude de caso fortuito ou força maior, ou seja, a existência de situações
extraordinários inevitáveis, tal como, a reação inesperada de um medicamento no
corpo de um paciente, são, por si só, suficientes para impedir a responsabilização
civil do fisioterapeuta40.
Em 2010, em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
houve a condenação de uma clínica de fisioterapia a pagar uma indenização por
danos morais a vitima41. Em tal caso, a paciente havia iniciado um tratamento
para recuperar o movimento total do braço esquerdo, entretanto, durante o
procedimento os aparelhos foram colocados no braço direito de modo culposo
causando queimaduras em um local saudável. Nesse sentido, o enquadramento
fático levou à configuração do ato ilícito, o que atraiu a responsabilidade civil
objetiva da clínica de fisioterapia pela atitude culposa da fisioterapeuta. Visto que,
foi a profissional impedida de trabalhar no dia seguinte e a clinica oferecido a
paciente “paracetamol e uma pomada”, além do atendimento dermatológico, houve
o reconhecimento de erro da clinica, não somente pela troca dos braços, já que este
equívoco em si, não teria maiores efeitos caso a paciente houvesse avisado, como
também pela queimadura que, em hipótese alguma, poderia ter ocorrido, havendo,

39 FURTADO, Gabriel Rocha. Responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das clínicas de fisiotera-
pia. Civilistica.com, a. 3, n. 2. Rio de janeiro, 2014. p. 14.
40 Ibid. p. 14.
41 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível nº AC 0000128-85.2008.8.19.0082.
Apelante: Lucia Eulalia Ramos De Freitas. Apelada: Clinica De Fisioterapia HALFELD. Relator: Des.
Gilberto Dutra Moreira. Rio de Janeiro, 02 de junho de 2010.

184
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

portanto, ação culposa da profissional ao provocar as queimaduras na paciente42.


Assim, houve o entendimento por parte dos julgadores de ter sido suficientemente
demonstrado o nexo causal entre o tratamento fisioterápico e o dano sofrido pela
autora. Já quanto a fisioterapeuta, observa-se que houve negligencia, caracterizando
responsabilidade subjetiva.
Vale ressaltar que, em casos nos quais o profissional em fisioterapia é
empregado em clinicas, hospitais, ou mesmo é sócio ou faz parte do corpo clínico,
tal estabelecimento deverá responder de maneira solidária pelos atos culposos de
seu preposto, mediante responsabilidade objetiva (relação entre o dano e o nexo
causal). Logo, embora a responsabilidade do dado estabelecimento seja objetiva; o
dever de indenizar só será obrigado mediante a comprovação de culpa de prestação
de serviço defeituoso por parte do profissional a ele ligado, conforme ocorreu na
jurisprudência supracitada. Assim, é valido considerar que, mesmo após a vigência
do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade das clinicas e hospitais,
ficam restritas a comprovação de culpa do profissional.
Conforme já apresentado, em caso de comprovação de culpa do
profissional, cabe à clínica de fisioterapia o direito de regresso contra o fisioterapeuta
que culposamente tenha causado o dano à paciente com base no art. 934 do Código
Civil, segundo o qual não se exonera de responsabilidade o terceiro, autor do dano,
e é garantido o direito de ressarcimento de dano causado por outrem. Assim, a
clinica ou hospital poderá reembolsar o que houver pagado a titulo de indenização
para a vitima.

5 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil leva em consideração alguns requisitos


fundamentais, sendo eles: o dano (patrimonial ou extrapatrimonial), o nexo causal,
a atividade humana (ação ou omissão) e, nos casos de responsabilidade subjetiva,
a culpa. A existência de tais pressupostos encontram-se presentes desde a essência
da responsabilidade civil, estando o conceito de culpa no ordenamento jurídico
desde o Código Civil de 1916. A existência de culpa caracteriza a denominada
responsabilidade subjetiva, a qual surge a partir da realização de um ato ilícito,
ou seja, aquele em que se contraria o ordenamento jurídico lesando o direito de
alguém, de modo a nascer a obrigação de reparar o dano diante da comprovação

42 FURTADO, Gabriel Rocha. Responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das clínicas de fisioterapia.
civilistica.com, a. 3, n. 2. Rio de janeiro, 2014. p. 11-12.

185
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

da culpa do agente e do nexo causal entre o dano causado e a antijuricidade da


conduta.
Posteriormente, diante da observância de hipossuficiência da vitima em
relação ao causador do dano para comprovação de culpa em alguns casos, como na
relação empregador-empregado em causas trabalhistas, por exemplo, surge a ideia
de responsabilidade objetiva; regulamentada no Código Civil de 2002 (art. 927,
parágrafo único), na qual, há somente a necessidade de existência de um dano e de
um nexo causal, excluindo-se a culpa como pressuposto de responsabilização, ela é
admitida em casos especificados em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Quando a fisioterapia em si, trata-se de uma profissão autônoma
e independente, que tem como atribuição principal exercer técnicas e métodos
terapêuticos com intuito de restaurar, desenvolver e conservar a condição física do
paciente. A legislação brasileira ainda se mostra tímida quanto a responsabilidade civil
dos fisioterapeutas e das clínicas de fisioterapia, entretanto, é possível compreendê-
la por meio da análise do disposto principalmente no Código Civil de 2002; ao
trazer o conceito e regulação da responsabilidade objetive e subjetiva; no § 4º do art.
14 do Código de Defesa do Consumidor, o qual trata da responsabilidade pessoal
dos profissionais liberais mediante a verificação de culpa, além dos regulamentos do
Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO).
O COFFITO instituiu o seu primeiro Código de Ética da Fisioterapia
através da Resolução n.º 10/1978, entretanto, foi revogado e substituído pela
Resolução nº 424, de 08 de Julho de 2013, a qual regulamenta entre outras questões,
os deveres, competências, proibições e responsabilidades do fisioterapeuta.
Além disso, a relação do fisioterapeuta com seu paciente/cliente
corresponde a uma relação de consumo, pois há existência de um consumidor
(cliente/paciente), um fornecedor (fisioterapeuta) e um serviço em circulação
(tratamentos, procedimentos etc.). Por se tratar de uma profissão liberal;
diferentemente das demais relações de consumo, será a responsabilidade civil do
profissional aferida frente a comprovação de culpa em caso de eventual dano ao
consumidor (art. 14, §4º, CDC).
No que se refere a existência de dano causado pelo profissional, este
poderá ser material ou extrapatrimonial (dano moral, estético, biológico ou
existencial), podendo a pessoa que se sentir lesada optar pela cumulação de danos

186
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

sob o mesmo fato, conforme entendimento da pacífico do Supremo Tribunal de


Justiça (Súmulas 37 e 387).
Quanto a natureza da obrigação exercida pelo fisioterapeuta poderá ser
de meio ou de resultado. A obrigação será de meio quando se garante a prestação
do serviço com zelo, empenho, perícia e prudência de acordo com as condições
técnico-científicas disponíveis, sem, contudo, garantir um resultado, tal como ocorre
nas atividades fisioterapêuticas que buscam o tratamento, reparação, prevenção ou
promoção da saúde. A obrigação será de resultado quando o profissional garantir
uma entrega definitiva do objeto contratado, tal como ocorre em tratamentos
estéticos. Ao que se refere a primeira obrigação, em caso de possível dano,
responderá o fisioterapeuta mediante comprovação de culpa, ou seja, trata-se da
responsabilidade subjetiva. Já na obrigação de resultado, responderá o profissional
com responsabilidade objetiva, salvo nas hipóteses de existência de caso fortuito ou
força maior, ou dano causado por culpa exclusiva da vitima ou de terceiro.
Ocorrendo de o fisioterapeuta exercer sua atividade em clinica ou
hospital; responderá o estabelecimento a ele relacionado de maneira objetiva,
embora, o pagamento indenizatório só ocorra mediante comprovação de culpa
do profissional. Em caso do estabelecimento ser responsabilizado por ato do
profissional poderá entrar com direito de regresso contra o mesmo (arts. 927,932,
III, 933e 934, Código Civil).
Além disso, conforme regulamentação do Código de Código de Ética e
Deontologia da Fisioterapia (Resolução nº 424/2013), os erros causados de modo
culposo por fisioterapeuta não são reduzidos mesmo quando este se dá no âmbito
da coletividade de uma instituição ou equipe, devendo cada profissional responder
no limite da sua culpabilidade. Ressalta-se que a responsabilização do fisioterapeuta,
além de ser aferida diante de ação danosa causada pelo profissional, também
poderá ocorrer diante de omissão do mesmo, ou seja, pela falta de transparência
nas informações dadas aos pacientes/clientes frente aos procedimentos e riscos de
tratamentos e medicamentos. Assim, a não observância ao direito de informar
também poderá acarretar em obrigação de indenizar.

187
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Eric Rola. A responsabilidade civil do fisioterapeuta: Uma análise


crítica da doutrina e jurisprudência brasileiras. Amapá, 2017.

BARROS, Fábio Batalha Monteiro de. ​A formação do fisioterapeuta na UFRJ e a


profissionalização da Fisioterapia. Dissertação (Pós-graduação em Saúde Coletiva)
– Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2002.

BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais: estético, biológico e existencial:


breves considerações. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 73, n. 1,
p. 26-29, jan. 2009.

BIDZIŃSKA, Gabriela; KOŁODYŃSKI. Patryk. Medical error and the civil


liability of physiotherapists. Puls Uczelni, Poland, v. 10, 3. ed, p. 38-40, 2016.
Disponível em: https://www.dbc.wroc.pl/Content/36325/PDF/Puls_Uczelni_
nr_3_2016_.pdf. Acesso em: 20 jan. 2021.

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8.078, de 11 de setembro de1990.

BRASIL. Lei nº 6.316, de 17 de dezembro de 1975. Cria o Conselho Federal


e os Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional e dá outras
providências.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 693454 RS


2004/0143653-9. Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 14/11/2005, Data de
Julgamento: 03/11/2005.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível nº AC 0000128-


85.2008.8.19.0082. Apelante: Lucia Eulalia Ramos De Freitas. Apelada: Clinica
De Fisioterapia HALFELD. Relator: Des. Gilberto Dutra Moreira. Rio de
Janeiro, 02 de junho de 2010.

188
CAVALCANTE, Lara Campelo. O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana como fundamento da produção da existência em todas as suas formas. 115 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007.

COUTO, Renato Camargoos et al. II anuário da segurança assistencial hospitalar


no Brasil. Belo Horizonte: IESS-UFMG, 2018.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. Estatuto


Social da Confederação Nacional das Profissões Liberais. Brasília, 2018. Disponível
em: https://www.cnpl.org.br/wp-content/uploads/2020/05/ESTATUTO-
SOCIAL-CNPL.pdf.

CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL.


Resolução nº 424, de 08 de julho de 2013. Estabelece o Código de Ética e
Deontologia da Fisioterapia.

DIAS, Jefferson Aparecido; MESSIAS, Ewerton Ricardo. Responsabilidade civil


contratual e extracontratual frente à responsabilidade civil ambiental: uma análise
sob o direito pós-moderno. Revista de Direitos Fundamentais & Democracia,
Curitiba, v. 24, n. 1, p. 243-265, jan/abr. 2019.

FURTADO, Gabriel Rocha. Responsabilidade civil dos fisioterapeutas e das


clínicas de fisioterapia. Civilistica.com, a. 3, n. 2. Rio de janeiro, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4.


ed. São Paulo: Saraiva. v. IV.

LEMOS, Victória Ferreira de Oliveira; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. O


aumento do número de ações judiciais no âmbito da relação médico-paciente pela
violação do dever de informação. 2019. 25 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação) – Universidade Católica do Salvador. Salvador, 2019.

MIRANDA, Luiza Dutra. A responsabilidade civil dos médicos nas cirurgias


estéticas. 2012. 70 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2012.

MAHUAD, Cassio; MAHUAD, Luciana Carone Nucci Eugenio. Imputação


da responsabilidade civil: responsabilidade objetiva e subjetiva. In: GUERRA,

189
Alexandre Dartanhan de Melo; BENACCHIO, Marcelo (coord.).
Responsabilidade civil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2015.

MARCHI, Cristiane de. A culpa e o surgimento da responsabilidade objetiva:


evolução histórica, noções gerais e hipóteses previstas no Código Civil. Revista dos
Tribunais [recurso eletrônico]. São Paulo, n. 964, fev. 2016. p. 5.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

OLIVEIRA, Ana Luiza de Oliveira e. Da prática fisioterapista à fisioterapia como


profissão, 2011. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva, área de concentração
Ciências Sociais em Saúde) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

POLÔNIA. Código Civil de 23 de abril de 1964. Disponível em: https://


supertrans2014.files.wordpress.com/2014/06/the-civil-code.pdf. Acesso em: 25
jan. 2021.

REZENDE, Monica de; et al. A equipe multiprofissional da Saúde da Família:


uma reflexão sobre o papel do fisioterapeuta. Ciência & Saúde Coletiva. v. 14, n.
1, 2009. p. 1403-1410.

SERGIPE. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação cível nº


201700822515. Apelante: Aureliane Vasconcelos De Andrade. Apelado:
Aureliane Vasconcelos De Andrade e Centrus Pilates Fisioterapia Ltda. Relator:
Ricardo Múcio Santana De A. Lima. Aracaju, 21 de Novembro de 2017.

190
09 Fonoaudiólogo

Fábio Antunes Gonçalves


Lílian Caroline Costa Câmara

1 INTRODUÇÃO

A arte da cura é uma prática que existe desde os primórdios da civilização.


Desde momentos onde se há menção à existência de vida humana também se existe
menções à prática da cura, que só veio a evoluir e ser recebida de formas diferentes
pela sociedade. Por exemplo, durante a Idade Média o uso de ervas e plantas para
se proporcionar ou acelerar o processo de cura de um ferimento ou doença foi uma
prática ligada à bruxaria e centenas de mulheres foram queimadas em fogueiras sob
essa justificativa1.
Com o passar dos anos, foi se desenvolvendo mais conhecimento e novos
métodos de cura foram surgindo, fossem elas eficazes, ou não, foi algo que os
homens tiveram que perceber com a prática, como podemos observar em “O amor
e outros Demônios”2 de Gabriel Garcia Marques, onde por causa de um ferimento
usaram lavagens e sanguessugas em uma menina que mal possuía um corte, estava

1 STERZA, Valentino. Plantas mágicas no medievo: mulheres, magia e igreja. 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/16652/1/VS31102019.pdf. Acesso em: 3 fev.
2021
2 MÁRQUEZ, Gabriel García. Do amor e outros demônios. Rio de Janeiro: Record, 1993. passim.

191
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

mais para um arranhão3. Ou em “O Alienista”4 de Machado de Assis, que se passa


mais ou menos na época em que se desenvolvia o ramo da psiquiatria, e no qual um
médico ao diagnosticar quase uma cidade inteira como “louca”, chega à conclusão
de que o “louco” era ele5.
Contudo, até o momento, sabia-se de uma coisa, todas essas práticas
visavam a cura, ou pelo menos a melhora dos pacientes. Até que chegaram
momentos históricos, como a 2ª Guerra Mundial, onde de um lado tinha-se
conhecimentos médicos sendo utilizados nos tratamentos de soldados e do outro
tais conhecimentos eram utilizados para se desenvolver formas mais eficazes de
matar. Enquanto, paralelamente, seres humanos eram usados como cobaias em
campos de concentração6.
Sem dúvidas, a história do cuidado com a saúde e bem-estar humanos é
longa, cheia de entraves, momentos decisivos, descobertas e revelações. Entretanto,
uma das coisas que se pode observar, de forma clara e progressiva, é a quebra do
endeusamento dos profissionais da saúde.

3 “Um jovem médico de Salamanca abriu a ferida fechada de Sierva María e pôs-lhe umas cata-
plasmas cáusticas para extrair os humores rançosos. Outro tentou a mesma coisa com sanguessugas
nas costas. Um barbeiro sangrador lavou a ferida com a urina dela própria e outro a fez bebê-la. Ao
fim de duas semanas ela havia suportado dois banhos de ervas e duas lavagens emolientes por dia, e
levaram-na à beira da agonia com cozimentos de antimônio natural e outros filtros mortais. A febre
cedeu, mas ninguém ousou proclamar que a raiva estivesse conjurada. Sierva María sentia-se morrer.
A princípio resistia com o orgulho intacto, mas após duas semanas sem nenhum resultado tinha uma
úlcera de fogo no tornozelo, a pele escaldada por sinapismos e vesicatórios, e o estômago em carne
viva. Passara por tudo: vertigens, convulsões, espasmos, delírios, solturas de ventre e de bexiga, e se
retorcia no chão uivando de dor e de fúria.” Ibid. p. 34-35.
4 ASSIS, Machado de. O alienista. Rio de Janeiro: Penguin e Companhia das Letras, 2014. passim.
5 “Ato contínuo, recolheu-se à Casa Verde. Em vão a mulher e os amigos lhe disseram que ficasse,
que estava perfeitamente são e equilibrado: nem rogos nem sugestões nem lágrimas o detiveram um só
instante. – A questão é científica – dizia ele. – Trata-se de uma doutrina nova, cujo primeiro exemplo
sou eu. Reúno em mim mesmo a teoria e a prática. – Simão! Simão! Meu amor! – dizia-lhe a esposa
com o rosto lavado em lágrimas. Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção científica,
trancou os ouvidos à saudade da mulher e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde,
entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo. Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses
no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada. Alguns chegam ao ponto de conjetu-
rar que nunca houve outro louco além dele em Itaguaí, mas esta opinião, fundada em um boato que
correu desde que o alienista expirou, não tem outra prova senão o boato[...].” ASSIS, Machado de. O
Alienista. Rio de Janeiro: Penguin e Companhia das Letras, 2014. p. 61.
6 REZENDE, Rodrigo. Doutores da agonia: por dentro da ciência nazista. 2019. Disponível em:
https://super.abril.com.br/ciencia/doutores-da-agonia/. Acesso em: 3 fev. 2021.

192
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Dentre uma enorme gama de profissões da saúde, temos o fonoaudiólogo.


E diante da sua importância, o presente capítulo objetiva analisar a responsabilidade
civil dos fonoaudiólogos no Brasil que atuam como profissionais liberais (em regra),
tendo como parâmetro as legislações vigentes e aplicáveis a eles. É preciso refletir
até que ponto eles são responsáveis por erros que venham eventualmente a cometer
no exercício de suas atividades profissionais, principalmente, na essência da relação
que se estabelece entre o fonoaudiólogo e o paciente.
Fazendo uso de uma pesquisa de natureza objetiva descritiva, a partir de
uma análise crítica da doutrina e da legislação, pretende-se apresentar o panorama
e a realidade do contexto da Responsabilidade Civil dos fonoaudiólogos.

2 FONOAUDIÓLOGO: A FORMAÇÃO DE UM CONTRATO E A


RESPONSABILIDADE CIVIL

A fonoaudiologia é um dos ramos da saúde voltados para o cuidado com


a comunicação humana, tratando de aspectos como a fala, linguagem, audição
e aprendizagem. O Parágrafo Único do art. 1º da Lei nº 6.965/81 que regula
o exercício desta profissão define o fonoaudiólogo como um “profissional, com
graduação plena em Fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção, avaliação
e terapia fonoaudiológicas na área da comunicação oral e escrita, voz e audição,
bem como em aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz”7. Tais profissionais
podem atuar em clínicas, grandes hospitais ou em consultórios próprios, de forma
autônoma.

2.1 A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FONOAUDIOLOGIA

Atuando de forma autônoma, o profissional fonoaudiólogo oferece os


seus serviços diretamente ao seu paciente ou a algum familiar deste, e presta serviços
de tratamentos que envolvam a melhoria ou recuperação da fala de um paciente, a
sua escrita, em aspectos e procedimentos relacionados à mastigação desse paciente,
declutinação e até alguns movimentos respiratórios.
Ao realizar um diagnóstico, ou já com um diagnóstico elabora-se um
plano de tratamento para o paciente, note-se que entre esse determinado paciente e

7 BRASIL. Lei nº 6.965, de 09 de dezembro de 1981. Dispõe sobre a regulamentação da profissão


de Fonoaudiólogo, e determina outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil03/leis/l6965.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.

193
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

o profissional se estabelece um contrato8, o qual recomenda-se que seja escrito, mas


na maioria das vezes ocorre verbalmente. A partir deste momento, o fonoaudiólogo
está assumindo o compromisso e a obrigação de agir de forma ética e responsável
com o seu paciente, seguindo as diretrizes do Código de Ética da Fonoaudiologia9.
O contrato acordado entre as partes se caracteriza como um “contrato
de meio”. O profissional se compromete a realizar o tratamento necessário ao
caso, com excelência e profissionalismo necessários. Contudo, ele não assume
nenhum compromisso quanto ao resultado que será obtido. Por exemplo, caso
de um fonoaudiólogo que é contratado para atuar no processo de “reabilitação
de fala” de uma pessoa que foi intubada e teve suas cordas vocais danificadas, ele
não pode se comprometer de que o resultado obtido será uma recuperação total.
Cada organismo pode reagir de forma diferente, mesmo que por vezes expostos aos
mesmos estímulos.
Ademais, outro fator que podemos perceber nesta relação contratual é o
de que se trata de uma relação de consumo (§ 4º, art. 14, CDC). Um dos grandes
desafios atuais do contexto jurídico é delimitar o que seria uma relação de consumo,
ou seja, quando o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado e quando
não deve. Principalmente quando se adiciona a equação as novas relações e vínculos
de trabalho existentes no mundo contemporâneo.
O Código de Defesa do Consumidor10 estabelece que são necessários
três elementos para que se estabeleça uma relação de consumo: o fornecedor, o
consumidor e o produto ou serviço. Em se tratando do primeiro elemento,
fornecedor, o dispositivo, em seu art. 3, o caracteriza como podendo ser uma pessoa
física que realiza a prestação de um serviço com habitualidade e profissionalismo.
Assim ocorre com o profissional da fonoaudiologia, que presta os seus serviços para
com o paciente exercendo a sua profissão e com habitualidade.

8 PERES, Arsenio Sales; PERES, Silvia Helena de Carvalho Sales; SILVA, Ricardo Henrique Alves
da; CALDANHA, Magali de Lourdes. In: O Fonoaudiólogo Frente ao Erro Profissional. Jornal Bra-
sileiro de Fonoaudiólogia, [s. l], p. 60-65, 2006. p. 63.
9 CONSELHO FEDERAL DE FONOAUDIOLOGIA. Código de Ética da Fonoaudiologia. Dis-
ponível em: https://www.fonoaudiologia.org.br/legislac%CC%A7a%CC%83o/codigo-de-etica/.
Acesso em: 3 fev. 2021.
10 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.

194
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O segundo elemento a ser verificado para se comprovar a natureza


consumerista dessa relação é o consumidor. O supracitado código, em seu art. 211,
o caracteriza como sendo qualquer pessoa, seja física ou jurídica, que adquire ou
faz uso de um produto ou serviço como destinatária final. Tal conceito se encaixa
perfeitamente na situação, o paciente é quem faz uso do serviço prestado pelo
fonoaudiólogo, ele é o destinatário final.
Por fim, o terceiro elemento, o produto ou serviço. No caso na relação
existente entre um fonoaudiólogo e seu paciente está sendo fornecido um serviço,
este o qual é determinado caso a caso, a depender do quadro clínico do contratante,
mediante pagamento. Sendo, desse modo, coerente com o determinado no § 2° do
art. 312 do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, podemos destacar ainda a presença de um outro elemento
característico de relações de consumo, a vulnerabilidade técnica13. A partir do
momento que esse consumidor paciente contrata um profissional para montar/
executar o seu tratamento - ele está assumindo que não se trata de uma área que ele
domina ou entende sobre, afinal o fonoaudiólogo precisou de anos de graduação,
no mínimo, para atingir os conhecimentos que possui e assim, o paciente deposita
toda a sua confiança e fé nesse profissional. Logo, tem-se uma relação de consumo,
devendo serem aplicadas as determinações da lei consumerista.

2.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é um fenômeno positivado pelo ordenamento


jurídico brasileiro, mais especificamente pelos artigos 186, 187 e 927 do Código
Civil14 e que visa responsabilizar aqueles que por ação, omissão, negligência ou

11 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.
12 Ibid.
13 “A vulnerabilidade técnica decorre do fato de não possuir o consumidor conhecimentos específicos
sobre o processo produtivo, bem assim dos atributos específicos de determinados produtos ou serviços
pela falta ou inexatidão das informações que são prestadas. É o fornecedor que detém o monopólio
do conhecimento e do controle sobre os mecanismos utilizados na cadeia produtiva. Ao consumidor
resta, somente, a confiança, a boa-fé, no proceder honesto, leal do fornecedor, fato que lhe deixa
sensivelmente exposto.” CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2019. p. 60.
14 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.

195
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

imprudência causem dano a outrem ou que violem alguma regra positivada que
rege as relações sociais15 e ainda nas circunstâncias de abuso do direito. Sendo
constituída por quatro elementos, a conduta humana, a culpa genérica ou lato
sensu, o dano e o nexo de causalidade (Teoria Subjetiva). E sujeitando os autores
ao pagamento de uma indenização à vítima, como uma tentativa de reparação,
compensação e mitigação de danos16.
Dentre os elementos constitutivos, temos a conduta humana, a qual é
caracterizada por ser o elemento gerador da responsabilidade, podendo ocorrer por
meio de uma ação voluntária, chamada comumente de positiva, ou por uma ação
negativa, aquela decorrente de uma negligência, imprudência ou imperícia17. A
culpa, por sua vez, é o não cumprimento de um dever preexistente, podendo esse
descumprimento ocorrer de forma dolosa, sendo intencional, ou culposa, por meio
de uma imprudência, negligencia ou imperícia18.
Temos ainda o dano, o qual pode ser material ou imaterial e corresponde
a perda, o sofrimento, ou o mal ao qual a vítima foi exposta19. E, por fim, o nexo
de causalidade, o qual consiste na relação existente entre a conduta praticada e o
dano ocorrido. Trata-se de uma relação de causa e efeito, a ação praticada precisa ter
gerado aquele dano sofrido, estabelecendo-se assim o nexo de causalidade20.
A responsabilidade civil pode ser classificada em subjetiva e objetiva. A
primeira, se constitui na ideia de que uma pessoa deve ser responsabilizada pela
sua própria culpa e é decorrente de casos onde por um ato doloso ou culposo do
agente, a vítima venha a sofrer um dano. Desse modo, a vítima possui o direito de
receber uma reparação daquele que lhe causou o prejuízo, sendo necessário que ela
comprove a culpa do agente21.
A segunda modalidade da responsabilidade, a objetiva, se caracteriza por
não ser necessário comprovar a culpa do autor. Para que este possua a responsabilidade

15 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: respon-
sabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 39.
16 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo:
Método, 2015. p. 372.
17 Ibid. p. 373.
18 Ibid. p. 375-377.
19 Ibid. p. 406.
20 Ibid. p. 387.
21 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 43-44.

196
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

legal de indenizar basta que se comprove o nexo causal entre a atitude dele e o dano
gerado. Esta modalidade será aplicada apenas nos casos previstos em lei, como
determina o art. 927 do Código Civil22 e ainda nas atividades de risco (P. Ú., art.
927, CC). Contudo, caso o autor comprove, por exemplo, que o dano foi causado
por culpa exclusiva da vítima, este poderá ser eximido da obrigação de indenizar23.
Ademais, pode ser classificada também em extracontratual ou aquiliana,
quando é decorrente da violação de uma norma positivada, de um ato ilícito. E em
contratual, a qual ocorre quando a conduta praticada se configura como contraria
uma norma jurídica contratual anteriormente existente entre as partes. Nesse caso,
o não cumprimento (inexecução) dessa obrigação antes estabelecida é que vai
ocasionar o dano.
A existência do instituto da responsabilidade civil e do dever de indenizar
possui algumas funções, em linhas gerais, a reparatória que visa ressarcir a vítima
(dano patrimonial) e no caso do dano moral, o aspecto compensatório, ou seja,
compensar, ou pelo menos tentar compensar/amenizar o dano sofrido. A função
punitiva, a qual ocorre para com o agente, como forma de desestimulá-lo a realizar
ações que causem dano a outrem. E a função precaucional, a qual busca inibir
que qualquer outra pessoa realize uma atividade que possa causar dano a outrem,
ficando inclusive alerta para que não o faça mesmo sem intenção24.
Com base nestas funções basilares da responsabilidade civil, os tribunais
do país têm se dedicado cada vez mais a obtenção de justiça em casos envolvendo o
instituto. Analisando-se cada vez mais profundamente os danos que foram causados
à vítima e os impactos em suas vidas e não mais apenas as condutas do agente25.
Desse modo, para se aferir a responsabilidade de um fonoaudiólogo para com o
seu paciente, será feita toda uma análise das obrigações desse profissional para com
o ofendido, levando sempre em consideração os danos ao qual esse foi exposto, e
funcionando como um mecanismo de garantia de direitos.

22 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.
23 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 44-45.
24 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 62.
25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018. v. 4. p. 45.

197
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

3 REGULAMENTAÇÃO DA FONOAUDIOLOGIA E A FORMA DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

O exercício da fonoaudiologia, assim como o de outras áreas da saúde,


se realizado de modo a violar as normas positivadas que regem a sociedade e a
profissão, tais como a Constituição Federal de 1988, Código Civil, o Código de
Defesa Do Consumidor, a Lei nº 6.965, que dispõe sobre a regulamentação da
profissão do fonoaudiólogo, o Código de Ética da fonoaudiologia, pode gerar uma
responsabilização administrativa, civil e até penal.
Em se tratando da responsabilidade civil, um dos grandes desafios é
delimitar o seu contorno e aplicação, principalmente com relação ao exercício de
uma atividade do profissional liberal. Quando se está em face do exercício de uma
atividade profissional, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona afirmam estar em análise
e discussão sempre a possibilidade de uma responsabilidade Civil Contratual. Isto
porque a partir do momento que uma relação de prestação de serviços profissionais
é firmada se estabelece um contrato, onde ambas as partes possuem obrigações a
cumprir26.
As obrigações oriundas desse contrato firmado, seja ele escrito ou oral,
podem ser de meio ou de resultado. As obrigações de resultado são aquelas em que,
como o próprio nome já diz, o profissional se compromete a entregar um resultado
específico acordado e caso não consiga obter esse resultado estará descumprindo
com o contrato27.
Já as obrigações de meio são aquelas em que o profissional se compromete
a agir de um determinado modo, prestar um determinado serviço, realizar uma
atividade com toda a responsabilidade e competência que possuir, mas não assume
nenhum compromisso quanto ao resultado que será obtido com o trabalho
desenvolvido28.
Quando falamos da relação estabelecida entre o fonoaudiólogo e o seu
paciente, este profissional se compromete em realizar o tratamento necessário no
caso em específico da melhor forma que puder, com responsabilidade, cautela e
competência. Contudo, não pode se comprometer com a obtenção de um resultado.

26 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 272.
27 Ibid. p. 273.
28 Ibid. p. 273.

198
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Como já mencionado, o profissional não pode prometer uma recuperação total ao


paciente.
Desse modo, ao ocorrer algum dano em uma relação fonoaudiólogo-
paciente, para que esse profissional seja responsabilizado é preciso que seja
comprovado o elemento culpa ou, e consequentemente, o descumprimento de uma
obrigação da relação contratual29.
Neste sentido, o art. 18630 do Código Civil de 2002 dispõe acerca da
culpa stricto sensu, determinando que qualquer pessoa que causar um dano a outra,
mesmo que sem a intenção, por ação ou omissão, negligência ou imprudência
comete um ato ilícito e deve ser responsabilizado. Nessa acepção, ao refletir sobre
o artigo 1.545 do antigo Código Civil, o qual corresponde ao art. 951 do atual,
Clóvis Beviláqua afirmou que:

A responsabilidade das pessoas indicadas neste artigo, por


atos profissionais, que produzem morte, inabilitação para
o trabalho ou ferimento, funda-se na culpa; e a disposição
tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender in-
vocar, de ser o dano um acidente no exercício da profissão.
O Direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte
segundo os preceitos que ele estabelece, e com as cautelas
necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes e
fregueses, bens inestimáveis, que se lhes confiam no pres-
suposto de que os zelem. E esse dever de possuir a sua arte
e aplicá-la, honesta e cuidadosamente, é tão imperioso,
que a lei repressiva lhe pune as infrações31.

A culpa a qual se faz referência é aquela de sentido jurídico, podendo


ocorrer por meio das ações supracitadas e especificadas agora. A imprudência se
configura quando as atitudes do profissional são realizadas de forma descuidada e
sem a atenção necessária. A negligência, de forma semelhante a imprudência, para
ser caracterizada precisa existir uma falta de cuidado, é uma falta de atenção para

29 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsa-
bilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 276.
30 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 3 fev. 202.
31 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1926. 5 v. p. 329-330

199
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

com os cuidados necessários naquela prática. Podendo ainda a culpa, ser fruto de
uma imperícia, uma ausência de habilidade e capacidade técnica32.
Ademais, temos que a responsabilidade civil dos profissionais liberais é
de natureza subjetiva, a qual será regulada pelo Código de Defesa do Consumidor,
por se tratar de uma lei especial e, de tal modo, o CDC prevalecerá sobre o Código
Civil de 2002. Destarte, o Código de Defesa do consumidor reforça a necessidade
de comprovação do elemento culpa, no caso dos profissionais liberais, por força
do § 4° do seu art. 1433, ao afirmar explicitamente que a responsabilidade dos
profissionais liberais somente poderá ser visualizada mediante a comprovação da
culpa deste.

4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA

Fazendo coro às exposições acima podemos citar a Apelação Cível de


número 70083302984 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul34, uma ação
contra um cirurgião dentista e cujo relator foi o desembargador Tasso Caubi Soares
Delabary.
No caso, a autora alegou ter procurado o consultório do dentista
para realizar a extração de seis dentes e fazer um implante dentário, em razão
de possuir uma doença periodontal. Após realizada a extração foram colocados
quatro implantes com os quais a autora alega não ter se adaptado desde a prótese
provisória, pois não teria espaço para a língua, fazendo com que ela ficasse presa.
Com a colocação da prótese definitiva, ela afirmou que o problema passou a ser
outro, ficou larga demais, o que fez com que ela desenvolvesse um deslocamento
do maxilar e paralisia facial.
A autora alegou ainda que, ao relatar a situação de incômodo ao dentista,
este afirmou que ela teria que se acostumar. Assim, a paciente pleiteou uma
indenização por danos morais devido a dor que lhe foi infringida e a perda de

32 PERES, Arsenio Sales; PERES, Silvia Helena de Carvalho Sales; SILVA, Ricardo Henrique Alves
da; CALDANHA, Magali de Lourdes. O Fonoaudiólogo frente ao erro profissional. Jornal Brasileiro
de Fonoaudiólogia, [s. l], p. 60-65, 2006. p. 62.
33 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.
34 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70083302984. Relator: De-
sembargador Tasso Caubi Soares Delabary. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispruden-
cia/801957965/apelacao-civel-ac-70083302984-rs/inteiro-teor-801957974. Acesso em: 4 fev. 2021.

200
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

movimentos no maxilar, o que afetou o seu processo mastigatório e de fala. Somada


a uma indenização material, a qual consiste na devolução do valor pago para o
tratamento.
Em se tratando do dentista, réu na ação, ele contestou a narração
feita pela autora. Afirmou que ela chegou ao seu consultório com um quadro de
periodontite e com a indicação de remoção dos dentes remanescentes e implantes.
Após colocada a prótese provisória ele alega não ter recebido queixas. Foi só após
a aplicação da prótese permanente que a autora reclamou de dores, um mês após a
colocação.
Embora não tenha notado nenhum resultado anormal, o réu conta que
se disponibilizou para colocar uma nova prótese, o que foi aceito pela autora e
realizado. Contudo, passado mais um mês, voltou a possuir queixas, agora com
relação à língua. O réu conta que agendou uma consulta para o dia seguinte, a qual
ela não compareceu.
Numa análise jurídica, o desembargador Tasso Caubi deixa claro que
a relação entre a autora e o réu é regida pelo Código de Defesa do Consumidor,
e a responsabilidade civil do caso é de natureza subjetiva, e conforme preceitua o
supracitado código no seu art.14 § 4°, a responsabilidade dos profissionais liberais
só ocorre mediante a verificação de culpa. Ademais, ressaltou que, a maioria dos
contratos estabelecidos entre profissionais da saúde e seus pacientes são de obrigação
de meio. Contudo, a odontologia se configura como uma exceção e trata-se de uma
obrigação de resultado, devido ao nível de interesse estético envolvido.
Seguindo no caso e analisando a parte probatória, o mencionado
desembargador afirmou haver divergência com a prova realizada e a versão da
autora. Pois, a prova pericial apontou que o serviço prestado e a técnica aplicada
pelo réu foi a adequada para a condição da autora, tendo ele boa técnica e não
sendo notada anormalidades.
Desse modo, ao não ser verificada nenhuma atitude inadequada por parte
do dentista, então réu, e que a autora consegue se expressar e articular corretamente
as palavras, não apresentando sinais de lesão nos tecidos e com a possibilidade de
melhora da mastigação com a troca de sua prótese total superior o desembargador
optou por manter a sentença anterior de improcedência, reafirmando a ausência
de vício na prestação do serviço e ausência de nexo causal para com as queixas da
autora.

201
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Estabelecendo-se um paralelo entre esse caso e a situação do fonoaudiólogo


pode-se perceber diversas similaridades. Ambos os casos se tratam de prestação
de serviços profissionais de saúde de forma liberal, se configurando como uma
relação de consumo, tendo assim incidência do Código de Defesa do Consumidor
na sua regulamentação. Assim, ensejam uma responsabilidade civil subjetiva, sendo
necessária a comprovação de culpa destes profissionais no caso.
Ademais, em ambas as situações se observa a formação de um contrato
entre o profissional e seu paciente. A diferença se encontra no fato de que a relação
contratual do fonoaudiólogo com o seu paciente é de uma obrigação de meio,
como a da maioria dos profissionais de saúde. Já a relação do dentista com o seu
paciente é uma obrigação de resultado, por especificidades da odontologia em si e
as pressões estéticas atreladas a ela.
Outrossim, podemos citar também a apelação cível de número
10480091366462001 do Tribunal de justiça de Minas Gerais, que teve como
relator o desembargador Octávio de Almeida Neves35.
A ação em questão foi ajuizada pela autora contra o hospital, local que
ocorreu o nascimento de seu filho. Ela conta que deu entrada no hospital no dia
28/04/2009 para realizar uma cirurgia cesariana e teve alta no dia 05/05/2009,
devido algumas complicações de seu filho recém-nascido. Ela acrescenta que no dia
da alta saiu do hospital com fortes dores na sua região pélvica e abdome, mas que
ao informar aos profissionais do hospital acreditaram que eram dores decorrentes
da cirurgia, provavelmente gases, e a mandaram para casa.
Passando-se alguns dias após a alta, as dores persistiram e ela notou
um certo inchaço em seu abdômen e que estava febril, resolvendo então voltar
ao hospital. Ao chegar lá, sem a realização de qualquer exame, lhe foram apenas
receitados remédios para dor. Com mais alguns dias, a autora acordou com uma
forte dor e um quadro de hemorragia, tendo disso necessário o serviço de uma
SAMU, que a levou para um hospital, diferente daquele no qual ela teve o seu filho.
Chegando no hospital ela foi atendida e o médico responsável, por meio
da realização de uma ultrassonografia, percebeu a presença de restos placentários,

35 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 10480091366462001. Relator:


Desembargador Octávio de Almeida Neves. Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurispru-
dencia/859606242/apelacao-civel-ac-10480091366462001-mg/inteiro-teor-859606292. Acesso
em: 4 fev. 2021.

202
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

hematoma subaponeurótico, e áreas subcutâneas infectadas. Tendo em vista o


diagnóstico, o médico optou pela realização de uma histerectomia na parte autora.
Nas contestações, os réus alegaram que a extração da placenta, na cirurgia
de cesariana, foi realizada com dificuldade, por meio de dequitação manual, tendo
em vista o sangramento uterino e que o útero se encontrava hipoativo. Acrescentam
que nesse momento suspeitaram de acretismo placentário, condição, não comum,
em que a placenta se adere à parede uterina. Desse modo, devido ao sangramento,
uma hora após a cesariana realizaram uma curetagem uterina e não encontraram
nenhum resto placentário.
Seguindo em sua narrativa, os réus argumentam que quando a autora foi
atendida no outro hospital foi necessária a realização de uma histerectomia e isso
se deve ao fato de que naquele momento não era possível estancar a hemorragia.
O que reforça a suspeita de acretismo placentário. Condição esta que veio a ser
confirmada por meio do exame anátomo patológico.
Ao fazer a análise jurídica do caso, o desembargador ressaltou que o art. 951
do Código Civil prevê a necessidade de comprovação de negligência, imprudência
ou imperícia para que profissionais liberais possam ser responsabilizados. Assim
como o art.14 § 4° do Código de Defesa do Consumidor, o qual determina a
necessidade de comprovação da culpa.
Além de ressaltar que a doutrina e jurisprudência vêm classificando os
contratos de prestação de serviços médicos como contratos de obrigação de meio
e não de resultado. Não sendo parte da obrigação do profissional de saúde garantir
aquele resultado esperado, mas sim agir com competência e de forma satisfatória
conforme a necessidade do procedimento que precisar realizar. Não se tratava de um
caso cirúrgico com fins estéticos, por exemplo, onde a obrigação seria de resultado.
Ele ressalta ainda, a anexação de literatura médica feita pelos réus, a qual
confirma a raridade desse diagnóstico e a dificuldade de diagnosticá-lo antes do
nascimento da criança. A literatura fornecida apresentava informações também a
respeito do tratamento, o qual varia de acordo com a condição da paciente, mas que
comumente é passível de se resolver com uma curetagem.
Tendo em mente que a pretensão indenizatória da autora era baseada
na alegação de erro médico e que o procedimento de curetagem, assim como o
acompanhamento e procedimentos indicados de serem feitos foram realizados na
autora antes dela ter alta. O desembargador chegou à conclusão de que a conduta
dos réus não teve nexo causal com os danos morais e matérias que a autora alega

203
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ter sido vítima, não foi verificada a presença de negligência. Logo, a sentença que
julgou improcedente os pedidos da autora se mantiveram.
Ao analisar este caso, também se percebe semelhanças com a situação do
fonoaudiólogo. Novamente o desembargador ressalta a necessidade de comprovação
da culpa para responsabilizar civilmente um profissional liberal. E que no processo
de aferição da existência dessa culpa se mostra indispensável ter em mente de que
se trata de uma obrigação de meio.

5 CONCLUSÃO

A constante mudança é uma das características mais marcantes da


sociedade atual. Ela ocorre de forma tão intensa que o sociólogo polonês, Zygmunt
Baumam, atribuiu às relações nela existentes o adjetivo “líquidas”. É esse o termo
que ele utiliza para descrever a sociedade moderna. Bauman afirma em sua obra que
os tempos atuais são “líquidos”, passíveis de mudanças rápidas, nada foi feito para
durar, ou para ser “sólido”36.
Os conceitos e observações do sociólogo são nitidamente presentes na
atual conjuntura mundial. As relações sociais e de trabalho estão em constante
mudança e evolução. Atualmente cada vez mais profissionais inovam na forma de
exercerem em suas profissões, fazendo isso de forma autônoma, na maioria das
vezes.
Paralelamente, surgem inúmeras novas formas de se ofender ou constranger
as pessoas. Novas formas de se exercerem as profissões são acompanhadas de novas
consequências e contextos. Estes os quais as legislações precisam acompanhar. Por
exemplo, até pouco tempo atrás não se concebia a ideia de responsabilidade civil
de uma máquina, mas as discussões sobre a responsabilidade civil das inteligências
artificiais são diárias atualmente.
Desse modo, se faz essencial analisar como a relação que está
sendo regulamentada ocorre. Ao abordarmos a questão do fonoaudiólogo e a
regulamentação de como se dará uma possível responsabilização dele é preciso ter
em mente alguns aspectos. Trata-se de um profissional da saúde que ao se formar
faz um juramento de cuidar da vida humana, melhorar a qualidade de vida das
pessoas, é o fim maior de sua profissão.

36 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. passim.

204
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Nesse caso, além de uma relação profissional temos também uma


relação de consumo. O fonoaudiólogo exerce sua atividade com habitualidade e
profissionalismo, e se configura como fornecedor de um serviço. Além de atender
a todos os requisitos presentes no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Já o paciente, ocupa a posição de consumidor, aquele que irá fazer uso do serviço
prestado, tratamento fonoaudiológico, sendo o seu destinatário final (art. 2º do
Código de Defesa do Consumidor).
Ademais, em termos técnicos, entre ele e seu paciente é concomitantemente
estabelecida uma relação contratual, a qual gera uma obrigação de meio. Para que
este profissional cumpra com a sua parte nesta relação jurídica ele deve montar/
seguir e executar o plano de tratamento daquele paciente com competência e
habilidades inerentes a sua profissão, seguindo sempre o seu Código de Ética, em
momento algum se comprometendo com a obtenção de algum resultado.
É ainda basilar se ter em mente que se trata de uma relação de
responsabilidade civil subjetiva, sendo necessário, por determinações presentes no
Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor que seja comprovada a culpa
desse profissional, por meio de uma ação, omissão, imprudência ou negligência
para que só assim possa se configurar uma responsabilidade civil e que caia sobre
este a obrigação de indenizar.

205
REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. O alienista. Rio de Janeiro: Penguin e Companhia das


Letras, 2014.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.


BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1926. 5 v.

BRASIL. Lei nº 6.965, de 09 de dezembro de 1981. Dispõe sobre a


regulamentação da profissão de Fonoaudiólogo, e determina outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6965.htm. Acesso em:
3 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do


Consumidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8078compilado.htm. Acesso em: 3 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso
em: 3 fev. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº


10480091366462001. Relator: Desembargador Octávio de Almeida Neves.
Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/859606242/
apelacao-civel-ac-10480091366462001-mg/inteiro-teor-859606292. Acesso em:
4 fev. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº


70083302984. Relator: Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary. Disponível
em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/801957965/apelacao-civel-ac-
70083302984-rs/inteiro-teor-801957974. Acesso em: 4 fev. 2021.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo:


Atlas, 2019.

206
CONSELHO FEDERAL DE FONOAUDIOLOGIA. Código de Ética
da Fonoaudiologia. Disponível em: https://www.fonoaudiologia.org.br/
legislac%CC%A7a%CC%83o/codigo-de-etica/. Acesso em: 3 fev. 2021.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto


Braga. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador: Juspodivm,
2017.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 13.


ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. v. 4.

MÁRQUEZ, Gabriel García. Do amor e outros demônios. Rio de Janeiro: Record,


1993.

PERES, Arsenio Sales; PERES, Silvia Helena de Carvalho Sales; SILVA, Ricardo
Henrique Alves da; CALDANHA, Magali de Lourdes. O fonoaudiólogo frente ao
erro profissional. Jornal Brasileiro de Fonoaudiólogia, [s. l], p. 60-65, 2006.

REZENDE, Rodrigo. Doutores da agonia: por dentro da ciência nazista. 2019.


Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/doutores-da-agonia/. Acesso
em: 3 fev. 2021.

STERZA, Valentino. Plantas mágicas no medievo: mulheres, magia e igreja. 2019.


Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/16652/1/
VS31102019.pdf. Acesso em: 3 fev. 2021.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil.


10. ed. São Paulo: Método, 2015.

207
10 Farmacêutico

Yanko Marcius de Alencar Xavier


Karinne Benassuly de Melo

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das técnicas de manipulação e de novos medicamentos


ao longo do tempo tem chamado a atenção para a indústria farmacêutica, cujos
lucros e investimentos tem apenas crescido e possui atuação ampla em todos os
países. Diversas pessoas dependem destas técnicas e medicamentos para sua
sobrevivência, e por vezes os remédios podem causar efeitos colaterais para além
do objetivo de restaurar a saúde, afetando sua capacidade para executar tarefas,
trabalho, ciclo de sono, entre outros aspectos.
A atuação do farmacêutico vem desde a produção do medicamento e a
venda nas farmácias para a população em geral, impactando como tais substâncias
são administradas e utilizadas, sendo o principal acesso para elas. Não apenas
se trata de remédios para tratamento de alguma doença, mas inclui-se também
produtos cosméticos e farmacêuticos em geral. Independentemente do intuito do
objeto vendido, tende-se a envolver o direito à vida das pessoas, especialmente em
casos de dano envolvendo a atividade de farmácia.
A constante procura por medicamentos, a comum falta de informações
sobre seu uso e suas características, e as consequências decorrentes deste processo
terminam por ensejar questionamentos acerca da responsabilidade civil do
farmacêutico neste contexto. O presente estudo tem como objetivo analisar quais
são quais os fundamentos para a responsabilidade civil, quais as regulações da
profissão do farmacêutico, quais as peculiaridades da responsabilidade civil para
com o farmacêutico, enquanto profissional liberal, e analisar jurisprudências sobre
a responsabilidade civil do farmacêutico em casos concretos.

208
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

2 DA RELAÇÃO JURÍDICA E DO FUNDAMENTO DA


RESPONSABILIDADE CIVIL

A existência de uma ordem jurídica é, em princípio, o alicerce para as


regras necessárias à convivência social1. Tal ordem protege e tutela aqueles que agem
de acordo, e reprimem os que não a cumprem, de modo a imputar deveres aos
sujeitos, seja de ordem positiva (de fazer ou dar) ou negativa (de não fazer ou tolerar
alguma coisa)2. Assim, surge uma obrigação derivada, um dever jurídico sucessivo,
decorrente de um fato jurídico lato sensu, o qual está fundado principalmente na
ideia da ‘proibição de ofender’3.
Uma vez quebrada a obrigação estabelecida na ordem jurídica, é gerada
uma lesão aos interesses jurídicos tutelados, e extrapolado o limite objetivo da
liberdade individual na sociedade4. A depender dos interesses jurídicos lesionados,
podem atingir a todos indistintamente, ou a pessoa ou pessoas determinadas,
configurando então um ilícito5. Do dano eventualmente decorrente do ato ilícito,
estabelece-se um novo dever jurídico de reparação; portanto, existe um dever
jurídico originário a ser cumprido enquanto ordem jurídica vinculante, cuja
violação gera o dever jurídico secundário/sucessivo de reparação6.
A reparação será então atribuída a algum sujeito, nomeadamente aquele
que cometeu o ato ilícito, este qualificado como moralmente negativo e conduzindo
a um juízo de imputação7. Neste caso, não significa que a responsabilidade decorrente
do ato ilícito seja essencialmente moral, pois a responsabilidade moral não possui
uma coercitividade institucionalizada, como é o caso da responsabilidade jurídica
com o aparato estatal, que detém o poderio para exigir o cumprimento da norma

1 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 854.
2 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 1.
3 Provém da expressão em latim Neminem laedere.
4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 854.
5 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 2.
6 Ibid. p. 2.
7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 5.

209
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

jurídica8. A responsabilidade civil possui então o intuito de recomposição do dano


decorrente da violação de um dever jurídico originário9. Pressupõe-se a ocorrência
do dano para que exista o dever de reparação, mediante indenização10.
Não são todos os fatos sociais que ensejam a responsabilidade civil.
Apenas os fatos jurídicos, enquanto eventos capazes de produzir efeitos relevantes
perante o ordenamento jurídico11, seja criando, modificando, substituindo ou
extinguindo situações jurídicas concretas. A responsabilidade civil baseia-se em um
fato jurídico ilícito, um ato ilícito, cujos efeitos não se encontram em conformidade
com a ordem jurídica, e traduzindo-se em transgressão a uma obrigação jurídica
preexistente imposta ao sujeito.
A ilicitude possui um aspecto duplo12. Em seu aspecto objetivo, relacionado
à antijuridicidade, é apenas verificado se a conduta ou fato em si mesmo (em sua
materialidade ou exterioridade) está em conformidade com a norma jurídica. Em
seu aspecto subjetivo, ético-jurídico, relaciona-se com um juízo de valor imputado
a uma conduta tida como ilícita, a qual resulta da livre vontade do agente. Dois
juízos serão formulados, um sobre o próprio ato e outro sobre o seu agente13.
O ato ilícito, consoante tal dualidade da ilicitude, também possui um
duplo sentido14. Em sentido amplo, o ato ilícito é considerado apenas no que
tange à conduta antijurídica, contrária ao ordenamento jurídico, sem referência
ao elemento subjetivo ou psicológico; em sentido estrito, o ato ilícito é composto
pelos pressupostos da obrigação de indenizar, que requer uma série de elementos
integrados para sua configuração – entre eles, o elemento subjetivo da culpa.

8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 855.
9 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 2.
10 TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2018. p. 60.
11 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 124.
12 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 10.
13 Ibid. p. 11.
14 Ibid. p. 11.

210
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

No campo da responsabilidade civil15, o Código Civil de 2002 adota uma


visão dicotômica em relação ao ato ilícito, ao fazer menção ao ato ilícito em sentido
estrito e ao abuso de direito no sistema que compõe a responsabilidade civil.
O ato ilícito em sentido estrito é abarcado pelo art. 186 do Código Civil
de 200216, sendo uma cláusula geral de ilicitude culposa17. A ilicitude termina
por ser um fenômeno cultural, em que pese os comportamentos violadores das
obrigações normativas também afetam princípios e direitos fundamentais – e,
portanto, dada a imprecisão da norma civil, a jurisprudência poderá avaliar quais
são as hipóteses de ilicitude conforme a evolução da sociedade18. Para a constatação
do ato ilícito em sentido estrito, não apenas é suficiente a antijuridicidade do ato
e a imputabilidade a um agente, mas envolve os elementos de culpa, dano e nexo
causal – fundamenta-se, aqui, a responsabilidade civil subjetiva.
O art. 187 CC19, por sua vez, trata do abuso do direito. Este é calcado
em um ato jurídico de objeto lícito, mas cuja forma de exercício tenha levado a
um resultado considerado ilícito20, em uma espécie de exercício irregular de direito
que gera o dever de reparação. Os parâmetros para a aferição do abuso de direito
são a boa-fé, os bons costumes e o fim econômico ou social inerente ao direito
exercido, critérios que não se relacionam com a noção de culpa21. O abuso de
direito deverá ser analisado nas perspectivas estática e dinâmica – estática quanto à
conformidade com o direito e dinâmica no exercício deste mesmo direito perante
os limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico vigente22. Aqui tem-se outra
modalidade de ato ilícito, com maior abrangência.

15 A ilicitude não se restringe apenas ao âmbito cível, mas também é presente na esfera penal.
16 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
17 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 133.
18 Ibid. p. 133-134.
19 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifes-
tamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
20 TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2018. p. 65.
21 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 12.
22 MIRAGEM, Bruno. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 130.

211
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Ao lado da responsabilidade civil subjetiva, a norma civil abarca a


responsabilidade civil objetiva, em seu art. 92723, consolidando um sistema dual
de responsabilidade civil24. A transição histórica neste tema partiu da noção da
responsabilidade civil subjetiva, dependente da culpa no âmbito do ônus da prova,
para a objetiva, que apenas requer a comprovação da existência de dano e do nexo
de causalidade25. Não é mais demandada a análise psicológica da vontade do sujeito
ofensor, abarcar novas situações de danos decorrentes dos riscos das atividades na
vida moderna e viabilizando a reparação ao imputar a responsabilidade civil no caso
concreto26.
Pode-se considerar que houve também uma transição do ato ilícito
para o dano injusto, o dano indenizável, em que a responsabilidade civil passa
a ser analisada com parâmetros nos princípios constitucionais, ponderando-se
os interesses em jogo e decidir quem deverá arcar com a responsabilização dos
prejuízos27. O mero fato lesivo não necessariamente será valorado pela ordem
jurídica, somente ao ser transformado em dano, e produzindo o efeito jurídico
relacional da responsabilidade civil28.
O dever jurídico violado, que gera a obrigação de indenizar, pode surgir
de duas fontes, a depender da natureza da norma jurídica: dos contratos, ou por
uma obrigação imposta pela lei ou preceito geral de Direito29. Quando houver
a hipótese de violação de um mandamento legal, já que o sujeito cometeu um
ato ilícito, tem-se a responsabilidade extracontratual; se houver norma jurídica
contratual que vinculava as partes a certas obrigações fixadas e acordadas, uma

23 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repa-
rá-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
24 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 864.
25 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 202.
26 JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 86, p.
548-559, junho, 1941. p. 53-54.
27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 212-213.
28 p. 213.
29 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 16.

212
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

relação jurídica preexistente, o descumprimento/inadimplemento da obrigação que


gera dano forma a responsabilidade contratual30. A distinção entre estas duas formas
de responsabilidade residem na prova da culpa31: na responsabilidade contratual,
ela é presumida em regra, devendo a vítima comprovar apenas que a obrigação
não foi cumprida; na responsabilidade extracontratual, a culpa deverá ser sempre
provada pela vítima. Tal subdivisão persiste por causa da dicção da Código Civil32,
mas ambos os institutos se comunicam e produzem efeitos similares33.
Sendo decorrente da prática de um ato ilícito, que termina por violar a
ordem jurídica e gerar um dano, a responsabilidade civil possui natureza jurídica
de sanção, ao ser a consequência jurídica para o não cumprimento de um dever34.
Poderá ser materializada como pena (caso seja responsabilidade no âmbito penal),
indenização ou compensação pecuniária.
Enquanto sanção, a responsabilidade civil possui múltiplas funções,
sobretudo reparatória, punitiva, e precaucional/preventiva35. A função reparatória
objetiva retornar ao status quo ante36, restabelecendo-se o equilíbrio jurídico-
econômico entre o agente e a vítima ao imputar a reposição do bem perdido
diretamente ou o pagamento de uma quantia indenizatória proporcional ao dano37.
A função punitiva baseia-se na aplicação de uma pena civil com vista ao desestímulo
de comportamentos reprováveis cometidos pelo ofensor38. A função precaucional

30 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 865.
31 Ibid. p. 866.
32 Em outras normas existe a superação de tal distinção clássica. No que diz respeito ao fornecedor
de produtos ou serviços, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 17, equipara o consumidor
a todas as vítimas de acidente de consumo, e submete a responsabilidade ao fornecedor mediante o
fundamento da violação do dever de segurança pelo produto ou serviço lançado no mercado que gera
um acidente de consumo. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São
Paulo: Atlas, 2012. p. 17.
33 Ibid. p. 16.
34 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 867.
35 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 37.
36 Estado anterior ou originário.
37 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 14.
38 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 37.

213
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

e preventiva possuem o objetivo de inibir atividades potencialmente danosas, em


que a precaução evita o risco de uma situação de perigo e a prevenção evita o dano
propriamente dito39.
Para poder exercer tais funções na sociedade, alguns pressupostos gerais
ou elementos deverão estar presentes para a formação da responsabilidade civil, a
depender da sua modalidade. Em geral, são: a conduta humana; o dano; e o nexo
causal. A culpa também surge como elemento acidental, quando da avaliação de
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência40. A conduta humana,
comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente como ato ilícito; o dano, como
elemento objetivo da responsabilidade civil, é uma lesão a um interesse jurídico
tutelado (patrimonial ou extrapatrimonial) causado pela conduta humana do
sujeito41; e o nexo causal, elemento imaterial, sendo a relação de causa e efeito entre
a conduta do agente e o dano causado42. Na responsabilidade subjetiva, o nexo de
causalidade é formado pela culpa lato sensu43, pela qual o dano foi causado; e na
responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade é constituído pela lei, ao qualificar
alguma conduta, ou por atividade de risco desempenhada pelo autor do dano44.

3 A REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO DE


FARMACÊUTICO E SUA FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

A responsabilidade civil adquire certas particularidades ao se tratar do


caso dos profissionais liberais, e, em específico, do farmacêutico. Os principais
aspectos regulatórios desta profissão encontram-se no Decreto nº 20.377/1931,
além de diretivas de Resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do
Conselho Federal de Farmácia.
Apenas poderão atuar como farmacêuticos, em território nacional, os
diplomados por instituição de ensino oficial ou a este equiparado, cujo título ou

39 Ibid. p. 37.
40 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 872.
41 Ibid. p. 881.
42 TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2018. p. 212.
43 Englobando a intenção de causar prejuízo e a culpa stricto sensu, enquanto desrespeito a um dever
preexistente de contrato, lei ou senso comum. Ibid. p. 214.
44 Ibid. p. 214.

214
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

diploma seja previamente registrado no Departamento Nacional de Saúde Pública,


no Distrito Federal, e nas repartições sanitárias competentes, nos Estados45.
O exercício da função de farmacêutico compreende as atividades de
manipulação e comércio de medicamentos ou remédios magistrais46; a manipulação
e fabricação dos remédios galênicos47 e das especialidades farmacêuticas; o
comércio direto com o consumidor de todos os remédios oficinais48, especialidades
farmacêuticas, produtos químicos, galênicos, biológicos, etc. e plantas de aplicações
terapêuticas; a fabricação de produtos biológicos e químicos oficinais; as análises
reclamadas pela clínica médica; e a função de químico bromatologista, biologista
e legista49. Tais atribuições não poderão ser exercidas mediante mandato ou
representação50, embora não sejam privativas do farmacêutico51.
Outras atribuições conferidas aos farmacêuticos quando da manipulação
em farmácias são: a organização e operacionalização das áreas e atividades técnicas
da farmácia; especificar, selecionar, inspecionar, adquirir, armazenar as matérias-
primas e materiais de embalagem necessários ao processo de manipulação;
avaliar a prescrição quanto à concentração e compatibilidade físico-química dos
componentes, dose e via de administração, forma farmacêutica e o grau de risco;
assegurar todas as condições necessárias ao cumprimento das normas técnicas

45 Art. 1º A profissão farmacêutica em todo o território nacional será exercida exclusivamente por
farmacêutico diplomado por instituição de ensino oficial ou a este equiparado, cujo título ou diploma
seja previamente registrado no Departamento Nacional de Saúde Pública, no Distrito Federal, e nas
repartições sanitárias competentes, nos Estados. (Decreto nº 20.377/1931).
46 Medicamentos personalizados preparados em farmácia, sendo específico para atender as necessi-
dades individuais de um paciente, levando em consideração aspectos como idade, altura, gênero, etc.
47 Medicamentos preparados com plantas em oposição aos preparados com substâncias químicas
puras.
48 Relativo a medicamentos que são preparados em farmácias.
49 Art. 2º O exercício da profissão farmacêutica compreende: a) a manipulação e o comércio dos
medicamentos ou remédios magistrais; b) a manipulação e o fabrico dos medicamentos galênicos e
das especialidades farmacêuticas; c) o comércio direto com o consumidor de todos os medicamentos
oficinais, especialidades farmacêuticas, produtos químicos, galênicos, biológicos, etc., e plantas de
aplicações terapêuticas; d) o fabrico dos produtos biológicos e químicos oficinais; e) as análises re-
clamadas pela clínica médica; f ) função de químico bromatologista, biologista e legista. (Decreto nº
20.377/1931).
50 Art. 3º As atribuições estabelecidas no artigo precedente não podem ser exercidas por mandato
nem representação. (Decreto nº 20.377/1931).
51 Art. 2º [...] §1º As atribuições das alíneas c a f não são privativas do farmacêutico. (Decreto nº
20.377/1931)

215
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

de manipulação, conservação, transporte, dispensação e avaliação final do


produto manipulado; e manipular a formulação de acordo com a prescrição e/ou
supervisionar os procedimentos para que seja garantida a qualidade exigida52.
A título de distinção da pessoa do farmacêutico, a farmácia, enquanto
estabelecimento, é considerada uma unidade de prestação de serviços destinada a
prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual
e coletiva, na qual se processe a manipulação e/ou dispensação de medicamentos
magistrais, oficinais, farmacopeicos ou industrializados, cosméticos, insumos
farmacêuticos, produtos farmacêuticos e correlatos53. Para seu funcionamento, é
requerida a responsabilidade e a assistência técnica de um farmacêutico devidamente
habilitado na forma da lei54.
As farmácias são classificadas entre farmácias sem manipulação (ou
drogarias) e farmácias com manipulação. As drogarias são estabelecimentos
de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos
e correlatos em suas embalagens originais55. As farmácias com manipulação são
estabelecimentos dedicados à manipulação de fórmulas magistrais e oficinais,
do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos,

52 Anexo I. 3.1.1. Do Farmacêutico. O farmacêutico, responsável pela supervisão da manipulação e


pela aplicação das normas de Boas Práticas, deve possuir conhecimentos científicos sobre as atividades
desenvolvidas pelo estabelecimento, previstas nesta Resolução, sendo suas atribuições:a) organizar e
operacionalizar as áreas e atividades técnicas da farmácia e conhecer, interpretar, cumprir e fazercum-
prir a legislação pertinente; b) especificar, selecionar, inspecionar, adquirir, armazenar as matérias-pri-
mas e materiais de embalagem necessários ao processo de manipulação; [...] e) avaliar a prescrição
quanto à concentração e compatibilidade físico-química dos componentes, dose e via de administra-
ção, forma farmacêutica e o grau de risco; f ) assegurar todas as condições necessárias ao cumprimento
das normas técnicas de manipulação, conservação, transporte, dispensação e avaliação final do pro-
duto manipulado; [...] i) manipular a formulação de acordo com a prescrição e/ou supervisionar os
procedimentos para que seja garantida a qualidade exigida; (Resolução ANVISA – RDC nº 67/2007).
53 Art. 3º Farmácia é uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêuti-
ca, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, na qual se processe a manipulação e/
ou dispensação de medicamentos magistrais, oficinais, farmacopeicos ou industrializados, cosméticos,
insumos farmacêuticos, produtos farmacêuticos e correlatos. (Lei nº 13.021/2014).
54 Art. 5º No âmbito da assistência farmacêutica, as farmácias de qualquer natureza requerem, obri-
gatoriamente, para seu funcionamento, a responsabilidade e a assistência técnica de farmacêutico
habilitado na forma da lei. (Lei nº 13.021/2014)
55 Art. 3º [...] Parágrafo único. As farmácias serão classificadas segundo sua natureza como: I – far-
mácia sem manipulação ou drogaria: estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medi-
camentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais; (Lei nº 13.021/2014).

216
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade


hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica56.
Retornando ao indivíduo, as características mencionadas enquadram o
farmacêutico como profissional liberal. A expressão profissional liberal, a princípio,
consta do art. 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor57, denotando as pessoas
que passam a exercer uma atividade autônoma, historicamente desvinculadas
das corporações58. A atuação de um profissional liberal pode ser configurada
pelos seguintes aspectos, além da autonomia: o conhecimento técnico; formação
específica (obtida por certificação, a exemplo de um diploma universitário); a
existência de um órgão representativo e regulador da atividade exercida; e a relação
personalíssima (intuitu personae) entre o profissional e o seu cliente59.
O art. 14, §4º CDC fundamenta-se devido à relação intuitu personae,
uma vez que o profissional liberal exerce a sua função de modo mais próximo, já
que oferece um tratamento mais direto para o cliente do serviço objeto da relação
de consumo60. Tal contratação negociada entre os consumidores e os profissionais
liberais tem a assimetria entre as partes reduzida, já que não ocorre da mesma
forma que em contratos massificados e impessoais de adesão a cláusulas gerais61, por
exemplo. Nota-se então a preponderância do elemento humano e da especialidade
técnica neste tipo de relação, e, por isto, o Código de Defesa do Consumidor

56 Art. 3º [...] Parágrafo único. As farmácias serão classificadas segundo sua natureza como: [...]
II – farmácia com manipulação: estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais,
de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de
dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de
assistência médica. (Lei nº 13.021/2014).
57 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela re-
paração dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 4° A responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
58 TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2018. p. 852.
59 MORAES, Maria Celina Bodin de; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. À guisa de introdução:
o multifacetado conceito de profissional liberal. In: MORAES, Maria Celina Bodin de; GUEDES,
Gisela Sampaio de Cruz (coord.). Responsabilidade civil de profissionais liberais. Rio de Janeiro: Foren-
se, 2016. p. 3-7.
60 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 584.
61 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 468.

217
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

estipula a avaliação do elemento culpa para a imputação da responsabilidade civil,


sendo uma hipótese de responsabilidade subjetiva.
A cláusula geral do art. 927 CC não incide aos profissionais liberais
devido ao critério de especialidade do CDC62, embora o art. 951 da normativa
civil63 seja aplicável, já que fundamenta a responsabilidade subjetiva do profissional
da saúde, adequando-se à regra do código consumerista. Todavia, caso a prestação
de serviços seja executada por uma pessoa jurídica, a cláusula geral de imputação
objetiva do art. 927, parágrafo único, CC será suscitada64, com a teoria do risco e a
imputação da cláusula geral de imputação objetiva.
Os profissionais liberais geralmente assumem uma obrigação de meio,
aquela caracterizada pela não garantia do resultado esperado pela atuação do
empreendedor da atividade, serviço, etc65. Todas as regras técnicas e os meios
adequados para a execução da prestação deverão ser utilizados, mas ainda assim
não é possível que se confirme o resultado, como é o caso dos profissionais da área
de saúde. Em situação de obrigação de meio (ou diligência), os que a assumem só
responderão caso haja a prova da culpa genérica, o seu dolo ou culpa estrita, por
imprudência, negligência ou imperícia.
Por imprudência entende-se a falta de cautela ou cuidado por alguma
conduta positiva; por negligência, do mesmo modo é a falta de cautela ou cuidado,
mas por alguma conduta negativa; e a imperícia surge da falta de habilidade no
exercício da atividade técnica, a qual requer um maior cuidado ou cautela do
agente66.
As atividades do profissional liberal também poderão ensejar uma
obrigação de resultado, obrigando-se a alcançar determinada finalidade – e caso

62 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 468. p. 468.
63 Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por
aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar
a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
64 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 469.
65 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 274.
66 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 38.

218
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

não a alcance, terá de arcar com as consequências do inadimplemento67. Ainda


assim, a frustração do credor pelo resultado obtido não enseja o inadimplemento,
terá de ser provada a defasagem entre o comportamento havido e o que era esperado
ou devido68.
Apesar do arcabouço para a responsabilidade subjetiva, isto não afasta
a incidência de hipóteses de responsabilidade objetiva. Uma das hipóteses é pelo
fato da coisa da qual o profissional detém em sua guarda69, a qual é necessária ao
desempenho da atividade. Trata-se do caso de danos aos pacientes provenientes do
uso de aparelhos ou instrumentos por sua eventual disfunção.
Outra hipótese seria no caso da aferição do nexo causal entre o dano
injusto e o risco intrínseco da lesividade da atividade desenvolvida, enquanto
cláusula geral de risco70 e consoante o art. 927 CC. Neste caso, a necessidade da
obrigação de indenizar pode se basear no dever de segurança estabelecido em lei,
implícita ou explicitamente, para controlar uma atividade que cria riscos para
outrem, com fulcro na proteção do ser humano71. A indenização surge quando
aquele que exerce atividade perigosa não evita que os riscos da atividade recaiam
sobre a vítima, causando-lhe o dano e perpassando as noções de culpa e risco para
a imputação da reparação72.
E ainda, o farmacêutico deverá atuar com respeito à vida humana, ao
meio ambiente e à liberdade de consciência em situações que ponham em conflito

67 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 469.
68 Ibid. p. 470.
69 Enunciado 460, V Jornada de Direito Civil: A responsabilidade subjetiva do profissional da área
da saúde, nos termos do art. 951 do Código Civil e do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Con-
sumidor, não afasta a sua responsabilidade objetiva pelo fato da coisa da qual tem a guarda, em caso
de uso de aparelhos ou instrumentos que, por eventual disfunção, venham a causar danos a pacientes,
sem prejuízo do direito regressivo do profissional em relação ao fornecedor do aparelho e sem prejuízo
da ação direta do paciente, na condição de consumidor, contra tal fornecedor. Enunciado 460, V Jor-
nada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2012. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-
-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vjornadadireitocivil2012.
pdf. Acesso em: 26 jan. 2021.
70 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 471.
71 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 155-156.
72 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de
direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 174.

219
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 e a


ciência73, visando tanto o farmacêutico quanto o proprietário dos estabelecimentos
farmacêuticos promover esforços para o uso racional de medicamentos74.

4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE


CIVIL DO FARMACÊUTICO

A responsabilidade civil adquire naturezas distintas a depender da


imputação ou ao farmacêutico, o profissional liberal, ou à farmácia, o estabelecimento
empresarial propriamente dito. Ambos os sujeitos em questão se encontram
envolvidos em uma relação de consumo quando da sua atuação no fornecimento
de medicamentos e outras substâncias, tendo de um lado o paciente (consumidor)
e a farmácia, na figura da pessoa jurídica (ente societário) e do farmacêutico. Em
princípio, os produtos e serviços dispostos no mercado de consumo não deverão
acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, embora, eventualmente,
alguns riscos possam ser detectados regularmente e/ou serem previsíveis em
decorrência da sua fruição75.
A responsabilidade do farmacêutico relaciona-se especialmente com a
aplicação da prescrição médica. A prestação de serviços farmacêuticos executada
em desacordo com a prescrição médica ensejará a responsabilidade objetiva do
fornecedor de serviços, recaindo sobre a farmácia ou empresa farmacêutica. Haveria
a caracterização de um serviço defeituoso que pôs em risco a segurança do usuário76.
A relação do defeito do produto ou serviço, consoante o art. 14 CDC77, abrange

73 Art. 2º O farmacêutico atuará com respeito à vida humana, ao meio ambiente e à liberdade de
consciência nas situações de conflito entre a ciência e os direitos e garantias fundamentais previstos na
Constituição Federal. (Anexo I, Art. 2º, Resolução CFF nº 596/2014).
74 Art. 10. O farmacêutico e o proprietário dos estabelecimentos farmacêuticos agirão sempre so-
lidariamente, realizando todos os esforços para promover o uso racional de medicamentos. (Lei nº
13.021/2014).
75 Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde
ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua
natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações neces-
sárias e adequadas a seu respeito.
76 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 2º Câmara Cível. Apelação Cível nº
28.470/2001. Relator: Des. Sergio Cavalieri Filho. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/. Acesso em:
28 jan. 2021.
77 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela repa-
ração dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como

220
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

toda a cadeia dos agentes econômicos que participam da cadeia de fornecimento


– e a conduta do fornecedor surge no processo de produção e disposição de
determinado produto ou serviço no mercado78.
A falha no dever de segurança é considerada defeito dos produtos e serviços
oferecidos no mercado de consumo, levando à constituição da responsabilidade pelo
fato do produto ou serviço. Não há necessidade de vínculo contratual antecedente
para a caracterização da responsabilidade do fornecedor, bastando a caracterização
do defeito e a demonstração do nexo causal com o dano sofrido79. Assim, os
pressupostos para se caracterizar a responsabilidade seriam o próprio defeito do
serviço, o evento danoso e a relação de causalidade entre o defeito do serviço e o
dano80, prescindindo-se de culpa para a imputação da responsabilidade da empresa
farmacêutica.
Em casos de farmácias, especialmente de manipulação, equipara-se ao
caso da responsabilidade dos hospitais, em que existe responsabilidade objetiva
consoante o art. 14 CDC, quando forem aferidas lesões aos pacientes devido à
má prestação de serviços relacionados à atividade do estabelecimento comercial81.
A responsabilidade que recai sobre a farmácia dependerá da constatação de uma
ação culposa do profissional liberal, na medida de cada uma das suas respectivas
atribuições – do contrário, recairá sobre a pessoa jurídica.
A conduta dos profissionais liberais haverá de ser considerada
isoladamente, independentemente das atribuições dadas à instituição na qual

por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso
quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos
que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. §2º O serviço não é consi-
derado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será respon-
sabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva
do consumidor ou de terceiros. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.
78 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016. p. 583.
79 Ibid. p. 585.
80 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 2º Câmara Cível. Apelação Cível nº
28.470/2001. Relator: Des. Sergio Cavalieri Filho. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/. Acesso em:
28 jan. 2021.
81 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 8º Câmara Cível. Apelação Cível nº 0017088-
67.2009.8.16.0017, da 3ª Câmara Cível de Maringá/PR. Relator: Des. Clayton Maranhão. Disponí-
vel em: https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/. Acesso em: 28 jan. 2021.

221
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

atua e mediante a aferição de culpa82. No caso dos farmacêuticos, a conduta a


ser analisada seria quanto à manipulação dos medicamentos e sua eventual venda
ou fornecimento à população. A culpa do farmacêutico surgiria na ação contrária
àquilo que foi prescrito por médico, já que o farmacêutico exerce uma função
adjacente e a escolha do tratamento é de responsabilidade do médico ao fazer a
prescrição83.
A avaliação do farmacêutico das receitas recebidas deverá observar:
a legibilidade e a ausência de rasuras e emendas; a identificação do usuário; a
identificação do medicamento, concentração, dosagem, forma farmacêutica e
quantidade; modo de usar ou posologia; duração do tratamento; local e data de
emissão; e assinatura e identificação do prescritor com o número de registro no
respectivo conselho profissional84. É necessário assegurar ao usuário o direito à
informação e orientação quanto ao uso de medicamentos, explicando acerca de
possíveis reações adversas e condições de conservação do produto, por exemplo85.
O dever de informar adequadamente o consumidor consta do art. 6º, III CDC86,
podendo ser interpretada em conjunto com o direito do consumidor de ter
eventuais danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos prevenidos e
devidamente reparados87.

82 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 8º Câmara Cível. Apelação Cível nº 0017088-
67.2009.8.16.0017, da 3ª Câmara Cível de Maringá/PR. Relator: Des. Clayton Maranhão. Disponí-
vel em: https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/. Acesso em: 28 jan. 2021.
83 Ibid.
84 Art. 44. O farmacêutico deverá avaliar as receitas observando os seguintes itens: I – legibilidade
e ausência de rasuras e emendas; II – identificação do usuário; III – identificação do medicamento,
concentração, dosagem, forma farmacêutica e quantidade; IV – modo de usar ou posologia; V –
duração do tratamento; VI – local e data da emissão; e VII – assinatura e identificação do prescritor
com o número de registro no respectivo conselho profissional. Parágrafo único. O prescritor deve ser
contatado para esclarecer eventuais problemas ou dúvidas detectadas no momento da avaliação da
receita. (Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA – RDC nº 44/2009).
85 Art. 42. O estabelecimento farmacêutico deve assegurar ao usuário o direito à informação e
orientação quanto ao uso de medicamentos. [...] §2º São elementos importantes da orientação, entre
outros, a ênfase no cumprimento da posologia, a influência dos alimentos, a interação com outros
medicamentos, o reconhecimento de reações adversas potenciais e as condições de conservação do
produto. (Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA – RDC nº 44/2009).
86 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
87 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI – a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

222
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Entretanto, as ações do paciente ao seguir ou não as recomendações


médicas corretamente também interferem na eficácia do produto farmacêutico,
além dos próprios efeitos secundários decorrentes do uso, como alergias88. Afasta-
se, assim, qualquer responsabilidade do farmacêutico ou da própria farmácia por
sua conduta ou atribuições não cumpridas.
Analisando tais situações, o sistema de imputação da responsabilidade
permite algumas excludentes, abarcadas tanto pelo Código Civil quanto pelo
Código de Defesa do Consumidor, mesmo em casos de responsabilidade objetiva.
As excludentes de responsabilidade no Código Civil relacionam-se com a exclusão
do nexo causal, que se pode dar de três formas: por fato exclusivo da vítima; fato
de terceiro; caso fortuito e força maior. No Código de Defesa do Consumidor,
as excludentes relacionam-se à não colocação em circulação do produto; à culpa
exclusiva do consumidor; e à inexistência do defeito89.
O fato exclusivo da vítima remete à atuação culposa da vítima, por ato
ou fato seu que causa diretamente o dano e termina por retirar a causalidade em
relação ao agente, e consequentemente sua responsabilidade90. O fato de terceiro
se refere à pessoa que não seja a vítima ou o responsável, que não tenha nenhum
tipo de relação para com os dois - mas cujo ato é causa exclusiva do evento e afasta
o nexo causal entre a conduta do responsável aparente e a vítima91. Em algumas
hipóteses, todavia, considera-se o fato de terceiro não exime o responsável aparente
de responsabilidade92, não sendo matéria pacífica em doutrina. Sobre caso fortuito

88 CHAIB, Laila Ferreira. A responsabilidade civil dos fabricantes e fornecedores de produtos farmacêu-
ticos. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6207/a-responsabilidade-civil-dos-fabricantes-
-e-fornecedores-de-produtos-farmaceuticos. Acesso em: 26 jan. 2021.
89 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respon-
dem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumido-
res por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou im-
portador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiros.
90 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. 1. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 920.
91 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 69.
92 Súmula 187 STF: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro,
não é ilidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

223
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

e força maior93, não existe um entendimento uniforme sobre a sua diferenciação


(ou sobre se são sinônimos), mas haverá uma tentativa de apontar a sua distinção, já
que o Código Civil utiliza os dois termos. A força maior tem sua causa conhecida,
podendo ser até prevista, mas ela é irresistível, decorrente de fato superior às forças
do agente; o caso fortuito termina por ser completamente imprevisível relativo a
um determinado fato concreto94.
A não colocação do produto no mercado ou em circulação consiste na
ausência de voluntariedade por parte do fornecedor no oferecimento do produto
no mercado, sendo o nexo causal afastado porque desvincula o dano eventualmente
sofrido pelo consumidor ao ato do fornecedor. Cabe ao fornecedor provar que
não colocou o produto no mercado, já que existe uma presunção de imputar a
responsabilidade ao fornecedor uma vez identificado o produto, presumindo-se que
o colocou no mercado95. A inexistência de defeito deverá ser provada (novamente
pelo fornecedor) de que o produto/serviço não teria acarretado o dano por terem
sido produzido ou executado consoante as normas estabelecidas para tal e com o
exercício do dever de segurança, pois do contrário haverá a presunção da existência
de defeito96. A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, de modo similar ao
fato exclusivo da vítima, é identificada quando o dano sofrido pelo consumidor é
acarretado por conduta dele próprio ou de terceiro que tenha a mesma característica
– e não se admite a modalidade de culpa concorrente do consumidor como causa
de exclusão de responsabilidade e redução da quantia indenizatória97. Não se afasta
do mesmo modo o fato acidental do consumidor, tendo o ato de ser exclusivo
e praticado culposamente (por dolo, negligência ou imprudência), e devendo ser
provado pelo fornecedor98.

93 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado.
94 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
p. 71-72.
95 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016. p. 603.
96 Ibid. p. 605.
97 Ibid. p. 605.
98 Ibid. p. 607.

224
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

5 CONCLUSÃO

A quebra de uma obrigação originária estabelecida em alguma espécie de


ordem jurídica, que gera uma lesão a interesses jurídicos tutelados, enseja um dever
de reparação. Tal dever sucessivo será imputado àquele que causou o dano, um ato
ilícito, e fundamenta-se a existência da responsabilidade civil. A responsabilidade
civil então terá natureza de sanção, enquanto consequência para o não cumprimento
de um dever. Os pressupostos da responsabilidade civil são a conduta humana, o
dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apenas, se for na modalidade
objetiva; e adiciona-se o elemento acidental da culpa ao se tratar da modalidade
subjetiva. A responsabilidade civil também é classificada de acordo com a origem
da norma violada, sendo contratual se a obrigação estava expressa em contrato e
extracontratual se disposta em uma lei ou mandamento legal.
Os profissionais liberais são aqueles que, além da autonomia de atuação,
possuem um conhecimento técnico específico; uma formação específica obtida
por certificação; a existência de um órgão representativo e regulador da atividade
exercida; e a relação intuitu personae entre o profissional e o cliente. Os farmacêuticos
enquadram-se nesta categoria, por possuir conhecimento específico em farmácia,
obtida mediante diploma de instituição de ensino superior, possuem um órgão
específico representativo (Conselho Federal de Farmácia), e a relação mais próxima
entre o farmacêutico e cliente na venda de um produto, que difere de uma relação
de contrato massificado de adesão.
Quanto à responsabilidade civil do farmacêutico, devido à relação intuitu
personae, em regra é situação de responsabilidade civil subjetiva, devendo ser
aferida a culpa, por meio da caracterização de culpa em sentido estrito, imperícia,
negligência ou imprudência. As atividades exercidas por farmacêuticos tendem
a assumir uma obrigação de meio, pela qual não se pode garantir o resultado
esperado de determinada atividade, por mais que todas as regras e meios adequados
para tanto sejam executados para a prestação. Em alguns casos, todavia, a atuação
do farmacêutico poderá ensejar obrigação de resultado, quando da venda do
fármaco ou quando de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, no
âmbito consumerista. O defeito na execução da relação de consumo por falha no
dever de segurança enseja responsabilidade objetiva, que recairá sobre a empresa
farmacêutica, e caberá a esta provar se houve alguma das situações de exclusão da
responsabilidade, seja no âmbito civil ou no de consumo.

225
REFERÊNCIAS

ALVES, Fabrício Germano; BERNARDO, Jefferson Thalys de Brito.


Responsabilidade civil do profissional farmacêutico vinculada a sua atuação como
profissional liberal e/ou empregado. 2020. Revista UNIABEU, v. 13, n. 33, jan-
jun 2020. Disponível em: https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/
viewFile/3748/pdf. Acesso em: 29 jan. 2020.

BRASIL. DIRETORIA COLEGIADA DA AGÊNCIA NACIONAL DE


VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 44,
de 17 de agosto de 2009. Dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas para o
controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de
produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias
e dá outras providências. Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br/
segurancadopaciente/index.php/legislacao?task=callelement&format=raw&item_
id=522&element=f85c494b-2b32-4109-b8c1-083cca2b7db6&method=downloa
d&args[0]=0c2508eddf474a479a7201c9d2c9121d. Acesso em: 29 jan. 2021.

BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA.


Resolução (RDC) nº 67, de 8 de outubro de 2007. Dispõe sobre Boas
Práticas de Manipulação de Preparações Magistrais e Oficinais para Uso
Humano em farmácias. Disponível em: http://www.saude.df.gov.br/
wp-conteudo/uploads/2018/04/Resolu%C3%A7%C3%A3o-RDC-
n%C2%BA-67_2007_Disp%C3%B5e-sobre-Boas-Pr%C3%A1ticas-de-
Manipula%C3%A7%C3%A3o-de-Prepara%C3%A7%C3%B5es-Magistrais-
e-Oficinais-para-Uso-Humano-em-farm%C3%A1cias..pdf. Acesso em: 27 jan.
2021.

BRASIL. Decreto nº 20.377, de 8 de setembro de 1931. Aprova a regulamentação


do exercício da profissão farmacêutica no Brasil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d20377.htm. Acesso
em: 22 jan. 2021.

BRASIL. Decreto nº 74.170, de 10 de junho de 1974. Regulamenta a Lei número


5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário
do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.

226
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D74170.
htm. Acesso em: 20 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Controle


Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e
Correlatos, e dá outras Providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5991.htm. Acesso em: 20 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 20
jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.


Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso
em: 20 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o exercício e a


fiscalização das atividades farmacêuticas. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13021.htm.
Acesso em: 22 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.


Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.
Acesso em: 20 jan. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 8º Câmara Cível. Apelação Cível


nº 0017088-67.2009.8.16.0017, da 3ª Câmara Cível de Maringá/PR. Relator:
Des. Clayton Maranhão. Disponível em: https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/.
Acesso em: 28 jan. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 2º Câmara Cível.


Apelação Cível nº 28.470/2001. Relator: Des. Sergio Cavalieri Filho. Disponível
em: http://www.tjrj.jus.br/. Acesso em: 28 jan. 2021.

227
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São
Paulo: Atlas, 2012.

CHAIB, Laila Ferreira. A responsabilidade civil dos fabricantes e fornecedores de


produtos farmacêuticos. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6207/a-
responsabilidade-civil-dos-fabricantes-e-fornecedores-de-produtos-farmaceuticos.
Acesso em: 26 jan. 2021.

CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. Resolução CFF nº 596 de 21 de


fevereiro de 2014. Dispõe sobre o Código de Ética Farmacêutica, o Código
de Processo Ético e estabelece as infrações e as regras de aplicação das sanções
disciplinares. Disponível em: https://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucoes/596.
pdf. Acesso em: 22 jan. 2021.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto


Braga. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito


civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado:


artigo por artigo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, Rio de


Janeiro, v. 86, p. 548-559, junho, 1941.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.

MIRAGEM, Bruno. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015.

MORAES, Maria Celina Bodin de; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz.


À guisa de introdução: o multifacetado conceito de profissional liberal. In:

228
MORAES, Maria Celina Bodin de; GUEDES, Gisela Sampaio de Cruz (coord.).
Responsabilidade civil de profissionais liberais. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil. 1. ed. Rio de Janeiro:


Forense; São Paulo: Método, 2018.

229
11 Biomédico

Ana Marília Dutra Ferreira da Silva


Ermana Larissa Soares

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil, no contexto do direito do consumidor, consiste


em reparar um dano ocorrido em decorrência de uma relação jurídica estabelecida
pelo consumidor e fornecedor, visando resguardar a parte mais vulnerável. É um
tema tratado rotineiramente pelos tribunais, notadamente nas relações de consumo
onde o consumidor é a parte hipossuficiente, sendo o cliente assegurado pelo inciso
I do art 4° do Código do Consumidor.
Dentre as relações jurídicas que podem ensejar a aplicação das regras de
responsabilidade civil encontra-se a relação decorrente da prestação de serviço do
profissional liberal biomédico. Neste contexto, este trabalho visa trazer reflexões
acerca da relação de consumo e da responsabilidade civil relativa à labor do
profissional liberal biomédico, sendo ele não vinculado a clínicas ou hospitais.
Para isso, o estudo apresenta o conceito da responsabilidade civil e dos
seus pressupostos. Ademais, diferencia a responsabilidade subjetiva e objetiva nas
relações de consumo, além de proceder à análise da existência de dolo ou culpa
na ação do biomédico ao exercer determinado procedimento. Pretende-se, ainda,
fazer um levantamento da jurisprudência concernente à responsabilidade civil deste
profissional liberal.
O presente trabalho foi dividido da seguinte forma: no primeiro capítulo
abordou-se o conceito de relação jurídica e o fundamento da responsabilidade
civil. No segundo capítulo examinou-se a regulamentação específica aplicável
ao profissional biomédico, identificando as formas de responsabilização civil do

230
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

mesmo, por fim, na última parte do trabalho fez uma análise de uma decisão
judicial sobre o tema.
Quanto ao aspecto metodológico, a presente pesquisa fez uso do
método dedutivo e da pesquisa exploratória, analisando a legislação, a doutrina e a
jurisprudência sobre o assunto. O levantamento jurisprudencial foi feito através do
uso da plataforma JusBrasil, encontrando-se apenas uma decisão judicial expedida
pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso.

2 CONCEITO DA RELAÇÃO JURÍDICA E O FUNDAMENTO DA


RESPONSABILIDADE CIVIL

Ao olhar para as relações que ocorrem na contemporaneidade, os polos


da relação jurídica não assumem o papel de maneira isolada, constituindo uma
relação jurídica obrigacional complexa1, seja como credores ou devedores.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXII, tutela as relações
de consumo ao prever que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor”2. Nesse sentido, o legislador infraconstitucional promulgou a Lei n°
8.078/90, denominada Código de Defesa do Consumidor (CDC), a qual cria um
microssistema jurídico, fixando princípios e procedimentos específicos às relações
de consumo, de modo que os demais textos normativos regulamentam tais relações
apenas de forma subsidiária, ou seja, em caso de omissão do CDC3.
Segundo o art. 2°, caput, do CDC, consumidor “é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Por sua
vez, o art. 3º, §2º, do CDC, define serviço como “qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista”. Assim, qualquer vínculo jurídico que tenha como objeto um serviço
deve ser celebrado à luz do CDC.

1 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2021. p. 563.
2 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 20 fev. 2021.
3 BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.
Acesso em: 20 fev. 2021.

231
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O consumidor pode ser tanto uma pessoa física ou jurídica que vai
se utilizar de um serviço ou produto; enquanto que o fornecedor é toda pessoa
física, jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira que desenvolve diversas
atividades, sendo algumas delas: montagem, criação, construção, transformação,
distribuição referentes a produtos ou também prestação de serviços.
Conforme o art. 4°, da referida lei, a:

Política Nacional das Relações de Consumo tem por obje-


tivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada
pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I – reconhecimento da vul-
nerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II –
ação governamental no sentido de proteger efetivamente o
consumidor [...].

Tais princípios visam proteger o consumidor e reconhecer a situação


menos favorável diante do fornecedor. Pretende-se, assim, tornar a relação mais
isonômica, já que o consumidor é naturalmente parte hipossuficiente, seja por
razões de ordem técnica quanto econômica4.
A responsabilidade civil, por sua vez, surge a partir do descumprimento
obrigacional, podendo ocorrer devido à desobediência de um preceito firmado em
um contrato, ou por deixar de proteger um preceito normativo. Levando isso em
consideração, passou a existir a responsabilidade contratual e extracontratual desde
o direito romano, o qual também estabelecia a responsabilidade sem culpa, punindo
o dano com a pena de talião, sendo esta observada como injusta em diversos casos
e devido a isso a responsabilidade com culpa passou a ser regra em todo Direito
Comparado, além de influenciar as codificações modernas como o Código Civil
Francês de 1804, Código Civil Brasileiro de 1916 e o de 20025.

4 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 366.
5 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2021. p. 778

232
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O Código Civil de 1916 baseava a responsabilidade civil apenas no


conceito do art. 159 de ato ilícito6; enquanto que o novo Código Civil de 2002
prevê, em seu art. 186, que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”, referindo-se ao ato ilícito e ao abuso de direito que é
retratado no art. 187, segundo o qual também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Em suma, a responsabilidade civil, consiste na aplicação de medidas que
obriguem alguém a ser responsável pela reparação de danos morais ou patrimoniais
causados a terceiros, em razão de ato próprio ou a si imputado, podendo ser da
pessoa que responde, fato de coisa ou animal sob sua guarda7.
A responsabilidade do biomédico trata-se da reparação de danos
causados em pacientes, já que ele assume o risco da sua atividade por ser qualificado
tecnicamente para executar determinados procedimentos.
Segundo Tartuce, a responsabilidade civil ocorre em face de um
descumprimento obrigacional, ou seja, pela desobediência de uma regra estabelecida
em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito
normativo que regula a vida8. Essa responsabilidade refere-se a condutas que são
indesejadas por quem recebeu o serviço de determinado profissional.
Dessa forma, sua função consiste em proteger à vítima do dano, oferecendo
garantia da tutela integral ao interesse violado, objetivando-se, primeiramente, o
retorno da situação ao status quo anterior ao dano e, não sendo isto possível, em
aplicar-se ao ofensor uma condenação civil, à guisa de reparação pela lesão causada,
por meio do pagamento de uma parcela em dinheiro equivalente ao prejuízo9.
A responsabilidade civil pode ser classificada como objetiva ou subjetiva.
Em relação à responsabilidade objetiva, o Código Civil pelo art. 927 aduz que

6 BRASIL. Lei n° 3.071, de 1 de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 26 de fev. 2021.
7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 34. ed. São Paulo:
Saraiva, 2020, v. 7. p. 53
8 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo:
étodo, 2015. v. 2.
9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 34. ed. São Paulo:
Saraiva, 2020, v. 7; MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. São Paulo: LTr,
2012. p. 28.

233
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

quando alguém causar dano a outro possui a obrigação de reparar. Sendo assim,
a atividade exercida que gerou o dano é considerada lícita, mas causou perigo à
pessoa, dessa maneira, quem ocasionou o dano terá a obrigação de reparar devido
ao nexo de causalidade que deverá ser comprovado pela vítima10.
Um dos pressupostos para a concessão de indenização no âmbito
da responsabilidade objetiva é a existência de prejuízo da vítima. A obrigação,
portanto, consiste em ressarcir o consumidor por determinado prejuízo que teve,
seja de natureza patrimonial ou moral, sendo necessário algum motivo/coisa para
obter reparação.
Outro pressuposto é a existência do nexo de causalidade entre o dano
e ação, ou seja, se houver o dano e não for comprovado que ele ocorreu devido
à conduta do agente, não se fará jus à indenização. Para que não se faça jus a
essa indenização, é preciso comprovação da força maior, caso fortuito ou culpa da
vítima.
Nos termos do art.14, §3 do CDC são causas excludentes de
responsabilidade, ocorrendo rompimento do nexo de causalidade: i) a inexistência
do defeito; ii) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
À vista disso, a culpa será certificada quando a atividade do fornecedor
estiver diretamente ligada à atividade do profissional liberal, isso ocorre devido
a existência da única possibilidade do fornecedor se eximir da indenização,
confirmando a excludente de ilicitude. Conclui-se que por mais que a
responsabilidade objetiva deva ocorrer sem a verificação da culpa, isso não acontece
na prática quando se refere a atividade de profissionais liberais, mas ocorre na
responsabilidade subjetiva11.
No tocante aos profissionais liberais, no entanto, a responsabilidade
é subjetiva, nos termos do art. 14, §4º, do CDC. Quanto à esta espécie de
responsabilidade é possível asseverar que o fato gerador já é considerado ilícito,
pois o imputado não cumpre com o considerado justo e correto, de modo que
o prejuízo deve ser ressarcido, quando houver a comprovação de dolo ou culpa

10 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 34. ed. São Paulo:
Saraiva, 2020, v. 7; MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. São Paulo: LTr,
2012. p. 71
11 BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.
Acesso em: 20 fev.2021.

234
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

na ação. Configura-se como individual, ou seja, o profissional comete tal ato,


sendo subdividida em direta quando o agente do dano responder por ato próprio
praticado e indireta quando o dano é previsto em lei12. Deverá ser comprovado o
dano e junto a isso a ligação disso com o ato que foi realizado.
Essa responsabilidade é firmada como regra geral no nosso ordenamento
jurídico, com base na teoria da culpa, portanto, para que o agente do ato indenize,
ou seja, responda civilmente, necessita da comprovação da culpa que abrange o dolo
(intenção) e a culpa em sentido estrito (imprudência, negligência e imperícia)13.
No que concerne à responsabilidade civil dos profissionais liberais
(incluindo neste termo os biomédicos), os quais realizam um serviço de acordo com
as técnicas aprendidas, aplica-se a noção de obrigações de resultado. Diferencia-se,
portanto, o que são obrigações de meio e de resultado.
Na obrigação de meio, o profissional deve se comprometer a fazer uso da
prudência e diligência para prestar determinado serviço e atingir o resultado, não
podendo garantir um resultado certo e determinado, mas, apenas, que utilizará os
meios adequados e ao seu alcance para solucionar o problema a ele apresentado,
como, por exemplo, a atuação de um médico em uma demanda de emergência14.
Assim, o profissional se propõe a alcançar o fim pretendido, valendo-se de todos
os meios técnicos possíveis, mas não pode ser responsabilizado caso não o atinja,
exceto, obviamente, no caso da constatação de conduta culposa15.
Na obrigação de resultado, por sua vez, o profissional deve atingir o
resultado específico esperado, de modo que seu inadimplemento será suficiente
para a fixação da sua responsabilidade.
No caso do biomédico, a obrigação será de meio ou de resultado a
depender do seu campo de atuação. Em geral, os biomédicos atuam na realização
de análises clínicas, de modo que estão obrigados a entregar “o resultado final do

12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 34. ed. São Paulo:
Saraiva, 2020, v. 7. p. 71
13 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo:
Método, 2015. v. 2. p. 910
14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 34. ed. São Paulo:
Saraiva, 2020, v. 7. p. 325.
15 CALDEIRA, M. A. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento do código
de defesa do Consumidor. Portal Metodista, v.1, n.1. p. 309- 323. 2004. p. 316.

235
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

exame laboratorial”16, o qual deve ser certo e específico, não havendo que se falar
em obrigação de meio. Da mesma forma, a obrigação será de resultado quando o
procedimento for estético.

3 REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PROFISSÃO E FORMA DE


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO BIOMÉDICO

Entende-se por profissional liberal aquele que não é subordinado a alguma


empresa e realiza seus serviços de acordo com o conhecimento técnico e especializado
exigido para o exercício da profissão, como, por exemplo, os advogados, médicos,
dentistas, engenheiros, biomédicos, dentre outros. Tais profissionais exercem uma
atividade meio, na qual se comprometem a atingir um resultado, sem garanti-lo,
fazendo uso de sua capacidade técnica. Este serviço deve ser específico para cada
consumidor, pois eles têm expectativas e necessidades distintas.
Os profissionais liberais diferenciam-se dos demais em razão do seu
conhecimento técnico. Este, refere-se ao conhecimento científico e/ou manual
de cada profissão, assim o conhecimento técnico pode ser classificado como
gênero, em que o manual é espécie. Junto a isso, percebe-se a autonomia que o
profissional liberal possui, tendo em vista a capacidade de exercer de maneira livre,
sem necessidade de subordinação e vínculo hierárquico17. O autor Oscar Ivan Prux
aduz que:

[...] uma categoria de pessoas, que no exercício de suas ati-


vidades laborais, é perfeitamente diferenciada pelos conheci-
mentos técnicos reconhecidos em diploma de nível superior,
não se confundindo com a figura do autônomo, [...] sempre
que atuem de forma independente, no sentido de não serem
funcionários de um empregador18.

16 LEITIS, Diovany. M.G. A responsabilidade civil dos biomédicos e o ato profissional FURB.
Revista Jurídica, v. 15, n° 29, p. 03-14, jan./jul. 2011. p. 11.
17 CALDEIRA, M. A. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o advento do código
de defesa do Consumidor. Portal Metodista, v.1, n.1. p. 309- 323. 2004. p. 312.
18 PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Con-
sumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 107

236
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Reafirma-se a liberdade do profissional liberal, de acordo com Cavalieri


Filho:

Profissional liberal, como o próprio nome indica, é aquele


que exerce uma profissão livremente, com autonomia, sem
subordinação. Em outras palavras, presta serviços pessoal-
mente, por conta própria, independente do grau de escola-
ridade. Não só o médico, o advogado, o engenheiro, o psi-
cólogo, o dentista, etc. podem ser profissionais liberais, mas
também o sapateiro, o carpinteiro, o marceneiro, o eletricista,
o pintor, a costureira, desde que prestam serviços com auto-
nomia, sem subordinação – enfim, por conta própria. Pela
ótica do Código, o melhor caminho é definir o profissional
liberal pelas características de sua prestação de serviços, e não
pelo seu grau de escolaridade, ou pelo enquadramento na re-
gulamentação legal19.

Presume-se que o profissional liberal é contratado, mesmo quando


fornece serviço de maneira autônoma, para prestar uma atividade que possui pleno
conhecimento. Assim, ele deve assegurar que não colocará em risco a saúde ou
segurança do consumidor, ressalvando-se os casos em que há um risco inerente à
atividade, a exemplo de uma cirurgia médica.
De fato, não se pode esquecer que os profissionais têm o dever de
precaução, no caso dos médicos, por exemplo, de realizar exames prévios à
intervenção cirúrgica; apesar disso, há fatos supervenientes que fogem do controle
do profissional, de modo que ele não pode ser responsabilizado por eles se não agiu
com culpa.
No caso do médico, quando ocorre o erro de diagnóstico, por exemplo,
é necessário verificar se o erro decorreu de negligência, imperícia ou imprudência
para que ele possa ser responsabilizado, necessitando que o profissional durante a
procura da solução do problema tenha feito o uso dos meios e técnicas adequadas20.

19 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
p. 570.
20 CABRAL, Boeachat. Consentimento informado: Aspectos da relação jurídica odontólogo-paciente
sob o enfoque da responsabilidade civil e do direito do consumidor. 2008. 18 f. p. 5. Disponível
em: http://www.pgj.ce.gov.br/orgaos/orgaosauxiliares/cao/caocc/dirConsumidor/artigos/01_consen-
timento.informado.pdf. Acesso em: 18 fev. 2021

237
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

Segundo o art. 14, §1°, do CDC, “o serviço é defeituoso quando não


fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração
as circunstâncias relevantes”. Tais circunstâncias são o modo de fornecimento, o
momento, resultado e riscos que se podem esperar.
Não se desconsidera a necessidade de informar previamente sobre os
eventuais riscos e a observância do emprego de técnicas e materiais adequados para
o serviço fornecido e acordado com o consumidor. Caso isso não seja realizado, o
profissional deverá responder pelo serviço defeituoso.
Destaque-se que a Constituição Federal, no seu art. 5°, inciso XIII,
assegura que é livre o exercício de todo e qualquer trabalho, ofício ou profissão que
atenda às qualificações profissionais estabelecidas por lei. A profissão do biomédico
é regulamentada, de modo a fazer-se necessário o exame desta regulamentação.
A biomedicina pode ser entendida como uma ciência que leva até ao
diagnóstico e visa a possibilidade do tratamento de diversas patologias, conduzindo
os estudos e pesquisas destinados a entender as causas, prevenções e diagnósticos
de uma doença.
A profissão do biomédico é regulamentada pela Lei federal n° 6.684, de
03 de setembro de 1989, a qual, de forma geral, dispõe sobre a regulamentação do
exercício da profissão de Biomédico e Biólogo, criando também o Conselho Federal
e os Conselhos Regionais das respectivas profissões supracitadas.
Em seu art. 4°, a referida lei determina que a competência do biomédico
é atuar “nas equipes de saúde, a nível tecnológico, nas atividades complementares
de diagnóstico”. No art. 5º, prevê que o biomédico poderá realizar: i) análises físico-
químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio ambiente; ii)
serviços de radiografia, excluída a interpretação; iii) com supervisão médica poderá
atuar em serviços de hemoterapia, de radiodiagnóstico e de outros para os quais seja
legalmente habilitado; iv) planejar e executar pesquisas científicas em instituições
públicas e privadas, na área de sua especialidade profissional21.

21 BRASIL. Lei n° 6.684, de 03 de setembro de 1979. Regulamenta as profissões de Biólogo e de


Biomédico, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Biologia e Biomedicina, e dá ou-
tras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/LEIS/1970-1979/L6684.
htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%206.684%2C%20DE%203%20DE%20SETEMBRO%20
DE%201979&text=Regulamenta%20as%20profiss%C3%B5es%20de%20Bi%C3%B3logo,Bio-
medicina%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 19 fev. 2021.

238
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

O Decreto n° 88.439 de 28 de junho de 1983, por sua vez, estabelece


como deve ser exercida a profissão do biomédico, determinando como ele deve
atuar, quais são os órgãos de fiscalização e a importância do respectivo Conselho
Federal. Para atuar na área, se faz necessário que o profissional seja portador de
Carteira de Identidade Profissional, sendo expedida pelo Conselho Regional de
Medicina.
Ficam responsáveis por fiscalizar a profissão, o Conselho Federal e os
conselhos regionais de Biologia e Biomedicina – CFBB/CRBB. Além disso,
o art. 20, da Lei 6.684/79 determina que a profissão só poderá ser exercida em
território brasileiro por quem possuir a carteira profissional expedida pelos órgãos
competentes. Por fim, há de se destacar as infrações disciplinares e respectivas
penalidades:

Art. 24 – Constitui infração disciplinar: I – transgredir pre-


ceito do Código de Ética Profissional; II – exercer a profissão,
quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio,
o seu exercício aos não registrados ou aos leigos; III – vio-
lar sigilo profissional; IV – praticar, no exercício da atividade
profissional, ato que a lei defina como crime ou contraven-
ção; V – não cumprir, no prazo assinalado, determinação
emanada de órgãos ou autoridade do Conselho Regional, em
matéria de competência deste, após regularmente notificado;
VI – deixar de pagar, pontualmente ao Conselho Regional,
as contribuições a que está obrigado; VII – faltar a qualquer
dever profissional prescrito nesta Lei; VIII – manter conduta
incompatível com o exercício da profissão. Parágrafo único.
As faltas serão apuradas levando-se em conta a natureza do
ato e as circunstâncias de cada caso. Art. 25 – As penas dis-
ciplinares consistem em: I – advertência; II – repreensão; III
– multa equivalente a até dez vezes o valor da anuidade; IV
– suspensão do exercício profissional pelo prazo de até três
anos, ressalvada a hipótese prevista no § 7º deste artigo; V –
cancelamento do registro profissional.

Percebe-se, assim, que, além da responsabilidade civil do biomédico, a


respectiva regulamentação profissional prevê punições administrativas para uma
série de infrações disciplinares. Cabe dizer que, essa mesma legislação prevê os
limites de atuação do biomédico, de modo que ele deve respeitar estes limites
e, dentro deles, agir de maneira a evitar danos ao consumidor. Se este dano, no

239
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

entanto, ocorrer, faz-se necessário analisar o elemento subjetivo da conduta do


biomédico, ou seja, se o mesmo agiu com dolo ou culpa.
Outrossim, pode surgir a dúvida em relação a responsabilidade objetiva
nesses casos, essa apenas ocorre quando a ação é feita por um preposto daquele
profissional, não sendo isso o que acontece nos fatos apresentados22.

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Diante dos conceitos estudados acerca da responsabilidade civil, foi


proposto um estudo de casos práticos que existem na jurisprudência brasileira. A
pesquisa foi realizada através da utilização da Plataforma do JusBrasil e resultou em
apenas uma decisão cujo objeto era a análise da responsabilidade civil do biomédico,
proferida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Segue a ementa do julgado:

DIREITO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – AÇÃO
CULPOSA, DANO MORAL E NEXO DE CAUSALIDADE
CARACTERIZADOS – ERRO DE DIAGNÓSTICO DE
HEPATITE B POR BIOMÉDICO – CONDENAÇÃO
MANTIDA – APELAÇÃO REJEITADA. A conduta do agen-
te é no mínimo negligente ao expedir um resultado de exame
positivo sem a devida conferência, mister ainda quando até
mesmo o sexo da vítima consta como MASCULINO no re-
sultado apresentado, assim como sua data de nascimento não
corresponde com a verdadeira. Neste caso estão presentes os
pressupostos para a configuração da responsabilidade civil de
indenizar até mesmo pelo defeito do serviço prestado precei-
tuado no art. 14 do CDC, sendo justa a condenação do cau-
sador do dano no tocante à sua responsabilidade de indenizar.
Tratando-se de saúde da pessoa humana, um dos maiores bens
da humanidade, os profissionais têm que agir da melhor forma
possível, fazendo exames com responsabilidade técnica, utili-
zando a melhor técnica e verificando a validade e qualidade de
todo o material utilizado. Ap 32134/2005, DRA. HELENA
MARIA BEZERRA RAMOS, SEGUNDA CÂMARA CÍ-
VEL, Julgado em 05/07/2006, publicado no DJE 26/07/2006.
TJ-MT – APL: 00321343020058110000 32134/2005, Rela-

22 LEITIS, Diovany. M.G. A responsabilidade civil dos biomédicos e o ato profissional FURB. Revista
Jurídica, v. 15, n° 29, p. 03-14, jan./jul. 2011.p. 13.

240
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

tor: DRA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de


Julgamento: 05/07/2006, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 26/07/2006.

Trata-se de uma apelação em sede de ação de indenização por danos


morais relativa a erro de diagnóstico de Hepatite B em face de um profissional
liberal biomédico. Como parte apelante tem-se o biomédico Fernando Nunes da
Cruz e, como parte apelada, a paciente Maria Aparecida Mangolin. Na decisão
de primeiro grau, o juízo da 2° Vara Cível da Comarca de Colíder condenou o
apelante a ressarcir a apelada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a título de
danos morais, em razão de erro de diagnóstico, via exame laboratorial. No caso,
o profissional emitiu laudo informando que a paciente era portadora do vírus da
HEPATITE B.
Além disso, o documento elaborado pelo apelante apresentava outros
erros relativos ao sexo do paciente (constava como masculino, sendo a paciente uma
mulher) e à sua data de nascimento, indicando a conduta negligente do profissional.
No recurso, o apelante argumentou que não agiu culposamente, afirmando que
realizou o procedimento de acordo com as orientações do Ministério da Saúde.
No julgamento da apelação, a Segunda Câmara Cível, do TJ/MT
entendeu que estavam presentes no caso concreto todos os pressupostos para a
fixação da responsabilidade civil do biomédico, nos termos do art. 14, do CDC.
Frisou-se, inclusive que “tratando-se de saúde da pessoa humana, um dos maiores
bens da humanidade, os profissionais têm de agir da melhor forma possível, fazendo
exames com responsabilidade técnica.”
Ficou evidente, no caso concreto, que o erro do resultado do exame não
ocorreu devido a um acidente de trabalho ou, até mesmo, a um fato superveniente
ou incontrolado. A própria decisão judicial fez menção à decisão proferida pelo
Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso, o qual, em Sessão Plenária
Extraordinária, reconheceu o erro do apelante, condenando-o administrativamente
à pena de advertência escrita.
No julgamento, a relatora ainda ressaltou que, existindo várias técnicas
e métodos de diagnóstico, o biomédico em comento deveria ter utilizado o mais
eficaz, de modo a preservar a confiabilidade e a qualidade dos resultados. Além
disso, indicou que o mesmo exame realizado em outros dois laboratórios deram
resultados negativos, apesar de ter sido utilizada a mesma técnica escolhida pelo

241
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

apelante, de modo a confirmar que a atitude deste foi, no mínimo, negligente “ao
expedir um resultado de exame positivo sem a devida conferência”.
Ora, cabe nesse caso, ressaltar o artigo 6°, do CDC, o qual expõe os
direitos básicos do consumidor, dentre eles, está o direito à proteção da vida, saúde
e segurança referentes aos riscos que forem provocados pela prática do fornecimento
de produtos e serviços, ou seja, o serviço de exame médico, em que esse deve ser
realizado de maneira prudente para que não haja erros que possam acarretar ao
paciente prejuízos e consequências graves para seu estado de saúde.
Em síntese, quando ocorre a culpa do profissional liberal e esta é
comprovada pela vítima (laudo com informações incorretas), existe ato ilícito por
não cumprir as normas que são designadas para tal profissão, além de comprovar
a existência do dano e o nexo causal23. Evidencia-se, assim, a existência da
responsabilidade subjetiva.

5 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil visa a reparação do dano que é causado a outrem,


o qual pode ser moral ou patrimonial. A conduta pode ser praticada pelo profissional
ou alguém que preste serviços, no caso estudado, o profissional liberal biomédico.
A proposta do trabalho foi apresentar o conceito das relações jurídicas,
chegando até o conceito de responsabilidade civil a fim de entender como ela é
aplicada quanto aos profissionais liberais, notadamente, aos biomédicos.
A Constituição Federal prevê que normas infraconstitucionais podem
regulamentar o exercício profissional, estabelecendo quais os pressupostos para
exercer as respectivas atividades, bem como os órgãos fiscalizadores.
Verificou-se ao longo do estudo que a responsabilidade civil subjetiva
ocorre pelos seguintes fatos: a existência de ato ilícito, prova da existência do
dano à vítima e nexo de causalidade, além da comprovação de ações imprudentes,
negligentes e imperitas.
A compreensão da natureza jurídica do profissional liberal leva ao
entendimento do tipo de responsabilidade que pode ser subjetiva. Nesse caso,
aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva, a qual depende da análise da culpa
do biomédico, cuja conduta será considerada ilícita, descumprindo normas legais

23 LEITIS, Diovany. M.G. A responsabilidade civil dos biomédicos e o ato profissional FURB. Revista
Jurídica, v. 15, n° 29, p. 03-14, jan/jul. 2011.

242
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS DA ÁREA DA SAÚDE

ou contratuais. Note-se que,o interesse sobre o assunto exsurge da necessidade


de regulamentação da atividade do biomédico e do respectivo exercício de uma
obrigação de resultado.
Da pesquisa jurisprudencial, encontrou-se apenas uma decisão judicial
que trata acerca da responsabilidade do biomédico, o que demonstra que este é um
assunto pouco levado aos tribunais. A presente pesquisa não pretendeu, no entanto,
discutir as razões para este fato, mas apenas discutir o entendimento dos tribunais
acerca do objeto de estudo, o qual confirmou o estudo legal e doutrinário feito nos
capítulos precedentes.
Ademais, é possível concluir que quanto à análise de exames, quando
ela é feita de maneira irresponsável e causa danos à vida do paciente, gera direito
à indenização. Isso pode ocorrer quando o profissional identifica uma doença
inexistente ou deixa de diagnosticar uma que realmente exista, por exemplo. Por
fim, para minimizar essas falhas, cabe ao biomédico agir com prudência durante o
exercício da sua profissão, olhando para os limites impostos na legislação específica
existente para atuação da sua profissão.

243
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo:


Saraiva, 2013.

BRASIL. Decreto 8.839, de 28 de junho de 1983. Dispõe sobre a regulamentação


do exercício da profissão de biomédico de acordo com a Lei n° 6.684, de 03
de setembro de 1979 e de conformidade com a alteração estabelecida pela
Lei n° 7.017, de 30 de agosto de 1982. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D88439.htm#:~:text=DECRETO%20
N%C2%BA%2088.439%2C%20DE%2028,30%20de%20agosto%20de%20
1982. Acesso em: 22 fev. 2021.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 fev. 2021.

BRASIL. Lei n° 3.071, de 1 de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos
do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm.
Acesso em: 26 fev. 2021.

BRASIL. Lei n° 6.684, de 03 de setembro de 1979. Regulamenta as profissões de


Biólogo e de Biomédico, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Biologia e Biomedicina, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/CCIVil_03/LEIS/1970-1979/L6684.htm#:~:text=LEI%20
N%C2%BA%206.684%2C%20DE%203%20DE%20SETEMBRO%20
DE%201979&text=Regulamenta%20as%20profiss%C3%B5es%20de%20
Bi%C3%B3logo,Biomedicina%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20
provid%C3%AAncias. Acesso em: 19 fev. 2021.

BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 20 fev. 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Apelação n°


00321343020058110000 32134/2005 – Mato Grosso do Sul. Relator: Dra.
Helena Maria Bezerra Ramos. Pesquisa de Jurisprudência. 05 de julho de 2006.

244
Disponível em: https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/322681193/
apelacao-apl-321343020058110000-32134-2005. Acesso em: 23 fev. 2021.

CABRAL, Boeachat. Consentimento informado: aspectos da relação jurídica


odontólogo-paciente sob o enfoque da responsabilidade civil e do direito do
consumidor. 2008. 18 f. Disponível em: http://www.pgj.ce.gov.br/orgaos/
orgaosauxiliares/cao/caocc/dirConsumidor/artigos/01_consentimento.informado.
pdf. Acesso em: 18 fev. 2021.

CALDEIRA, M. A. A responsabilidade civil dos profissionais liberais com o


advento do código de defesa do Consumidor. Portal Metodista, v.1, n.1. p. 309-
323. 2004.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 12. ed. São


Paulo: Atlas, 2015.

CONCEIÇÃO, V. O. L. Pessoa jurídica como consumidora. 2014. 65 f. Trabalho


de Conclusão de Curso (Graduação em Direito). Brasília – DF, 2014. Disponível
em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/5630/1/20978431.pdf.
Acesso em: 15 fev. 2021.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 34.
ed. São Paulo: Saraiva, 2020. v. 7.

LEITIS, Diovany. M.G. A responsabilidade civil dos biomédicos e o ato


profissional FURB. Revista Jurídica, v. 15, n° 29, p. 03-14, jan/jul. 2011.

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. São Paulo: LTr,
2012.

MIZZUNO, M; Antunes, P. R. A relação jurídica médico e paciente: Quando o


médico é responsabilizado pelos seus erros. 2017. 15 f. Revista faz ciência, v. 19, p.
64-78.

NUNES, Luiz Antônio Rizatto. Comentário ao Código de Defesa do Consumidor.


6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

245
PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa
do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor


anotado. São Paulo: Saraiva, 2001.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil.


10. ed. São Paulo: Método, 2015. v. 2.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2021.

246

Você também pode gostar