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Leão Dehon

ANO COM O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Volume II

Abril – Maio – Junho

Tradução do P. José Jacinto Ferreira de Farias MÊS DE


ABRIL
MÊS DAS ALEGRIAS PASCAIS E DE S. JOÃO

Duas meditações para o retiro do mês

I. VIDA DE REGRA:

Páscoa
Ibant parentes ejus per omnes annos in Os seus pais iam todos os anos a
Jerusalém, in die solemni paschae. Et cum factus Jerusalém no grande dia de Páscoa. Quando fez
esset annorum duodecim, ascendentibus illis doze anos, subiu com eles a Jerusalém com eles
Jerosolymam secundum consuetudinem diei festi, segundo o costume. Terminados os dias da festa,
consumatisque diebus, cum redirent remansit puer regressaram a casa, mas o menino Jesus ficou lá
Jesus (Lc 2, 41) (Lc 2, 41).
Primeiro Prelúdio. Vejo a Sagrada Família exacta e fiel a todas as prescrições da lei para a festa
da Páscoa.
Segundo Prelúdio. Ó Jesus, levai-me convosco nesta vida de regra e de fidelidade a todos os
meus deveres.
PRIMEIRO PONTO: A vida de regra em Nazaré. – A regra, a vontade de Deus, era
todo Jesus. Era assim que o tinha caracterizado a profecia do salmista: Ecce venio, eis-me,
Senhor, para fazer a vossa vontade. Esta é a minha resolução. A vossa lei está no meio do meu
coração, para regular toda a minha vida (Sl 39).
A regra, é toda Nazaré. Faz-se aí tudo segundo a regra, várias vezes o Evangelho o diz.
A propósito da infância de Jesus, S. Lucas repete até quatro vezes que tudo se faz
segundo a regra. Quando chegou o dia, procede-se à circuncisão. Depois veio o dia da
Purificação, regulam-se sobre a lei de Moisés. Apresentam o menino em Jerusalém, segundo o
que esta escrito na lei do Senhor. Oferecem as rolas, comoestá dito na lei.
Regularidade na vida pública e na vida privada. Jesus obedece a Maria e a José (Lc 2,
51). Obedece sempre ao seu Pai celeste. Obedecer /398 é a sua vida, o seu alimento (Jo 4). É
dócil como um escravo. Tomou a forma de um escravo (Fil 2, 7); não veio para ser servido, mas
para servir (Mt 20, 28).
No salmo 39, onde a tradução dos LXX diz: «Vós me haveis dado um corpo», o texto
hebraico dizia: «Furastes-me a orelha», como aos escravos.
Ó divino escravo, fazei de mim um homem de obediência e de regra!
SEGUNDO PONTO: A regra em união com o Sagrado coração; os actos da manhã. –
Margarida Maria escreveu um regulamento de vida para as suas noviças, nós podemos colher aí
vistas sobre a vida de regra em união com o Sagrado Coração. Ela escreveu também o seu
próprio regulamento de vida no mesmo espírito.
«Ao levantar, rezarei à santíssima Virgem para oferecer o meu coração a Jesus-hóstia,
para que ele o unisse à homenagem do seu Coração a Deus e para que o enchesse do seu espírito
e do seu amor.
Consagrarei ao divino Coração tudo o que devo fazer durante o dia».
Segundo o exemplo de Margarida Maria, conformar-me-ei às resoluções seguintes:
Depois do levantar, oração da manhã com um acto de oblação e de consagração ao
Sagrado Coração de Jesus.
Uma boa meditação no mesmo espírito.
Assistência à missa. É o tempo mais precioso para honrar o Coração adorável de Jesus,
presente sobre o altar. Comunhão sacramental ou espiritual. Acção de graças, pública
retractação.
Os padres que estiverem animados do amor do Sagrado Coração na santa missa,
receberão então grandes graças.
Uma das principais resoluções do regulamento de vidam dos servidores do Coração de
Jesus diz respeito ao bom emprego do tempo. S. Paulo dizia: Seja qual for o acto que realizais,
fazei sempre para glória de Deus, acrescentemos: por amor do Sagrado Coração.
Pensemos apenas no tempo presente para bem o empregarmos segundo os nossos
deveres de estado.
Na refeição: recordação do Sagrado Coração; refeição espiritual por algum pensamento
piedoso; práticas de mortificação.
TERCEIRO PONTO: Exercícios da noite e de algumas circunstâncias especiais. – Os
exercícios primordiais da manhã completam-se com algumas práticas de piedade a serem
repartidas durante o dia: o terço em honra da santa Virgem, com as ladainhas ou a pequena
coroa do Sagrado Coração; o encontro espiritual no Sagrado Coração às nove horas com a
recordação de /399 Nazaré e às três horas com a recordação da Paixão; a leitura espiritual, tão
necessária para a alma como as refeições são necessárias para o corpo.
É preciso visitar o Santíssimo Sacramento, que é tão esquecido e tão abandonado nos
nossos tabernáculos, e, nestas visitas, é preciso não esquecer de honrar de um modo terno e
afectuoso o Sagrado Coração de Jesus.
Nas nossas conversações, diz a Bem-aventurada, vigiemos sobre a nossa língua que leva
tão frequentemente a santa Eucaristia; não nos deixemos ir às zombarias, às murmurações, às
faltas de caridade, às palavras de chocarrice…».
Pensemos em edificar nas nossas correspondências.
Santifiquemos as nossas provações com a paciência e o espírito de reparação.
À noite, examinemo-nos acerca dos nossos defeitos, acerca das nossas resoluções.
«Consagremos ao Sagrado Coração o dia que termina e o repouso que vamos tomar».
É preciso reentrar neste Coração Sagrado se, por infelicidade dele tivéssemos saído. É
preciso agradecer-lhe por todos os seus benefícios e pedir-lhe perdão por todas as nossas
infidelidades; depois tomaremos o nosso repouso neste divino coração, colocando-nos assim
sob a sua protecção e como no coração da santíssima Virgem.
A minha resolução será conforme a este regulamento. A minha vida deve resumir-se em
duas palavras: União habitual ao Coração de Jesus; Vida de amor para com ele.
Colóquio com a Sagrada Família, modelo de regularidade.
II. A MORTE DE JESUS E A MINHA MORTE
Cum ergo accepisset Jesus acetum, dixit: Tendo Jesus tomado o vinagre, disse :
consumatum est. Et inclinato capite, tradidit tudo está consumado. E inclinando a cabeça,
spiritum (Jo 19, 30). entregou o espírito (Jo 19, 30).
Primeiro Prelúdio. Ver-me-ei sobre o meu leito de agonia e de morte, como Jesus sobre a sua
cruz… à volta de mim, as trevas aumentam… os meus próximos e os meus amigos esperam, rezam e
calam-se. Entrego a alma, e este momento decide acerca do meu destino eterno!
Segundo Prelúdio. «Ó Jesus, quando for preciso que eu parta deste mundo, dai-me, por vossa
Mãe, chegar à palma da vitória» (Liturg. prose Stabat).
PRIMEIRO PONTO: A preparação de Jesus e a minha preparação. – Jesus pensava
muitas vezes na sua morte: «Ainda um pouco de tempo, dizia, e já não me vereis» (Jo 16). /400
Pensou em tudo e fez o seu testamento. Perdoou aos seus inimigos. Recomendou os
seus discípulos ao seu Pai (Jo 17). S. João é como o seu filho adoptivo, confiou-o a Maria: Ecce
filius tuus. Maria tem necessidade de um sustento, confia-a a S. João: Ecce Mater tua. Lança um
olhar sobre a sua vida e pode dar-se esta justiça, que cumpriu toda a sua missão: Consumatum
est. Abandona a sua alma ao seu Pai: «Meu Pai, entrego a minha alma nas vossas mãos». E
expira.
Estou pronto?... Tenho pensado muitas vezes na morte?... Tenho providenciado às
necessidades das almas e das obras de que estou encarregado?... Está pronta a minha alma para
aparecer diante de Deus?...
SEGUNDO PONTO: Depois da minha morte: perto do meu leito de agonia. – É um
cadáver…teve de morrer, como todos morrem, como o meu Deus mesmo morreu: «Qual é o
homem que não verá a morte?» (Sl 88). Mas de Jesus a mim, que diferença! Contemplemos e
comparemos: estas mãos divinas que se levantaram para a oração, estes braços que se fatigaram
no trabalho… as minhas mãos ociosas, os meus braços delicados e preguiçosos. – Estes pés que
correram atrás das ovelhas desgarradas… os meus pés lentos para as obras de zelo, prontos para
o prazer e para a conquista dos aplausos e dos louvores. – Esta cabeça envolvida de espinhos,
estes olhos banhados de sangue e de lágrimas… os meus olhos altivos, a minha fronte
orgulhosa, coroada de vaidade. – Esta língua tão sábia e tão pura, estes lábios ressequidos pelo
tormento da sede… a minha língua sensual, os meus lábios imprudentes. – Todos estes
membros enfim, este corpo sagrado santuário da divindade… os meus membros, o meu corpo:
de direito, templo do Espírito Santo; de facto, templo de ídolos, talvez?... Certo de ser julgado
sobre o modelo de Jesus Cristo, o apóstolo S. Paulo tinha necessidade de dizer para se
assegurar: «A minha carne leva os estigmas do Senhor Jesus» (Gal 6). E a minha?...
TERCEIRO PONTO: Perto da alma. – A luz faz-se num momento sobre as coisas da
vida que acabou e sobre as da vida interminável que começa…Como a alma de Jesus Cristo,
nosso modelo, a minha alma teve combates a travar… uma vontade superior, divina, a
cumprir… seres amados a salvar, pela palavra, pelo exemplo, pelo sofrimento…mas como Ele
pôde ela dizer antes de deixar a terra: «Tudo está consumado». Tudo, fiz tudo o que devia fazer.
Expiou os seus pecados e aqueles dos quais tinha a terrível responsabilidade? Governou este
corpo do qual era, depois de Deus seu criador, a única e natural soberana? Ou, guia medrosa e
fraca, deixou fazer tudo, dócil /401ao tumulto das vis paixões, não ousando submeter ao controle
da razão e da fé e ao jugo da consciência, os ardores do sentimento ou os fantasmas da
imaginação?
Presta as tuas contas, ó minha alma… A que ponto estás?
Há lugar aqui para um longo exame. Passarei em revista toda a minha vida.
Que fiz da minha juventude?
Conservei a minha inocência?
Deixei-me formar pelos representantes de Deus?
Rezei e servi a Deus todos os dias?
Como me comportei na recepção dos sacramentos?
Guardei a castidade segundo o meu estado?
Fui justo e caridoso para com o próximo?
A minha língua não faltou mil vezes à caridade, à verdade, à modéstia?
Cumpri os meus deveres de estado?
Não escandalizei o meu próximo?
Não abusei cem vezes e mil vezes da graça divina?
Não entristeci o Espírito Santo ficando surdo às suas inspirações?
Que consideração tive à presença do meu bom anjo?
Tomei muitas vezes boas resoluções, não as violei continuamente?
Consagrei-me muitas vezes ao Coração de Jesus e a Maria, que consideração tive a
respeito destas promessas repetidas?
Não sou eu o mais ingrato dos homens!...
Resoluções. – Estou confuso e arrependido. Quero mudar de vida e colocar-me ao
serviço exacto do meu Deus.
Peço socorro e misericórdia ao Coração infinitamente bom de Jesus. Recomeço ainda a
manter-me assiduamente unido a ele.
Colóquio com o Coração misericordioso de Jesus.

01 de Abril
S. JOÃO E A VIDA DE AMOR

Conversus Petrus vidit illum discipulum, Pedro, voltando-se, viu aquele discípulo,
quem diligebat Jesus, sequentem, qui et recubuit in que Jesus amava, e que vinha atrás, aquele que na
coena supra pectus ejus et dixit: Domine, quis es ceia se reclinou sobre o seu peito e disse: Senhor,
qui tradet te? Hunc ergo, cum vidisset Petrus, dixit quem é que te vai trair? Vendo-o, então, Pedro
Jesu : Domine, hic autem quid ? Dicit ei Jesus: Sic disse a Jesus: Senhor, e o que vai ser? Responde-
eum volo manere donec veniam, quid a te? (Jo 21, lhe Jesus: Se quiser que este fique até que eu
20). venha, que tens a ver com isso? (Jo 21, 20).
Primeiro Prelúdio. S. João tem o seu carácter deste próprio, é o discípulo que Jesus amava, o
discípulo que repousou sobre o peito de Jesus.
Segundo Prelúdio. Bem-amado apóstolo, não posso pedir que Jesus me ame, mas dai-me a graça
que eu ame Jesus.
PRIMEIRO PONTO: A sua formação. – S. João, filho de Salomé, era parente de Jesus.
Pensa-se que foi educado em Cana, não longe de Nazaré e que viu alguma vez Jesus durante a
sua infância e a sua juventude.
É o primeiro a juntar-se a Jesus na sua vida pública. Mal escutou a voz profética de S.
João Baptista, «Ecce Agnus Dei», seguiu Jesus com Sto. André, escuta-o longamente, passa o
dia junto dele.
Pouco depois, é chamado ao apostolado. Deixa tudo generosamente: o seu pai, os seus
barcos de pesca, os criados. Nada custa àquele que ama.
Mas Jesus ama-o por sua vez. Toma-o com os seus íntimos no milagre da filha de Jairo,
na transfiguração, na agonia.
É sobretudo no Cenáculo que é preciso considerar este amor recíproco do Mestre e do
discípulo. João repousa sobre o Coração de Jesus!
SEGUNDO PONTO: Amor terno e fiel. – No Cenáculo, é a ternura do amor de S. João
por Jesus que se manifesta; no Calvário, é a sua fidelidade.
S. João esgota todas as expressões para narrar esta troca de ternura no Cenáculo. «O
discípulo, diz, estava deitado sobre o seio do seu Mestre; é um discípulo que Jesus amava
particularmente; repousava/404 sobre o peito do Salvador; tinha com o Salvador conversas
particulares…». Pode conceber-se maior intimidade, afecto mais puro e ardente!
No Calvário, é a fidelidade na amizade que se manifesta.
S. João passou pelo sono, é verdade, no Gethsémani, menos que Pedro, parece. Está
mais pronto que Pedro para um generoso sacrifício. Quando Jesus é preso, segue-o de perto e
não somente de longe como S. Pedro.
Penetra no átrio da casa do sumo-sacerdote, enquanto que Pedro fica à porta. A amizade
fiel não é acessível ao medo. Encontra Jesus no caminho do Calvário com Maria.
Mas o triunfo da sua fidelidade é no Calvário. De todos os apóstolos e de todos os
discípulos, só resta ele. É o único a enfrentar o perigo. Expõe-se à cólera dos algozes. Será o
último a ficar, estará na descida da cruz, no enterro. Acorrerá com Pedro ao túmulo depois da
ressurreição. Mas também que belas recompensas recebeu a sua fidelidade! Foi o único a ser
aspergido com o sangue redentor e santificador! O único que recebeu Maria como herança,
como sua Mãe e companheira da sua vida! O único que assistiu à abertura do Coração de Jesus e
dele recebeu as primeiras graças!
TERCEIRO PONTO: Apostolado e consumação do amor. – S. João é o pregador do
amor. Todo o seu evangelho está neste espírito. A sua primeira página é uma elevação de amor
para o Verbo incarnado. «Nós vimos, diz, o Filho de Deus cheio de graça e de glória». Só ele
descreve as núpcias tocantes de Caná, o colóquio com a Samaritana, a grande promessa da
Eucaristia, a parábola do bom Pastor, a ressurreição de Lázaro, o lava-pés e os discursos tão
ternos do Bom Mestre durante a Ceia e depois da Ceia. Narra a abertura do Coração de Jesus.
As suas epístolas pregam a caridade: «Deus é caridade… amou-nos primeiro… deu-nos
o seu Filho por nosso amor. Portanto, amemo-lo também da nossa parte». E sem cessar repete:
«Amemo-nos uns aos outros».
Vivendo junto de Maria e da Eucaristia, caminha para a consumação do amor. Chega à
união mística mais intensa com Nosso Senhor, às visões, às revelações. O céu está aberto para
ele. Descreve-o inteiramente. Mas sobretudo o Cordeiro triunfante retém o seu olhar: o Cordeiro
sempre ferido no Coração e imolado, o Cordeiro que é bem o laço de amor entre Deus e nós. / 405
Avancemos humilde e progressivamente no amor com S. João.
Resoluções. – Grande apóstolo, vós conquistastes o Coração de Jesus pela vossa pureza
e pelo vosso amor. Obtende-me a graça de amar Jesus, de o amar muito, de me manter sem
cessar unido a ele. Renovo-me nesta união, tanto quanto isso dependa de mim. Mendigo o amor
de Jesus.
Colóquio com S. João.
02 de Abril
S. JOÃO E A VIDA DE REPARAÇÃO
E DE IMOLAÇÃO
Jesus autem ait eis: Nescitis quid petatis: Jesus, porém, disse-lhes: Não sabeis o que
potestis bibere calicem, quem ego bibo, aut pedis. Podeis beber o cálice que vou beber, ou ser
baptismo, quo ego baptizor, baptizari? At illi baptizados no baptismo em que vou ser baptizado?
dixerunt: possumus. Jesus autem ait eis: Calicem Eles responderam: podemos. Mas Jesus disse-lhes:
quidem quem ego bibo bibetis; et baptismo quo ego de facto bebereis do cálice que vou beber, e sereis
baptizor, baptizabimini: Sedere autem ad dexteram baptizados no baptismo em que serei baptizado;
meam vel ad sinistram, non est meum dare vobis, mas quanto ao sentar-se à minha direita ou à minha
sed quibus paratum est (Mc 10, 38). esquerda, não depende de mim conceder-vos, mas
é para quem está preparado (Mc 10, 38).
Primeiro Prelúdio. Sim, S. João beberá do cálice da perseguição e da imolação, o seu amor por
Jesus e a graça de Deus dar-lhe-ão a força.
Segundo Prelúdio. Santo Apóstolo, obtende-me o espírito de reparação e de imolação.
PRIMEIRO PONTO: A preparação. – Nosso Senhor preveniu S. João e o seu irmão
acerca dos sacrifícios que lhes pediria. O seu pensamento está todo no sacrifício, naquele dia. É
uma cena solene. Jesus encontrou o jovem rico, que falhou na sua vocação e talvez na sua
salvação. «Ai dos ricos», diz-lhes. Está impressionado e eles também: discipuli obstupescebant.
«Os favores do céu, acrescenta, são para aqueles que deixam tudo: parentes, casa e
propriedades». Avança severamente. Estão emocionados e temerosos: stupebant et sequentes
timebant. Prediz-lhes então toda a sua paixão. Eis então que de um modo bastante infeliz
Salomé se adianta com o seu filho e pede honras. «Não sabeis o que pedis, diz Jesus aos dois
irmãos. Podeis beber o meu cálice e sofrer o meu baptismo? – Podemos, dizem eles. – Ora bem,
sim, diz Jesus, bebê-lo-eis».
S. João cumpriu ao menos em parte. Desde aquele dia ele era vítima sagrada e
reparador.
SEGUNDO PONTO: O mártir do coração. – S. João começou a beber o cálice de
Nosso Senhor participando na sua paixão. Poderia contar-se as suas dores como se contam as de
Maria. Bebe do cálice, quando ouve Nosso Senhor anunciar que Judas o vai trair. Que dolorosa
previsão para S. João! Bebe do cálice da compaixão quando assiste à agonia, durante três longas
horas, vendo o seu Mestre bem-amado esmagado sob a prensa da dor. /407
E na prisão de Jesus – na fuga dos discípulos –nos insultos e nas bofetadas que Jesus
recebe – na negação de S. Pedro – na condenação do divino Mestre – na flagelação, na coroação
de espinhos – no Ecce homo – no encontro com Maria. – Eis-nos agora no Calvário. Os cravos
do Salvador furam também as mãos e os pés de S. João. Todas as palavras do Bom Mestre
ferem o seu coração. O adeus do Salvador multiplica as suas lágrimas. A abertura do Coração de
Jesus é também para ele um golpe de espada. A sua terna compaixão continua na descida da
cruz, no enterro, na sepultura.
Durante todo o dia de sábado, chora com Maria.
S. João é verdadeiramente vítima com Jesus. O seu coração está saciado de amargura.
Sofre o martírio do coração. Oferece tudo isto com Jesus e Maria para a expiação dos nossos
pecados, pela reparação das nossas ingratidões, pela nossa redenção.
Agradeçamos a S. João e imitemo-lo na sua compaixão e nas suas reparações.
TERCEIRO PONTO: O martírio real. – S. João não apenas compadeceu no martírio de
Jesus, ele mesmo foi mártir. Nosso Senhor tinha-lhe predito: «Bebereis o mesmo cálice que eu,
tinha-lhe dito, e sereis baptizados no mesmo baptismo».
S. João foi, como Jesus, preso, encadeado e condenado. Sofreu o suplício do óleo
fervente. Foi enviado em exílio para Patmos.
Diz-nos no Apocalipse: «Eu, João, vosso irmão, participei nas tribulações dos mártires e
na sua paciência; fui atirado para a ilha de Patmos para dar testemunho de Jesus Cristo, cujo
Evangelho pregava» (Ap 1, 9).
S. João é para nós o modelo da reparação e da imolação, como é o modelo do amor do
Salvador.
Amou a reparação e o sacrifício. Esteve no martírio com alegria. Tinha ouvido Jesus
dizer aos apóstolos: «Devo ser baptizado com o baptismo do meu sangue e tenho pressa que
isso aconteça». Tinha ouvido também o «Surgite eamus», - levantai-vos e vamos ao encontro do
traidor». Como é que não teria desejado também as provações que deviam torná-lo semelhante
ao seu bom Mestre?
Resoluções. – Apóstolo bem-amado, sede o meu preceptor. Ensinai-me o espírito de
reparação, de expiação, de sacrifício. Eram os pecados de outro que reparáveis; eu tenho de
reparar os meus /408 próprios. Obtende-me a graça de gostar da reparação ao Sagrado Coração
de Jesus, de a ela consagrar a minha vida e dela fazer o fim de cada uma das minhas acções.
Colóquio com S. João.

03 de Abril
S. JOÃO E A EUCARISTIA
Erat ergo recumbens unus ex discipulis Um dos discípulos, aquele que Jesus
ejus in sinu Jesu, quem diligebat Jesus. Innuit ergo amava, estava deitado sobre o seio de Jesus. Simão
huic Simon Petrus: et dixit ei: Quis es de quo dicit? Pedro fez-lhe sinal e disse-lhe: De quem fala?
Itaque cum recubuisset ille supra pectus Jesu, dicit Então aquele que repousava sobre o peito de Jesus
ei : Domine, quis es ? (Jo 13, 23). perguntou-lhe: Quem é, Senhor? (Jo 13, 23).
Primeiro Prelúdio. Basta contemplar S. João na Ceia para ver que compreendeu a Eucaristia, que
a saboreou e que recebeu os seus frutos.
Segundo Prelúdio. Apóstolo bem-amado, ensinai-me a compreender e a saborear o Coração
eucarístico de Jesus.
PRIMEIRO PONTO: A preparação. – O milagre de Caná e sobretudo a multiplicação
dos pães eram prelúdios e símbolos da Eucaristia. Os judeus só tinham visto benefícios
temporais do Salvador. Na ocasião da multiplicação dos pães, Nosso Senhor deu aos apóstolos
uma longa instrução sobre a Eucaristia.
O povo regressava ao lugar onde Nosso Senhor tinha multiplicado o pão, e não
o encontrando, foram para Cafarnaum onde ele estava. Nosso Senhor quer educar os seus
espíritos, e fala da Eucaristia: «Procurais-me, diz, porque fostes saciados; desejai antes o
alimento da vida eterna, que o Filho do homem vos dará… os vossos pais comeram o maná, que
chamavam o pão do céu. Mas o verdadeiro pão do céu não era esse, é aquele que o meu Pai vos
dá. Sou eu, que sou o pão da vida… O pão que eu vos hei-de dar, é a minha carne imolada pela
vida do mundo. Quem comer deste pão, viverá eternamente.
Muitos discípulos encontraram esta linguagem estranha e foram-se embora. Mesmo os
apóstolos não compreenderam e não retiveram este discurso. Mas S. João teve uma graça
especial para o reter e reporta-o com uma veracidade tocante e uma grande unção no sexto
capítulo do seu Evangelho. Nosso Senhor tinha querido prepará-lo muito particularmente para o
dom da Eucaristia.
SEGUNDO PONTO: No Cenáculo. – S. João é primeiro escolhido por Nosso Senhor
com S. Pedro para preparar o Cenáculo. A sala é bela, grande, ornamentada. S. João prepara
tudo aí com piedade. É um exemplo para nós.
S. João tinha feito, melhor que os outros, a preparação remota e a / 410 preparação
próxima, comunga melhor. Está mais recolhido, mais absorvido, esconde a sua cabeça no seio
de Jesus. Sente bater o Coração de Jesus. Ama, é amado.
Estas palavras: «Isto é o meu corpo, Isto é o meu sangue», recordaram-lhe a grande
promessa que Jesus tinha feito depois da multiplicação dos pães: «Eu sou o pão da vida, quem
come a minha carne e quem bebe o meu sangue terá a vida em si». S. João acredita, sente que
tem a vida em si.
E estas outras palavras: «Fazei isto em minha memória!». S. João compreende que é o
sacerdócio da lei nova que lhe é conferido. As emoções sucedem-se e precipitam-se. O coração
de S. João está todo dilatado de amor, de humildade, de reconhecimento. Atira a sua cabeça para
o seio de Jesus. Aí ele alterna entre o recolhimento e os piedosos colóquios. É o modelo mais
perfeito da acção de graças.
É porque S. Pedro repara nos colóquios íntimos de João com Jesus que lhe diz para
perguntar o nome do traidor.
Ninguém duvida que S. João, impressionado por esta profecia da traição, tenha feito
pública retractação ao Coração de Jesus do qual sentia os batimentos perturbados pela dor.
Aprendamos de S. João a nos prepararmos para a santa comunhão, a recebê-la, ao
oferecermos a Jesus a acção de graças e a pública retractação.
TERCEIRO PONTO: Depois da Ceia. – S. João viveu ainda muito tempo e
seguramente foi sempre o devoto da Eucaristia. Como se consolava ele com Maria da ausência
de Jesus, senão pela santa missa, pela santa comunhão, pela adoração de Jesus hóstia. A piedade
cristã apraz-se a representar S. João a dar a comunhão à Santa Virgem.
Quando S. João nos fala do rio de vida que corre do trono do Cordeiro imolado, a
tradição e a arte cristãs vêem nesta fonte de vida a água do baptismo e o sangue de Cristo
enrolando nas suas ondas as hóstias eucarísticas.
Era sem dúvida diante da hóstia ou depois da comunhão que S. João recebia as suas
visões, como a maior parte dos místicos. No começo do Apocalipse, recorda-nos a redenção
pelo sangue de Jesus e o nosso sacerdócio espiritual, depois descreve a bela visão que teve do
Filho do homem num dia de domingo. Era sem dúvida durante os arrebatamentos da sua acção
de graças.
Nas suas aparições a Sta. Gertrudes e a Margarida Maria, é sempre o apóstolo da acção
de graças, repousa sempre sobre o seio de Jesus. Renova assim o grande exemplo que nos deu
no Cenáculo /411, exorta-nos a amarmos ternamente Jesus e a dar-lhe graças com fervor.
Resoluções. – Santo Apóstolo, fazei de mim o amigo da Eucaristia. Admiro o vosso
desvelo na preparação, o vosso fervor na recepção da comunhão, a vossa ternura na acção de
graças. Fortalecei em mim estas disposições pela vossa intercessão poderosa. O Coração de
Jesus nada pode recusar ao vosso coração amoroso.
Colóquio com S. João.
04 de Abril
S. JOÃO E O SAGRADO CORAÇÃO
Ad Jesum autem cum venissent ut Quando chegaram a Jesus e vendo-o já
viderunt eum jam mortuum, non fregerunt ejus morto não lhe partiram as pernas. Mas um soldado
crura: sed unus militum lancea latus ejus aperuit, et abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue
continuo exivit sanguis et aqua. Et qui vidit, e água. E quem viu, deu testemunho e o seu
testimonium perhibuit, et verum est testimonium testemunho é verdadeiro. E sabe que diz a verdade,
ejus. Et ille scit quia vera dicit, ut et vos credatis para que vós também acrediteis (Jo 19, 33).
(Jo 19, 33).
Primeiro Prelúdio. Foi S. João quem nos revelou a abertura do Coração de Jesus. Foi o
evangelista do Sagrado Coração.
Segundo Prelúdio. Apóstolo bem-amado, fazei-me conhecer e amar sempre mais o Coração de
Jesus.
PRIMEIRO PONTO: No Cenáculo. – Nenhum evangelista falou do Coração de Jesus
como S. João. S. Mateus recordou uma palavra deliciosa do Salvador: «Aprendei de mim que
sou doce e humilde de Coração». Mas S. João pintou-se a si mesmo repousando sobre o
Coração de Jesus, e revelou-nos a abertura do coração de Jesus no Calvário.
Varia as suas expressões para nos dizer a felicidade que teve em repousar sobre o
Coração de Jesus. Diz-nos primeiro que se deitou no seio de Jesus, depois que repousou sobre o
seu peito. E mais tarde, depois da ressurreição, quando Nosso Senhor predisse a S. Pedro o seu
martírio e a S. João a sua longa vida, o apóstolo dá esta descrição tão característica: é o apóstolo
que Jesus amava, aquele que repousou na Ceia sobre o coração de Jesus.
Esta troca de amizade do Mestre e do discípulo é uma das mais tocantes revelações do
Sagrado Coração. É ao mesmo tempo a indicação das relações estreitas que unem a devoção ao
Sagrado Coração à da Eucaristia.
Nosso Senhor devia confirmar este ensinamento nas suas revelações a Margarida Maria:
a devoção ao Sagrado Coração é sobretudo eucarística.
SEGUNDO PONTO: No Calvário. – É S. João quem promulga a abertura do Coração
de Jesus. «Os soldados partiram as pernas dos dois ladrões, segundo o costume, diz, mas quando
chegaram a Jesus, vendo-o já morto, não lhe partiram as pernas, mas um deles abriu-lhe /413 o
lado com um golpe de lança e saiu imediatamente sangue e água».
Eis o facto que foi a causa longínqua do culto do Sagrado Coração e a via providencial
pela qual os verdadeiros servidores e amigos de Jesus têm sido iniciados e conduzidos a este
culto.
A chaga do santo lado anuncia a do coração: o mesmo golpe de lança abriu um e o
outro. Mas a chaga do lado, sendo a única visível, deteve primeiro os olhares. Depois a piedade
das almas cristãs penetrou neste sagrado lado pela oração. Ela encontrou aí o Sagrado Coração.
Fê-lo sair mesmo pelo pensamento, para estudar as suas pulsações, a ferida e o amor. E assim
pouco a pouco, sob a direcção da Providência, a devoção ao Sagrado Coração espalhava-se,
desenvolvia-se e completava-se. Fora o relato de S. João que fornecera os seus primeiros
elementos.
E nas suas aparições a Margarida Maria, Nosso Senhor completava este trabalho secular
das almas místicas, tirava ele mesmo o seu coração sagrado do seu peito e propunha-o à nossa
veneração e à nossa contemplação.
S. João previu este culto formal do Sagrado Coração? Teve com certeza alguma intuição
dele, como o deixou entender a Sta. Gertrudes. E isto leva-nos a pensar quais foram as suas
emoções quando repousou a sua cabeça sobre este divino Coração, quando o viu abrir no
calvário, quando pôde ver, lavar e embalsamar esta chaga aos pés da cruz, e enfim quando a
reencontrou no corpo glorificado de Jesus depois da ressurreição.
TERCEIRO PONTO: No céu. – Jesus guarda os seus estigmas no céu. Mostrou-os aos
seus apóstolos, a S. Tomé, a S. João e mais tarde a S. Francisco de Assis.
E o coração de Jesus é ainda o repouso de S. João no céu. S. João no apocalipse fala
vinte e oito vezes do Cordeiro celeste, do Cordeiro imolado, do Cordeiro que dá o seu sangue.
Vê-o, portanto, no céu com a chaga do seu coração.
S. João mostra-se a Sta. Gertrudes e a Sta. Margarida Maria na atitude em que estava no
Cenáculo, repousando sobre o coração de Jesus. É conhecido o seu delicioso diálogo com Sta.
Gertrudes. Dirigindo-se a Gertrudes, João dizia-lhe: «Esposa do meu Mestre, vinde e
repousemos juntos a nossa cabeça sobre o dulcíssimo peito do Salvador: nele estão encerrados
todos os tesouros do céu. – Bem-amado do Senhor, diz a santa, estas pulsações harmoniosas,
que alegram a minha alma, alegraram a vossa quando repousastes, durante a Ceia, sobre o peito
do Salvador? – Sim, escutei-as, e a sua suavidade penetrou na minha alma até /414 à medula…».
Depois o santo apóstolo acrescentava que não tinha tido a missão de dizer mais nada e que
estava reservado aos nossos pobres tempos tão tíbios e tão ingratos escutar a voz eloquente do
coração de Jesus que viria acender a caridade no mundo.
Resoluções. – Santo Apóstolo, como é amável neste maravilhoso privilégio de ser o
amigo de Jesus, o discípulo do Sagrado Coração e o pregador dos princípios desta devoção!
Aceita-me como vosso discípulo. Ensina-me, esclarece-me, toca o meu coração. Conduz-me ao
coração de Jesus e permite-me nele me repousar convosco, como o permitiste a Sta. Gertrudes.
Colóquio com S. João.

05 de Abril
S.VICENTE FERRER
23 Nos autem praedicamus Christum 23 Mas nós pregamos a Cristo crucificado,
crucifixum Iudaeis quidem scandalum gentibus escândalo para os judeus, loucura para os gentios;
autem stultitiam 24 ipsis autem vocatis Iudaeis 24 mas para os que foram chamados, tanto judeus
atque Graecis Christum Dei virtutem et Dei como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e
sapientiam (1Cor 1,23-24). sabedoria de Deus (1Cor 1, 23-24).
Primeiro Prelúdio. Como S. Paulo, S. Vicente Ferrer teve uma grande missão apostólica e
cumpriu-a pregando Jesus Crucificado.
Segundo Prelúdio. Grande santo, conduzi-me à nascente das vossas luzes e das vossas graças, ao
Coração de Jesus.
PRIMEIRO PONTO: As virtudes da sua juventude. – Desde a sua infância amava a
piedade e o estudo, a piedade sobretudo. Frequentava as igrejas e aí passava todos os dias muito
tempo em oração; nunca faltava ao jejum na quarta e na sexta-feira: a sua ternura e a sua
devoção pela santa Virgem eram extremas, e um pregador parecia-lhe ter sempre bem pregado
quando tivesse proclamado os louvores desta Rainha dos anjos. As lágrimas que corriam então
dos seus olhos faziam ver a alegria de que a sua alma estava cheia. A paixão e a morte de Nosso
Senhor eram um outro objecto da sua devoção: não podia ler nem escutar nada sobre este
assunto que não chorasse de amor e de compaixão; assim nunca deixava de recitar as horas da
cruz e as de Nossa Senhora. Longe de prejudicar os seus estudos, esta regularidade merecia-lhe
do céu a abertura do espírito, e as luzes necessárias para conseguir. Tinha também uma grande
caridade para com os pobres: dava-lhes tudo o que estava no seu poder. Tendo recebido dos
seus pais uma parte da sua herança, não empregou mais do que quatro dias para distribuir tudo
pelos necessitados, e sobretudo pelas casas religiosas, que ele olhava como companhias bem-
aventuradas de pobres evangélicos.
SEGUNDO PONTO. A sua missão apostólica. – O mundo cristão perturbado pelo
cisma e enfraquecido pelo relaxamento tinha necessidade de uma renovação. S. Vicente foi o
anjo escolhido por Deus para anunciar as suas justiças e pregar a penitência. Ele mesmo teve
esta revelação em Salamanca, que ele mesmo era o anjo do apocalipse, encarregado por Deus
para dizer a todos os povos: «Temei a Deus e prestai-lhe honra, porque o dia do juízo se
aproxima» (Ap 14, 6). E, de facto, percorreu toda a Europa, com o título de missionário e de
legado do Papa, convertendo as /416 as cidades e os campos, os grandes e as gentes do povo, pelo
poder da sua palavra, pelo exemplo das suas virtudes e pelo brilho dos seus milagres.
Preparava-se para a pregação com a oração contínua, com o estudo da teologia e a
leitura da Sagrada Escritura.
Impunha-se duras penitências para fecundar o seu apostolado. Usava cilício, dava a si
mesmo a disciplina, e levantava-se à meia-noite para recitar as matinas de joelhos. Não dormia
mais do que cinco horas e deitava-se no chão.
A sua oração era contínua e a presença de Deus era-lhe tão familiar que dela nunca se
afastava nem o seu espírito nem o seu coração.
Tinha sempre o crucifixo na mão ou pendurado ao pescoço para conservar a memória da
Paixão do Salvador. Chamava-o a sua grande bíblia, porque nele encontrava a recordação do
maior mistério da revelação. À sua chegada a uma cidade, ia sempre saudar o Santíssimo
Sacramento.
Ali estavam os segredos da sua acção apostólica.
TERCEIRO PONTO: Ia buscar ao Coração de Jesus as suas luzes e as suas graças. –
Praticou sempre o conselho que ele mesmo dá no seu admirável Tratado da vida espiritual:
«Por maior que seja a extensão do espírito que se julgue ter, diz, nunca deve omitir-se as
práticas da devoção; lendo e estudando, deve elevar-se sempre o coração para Jesus Cristo, para
lhe pedirmos a graça da inteligência; e é muitas vezes necessário retirar os olhos do livro para
que a pessoa possa esconder-se interiormente nas chagas do crucifixo.
Compunha ordinariamente os seus sermões aos pés do crucifixo, para tirar das chagas
de Jesus crucificado a luz e o calor de que tinha necessidade para tocar nos seus ouvintes.
No seu sermão sobre a Sexta-feira Santa, faz-nos ver que praticava a devoção ao
Coração de Jesus: «O soldado, diz, pegou na sua lança e cravou-a no Coração de Jesus. Esta
ferida, Jesus não a recebeu no lugar onde habitualmente é colocada, mas sob os lados, de onde
ela subiu até ao coração. Porque é então que ela é representada como se faz? Porque a pintura é
como a escritura do povo e assim explica-se de um modo mais expressivo aos fiéis que a lança
penetrou até ao coração de Cristo, em sinal de que nos perdoará os pecados do fundo do coração
pela sua morte».
Resoluções. – Grande santo, obtende-me uma devoção ardente como a vossa para com o
crucifixo, as chagas de Jesus e sobretudo a chaga do seu Coração. Quero aplicar-me a ir buscar
lá também as luzes e as graças de que tenho necessidade. Não posso lá chegar senão pela união
habitual com /417 Nosso Senhor. Procurarei constantemente esta união e Nosso Senhor deixará
vencer-se pela minha boa vontade.
Colóquio com Jesus Crucificado.
06 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO:
O MANDAMENTO NOVO
Mandatum novum do vobis, ut diligatis invicem, Dou-vos um mandamento novo, que vos ameis
sicut dilexi vos, ut et vos diligatis invicem. In hoc uns aos outros, como eu vos amei. Nisto conhecerão que
cognoscent omnes quia discipuli mei estis, si dilectionem sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros (Jo 13,
habueritis ad invicem (Jo 13, 34) 34).
Primeiro Prelúdio. Os discursos de Nosso Senhor no Cenáculo e depois da Ceia são como o
testamento ditado pelo seu divino Coração. É preciso meditá-los, quer antes quer depois da ressurreição.
Segundo Prelúdio. Senhor, dignai-vos dar-me a graça de amar o meu próximo a vosso exemplo,
até ao sacrifício, até à morte, se for preciso.
PRIMEIRO PONTO: O mandamento novo: o espírito de caridade. – Um dos frutos
mais brilhantes do Pentecostes foi a caridade mútua dos discípulos do Salvador. A sua união
edificava aqueles que a testemunhavam, Nosso Senhor tinha-os preparado para este dom na sua
última conversa antes da sua morte. «Meus filhos bem-amados, dizia-lhes, já tenho pouco
tempo para passar convosco, mas antes de vos deixar, tenho uma última recomendação a fazer-
vos. Depois de ter instituído o sacramento do amor, pelo qual, de algum modo, vós todos fazeis
um só corpo comigo, dou-vos, para uma aliança nova, um mandamento novo: Amai-vos uns aos
outros, como eu vos amei. Amai-vos, não só como as criaturas de um mesmo Deus, ou como
descendentes de Abraão, vosso pai comum; mas amai-vos como irmãos, como filhos da Igreja,
como membros do mesmo corpo, do qual eu sou o chefe. Amai-vos como eu mesmo vos amei,
até ao sacrifício de vós mesmos, até dardes a vossa vida para salvar a causa dos vossos irmãos.
Eis como vos hão-de reconhecer como meus discípulos».
Mas o preceito novo pedia um espírito novo, uma força nova e isto devia ser o fruto do
Espírito Santo».
SEGUNDO PONTO: A graça do Espírito Santo ajuda-nos a cumprir o preceito novo
da caridade evangélica. – É um preceito novo, 1º por causa da extensão que Nosso Senhor lhe
dá. Vai até ao sacrifício de si mesmo pelos outros; 2º por causa da importância que Nosso
Senhor lhe /419 atribui. Faz dele o preceito fundamental da lei nova e o sinal distintivo pelo qual
hão-de reconhecer os seus discípulos; 3º por causa dos novos motivos que devem excitar este
amor nos nossos corações, a saber: o exemplo de Nosso Senhor, a união com ele, nosso chefe
espiritual, e a participação no seu amor por aqueles que lhe são queridos e que são os seus
amigos, os seus irmãos, os seus filhos bem-amados; 4º sobretudo por causa da graça do Espírito
Santo, o qual nos dá a força que nos leva a amá-lo até ao sacrifício.
Poderíamos nós resistir a este mandamento que Nosso Senhor nos dá, quando nós o
vemos ele mesmo a praticá-lo na sua vida de um modo tão perfeito e a nele colocar o último
selo ao morrer por nós? E como se o seu exemplo não bastasse, coloca nos nossos corações pelo
seu Espírito a atracção desta caridade.
TERCEIRO PONTO: Os frutos maravilhosos do reino da caridade. - «O meu Pai e eu,
diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado
e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa
força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de
apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica
emocionado.
Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e
enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do
apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as
doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem
ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.
Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o
cumprirmos.
Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura,
a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto
em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de
nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho
como feito por mim». /420
Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-
nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa
vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós.
Resoluções. – Ó meu Salvador, quero daqui em diante praticar a caridade segundo o
vosso exemplo e segundo o espírito do vosso divino Coração. Serei doce, paciente, benevolente
para com os meus irmãos; não julgarei, não criticarei. Aplicar-me-ei com ardor às obras de zelo
para vos ganhar almas. Perdoai-me as minhas faltas tão numerosas à caridade. Renovai em mim
o vosso espírito.
Colóquio com o Salvador.

07 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO:
LIÇÃO DE HUMILDADE
Dixit autem eis: Reges gentium Disse-lhes : os reis das nações mostram-se
dominantur eorum: et qui potestatem habent super dominadores, e os que têm o poder fazem-se
eas, benefici vocantur. Vos autem non sic: sed qui chamar benfeitores. Mas entre vós não seja assim:
major est in vobis, fiat sicut minor ; et qui praeses que o maior se faça como o mais pequeno, e o que
est, fiat sicut ministrator (Lc 22, 25). preside como o servo (Lc 22, 35).
Primeiro Prelúdio. Foi S. João quem verdadeiramente nos deu o testamento do coração de Jesus,
nos capítulos 13 a 17, mas há também dois conselhos do Bom Mestre transmitidos por S. Lucas sobre a
humildade e a fidelidade.
Segundo Prelúdio. Falai, Senhor, escuto a vossa lição de humildade.
PRIMEIRO PONTO: Rivalidade dos apóstolos. – Duas vezes Nosso Senhor ficou
entristecido por causa de um fermento de ambição que se manifestava entre os apóstolos. Uma
primeira vez, foi por ocasião do pedido indiscreto de Salomé e dos seus filhos. Nosso Senhor
chamou-os à humildade, ao desinteresse, e disse-lhes que se os grandes do mundo se fazem
servir com rigor, os dignitários da Igreja deviam fazer-se os servidores de todos.
S. Lucas relata-nos um facto análogo que se passou no Cenáculo. S. Pedro parecia
desacreditado pela profecia que Nosso Senhor tinha feito acerca da sua negação, e os outros
perguntavam-se não sem paixão, quem seria o seu chefe. Esta contenda, que se passava
imediatamente depois da recepção do sacramento de paz e de amor, deve ter afectado
sensivelmente o Coração de Jesus. Os apóstolos estavam mais ocupados consigo mesmos, com
as suas honras e dignidades que podiam ambicionar, do que com a Paixão de que Nosso Senhor
não deixava de anunciar o começo. Nosso Senhor teve de repetir os conselhos já dados uma
primeira vez, e esta lição permanece para nós tanto mais importante quanto ela se tornou assim
como uma parte do testamento do Sagrado Coração de Jesus.
SEGUNDO PONTO: Lições de desconfiança de si mesmo e de humildade. – A S. Pedro
Nosso Senhor dá uma grande lição de desconfiança de si mesmo, põe os outros em guarda
contra o espírito de ambição e de dominação.
Pedro é bom, generoso, ardente, mas julga-se já impecável. Como Nosso Senhor
anuncia que os vai deixar: «Senhor, aonde ides, diz, irei convosco. – Tu não podes seguir-me
agora /422, diz o Bom Mestre, seguir-me-ás mais tarde. – Porque é que não podia seguir-vos, diz
S. Pedro? Não são os perigos a correr que podem deter-me, estou pronto a dar a minha vida por
vós. – Assim julgas, diz o Senhor, mas em verdade te digo que antes que o galo cante, tu me
negarás três vezes».
Desconfiemos da nossa fraqueza. Vigiemos e rezemos. O espírito está pronto, mas a
carne é fraca. As resoluções são fáceis de tomar, mas difíceis de se manter.
Durante aquele tempo os outros entristeciam o Coração de Jesus disputando entre si a
presidência entre eles. Jesus pregou-lhes a humildade, a doçura, a dedicação.
Fazeis, diz-lhes, como as pessoas do mundo que ambicionam as dignidades e que depois
desempenham os seus cargos com arrogância. Não deve ser assim entre vós. Vede como faço.
Dou-vos o exemplo. Sou vosso mestre e, no entanto, comporto-me como vosso servo. Lavei-vos
os pés e servi à mesa e nos acontecimentos que vão chegar, darei a minha vida para vos resgatar.
Ponde estas disposições nos vossos corações. Afastai deles a ambição e não penseis
senão em vos consagrardes ao bem de todos na humildade e no sacrifício.
Estes conselhos são uma das belas páginas do testamento do Sagrado Coração.
TERCEIRO PONTO: Nosso Senhor rezou por S. Pedro. – S. Pedro tem uma parte
muito especial no testamento do Sagrado Coração. Nosso Senhor rezou por ele, a fim de que as
suas fraquezas não lhe façam perder a sua missão.
Os dons de Deus são sem arrependimento. Uma missão divina perde-se dificilmente,
mesmo se o eleito comete faltas, desde que ele saiba arrepender-se e chorar. David chorou e foi
perdoado. S. Pedro também soube chorar e arrepender-se. Nosso Senhor rezou por ele, advertiu-
o no Cenáculo: «Simão, eis que Satanás pediu para te joeirar como o trigo, mas eu rezei por ti, a
fim de que a tua fé não desfaleça, que a tua queda sirva para te humilhar, para te curar de uma
presunção funesta, mas não a te perder irremediavelmente; e tu, por tua vez, quando estiveres
convertido, confirma os teus irmãos».
Pedro permanece presunçoso. Cairá mesmo assim. Estava escrito em Zacarias: «Ferirei
o pastor e todas as ovelhas serão dispersas».
Mas uma grande lição fica para nós. Não julguemos os superiores/ 423; têm as suas
fraquezas, mas conservam a missão de nos conduzirem. Permaneçamos fiéis a S. Pedro e aos
seus sucessores. Têm a graça para nos confirmarem na fé, para nos dirigirem, nos aconselharem,
nos instruírem.
É um legado do Sagrado Coração. Temos um chefe indefectível na fé. Nosso Senhor
rezou por ele. Sejamos reconhecidos ao bom Mestre por ter querido permanecer assim connosco
na pessoa do seu vigário.
Resoluções. – Humildade do coração, desinteresse perante empregos e dignidades,
doçura a respeito dos inferiores, confiança na Igreja e no seu chefe, eis alguns dos últimos
conselhos de Nosso Senhor. Tenho-os praticado até ao presente? Vou examinar-me em
pormenor.
Colóquio com Nosso Senhor.
08 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO:
A FIDELIDADE
Vos autem estis qui permansistis mecum Vós, porém, permanecestes comigo nas
in tentationibus meis, et ego dispono vobis sicut minhas tentações, e eu disponho para vós o reino
disposuit mihi Pater meus regnum, ut edatis et como o meu Pai dispôs para mim, para que comais
bibatis super mensam meam in regno meo, et e bebais à minha mesa no meu reino, e vos senteis
sedeatis super thronos judicantes duodecim tribus sobre tronos a julgar as doze tribos de Israel (Lc 22,
Israël (Lc 22, 28). 28).
Primeiro Prelúdio. É ainda S. Lucas que nos relata este conselho de fidelidade e de perseverança
dado por Nosso Senhor.
Segundo Prelúdio. Fazei, Senhor, que permaneça sempre unido a vós, mesmo na prova, a fim de
que eu esteja convosco na eternidade.
PRIMEIRO PONTO: Permanecer com o bom Mestre. - «Vós permanecestes comigo»,
diz-lhes Jesus. Apressa-se a louvar a constância que eles mostraram, seguindo-o com
perseverança através das dificuldades do apostolado e das contradições dos escribas e dos
fariseus. Acaba de os repreender por causa dos seus desejos ambiciosos, levanta-os e mostra-
lhes o céu… «Porque permanecestes comigo, estareis sentados sobre tronos».
Meu Deus, quero permanecer convosco. «Que os outros procurem em vez de vós tudo o
que quiserem; nada me agrada nem me agradará senão vós, ó meu Deus, que sois a minha
esperança e que deveis ser a minha beatitude, em toda a eternidade» (Imitação, l. 3, c.31).
Permaneçamos com Nosso Senhor, não apenas pelo estado de graça, que é o essencial,
mas também pela união interior, a união habitual do coração e da vontade, como convém a
amigos do Sagrado Coração.
A recompensa é bela: partilhar o reino de Nosso Senhor. Todos os fiéis terão parte nele,
mas Nosso Senhor concederá uma intimidade particular àqueles que tiverem sido os amigos do
seu Coração.
SEGUNDO PONTO: Confiança na Providência. – Esta união com Nosso Senhor terá
períodos diversos: haverá tempos de paz e tempos de provas. Nosso Senhor dá-nos ainda nas
suas últimas conversas, que guardamos como o seu testamento, conselhos para estas
circunstâncias diversas.
Tivestes, diz-lhes, um período de apostolado pacífico. Enviei-vos /425 a pregar o
Evangelho sem cajados, sem alforges e sem sandálias, remetendo-vos aos cuidados da
Providência, que devia velar sobre vós do alto do céu, a Providência falhou-vos? Que é que vos
faltou? Não encontrastes por toda a parte uma hospitalidade atenta a prover a todas as vossas
necessidades? – É verdade, responderam, nada nos faltou.
Há assim tempos de vida fácil para os ministros de Deus e para os fiéis. Há tempos de
paz onde o diabo parece vencido e encadeado.
Nestes tempos favoráveis, é preciso unir o trabalho assíduo com uma doce confiança na
Providência.
É preciso não se deixar adormecer, é preciso trabalhar assiduamente, quotidianamente,
com uma grande fé; sem esquecer a oração constante e as mortificações.
No regresso do seu apostolado na Galileia, os discípulos deveram confessar que não
tinham sempre conseguido. Tinham deixado alguns doentes e possessos sem poderem curá-los.
Não tinham sido suficientemente sobrenaturais. Tinham contado demasiado com sucessos
fáceis. Nosso Senhor devia tê-los repreendido por isso. Tivestes pouca fé, disse-lhes, faltou-vos
espírito sobrenatural e de mortificação. Há demónios que não é possível vencer senão à força de
orações e de jejuns. Nosso Senhor recorda-lhes tudo isto em algumas palavras e também no-lo
recorda, como uma direcção importante e que nos deve permanecer presente.
TERCEIRO PONTO: É preciso estar pronto para a luta. – Há, portanto, uma luta que é
de todos os dias, o demónio não repousa. Mas há dias mais difíceis, dias de provas e de
combates; e para esses dias é preciso estarem armados com a espada.
Jesus adverte os seus apóstolos para que estejam preparados, especialmente para o dia
seguinte, o grande dia da sua Paixão, para também para o futuro, para a luta espiritual que deve
fazer deles suas sangrentas testemunhas e os vencedores do mundo.
«Noutras vezes, diz o Salvador, enviei-vos sem bolsa e sem cajado, mas hoje digo-vos:
se alguém tem uma bolsa, que a tome, e se não tem, que venda a sua capa para comprar uma
espada». Os apóstolos tomam as coisas no sentido literal: «Temos aqui duas espadas, dizem».
Ora bem, diz o Salvador, e não tem tempo para lhes explicar o sentido alegórico das suas
palavras, que Judas já está lá com o seu bando.
É evidentemente uma espada espiritual que Jesus nos quer ver / 426 preparar. E qual será
esta arma invencível? Uma só, o amor do Salvador, o amor do Sagrado Coração. Como o diz S.
Paulo, só o amor nos pode manter indissoluvelmente unidos a Cristo. «Quem poderá separar-
nos de Cristo, se o amarmos ardentemente? Nada, nem a tribulação, nem a angústia, nem a
fome, nem a espoliação, nem os perigos, nem as perseguições, nem a espada. Alcançaremos
sempre a vitória pelo amor daquele que nos amou tanto» (Rom 8, 35).
Resoluções. – Coragem, minha alma, toma esta espada, para vencer a natureza, o mundo
e o inferno. Nada custa àquele que ama. Arma-te com o amor de Jesus pela meditação dos seus
mistérios e mantém a tua arma sempre pronta para a união constante com o Sagrado Coração.
Colóquio com o Salvador.

09 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO:
A FÉ VIVA
Non turbetur cor vestrum, creditis in Não se perturbe o vosso coração. Se
Deum et in me credite. In domo Patris mei credes em Deus, crede também em mim. Na casa
mansiones multae sunt. Si quominus, dixissem de meu Pai há muitas moradas. Se não houvesse,
vobis: quia vado parare vobis locum (Jo 14, 1). ter-vos-ia dito, porque vou preparar-vos um lugar
(Jo 14, 1).
Primeiro Prelúdio. Nosso Senhor recomenda aos seus apóstolos para acreditarem nele como no
seu Pai. A fé viva é a fonte das graças e da salvação.
Segundo Prelúdio. Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé; dai-me uma fé viva e actuante.
PRIMEIRO PONTO: As minhas perturbações. – Os apóstolos estavam inquietos,
perturbados, angustiados, porque Nosso Senhor se ia embora. É sempre a nossa tentação. É mais
forte, quando a nossa fé baixa. Temos necessidade de Nosso Senhor. Se está presente, ao menos
pela fé, a nossa alma está em paz, na calma.
Como a perturbação é frequente em mim! «Os meus dias são maus, cheios de dores e de
contrariedades, diz a Imitação; estou sujo por uma infinidade de pecados, envolvido por um
grande número de paixões, apertado por diversos temores, dividido por múltiplos cuidados,
distraído pela curiosidade, embaraçado pela vaidade, afligido pela tentação, amolecido pelas
delícias, atormentado pelos meus desejos».
As inquietações devoram-me, a actividade arrasta-me, a febre agita-me, as tristezas
abatem-me.
Falta-me uma fé viva. O porto de salvação, o asilo da segurança está lá, é o Coração de
Jesus, mas não sei entrar nele nem manter-me ao abrigo de todas as perturbações.
Senhor, com a vossa palavra eficaz as ondas agitadas que agitam a minha alma. Repeti a
palavra pacificadora que dissestes aos apóstolos: «Que o vosso coração não se perturbe», e o
meu coração se acalmará.
SEGUNDO PONTO: A fé viva. – E qual é então, Senhor, o caminho da paz? – É a fé
viva e confiante. Credes no meu Pai, crede também em mim. Tendes confiança no meu Pai,
tende também confiança em mim. /428
É a fé que pacifica, são as vistas, as esperanças sobrenaturais, que sustêm e que
consolam.
A fé faz-me ver Deus, a sua vontade, o seu amor, mesmo naquilo que me perturba.
Devo crer sem hesitar e sem raciocinar, crer com o meu coração que Nosso Senhor me vê sofrer
e penar, mas também que se compraz em me ver ter paciência com ele e por ele. Escuta os meus
suspiros, as minhas orações; conta, recolhe as minhas lágrimas; abençoa os meus esforços,
aprecia os meus sacrifícios; prepara-me dias de graças e de consolações; prepara a minha coroa,
a minha morada, na casa da sua eternidade.
Ah! A fé prática, que fonte de graça, de paz e de consolação! Se tivesse um pouco de fé,
como um grão de mostarda! Se acreditasse praticamente no Evangelho! Se me recordasse com
fé que Nosso Senhor passou curando todas as enfermidades; que perdoou a Madalena, à mulher
adúltera, à samaritana; que ressuscitou Lázaro; que sofreu por mim todas as dores da sua agonia
e da sua paixão; que deu a sua vida para me salvar!
Se me recordasse que é bom, como o bom samaritano, como o bom Pastor, como o pai
do filho pródigo! Se tivesse uma fé mais viva, e mais prática na Eucaristia! Se acreditasse mais
firmemente que Nosso Senhor foi para o céu para me preparar um lugar, estaria ainda triste,
angustiado e perturbado?
Oh! Como esta palavra de Nosso Senhor tem um sentido profundo: «Que o vosso
coração não se perturbe! Crede em mim como credes em meu Pai!»
TERCEIRO PONTO: O céu! - «Não vos perturbeis. Se vos deixo, é para o vosso bem.
Há muitas moradas na casa de meu Pai. O lugar da celeste felicidade, que preparou para os seus
eleitos, é vasto e espaçoso e há lugar para todos vós. Se não fosse assim, ter-vos-ia dito, não vos
alimentaria com falsas ilusões; mas vou preparar-vos um lugar, depois de ter destruído com a
minha morte o muro de separação que o pecado ergueu entre o céu e a terra. Vou tomar posse
do meu reino, mas vós também sereis seus herdeiros e tornar-vos-eis meus concidadãos…».
Assim falava Nosso Senhor aos seus apóstolos. Mas estas palavras encorajadoras eram
também para nós. Queria avivar a nossa fé na vida futura.
Ó Jesus, atraí-me para junto de vós nesta gloriosa morada que fostes o primeiro / 429 a
ocupar. O primeiro lugar era-vos devido, porque, através dos vossos trabalhos, das vossas
vigílias e das vossas dores, tendes cumprido constantemente e com alegria a vontade do vosso
Pai que está nos céus.
Aumentai a minha fé para que eu caminhe valentemente atrás de vós.
Nada custa àquele que crê e que ama.
Resoluções. – Coragem, minha alma, não te deixes mais abater pela tristeza e pela
perturbação. Não sabes que Jesus é bom, que quer a tua salvação e que está pronto a ajudar-te
em tudo? Crê nele, tal como é verdadeiramente, o Jesus beneficente, o Jesus dedicado, o Jesus
bom Pastor. Crê e espera no Coração de Jesus e não serás confundida.
Colóquio com o Salvador.
10 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO:
PROMESSA DO ESPÍRITO DE VERDADE
Ego rogabo Patrem et alium Paraclitum Eu rogarei ao Pai e ele dar-vos-á outro
dabit vobis ut maneat vobiscum in aeternum, Paráclito para que permaneça convosco para sempre,
Spiritum veritatis quem mundus non potest o Espírito da verdade que o mundo não pode receber,
accipere, quia non videt eum nec scit eum. Vos porque não o vê nem o conhece. Mas vós o conheceis,
autem cognoscetis eum; quia apud vos manebit porque permanecerá em vós e estará em vós (Jo 14,
et in vobis erit (Jo 14, 16). 16).
Primeiro Prelúdio. Nosso Senhor mesmo e a verdade, mas o seu Espírito é também a verdade,
que ele nos quer dar para completar a sua obra.
Segundo Prelúdio. Senhor, que pelo vosso Espírito iluminais os corações dos vossos fiéis, dai-
me também o gosto da sabedoria e a graça do vosso amor.
PRIMEIRO PONTO: Nosso Senhor prometeu enviar-nos o seu Espírito, o Espírito de
verdade, para completar a sua obra e para nos dar a inteligência e o gosto das verdades
reveladas. – Nosso Senhor prodigalizou-nos os dons do espírito como os dons do coração.
Enquanto vivia com os seus discípulos, iniciava-os ele mesmo na verdade: Ego sum veritas.
Deixando-os, prometeu-lhes o Espírito da verdade, que os consolaria da sua ausência. É para
nós um dom totalmente celeste. Não é somente o dom da fé, é a inteligência e o gosto das
verdades reveladas, cuja contemplação luminosa e completa fará a nossa felicidade no céu. É
uma luz acrescentada à nossa razão, um horizonte novo e infinito, aberto diante dela, para que
ela aí encontre não apenas a resposta às questões do nosso futuro eterno, mas mesmo a solução
de uma multidão de problemas naturais. Este dom é múltiplo, compreende a inteligência, a
sabedoria e a ciência. É uma participação na vida dos espíritos celestes.
«Se me amais, guardai os meus mandamentos, disse Nosso Senhor, e enviar-vos-ei o
Espírito de verdade, o Espírito santificador, cheio de todas as luzes, de todas as graças e de toda
a vida espiritual, o Espírito de verdade, que une os homens a Deus pelo conhecimento e pelo
amor. O mundo culpado e corrompido não o pode receber. Sendo dominado pelos sentidos, não
o vê nem o conhece; mas vós, vós o conhecereis, ele permanecerá convosco e estará em vós
para vos iluminar, vos dirigir, vos fortificar». /431
SEGUNDO PONTO: «Não vos deixarei órfãos, diz Nosso Senhor, deixar-vos-ei outro
director, o Espírito de verdade». - «Iluminados por ele, diz-nos Nosso Senhor, reconhecereis
que estou no meu Pai, que somos um só na unidade da essência divina; e vós estareis em mim,
estareis unidos a mim pela vida da graça, pela docilidade do espírito; e eu estarei em vós para
vos iluminar, para vos dirigir, para vos santificar».
É o Espírito Santo que vos une ao coração de Jesus.
«Não vos podia dizer tudo por mim mesmo», diz-nos Nosso Senhor. A minha morte, a
minha ressurreição, a minha ascensão deviam intervir para darem autoridade à minha palavra.
Dou-vos o meu Espírito, para continuar o meu ensinamento. Tem de mim e de meu Pai toda a
verdade. Ele há-de introduzir-vos depois de mim no santuário das verdades reveladas. Iluminará
o vosso espírito, dar-vos-á a inteligência do que vos ensinei. Não vos há-de ensinar outra
doutrina, porque recebe tudo de meu Pai e de mim. Nós somos um. Falo-vos pelo Espírito
Santo, como meu Pai vos fala pela minha boca. Dará testemunho de mim. Ajudar-vos-á a
compreender a minha divindade, os meus mistérios, a minha vida, o meu Coração, o meu amor
por vós.
TERCEIRO PONTO: O Espírito Santo dar-vos-á a inteligência e o gosto dos mistérios
do Sagrado Coração. – E vós também, diz-nos Nosso Senhor, dareis testemunho de mim. O
Espírito Santo dar-vos-á as luzes e as graças para cumprirdes a vossa missão de apóstolos do
Sagrado Coração. Dar-vos-á a inteligência e o gosto dos mistérios do meu coração, do meu
amor e da minha imolação. Dar-vos-á a força e o zelo para trabalhardes no cumprimento da
vossa missão, expandindo esta vida de amor e de imolação segundo a vossa graça. Dar-vos-á a
conhecer o caminho que eu segui, o caminho da cruz, do sacrifício e da imolação. Conduzir-
vos-á seguindo os meus traços, fará de vós o que deveis ser, vítimas do meu coração.
Dareis testemunho de mim, se estiverdes unidos a mim e instruídos na minha ciência
sagrada pela oração, se os vossos pensamentos forem os meus, se os vossos desejos, as vossas
alegrias, as vossas tristezas forem conformes aos desejos, às alegrias, às dores do meu coração.
Dareis testemunho de mim em palavras, se a vossa conversação for sobrenatural, se
falardes como homens de Deus, como padres, como religiosos consagrados ao meu coração.
Dareis testemunho de mim pelos vossos actos, se fizerdes a vontade / 432 de meu Pai e a
minha, se agirdes como meus verdadeiros discípulos, como os amigos e as vítimas do meu
Coração sagrado, na regularidade, na humildade, no sacrifício e na caridade.
Resoluções. – Obrigado, Senhor, por este dom tão precioso do Espírito de verdade.
Quero daqui em diante estar atento às suas luzes, escutar as suas inspirações. Ensinai-me, por
ele, todas as vossas amabilidades. Fazei-me conhecer e detestar toda a minha ingratidão, dai-me
este dom de oração, sem o qual não posso responder à minha bela vocação de discípulo do
Sagrado Coração.
Colóquio com Nosso Senhor.

11 de Abril
S. LEÃO MAGNO
18 Et ego dico tibi quia tu es Petrus et 18 Também eu te digo que tu és Pedro, e
super hanc petram aedificabo ecclesiam meam et sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portae inferi non praevalebunt adversum eam 19 et portas do inferno não prevalecerão contra ela. 19
tibi dabo claves regni caelorum et quodcumque Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares
ligaveris super terram erit ligatum in caelis et na terra terá sido ligado nos céus; e o que
quodcumque solveris super terram erit solutum in desligares na terra terá sido desligado nos céus (Mt
caelis (Mt 16, 18). 16, 18).
Primeiro Prelúdio. S. Leão é um dos mais admiráveis sucessores de Pedro. Em tempos difíceis
governou a Igreja com autoridade e majestade, mas também com as virtudes mais edificantes.
Segundo Prelúdio. S. Leão, obtende para mim, de Nosso Senhor, o vosso espírito de amor e de
reparação.
PRIMEIRO PONTO: Humildade e zelo. – Com um talento maravilhoso e um grande
carácter, S. Leão prestou os maiores serviços à Igreja e ao Estado.
Arquidiácono da Igreja de Roma, estava no nosso país do norte, ocupado em reconciliar
os dois generais Aécio e Albino, quando foi eleito Papa, em 440. Nos sermões que pronunciava
nos aniversários do seu pontificado exprimia com eloquência os seus sentimentos de humildade.
«Ficou assustado ao escutar a voz de Deus que o chamava a governar a Igreja, proclama-se
demasiado fraco para um tão pesado fardo, demasiado pequeno para uma tal grandeza,
demasiado desprovido de méritos para uma tão augusta dignidade. Não entanto não perde
coragem, porque não espera nada de si mesmo, mas tudo daquele que opera nele».
A Igreja era atacada de todos os lados pelo erro e pelo vício. Rodeia-se de auxiliares
escolhidos por S. Próspero de Aquitânea. Começa a reforma pelo povo romano, a fim de que a
Igreja mãe seja o modelo de todas as igrejas. Prega ele mesmo nas grandes festas.
As suas cento e cinquenta cartas mostram com que vigilância, que habilidade e que
caridade regulava por toda a parte o que tinha necessidade de o ser pela doutrina e pelos
costumes.
SEGUNDO PONTO: O seu amor pelo Salvador. – Os seus belos discursos sobre a
incarnação e a paixão mostram-nos como amava Nosso Senhor.
A sua admirável carta a S. Flaviano de Constantinopla ficou como o modelo de todos os
tratados de teologia sobre a incarnação do Verbo.
Está sempre cheio de força e de eloquência nos seus sermões, mas / 434 ultrapassa-se de
alguma maneira quando fala do mistério da incarnação e do amor incompreensível que levou o
Filho de Deus a revestir-se da nossa natureza e das nossas misérias. É o discípulo de S. João e
cita-o muitas vezes. É com ele que nos diz: «Amemos, portanto, a Deus, porque nos amou
primeiro. Amando-nos restaura a nossa imagem; e para encontrar em nós alguma coisa da sua
semelhança, dá-nos a graça de fazermos as suas obras, esclarece os nossos espíritos, e inflama-
nos do fogo do seu amor para que nós o amemos e tudo o que ele ama» (Serm., 1 de jejunio
decimi mensis).
Como a maior parte dos Padres da Igreja, S. Leão entreviu a devoção ao Sagrado
Coração a propósito da abertura do lado de Jesus. «De lá saíram sangue e água que representam
a Igreja simbolizando os sacramentos» (Carta a Flaviano).
A Igreja é, portanto, para ele o dom do Coração de Jesus aos homens e os sacramentos
são a garantia do seu amor. É indicar de um modo suficiente que devemos bendizer o Coração
de Jesus que se deixou abrir por nosso amor.
TERCEIRO PONTO: O seu espírito de reparação. – É um grande pregador do jejum e
da esmola. A Igreja inseriu no breviário as suas belas homilias sobre estes dois assuntos… O
jejum fornece-nos as armas contra o demónio. A esmola é obrigatória, e com isto, sem dúvida,
entende todas as obras sociais em favor dos trabalhadores e dos indigentes. «Deus não deu
riquezas aos homens, diz, senão para que as derramem no seio da indigência». O rico então não
é mais do que um administrador. Não deve acumular as riquezas por avareza, nem prodigalizá-
las pelo seu prazer.
A propósito do aniversário da libertação de Roma das ameaças de Atila, censura aos
romanos a sua indiferença. Esquecem-se de agradecer a Deus que os salvou. Esta ingratidão
pede reparação, diz. «Uma negligência rara deve ser reparada por uma satisfação mais brilhante
ainda».
S. Leão quis acentuar no Santo Sacrifício da Missa o carácter da vítima reparadora que é
o papel do Salvador.
Foi ele quem mandou inserir no cânon estas palavras: Sanctum sacrificium,
immaculatam hostiam. Era mostrar-nos como devemos amar a reparação, no seguimento de
Nosso Senhor.
A santa liturgia deve-lhe muito. Completou o ofício da vigília de Páscoa. Imitemos a
sua piedade ao pé dos altares. /435
Resoluções. – Grande santo, conduzi-me nos vossos caminhos. Fazei-me saborear o
amor de Nosso Senhor, especialmente nos mistérios da Incarnação, da paixão e da Eucaristia.
Ensinai-me a humildade, o zelo, o amor pela Igreja. Mas sobretudo obtende-me a graça de uma
união mais íntima com Nosso Senhor no espírito de amor e de reparação.
Colóquio com S. Leão.
12 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
A PAZ E A ALEGRIA INTERIOR
Pacem relinquo vobis, pacem meam do Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.
vobis: non quomodo mundus dat ego do vobis. Non Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se
turbetur cor vestrum, neque formidet: Audistis quia perturbe o vosso coração, nem tenhais medo.
ego dixi: Vado et venio ad vos. Si diligeritis me, Ouvistes o que vos disse: Vou e volto para vós. Se
gauderetis utique, quia vado ad Patrem quia Pater me amardes, alegrar-vos-eis, porque vou para o
major me est (Jo 14, 27). Pai, porque o Pai é maior do que eu (Jo 14, 27).
Primeiro Prelúdio. O Espírito Santo traz-nos a paz, a confiança, a consolação. É o Consolador
por excelência, Paraclitus.
Segundo Prelúdio. Senhor, conservai em nós a graça do Espírito Santo, que nos destes.
PRIMEIRO PONTO: É o Espírito de paz que Nosso Senhor nos dá. – O Espírito Santo
é o espírito de paz. É como tal que Nosso Senhor no-lo deixa. Dar-nos-á a paz, não aquela do
mundo que é falsa, baseada na ilusão e na cegueira, mas uma paz verdadeira, a dos filhos de
Deus; uma paz que acalma todas as inquietações da consciência, que consola de todas as
mágoas da vida; uma paz que o mundo não conhece, que nada pode perturbar e que é um
antegozo das doçuras celestes.
Esta paz é o fruto do Espírito Santo; repousa sobre a contrição, a humildade, o amor do
Sagrado Coração e o abandono. «Ne turbetur cor vestrum. Não vos entristeçais, não vos
perturbeis por causa da minha ausência. Estou ainda convosco, diz-nos Nosso Senhor. O meu
Espírito vos consolará. Ele alimentará e fortificará a vossa fé. Dir-vos-á que se fui ao Céu, foi
para vo-lo abrir e para lá vos preparar uma morada eterna, junto de mim e de meu Pai, vado
parare vobis locum… accipiam vos ad meipsum. Ele vos há-de ensinar o caminho que conduz
ao céu, é aquele que eu segui. Sou eu mesmo que sou o vosso caminho. Se me amais, seguir-
me-eis na paz, na consolação e na alegria».
SEGUNDO PONTO: O Espírito Santo nos consolará, como Nosso Senhor consolava os
seus apóstolos na sua vida mortal. – Alium Paraclitum: é um outro consolador que ele nos dará
para continuar a sua obra. Encorajar-nos-á, fortificar-nos-á nas dores e nas provas da vida. /437
As ocasiões de tristeza são frequentes neste mundo: Tristitia implevit cor vestrum. Os
justos ficam tristes pela ausência de Nosso Senhor; pela recordação dos seus pecados passados;
pelas tentações e pelo perigo contínuo de recaírem; pelos escândalos que reinam no mundo;
pelas penas e pelas provas desta vida.
O Espírito Santo traz-nos alívio e doçura pela paz de uma boa consciência; pelo amor
do Sagrado Coração; pelo total abandono na Providência; pelo pensamento da curta duração das
penas de aqui em baixo; et iterum modicum et videbitis me.
Nós teremos as nossas tristezas também, mas elas serão mudadas em alegria: Vos
contristabimini, sed tristitia vestra vertetur in gaudium. As lágrimas dos pecadores são causadas
pelas suas concupiscências; enchem a sua alma de amargura e de desespero. As lágrimas dos
justos são causadas pela sua contrição e pelo seu amor por Deus. O Espírito Santo mistura-lhes
a sua consolação e a sua paz, esperando que as mude em alegria.
TERCEIRO PONTO: O espírito Santo dá-nos a paz com Deus, com o próximo,
connosco mesmos. – Com Deus, pelo arrependimento, o perdão dos nossos pecados, a oração
assídua que dá a confiança e o abandono.
Com o próximo, pela paciência, a doçura, a caridade, pela doce expansão que é tão fácil
e natural aos corações puros e virtuosos.
Connosco mesmos, confirmando-nos na fé e na confiança para com o Redentor;
tornando-nos vitoriosos sobre o mundo e as paixões; inspirando-nos a paciência nas provações.
Pensemos muitas vezes em Deus, na sua bondade, na sua Providência, no seu amor
pelos homens, no céu que nos espera.
Procuremos a alegria espiritual e santa, que é a partilha dos corações puros: Rectis corde
loetitia…fructus spiritus: gaudium, pax (Gal 5).
Procuremos a paz profunda que dá o fervor: Pax quae exsuperat omnem sensum. Esta
paz perseverará mesmo no fundo da alma durante as provações, na vida de abandono, na vida de
vítima, se agradar a Nosso Senhor a ela nos elevar.
Fervor, pureza de coração e de consciência, recolhimento, mortificação, estas são as
fontes desta paz que o Espírito Santo nos quer dar.
Dar-nos-á o espírito de oração, o gosto da oração e da vida interior e encontraremos na
oração, na oração bem feita, na união habitual com o Sagrado Coração uma paz divina e uma
alegria totalmente celeste: ut gaudium vestrum sit plenum. /438
O Espírito Santo não pode ser senão um traço de união para nos fazer viver em Nosso
Senhor e com Nosso Senhor.
Resolução. – Ó meu Salvador, dai-me o vosso Paráclito. Dai-nos o espírito de paz. Dai-
nos uma paz estável e crescente, com o horror do pecado, a paciência nas provações, e esta
união com o vosso divino Coração que é a fonte da paz mais profunda. Dai-me o amor da
pureza e o abandono à Providência, que são também condições de paz.
Colóquio com o Salvador.

13 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
A CONFIANÇA
Et si abiero et praeparavero vobis locum, E quando eu for e vos terei preparado um
iterum venio, et accipiam vos ad meipsum ut ubi lugar, voltarei de novo, e levar-vos-ei comigo, para
sum ego, et vos sitis. Et quo ego vado, scitis et que onde eu estiver vós estejais também. E vós
viam scitis (Jo 14, 3) sabeis para onde vou e conheceis também o
caminho (Jo 14, 3).
Primeiro Prelúdio. Jesus quer ainda deixar-nos a impressão de que nós na terra estamos apenas
como peregrinos e a caminho do céu.
Segundo Prelúdio. Senhor, gravai profundamente esta impressão na minha alma, todas as minhas
impressões serão então mudadas.
PRIMEIRO PONTO: A vida terrestre não é mais do que uma passagem. - «Vou-me
embora, diz o Salvador, mas é para vos preparar um lugar». Tal deve ser o pensamento director
de toda a nossa vida.
Um lugar nos espera no Céu, preparado por Jesus. Aqui em baixo estamos só de
passagem, porquê então apegar-nos a coisas que passam e que vão desaparecer?
Mesmo que perdêssemos na terra os nossos pais, os nossos amigos, os nossos bens,
porquê desencorajar-nos? Não havemos de encontrar tudo isto melhor, aperfeiçoado, na morada
estável, eterna e real onde o nosso nome está inscrito no Coração de Jesus.
Como esta promessa de Jesus eleva os nossos pensamentos! Prepara-nos um lugar; está
lá antes de nós como nosso advogado, nosso mediador. Tenhamos confiança. Tomemos o
caminho que nos mostrou e sigamo-lo com perseverança.
Caminhemos com o olhar fixo no termo para onde vamos. Não trabalhemos senão para
o céu; vivamos como convém a futuros habitantes do Céu. Gozemos, na esperança, a alegria e o
antegosto do Céu.
SEGUNDO PONTO: Nosso Senhor volta, pela sua graça, quando nós a pedimos. -
«Voltarei», dizia Nosso Senhor. Falava, em primeiro lugar, do seu regresso próximo pelas suas
aparições depois da ressurreição, depois do seu regresso espiritual pelo Espírito Santo que seria
o laço entre nós e ele, e, finalmente, do seu regresso definitivo no juízo.
Como o regresso próximo e fácil de Nosso Senhor pela graça e pelo Espírito Santo é
consolador! Vem e volta constantemente pela sua graça. O Espírito Santo é o seu intermediário
pessoal, mas é Jesus /440 quem o envia, quem o dá, quem nos fala, nos ensina e nos consola por
ele. O Espírito Santo é o seu embaixador, o seu porta-voz.
Sirvamo-nos de uma comparação material e imperfeita: Jesus fala-nos pelo Espírito
Santo como nós falamos aos nossos amigos pelos intermediários engenhosos da telegrafia e da
telefonia.
Mais ainda, Jesus vem ele mesmo na Eucaristia. Oh! Como tínheis razão ao dizer,
Senhor, que voltaríeis e que não nos deixaríeis órfãos.
Jesus deixava os seus apóstolos pela sua morte e pela sua ascensão. Deixa-nos quando o
obrigamos pelas nossas faltas a afastar-se, ou quando a nossa tibiez o leva a dissimular a sua
presença, a torná-la menos activa, ou ainda quando a sua Providência quer experimentar-nos
pela aridez.
Oh! Jesus, não me abandoneis! Voltai, voltai. Se pequei, lanço-me aos vossos pés,
arrependo-me como o filho pródigo. Voltai, voltai. Se o meu tédio vos magoou e desgostou,
voltai ainda, detesto este tédio, lamento-o, quero sair dele. Voltai!
Se vos afastastes para me provar, voltai, porque sou fraco e tenho necessidade de vós.
TERCEIRO PONTO: Jesus voltará a procurar-nos. – Jesus volta muitas vezes a
visitar-nos, pela graça e pela Eucaristia, mas mais tarde voltará a procurar-nos, para nos pôr lá
onde ele mesmo está: iterum venio et accipiam vos. – Esperança inefável! Quando chegar a
minha vez de me ir embora; quando se apagar diante dos meus olhos o espectáculo passageiro
do mundo; quando os homens indiferentes ou entristecidos se afastarem do meu leito de agonia,
Jesus voltará e me levará consigo para me conduzir, através de algumas purificações, sem
dúvida, ao lugar que me preparou com uma infinita ternura. Voltará a procurar-me, a fim de que
lá onde ele está, eu esteja também para sempre.
Oh! O único amigo verdadeiro da minha alma, como pude deixar-vos tantas vezes e por
tanto tempo! A quem posso então comparar-vos?
Não vos deveria eu ter amado acima de tudo e permanecer unido a vós a todo o custo?
Jesus voltará, não só no momento da minha morte, para procurar a minha alma; mas
ainda no momento do grande juízo, para procurar o meu corpo mesmo e dar-lhe lugar no
paraíso. Quantos sentidos variados e consoladores nesta palavra de Jesus: Voltarei! A minha
vida é uma vida de espera. Só tem de precioso as visitas de Jesus, visitas incessantes da graça,
visitas quotidianas da Eucaristia, aguardando as grandes visitas quando vier procurar-me. Não
deveria ter senão este pensamento, como o apóstolo S. João: Vinde, Senhor Jesus, vinde! /441
Resoluções. – Ó Jesus, permanecei em mim. Não fujais da minha tibiez, mas corrigi-a.
Vinde com as vossas graças crescentes. Não permitais mais que eu perca a união convosco. Tem
de ser, viverei em união com o vosso Coração. Serei fiel em conservar esta união, em avivá-la
frequentemente todos os dias.
Colóquio com o Salvador.
14 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
JESUS É O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA
Et quo ego vado scitis et viam scitis. Dicit E sabeis para onde vou e conheceis o
ei Thomas: Domine, nesciamus quo vadis et caminho. Diz-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para
quomodo possumus viam scire? Dixit ei Jesus: Ego onde ides e como é que podemos conhecer o
sum via, veritas e vita: nemo venit ad Patrem nisi caminho? Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a
per me (Jo 14, 5). verdade e a vida: ninguém vem ao Pai senão por
mim (Jo 14, 5).
Primeiro Prelúdio. Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Com estas palavras, chama-nos para
o seguirmos.
Segundo Prelúdio. Senhor, vós sois o Caminho, tomai-me no vosso seguimento no caminho da
Verdade e da Vida.
PRIMEIRO PONTO: Jesus é o caminho. - «Para onde vou, vós sabeis e sabeis o
caminho». A questão de Tomé é surpreendente, Jesus falou sempre tão claramente!
Para onde vai? Vai para o seu Pai, disse-o muitas vezes e acaba de o repetir: «Vou
preparar-vos um lugar na casa de meu Pai».
Jesus é o caminho. Não disse ele a todos os que chamava: «Sequere me, segui-me?
Mostrou-nos o caminho que conduz ao céu, é aquele que ele mesmo percorreu primeiro. É o
caminho da humildade e da doçura, é o caminho do desapego e da renúncia, a via da penitência
e da reparação, é a via da dedicação e do sacrifício.
É também a via de união e de amor. Quantas vezes Nosso Senhor nos disse: «Vivo no
meu Pai, e o meu Pai em mim; faço sempre a vontade de meu Pai; amo o meu Pai, observo os
seus preceitos e permaneço no seu amor». Eis o caminho: manter-nos unidos a Jesus, ao seu
divino Coração: fazer em tudo a sua vontade, permanecer no seu amor; aprender dele que é doce
e humilde, que foi sacrificado e imolado, que se abandonou nas mãos do Pai.
SEGUNDO PONTO: Jesus é a verdade. – Ele é a verdade por essência, mas para nós é
a verdade no seu ensino.
Ensinou-nos a verdadeira fé, a verdadeira sabedoria, a verdadeira santidade. A sua
palavra é luminosa, atrai as almas e satisfaz as inteligências.
O povo corria atrás dele e dizia: «Ninguém alguma vez falou como este homem» (Jo 7,
46), e ainda: «De onde vem a este homem /443 tanta sabedoria e uma palavra tão admirável! Não
é ele um carpinteiro de Nazaré?»
Jesus é a verdade e comunicou-nos a verdade. Deixou-nos o seu ensino sublime sobre
todas as grandes questões da nossa origem, dos nossos deveres e do nosso fim: «Tudo o que
aprendi de meu Pai vo-lo revelei» (Jo 15, 15).
Tudo é verdadeiro em Jesus, tudo é mentira ou verdade incompleta entre os homens:
Omnis homo mendax (Sl 115).
Os homens são ignorantes e hipócritas. Os seus pensamentos, as suas palavras não têm
verdade. As suas lisonjas são mentira, as suas virtudes são
mais aparentes do que reais.
O mundo não quer a verdade completa, procura uma verdade mitigada e adaptada à sua
fraqueza.
Em Jesus, a verdade é pura, simples, completa. Em todo o seu ensino, não cessa de opor
a verdade aos erros e aos falsos juízos do mundo.
«O mundo, diz-nos constantemente, procura a riqueza, as honras, os prazeres, a
dominação, a vingança; mas eu, eu recomendo-vos o desapego, a obediência, a mortificação, a
humildade, o perdão das injúrias». Eis a verdade, o verdadeiro caminho que conduz à salvação.
Falai, Senhor, quero escutar-vos constantemente. Ensinai-me toda a verdade. Quero
escutar-vos no recolhimento e desconfiar do mundo e das suas máximas.
TERCEIRO PONTO: Jesus é a vida. - «Jesus Cristo é a minha vida», diz S. Paulo (Fil
1, 21). Vivo para ele, para a sua glória, para a difusão do seu nome e a propagação do seu reino,
só vivo para ele, não me interesso de mais nada senão dele. Só tenho um objectivo: ou viver
para trabalhar no seu reino ou morrer para ir reencontrá-lo no céu.
«Jesus Cristo vive em mim», diz ainda S. Paulo. Não quero viver mais uma vida natural
e terrestre. Já não sou eu que vivo, é Jesus Cristo quem vive em mim. Ele vive pela sua graça,
vive pela sua doutrina e pelas suas virtudes, vive em mim pela Eucaristia.
Vive em mim pela graça santificante e pelo Espírito Santo que recebi em virtude dos
seus méritos.
Vive em mim pela graça actual, na qual o Espírito Santo me transmite constantemente
os seus conselhos, os seus preceitos, os seus dons e os seus encorajamentos. /444
Jesus quer viver em mim pela sua semelhança, pelas suas virtudes, como um pai vive
nos seus filhos.
Onde hei-de ir buscar a sua vida? Na sua graça, na sua Eucaristia; no sofrimento e na
oração que me abriram os tesouros da sua graça; no seu Coração sobretudo, onde hei-de beber,
como um filho bebe nos mamilos maternos: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris.
Como S. João, como S. Francisco, como Sta. Gertrudes e Margarida Maria, como S. Paulo da
Cruz, hei-de ir buscar ao Coração de Jesus as suas virtudes com o seu amor.
Resoluções. – Conheço agora o caminho, a verdade e a vida. Como é que seria ainda
insensato para correr nos caminhos do erro e da mentira, nos caminhos que conduzem à morte!
Sequere me, segui-me, diz-me Jesus. Eis-me aqui, Senhor, para caminhar convosco,
para fazer a vossa vontade, sempre, a cada instante, em união com o vosso divino Coração.
Colóquio com o Salvador.

15 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
A FORÇA E A PACIÊNCIA
Haec locutus sum vobis ut non Disse-vos estas coisas para que não vos
scandalizemini. Absque synagogis facient vos : sed escandalizeis. Expulsar-vos-ão das sinagogas. Mas
venit hora ut omnis qui interficit vos, arbitretur vai chegar a hora em que aquele que vos condenar
obsequium se praestare Deo. Et haec facient vobis, julgará agradar a Deus. E farão isto a vós, porque
quia non noverunt Patrem, neque me (Jo 16, 1). não conheceram nem o Pai nem a mim (Jo 16, 1).

Primeiro Prelúdio. Virão provações, mas o Espírito Santo fortificar-nos-á e nos tornará
vencedores do demónio e do mundo.
Segundo Prelúdio. Senhor, tornai-nos poderosos na oração e fervorosos no vosso amor para que
ultrapassemos todas as dificuldades.
PRIMEIRO PONTO: O Espírito Santo dar-nos-á a força e a paciência nas dificuldades
e nas provas da vida. – Também neste ponto Nosso Senhor não nos deixará órfãos. Suster-nos-á
pelo seu Espírito. As provas virão e muito grandes. Estaremos à mercê do ódio do mundo e das
perseguições, mas não tenhamos medo, as perseguições não impedirão nem o cumprimento dos
desígnios de Deus nem o estabelecimento do seu reino. O Espírito Santo dará testemunho a
Nosso Senhor pela verdade que há-de propagar e pelas obras que há-de inspirar; e nós,
fortificados pelo Espírito Santo, daremos também testemunho a Nosso Senhor pregando a
verdade e suportando por ela todas as provas e contradições.
Devemos ser os instrumentos do Espírito Santo para a renovação do mundo.
Encontraremos nele todos os socorros necessários para cumprirmos dignamente a nossa missão
apostólica. Fortificar-nos-á na verdade, no zelo e na paciência.
A oração será o canal da nossa força. Rezaremos a Deus com uma fé íntegra e uma viva
confiança pelo sucesso das nossas obras, pela salvação das almas e pelo reino do Sagrado
Coração. «Pedi e recebereis, diz-nos Nosso Senhor, e a vossa alegria será completa. Pedi em
meu nome, com a ajuda do Espírito Santo, meu Pai vos ama, porque vós me amais e vos
atenderá». /446
SEGUNDO PONTO: O Espírito Santo fortificará a nossa fé. – Docebit vos omnia…
suggeret vos omnia. Ele nos ensinará todas as coisas. Tornar-nos-á obedientes a Deus cada vez
mais doce e fácil, fazendo-nos compreender quanto Deus nos ama e quanto o devemos amar. A
obediência e o sacrifício não custam a quem ama: Diligo Patrem et sicut mandatum dedit mihi,
sic facio.
O Espírito Santo recordar-nos-á o exemplo de Nosso Senhor o qual nos sustentará.
Nosso Senhor escolheu-nos como seus apóstolos, para espalharmos o seu amor, para
trabalharmos no reino do seu Coração. Atacaremos a corrupção do mundo, o mundo corrompido
levantar-se-á contra nós. Mas, se o mundo nos odeia, sabemos que primeiro odiou Nosso
Senhor. O servo não é maior que o seu senhor.
Se perseguiram Nosso Senhor, também nos hão-de perseguir. Como ele, havemos de
suportar com paciência as perseguições. As provações hão-de servir para o nosso avanço na
virtude, para a nossa santificação.
As promessas de Nosso Senhor suster-nos-ão também. Sabemos que o socorro nos virá
em tempo conveniente e que seremos recompensados por tudo o que tivermos sofrido.
Nosso Senhor preveniu-nos para que não nos escandalizemos, e para que as provas não
nos desencorajem nem nos abatam. O Espírito Santo fortificar-nos-á, iluminar-nos-á.
Convencerá o mundo do pecado. Propagando a verdade e a virtude pelos ministros do
Evangelho, manifestará a iniquidade do mundo e a justiça cristã.
TERCEIRO PONTO: Fortificados pelo Espírito Santo, daremos testemunho de Nosso
Senhor. – Confessaremos a sua doutrina, seguiremos os seus ensinamentos, imitaremos os seus
exemplos. Confessá-lo-emos com o coração, com a boca e com a acção. Dirigiremos os nossos
pensamentos, os nossos desejos, os nossos projectos para tudo o que possa contribuir para a
glória de Deus e para a salvação das almas. Regularemos as nossas palavras segundo a sua lei,
evitando tudo o que fira a caridade, a verdade, a humildade. Agiremos como ele fazendo
unicamente a vontade do Pai.
Tenhamos coragem na acção e no sofrimento. As tentações virão e as quedas também.
O demónio e o mundo não repousam. A vida tem as suas provas inevitáveis. O Espírito Santo
fortificar-nos-á para a luta e para a paciência. Dar-nos-á a força da lei, a da esperança e
sobretudo a do amor. Recordar-nos-á a necessidade da expiação, a brevidade da vida, a
recompensa do céu; mas acima de tudo /447 unir-nos-á a Nosso Senhor pela caridade. Amando-o,
conformar-nos-emos aos seus sentimentos. Sofreremos de boamente com ele e por ele. Nada
custa àquele que ama.
Tomemos coragem. A vida de amor exclui a tristeza. Vivamos no fervor e no puro
amor. O Espírito de amor nos sustentará, se soubermos ir buscá-lo ao Coração de Jesus.
Resoluções. – Dai-me, Senhor, esta força de que tenho necessidade. Tocai o meu
coração pelo vosso amor, para que esteja preparado para superar todas as dificuldades e todas as
provas. Sei que nada custa àquele que ama. Para me fortificar, procurarei o vosso amor e
recordar-me-ei constantemente das bondades do vosso divino Coração.
Colóquio com o Salvador.

16 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
PROMESSAS DE GRAÇAS ÀQUELES QUE CRÊEM EM JESUS
E QUE REZAM EM SEU NOME
Ámen, ámen dico vobis, qui credit in me, Em verdade, em verdade vos digo: quem
opera quae ego facio, et ipse faciet, et majora acredita em mim, fará as obras que eu faço, e fará
forum faciet, quia ego ad Patrem vado. Et ainda maiores, porque eu vou para o Pai. E tudo o
quocumque petieritis Patrem in nomine meo, hoc que pedirdes ao Pai em meu nome, isso farei, para
faciam, ut glorificetur Pater in Filio (Jo 14, 12). que o Pai seja glorificado no Filho (Jo 14, 12).
Primeiro Prelúdio. Ter fé em Jesus e rezar em seu nome são meios todo-poderosos para obter
graças.
Segundo Prelúdio. Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé. Uni-me cada dia sempre mais ao
vosso divino Coração.
PRIMEIRO PONTO: Conhecer Jesus. - «Se me tivésseis conhecido como devíeis, diz
Jesus, teríeis também conhecido o meu Pai, porque o meu Pai e eu somos um; mas em breve o
conhecereis, ao receberdes o Espírito Santo, e já, ao me verdes, o vistes. – Senhor, disse-lhe
Filipe, mostrai-nos o Pai celeste, por alguma visão miraculosa, e isso nos basta. – O quê? diz-
lhe Jesus, com uma doce censura, há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me
conheceis? Não sabeis ainda que eu sou o Filho único e consubstancial do Pai? Filipe, quem me
vê, vê também o Pai, e não tem necessidade de outra revelação, porque o Pai e eu somos um só
na unidade da essência divina. Como dizeis então: Mostrai-nos o Pai? Não credes que eu estou
no Pai e que o meu Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo de mim mesmo;
elas não são o fruto de uma inteligência humana; e os milagres que eu faço são a obra de meu
Pai que permanece em mim. São a prova da minha missão e da minha natureza divina. Não
credes que eu estou no meu Pai e que o meu Pai está em mim? Ainda uma vez, se não crerdes
nas minhas palavras, crede ao menos por causa das obras que faço». – Somos cegos como os
apóstolos. Vendo as obras de Nosso Senhor, deveríamos ver claramente que é o nosso Deus.
SEGUNDO PONTO: Crer em Nosso Senhor. - «Vistes os meus milagres, diz Nosso
Senhor, fareis os mesmos, se crerdes em mim. /449 Em verdade vos digo, as obras que faço,
aquele que acredita em mim as fará também e até ainda maiores. Curareis doentes, ressuscitareis
os mortos, falareis as línguas e convertereis ao Evangelho o universo inteiro. A vossa fé será
todo-poderosa».
Tais são as promessas de Nosso Senhor. E eu, creio ter a fé, creio conhecer Nosso
Senhor, trabalho pela sua glória, porque é que então as minhas obras são estéreis? É que a
minha fé não é bastante viva.
Nosso Senhor pode dizer-me: «Não acreditais em mim com a fé ardente dos santos. Não
acreditais na santidade da minha vida, na perfeição dos meus sentimentos e dos meus actos,
porque vos aplicais tão pouco a imitar-me; não acreditais com uma fé viva na Eucaristia, porque
sois tão frios na minha presença; não acreditais no meu Coração, na sua bondade, na sua
generosidade, na sua misericórdia, porque o invocais tão friamente. Daí vem a esterilidade da
vossa vida e a inutilidade das vossas obras».
Isto é verdade, Senhor, bem pouco vos conheço até ao presente. A minha fé em vós é
quase irrisória. Falo-vos com distracção e negligência. E, por conseguinte, a minha confiança é
hesitante e o meu amor tíbio. Mudai o meu coração, dai-me uma fé viva e ardente.
Perdoai-me todas as minhas fraquezas passadas que tanto vos entristeceram. Ainda uma
vez, mudai o meu coração.
TERCEIRO PONTO: Rezar em nome de Jesus. - «Nada resistirá às vossas orações, diz-
nos Nosso Senhor, porque vou para o meu Pai, para ser vosso protector, vosso intercessor e
vosso advogado, e tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome, fá-lo-ei, vo-lo hei-de
conceder, para que o meu Pai seja glorificado no seu Filho; e o que lhe pedirdes em meu nome,
fá-lo-ei».
As minhas orações serão, portanto, atendidas, se forem feitas no nome de Jesus, com
uma intenção pura e uma vontade conforme aos seus desígnios.
Tenho muito que rezar, pelo Igreja, pela minha pátria, pela minha família, pelas alas,
por todos os interesses da glória de Deus, e rezo, mas quão fracamente! Não sei fazer valer os
méritos de Nosso Senhor. A minha fé é demasiado superficial, não sei mergulhar nos tesouros
do Coração de Jesus, para comprar as graças de que tenho necessidade.
Tenho feito valer bem nas minhas orações, o sangue de Jesus, as suas lágrimas, as suas
chagas, as orações das suas vigílias e da sua agonia? /450
Não estou suficientemente penetrado do valor destes tesouros, porque as minhas
orações e meditações são frias e distraídas.
«O que pedirdes na oração, com fé, diz Nosso Senhor, haveis de obter». É a vida de
oração, é a união ao Coração de Jesus, é o amor ardente por Nosso Senhor e a justa apreciação
dos seus méritos, que hão fecundar as minhas orações.
Resoluções. – Se quiser que as minhas obras e as minhas orações sejam eficazes, é
preciso que eu viva da vida interior, que eu contemple diariamente os mistérios de Nosso
Senhor, que seja penetrado pelo preço dos seus méritos, do seu sangue, dos seus sofrimentos, e
que aprecie toda a força e toda a ternura do seu amor por mim.
Colóquio com Nosso Senhor.

17 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
SE AMARMOS A DEUS E A NOSSO SENHOR,
ELES PERMANECERÃO EM NÓS
Non relinquam vos orphanos, veniam ad Não vos deixarei órfãos. Voltarei para
vos. Adhuc modicum et mundus me jam non videt. vós. Ainda um pouco e o mundo já não me verá.
Vos autem videtis me, quia ego vivo, et vos vivetis. Mas vós haveis de me ver, porque eu vivo, e vós
In illo die vos cognoscetis quia ego sum in Patre viveis. Naquele dia sabereis que eu vivo no meu
meo, et vos in me et ego in vobis (Jo 14,18). Pai, e vós em mim e eu em vós (Jo14, 18).
Primeiro Prelúdio. Os apóstolos estão tristes. Pressentem a separação próxima. Mas Jesus diz-
lhes: Não vos deixarei órfãos.
Segundo Prelúdio. Senhor, permanecei em mim. Não me abandoneis. Consagro-me ao vosso
serviço e ao vosso amor.
PRIMEIRO PONTO: «Não vos deixarei órfãos». – Não vos deixarei sem apoio, sem
conselho, sem guia, sem afecto. Prometo-vos o Espírito Santo para me substituir, e, além disso,
eu próprio virei de diversos modos. Virei visitar-vos depois da minha ressurreição. O mundo
não me verá mais, a minha missão terrestre está terminada; mas vós, vós me vereis ainda
vivente.
Hei-de visitar-vos também pela graça. Iluminados pelo Espírito Santo, acreditareis na
minha divindade, reconhecereis que eu estou no meu Pai, que sou um só com Ele na unidade da
essência divina; e vós estareis em mim, estareis unidos a mim pela vida da graça, como os
membros estão unidos ao seu chefe, como os ramos da vinha estão unidos à cepa, cuja seiva os
alimenta; e eu estarei em vós, iluminando-vos, dirigindo-vos, santificando-vos pelo Espírito
Santo que vos hei-de enviar.
Ao deixar-vos corporalmente e segundo as aparências, não vos abandono por isso, fico
ainda convosco de diversas maneiras, pela fé, pelo amor, pela graça santificante e pela
Eucaristia. Não vos deixo órfãos.
SEGUNDO PONTO: Amar e servir. - «Se me amardes, guardareis os meus
mandamentos… aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, é esse que me ama…
Aquele que me ama guarda minha palavra, e a palavra que escutastes não é minha, mas de meu
Pai que me enviou. Se, portanto, guardais esta palavra, / 452 isto é, os meus preceitos e os meus
conselhos; se praticardes as virtudes que vos ensinei, o meu Pai e eu amar-vos-emos, visitar-
vos-emos, permaneceremos convosco».
«Se alguém me ama», disse Nosso Senhor; este alguém, sou eu? Sim, se guardo a sua
palavra, se a faço passar na minha vida, mesmo aquela que me ordena que morra para mim
mesmo, submetendo-me à obediência, às inspirações da graça, à conduta da Providência.
«Aquele que me escuta e que me obedece, diz Nosso Senhor, é esse que me ama».
Tenho um meio fácil de amar, um meio infalível, garantido pela mesma palavra divina. Se
obedeço, se faço a vontade divina, Nosso Senhor terá isso por um acto de amor. Quero,
portanto, procurar unicamente esta vontade. A minha regra e os conselhos do meu director far-
me-ão conhecê-la.
Não quero, todavia, obedecer fria e secamente como um escravo. Obedecei como um
filho que é feliz por contemplar o seu pai, a sua mãe, e que obedece tanto com o seu coração
como com a sua vontade.
TERCEIRO PONTO: Admirável união com Deus. - «Se alguém me ama e guarda a
minha palavra, diz ainda Nosso Senhor, meu Pai amá-lo-á e faremos nele a nossa morada…
Aquele que me ama e que o prova observando os meus mandamentos, será amado por meu Pai,
e eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele… E então compreendereis que estou em meu Pai, e
sentireis que estou em vós e vós em mim».
Ó admirável união! «Estareis unidos a mim, diz Nosso Senhor, pela vida da graça, pelos
sentimentos do coração e pelo acordo das vontades… Estarei unido a vós pela influência das
minhas luzes e das minhas direcções, pela consolação da minha presença sensível e do meu
amor».
Posso, portanto, viver no Coração de Jesus e Jesus quer viver no meu coração: «Vós em
mim e eu em vós», diz-nos. Ó divino Coração de Jesus, sede daqui em diante a minha morada.
Em vós rezarei eficazmente, em vós pedirei conselho sem medo de me enganar, em vós
contemplarei o modelo de todas as virtudes.
Sei o meio de habitar em vós, é conformar-me à minha regra e a todas as vossas
vontades.
Agora, posso dizer com David: «Como são amáveis os vossos tabernáculos, ó meu
Deus!... Um dia de repouso e de vida sobrenatural na vossa casa, isto é, no vosso Coração, vale
mais que mil anos passados entre os pecadores». /453
Resoluções. – Amar e obedecer, para ser amado. Quero chegar a esta admirável união, à
vida do Pai, do Filho e do Espírito Santo no meu coração. Conheço o meio: amar e obedecer,
cumprir toda a minha regra, todos os meus costumes piedosos em união com o Coração de
Jesus.
Colóquio com o Sagrado Coração.

18 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
AMO O MEU PAI, FAÇO O QUE ELE ME MANDA
Venit princeps mundi hujus, et in me non O príncipe deste mundo vem, não tem
habet quidquam, sed ut cognoscat mundus quia poder sobre mim, mas deixo-o agir, para mostrar
diligo Patrem, et sicut mandatum dedit mihi Pater, ao mundo que amo o meu Pai e que lhe obedeço.
sic facio. Surgite, eamus hinc (Jo 14, 30). Levantai-vos, vamo-nos daqui (Jo 14, 30).
Primeiro Prelúdio. Nosso Senhor dá com uma calma admirável e uma coragem sobre-humana o
sinal de deixar o Cenáculo para ir ao Gethsémani.
Segundo Prelúdio. «Jesus, cuja bondade é infinita, que o meu querer e o vosso sejam um só, e
que eu não possa jamais querer ou não querer senão o que vós quereis ou não quereis» (Imitação 3, 15).
PRIMEIRO PONTO: «Que o vosso coração não se perturbe». – Eis um encorajamento
precioso caído do Coração de Jesus. Não é apenas aos seus apóstolos que se dirige, mas a todos
nós. «Não vos perturbeis, diz-nos, se não vos estou presente senão pela fé, e se mesmo parece
que vos abandono deixando-vos na aridez. – Que o vosso coração não se assuste nem se
perturbe, ao pensamento de que vos vou deixar; ouvistes o que vos disse: vou-me embora, mas
depois volto para vós. – Se me amais, longe de vos entregardes à tristeza, alegrar-vos-eis porque
vou para o meu Pai, porque, tendo em consideração a minha natureza humana, o meu Pai é
maior do que eu, e ele me eleva como homem à participação da sua glória, do seu poder e da sua
divindade. – Previno-vos a respeito disto, agora, a fim de que os acontecimentos próximos não
vos perturbem, e que acrediteis que sou o Filho de Deus e que guardeis confiança em todas as
minhas promessas».
Que admirável condescendência de Nosso Senhor pelos seus discípulos e por nós!
Previne-os contra o escândalo da sua paixão, e previne-nos contra os escândalos do mundo e
contra as provas da aridez.
SEGUNDO PONTO: A vontade do Pai. - «O príncipe deste mundo vem, diz Nosso
Senhor, apresta para mim todos os seus furores. Nada pode contra mim, mas quero deixá-lo
agir, para que o mundo saiba que amor tenho pelo meu Pai, vendo-me dar a minha vida para
cumprir o seu desígnio de salvar as vossas almas…»
O príncipe deste mundo está em acção por intermédio de Judas, prepara/ 455 as suas
armas e a sua cilada. Jesus quer deixá-lo fazer. Não murmura, não muda em nada o seu costume
de ir rezar à noite a Gethsémani. Não é necessário que a vontade do Pai se cumpra?
A vontade do Pai é tudo para Jesus. Por muito severa e dura que seja para cumprir,
avança diante dela com uma espécie de estremecimento magnânimo. A alegria mistura-se à dor
das despedidas, à tristeza inquieta do amigo que deixa os seus amigos sem suporte, à melancolia
do moribundo.
«Amo o meu Pai, diz Jesus; assim como me ordenou assim o faço».
Não é assim que também eu quero agir? A vontade de Deus e isso basta. Nada é mais
sábio, nada é mais seguro. Onde encontrarei outro guia, outro mestre: ad quem ibimus?
Vós tendes, Senhor, palavras de vida eterna. Mandai, Senhor, o vosso servo escuta. Eis-
me aqui, fazei de mim o que quiserdes. Conduzi-me pela minha regra, pela providência, pelo
meu director que vos representa.
TERCEIRO PONTO: Levantai-vos e vamos. - «Levantai-vos, vamos daqui, para irmos
à agonia, à tortura e à morte, Deus o quer!». – Jesus dá graças ao seu Pai depois da refeição; vai,
segundo o seu costume, para o Jardim de Gethsémani e os seus apóstolos seguem-no. Nós
podemos pensar em que estado se encontram, depois de tudo o que lhes disse. Para ele, a sua
natureza está perturbada, mas domina-a, caminha com serenidade, por amor para com o seu Pai
que ordena e pelos homens que vão ser salvos.
É assim que eu vou para o dever, à abnegação, ao sacrifício quando o Senhor a isso me
chama?
O dever tem as suas exigências rigorosas. É preciso saber sair do pecado por uma
humilde confissão e de uma ocasião de pecado por uma separação ou um sacrifício. É preciso
sair da moleza e da tibiez que repugnam a Nosso Senhor.
Isso não me custará se, como Nosso Senhor, pensar no meu Deus que o pede, e nos
frutos que daí virão quer para mim quer para as almas.
Margarida Maria, para se excitar na generosidade, dizia a Nosso Senhor: «Ó vós, que
me haveis escolhido, lembrai-vos que nos prometemos fidelidade». Ó meu bom Mestre,
escolhestes-me também para trabalhar no reino do vosso Coração. Sei que sereis fiel às vossas
promessas de graça, quero ser fiel também às minhas promessas de amor e de dedicação.
Resoluções. - «Levantemo-nos e vamos». Vamos para o serviço de Nosso Senhor,
vamos para a dedicação, para o sacrifício. Saiamos de nós mesmos, / 456 vamos para o Coração
de Jesus, ao seu amor, à sua imitação, ao seu serviço; união constante ao Coração de Jesus no
espírito de amor e de imolação.
Colóquio com o Sagrado Coração.

19 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
EU SOU A VINHA E VÓS SOIS OS RAMOS
Ego sum vitis vera et Pater meus agricola Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o
est omnem palmitem in me non ferentem fructum agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não
tollet eum et omnem qui fert fructum purgabit eum der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa,
ut fructum plus adferat (Jo 15, 1-2). para que produza mais fruto ainda (Jo 15, 1-2).
Primeiro Prelúdio. Jesus descia o vale de Cédron. Havia vinhas, é a ocasião da parábola.
Segundo Prelúdio. «Ó meu Senhor e meu Deus, permanecei em mim, sois a minha glória e as
minhas delícias, a minha esperança e todo o meu bem» (Imitação 3, 5).
PRIMEIRO PONTO: «Eu sou a verdadeira vinha e meu Pai é o agricultor». – Jesus
passa junto das vinhas que eram podadas naquela estação. Vê os ramos vivos carregados de
botões e os ramos cortados caídos por terra, é um belo tema para uma parábola. «Eu sou a
verdadeira vinha, diz, a vinha cheia de seiva e de vida». Pensava no seu sangue, semelhante ao
vinho da vinha, que ia muito em breve correr sob a prensa da agonia. «O meu Pai, diz, é o
agricultor, que cultiva com amor a vinha e os ramos». – Os frutos que o agricultor celeste espera
da sua vinha são aqueles que a alma leva unida a Jesus Cristo, como os ramos estão unidos à
cepa. A alma cristã está enxertada em Jesus Cristo, regenerada por ele, e elevada até a esta
perfeição que faz dos seus actos outros tantos frutos divinos: frutos de humildade, de paz, de
modéstia, de piedade, de pureza, de zelo, de silêncio, de recolhimento, de sacrifício, de morte
para si mesmo; frutos de vida interior e de união constante.
A vinha vulgar da nossa natureza humana não produz nada de tudo isto. São necessários
o enxerto e a seiva divina.
SEGUNDO PONTO: «Permanecei em mim». – Permaneçamos agarrados à vinha. O
agricultor corta da vinha os ramos mortos e aqueles que não dão frutos. Limpa os sarmentos que
dão frutos, para que produzam ainda mais.
«É assim que fará o Pai celeste, diz-nos Nosso Senhor: todo o ramo que não der fruto
em mim, cortá-lo-á; atirá-lo-á para longe de mim, será privado da seiva que é a graça e cairá na
morte espiritual. Mas os que prometem fruto, podá-los-á, /458purificá-los-á através de alguma
prova e curá-los-á das suas inclinações depravadas, para que dêem ainda mais frutos».
«Quanto a vós, dizia ainda Nosso Senhor, estais todos podados e purificados pelas
instruções que vos dei; mas para que esta purificação se conserve e complete, para que a vossa
fecundidade em obras de salvação se desenvolva, uni-vos sempre mais intimamente a mim,
permanecei em mim e eu, por minha parte, permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar
fruto por si mesmo, se não permanecer na vinha, se não está aderente à cepa donde tira a seiva
vivificante, assim não podeis produzir nada, se não permanecerdes em mim».
Sim, Senhor, quero permanecer em vós. Sinto que é a condição da vida, da fecundidade
e da felicidade. Quero permanecer em vós pela fidelidade da minha recordação, da minha
ternura e da minha dedicação, pela conformidade dos meus pensamentos aos vossos
pensamentos, dos meus sentimentos aos vossos sentimentos, das minhas alegrias às vossas
alegrias, das minhas tristezas às vossas tristezas, do meu querer à vossa vontade.
Só quero ter convosco uma existência, um fim, uma felicidade: a glória de Deus, o reino
do Sagrado Coração e a salvação das almas.
TERCEIRO PONTO: «E eu em vós». – Que boa palavra! Nosso Senhor mesmo nos diz
que quer permanecer em nós. Com ele, é a vida, a alegria, a paz, a fecundidade; sem ele, é a
morte. - «Eu sou a cepa da vinha, diz, e vós os ramos; quem permanecer em mim e eu nele dará
muitos frutos; mas sem mim, sem a minha graça e o meu concurso, nada podeis fazer de bom ou
de útil, seríeis ramos ressequidos, que são cortados e lançados ao fogo».
Sim, sem a graça santificante, as minhas obras seriam mortas. Não seria bom senão para
o fogo, como um ramo ressequido. «Ou a vinha ou o fogo», diz Sto. Agostinho.
Sem a graça actual, nem começo, nem progresso nem perseverança na obra da salvação.
Senhor, estas palavras que dissestes – «Eu em vós» – impressionam-me profundamente.
Como? Quereis permanecer em mim! Mas não sabeis que o meu coração não passa de
imundície, ignorância, ingratidão e loucura? – Sim, responde-me Nosso Senhor, quero
permanecer em vós e amo-vos… Como o meu Pai me amou e colocou em mim as suas
complacências, também eu vos amei com um amor inefável, até morrer por vós, até permanecer
convosco na Eucaristia e na graça, até vos tratar como os meus amigos mais caros. / 459
Resoluções. – Senhor, permanecei em mim e eu em vós. Sim, vós sois a vinha, e quando
me separo de vós, sinto que é a morte. Mantende-me unido a vós na graça santificante, na
recordação assídua da vossa presença, na meditação dos vossos mistérios. Quero permanecer no
vosso coração. Lá está toda a minha vida e a minha felicidade.
Colóquio com o Sagrado Coração.
20 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
OS DISCÍPULOS E OS APÓSTOLOS SÃO OS AMIGOS
DE NOSSO SENHOR
Vos amici mei estis si feceritis quae ego Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu
praecipio vobis 15 iam non dico vos servos quia vos mando. 15 Já não vos chamo servos, porque o
servus nescit quid facit dominus eius vos autem servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-
dixi amicos quia omnia quaecumque audivi a Patre vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de
meo nota feci vobis 16 non vos me elegistis sed meu Pai vos tenho dado a conhecer. 16 Não fostes
ego elegi vos et posui vos ut eatis et fructum vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu
adferatis et fructus vester maneat (Jo 15, 14-16). vos escolhi a vós outros e vos designei para que
vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça (Jo
15, 14-1.6)
Primeiro Prelúdio. Repeti aquela palavra, Senhor: «Vós sois meus amigos», ela deleita o meu
coração.
Segundo Prelúdio. Fazei de mim, Senhor, o amigo do vosso Coração, como S. João.
PRIMEIRO PONTO: «Amai-vos uns aos outros». – Jesus recomenda-nos de novo o seu
mandamento preferido. Quer que a caridade mútua caracterize os seus discípulos. «O meu
mandamento, diz, é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei». Estas palavras dizem
muito, e Nosso Senhor explica-as acrescentando: «Ninguém pode ter maior amor do que dar a
vida pelos seus amigos». É o que ia fazer dentro de algumas horas. Mas já desde a sua
incarnação, não tinha feito outra coisa do que consumir-se por nós. S. Paulo resumiu bem a sua
vida: «Amou-me e entregou-se por mim». Amou-me até assumir a natureza humana para se
fazer meu irmão, minha caução, meu Redentor. Amou-me até se fazer meu preceptor pelos seus
exemplos, pelos seus discursos, pelas suas parábolas. Amou-me até se fazer minha caução e a
vitima da minha salvação na sua paixão e na sua morte.
E eu, devo por minha vez amar o meu próximo e dedicar-me aos seus interesses
espirituais e temporais. Devo manifestar esta caridade pelas suas virtudes de doçura e de
paciência e pela prática de todas as obras de misericórdia.
Que hei-de fazer hoje para isso?
SEGUNDO PONTO: «Vós sois meus amigos, se fizerdes o que vos mando». - «Vós me
chamais vosso Mestre, não quero mais este título; o amor eleva-vos de algum modo até mim: Já
não vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor, não é / 461chamado aos
conselhos do seu senhor, obedece sem ter nenhuma intimidade com o seu mestre. Não deve ser
assim entre vós, acrescenta Nosso Senhor: chamo-vos meus amigos e trato-vos como tais. Tudo
o que ouvi de meu Pai, vo-lo dei a conhecer; revelei-vos os mistérios do reino de Deus, dei-vos
a conhecer os desígnios de meu Pai para a redenção do mundo, na qual deveis cooperar».
Entre nós e Nosso Senhor, há, portanto, um regime de amizade, de cooperação e de
comunhão de bens, análoga à união de Nosso Senhor com o seu Pai. Tudo é comum entre nós e
ele: «Mea omnia tua sunt, et tua mea sunt» (Jo 17,10). – Regime de amor, de santa liberdade e
de familiaridade: «Pedireis tudo o que quiserdes, e ser-vos-á concedido» (Jo 15, 16).
Amou-me até se dar, se entregar, se trair. É tudo por mim nas suas condutas
providenciais: «É tudo para os eleitos, tudo concorre para o bem daqueles que amam Deus». É
bom mesmo quando me pune, é para o meu bem.
Jesus revela-me esta amizade para me cumular de alegria: «Disse-vos estas coisas para
que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa».
Que é que fiz até agora para responder a uma tão admirável amizade? Tive para com o
Salvador a confiança e a dedicação de um amigo? Que hei-de fazer para responder à sua
amizade?
TERCEIRO PONTO: «Escolhi-vos e enviei-vos como os discípulos e os apóstolos do
meu Coração». - «Não fostes vós que me escolhestes, diz Nosso Senhor, fui eu que vos escolhi
e estabelecei, para irdes e produzirdes fruto e que o vosso fruto permaneça».
Sim, é Nosso Senhor que nos chama à vida e a salvação. Fez-me nascer na minha hora
com condições favoráveis para a minha santificação. Quantas graças recebi! Quantas ajudas
encontrei! Passá-las-ei em revista, para excitar o meu reconhecimento.
Só vós, Senhor, fizestes tudo. Tudo dispusestes para que me eleve degrau a degrau até à
vida de união e de amor convosco.
Conduzistes-me ao vosso Coração. Quereis que eu nele penetre e nele faça a minha
morada. Quereis que me inspire nos seus sentimentos, que viva da sua vida, que me inflame do
seu zelo, para levar por toda a parte o seu conhecimento e o seu amor. Como estabelecestes os
vossos apóstolos para espalharem a fé, confiastes-me uma parte da missão /462 de propagar o
amor do Sagrado Coração. Eis-me aqui. Senhor, não permitais que eu me subtraia a esta
admirável missão. Indicai-me pelas vossas inspirações o que devo fazer desde hoje para amar
cada vez mais e fazer amar o vosso divino Coração.
Resoluções. – Senhor, vós quereis ser meu amigo, mas a amizade é uma troca de ternura
e de benevolência. Gostaria de rivalizar convosco nesta amizade, embora seja incapaz de fazer
por vós outro tanto que fazeis por mim. Serei assíduo junto de vós. Manter-me-ei unido a vós
pelas minhas práticas quotidianas. Consumir-me-ei por vós no trabalho e no zelo.
Colóquio com o Sagrado Coração.

21 de Abril
O TESTAMENTO DO SAGRADO CORAÇÃO
O MUNDO ODEIA-VOS E HÁ-DE PERSEGUIR-VOS
Si mundus vos odit scitote quia me Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro
priorem vobis odio habuit 19 si de mundo fuissetis do que a vós outros, me odiou a mim. 19 Se vós
mundus quod suum erat diligeret quia vero de fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu;
mundo non estis sed ego elegi vos de mundo como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário,
propterea odit vos mundus 20 mementote sermonis dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. 20
mei quem ego dixi vobis non est servus maior Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o
domino suo si me persecuti sunt et vos servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram
persequentur si sermonem meum servaverunt et a mim, também perseguirão a vós outros; se
vestrum servabunt 21 sed haec omnia facient vobis guardaram a minha palavra, também guardarão a
propter nomen meum quia nesciunt eum qui misit vossa. 21 Tudo isto, porém, vos farão por causa do
me (Jo 15, 18-21). meu nome, porquanto não conhecem aquele que
me enviou (Jo 15, 18-21).
Primeiro Prelúdio. O bom Mestre tem em vista Jerusalém. O mundo romano reina lá com a
moleza dos herodianos e a fraqueza de Pilatos. O mundo judaico intriga lá com a astúcia dos fariseus e
dos escribas.
Segundo Prelúdio. Minha alma, sai de Babilónia, com medo que não vás tomar parte com os
pecadores e que não sejas envolvida nos seus castigos. (Ap 18, 2).
PRIMEIRO PONTO: «O mundo odiar-vos-á». – Nosso Senhor previne-nos do ódio que
nos espera. «Ides, diz-lhes, pregar a santidade, atacando um mundo corrupto, é preciso esperar
ver esta corrupção levantar-se contra vós. E este ódio não deve surpreender-vos. Como é que o
mundo não vos há-de odiar, se primeiro me odiou a mim? É natural, é justo que o discípulo seja
tratado como o mestre. – Se fôsseis do mundo, teríeis os sentimentos, as paixões do mundo, que
é escravo da tríplice concupiscência, o mundo amaria o que lhe pertence, o que participa no seu
espírito e nos seus costumes. Mas porque vós não sois do mundo e porque odiais o que ele ama,
o mundo odeia-vos. Como é que não odiaria o que lhe é oposto, o que o vota ao desprezo e
trabalha para o suplantar? Mas este ódio honra-vos, e será a vossa consolação pensar que o
partilhais comigo».
SEGUNDO PONTO: «O mundo zombará de vós e vos perseguirá». - «Se me
perseguiram, diz o Senhor, hão-de perseguir-vos também». O mundo tem no coração o ódio do
bem. Tem a necessidade e como a raiva de perseguir. Persegue o bem pela zombaria, pelo
sorriso, pelo desdém. A má imprensa move uma incessante campanha contra Deus e os seus
servos.
Há associações secretas ou aprovadas que conspiram contra a religião. A imprensa, a
opinião pública, as sociedades hostis arrastam /464os poderes, os parlamentos e as
administrações civis na mesma corrente.
Aos amigos do bom Mestre falta-lhes muitas vezes a coragem. Muitos fraquejam.
Calam-se e escondem-se ou dão mesmo aos perseguidores um sorriso de aprovação.
O mundo não tem desculpa, diz Nosso Senhor, a sua ignorância é voluntária. «Se eu não
tivesse vindo, diz, trazer a luz da revelação e apoiá-la com milagres, o mundo ao ignorar-me não
teria pecado; mas agora não tem desculpa, porque fechou voluntariamente os olhos à luz.
Odiando-me, odeia o meu Pai, cuja palavra preguei e cujas obras fiz».
A ignorância do mundo tem como causas a sua ligeireza, a sua frivolidade, a sua
sensualidade; é inexcusável.
A minha tibiez tem as mesmas causas, não odeio Nosso Senhor, mas demasiadas vezes
o ignoro, esqueço-o ou trato-o sem respeito, sem fervor. Pactuo então com o espírito do mundo
e ofendo o Coração de Jesus.
Nosso Senhor não rezou pelo mundo; se quero que ele reze eficazmente por mim, é
preciso que rejeite tudo o que é do mundo, do seu espírito e dos seus hábitos.
TERCEIRO PONTO: Imitemos o Sagrado Coração na sua paciência e no seu desprezo
do mundo. Os sofrimentos, as perseguições pela fé tornam-nos semelhantes ao bom Mestre, são
para nós a ocasião de lhe provarmos o nosso amor e de lhe mostrarmos que somos seus
discípulos.
Suportemos os desprezos e as provações com paciência e humildade, a exemplo de
Nosso Senhor. Recordemo-nos de que o servo não está acima do Mestre.
Estas provas servirão para a nossa santificação e para o aumento dos nossos méritos.
Unir-nos-ão sempre mais intimamente ao Coração ferido de Jesus.
Mantenhamos sempre a confiança nas provações. Nosso Senhor não está longe, tem
compaixão de nós. Sustém-nos, marca as vitórias da nossa paciência. Delas retira a sua glória e
ama-nos mais.
O ódio dos maus não há-de impedir que os desígnios de Deus se cumpram em mim, nas
minhas obras, na Igreja.
Mas para que eu seja forte no combate, é preciso que permaneça intimamente unido a
Nosso Senhor. Sozinho, serei vencido antecipadamente. A lembrança constante dos mistérios de
Nosso Senhor e do amor do Sagrado Coração tornar-me-ão invencível. /465
O desapego do mundo com todas as suas condições de modéstia, de recolhimento, de
vida interior, é-me necessário para que a oração de Nosso Senhor me seja aplicada. Ele não reza
pelo mundo nem pelos mundanos.
Resoluções. – É necessária uma verdadeira separação entre mim e o que se chama o
mundo. É preciso que eu me guarde do espírito do mundo, da dissipação, da ligeireza, da
vaidade e da sensualidade. A minha força está na união constante com o Sagrado Coração. É
preciso que esta união seja a minha vida.
Colóquio com o Sagrado Coração.
22 de Abril
O TESTAMENTO DO CORAÇÃO DE JESUS
A VOSSA TRISTEZA MUDAR-SE-Á EM ALEGRIA

Modicum et iam non videbitis me et Um pouco, e não mais me vereis; outra


iterum modicum et videbitis me quia vado ad vez um pouco, e ver-me-eis. 17 Então, alguns dos
Patrem seus discípulos disseram uns aos outros: Que vem a
ser isto que nos diz: Um pouco, e não mais me
17 dixerunt ergo ex discipulis eius ad
vereis, e outra vez um pouco, e ver-me-eis; e: Vou
invicem quid est hoc quod dicit nobis modicum et
para o Pai? 18 Diziam, pois: Que vem a ser esse
non videbitis me et iterum modicum et videbitis me
um pouco? Não compreendemos o que quer dizer.
et quia vado ad Patrem 18 dicebant ergo quid est
19 Percebendo Jesus que desejavam interrogá-lo,
hoc quod dicit modicum nescimus quid loquitur 19
perguntou-lhes: Indagais entre vós a respeito disto
cognovit autem Iesus quia volebant eum
que vos disse: Um pouco, e não me vereis, e outra
interrogare et dixit eis de hoc quaeritis inter vos
vez um pouco, e ver-me-eis? 20 Em verdade, em
quia dixi modicum et non videbitis me et iterum
verdade eu vos digo que chorareis e vos
modicum et videbitis me
lamentareis, e o mundo se alegrará; vós ficareis
20 amen amen dico vobis quia plorabitis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em
et flebitis vos mundus autem gaudebit vos autem alegria (Jo 16, 16-20).
contristabimini sed tristitia vestra vertetur in
gaudium (Jo 16,16-20).

Primeiro Prelúdio. Nosso Senhor quer deixar os apóstolos sob uma impressão de confiança, é
também a sua última palavra para nós: confiança e coragem.
Segundo Prelúdio. Senhor, mudai a tristeza e os desencorajamentos do meu coração em alegria e
confiança.
PRIMEIRO PONTO: «Chorareis e gemereis». - «O vosso coração encheu-se de
tristeza», diz Nosso Senhor aos seus apóstolos. Anunciou-lhes, de facto, acontecimentos bem
tristes: a sua partida para o céu, a sua morte próxima, a traição de Judas, a negação de Pedro.
Estão tristes e acabrunhados. Consola-os e anuncia-lhes que voltará.
Temos também as nossas tristezas: A ausência de Nosso Senhor que por vezes deixa a
nossa alma na obscuridade e na aridez, – os nossos pecados passados, que se representam à
nossa memória. – O perigo contínuo de pecar e a nossa fraqueza, que nos é conhecida, – os
escândalos que reinam no mundo, – as mágoas e provações desta vida.
Suportemos estas provas com coragem. Os filhos de Deus guardam a serenidade nas
suas mágoas. Oferecem-nas a Deus, unem-nas aos sofrimentos do Coração de Jesus, e tornam-
se-lhes leves. Oferecem-nas para a reparação, pela expiação dos seus pecados e dos do mundo.
Se são fervorosos, vão até ao ponto de se alegrarem levando a cruz com Jesus.
SEGUNDO PONTO: «A vossa tristeza mudar-se-á em alegria». – Esta promessa devia
ter o seu cumprimento próximo para os apóstolos. Três dias, e eles veriam Jesus ressuscitado.
Poderiam apalpar as feridas das suas mãos e do seu coração. Vê-lo-iam muitas vezes durante
quarenta dias. Depois um outro consolador viria enchê-los de uma alegria sobrenatural, de uma
alegria que ultrapassa todas as deste mundo, é o Espírito Santo, o grande dom do Coração de
Jesus. E alguns anos mais tarde seria o /467 triunfo do martírio e a entrada triunfal no céu.
Para nós também, a alegria sucederá à tristeza. A tristeza das nossas almas culpadas
apaga-se, quando nós quisermos, pelo arrependimento e pela penitência. A tristeza da aridez e
da provação passa bastante rapidamente; Jesus não estava longe e volta.
Há uma santa tristeza, a que vem de um coração penitente; esta é acompanhada por uma
real doçura que nos faz conhecer que Deus é o seu autor.
O mesmo se passa com aquela que tem por causa os pecados do mundo. Esta tristeza é
agradável a Deus o qual no-la inspira.
A tristeza que vem do sofrimento, da doença ou dos acidentes da vida é de ordem
natural, mas pode ser santificada pela virtude da paciência e do sacrifício.
A tristeza do mundo, pelo contrário, não tem remédio, e a sua alegria não é sã. O mundo
alegra-se com os prazeres maus e a sua alegria termina na amargura.
Senhor, mudai a minha tristeza em alegria pelo dom do arrependimento, do sacrifício,
do espírito de imolação e de reparação.
TERCEIRO PONTO: Confiança: Nosso Senhor atender-nos-á e o seu Pai ama-me. -
«Até aqui, diz-nos Nosso Senhor, não pedistes nada ao meu Pai em meu nome com uma fé viva;
pedi e recebereis, e a vossa alegria será plena».
«Pedi em meu nome, e não tenho necessidade de vos dizer que rezarei a meu Pai por
vós e que serei o vosso poderoso intercessor, podeis pensá-lo. Aliás, o meu Pai ama-vos
ternamente e está todo pronto para vos atender, porque me amastes, a mim seu Filho, porque me
seguistes. Prendestes-vos a mim, acreditastes na minha divindade, pedi a meu Pai e recebereis».
Nosso Senhor teve de acrescentar, todavia, que estas promessas consoladoras não se
realizariam senão depois da grande prova da sua morte. «Antes destes belos dias, acrescentou,
em que a vossa oração será todo-poderosa, sereis desencorajados e dispersos, mas preveni-vos a
fim de que a vossa fé seja fortalecida para a perseguição».
Para nós, a ressurreição do Salvador e as maravilhas da acção do Espírito Santo são
factos adquiridos, tenhamos, portanto, uma confiança invencível na bondade de Deus e no valor
dos méritos de Nosso Senhor, /468 tenhamos confiança no Coração de Jesus o qual nos foi aberto
simbolicamente pela lança do centurião.
Resoluções. – Confiança! Confiança! Mas sobretudo humildade, oração e união ao
Coração de Jesus. Nessa união tudo é doçura, paz e alegria. Não há lugar senão para a tristeza
salutar do arrependimento e da reparação.
Colóquio com o Sagrado Coração.

22 de Abril
O BOM PASTOR
(Para os Padres)
11 Ego sum pastor bonus bonus pastor 11 Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá
animam suam dat pro ovibus 12 mercennarius et a vida pelas ovelhas. 12 O mercenário, que não é
qui non est pastor cuius non sunt oves propriae pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o
videt lupum venientem et dimittit oves et fugit et lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as
lupus rapit et dispergit oves (Jo 10, 11-12). arrebata e dispersa (Jo 10, 11-12).
Primeiro Prelúdio. Os bons pastores só pensam no bem do seu rebanho. Os mercenários só
pensam nos seus interesses.
Segundo Prelúdio. Os bons pastores devem estar unidos ao Coração de Jesus e amar as almas
nele.
PRIMEIRO PONTO: Os pastores que não agem pelo amor de Nosso Senhor não
produzem nenhum bem. – Nosso Senhor é a entrada do redil: Ego sum ostium ovium. Ninguém
pode ser pastor senão está com ele. Para estar com ele, é preciso amá-lo, aqueles que não o
amam podem usar as vestes do pastor, mas não fazem obra de pastor. Fazem obra de
mercenário, quando não são, o que é pior, ladrões ou lobos.
São mercenários os que não vêem nas funções do ministério sagrado senão um meio de
alcançarem uma posição. São mercenários os infelizes que, em vez de se preocuparem em
produzirem frutos de salvação nas almas, não pensam senão em recolher os frutos temporais do
seu lugar. Mercenários também, aqueles cuja preocupação dominante é a de se elevarem a
lugares lucrativos. Estas almas venais transformam a Igreja numa casa de comércio.
Que amor Nosso Senhor pode encontrar nestas almas que a sede do lucro impele a
fazerem dele um objecto de tráfico? Os mercenários estão expostos a se tornarem ladrões e
lobos, porque Nosso Senhor os renega e não pode sustentá-los com a sua graça. O seu amor é
estranho às suas obras. São egoístas que não pensam senão no que chamam os seus interesses.
SEGUNDO PONTO: O verdadeiro pastor cumpre o seu ministério por Nosso Senhor e
é por ele amado. – O verdadeiro pastor não tem senão uma preocupação, sustentar e / 470
desenvolver a vida do seu rebanho. O seu coração é absorvido por esta preocupação. A sua vida
desenvolve-se na oração, no zelo, nas obras de pregação e de caridade. É um exemplo vivo das
virtudes que ensina. É assim que dá a sua vida pelas suas ovelhas. Não se preocupa com os
lucros em dinheiro, com as comodidades que o seu lugar pode proporcionar. Basta-lhe viver dia
a dia, de receber o pão que sustenta as forças do corpo. Não conhece os cuidados da avareza, do
luxo ou da ambição. Os que vivem assim amam verdadeiramente a Nosso Senhor; e o amor que
lhe dedicaram é o segredo do seu zelo e do seu desinteresse.
Mas entre estes bons pastores, há ainda graus. Um padre é tanto mais padre, quanto
mais está unido a Nosso Senhor, o sacerdote eterno. Um pastor é tanto melhor quanto mais
semelhante é ao modelo dos pastores.
A união com Nosso Senhor é tanto mais íntima quanto mais o amamos. Se todos os
padres, se todos os pastores de almas fossem buscar ao Coração de Jesus o segredo deste amor
profundo, a face da terra seria renovada: seria a efusão do Coração de Jesus nos corações, seria
o céu na terra.
O zelo pelas almas é inseparável do amor de Nosso Senhor, Jesus é devorado pelo zelo
pela glória de seu Pai e pela salvação dos homens seus irmãos. Estes dois zelos não fazem senão
um só. O bom padre deve como ele estar animado desde duplo zelo, e por isso basta-lhe amar
Nosso Senhor e tudo reportar ao seu amor. O amor que testemunhamos a Nosso Senhor toca-o
no coração e inclina-se a comunicar-se àquele que o ama. É assim que os padres que dão como
móbil de todas as suas acções o amor do Sagrado Coração produzem os maiores frutos.
Obrigam-no por uma doce coacção a substituir-se a eles, a viver neles e tornar-se pastor por seu
intermédio.
Mas para que penetre assim numa alma sacerdotal, é preciso que não encontre nela
nenhuma resistência. É preciso que se agrade nela e que nela se encontre em casa: Vivo, jam non
ego, vivit vero in me Christus. Que os seus padres o amem portanto! Pede-lhes o seu coração em
troca do dele. Quando eles estiverem bem na frente do seu coração, fará brilhar à sua volta a sua
divina influência; espalhará por eles ondas de graças. O seu ministério será abençoado.
TERCEIRO PONTO: Nosso Senhor deseja que os bons pastores cuidem das crianças
sobrenaturalmente. – Os que estão encarregados da porção mais delicada do rebanho de Nosso
Senhor, as crianças e os jovens, devem /471 tornar-se canais pelos quais Nosso Senhor infundirá
nas almas delicadas que lhes forem confiadas todas as virtudes da sua infância e da sua
juventude. Terão sobre os seus corações ainda jovens um império cheio de doçura e de força,
que, apegando-os a si mesmos, os levarão docemente ao Coração de Jesus.
Porque Nosso Senhor tem pelas crianças um amor particularmente terno, convém que os
padres consagrados ao seu amor façam da educação da juventude a sua obra de predilecção.
Ensinarão às crianças a arte tão simples de amar. Que tomem cuidado, todavia, de não se
apegarem senão às almas e às suas qualidades sérias: a candura, a inocência, a generosidade.
Nosso Senhor não pode deixar de abençoar as casas onde soubermos fazê-lo amar pelas
crianças, e terá pelos mestres assem dedicados ao seu Coração atenções muito particulares. Não
disse ele que tem por feito a si mesmo o que se fizer por estes pequeninos? Qui susceperit
parvulum talem, me suscipit (Mt 18, 5).
Resoluções. – Senhor Jesus, queremos consagrar-nos ao reino do vosso amor. Queremos
ser bons pastores e por isso queremos viver amando-vos, tudo fazer e tudo sofrer por vosso
amor, a fim de que possais vir habitar no nosso coração e viver em nós.
Daremos um cuidado especial às crianças porque o vosso divino Coração as ama
ternamente. Ensiná-las-emos a amar-vos.
Colóquio com Jesus, bom pastor.

23 de Abril
O BOM PASTOR
14 Ego sum pastor bonus et cognosco 14 Eu sou o bom pastor; conheço as
meas et cognoscunt me meae 15 sicut novit me minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, 15
Pater et ego agnosco Patrem et animam meam pono assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço
pro ovibus 16 et alias oves habeo quae non sunt ex o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. 16 Ainda
hoc ovili et illas oportet me adducere et vocem tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me
meam audient et fiet unum ovile unus pastor 17 convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz;
propterea me Pater diligit quia ego pono animam então, haverá um rebanho e um pastor. 17 Por isso,
meam ut iterum sumam eam (Jo 10, 14-17). o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a
reassumir (Jo 10, 14-17).
Primeiro Prelúdio. No tempo de Páscoa, o Evangelho faz-nos meditar a bela parábola de um
bom pastor.
Segundo Prelúdio. É uma das páginas do Evangelho que melhor nos revela o Sagrado Coração.
PRIMEIRO PONTO: O Coração do bom Pastor. – Como Nosso Senhor é amável sob
este título que resume tão bem todas as bondades do seu Coração para connosco! Foi ele mesmo
que deu a si mesmo este título e que nos recordou todas as solicitudes, todas as ternuras, todas
as dedicações de um bom pastor.
O bom pastor conhece todas as suas ovelhas. Chama-as uma a uma. Caminha diante
delas. Condu-las às melhores pastagens.
Espiritualmente, temos por alimento da nossa alma a palavra viva de Nosso Senhor, e
para o nosso coração o alimento celeste da Eucaristia.
O bom Pastor dá os seus cuidados mais diligentes a todas as suas ovelhas. Se vê
algumas que sofrem, feridas, cansadas, toma-as sobre os seus ombros, leva-as para o redil e
cuida delas amorosamente. Nosso Senhor faz isto por nós pela confissão, pela direcção e pela
sua Providência, tão assídua e tão delicada.
O bom Pastor não perde de vista as suas ovelhas, a sua solicitude é extrema. Vela pela
sua segurança, preserva-as da malícia dos maus e defende-os contra os embustes do demónio.
Para as salvar, dá até à última gota do seu sangue.
Não é verdadeiramente o Salvador com o seu Coração cheio de uma bondade
inesgotável?
SEGUNDO PONTO: O coração da ovelha fiel. – Não se criavam junto de Jerusalém
senão ovelhas e cordeiros de uma brancura perfeita, para os oferecerem em sacrifício no templo.
Eram estas ovelhas escolhidas que Nosso Senhor contemplava e louvava.
Pede às suas ovelhas privilegiadas, a brancura da inocência, / 473 a pureza de coração;
quer que elas sejam sem manchas, todas cândidas, todas boas, todas tementes do mal.
Pede-lhes também a doçura, da qual deu o exemplo. Exclui, portanto, toda a
impaciência do desejo e do carácter. Quer ovelhas bem pacíficas, bem caridosas, incapazes de
causarem algum dano ao próximo.
Pede-lhes sobretudo a docilidade. As ovelhas fiéis e obedientes deixam-se conduzir sem
dificuldade. Conhecem a voz tão doce, tão amável do seu Pastor. Seguem-no, seja qual for o
caminho pelo qual as obrigue a passar. «Nosso Senhor ama com um terno amor, diz S.
Francisco de Sales, as almas que se abandonam totalmente ao seu cuidado paterno, deixando-se
governar pela sua divina Providência como lhe agrada, estando absolutamente seguras que nada
poderia ser enviado por este coração paterno e tão amável de que não possam tirar proveito,
com a condição de que tenham colocado toda a sua confiança nele…».
Nosso Senhor mesmo ensinou esta prática a Sta. Catarina de Sena: «Pensa em mim,
minha filha, e eu pensarei em ti». - «Bem-aventuradas, diz a este propósito S. Francisco de
Sales, as almas que são tão amorosas de Nosso Senhor que seguem bem esta regra de pensarem
nele, mantendo-se fielmente na sua presença, obedecendo aos seus divinos impulsos e aspirando
sem cessar ao desejo de lhe agradarem e de serem submissas à sua vontade».
Tenhamos confiança, Nosso Senhor, sob cuja conduta embarcámos, estará sempre
atento em nos prover de tudo o que for necessário quer espiritual quer temporalmente.
TERCEIRO PONTO: A amizade recíproca. – Nosso Senhor chama as suas queridas
ovelhas, uma de cada vez, acaricia-as e condu-las a boas pastagens: Próprias oves vocat
nominatim et educit eas.
Elas conhecem a sua voz; o seu apelo alegra-as, seguem-no. Aproximam-se dele,
procuram as suas carícias e os testemunhos do seu afecto. Testemunham-lhe o seu amor,
desejam atrair a atenção do divino e bem-amado Pastor.
Não temem mostrar-lhe as suas feridas, expor-lhe as suas necessidades e os seus
piedosos desejos. É uma troca incessante de confiança e de amizade.
Nosso Senhor não veio também mostrar a Margarida Maria e por ela a nós próprios
todas as suas chagas, sobretudo a do seu Coração? Não reclamou as nossas consolações, as
nossas reparações, o nosso amor? /474
«Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me», é a fórmula de
amizade que o bom Pastor quer ter com as suas ovelhas.
Hei-de resistir a semelhantes tentativas? Serei insensível a esta declaração de amizade?
Os piedosos artistas das catacumbas representaram o divino Pastor com o rebanho da
sua Igreja. Há ovelhas que olham para o Pastor com ternura e que o escutam com atenção.
Outras desviam a cabeça mostrando-se insensíveis ou desdenhosas. De que lado vou colocar-
me?
Resoluções. – Sede bendito, Senhor Jesus, por tanta solicitude, bondade e generosidade.
Possa eu sempre ser uma ovelha pura, doce e fiel. Quero seguir-vos, não vos quero deixar mais.
Conservai-me unido a vós, e recebei-me no meu último dia no supremo e eterno redil.
Colóquio com o bom Pastor.
24 de Abril
A ORAÇÃO DO SALVADOR:
MEU PAI, GLORIFICAI-ME, PARA QUE EU GLORIFIQUE DEPOIS
AQUELES QUE ME DESTES
Pater venit hora clarifica Filium tuum ut Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho,
Filius tuus clarificet te 2 sicut dedisti ei potestatem para que o Filho te glorifique a ti, 2 assim como lhe
omnis carnis ut omne quod dedisti ei det eis vitam conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de
aeternam 3 haec est autem vita aeterna ut que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe
cognoscant te solum verum Deum et quem misisti deste. 3 E a vida eterna é esta: que te conheçam a
Iesum Christum (Jo 17, 1-3). ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a
quem enviaste (Jo 17, 1-3).
Primeiro Prelúdio. Jesus passava junto do templo, ergueu os olhos ao céu e rezou por si mesmo
e pelos seus discípulos.
Segundo Prelúdio. Senhor, fazei que eu vos conheça, vós e o vosso Pai e que vos ame
verdadeiramente.
PRIMEIRO PONTO: «A vida eterna é conhecer-vos a vós e ao vosso Filho Jesus». –
Admirável oração do Salvador! Tendo cumprido a sua missão, pede ao seu Pai a vida eterna
para si e para os seus discípulos.
E primeiro descreve e contempla esta vida eterna: «A vida eterna, é que vos conheçam,
vós, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviastes, Jesus Cristo».
Mas esta vida eterna tem o seu princípio aqui em baixo. A vida cristã, a vida da graça
deve ter por seiva o amor divino e este amor é preparado pelo conhecimento de Deus. Quanto
mais conhecer Deus pela meditação das suas perfeições, pela contemplação das suas obras e
pela consideração da sua bondade infinita para com as suas criaturas, mais o amarei.
E Jesus Cristo, que luz para a minha alma, que estimulante para o meu coração, se
contemplo os seus mistérios, se leio no seu Coração sagrado a ternura e a força do seu amor!
Conhecê-lo e amá-lo, isso é viver; é participar nos rios de vida que brotam do seu Coração:
Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris.
É isto que Nosso Senhor nos declara no seu testamento. É isso que pede para nós ao seu
Pai na sua última oração.
SEGUNDO PONTO: «Meu Pai, glorifiquei-vos na terra, consumei a obra que me
haveis dado para fazer». – Nosso Senhor comenta assim antecipadamente o consummatum est
que há-de pronunciar antes de morrer. Consumiu /476 a obra da redenção. Pode dizer ao seu Pai:
«Esclareci, ajudei, santifiquei aqueles que me confiastes. Agora, sabem, crêem, amam…
Santifiquei-me por eles e rezo ainda por eles. Salvai-os do mundo. Onde eu estiver, perto do
vosso coração, quero que estejam comigo; que o amor com que me amais repouse igualmente
sobre eles!»
Que admirável lição de zelo, de caridade, de dedicação!
Esta oração é como a última oração do grande sacrifício que Nosso Senhor ofereceu ao
seu Pai durante trinta anos e particularmente durante os três anos da sua vida pública.
Era como uma missa, toda composta de instruções e de orações. Formou os seus
discípulos pelos seus exemplos, pelas suas instruções, pelas suas orações, pelos seus sacrifícios,
vai realizar a sua Redenção, a sua passagem do antigo ao novo testamento, da sinagoga à Igreja,
pelo sacrifício da sua morte. Reza ainda para que a transformação se realize – «Eram vossos, diz
ao seu Pai, acreditavam em vós como os fiéis israelitas, vós mos destes. Instruí-os com cuidado
e agora eles sabem que tudo o que tenho é vosso e que a minha missão é divina. Acreditaram em
mim, porque cumpri as profecias e realizei obras divinas. Agora, vou deixá-los no mundo, mas
imploro a vossa protecção para que os conserveis na fé e os preserveis dos embustes do mundo
e do demónio». – Podia Nosso Senhor mostrar mais bondade pelos seus discípulos, mais zelo
pela sua santificação?
TERCEIRO PONTO: «Aqueles que me destes, também os envio para converterem o
mundo» – Nosso Senhor envia-nos também ao mundo, para o edificarmos e para o
convertermos por um apostolado proporcionado à nossa vocação. É preciso ganhar para o
Coração de Jesus os nossos próximos, os nossos amigos, todos aqueles sobre os quais temos
influência. Se somos padres, o nosso apostolado estende-se mais longe.
A última hora virá para mim também e talvez em breve. Poderei dizer como Nosso
Senhor: «Meu Deus, glorifiquei-vos sobre a terra, realizei a obra que me confiastes, santifiquei
aqueles que tínheis posto junto de mim…».
Terei esta felicidade se, como Nosso Senhor, me santificar a mim mesmo para santificar
o mundo, se pela minha santificação der uma eficácia sobrenatural às minhas palavras e aos
meus exemplos; se, como Nosso Senhor, rezar pelos meus com fervor e perseverança, / 477
dizendo a Deus: «Meu Pai, salvai-os do mundo».
A minha missão de apóstolo do Sagrado Coração é bela, mas é preciso nela empregar
muito zelo e amor. Como é que hei-de fazer amar o Sagrado Coração, se eu mesmo o não amar
ardentemente? Como é que hei-de propagar a devoção reparadora, se não for eu próprio um
dedicado reparador?
Resoluções. – A vida eterna, ó meu Deus, é conhecer-vos e amar-vos, a vós e ao vosso
filho Jesus. Renovo, portanto, todas as minhas resoluções de vida interior, de união com o
Sagrado Coração, de assiduidade junto dele.
Colóquio com o Sagrado Coração.

25 de Abril
S. MARCOS
15 Et dixit eis euntes in mundum 15 E disse-lhes: Ide por todo o mundo e
universum praedicate evangelium omni creaturae pregai o evangelho a toda criatura. 16 Quem crer e
16 qui crediderit et baptizatus fuerit salvus erit qui for baptizado será salvo; quem, porém, não crer
vero non crediderit condemnabitur 17 signa autem será condenado. 17 Estes sinais hão de acompanhar
eos qui crediderint haec sequentur in nomine meo aqueles que crêem: em meu nome, expelirão
daemonia eicient linguis loquentur Novis (Mc 16, demónios; falarão novas línguas (Mc 16, 15).
15).
Primeiro Prelúdio. S. Marcos uniu-se aos apóstolos para pregar o evangelho e produziu frutos
imensos de salvação.
Segundo Prelúdio. Grande santo, fazei com que eu participe um pouco da vossa fé, das vossas
virtudes, do vosso amor por Nosso Senhor.
PRIMEIRO PONTO: Preparação. – S. Marcos era hebreu de origem e da raça
sacerdotal de Aarão. Era da Galileia, pátria de S. Pedro, do qual foi o intérprete e o
companheiro.
Fazia parte dos setenta e dois discípulos; mas, no dizer de Sto. Epifânio, retirou-se com
muitos outros, quando Nosso Senhor disse: «Se não comerdes a minha carne, não tereis a vida
em vós». Mas S. Pedro converteu-o e reconduziu-o a Jesus depois da ressurreição. Ligou-se a S.
Pedro e permaneceu sempre penitente como ele. S. Pedro chama-o seu filho na sua primeira
epístola (5, 13).
Seguindo o chefe dos apóstolos nas suas viagens apostólicas, serviu-lhe de intérprete, de
secretário e de catequista. Acompanhou-o a Roma, e, depois das pregações do Apóstolo, a
multidão perguntava a S. Marcos explicações e notas. Esta foi a origem do seu Evangelho.
Serviu-se aliás do de S. Mateus ou de uma recolha primitiva de discursos do Salvador, do qual
S. Mateus se teria também inspirado.
Escrevendo S. Marcos sob a direcção de S. Pedro, tem conta da humildade do seu
mestre, relata longamente a tríplice negação do apóstolo e não cita o que Nosso Senhor diz em
louvor do Príncipe dos apóstolos, quando este o reconheceu como Filho de Deus.
SEGUNDO PONTO: Zelo e apostolado. – S. Pedro enviou-o a pregar em Aquileia, que
era então uma cidade considerável e aí fundou uma igreja importante. É a origem do culto tão
ardente que os Venezianos têm por ele.
Mas o campo principal do seu apostolado foi a África. Pregou na Cirenaica, na
Abissínia, no Egipto e em toda a parte com um sucesso /479 prodigioso. A sua grande fé
multiplicava os milagres. Dava a vista aos cegos, o ouvido aos surdos, a saúde aos doentes.
Uma bela cristandade formou-se em Alexandria do Egipto. Os templos eram abandonados. Os
fiéis reuniam-se para louvarem a Deus e partilhavam o fervor e o zelo do Sto. Evangelista. Daí
vem a importância que assumiu esta igreja desde o primeiro século e o lugar que ela tinha entre
as cristandades como fundada por S. Pedro e pelo seu companheiro de apostolado.
S. Marcos não deixou somente em Alexandria cristãos mas ascetas. Os seus discípulos
imitam o desapego dos primeiros cristãos de Jerusalém entregam-se à penitência e ao espírito de
sacrifício. Daí virá a coragem heróica de numerosos mártires de Alexandria e a generosidade
maravilhosa da ilustre legião da Tebaida, sob a condução dos Antónios, dos Paulos, dos
Pacómios, dos Hilariões.
Pelos frutos pode julgar-se a árvore. S. Marcos tinha semeado no Egipto o amor da
virtude, do sacrifício, da reparação.
TERCEIRO PONTO: O seu amor por Nosso Senhor. – S. Marcos amava Nosso Senhor
sem reserva, estava maduro para o martírio. Os seus sucessos e os progressos da fé exasperavam
os pagãos e em particular os sacerdotes de Serapis. Apoderaram-se de S. Marcos durante a
solenidade da Páscoa do ano 68. Fizeram-lhe sofrer durante dois dias um horrível suplício,
fazendo-o puxar por cordas por terrenos pedregosos dos subúrbios de Buroles; mas o amor é
mais forte do que a morte, e o santo bendizia Nosso Senhor e dava-lhe graças por ter sido
julgado digno de sofrer por seu amor.
Durante a noite que separou os dois dias de torturas, o santo foi reconfortado por visitas
celestes. Foi primeiro um anjo que lhe disse: «Marcos, servo de Deus e chefe dos ministros de
Cristo no Egipto, o vosso nome está escrito no livro da vida e as potências celestes virão em
breve procurar-vos para vos conduzirem ao céu». Depois Nosso Senhor mesmo apareceu-lhe,
como o tinha conhecido na Galileia: «A paz esteja convosco, Marcos nosso evangelista», diz-
lhe; depois desapareceu.
Esta palavra de encorajamento bastava. S. Marcos foi de novo arrastado e dilacerado
pelas pedras, enquanto bendizia a Deus: «Meu Deus, coloco a minha alma nas vossas mãos».
Resoluções. – Que belos exemplos de zelo, de penitência, de reparação e de amor do
bom Mestre! /480
E eu, como me encontro? A minha força deve estar na união com Nosso Senhor, com o
seu divino Coração. Quero crescer nesta união e procurá-la sem cessar.
Colóquio com S. Marcos.
26 de Abril
NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO
12 Ego sapientia habito in consilio et 12 Eu, a Sabedoria, habito com a prudência
eruditis intersum cogitationibus 13 timor Domini e disponho de conhecimentos e de conselhos. 13 O
odit malum arrogantiam et superbiam et viam temor do SENHOR consiste em aborrecer o mal; a
pravam et os bilingue detestor 14 meum est soberba, a arrogância, o mau caminho e a boca
consilium et aequitas mea prudentia mea est perversa, eu os aborreço. 14 Meu é o conselho e a
fortitudo (Prov 8, 12). verdadeira sabedoria, eu sou o Entendimento, minha
é a fortaleza (Prov 8,12-14).
Primeiro Prelúdio. O livro dos Provérbios exalta a sabedoria divina, mas a liturgia aplica esta
passagem à santa Virgem, porque ela possui os dons da sabedoria mais do que qualquer outra criatura e
dos quais é a celeste distribuidora.
Segundo Prelúdio. Ó Maria, sede a minha conselheira e a minha directora.
PRIMEIRO PONTO: Maria é a Mãe do bom Conselho. – Quem melhor do que Maria
nos poderia aconselhar, ela que é a Virgem prudentíssima e a Sede da sabedoria?
Ela é mediadora de luz e de graça. Tudo nos vem por ela, o conselho, como o perdão e a
força. Ela é a Mãe do Verbo, que é a luz do mundo e o Conselheiro divino: vocabitur
consiliarius (Is 9).
Ela é a esposa do Espírito Santo, que distribui o dom de conselho como lhe apraz.
Ela é o Vaso espiritual, isto é, o vaso cheio dos dons do Espírito Santo, que transbordam
do seu coração para os nossos.
A quem irei, se tiver necessidade de conselhos? Sem dúvida tenho o Coração de Jesus
no qual estão todos os tesouros da sabedoria; tenho o Espírito Santo, que dispõe de todos os
dons espirituais; mas o intermediário ordinário e providencial destes dons divinos é Maria.
Deus, que nos deu por ela a Redenção, quer também dar-nos por ela todos os frutos da
Redenção: Omnia per Mariam, diz S. Bernardo.
Ó Maria, tenho sede do dom de conselho, não mo recuseis.
SEGUNDO PONTO: Um primeiro título aos conselhos de Maria é a sua amizade por
nós. – Maria é uma amiga para todos aqueles que o seu Filho visita, para todos aqueles pelos
quais o seu Filho se interessa.
Jesus vai a Caná, Maria interessa-se por tudo, vê o que falta, aconselha o que é preciso
fazer. Diz a Jesus: «Falta o vinho», e aos criados: «Fazei tudo o que ele vos disser». É a amiga
benevolente, a amiga que dá um bom conselho, a amiga segura e fiel. «Estai em boa relação /482
com muita gente, diz o Sábio, mas escolhei o vosso conselheiro entre mil» (Eccl. 6, 6). Maria é
para nós este conselheiro único.
«Frequenta um amigo justo, um santo, diz ainda o Eclesiástico, um amigo que tema a
Deus e que tenha interesse por ti. Quando vacilares nas trevas, terá compaixão de ti».
Apliquemos isto à Santíssima Virgem. Ela é para nós a amiga santa e dedicada. Quem se
interessa mais do que ela pela nossa alma, que lhe custou tantas dores e que representa para ela
o preço do sangue do seu Filho.
Em todas as nossas dúvidas, em todas as nossas mágoas, vamos ter com Maria. Ela é a
conselheira escolhida entre mil.
O santo papa Leão XIII tinha a uma confiança inabalável em Nossa Senhora do bom
Conselho. Era uma devoção da sua infância. Colocou o seu nome nas ladainhas e autorizou o
seu ofício. Nas dificuldades do seu cargo rezava, oferecia e mandava oferecer a missa em sua
honra.
Ó Maria, sede a minha celeste conselheira. Hei-de invocar-vos em todas as minhas
dificuldades, haveis de esclarecer o meu espírito e haveis de inclinar a minha vontade no sentido
para onde quiserdes.
TERCEIRO PONTO. Ecce mater tua. – Não é somente como uma amiga cheia de
sabedoria que vos hei-de consultar, ó Maria, é como minha Mãe, porque o sois verdadeiramente.
Sois a Mãe espiritual de todos os cristãos e tendes uma ternura particular por aqueles que são os
amigos do Sagrado Coração, como S. João: Ecce filius tuus. Tanto quanto isso dependa de mim,
quero ser o discípulo, o amigo, o apóstolo do Sagrado Coração, e assim serei o vosso
Benjamim.
Uma mãe é a conselheira natural dos seus filhos. Quantas vezes os livros santos nos
recomendam de escutarmos e de seguirmos os conselhos da nossa mãe! É mesmo um preceito
do decálogo.
Tobias recomendava ao seu filho que honrasse a sua mãe todos os dias da sua vida.
«Escutai as instruções e os conselhos do vosso pai e da vossa mãe», diz o livro dos
Provérbios (1, 8).
Eis-me aqui aos vossos pés, ó Maria, para vos escutar hoje e sempre. Um filho bem-
educado corre para a sua mãe logo que tenha alguma dúvida ou alguma dificuldade. A sua mãe
é tudo para ele. Escuta-a, acredita nela, tem confiança. Ninguém o fará acreditar que a sua mãe
se engana. Ela é para ele o órgão da sabedoria divina.
Sede tudo isso para mim, ó Maria. Tenho confiança em vós. Não me / 483 deixareis nas
trevas nem na dúvida. Haveis de aconselhar-me, haveis de me esclarecer.
Resoluções. – É preciso que isto se torne a prática quotidiana da minha vida. Em toda a
dificuldade, em todo o embaraço, hei-de recorrer a Maria, à minha celeste conselheira, à minha
Mãe bem-amada. Nunca haveis de me recusar o vosso conselho, ó Maria.
Colóquio com Nossa Senhora do bom Conselho.

27 de Abril
A ORAÇÃO DE NOSSO SENHOR:
MEU PAI, FAZEI QUE ELESSEJAM UM CONNOSCO
21 ut omnes unum sint sicut tu Pater in me 21 A fim de que todos sejam um; e como
et ego in te ut et ipsi in nobis unum sint ut mundus és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles
credat quia tu me misisti 22 et ego claritatem quam em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste.
dedisti mihi dedi eis ut sint unum sicut nos unum 22 Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens
sumus 23 ego in eis et tu in me ut sint consummati dado, para que sejam um, como nós o somos; 23 eu
in unum (Jo 17, 21-23). neles, e tu em mim, a fim de que sejam
aperfeiçoados na unidade (Jo 17, 21-23).
Primeiro Prelúdio. Um dos frutos mais preciosos da vinda do Espírito Santo é a nossa união com
Deus, união que será consumada na glória.
Segundo Prelúdio. Vinde, Espírito Santo, uni-nos com Deus e entre nós.

PRMEIRO PONTO: O Espírito Santo é o laço pelo qual Nosso Senhor nos une ao seu
Pai e a si mesmo. – Foi a graça que Nosso Senhor pediu para nós na sua oração depois da ceia.
«Pedi por vós, diz aos seus apóstolos, e por todos aqueles que, esclarecidos e convertidos pela
pregação evangélica, hão-de acreditar em mim, a fim de que todos formem um mesmo corpo, do
qual eu sou o chefe, que eles sejam um, na unidade de uma mesma fé, de uma mesma esperança,
de um mesmo amor, como o meu Pai está em mim e eu nele, para que vós também sejais um em
nós e assim o mundo, tocado pelo divino espectáculo da vossa caridade fraterna e da vossa vida
celeste, seja forçado a reconhecer no estabelecimento da Igreja uma obra divina e sobre-humana
e acredite que meu Pai me enviou para salvar o mundo».
E a glória que o seu Pai lhe deu de ser, em virtude da união hipostática, o seu Filho
único e consubstancial, Nosso Senhor de algum modo no-la comunicou, dela nos tornou
participantes, elevando-nos à sublime dignidade de filhos e de herdeiros de Deus, divinae
consortes naturae, confirmando assim a nossa união com ele.
SEGUNDO PONTO: Esta união íntima, começada aqui em baixo pela fé e pelo amor,
deve ter a sua perfeição, a sua consumação no céu. - «Meu Pai, dizia Nosso Senhor na sua
oração, aqueles que me destes, quero que onde eu estiver eles também estejam comigo, para que
vejam a glória que me destes. Reconheceram que me enviastes. Dei-lhes a conhecer o vosso
nome, as vossas divinas perfeições, a vossa santidade, a vossa misericórdia/485, o vosso amor
inefável, e pelo dom do Espírito Santo dá-los-ei a conhecer ainda mais, para que vos conheçam
melhor, vos amem mais e se tornem sempre mais dignos do vosso amor e assim o amor com o
qual me amastes esteja neles e ameis neles as imagens do vosso Filho bem-amado, os membros
do corpo místico do qual sou o chefe…»
Nesta oração ao seu Pai, Nosso Senhor indicava toda a união que devemos ter com a
santa Trindade e particularmente com ele.
Do seu lado, ele está unido a nós: deu-nos a conhecer o seu Pai, o Deus do amor,
manifestavi nomem tuum hominibus, quos dedisti mihi de mundo. Comunicou-nos a palavra de
seu Pai, a revelação divina, os segredos do seu conselho divino, Verba quae dedisti mihi, dedi
eis.
Nós também estamos unidos a ele. Como seus discípulos, recebemos a sua palavra e
conservámo-la nos nossos corações com fidelidade, sermonem tuum acceperunt et servaverunt.
Reconhecemos que a sua palavra era a palavra de Deus mesmo. Acreditámos na sua
natureza divina e na sua missão, cognoverunt quia a te exivi et crediderunt quia tu me misisti
(Jo 17). Esta união consumar-se-á no céu.
TERCEIRO PONTO: Para confirmar esta união, Nosso Senhor comunicou-nos a sua
vida sobrenatural. – A sua vida manifesta-se em nós, nunc clarificatus sum in eis. E como tudo
é comum entre o seu Pai, o Espírito Santo e ele, como membros do corpo místico do qual é o
chefe, nós somos participantes da vida divina e, de algum modo, da natureza divina, divinae
consortes naturae.
Mas não esqueçamos as condições desta união: ela é um dom gratuito, é a obra da graça.
É preciso, portanto, que sempre a ela nos disponhamos e lhe correspondamos. É por Nosso
Senhor, pelo seu amor e pela sua imitação que lá havemos de chegar: Ego sum via, veritas et
vita. É por ele que vamos ao Pai.
Procuremos sempre esta união que é a condição de toda a vida sobrenatural. É nesta
união que havemos de encontrar a luz nas nossas dúvidas, a consolação nas provações e a força
nas dificuldades; evitemos tudo o que se opõe a esta união, o pecado, a tibiez, a negligência, a
dissipação, a sensualidade.
Esta união receberá a sua consumação na vida futura. Nosso Senhor no-la prometeu.
Não se afastou de nós senão por um tempo. Voltará para nos levar e nos reunir a ele e nos fazer
participar/486 a sua glória na ressurreição, na união eterna com ele. Iterum veniam et accipiam
vos ad meipsum ut ubi ego sum et vos sitis.
Resoluções. – Dai-me, ó meu Salvador, esta graça de união, este espírito de união. O
lugar propício para esta união é o vosso divino Coração. Compreendi que esta união é a fonte de
toda a vida espiritual. Daqui em diante, aplicar-me-ei para que não lhe seja mais obstáculo.
Fugirei da dissipação, da tibiez, da negligência. Ajudai-me, meu Deus, e perdoai-me todas as
minhas negligências passadas.
Colóquio com o Salvador.

28 de Abril
S. PAULO DA CRUZ
1 Et ego cum venissem ad vos fratres veni 1 Eu, irmãos, quando fui ter convosco,
non per sublimitatem sermonis aut sapientiae anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz
adnuntians vobis testimonium Christi 2 non enim com ostentação de linguagem ou de sabedoria. 2
iudicavi scire me aliquid inter vos nisi Iesum Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus
Christum et hunc crucifixum 3 et ego in infirmitate Cristo e este crucificado. 3 E foi em fraqueza,
et timore et tremore multo fui apud vos (1Cor 2, 1- temor e grande tremor que eu estive entre vós
3). (1Cor 2, 1-3).
Primeiro Prelúdio. Pregar a paixão e imitar a vida reparadora do Salvador, tal foi a carreira de S.
Paulo da Cruz, como do apóstolo S. Paulo.
Segundo Prelúdio. Senhor, fazei-me saborear a vossa cruz e compadecer nas dores do vosso
Coração.
PRIMEIRO PONTO: O seu amor por Nosso Senhor. – O amor de S. Paulo da Cruz por
Nosso Senhor foi o móbil de toda a sua vida. O apóstolo S. Paulo disse de Nosso Senhor:
«Amou-me e entregou-se por mim» (Gal 2, 20). Pode dizer-se de S. Paulo da Cruz: Amou
Nosso Senhor e entregou-se por ele na vida de amor, de reparação e de apostolado.
Desde que atingiu a idade de razão, deixou-se tomar de um grande amor por Jesus
crucificado. Comprazia-se a meditar longamente a paixão do Salvador. Teria querido dar a
Nosso Senhor vida por vida. No seu ardor pelo martírio, tinha-se juntado à cruzada que se
preparava em Veneza. Foi necessária uma visão de Nosso Senhor para o reconduzir à Toscana
onde uma outra vocação o esperava. Progredia sem cessar no amor de Nosso Senhor. O seu
coração estava tão ardente, tão abrasado de amor que a parte do seu vestido que tocava no peito
levou sinais de queimadura, e dois dos seus lados foram levantados pela violência dos seus
sentimentos. Derramava lágrimas durante a santa missa e muitas vezes elevava-se em êxtase.
Ah! Se eu meditasse melhor nos mistérios de Nosso Senhor e sobretudo na sua paixão,
como o amaria com ardor!
SEGUNDO PONTO: A sua vida de reparação. – A reparação é o carácter dominante da
vida de S. Paulo da Cruz.
A visão dos pecados do mundo coloca-o fora de si. Quer reparar pelos pecadores e unir-
se à paixão de Nosso Senhor. Desde a sua infância, inflige-se vigílias, jejuns e macerações. À
sexta-feira toma por bebida fel e vinagre. Torna-se um penitente público /488 recebendo do seu
bispo um vestido de burel. Inspirado pela santa Virgem, reúne a si companheiros de reparação.
Funda esta bela congregação dos Passionistas, que leva uma vida austera e penitente e que
acrescenta aos três votos ordinários o de propagar o culto da Paixão. Institui assim uma
comunidade de religiosos no mesmo fim de reparação e de compaixão por Nosso Senhor.
Tomado de amor pela humildade, não se deixava deslumbrar pelos seus sucessos
apostólicos nem pelos seus milagres, considerava-se como um servo inútil e como o maior dos
pecadores, digno de ser pisado aos pés mesmo pelos demónios. Na sua velhice não se relaxava
em nada das suas austeridades. Continuou as suas missões enquanto teve forças, e os seus
últimos conselhos aos seus filhos espirituais foram para lhes recomendar a fidelidade à
meditação da Paixão, ao amor de Jesus crucificado e à união às austeridades e às reparações do
Salvador. O seu zelo levava-o muitas vezes a oferecer as suas reparações pelo regresso da
Inglaterra à fé. Imitemo-lo e demos-lhe o concurso das nossas orações e dos nossos sacrifícios
por este desígnio providencial de Nosso Senhor.
TERCEIRO PONTO: O apóstolo do Sagrado Coração. – S. Paulo da Cruz é bem um
apóstolo do Sagrado Coração. Foi também assim que o caracterizou a própria santa Virgem.
Quando lhe revelou o hábito da sua ordem, marcou sobre o seu peito o Sagrado Coração com os
instrumentos da Paixão. É ao Coração sofredor de Jesus que é consagrada a ordem dos
Passionistas. Pelo sinal distintivo que a santa Virgem lhes deu, são convidados a meditar a
Paixão no Coração de Jesus, a remontar até ao Coração de Jesus para aprenderem dele os
motivos que lhe fizeram amar a cruz.
Com eles, meditemos a Paixão na sua fonte, no Coração de Jesus que se entregou a
todas as angústias e a todos os sofrimentos, por amor pela glória de Deus e pela salvação das
nossas almas.
Nosso Senhor quis mostrar manifestamente que S. Paulo da Cruz era um santo do seu
Coração. Nos êxtases do santo, acontecia-lhe transpor-se para o crucifixo, aplicar os seus lábios
ao lado de Jesus e colocar lá ondas de amor e de compaixão pelo bom Mestre. Isto mostra-nos
que o objecto das suas meditações e dos seus afectos era o Coração de Jesus, sofrendo e ferido
de amor por nós. É um modelo para todos os amigos do Sagrado Coração e da reparação. / 489
Resoluções. – Grande santo, arrastai-me convosco e conduzi-me ao Coração de Jesus,
para que contemple assiduamente os mistérios da sua Paixão. Lá em reportarei fielmente todos
os dias nas horas da tarde, para deles me penetrar de um modo irrevogável.
Colóquio com o Coração ferido de Jesus.

29 de Abril
A ORAÇÃO DO SALVADOR
MEU PAI, QUERO QUE ONDE EU ESTIVER
OS QUE ME DESTES ESTEJAM TAMBÉM COMIGO
24 Pater quos dedisti mihi volo ut ubi ego 24 Pai, a minha vontade é que onde eu
sum et illi sint mecum ut videant claritatem meam estou, estejam também comigo os que me deste,
quam dedisti mihi quia dilexisti me ante para que vejam a minha glória que me conferiste,
constitutionem mundi 25 Pater iuste et mundus te porque me amaste antes da fundação do mundo. 25
non cognovit ego autem te cognovi et hii Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te
cognoverunt quia tu me misisti 26 et notum feci eis conheci, e também estes compreenderam que tu me
nomen tuum et notum faciam ut dilectio qua enviaste. 26 Eu lhes fiz conhecer o teu nome e
dilexisti me in ipsis sit et ego in ipsis (Jo 17, 24- ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com
26). que me amaste esteja neles, e eu neles esteja (Jo 17,
24-26).
Primeiro Prelúdio. Chegamos às últimas palavras de Nosso Senhor, elas são cada vez mais
amorosas: «Meu Pai, diz, tende pelos meus discípulos o amor que tendes por mim.
Segundo Prelúdio. Senhor, vinde verdadeiramente a mim com o vosso amor e com o amor de
vosso Pai.
PRIMEIRO PONTO: Resumo do discurso e da oração de Nosso Senhor. – Acabámos
de meditar no admirável discurso depois da ceia e na oração que o encerra. Nosso Senhor
revelou aos seus apóstolos todos os segredos do futuro: a sua paixão, a sua morte, o curto
triunfo dos seus inimigos, a queda de S. Pedro, a ressurreição, a descida do Espírito Santo, as
perseguições que aguardam os seus discípulos, os milagres que eles operam, o martírio que
coroará as suas vidas, os progressos da Igreja, a destruição do império de Satanás. Pode
verdadeiramente dizer-lhes: «Vós sois meus amigos, porque vos disse tudo e tudo vos revelei.
Não é aos servos que alguém descobre assim toda a sua alma e toda a sua vida».
É manifesto que ao longo destes desabafos, Nosso Senhor resume toda a sua doutrina
sobrenatural: a unidade da natureza divina e a distinção das pessoas, as suas relações com o Pai
e o Espírito Santo, o mistério da redenção, o mistério da graça e a elevação do homem à vida
sobrenatural.
Nosso Senhor pode dizer aos seus apóstolos: «Disse-vos tudo», e a seu Pai: «Cumpri a
obra que me haveis confiado, instruí os meus discípulos e fundei a Igreja».
SEGUNDO PONTO: «Quero que, onde eu estiver, eles estejam comigo». – É a
promessa do céu, a promessa da visão intuitiva e da posse de Deus: «Quero que eles vejam a
minha glória, Ut videant claritatem meam». É mais do que uma oração, mais do que um desejo,
Nosso Senhor exprime uma /491 vontade, fala ao seu Pai como de igual para igual. Pede que os
seus discípulos sejam testemunhas da glória que o seu Pai lhe destinou desde toda a eternidade.
Depois recorda sumariamente as condições desta beatitude para os seus discípulos: «O
mundo não os conhece, diz a seu Pai, e por causa disso não chega à salvação nem à glória do
céu. Mas eu conheci-vos e vós me glorificastes. Os meus apóstolos conheceram-vos em mim,
compreenderam que eu era vosso enviado. Dei-lhes a conhecer o vosso nome e dá-lo-ei a
conhecer ainda mais».
Conhecer Deus, conhecer prática e progressivamente Jesus e a revelação, eis, portanto,
o caminho da beatitude.
Este conhecimento começou pelo ensino comum da Igreja. Ele cresce sempre mais
pelas luzes mais abundantes que Nosso Senhor comunica àqueles que se aplicam a conhecê-lo
na oração e no recolhimento. Deve estar unido ao amor, que cresce em nós nas mesmas
proporções. Quanto mais conhecemos a Deus mais o amamos, quanto mais nos tornamos dignos
do seu amor, mais nos unimos intimamente com ele e com Jesus Cristo.
Eis o caminho, eis a via: melhor conhecer Nosso Senhor para melhor o amar.
TERCEIRO PONTO: «Pai, que o amor com que me amastes esteja neles e eu neles!». –
São as últimas palavras do testamento do Sagrado Coração. Nosso Senhor podia mostrar-se
mais amoroso e mais terno por nós? Pensemos bem nestas palavras: «Meu Pai, amai-os como
me amastes a mim desde toda a eternidade. Amai-me neles, amai-os como meus irmãos, como
outros que eu mesmo…».
Que diríamos nós sobre a terra de um príncipe real que dissesse ao seu pai: «Eis alguns
dos vossos súbditos, adoptai-os como vossos filhos, amai-os como me amais a mim, dai-lhes
uma parte da minha herança…». Isto seria o cúmulo da amizade, da abnegação, da dedicação, e
isto nunca se viu, mas Nosso Senhor pediu isto por nós a seu Pai. E acrescentou: «E eu mesmo
estarei neles, et ego in ipsis. Habitarei neles, viverei nos seus corações, serei um só com
eles…».
Foi esta união divina que nos foi prometida. Tornamo-nos participantes da natureza
divina; divinae consortes naturae, como diz S. Pedro.
Esta união estabelece-se pelo estado de graça e acrescenta-se cada dia pela vida interior.
Está à minha disposição e posso torná-la todos os dias mais íntima. Que loucura se o não
fizesse! /492
Resoluções. – Ó Jesus, realizai o vosso testamento. Vinde a mim e dai-me também o
amor do vosso Pai. Devo da minha parte fazer o que é próprio para favorecer esta união. Devo
viver junto de vós, convosco, em vós, em união com o vosso divino Coração, fazendo tão
constantemente quanto possível actos de amor, de reconhecimento, de reparação e de oração.
Colóquio com o Sagrado Coração.
30 de Abril
SANTA CATARINA DE SENA
1347-1382
6 Media autem nocte clamor factus est 6 Mas, à meia-noite, ouviu-se um grito:
ecce sponsus venit exite obviam ei 7 tunc Eis o noivo! Saí ao seu encontro! 7 Então, se
surrexerunt omnes virgines illae et ornaverunt levantaram todas aquelas virgens e prepararam as
lampades suas 8 fatuae autem sapientibus dixerunt suas lâmpadas. 8 E as néscias disseram às
date nobis de oleo vestro quia lampades nostrae prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as
extinguntur 9 responderunt prudentes dicentes ne nossas lâmpadas estão-se apagando. 9 Mas as
forte non sufficiat nobis et vobis ite potius ad prudentes responderam: Não, para que não nos
vendentes et emite vobis 10 dum autem irent emere falte a nós e a vós outras! Ide, antes, aos que o
venit sponsus et quae paratae erant intraverunt cum vendem e comprai-o. 10 E, saindo elas para
eo ad nuptias et clausa est ianua (Mt 25, 6-10). comprar, chegou o noivo, e as que estavam
apercebidas entraram com ele para as bodas; e
fechou-se a porta (Mt 25, 6-10).
Primeiro Prelúdio. Sta. Catarina é uma das virgens fiéis que foram conduzidas às núpcias do rei.
Segundo Prelúdio. Virgem privilegiada, ensinai-me tirar convosco o fogo do amor no coração de
Jesus.
PRIMEIRO PONTO: A sua santificação pelo Sagrado Coração. – Sta. Catarina de
Sena é da família espiritual das Gertrudes e das Margaridas Maria. Tinha apenas seis anos
quando Jesus lhe mostrou o seu coração, como fonte de toda a santificação. Ia rezando para a
Igreja de S. Domingos. Uma aparição manifestou-se em cima da Igreja.
Viu Jesus mostrando-lhe o seu coração com uma mão e abençoando-a com a outra. À
sua direita as duas colunas da Igreja, S. Pedro e S. Paulo; à esquerda, o apóstolo bem-amado, S.
João, o discípulo do Sagrado Coração, inclinando a sua cabeça sobre o peito do Mestre. A
criança era investida pelo Sagrado Coração com a augusta missão de reconduzir a paz na Igreja
perturbada, e de se tornar a Joana d’ Arc do papado, missão que ela cumpriu mais tarde no meio
de um profundo e universal entusiasmo por ela. Desde então, imitou S. João e viveu em união
com o Sagrado Coração.
Recebeu uma graça mística maior ainda. Um dia em que meditava neste versículo:
«Criai em mim um coração novo», viu Nosso Senhor aproximar-se e tocá-la no lado onde ela
sentiu uma dor indizível, como se lhe tivessem arrancado o seu coração. Depois Nosso Senhor
apareceu-lhe de novo tendo na mão um coração luminoso, que lhe pôs no peito dizendo-lhe:
«Minha filha, tirei-te o teu coração, dou-te o meu, para que vivas para sempre em mim». A
partir daquele dia, teve no lado esquerdo uma cicatriz que reconheceram depois da sua morte, e
sentiu no coração um fogo sagrado com um ímpeto de generosidade e de amor por Deus e pela
Igreja que espantou o seu século. /494
SEGUNDO PONTO: O apostolado do Sagrado Coração. – A piedosa virgem entrou na
ordem de S. Domingos onde pôde entregar-se a seu gosto à solidão, ao silêncio e à oração.
Nosso Senhor aparecia-lhe frequentemente e entretinha-se familiarmente com ela. As suas
graças eram conhecidas, e ela tornou-se o apóstolo do seu século pela sua correspondência.
Perto de quatrocentas das suas cartas ficaram. O recurso ardente ao Sagrado Coração marca por
assim dizer cada página.
Escreve ao Padre João, de Pisa: «Escrevo-vos no precioso sangue do Salvador, com o
desejo de vos ver mergulhado no sangue de Jesus crucificado, e escondido na chaga do seu lado.
No sangue, encontrareis o fogo do amor, porque ele o derramou por amor, e no lado
encontrareis o amor do coração, porque tudo o que Cristo fez, fê-lo com o amor do coração.
Então a vossa alma se inflamará do fogo do santo desejo, e este desejo é um efeito do amor que
não envelhece nunca e rejuvenesce sempre, ao contrário, a alma que dele está revestida».
A uma senhora do mundo: «Entrai nas chagas de Jesus crucificado, onde se encontra a
verdadeira e perfeita segurança. Enchei a lâmpada do vosso coração no lado de Jesus
crucificado. Este lado aberto deixa-vos ver o segredo do coração que nos faz tudo, que tudo nos
dá por amor».
Ela orientava todas as almas para o Coração de Jesus.
TERCEIRO PONTO: A reparação com o Coração de Jesus. – Diante dos crimes do
mundo e das paixões humanas que se agitavam como ondas tumultuosas, nos tempos difíceis
em que vivia, o coração da virgem de Sena partia-se, como mais tarde se partirá o da virgem de
Paray. Ela teria querido dar até à última gota do seu sangue pelos interesses de Nosso Senhor.
Consumia a sua vida nas austeridades e na oração, oferecendo-se como vítima das iniquidades
da terra.
Suportou longos sofrimentos que somente a comunhão acalmava um pouco. Da quarta-
feira de cinzas ao dia da Ascensão, não tomava nenhum alimento excepto a adorável Eucaristia.
Nosso Senhor deu-lhe os seus estigmas sem os deixar aparecer.
Exercia a caridade com heroísmo para com os pobres e os doentes. Um dia em que a sua
natureza estava revoltada à vista de uma úlcera repugnante, levou até lá os lábios para vencer a
sua sensibilidade. Nosso Senhor apareceu-lhe na noite seguinte, e para a recompensar
descobriu-lhe a chaga do seu lado e permitiu-lhe que lhe aplicasse a sua boca.
Nosso Senhor apresentou à sua escolha uma coroa de ouro enriquecida de pedrarias e
uma coroa de espinhos. Ela escolheu a coroa de espinhos, a /495 coroa da reparação.
A humilde religiosa consumiu-se em caminhadas penosas para fazer cessar o cisma do
ocidente. Convenceu o Papa Gregório XI a deixar Avinhão para voltar a Roma. Ofereceu a sua
vida pelo bem da Igreja e morreu santamente no dia 29 de Abril de 1382. No momento da sua
morte, apareceu ao Padre Raimundo de Cápua para lhe anunciar a sua entrada no céu.
Resoluções. – Direi com Sta. Catarina: «Não conheço outra alegria senão a que encontro
no Coração de Jesus. – Meu Senhor, só a vós desejo, e nunca encontrarei repouso até que tenha
conseguido esconder-me inteiramente no vosso divino Coração».
Colóquio com Santa Catarina de Sena.

30 de Abril
PROTECÇÃO DE S. JOSÉ
20 Misit rex et solvit eum princeps 20 O rei mandou soltá-lo; o potentado dos
populorum et dimisit eum 21 constituit eum povos o pôs em liberdade. 21 Constituiu-o senhor
dominum domus suae et principem omnis de sua casa e mordomo de tudo o que possuía, 22
possessionis suae 22 ut erudiret principes eius sicut para, a seu talante, sujeitar os seus príncipes e aos
semet ipsum et senes eius prudentiam doceret (Sl seus anciãos ensinar a sabedoria (Sl 104, 20).
104, 20).

Primeiro Prelúdio. O santo patriarca José, da antiga lei, foi a figura de S. José. Teve sobre o
Egipto uma vasta intendência, como S. José tem sobre a Igreja.
Segundo Prelúdio. Vamos ter com José nas nossas dificuldades. Peçamos-lhe pela Igreja, pelas
nossas almas, por todas as nossas necessidades.
PRIMEIRO PONTO: S. José, protector da Igreja. – S. José foi o chefe exterior e o
protector da Igreja nascente, isto é, da Sagrada Família em Nazaré. Jesus e Maria eram-lhe
submissos e obedeciam-lhe.
Não se pode dizer que tenha hoje uma autoridade hierárquica sobre a Igreja, mas
conserva uma autoridade moral.
O patriarca José, no Egipto, não era nada senão um súbdito, mas o rei deu-lhe poder
sobre a sua própria família e sobre os seus bens: constituit eum dominum domus suae et
principem omnis possessionis suae. A Igreja compraz-se na liturgia a comparar estas duas
situações.
S. José é bem o chefe da família. Conduz Maria a Belém para o recenseamento. Salva o
menino levando-o para o Egipto. Ganhou o pão do menino e da mãe, no Egipto e em Nazaré.
Conduziu Jesus ao templo para as solenidades, dirige o seu trabalho quotidiano. Os corações de
Jesus e de Maria estão-lhe eternamente reconhecidos. Tem sobre estes corações benditos uma
verdadeira omnipotência de súplica e de intercessão.
Interessa-se pela Igreja, pelo seu crescimento, pelo seu sustento, pelos seus perigos.
Tomou-lhe o costume em Nazaré.
SEGUNDO PONTO: É o patrono das almas para o seu avanço espiritual. – Quem é
mais apto do que ele para nos guiar? Não foi ele formado pelos exemplos e pelas conversas de
Jesus e de Maria? Nós somos como que os seus netos. Deseja que sejamos semelhantes a Jesus
e a Maria. Estudemos os seus exemplos, peçamos os seus conselhos.
O que David nos diz do antigo José, o modelo e a figura do nosso, é tocante: «O rei fê-
lo preceptor dos príncipes e de si mesmo /497 e o conselheiro dos sábios e dos anciãos». Assim
Nosso Senhor fez de S. José o seu próprio preceptor em Nazaré, mas quer também que todos o
escutem, quer seja um príncipe da Igreja ou um cristão rico em doutrina ou em virtudes.
É certamente o desígnio da Providência. Os dons de Deus são sem arrependimento. Esta
primazia que S. José exerceu em Nazaré, exerce-a na Igreja embora de uma maneira nova. Ele é
nosso pai, mas exerce a sua paternidade do alto do céu, pela sua solicitude para connosco, pela
sua intercessão, pela sua protecção. Obtém do Coração de Jesus a acção do Espírito Santo e dos
anjos junto de nós. Peçamos-lhe os seus conselhos, a sua direcção, as suas lições, os seus
encorajamentos, nós os receberemos pelos meios poderosos que estão no seu poder. Os anjos
estão ao seu serviço. Os próprios acontecimentos são influenciados pela sua intercessão. Mesmo
que fôssemos príncipes da Igreja, sacerdotes ou directores de almas, temos necessidade de S.
José. O rei do céu dá-lhe poder sobre os grandes e os sábios como sobre os pequenos.
TERCEIRO PONTO: A sua protecção nas coisas temporais. – Nosso Senhor quer
também que S. José vele sobre os nossos bens temporais.
O Faraó constituiu José intendente de todos os seus bens, e quando os seus súbditos lhe
pediam pão, respondia: «Ide ter com José».
S. José foi também o intendente da família real de Nazaré e conserva uma solicitude
especial pelos interesses temporais da Igreja, das nações, das comunidades e dos fiéis.
É bem conforme aos desígnios da Providência. O sentido cristão compreendeu-o e os
fiéis dirigem-se a S. José nas suas necessidades.
Recorramos a ele para os nossos interesses privados, mas também para o em geral. As
nossas sociedades políticas encontram-se em mau estado. O regime do trabalho está perturbado.
A quem havemos de ir ter para encontrarmos a paz social, a prosperidade e a ordem? Vamos ter
com S. José. Ele não nos dispensa do trabalho, do estudo nem de outros meios humanos, mas
pode abençoá-los, fecundá-los e fazer com que tenham bom resultado.
Há-de obter-nos também do seu divino Filho as virtudes morais sem as quais todos os
esforços dos legisladores e dos governos civis seriam estéreis.
Resoluções. – Vamos ter com José. Formou-se em Nazaré na mais extrema bondade, na
mais delicada solicitude. O seu coração foi modelado sobre os corações de Jesus e de Maria. / 498
Onde haveríamos de encontrar tanta bondade, doçura, piedade, caridade? Vamos ter
com José constantemente, como à escola e à fonte das virtudes.
Colóquio com S. José.

MÊS DE MAIO
MÊS DE MARIA E DO ESPÍRIO SANTO
Duas meditações para o retiro do mês
I. VIDA DE PUREZA A EXEMPLO DE MARIA
26 In mense autem sexto missus est 6 No sexto mês, foi o anjo Gabriel
angelus Gabrihel a Deo in civitatem Galilaeae enviado, da parte de Deus, para uma cidade
cui nomen Nazareth 27 ad virginem da Galileia, chamada Nazaré, 27 a uma
desponsatam viro cui nomen erat Ioseph de virgem desposada com certo homem da casa
domo David et nomen virginis Maria (Lc 1, 26- de David, cujo nome era José; a virgem
27). chamava-se Maria (Lc 1, 26-27).
Primeiro Prelúdio. – Verei Maria ajoelhada e rezando nas disposições mais puras, quando o anjo
Gabriel vem visitá-la.
Segundo Prelúdio. – Pela virgindade de Maria, ó Jesus, apagai todas as manchas do meu
coração, purificai-me e conservai-me doravante na pureza.
PRIMEIRO PONTO: Da pureza. – A pureza tem as suas exigências, mesmo para as
pessoas do mundo. Elas não entrarão no Reino dos céus, se não conservarem a pureza segundo
o seu estado, ou se pelo menos não tiverem reparado as suas faltas pela penitência.
«Como é bela, diz o Livro da Sabedoria, a geração casta! A sua glória não há-de
perecer, será honrada por Deus e pelos homens» (Sab 4,1). O que provocava este grito de
admiração era a vista daqueles que, no meio deste mundo corrompido, seja qual for a sua
vocação, guardam o seu coração na inocência e na pureza.
Mas o apóstolo S. João é tomado de uma admiração ainda mais profunda, quando
contempla no céu aqueles que, não contentes por guardarem o seu coração puro de toda a
corrupção, permaneceram virgens. Exclama: «Tive uma visão: O Cordeiro estava de pé sobre o
monte Sião; e à volta dele havia cento e quarenta e quatro mil eleitos que cantavam um cântico
novo; e estes seguem o Cordeiro para onde quer que vá, porque são virgens» (Ap 14,1).
Para entrar no céu, é preciso, portanto, pertencer à geração dos castos, / 500 mas para
fazer parte no céu do coro íntimo do Salvador, é preciso ser do número das almas virgens.
Felizes as almas generosas e vigilantes que escutam o apelo do esposo divino: Ecce
sponsus venit, e se levantam logo para o seguirem! Dá-los-á entrar no festim nupcial.
Repousarão sobre o seu Coração.
SEGUNDO PONTO: O divino modelo das virgens. – Margarida Maria consolava-se a
ver na brancura da hóstia um símbolo da pureza eminente da divina Vítima. Jesus tinha querido
que o seu amor pela pureza fosse simbolizado pela brancura dos cordeiros que o representavam
na antiga lei. Quis assim que esta pureza fosse recordada pela brancura da hóstia.
«Esta brancura nos ensina, dizia ela, que é preciso ser uma vítima pura para ser imolada
a Jesus; uma vítima sem mancha para o possuir; uma vítima pura de corpo, de coração, de
intenção e de afecto».
Jesus não pode admitir uma vítima que não tenha esta pureza completa. Podemos
imaginar quanto Nosso Senhor deve desejar para nós a pureza de coração, de pensamento e de

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