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FACULDADE DE TEOLOGIA DA ARQUIDIOCESE DE BRASÍLIA -

FATEO

LUAN BATISTA DE SOUSA GOMES

O REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DE BENTO XVI

Brasília - DF
2017
FACULDADE DE TEOLOGIA DA ARQUIDIOCESE DE BRASÍLIA -
FATEO

LUAN BATISTA DE SOUSA GOMES

O REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DE BENTO XVI

Monografia, apresentada à Faculdade de Teologia


da Arquidiocese de Brasília - FATEO, como
parte das exigências para a obtenção do título de
Bacharel em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Luiz Catelan


Ferreira

Brasília - DF
2017
Dedico este trabalho a todos aqueles que buscam um
aprofundamento na fé para compreendê-la melhor, torna-la simples e
vivencial e, acima de tudo, transmiti-la sem o “jugo da Lei”, mas com
o mandamento novo do Amor.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Trindade Santa, pela oportunidade de realizar o curso de teologia e


ter uma visão, ainda que curta e passageira, de como é rica e profunda nossa fé; de como é
valioso e abundante o “Fidei Depositum” ao qual o Senhor incumbiu a Igreja de transmitir.
Agradeço à minha família, Mariel, Miguel, Rafael e Daniel, que mesmo com as
dificuldades da ausência do esposo e pai em muitas manhãs e noites, sempre me apoiou e
motivou a concluir o curso. Na realidade, o objetivo conjunto do curso é este: aprofundar na
fé e poder transmitir à minha família o meu enriquecimento ao longo destes anos.
Agradeço ao meu orientador, carinhosamente chamado de Monsenhor Catelan, um
grande sábio e transmissor do saber. Orientador deste trabalho e da vida em todas as suas
dimensões. Amigo, compadre e Mestre.
Agradeço, enfim, à Arquidiocese de Brasília, na realidade da FATEO, pela iniciativa
de formar os leigos interessados no aprofundamento de sua fé.
“O Reino dos Céus é semelhante ao tesouro escondido no campo; um
homem o acha e torna a esconder, e na sua alegria, vai, vende tudo o
que possui e compra aquele campo. O Reino dos Céus é ainda
semelhante ao negociante que anda em busca de pérolas finas. Ao
achar uma pérola de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a
compra” (Mt 13, 44-45).
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apreender qual é, no pensamento de Joseph Ratzinger, o
significado de Reino de Deus. Para tanto, há um aprofundamento no estudo sobre o Jesus
histórico, visto que os dois termos se correlacionam: ao ponderar sobre o Jesus histórico,
abordamos necessariamente o centro de sua mensagem, que é o Reino de Deus. Ao falar
deste, temos que fazer referência necessária a Jesus. Assim, com o intuito de encontrar quem
foi o Jesus da história, é que se desenvolve a partir do século XVIII, as procuras pelo Jesus
histórico. Essas buscas, que duram até nossos dias, são divididas, geralmente, em três
momentos: Old Quest, que compreende o período de 1748 até 1906; New Quest, de 1953 até
por volta de 1980 e Third Quest, de 1980 em diante. Nossa metodologia consiste em uma
análise comparativa com outros teólogos que abordam o tema do Reino de Deus e também
nas obras de Ratzinger, especialmente Introdução ao Cristianismo e Jesus de Nazaré. No
desenrolar de nosso estudo encontramos com clareza e compreensão a posição de Bento XVI
sobre o sentido do Reino de Deus na mensagem de Jesus: ao desenvolver sua Teologia do
Filho, fica evidente a união de Jesus e o Pai e, principalmente, de Jesus e sua missão, sua
pregação. No fim, Jesus fala d’Ele mesmo. É assim que compreendemos o “Eu sou o
caminho, a verdade e a vida”.

Palavras-Chave: Reino de Deus, Jesus histórico, Joseph Ratzinger.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8

CAPÍTULO I

1. O ITINERÁRIO DA BUSCA PELO JESUS HISTÓRICO ................................... 11

1.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11

1.2. OLD QUEST ....................................................................................................... 11

1.3. NEW QUEST ...................................................................................................... 16

1.4. THIRD QUEST ................................................................................................... 18

CAPÍTULO II

2. DA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE O REINO DE DEUS .......................... 21

2.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 21

2.2. GERHARD LOHFINK ....................................................................................... 21

2.2.1. BREVE BIOGRAFIA...................................................................................... 21

2.2.2. JESUS HISTÓRICO ........................................................................................ 22

2.2.3. REINO DE DEUS ........................................................................................... 22

2.3. WALTER KASPER ............................................................................................ 24

2.3.1. BREVE BIOGRAFIA...................................................................................... 24

2.3.2. JESUS HISTÓRICO ........................................................................................ 24

2.3.3. REINO DE DEUS ........................................................................................... 25

2.4. JOSÉ ANTONIO PAGOLA................................................................................ 28

2.4.1. BREVE BIOGRAFIA...................................................................................... 28

2.4.2. JESUS HISTÓRICO ........................................................................................ 28

2.4.3. REINO DE DEUS ........................................................................................... 29

2.5. GERD THEISSEN .............................................................................................. 31

2.5.1. BREVE BIOGRAFIA...................................................................................... 31

2.5.2. JESUS HISTÓRICO ........................................................................................ 32


2.5.3. REINO DE DEUS ........................................................................................... 33

2.6. RUDOLF SCHNACKENBURG......................................................................... 34

2.6.1. BREVE BIOGRAFIA...................................................................................... 34

2.6.2. JESUS HISTÓRICO ........................................................................................ 35

2.6.3. REINO DE DEUS ........................................................................................... 36

CAPÍTULO III

3. O REINO DE DEUS EM BENTO XVI.................................................................. 39

3.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 39

3.2. BIOGRAFIA ....................................................................................................... 39

3.3. JESUS HISTÓRICO ........................................................................................... 41

3.4. REINO DE DEUS ............................................................................................... 44

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 46

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA................................................................................ 48
8

INTRODUÇÃO

Ante o estudo teológico, a cristologia sobressaiu-se no meu interesse, seja pelo


aprofundamento do conhecimento da pessoa de Jesus Cristo, seja pelos debates e temas
envolvendo o Deus-Homem. No conjunto da cristologia, a mensagem de Jesus, sua pretensão,
o centro de sua pregação, isto é, o Reino de Deus, preponderou. Assim, o núcleo de nosso
estudo consiste no tema do Reino de Deus na mensagem de Jesus Cristo segundo Bento XVI. 1
Não obstante, a relação entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, distinção surgida no século
XVIII com Reimarus, será a base do aqui desenvolvido, visto que o conhecimento que se
adquiriu ao longo da história através dessa questão auxiliou o pensamento sobre a mensagem
de Jesus.
Sistematicamente iniciado com Reimarus, com influência iluminista e da teologia
liberal 2, o estudo do Jesus histórico e do Cristo da fé deu à cristologia novos ares, uma vez
que se sentia dificuldade em conciliar o discurso a respeito de Cristo e os relatos do
evangelho. Theissen e Merz escrevem em seu livro O Jesus Histórico – Um Manual que
no começo houve a crítica das fontes. Perguntava-se se nas narrativas
evangélicas tudo era histórico, autêntico (...). À critica das fontes
acrescentou-se o relativismo histórico. Mesmo se tivéssemos uma imagem
historicamente confiável de Jesus, restaria o problema de que esse
personagem esteve profundamente incrustado na história e foi, portanto,
menos singular e absoluto do que se acreditou. A isso tudo se soma,
finalmente, a consciência de estranheza hermenêutica. Mesmo se
possuíssemos informações historicamente confiáveis e encontrássemos nelas
uma pessoa inconfundível, esse Jesus – que muitos na infância sentiam tão
próximo quanto um bom amigo – isolou-se em um mundo passado, cheio de
exorcimos e estranhos temores pelo fim do mundo (THEISSEN; MERZ,
2004, p. 20).
É então que surge a primeira busca pelo Jesus histórico, a Old Quest (Antiga
Questão), marcada pelo historicismo e pelo método histórico-crítico, com avanços no campo
da interpretação dos textos bíblicos e tendo a exegese como ferramenta basilar para o estudo
da pessoa de Jesus. Na segunda investigação pelo Jesus histórico, a New Quest, a “‘nova
pergunta’ parte do Jesus querigmático e questiona se sua exaltação fundada na cruz e na

1
Utilizo Bento XVI com o cuidado que o autor teve no primeiro volume do livro Jesus de Nazaré de indicar que
é obra de teologia e não de magistério. Assim, Joseph Ratzinger e Bento XVI farão referência ao teólogo, não à
posição magisterial do Papa.
2
Teologia liberal ou liberalismo teológico foi um movimento teológico cuja produção se deu entre o final do
século XVIII e o início do século XX. Relativizando a autoridade da Bíblia, o liberalismo teológico estabeleceu
uma mescla da doutrina bíblica com a filosofia e as ciências da religião.
9

ressurreição tem alguma base na pregação pré-pascal de Jesus” (THEISSEN; MERZ, 2004, p.
25). Já na Third Quest, terceira busca, “o interesse histórico-social substitui o teológico, a
inserção de Jesus no judaísmo substitui o interesse de separá-lo dele, a abertura a fontes não
canônicas substitui a preferência por fontes canônicas” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 28).
Analisado o itinerário sobre o tema do Jesus histórico, veremos o posicionamento de
alguns autores, em sua maioria alemães, sobre a questão do Reino de Deus: como avaliam, em
que abordagem colocam, qual aspecto mais estimam.
De posse dessas informações, iremos enfocar o tratamento que Joseph Ratzinger dá à
questão: sua preocupação com a pesquisa histórica a respeito da questão do Jesus histórico e
do Cristo da fé, numa tentativa de conciliar fé, razão e história e sua elucidação para o Reino
de Deus na pregação de Jesus Cristo.
No primeiro capítulo será apresentado o debate sobre tema do Jesus histórico e do
Cristo da fé, na primeira busca, a partir de Reimarus; na segunda, principalmente com
Käsemann e seu trajeto até a terceira busca. O objeto da Old Quest se mostra fracassado após
os trabalhos de A. Schweitzer (1906), W. Wrede (1901) e K. L. Schmidt que
demostrou o caráter fragmentário dos evangelhos ao argumentar que a
tradição de Jesus consiste em “pequenas unidades” e que o quadro
cronológico e geográfico “da história de Jesus” foi criado secundariamente
pelo evangelista Marcos. Assim, desaparece a possibilidade de extrair um
desenvolvimento da personalidade de Jesus a partir da sequência das
perícopes (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 24).
Evidenciaremos também como os teólogos da New Quest se propõem a identificar a
cristologia implícita e explicita de Jesus. E, por fim, buscaremos compreender como este
movimento alhures irá incentivar a Third Quest, centrada no interesse dos contextos sociais e
culturais do judaísmo do primeiro século onde Jesus viveu e atuou.
No segundo capítulo faremos uma investigação de alguns autores consagrados da
cristologia no que tange ao tema específico do Reino de Deus, como R. Schnackenburg, W.
Kasper, G. Theissen e G. Lohfink. Foram selecionados, em sua maioria, autores alemães, para
fazer o contraponto e a similitude de pensamento entre teólogos que viveram num mesmo
ambiente, seja acadêmico, seja geográfico, seja histórico, seja sociocultural de Joseph
Ratzinger. Não faz simetria José Antônio Pagola, espanhol, que será estudado pela amplitude
da divulgação de uma sua obra relativamente recente.
No terceiro capítulo a visão de Bento XVI sobre o Reino de Deus será o enfoque.
Abordaremos sua posição frente à “evolução” do tema Jesus histórico, tanto na segunda como
na terceira busca. Tendo por alicerce as referências de Ratzinger, principalmente o livro Jesus
10

de Nazaré, veremos como a opção dele pela exegese canônica irá influenciar a sua cristologia,
o Jesus real, e sua definição de Reino de Deus.
Este trabalho tem o escopo de contribuir para o esclarecimento e aprofundamento
teológico ao verificar como a opinião de Bento XVI sobre a questão do Jesus histórico influi
em sua interpretação do significado do Reino de Deus, posto que o próprio Jesus não dá uma
definição, mas usa de parábolas e o testemunha de diversos modos, tornando-se assim uma
questão sensível.
11

CAPÍTULO I

1. O ITINERÁRIO DA BUSCA PELO JESUS HISTÓRICO

1.1. INTRODUÇÃO

Desde a revolução das luzes que a humanidade acredita estar na razão e no seu uso a
chave para dar respostas a todos os questionamentos e situações da vida. Assim também
aconteceu com o Jesus da bíblia. A razão deveria dar respostas para as inquietações surgidas
sobre o judeu do século primeiro: os evangelhos seriam fonte segura para chegar ao Jesus da
história? Deveriam ser buscadas outras fontes? É possível chegar mesmo à Jesus de Nazaré?
Diante de questões como estas é que a pesquisa sobre o Jesus histórico se desenvolveu
ao longo dos tempos. Aqui vamos mostrar como essa pesquisa chegou até os dias atuais: não
é unanime a tripartição aqui levantada, qual seja, Old Quest, New Quest e Third Quest, mas é
a mais utilizada e reconhecida. Alguns autores, como Albert Schweitzer 3 e Gerd Theissen 4
utilizam classificação e nomenclaturas próprias.
Com tal aclaramento, poderemos saber quais são as bases dos escritos e do
pensamento de Ratzinger sobre o Jesus histórico e, consequentemente, sua influência a
respeito do tema do Reino de Deus.

1.2. OLD QUEST

Durante os primeiro dezoito séculos da cristandade, seja pela confiança nos escritos
evangélicos, seja pelo monopólio nas igrejas, não houve preocupação com a questão histórica
da vida de Jesus. “Antes de Reimarus ninguém tinha tentado formar uma concepção histórica
da vida de Jesus. Lutero sequer sentiu a necessidade de ter uma ideia clara da ordem dos
eventos registrados” (SCHWEITZER, 2003, p. 21).

3
Na obra A busca do Jesus histórico, de 1901, Schweitzer traça o caminho das fases da pesquisa do Jesus
histórico com subdivisões peculiares.
4
Em seu O Jesus histórico: um manual, Theissen elabora a divisão das fases em cinco.
12

Metodicamente é com Hermann Samuel Reimarus (1694–1768) que a pesquisa sobre


o Jesus histórico tem o seu surgimento. Ele nasceu em Hamburgo, Alemanha, em 22 de
dezembro de 1694, e lá passou sua vida como professor de línguas orientais. “Vários de seus
escritos apareceram durante sua vida, todos defendendo as afirmações da religião racional
como contrária à fé da Igreja” (SCHWEITZER, 2003, p. 22). Sua maior obra, “Apologia ou
escrito de defesa para os adoradores racionais de Deus”, na qual está o fundamento histórico-
crítico de suas ideias e a base de seus ataques, só circulou durante sua vida entre seus
conhecidos. “Depois de sua morte, G. E. Lessing publicou sete fragmentos dessa obra (1774-
1778) sem revelar a identidade do autor” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 21).
Com Reimarus “se inicia o tratamento da vida de Jesus em perspectiva puramente
histórica” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 21). A este respeito:
1. Pioneiro foi sobretudo o ponto de partida metodológico: Reimarus
distingue entre pregação de Jesus e a fé dos apóstolos no Cristo. “Considero
uma grande causa separar totalmente o que os apóstolos apresentam em seus
escritos daquilo que Jesus de fato disse e ensinou em sua vida”.
2. A esse ponto de partida corresponde a compreensão histórica de que a
pregação de Jesus só pode ser compreendida a partir do contexto da
religião judaica de seu tempo. O centro da pregação de Jesus, segundo
Reimarus, está na pregação da iminência do Reino dos Céus e no
consequente chamado à penitencia. Isso deve ser compreendido “segundo a
forma judaica de expressão”. Jesus promete um reino terreno, o “reino do
Cristo ou do Messias, que os judeus por tanto tempo aguardaram e
esperaram”. Jesus é uma figura judaica profético-apocalíptica; enquanto o
cristianismo, que se destaca do judaísmo, é uma invenção dos apóstolos.
3. A discrepância entre a mensagem político-messiânica de Jesus e o
anúncio apostólico de um Cristo que liberta pelo sofrimento, ressuscita e
retorna é explicada por Reimarus com uma teoria de fraude objetiva. Para
não verem a si mesmos como fracassados, como o próprio Jesus, os
discípulos teriam roubado o cadáver e depois de cinquenta dias (quando o
corpo já não poderia ser identificado) anunciado sua ressureição e seu
retorno iminente (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 21).
Assim, para Reimarus, se
queremos chegar a uma compreensão histórica dos ensinamentos de Jesus,
devemos deixar para trás o que aprendemos no catequismo acerca da
metafísica Filiação Divina, a Trindade, e conceitos dogmáticos semelhantes,
e mergulhar num mundo mental totalmente judaico. Apenas aqueles que
transportam os ensinamentos do catequismo para dentro da pregação do
Messias Judaico chegarão à ideia de que Ele foi o fundador de uma nova
religião. Para toda pessoa sem preconceitos é manifesto “que Jesus não tinha
a menor intenção de lançar fora a religião judaica e colocar outra no lugar”
(SCHWEITZER, 2003, p. 26).
Na opinião de Schweitzer
a obra de Reimarus causou grande ofensa quando surgiu, pois é um estudo
histórico polêmico e não objetivo. [...] Mas é talvez a mais esplêndida
13

realização em todo o curso da investigação histórica acerca da vida de Jesus,


pois ele foi o primeiro a perceber o fato de que o mundo mental no qual
Jesus se movia era essencialmente escatológico (SCHWEITZER, 2003, p.
32).
Todavia, o mesmo Schweitzer (2003, p. 32) afirma sobre Reimarus que “ele via a
escatologia numa perspectiva errada. Ele afirmava que o ideal messiânico que dominava a
pregação de Jesus era a do líder político, o filho de Davi”. Entretanto, mesmo que a solução
oferecida por Reimarus esteja errada,
os dados observacionais de que ele parte estão, sem dúvida, corretos, porque
o dado primário de todos é genuinamente histórico. Ele reconheceu que dois
sistemas de expectativa messiânica estavam presentes lado a lado no
judaísmo tardio. Ele se aventurou a colocá-los em relação mútua para, assim,
representar o real motivo da história. Ao fazer isto, ele caiu no engano de
coloca-los em ordem consecutiva, atribuindo a Jesus a concepção política de
Filho-de-Davi, e aos apóstolos, após sua morte, o sistema apocalíptico
baseado em Daniel, em vez de sobrepor um ao outro, de forma que o Rei
Messiânico pudesse coincidir com o Filho do Homem (SCHWEITZER,
2003, p. 33-34).
E Schweitzer conclui: “sua obra foi negligenciada, e o estimulo que ele era capaz de
transmitir perdeu seu efeito. [...] Sua obra é uma daquelas obras supremamente grandiosas que
passam e não deixam traço, pois estão à frente de seu tempo” (SCHWEITZER, 2003, p. 36).
Definitivamente “a sorte estava lançada” e, com a impulsão da “onda racionalista”, a vida de
Jesus se tornou o sonho de consumo de todo pensador teológico. Num primeiro momento, “um
racionalismo menos completo e ainda não completamente dissociado de um sobrenaturalismo ingênuo.
[...] Aqui, numa consciência simples, a ortodoxia e o racionalismo encontram-se estratificados em
camadas sucessivas.” (SCHWEITZER, 2003, p. 37). Mas “este racionalismo semi-desenvolvido
estava consciente de um impulso: [...] escrever a Vida de Jesus; a princípio sem saber para
onde esta empreitada levaria. [..] Seu proposito era conseguir uma visão mais clara do curso
da vida de nosso Senhor” (SCHWEITZER, 2003, p. 38). Segundo Schweitzer,
a única coisa que é verdadeiramente racionalista nestas primeiras obras é o
tratamento dos ensinamentos de Jesus. Mesmo aqueles que retêm a maior
carga de sobrenaturalismo são tão completamente não dogmáticos quanto os
mais avançados em sua reprodução dos discursos do Grande Mestre. Todos
eles tomam como princípio não perder uma chance de reduzir o número de
milagres; [...] é um princípio firmemente estabelecido que o ensinamento de
Jesus, e a religião em geral, mantém sua posição simplesmente por sua
razoabilidade intrínseca, não pelo apoio de evidência externa. [...] Onde
podem explicar um milagre por causas naturais, eles não hesitam por um
momento (SCHWEITZER, 2003, p. 38).
Ainda na visão de Schweitzer, esse período do racionalismo primitivo, “como todo
período em que o pensamento humano era forte e vigoroso, é inteiramente não histórico. O
que ele procura não é o passado, mas a si mesmo no passado” (SCHWEITZER, 2003, p. 38).
14

Autores como Hess, Reinhard, Optiz, Jakobi e Herder são expoentes deste período, no qual se
entende que
o problema da vida de Jesus está solucionado no momento em que consegue
trazer Jesus para perto de seu próprio tempo, ao retratá-lo como o grande
mestre da virtude, e mostrar que seu ensinamento é idêntico à verdade
intelectual que o racionalismo deifica (SCHWEITZER, 2003, p. 38).
Já no período histórico seguinte, o racionalismo plenamente desenvolvido, que se
inicia com Paulus 5 e busca de forma mais intensa a explicação dos milagres pela via racional,
há “aquele racionalismo pleno que aceita apenas o tanto de religião que consegue justificar-se
por si mesma nos tribunais da razão, e que concebe e representa a origem da religião em
acordo com este princípio” (SCHWEITZER, 2003, p. 37). Deste período vale destacar Strauss
e os liberais.
O filósofo e teólogo David Friedrich Strauss (1808-1874) “publicou em 1835/1836 sua
sensacional Vida de Jesus, que provocou uma avalanche de tentativas de refutação e rendeu a
seu autor proscrição social por toda a vida” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 22).
No entendimento de Theissen,
a contribuição principal de Strauss foi a aplicação aos evangelhos do
conceito de mito, já comum na pesquisa do Antigo Testamento de seu
tempo. Ele demonstra a consideração mítica da tradição de Jesus como
síntese (no sentido hegeliano) das interpretações inadequadas do
supranaturalismo, de um lado, e do racionalismo, de outro (THEISSEN;
MERZ, 2004, p. 22).
Neste sentido, Theissen afirma que
Strauss vê o mito operando em todas as partes dos evangelhos em que
as leis da natureza são invalidadas, as tradições se contradizem ou
motivos difundidos na história das religiões, especialmente do Antigo
Testamento, são transferidos a Jesus. O a-histórico não se deve, como
supunha Reimarus, a uma fraude deliberada, mas a um processo
inconsciente de imaginação mítica. Para Strauss, hegeliano declarado,
o cerne da fé cristã não é atingido pela abordagem mítica. Pois no
indivíduo histórico Jesus realiza-se a ideia da humanidade de Deus, a
mais sublime de todas as ideias. O mito é a roupagem legítima “de
tipo histórico” dessa ideia humana geral (THEISSEN; MERZ, 2004,
p. 22).
Quanto aos evangelhos, “Strauss foi também o primeiro a reconhecer que o Evangelho
de João é estruturado a partir de premissas teológicas e é historicamente menos confiável que
os sinóticos” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 23). Conforme Theissen,

5
Este autor defendia, por exemplo, que Jesus curava os doentes porque só ele conhecia os remédios; que o andar
sobre as águas foi ilusão dos discípulos; e que sua crucificação e morte foi só um transe.
15

o ponto fraco da crítica de Strauss estava na definição das relações literárias


entre os evangelhos sinóticos que ele defendia. Era da opinião de que Mateus
e Lucas seriam os evangelhos mais antigos, enquanto Marcos seria um
excerto de ambos (a assim chamada hipótese de Griessbach 6). Desse modo,
ao esclarecer a relação entre as fontes mediante a teoria das duas fontes, os
teólogos liberais tinham esperança de amortecer o “choque” causado por
Strauss (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 23).
Floresce, neste período, o liberalismo teológico e a pesquisa clássica sobre a vida de
Jesus com claro objetivo: “pela reconstrução histórico-crítica da personalidade legitimadora
de Jesus e de sua história, renovar a fé cristã e com isso deixar para trás o dogma cristológico
da Igreja” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 23). Em suma:
1. A base metodológica da pesquisa liberal sobre Jesus é a exploração
crítico-literária das fontes mais antigas sobre Jesus. F. Chr. Baur demostrou
a primazia dos sinóticos sobre o Evangelho de João, e H. J. Holzmann
ajudou a teoria das duas fontes, desenvolvida por Christian Gottlob Wilke e
Christian Hermann Weisse, a tornar-se um sucesso duradouro: Marcos e Q
valiam agora como as mais antigas e amplamente confiáveis fontes para o
Jesus histórico, ou seja, uma fonte que até então estivera fora do interesse
dos pesquisadores (Marcos), e uma que foi primeiramente reconstruída pelos
cientistas (Q). Uma emancipação da tradicional imagem eclesiástica de Jesus
pareceu possível sobre essa base.
2. Do Evangelho de Marcos, Holtzmann retirou o esboço da vida de
Jesus, lendo nele uma evolução biográfica com o ponto crucial em Mc 8: na
Galiléia formou-se a consciência messiânica de Jesus, em Cesaréia de Filipe
ele se revelou aos discípulos como Messias. No quadro biográfico derivado
de marcos foram inseridas as palavras autênticas de Jesus reconstruídas da
Fonte dos Ditos (Logienquelle 7).
3. As “vidas de Jesus” liberais resultam da junção da idéia apriorística de
um desenvolvimento da personalidade de Jesus refletido nas fontes a uma
aguda análise crítico-literária. Elas acreditam reencontrar o ideal de
personalidade do seu autor nas fontes sobre Jesus (THEISSEN; MERZ,
2004, p. 23-24).
Como é de se notar, para cada tempo, escola de pensamento ou modo de ver o mundo,
existe um Jesus histórico compatível e que se encaixa em seus pressupostos, sendo o que cada
um interpretava que Ele deveria ser. Com isso, a pesquisa histórica da vida de Jesus cai em
aviltamento, pois não se consegue chegar à correta biografia do Galileu do século primeiro
pela crítica-histórica.

6
De acordo com Griesbach, a ordem histórica dos evangelhos era, em primeiro lugar, Mateus; depois Lucas,
fazendo uso de Mateus e outra tradição não-mateusiana; em terceiro, Marcos, fazendo uso de ambos Mateus e
Lucas.
7
A mesma fonte Q já citada.
16

1.3. NEW QUEST

Se não sabemos ao certo quando terminou a primeira busca pelo Jesus histórico, por
volta de 1900 a 1906, temos com exatidão o início da segunda: a “nova” pergunta foi lançada
por E. Käsemann em 20 de outubro de 1953 na palestra “O problema do Jesus histórico”
proferida em Marburg.
Surge, porém a indagação: mas o que aconteceu entre 1900 e 1953 sobre a questão do
Jesus histórico? Foi um período conhecido também como “No Quest”, no qual “três fatores
conduziram ao colapso da teologia da vida de Jesus” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 24). São
eles:
1. O caráter projetivo das imagens das vidas de Jesus foi desvelado pela
História de Investigação da Vida de Jesus de A. Schweitzer. Ele demonstrou
que cada imagem de Jesus da teologia liberal revelava a estrutura de
personalidade que, aos olhos do autor, valia como o ideal ético mais digno
de almejar.
2. O caráter tendencioso das fontes mais antigas existentes sobre a vida
de Jesus foi indicado por W. Wrede em 1901. O evangelho de Marcos seria
expressão da dogmática da comunidade. Nele, a fé pós-pascal na
messianidade de Jesus é projetada sobre a vida intrinsecamente não-
messianica de Jesus. A “teoria do segredo messiânico”, situada em nível
não-histórico, determina todo o evangelho de Marcos. Com isso desaba a
confiança na possibilidade de distinguir a partir de duas fontes antigas entre
a história de Jesus e a imagem do Cristo pós-pascal.
3. K. L. Schmidt demonstrou o caráter fragmentário dos evangelhos ao
argumentar que a tradição de Jesus consiste em “pequenas unidades” e que o
quadro cronológico e geográfico “da história de Jesus” foi criado
secundariamente pelo evangelista Marcos. Assim, desaparece a possibilidade
de extrair um desenvolvimento da personalidade de Jesus a partir da
sequência das perícopes (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 24).
Diante deste quadro ainda houve o impulso da teologia dialética, com seu ápice entre
1919 e 1968, que teve como um grande expoente Rudolf Bultmann (1884-1976). E o
surgimento de um novo método de crítica bíblica, o método de história das formas. “A
teologia dialética contrapõe Deus e o mundo tão radicalmente, que eles se encontram apenas
em um ponto, como uma tangente toca um círculo: no ‘fato’ da vinda de Jesus e no ‘fato’ da
sua partida, na cruz e na ressureição” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 24). Assim, “o fator
decisivo não era o que Jesus havia feito e dito, mas o que Deus tinha feito e dito na cruz e na
ressureição. A mensagem dessa ação de Deus, o ‘querigma’ neotestamentário, não tem por
objeto o Jesus histórico, mas o Cristo querigmático” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 24-25). Já
com o método de história das formas aplicado ao Novo Testamento, “ele demonstrava que os
evangelhos sinóticos não eram documentos históricos dos quais se pudesse extrair uma Vida
17

de Jesus, e sim documentos de fé, nascidos no contexto vivo das primeiras comunidades
cristãs” (GIBELLINE, 2002, p. 46).
No que tange ao teólogo Bultmann, Gibelline afirma que
o cristianismo nasce com a fé pascal, com o querigma da comunidade
primitiva, que confessa, diferentemente do anúncio de Jesus, que Jesus é o
Cristo. Bultimann diferencia e separa a Geschichte, quer dizer, a história que
qualifica o presente de minha existência, da Historie, dos fatos do passado
de que se ocupa a historiografia. O querigma da Igreja é Greschichte, é
história viva, é a historicidade atual de Cristo presente no querigma e
relevante para mim como clarificação da existência; o Jesus histórico é
Historie, é história passada. [...] O querigma do Cristo é querigma
cristológico, ao contrário do anúncio de Jesus, que não podia sê-lo, porque
Jesus não anuncia a si mesmo, e sim ao Reino de Deus que está chegando
(GIBELLINE, 2002, p. 50-51).
É diante de um pensamento como este, qual seja, de que o que importava era o Cristo
da fé e não o Jesus histórico, que Ernst Käsemann (1906-1998) dá o pontapé inicial à “‘nova
pergunta’, desenvolvida no círculo dos discípulos de Bultmann, parte do Jesus querigmático e
pergunta se sua exaltação fundada na cruz e na ressurreição tem alguma ‘base’ na pregação
pré-pascal de Jesus” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 25). O objetivo é reconstruir “uma ponte
entre o Jesus histórico e o querigma da Igreja em termos de continuidade e unidade objetiva.
O querigma cristológico da Igreja é explicitação da cristologia implícita nas ações e nas
palavras do Jesus histórico” (GIBELLINE, 2002, p. 52). Ou seja, “o querigma cristológico
compromete-se com ‘a pergunta pelo Jesus histórico’, pois se apoia numa figura terrena e fala
dela como de uma figura terrena nos evangelhos” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 26).
Nesta forma de pensar “a Geschichte remete à Historie; o querigma assume em si o
Jesus histórico. O principal resultado [...] foi a reivindicação – diante de uma teologia
rigidamente existencial – da relevância do elemento histórico para a teologia” (GIBELLINE,
2002, p. 52).
Além disso,
a base metodológica da “pergunta pelo Jesus histórico” é a confiança de que
se pode encontrar um mínimo criticamente assegurado de tradição
“autêntica” de Jesus, quando se exclui o que pode ser derivado tanto do
judaísmo como do cristianismo primitivo. No lugar da reconstrução crítico-
literária das fontes mais antigas na “antiga” pesquisa da vida de Jesus da
teologia liberal, entra em cena a metodologia da comparação que emprega a
história das religiões e a história da tradição: o “critério da diferença”
(THEISSEN; MERZ, 2004, p. 26).
Neste sentido, “a busca por um ponto de apoio pré-pascal do querigma de Cristo é
independente do fato de Jesus ter usado ou não algum título cristológico. [...] Esta
reivindicação está, antes, implícita em sua atuação e em seu anúncio” (THEISSEN; MERZ,
18

2004, p. 26). E “a intenção teológica de descobrir o querigma do Cristo já na pregação de


Jesus, conduz, em conexão com o critério de diferença, obrigatoriamente a uma percepção de
Jesus em contraste com o judaísmo” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 27).
Além dos discípulos de Bultmann, outros pensadores, como J. Jeremias e Paul
Althaus, colocaram suas posições. Assim,
o debate sobre o Jesus histórico terminara por envolver também teólogos
não-bultmannianos, que traçaram uma via histórica mais ampla que a ponte
construída pelos discípulos de Bultmann. Os não-bultmannianos costumam
confiar mais na pesquisa histórica e não desejam apenas consolidar uma
concordância objetiva entre o Jesus histórico e o Cristo do Novo
Testamento. Eles estão interessados em delinear, se não uma vida de Jesus,
pelo menos a figura de Jesus em seus traços essenciais (GIBELLINE, 2002,
p. 55).
O que vimos e podemos concluir até aqui é “a decidida assunção dos modernos
métodos histórico-críticos por exegetas e teólogos cada vez mais numerosos, tanto
protestantes como católicos” (GIBELLINE, 2002, p. 56). E “a individuação de uma via
histórica, percorrida de diversas maneiras, para remontar da tradição sobre Jesus ao Jesus
histórico, do anúncio do Cristo ao Jesus da história” (GIBELLINE, 2002, p. 56). Se
a Old Quest movia-se no terreno do historicismo, perdendo de vista o
elemento teológico; se a posição de Bultmann mantinha-se nos rígidos
trilhos da teologia existencial, perdendo de vista a relevância teológica do
elemento histórico, a New Quest pôs as premissas para a elaboração de uma
teologia histórica (GIBELLINE, 2002, p. 56).
Contudo, a New Quest não conseguiu fazer uma demarcação precisa dos limites entre
a verificação histórica e uma explanação subjetiva de seus autores. “Por esse motivo, não
conseguiram chegar a uma visão coerente e global do personagem de que falavam” (BUENO
DE LA FUENTE, 2000, p. 63, tradução nossa).

1.4. THIRD QUEST

Diferentemente da New Quest que possui “data de nascimento”, a Third Quest surge
aos poucos, na década de 1980, à medida que os estudiosos apresentaram novas investidas
sobre o tema. Há uma pulverização mundial sobre a problemática, pois antes o foco esteve
principalmente sob a tutela alemã. Contribuiu para esta nova jornada outros dois fatores
vetoriais: o início da divulgação dos escritos de Qumran, encontrados em 1947, e a criação
das organizações “Society of Biblical Literature” e o “Jesus Seminar”, sendo que este último
tinha uma grande ressonância, mesmo fora do escopo estreito dos
pesquisadores, constituído em 1985 por R. W. Funk com a participação de
19

cerca de 70 estudiosos americanos. [...] Ele tratou especificamente da


autenticidade das palavras de Jesus nos evangelhos canônicos e no
evangelho apócrifo de Tomé (BARBAGLIO, 2003, p. 37, tradução nossa).
Deste modo, na Third Quest, há uma mudança de visão e língua, pois agora, “entra
em cena principalmente no mundo de fala inglesa, o interesse histórico-social substitui o
teológico, a inserção de Jesus no judaísmo substitui o interesse de separá-lo dele, a abertura a
fontes não canônicas substitui a preferência por fontes canônicas” (THEISSEN; MERZ, 2004,
p. 28). Assim resume Theissen sobre a Third Quest:
1. O interesse histórico-social: na aparição e no destino de Jesus se
refletem as tensões características da sociedade judaica do primeiro século
d.C. Movimentos “milenaristas” 8 de renovação da sociedade semelhantes
aos de outras culturas são sempre marcados por uma figura profética
dominante. Delas podemos concluir em relação ao cristianismo primitivo:
entre o círculo pré-pascal em torno de Jesus e o cristianismo pós-pascal há
continuidade do ponto de vista social. Peregrinos carismáticos do
cristianismo primitivo seguiram o estilo de pregação e de vida de Jesus.
2. O lugar de Jesus no judaísmo: Jesus é o fundador de um “movimento
de renovação dentro do judaísmo”, cuja radicalização da Torá e escatologia
correspondem formalmente a outros movimentos “teocráticos radicais”. No
que se refere ao conteúdo, a pregação de Jesus é uma “escatologia de
restauração”. Ela tem por objetivo a restauração do povo judaico. Entre Jesus
e o Cristo querigmático existe uma grande continuidade também no âmbito
teológico, uma vez que a exaltação de Jesus depois da páscoa foi articulada
com a ajuda de modelos de interpretação bíblico-judaicos.
3. A consideração de fontes não-canônicas: ganham cada vez mais
importância a Fonte dos Ditos (Fonte Q), reconstruída a partir das fontes
canônicas, e o evangelho de Tomé, encontrado em 1945, na medida em que
é visto como independente dos evangelhos sinóticos. Há um consenso de que
a variedade de imagens de Jesus no cristianismo primitivo deve ser explicada
independentemente dos limites do cânon. Todavia, é questionável a
preferência por fontes não-canônicas em detrimento das canônicas, como se
vê em J. D. Crossan, que não considera nenhum dos evangelhos canônicos
como fonte primária, mas sim, entre outros, o extrato mais antigo do
Evangelho de Tomé, o Evangelho Egerton, o Evangelho dos Hebreus, a
Fonte dos Ditos e um “Cross Gospel” 9, reconstruído a partir do Evangelho
de Pedro (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 28-29).
No entanto, não foram uniformes os trabalhos desenvolvidos neste período. A
“pesquisa sobre Jesus dividiu-se em diferentes correntes dentro da ‘Third Quest’. A
diferenciação mais importante é, de um lado, [...] uma imagem de Jesus não-escatológica, [...].
De outro lado, [...], interpretado no quadro de sua escatologia" (THEISSEN; MERZ, 2004, p.
29). Todavia, “pode-se dizer para todas as correntes dentro da ‘Third Quest’: a pesquisa sobre

8
“Milenarista” origina-se de “millennium” (=1000) e relaciona-se originalmente com o reino de 1000 anos de
Ap 20. São chamados milenaristas (ou quiliastas) movimentos que esperam uma mudança radical das coisas.
9
Espécie de evangelho cruzado ou transversal, o qual seria anterior aos canônicos e que, segundo Crossan, teria
servido de base para eles.
20

Jesus se livra do ‘critério de diferença’ como base metódica da pesquisa [...]. Ela tende a um
critério histórico de plausibilidade 10” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 29).
Por último, podemos verificar os oito pontos comuns e conclusivos da Third Quest
enumerados por Xabier Pikaza (2002): Jesus é um profeta escatológico e mensageiro da
graça; é um sábio no mundo, expert da humanidade; é poderoso em obras: curador e/ou
carismático; homem de mesa comum. Pão compartilhado; criador de família: discipulado e
comunhão; homem em conflito. O desafio da graça; seu assassinato em Jerusalém. Morte de
Jesus; e Deus o ressuscitou. Páscoa cristã.
Deste modo, segundo Pikaza (2002), o milagre material está descartado e o
entendimento sobre Jesus é de que o que permanece vivo é a sua mensagem e o seu modo de
viver entre os homens, isto é, essa nova forma de interpretar a fé a tornaria mais profunda,
pois o Cristo manifestado será aquele ao qual houver aproximação do seu modo de viver e
agir.

10
O que é plausível no contexto judaico e torna compreensível o surgimento do cristianismo primitivo poderia
ser histórico.
21

CAPÍTULO II

2. DA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE O REINO DE DEUS

2.1. INTRODUÇÃO

Passado o exame daqueles primeiros que procuraram estudar sistematicamente a


pessoa de Jesus Cristo, nos debruçaremos a seguir sobre a mensagem central de Jesus Cristo,
o Reino de Deus, na visão de alguns autores selecionados pela singularidade e peculiaridade
próprias: com exceção do espanhol José Antônio Pagola que será estudado pela amplitude da
divulgação de sua obra relativamente recente, Jesus – Aproximação Histórica, os demais
teólogos, G. Lohfink, R. Schnackenburg, W. Kasper e G. Theissen, todos alemães, foram
escolhidos para fazer o contraponto e a similitude de pensamento entre autores que viveram
num mesmo ambiente, seja acadêmico, seja geográfico, seja histórico, seja sociocultural de
Joseph Ratzinger.
A abordagem será simples e sucinta, com uma breve biografia de cada autor e a sua
interpretação em uma ou duas obras literárias, apenas para fazer o cotejo de seu pensamento
nesta(s) obra(s) sobre o tema do Jesus histórico e do Reino de Deus.

2.2. GERHARD LOHFINK

2.2.1. BREVE BIOGRAFIA

Nasceu em 29 de agosto de 1934 na cidade alemã de Frankfurt. Foi ordenado


sacerdote em 1960. Até 1964 foi capelão na paróquia de St. Ursula em Oberursei. Em 1964
aprofundou nos estudos de teologia, primeiro na Universidade de Würzburg e depois na
Universidade de Tübingen, na qual exerceu grande papel e atividade, sendo professor de
exegese neotestamentária. Em 1987 aposentou-se da Universidade. Vive e trabalha no serviço
22

à Comunidade Integrada Católica. Sua pesquisa se concentra em eclesiologia e escatologia.


Publicou Jesus de Nazaré - O que Ele queria? Quem Ele era? 11 em 2011.

2.2.2. JESUS HISTÓRICO

G. Lohfink inicia sua obra afirmando que “seu empenho é historiográfico e crítico”
(LOHFINK, 2015, p. 10) e “Jesus foi judeu e viveu perfeitamente imerso nas experiências de fé
de Israel” (LOHFINK, 2015, p. 10). A partir daí assevera que tudo é fruto de interpretação,
não sendo, portanto, possível chegar ao Jesus verdadeiro que os iluministas aventaram:
os autores dos evangelhos tinham uma multiplicidade de tradições sobre
Jesus e com o auxílio destas, eles interpretaram a Jesus. Eles interpretaram
suas palavras, seus atos, toda a sua vida. Eles interpretaram a Jesus em cada
linha, em cada frase (LOHFINK, 2015, p. 12).
Para tanto, busca fazer a distinção entre fato e interpretação e afirma que “mesmo o
assim chamado ‘fato puro’, mesmo o ‘nu estado de coisas’ já brotou de uma nítida
intervenção na realidade” (LOHFINK, 2015, p. 17), “interpretação não cai espontaneamente
do céu nem é fruto apenas de um indivíduo. Interpretação pressupõe comunidade
interpretativa [...], um grande grupo que busca assegurar-se de sua identidade histórica”
(LOHFINK, 2015, p. 27) e “todo e qualquer fato já é interpretação” (LOHFINK, 2015, p. 31).
Assim, conclui que é possível haver
um acesso a Jesus puramente historiográfico, puramente pautado na ciência
da religião. Mas isso tem seus limites. O presente livro lança mão, com
muita gratidão, preferencialmente de pesquisas historiográficas de muitos
cientistas bíblicos. Além disso, não tem a mínima inibição em reconstruir
criticamente o sentido original das palavras e das parábolas de Jesus. Muita
coisa neste livro não passa de reconstrução (LOHFINK, 2015, p. 36).

2.2.3. REINO DE DEUS

No pensamento de Lohfink, o estudo da escatologia está intimamente ligado à


atualidade, ao hoje. Segundo ele “por muito tempo a escatologia se constituiu no último e
conclusivo tratado da dogmática. Assim a escatologia carregava consigo algo de distante,
afastado, abduzido do mundo. Sensivelmente pouco tinha a ver com o desenrolar-se presente
da história” (LOHFINK, 2015, p. 41). Mas

11
Título original: Jesus von Nazaret: Was er Wollte, wer er war (2011)
23

quando falamos da escatologia do Novo Testamento – e o anúncio jesuano


do domínio 12 de Deus é pura escatologia – trata-se de algo bem distinto. Ali,
as “últimas coisas”, portanto aquilo que irá modificar e transformar tudo, não
acontece num futuro distante, mas no tempo imediatamente próximo. Elas
estão próximas, estão voltadas ao homem e sua corporeidade (LOHFINK,
2015, p. 41).
Assegura noutro ponto que
a ação escatológica de Deus fora rogada e sonhada desde a muito por todos,
é verdade, mas na hora em que aconteceu imaginava-se que seria diferente.
Assim não! Não pode ser assim tão concreta! Não tão dura no espaço! Não
através de nosso próprio vizinho! Não justo em Nazaré, e diante de todos: e
não neste exato momento! (LOHFINK, 2015, p. 49).
Com isso quer salientar que “os ouvintes de Jesus preferem protelar tudo novamente
para o futuro, e a história não encontra fim. O domínio de Deus proclamado por Jesus não é
acolhido. O ‘hoje’ proposto por Deus é recusado. E é só por isso que o ‘já se transforma em
‘ainda não’” (LOHFINK, 2015, p. 49). Mas Lohfink vai além ao afirmar que
o “hoje” do Evangelho não só não foi aceito em Nazaré. Depois, no decurso
da história da Igreja, sempre de novo foi negado e minimizado. A razão
disso é a mesma que se argumentou para Nazaré: quando Deus quer se tornar
concreto na vida do homem, as coisas começam claramente a se complicar.
Os desejos e os gostos pessoais do homem são ameaçados. Também sua
representação do tempo. Também não pode ser hoje, pois assim ter-se-ai que
modificar a vida ainda hoje. Por isso, prefere-se deslocar a salvação de Deus
para o futuro. Ali pode repousar de forma higiênica, bem-embalada,
sossegada e sem maiores consequências (LOHFINK, 2015, p. 50).
No que tange à Igreja, a novidade que há em Jesus e no Novo Testamento segue o
mesmo caminho: “ela não deve ser renovada se não aceita finalmente o ‘hoje’ a ela proposto.
Para o povo de Deus neotestamentário tudo depende do fato de saber se as promessas devem
se realizar já hoje e se Deus age hoje” (LOHFINK, 2015, p. 50).
O entendimento nuclear de Lohfink sobre o Reino de Deus pode ser reconhecido no
seguinte:
em última instância, o que está em questão na escatologia da atualidade de
Jesus é quem é Deus. Jesus vive numa relação revolucionariamente nova
frente a Deus. Para Ele, Deus é tão poderoso em sua bondade e tão presente
em seu poder que, visto a partir dele, nada lhe resiste. Porque vive na
unidade perfeita com a vontade de seu pai celeste, Jesus sabe que se Deus
vem, não vem pela metade, mas integralmente. E não vem em alguma data
imprecisa, mesmo que num futuro bem próximo, mas Ele vem hoje
(LOHFINK, 2015, p. 51).
Quanto à não atualidade do Reino de Deus, isto é, ao “ainda não” do domínio de Deus,
ele “não se deve, portanto, à procrastinação de Deus, mas à demora da conversão do homem.

12
Sem se tornar um princípio rígido, G. Lohfink prefere usar a expressão “Domínio de Deus”, dentre outras
coisas, porque, segundo ele, retrata melhor o conceito bíblico que lhe serve de base.
24

O homem não quer ter a Deus muito próximo de si. Prefere dançar em suas próprias núpcias,
do que nas núpcias às quais Deus convida” (LOHFINK, 2015, p. 52). Mesmo na academia, os
estudiosos da Bíblia
asseveram constantemente que na interpretação dos textos jesuanos sobre o
Reino de Deus a tensão entre presente e futuro e respectivamente entre o “já”
e o “ainda não” não poderia ser solucionada tendendo para nenhum lado.
Mas essa visão correta, via de regra, não é mantida. Tão logo se estabeleça
esse princípio, volta-se a decair no presente do domínio de Deus. Ali se diz,
por exemplo: o Reino de Deus só está presente na pessoa do próprio Jesus,
ou , só está presente nas palavras de Jesus, ou está presente de modo
dinâmico, proléptico, antecipativo, pontual-situacional, ou – de modo bem
refinado – está presente no modo de seu anúncio (...) com essas restrições
posteriores o domínio de Deus é faticamente deslocado de novo para o
futuro (LOHFINK, 2015, p. 54).
Portanto, o Reino de Deus em Lohfink é visto como a atualidade transformadora, o
hoje, a escatologia da atualidade e “só pode acontecer onde o homem se depara com seu
limite, onde não sabe mais como ir adiante, onde se entrega, onde só abre espaço para Deus,
de tal modo que Ele possa agir” (LOHFINK, 2015, p. 57).

2.3. WALTER KASPER

2.3.1. BREVE BIOGRAFIA

Nasceu em 05 de março de 1933 na cidade alemã de Heidenheim. Foi ordenado


presbítero em 06 de abril de 1957 na diocese de Rottenburgo. Em 1964 recebe a habilitação
para ensinar teologia dogmática na Universidade de Münster e em 1970 para a Universidade
de Tübingen. Publicou seu Jesus, O Cristo 13 em 1976. Em 1985 Kasper é nomeado secretário
especial do sínodo extraordinário e se torna membro da Comissão Teológica Internacional.
Foi nomeado Bispo da Diocese de Rottenburg-Stuttgart em 17 de abril de 1989. Em 21 de
fevereiro de 2001 foi elevado a cardeal.

2.3.2. JESUS HISTÓRICO

W. Kasper segue na obra Jesús, El Cristo a evolução cronológica apontada em nosso


primeiro capítulo, com a ressalva de que não havia ainda surgido a Third Quest. Todavia,

13
Título original: Jesus der Christus (1976). Utilizamos para este trabalho a obra em espanhol: Jesús, El Cristo
(2006). Assim, toda referência é tradução nossa.
25

acresce para o debate da cristologia ao afirmar que sua atuação se dá essencialmente em três
grandes áreas, a saber: orientada historicamente “a partir da profissão ‘Jesus é o Cristo’, a
cristologia se remete a uma história totalmente concreta e a um destino único” (KASPER,
2006, p. 48); com alcance universal “requer ser pensada e justificada a vista das questões e
necessidades dos homens e em analogia com os problemas do tempo” (KASPER, 2006, p.
49); e determinada soteriologicamente “quer dizer, a doutrina do significado salvador de Jesus
Cristo” (KASPER, 2006, p. 51).

2.3.3. REINO DE DEUS

Com relação à mensagem de Jesus, “o centro e o quadro da pregação e atividade de


Jesus foi o reino de Deus que se aproximou” (KASPER, 2006, p. 123). Na literatura católica
“se considerou com frequência a Igreja como a realização histórica do reino de Deus”
(KASPER, 2006, p. 124). Todavia, conforme veremos em sequencia, “a mensagem de Jesus
sobre a chegada do reino de Deus deve, portanto, ser entendida no horizonte da questão da
humanidade sobre a paz, a liberdade, a justiça e a vida” (KASPER, 2006, p. 125).
Diante da história de Israel que contou com a presença de Deus guiando pelo caminho,
se espera agora coisas maiores, daí a esperança escatológica no tempo de Jesus. Este, porém
“imprime a esta esperança outra direção nova. Anuncia que a esperança escatológica se
cumpre agora. A mudança dos tempos não está mais em uma distância inalcançável, mas está
à porta” (KASPER, 2006, p. 128). Explica-se também com isso o uso das parábolas, pois “é,
sem dúvida, a forma adequada e única com que se pode falar do reino de Deus. [...] Porque o
reino de Deus é uma realidade oculta. E não está no além-céu, como o pensamento
apocalíptico, mas no aqui e agora” (KASPER, 2006, p. 129).
Quanto ao reino de Deus ser agora e futuro, deve-se entender primeiro a “concepção
bíblica de tempo e história, que não é uma realidade puramente quantitativa, não é uma
sucessão continuada e uniforme de dias e horas, mas uma realidade qualitativa”
(RATSCHOW, 1954 apud KASPER, 2006, p. 132). Desta forma,
o tempo se mede por seu conteúdo. [...] Dentro do âmbito desta interpretação
do tempo, pode-se entender melhor também a mensagem de Jesus sobre o
reino de Deus agora-futuro. Se deve dizer: agora é o tempo da chegada do
reino de Deus; é dizer, a atualidade está qualificada pelo fato de que o reino
de Deus está chegando e exige decisão. Deve-se dizer que a basileia é o
poder a que pertence o futuro, que agora se obriga a decidir e, nesse sentido,
atua no presente, ao qual determina totalmente (KASPER, 2006, p. 132).
26

Todavia, há uma segunda característica do conceito bíblico de tempo e história, qual


seja, história que acontece: “De acordo com isso, a história não procede de acordo com um
plano divino ou humano. A história acontece um pouco no diálogo entre Deus e o homem”
(KASPER, 2006, p. 133). Assim,
a promessa de Deus abre ao homem uma nova possibilidade; mas o modo
concreto de sua realização depende da decisão do homem, da fé ou da
incredulidade. Portanto, o reino de Deus não dispensa a fé do homem, mas
vem de onde Deus é verdadeiramente reconhecido como Senhor na fé
(KASPER, 2006, p. 133).
Neste sentido, o
caráter dialogal de uma história que está acontecendo, torna compreensível a
tensão entre espera imediata e atraso da parusia. A mensagem de Jesus sobre
o reino de Deus que veio é a oferta de Deus que força, que exige uma oferta
definitiva de decisão. Mas esta oferta é dirigida à livre decisão do homem;
qualifica a situação atual como a decisão escatológica (KASPER, 2006, p.
133).
Além disso, “o reino de Deus não é primariamente um reino, mas é o senhorio de
Deus, a prova da sua glória, o seu ser de Deus” (KASPER, 2006, p. 134). Se no Antigo
Testamento a ideia do senhorio de Deus encontrou universalidade na criação, o Deus de Jesus
é o Deus próximo. Com efeito,
a ideia da proximidade de Deus expressa, na pregação de Jesus, um
aprofundamento que ultrapassa os julgamentos veterotestamentários sobre a
criação. Jesus realiza algo como uma reinterpretação do senhorio e do
domínio de Deus. O domínio de Deus consiste para ele na soberania de seu
amor. Sua chegada e proximidade significam a chegada do senhorio de seu
amor (KASPER, 2006, p. 135).
Esta nova forma de interpretar o reino de Deus fica mais evidente quando Jesus
chama a Deus de Pai (Abba), pois o
modo como Jesus usa este conceito, o domínio e a autoridade do pai no
mundo antigo estão unidos com o familiar, íntimo e confiante, que contém
também esse conceito. De modo que, no conceito de pai, a ideia que Jesus
teve do reino de Deus como um senhorio no amor foi fundida de maneira
especial (KASPER, 2006, p. 135).
E segue argumentando:
o que é novo no uso linguístico de Jesus é que Jesus não fala apenas de Deus
chamando-O de Pai, como já foi usado no judaísmo, mas que se dirige a Ele
tratando-O assim. O fato de que a literatura de oração judaica não usa esse
tratamento é explicado facilmente pelo fato de que, originalmente, o abba é
uma forma semelhante a um balbuciar de crianças (como o nosso "pai"). É
verdade que não foi reduzido a linguagem comum, tratamento de cortesia.
Para a sensibilidade dos contemporâneos de Jesus, era desrespeitoso dirigir-
se a Deus com este termo familiar. Se Jesus ousou, no entanto, fazê-lo, é
porque ele anunciou de maneira única a proximidade de Deus, em que o
homem pode estar confiadamente seguro. [...] O sentido teológico do
27

tratamento Abba é compreensível apenas quando é considerado em relação à


mensagem de Jesus sobre o senhorio de Deus. Então fica claro que a
invocação do Pai não representa uma confiança banal e quase natural
(KASPER, 2006, p. 137).
Portanto, a “majestade, soberania e senhorio de Deus se conservam, então; mas se
reinterpretam: o senhorio de Deus está no amor; a glória de Deus se mostra em sua liberdade
soberana para o amor e o perdão” (KASPER, 2006, p. 138). Deste modo,
a partir desta nova interpretação da ideia do senhorio de Deus, uma
interpretação que ultrapassa tudo, segue-se o seguinte: o reino de Deus é
exclusivo e sempre de Deus. Não pode ser merecido pelo esforço religioso-
ético, não pode ser atraído pela luta política, nem a sua chegada pode ser
calculada pela especulação. Não podemos planejá-lo, organizá-lo, fazê-lo,
construí-lo, projetá-lo ou imaginá-lo. [...] A única coisa que podemos fazer é
herdá-lo (Mt 25, 34). A chegada do reino de Deus como uma revelação da
condição de Deus no amor não implica, no entanto, qualquer quietismo.
Embora os homens não possam construir o reino de Deus nem de forma
conservadora nem progressiva, nem pela evolução nem pela revolução, o
homem não é condenado e muito menos viver a pura passividade. O que se
lhe pede é converter-se e crer (KASPER, 2006, p. 138-139).
Acrescenta Kasper (2006, p. 142) que a mensagem de Jesus sobre o reino de Deus
abarca toda a realidade, mas de uma forma nova e categórica, que agora é decidida de forma
histórica e peremptória sobre o sentido da realidade. Com a chegada do reino de Deus, o
mundo vem à salvação. E Kasper questiona: “mas em que consiste esta salvação?” (KASPER,
2006, p. 145). Conforme nosso autor é
impressionante que Jesus concentre as múltiplas esperanças de salvação em
uma só, na participação no reino de Deus. Para ele, isso se identifica com a
vida. Mas essa concentração seria incompreendida se alguém visse nela uma
espiritualização ou mesmo um consolo para um futuro indeterminado ou
muito distante. Para Jesus, o tempo de salvação é manifestado, realizado e
atualizado agora. Os prodígios e curas de Jesus o dizem; neles o reino de
Deus entra no presente, curando e redimindo; neles mostra-se que a salvação
do reino de Deus é a salvação total do homem no corpo e na alma. [...] De
modo que a salvação do reino de Deus consiste antes de tudo no perdão dos
pecados e na alegria de encontrar a misericórdia infinita e imerecida de
Deus. Pois experimentar o amor de Deus significa sentir-se que é
absolutamente aceito, que é reconhecido e amado infinitamente, e que se
pode e deve aceitar-se e o outro. A salvação é alegria para Deus, que se
traduz em alegria pelo bem do nosso próximo e com o próximo (KASPER,
2006, p. 145).
Dando continuidade, Kasper faz a correlação da mensagem de Jesus com seu
comportamento e sua atitude, principalmente quanto aos milagres, pois estes são
sinais do reino de Deus que irrompe. Sua chegada significa o
desmoronamento do domínio de Satanás. [...] O domínio do diabo é
caracterizado pela sua inimizade com a criação. A alienação do homem a
respeito de Deus resulta em alienação de si mesmo e da criação. Onde a
comunhão com Deus é reintegrada, onde o reino de Deus é implantado, as
28

coisas endireitam-se novamente, o mundo é salvo de novo. Os milagres


dizem que esta salvação não é apenas uma coisa espiritual, mas afeta todo o
homem, também sua dimensão corporal (KASPER, 2006, p. 160).
Segundo Kasper (2006, p. 160-161) assim como o reino de Deus é uma realidade
escatológica, também o são os milagres de Jesus. Eles são o crepúsculo matutino da nova
criação, antecipação do futuro aberto em Cristo. Os milagres
desafiam o homem para esta esperança e não em virtude de um
conhecimento verificável e constatável. A esperança no inaudito e
indedutivelmente novo é essencial para o homem; negar os milagres em
princípio seria abandonar a esperança humana original. Especialmente para a
ideia bíblica da basileia, uma fé sem milagres seria tão absurda como um
ferro de madeira. Os milagres de Jesus significam a irrupção do reino de
Deus em nosso mundo concreto e material; É por isso que eles são sinais de
esperança para o mundo (KASPER, 2006, p. 161).
O reino de Deus é, portanto, para W. Kasper a vivência do amor divino plenificado na
pessoa de Jesus através de sua mensagem, seu comportamento, sua atitude. Vivência esta
reconhecida na experiência do perdão e do dom gratuito divino de querer fazer a humanidade
partícipe da realidade sobrenatural.

2.4. JOSÉ ANTONIO PAGOLA

2.4.1. BREVE BIOGRAFIA

Nasceu em 16 de junho de 1937 na cidade espanhola de Añorga. Sacerdote católico, é


licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), licenciado em
Sagradas Escrituras pelo Instituto Bíblico de Roma (1965), e diplomado em Ciências Bíblicas
pela École Biblique de Jerusalém (1966). Professor no seminário de San Sebastián (Espanha)
e na Faculdade de Teologia do Norte de Espanha (sede de Vitória), foi também reitor do
seminário diocesano de San Sebastián e vigário-geral da diocese de San Sebastián. Publicou
sua obra Jesus – Aproximação Histórica 14 em setembro de 2007.

2.4.2. JESUS HISTÓRICO

A abordagem que Pagola faz a respeito de Jesus é eminentemente histórica: “meu


propósito fundamental foi ‘aproximar-me’ de Jesus com rigor histórico e com linguajar

14
Título original: Jesús: aproximación histórica (2007)
29

simples, para aproximar sua pessoa e sua mensagem ao homem e à mulher de hoje”
(PAGOLA, 2014, p. 12). Deixa evidente que discorrerá sobre o “Jesus histórico” e não sobre
o “Cristo da fé”: “é preciso não confundir minha investigação sobre o ‘Jesus histórico’ com o
estudo sobre o ‘Cristo da fé’ no qual nós cristãos cremos” (PAGOLA, 2014, p. 13).
Deixa clara também sua metodologia e forma de investigação: “segui os métodos
empregados pela ciência histórico-crítica [...] a partir das fontes literárias disponíveis [...] e
critérios claros que nos permitam avaliar o conteúdo das fontes” (PAGOLA, 2014, p. 15-17).
Conforme nosso autor assevera “segui os critérios de historicidade que estão hoje
mais consolidados entre os investigadores: o critério da dificuldade 15, de descontinuidade16,
de testemunho múltiplo 17 e de coerência 18” (PAGOLA, 2014, p. 17-18). Emprega todo tipo de
método e ciências: “esforcei-me também eu para estar atento às contribuições mais relevantes
da arqueologia, da antropologia cultural, da sociologia das sociedades agrárias da bacia
mediterrânea, da economia” (PAGOLA, 2014, p. 18).
Enfim, adverte que seu propósito não é “deslindar os complexos caminhos da gestação
e desenvolvimento da fé cristológica” (PAGOLA, 2014, p. 26 e p. 363, n. 2).

2.4.3. REINO DE DEUS

O reino de Deus “é, sem duvida, o núcleo central de sua pregação, sua convicção mais
profunda, a paixão que anima toda a sua atividade. [...] O reino de Deus é a chave para captar
o sentido que Jesus dá à sua vida” (PAGOLA, 2014, p. 115). Segue o autor falando de Jesus
que “seu objetivo não é aperfeiçoar a religião judaica, mas contribuir para que se implante o
quanto antes o tão suspirado reino de Deus e, com ele, a vida, a justiça e a paz” (PAGOLA,
2014, p. 115).
Segundo nosso autor,
para Jesus este mundo não é algo perverso, submetido irremediavelmente ao
poder do mal até que venha a intervenção final de Deus, como diziam os
escritores apocalípticos. Junto à força destruidora e terrível do mal podemos
captar agora mesmo a força salvadora de Deus, que já está conduzindo a
vida à sua libertação definitiva. [...] A acolhida do reino de Deus começa no
interior das pessoas em forma de fé em Jesus, mas se realiza na vida dos

15
Se um dado cria dificuldades, é muito provável que provenha de Jesus e não de uma criação posterior da
tradição cristã.
16
Se um dado não pode ser explicado nem recorrendo ao judaísmo nem à Igreja primitiva, é muito possível que
tenhamos que atribuí-lo a Jesus.
17
Se um dado aparece em fontes múltiplas e independentes, cresce sua confiabilidade histórica
18
É mais confiável o que se harmoniza com as circunstâncias históricas ou com os dados bem estabelecidos
30

povos na medida em que o mal vai sendo vencido pela justiça salvadora de
Deus (PAGOLA, 2014, p. 123).
Pagola (2014, p. 124) afirma que Deus não vem defender seus direitos e ajustar as
contas com quem não cumpre seus mandamentos. “O reino de Deus é outra coisa. O que
preocupa a Deus é libertar as pessoas de tudo quanto às desumaniza e as faz sofrer. [...] O
reino de Deus que Jesus proclama corresponde ao que elas mais desejam: viver com
dignidade” (PAGOLA, 2014, p. 124). “O reino de Deus abre caminho lá onde os enfermos
são resgatados do sofrimento, os endemoninhados se veem libertados de seu tormento e os
pobres recuperam a dignidade” (PAGOLA, 2014, p. 125). E segue:
Deus não reserva seu amor apenas para os judeus nem bendiz somente os
que vivem obedientes à lei. Tem compaixão também dos gentios e
pecadores. Esta atuação de Deus, que tanto escandalizava os setores mais
fanáticos, comove Jesus. Não que Deus seja injusto ou que reaja com
indiferença diante do mal. O que acontece é que ele não quer ver ninguém
sofrer. Por isso sua bondade não tem limites, nem sequer com os maus. Este
é o Deus que está chegando (PAGOLA, 2014, p. 127).
Falando dos interlocutores de Jesus, Pagola (2014, p. 128) afirma que o reino de Deus
tinha que ser algo muito simples, ao alcance daquelas pessoas. Algo muito concreto e bom
que até os mais ignorantes entendiam. “Deus se interessa realmente por suas vidas e não tanto
por questões ‘religiosas’ que a eles escapam. O reino de Deus corresponde às suas aspirações
mais profundas” (PAGOLA, 2014, p. 128). E “seguindo a tradição dos grandes profetas, Jesus
entende o reino de Deus como um reino de vida e paz” (PAGOLA, 2014, p. 129).
Quanto aos milagres são “como um sinal para indicar a direção em que é preciso atuar
para acolher e introduzir o reino de Deus na vida humana” (PAGOLA, 2014, p. 129). Nesse
sentido,
Jesus não pensa só na cura de pessoas enfermas. Toda sua atuação vai no
sentido de gerar uma sociedade mais saudável: sua rebeldia diante de
comportamentos patológicos de raiz religiosa como o legalismo, o rigorismo
ou o culto vazio de justiça; seu esforço por criar uma convivência mais justa
e solidária; sua oferta de perdão às pessoas afundadas na culpabilidade; sua
acolhida aos maltratados pela vida ou pela sociedade; seu empenho em
libertar todos do medo e da insegurança para viver a partir da confiança
absoluta em Deus. Curar, libertar do mal, tirar do abatimento, sanear a
religião, construir uma sociedade mais amável, constituem caminhos para
acolher e promover o reino de Deus. São os caminhos que Jesus percorrerá
(PAGOLA, 2014, p. 129-130).
No tocante ao tema da pobreza, é assim que nosso autor elucida:
Jesus não fala da “pobreza” abstratamente, mas daqueles pobres com os
quais trata enquanto percorre as aldeias. [...] Homens e mulheres sem
possibilidades de um futuro melhor. Por que o reino de Deus constituirá uma
boa notícia para estes pobres? Por que serão eles os privilegiados?
31

Porventura Deus não é neutro? Não ama a todos por igual? Se Jesus tivesse
dito que o reino de Deus chegava para tornar felizes os justos, teria tido sua
lógica e todos o teriam entendido, mas que Deus esteja a favor dos pobres,
sem levar em conta seu comportamento moral, resulta escandaloso. [...] Ao
proclamar as bem-aventuranças, Jesus não diz que os pobres são bons ou
virtuosos, mas que estão sofrendo injustamente. Se Deus se põe ao lado
deles, não é porque o mereçam, mas porque precisam. [...] É isto que
desperta uma alegria grande em Jesus: Deus defende aqueles que ninguém
defende! (PAGOLA, 2014, p. 131-132).
Pelo que já fora dito, na visão de Pagola sobre a construção do reino de Deus é
importante “que todos reconheçam a Deus e ‘entrem’ na dinâmica de seu reinado. Não é um
assunto meramente religioso, mas um compromisso de profundas consequências de ordem
política e social” (PAGOLA, 2014, p. 134). Por isso, “‘entrar’ em seu reino é ‘sair’ do
império que os ‘chefes das nações’ e os poderosos do dinheiro procuram impor” (PAGOLA,
2014, p. 136). No entendimento de nosso autor:
Jesus não só denuncia aquilo que se opõe ao reino de Deus. Sugere, além
disso, um estilo de vida mais de acordo com o reino do Pai. Não busca só a
conversão individual de cada pessoa. Fala nos povoados e aldeias,
procurando introduzir um novo modelo de comportamento social. [...] Ele
não apela com isto a uma intervenção milagrosa de Deus, mas a uma
mudança de comportamento que possa levar todos a uma vida mais digna e
segura (PAGOLA, 2014, p. 136).
Como definição em Pagola (2014, p. 138), “o certo é que Jesus anuncia o reino de
Deus como uma realidade que exige a restauração da justiça social”. “O reino de Deus já está
abrindo caminho, mas sua força salvadora só é experimentada de maneira parcial e
fragmentária, não em sua totalidade e plenitude final.” (PAGOLA, 2014, p. 138). Assevera
que “o reino de Deus já está aqui, mas apenas como uma ‘semente’ que está sendo semeada
no mundo; um dia [...] Deus tornará realidade esta utopia tão antiga como o coração humano:
o desaparecimento do mal, da injustiça e da morte” (PAGOLA, 2014, p. 139).

2.5. GERD THEISSEN 19

2.5.1. BREVE BIOGRAFIA

Nasceu em 24 de abril de 1943 na cidade alemã de Mönchengladbach. É um teólogo


protestante e estudioso do Novo Testamento. Obteve seu doutorado em teologia em teologia

19
Apesar de O Jesus histórico – um manual ter sido fruto do trabalho de dois autores, Gerd Theissen e Annette
Merz, utilizamos aqui a autoria como de Theissen, sem demérito a Merz, mas unicamente para simplificar o
estudo. Além disso, no próprio prefácio é afirmado que Merz elaborou apenas três dos dezesseis parágrafos
(capítulos), logo, ao simplificar o estudo, a escolha recaiu sobre Theissen.
32

protestante da Universidade de Bonn em 1968. Assumiu uma posição estudando teologia


evangélica na Universidade de Bonn. Obteve sua habilitação em 1972 em Bonn, com um
trabalho crítico sobre as primeiras histórias de milagres cristãos. Foi professor na
Universidade de Bona de 1973 a 1978. Em 1978, tornou-se professor na Universidade de
Copenhague. Desde 1980 é professor de teologia do Novo Testamento na Universidade de
Heidelberg. Publicou sua obra O Jesus histórico – um manual 20 em 1996. Em 2002, recebeu a
Medalha de Burkitt pela Academia Britânica que é concedido em reconhecimento ao serviço
especial para estudos bíblicos.

2.5.2. JESUS HISTÓRICO

De todos os autores aqui elencados, é em Theissen que encontramos o trabalho mais


analítico a respeito da pesquisa sobre o Jesus histórico: “a presente obra pretende apresentar a
pesquisa científica sobre o Jesus histórico – não somente seus resultados, mas também o
processo de aquisição desse conhecimento” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 13). Assim,
a ciência não diz “foi assim”, mas “poderia ter sido assim com base nas
fontes”. Por isso discutiremos todas as fontes relevantes; não só as
canônicas, como também os evangelhos apócrifos, não apenas os textos
cristãos, mas também os não-cristãos que mencionam Jesus. [...] A ciência
nunca diz “é assim”, mas “assim se nos apresenta as coisas no estado atual
da pesquisa” – e isso significa “no estado atual de nossos acertos e erros”.
[...] A ciência não diz “este é nosso resultado”, mas “este é nosso resultado
com base em determinados métodos”. O caminho que percorre para alcançar
um objetivo é tão importante para ela quanto o próprio objetivo – às vezes
até mais importante. [...] A ciência sabe, finalmente, que seus resultados são
mais transitórios que os problemas a que procura responder. Isso também
vale para a pesquisa sobre o Jesus histórico (THEISSEN; MERZ, 2004, p.
13-14).
Como vimos no capitulo primeiro, a abordagem que Theissen faz da pesquisa sobre a
vida de Jesus é um pouco diferente da que lá foi proposta, pois enquanto dividimos em três
fases, ele divide em cinco. Ele elabora o seu Jesus - um manual em parágrafos (capítulos) e no
primeiro tema do primeiro parágrafo são desenvolvidas as “cinco fases da pesquisa sobre a
vida de Jesus”, quais sejam, os impulsos críticos para a questão do Jesus histórico por H. S.
Reimarus e D. F. Strauss; o otimismo da pesquisa liberal sobre a vida de Jesus; o colapso da
pesquisa sobre a vida de Jesus; a “nova pergunta” pelo Jesus histórico; e a “Third Quest” pelo
Jesus histórico.

20
Título original: Der historische Jesus – Ein Lehrbuch (1996)
33

A primeira e a segunda fase desenvolvidas por nosso autor correspondem à “Old


Quest” de nosso trabalho. Sua terceira fase equivale à nossa “No Quest”, momento histórico
prévio à “New Quest”. Já a quarta e quinta fases de Theissen coincidem, respectivamente, às
nossas “New Quest” e “Third Quest” desenvolvidas no primeiro capítulo.
No desenrolar de sua obra, Theissen também faz o estudo das fontes, do quadro
político, social e cultural do tempo de Jesus. Exibe as várias facetas de Jesus como profeta,
mestre, poeta, taumaturgo, desde Reimarus até às investigações hodiernas.

2.5.3. REINO DE DEUS

Em seu parágrafo (capítulo) nono, O Jesus – um manual trás o “Jesus Profeta” – a


escatologia de Jesus, no qual está desenvolvido o tema do reino de Deus: “No centro do
anúncio escatológico de Jesus, está a mensagem salvífica do reinado de Deus, que ele
proclamou de um lado como já vindo e de outro como iminente.” (THEISSEN; MERZ, 2004,
p. 264). No entanto, “embora haja um consenso sobre o reinado de Deus ser o núcleo da
pregação de Jesus, sua interpretação é controversa” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 264). Daí
nosso autor propor discutir sobre o seguinte:
1. O reinado de Deus é presente, futuro ou ambos?
2. O que domina nele: salvação ou juízo? Como ambos se relacionam entre
si?
3. Deve ser entendido de forma dinâmica (como um dominar de Deus) ou
espacial (como o reino de Deus)?
4. É realizado apenas por Deus ou conta com a participação humana?
5. É realizado de forma teocêntrica ou messiânica (com ou sem mediação de
um Messias)?
6. É de âmbito político ou puramente religioso?
7. Jesus promete a seus seguidores soberania nele, ou que eles serão o povo
nele?
8. O conceito “reinado de Deus” é um símbolo que pressupõe um mito
preexistente ou é uma metáfora que nos faz descobrir coisas novas?
9. A pregação do reinado de Deus é marcada exclusivamente pela tradição
apocalíptica ou também pela tradição sapiencial?
10. Jesus dá continuidade a tradições judaicas ou abandona aqui as
convicções judaicas? (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 264-265).
E Theissen (2004, p. 298-300) conclui o parágrafo (capítulo) respondendo da seguinte
forma: Quanto a ser presente ou futuro, o reinado de Deus é presente e futuro; Quanto às
expectativas de salvação e de juízo, as duas estão inter-relacionadas: se maior a salvação
anunciada no presente, mais inexorável o juízo e vice versa; No que se refere a ser reino ou
reinado, pode ser chamado indistintamente, uma vez que é a presença eficaz de sua vontade
34

ética; já a ação no reino urge pela vontade ética do ser humano e Jesus representa uma
expectativa teocêntrica na realidade do reino de Deus; quanto a sua dimensão, o reino de Deus
é mais que espiritual, há uma expectativa religiosa com relevância política, mas vai além e
deslegitimiza a presente distribuição de poder e posses, pois todos os convidados têm parte na
honra do anfitrião; Enquanto aquele que abarca todas as gentes, o Reino de Deus foi
entendido como uma metáfora viva, visto que os judeus esperavam uma glorificação de sua
nação, tão somente; mas deve ser buscado assim como se deve buscar a sabedoria, uma vez
que segue o núcleo da crença judaica em Deus.
Portanto, na visão de Theissen, o reino de Deus é o estabelecimento divino de sua
vontade ética: “o anúncio do reinado de Deus é determinado pela compreensão judaica de
Deus: Deus é vontade incondicional para o bem. [...] Essa vontade ética incondicional já atua
no presente. Tudo o que se opõe a ela já foi vencido” (THEISSEN; MERZ, 2004, p. 298).

2.6. RUDOLF SCHNACKENBURG

2.6.1. BREVE BIOGRAFIA

Nasceu em 05 de janeiro de 1914 em Kattowitz, Prússia 21 e faleceu em 28 de agosto


de 2002 em Würzburg, Alemanha. Foi um sacerdote católico alemão e estudioso do Novo
Testamento. Estudou filosofia e teologia nas universidades de Breslau e Munique. Em 1937,
obteve o doutorado na Universidade de Breslau e, no mesmo ano, foi ordenado sacerdote e
começou o trabalho pastoral na Silésia até que ele foi expulso de lá em 1946, depois da
Segunda Guerra Mundial. Em 1955, Schnackenburg foi professor titular em Bamberg. De
1957 a 1982, foi professor do Novo Testamento na Universidade de Würzburg. Em 1965
publicou a obra Reino e Reinado de Deus 22. Schnackenburg era membro da Comissão
Teológica Internacional (ITC). Após a sua aposentadoria, ele prestou assistência pastoral em
uma casa de aposentadoria e também trabalhou com a Comunidade de Sant'Egidio. Publicou
em 1998 a obra Jesus Cristo nos Quatro Evangelhos. 23

21
Em 1914 ainda existia o Reino Alemão da Prússia. Depois das duas grandes guerras e mudanças no cenário
geopolítico, a aludia região passou a compor a atual República da Polônia.
22
Título original: Gottes Herrschaft und Reich (1965). Utilizamos para este trabalho a obra em espanhol: Reino
y Reinado de Dios (1967). Assim, toda referência é tradução nossa.
23
Título original: Jesus Christus – Im Spiegel der vier Evangelien (1998)
35

2.6.2. JESUS HISTÓRICO

O trabalho de Schnackenburg sobre a história de Jesus tenta, segundo ele, partir da


“visão de fé dos quatro evangelistas, visão de fé que se apoia em tradições históricas e que
conduz, em cada um deles, a uma imagem de Jesus Cristo que muda com o tempo e as
circunstâncias, [...] porém revela uma convicção de fé comum” (SCHNACKENBURG, 2001,
p. 13). Acredita que “de acordo com a inclinação e a intenção das únicas fontes disponíveis –
os quatro evangelhos –, nós devemos ir além do horizonte histórico e [...] perguntar o que eles
nos querem, realmente, dizer” (SCHNACKENBURG, 2001, p. 13).
Argumenta que o “problema fé e história foi colocado, por assim dizer, no berço do
cristianismo, pois Jesus Cristo é uma figura histórica, mas que, só através da fé em seu viver
junto a Deus e da fé na ressureição [...], atingiu sua força atuante universal”
(SCHNACKENBURG, 2001, p. 15-16). Desse modo, elabora sua abordagem a partir de “um
novo enfoque que parte da impossibilidade de conhecer e de investigar o Jesus ‘histórico’ e
que se inclina para a visão dos evangelistas que esboçaram cada um uma imagem peculiar de
Jesus” (SCHNACKENBURG, 2001, p. 16). Em que pese seu novo enfoque, Schnackenburg
elenca, na primeira parte do capítulo primeiro da obra em análise, o itinerário da pesquisa do
Jesus histórico ao longo dos anos, seguindo o programa da primeira parte do nosso trabalho.
No fim, conclui que “uma visão confiável da figura histórica de Jesus de Nazaré,
através de esforços científicos, com os métodos histórico-críticos, dificilmente pode ser
conseguida” (SCHNACKENBURG, 2001, p. 331). Pois “foram feitos usos muito
diferenciados das tradições. Os esforços da exegese científica de examinar essas tradições e
recuar até o historicamente confiável é compreensível e justificável” (SCHNACKENBURG,
2001, p. 332). Todavia, “com isso somos arrastados para dentro de uma permanente e
interminável discussão da história da tradição e redação. O que se consegue alcançar é uma
visão geral” (SCHNACKENBURG, 2001, p. 332). Portanto, “as versões dos evangelistas [...]
dirigem o nosso olhar para o essencial da pregação moral de Jesus. O fundamento histórico é
pressuposto, mas é transcendido pela visão de fé dos evangelistas” (SCHNACKENBURG,
2001, p. 336). E assim “surge uma imagem exata de sua pessoa, que só se compreende a partir
de sua ligação e união com Deus. [...] Sem a ancoragem em Deus, a pessoa de Jesus
permanece esquemática, irreal e inexplicável” (SCHNACKENBURG, 2001, p. 336).
36

2.6.3. REINO DE DEUS

Schnackenburg em sua obra Reino e Reinado de Deus traça um panorama do que foi
entendido e interpretado como reino de Deus desde o Antigo Testamento, passando pela
pregação de Jesus e chegando ao cristianismo nascente. Nosso foco de análise está na segunda
parte, qual seja, o reino de Deus na pregação de Jesus que está permeado pela escatologia,
pelo seu caráter soteriológico, religioso e universal.
Sobre a “doutrina” que Jesus possa ter instituído, “tudo está subordinado ao
pensamento da basileia e relacionado ao mistério de sua pessoa. A ‘doutrina’ está unida de
fato à ‘pregação’” (SCHNACKENBURG, 1967, p. 67). E, conceitualmente
“reino de Deus” significa sempre em seus lábios reino escatológico de Deus,
ainda quando o pensamento do reino universal de Deus, reino que não terá
fim, isso é familiar e inabalável. No entanto, Jesus não fala dele quando diz
“reino de Deus”; sempre que surge esta expressão, sem exceções possíveis,
refere-se ao reino escatológico de Deus, e os textos não podem ser
interpretados de forma não escatológica (SCHNACKENBURG, 1967, p.
69).
Neste sentido, “o caráter escatológico do reino de Deus por Ele anunciado é
descoberto, [...], ainda em uma característica essencial que vamos analisar agora mesmo: este
reino é exclusivamente ‘semente e ação de Deus’” (SCHNACKENBURG, 1967, p. 73). E,
nessa linha,
a pureza de sua imagem de Deus proibiu a Jesus abordar o Pai, fazer
qualquer tipo de prescrição, ser um mensageiro diante d´Ele de mensagens
humanas ou um intruso penetrando seus segredos. Por isso também para Ele
é o reino de Deus uma dimensão estritamente escatológica e puramente
sobrenatural (SCHNACKENBURG, 1967, p. 74).
Na mensagem de Jesus, o reino de Deus é o mais fundamental e central porque faz
nexo com a própria salvação. Esta
elevação do reino de Deus para o conceito mais importante de salvação deve
ser visto como a ação original de Jesus. A salvação é para o rabinismo "a
consequência do reino de Deus, mas não é o próprio reino de Deus”. Se
Jesus faz deste reino o conceito fundamental da salvação, sua mensagem
adquire por ele grande homogeneidade e concentração. Ele anuncia a
vontade salvífica presente de Deus e sua misericórdia salvadora sob a ideia
do senhorio real de Deus, e dá o mesmo motivo para a última vontade
salvífica: participação no reino de Deus plenamente desenvolvido e
ilimitado, conferindo assim a todos os salvos a felicidade e a alegria
completas (SCHNACKENBURG, 1967, p. 82).
37

No entendimento de Schnackenburg, “para Jesus o futuro reino de Deus continua a ser


uma dimensão submetida apenas a Deus, sobre a qual Ele tem soberania sob todos os
aspectos” (SCHNACKENBURG, 1967, p. 87). Assim,
por causa do seu caráter puramente religioso, a mensagem de Jesus sobre o
reino de Deus também tem uma trajetória universal. Isso não perde a força
devido ao fato do que era conhecido "enviado à ovelha perdida da casa de
Israel" (Mt 10, 6). Essas palavras incontestáveis não são uma barreira para
sua vontade redentora universal, mas um anúncio do modo como Deus tinha
uma maneira de alcançar a salvação da humanidade, a saber, começando
pelo antigo povo de Deus, a quem Jesus fora enviado por primeiro
(SCHNACKENBURG, 1967, p. 87).
No que tange ao caráter da proeminente intimação e chamado à conversão que a
mensagem de Jesus sobre o reino de Deus confere, nosso autor assim assevera:
a mensagem que proclama o reino próximo de Deus converte-se em uma
poderosa chamada aos homens para se submeterem só a Deus. Quem dá uma
olhada acima dos discursos e expressões que em magnífica plenitude nos
legaram os evangelhos sinóticos, se dará conta em que medida esse caráter
de intimação reveste a pregação do reino de Deus. O reino de Deus que se
manifesta nas obras de Jesus obriga a tomar uma resolução. [...] O sermão da
montanha revela e ilustra as demandas radicais de um tipo moral que o
império real de Deus exige dos homens, e o mandamento principal de amor a
Deus e ao próximo os recapitula de forma simples e genial. [...] Esta
conversão que Cristo exige de todos, uma vez que todos são devedores de
Deus, mesmo o justo (Lc 18, 10-14), é uma condição indispensável para
entrar no reino futuro de Deus. [...] Por isso a pregação de Jesus sobre a
conversão só pode ser entendida no seu pleno sentido quando se começa a
convencer-se da eficiência interna do reino escatológico de Deus nas
palavras e ações de Jesus, de seu poder salvifíco atual. O fato do chamado de
Jesus à conversão só adquirir sentido mediante o reino de Deus pregado por
Ele vem atestado pelo fato deste chamado estar intimamente ligado à
exigência de crer na “boa nova” de Jesus. A conversão e a fé em Jesus são
dois lados da mesma postura fundamental. Só quem se converte pode formar
a crença de que o tempo da salvação já chegou e que o reino de Deus em sua
plenitude já está às portas, e esta mesma fé constitui novamente uma
conversão, pois inclui o reconhecimento da culpa diante de Deus, bem como
a necessidade de salvação, mas também a vontade de cumprir a vontade de
Deus de acordo com os postulados radicais de Jesus (SCHNACKENBURG,
1967, p. 92-94).
Desta forma, “a nova postura moral exigida por Jesus, a ‘justiça maior’ (Mt 5, 20), a
‘perfeição’ de acordo com o modelo do Pai celestial (Mateus 5, 48) só pode ser entendida em
função da sua mensagem da basileia” (SCHNACKENBURG, 1967, p. 95), pois “Jesus não
busca uma revolução social, nem uma evolução progressiva dentro da paz em um reino na
terra, mas a revolução do próprio homem em vista de sua participação no reino futuro de
Deus” (SCHNACKENBURG, 1967, p. 96). Para tanto, “Jesus concretiza de maneira muito
diferente o direito absoluto de Deus sobre os homens [...]: Ele os chama para sua imitação
38

pessoal. Esta ligação com sua própria pessoa pertence ao novo e incomparável da mensagem e
das exigências de Cristo” (SCHNACKENBURG, 1967, p. 97).
Portanto, “o reino de Deus agora se manifesta de uma maneira muito diferente: como
graça e salvação. Mas o direito que o reino escatológico de Deus estabelece sobre os homens
é bem enfatizado por ele, e não menos verdadeiro e consistentemente”
(SCHNACKENBURG, 1967, p. 100), já que “a pessoa de Jesus é inseparável da sua
pregação. [...] Nisto reside precisamente o mistério mais profundo da imagem da basileia,
incomparável, única, que irradia de toda a pregação de Jesus” (SCHNACKENBURG, 1967,
p. 100).
39

CAPÍTULO III

3. O REINO DE DEUS EM BENTO XVI

3.1. INTRODUÇÃO

Passada a análise comparativa de alguns autores sobre o que eles entendem ser o
Reino de Deus, agora vamos verificar qual a visão de Bento XVI sobre o tema.
Para tanto, faremos uma recapitulação histórica da vida de nosso autor, por entender
que o contexto em que cada pessoa está inserida ajuda a determinar sua forma de ser e seu
pensamento. Depois virá a posição de Joseph Ratzinger sobre o Jesus histórico em seus dois
momentos cruciais: na primeira abordagem, ainda sob a égide da “New Quest”, na obra
Introdução ao Cristianismo de 1967 nosso autor desenvolverá a Teologia do Filho, marcante
em toda sua cristologia, como se vê, por exemplo, em Dogma e Anúncio de 2005; e na
segunda, já sob os ditames da “Third Quest”, na obra Jesus de Nazaré de 2007 será florescida
a Teologia do Jesus real.
Por último, vislumbraremos aquele que é o centro de nossa análise: o pensamento de
Bento XVI sobre o que é o Reino de Deus com base no seu livro Jesus de Nazaré.

3.2. BIOGRAFIA

Joseph Aloisius Ratzinger é o irmão mais novo de três: Maria, irmã mais velha, nasceu
em 1921 e Georg, nascido em 1924. Nasceu em um Sábado de Aleluia, dia 16 de abril de
1927, em Marktl, às margens do rio Inn. A família mudou-se de lá dois anos depois para
Tittmoning, pequena cidade às margens do rio Salzach, cuja ponte faz fronteira com a Áustria.
O seu pai, comissário da polícia, provinha duma antiga família de agricultores da Baixa
Baviera, de modestas condições econômicas. A sua mãe era filha de artesãos de Rimsting, no
lago de Chiem, e antes de casar trabalhara como cozinheira em vários hotéis. Como o pai era
de religiosidade profunda e um decidido adversário do regime nacional-socialista, as suas
ideias políticas firmes chegaram a trazer sérios perigos para a própria família. Ele expôs-se
demais e criou muitos problemas. A família teve que mudar-se novamente no final de 1932
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para Aschau, às margens do rio Inn, um lugarejo rural, pacato, com fazendas grandes e
vistosas. Quatro anos mais tarde, nova mudança: foram morar em uma velha casa de fazenda
em Traunstein, que os pais haviam adquirido por baixo preço alguns anos antes. Foi neste
ambiente que recebeu a sua formação cristã, humana e cultural.
O período da sua juventude não foi fácil. A fé e a educação da sua família prepararam-
no para enfrentar a dura experiência daqueles tempos, em que o regime nazista mantinha um
clima de grande hostilidade contra a Igreja Católica. O jovem Joseph viu os nazistas
açoitarem o pároco antes da celebração da Santa Missa. Aos 16 anos e já seminarista, iniciou
uma espécie de serviço militar para estudantes na ocupação auxiliar de defesa antiaérea.
Porém, “no dia 10 de setembro de 1944, tendo chegado à idade militar, fora dispensado do
serviço como estudante e a convocação para o treinamento básico da infantaria alemã já
estava sobre a mesa” (RATZINGER, 2006, p. 36). O período do serviço militar durou até 19
de junho de 1945 quando recebeu o bilhete de dispensa no campo de concentração de
prisioneiros das forças aliadas.
Iniciou os estudos de filosofia no final do segundo semestre de 1945 e os de teologia
no segundo semestre de 1947 até o exame final no verão de 1950. Em 29 de junho de 1951,
juntamente com seu irmão e outros quarenta candidatos, foi ordenado sacerdote pelo Cardeal
Faulhaber, Arcebispo de Munique. A partir de 1952 iniciou a sua atividade de professor na
Escola Superior de Filosofia e Teologia de Frisinga lecionando teologia dogmática e
fundamental. Em 1953, obteve o doutoramento em teologia com a tese "Povo e Casa de Deus
na doutrina da Igreja de Santo Agostinho". Sob a orientação do professor de teologia
fundamental Gottlieb Söhngen, obteve a habilitação para a docência apresentando para isto
dissertação com título de "A teologia da história em São Boaventura". Lecionou ainda em
Bonn (1959 - 1963); em Münster (1963 - 1966) e em Tubinga (1966 - 1969) onde foi colega
de Hans Küng e confirmou uma certa visão tradicionalista como oposição às tendências
marxistas dos movimentos estudantis dos anos 1960. Aí também em Tubinga conseguiu
realizar um projeto sonhado a tempos: “arrisquei-me a fazer uma palestra para ouvintes de
todas as faculdades, sob o título: Introdução ao cristianismo. Disso, depois, nasceu um livro,
que foi traduzido para 17 línguas, chegando a um grande número de edições” (RATZINGER,
2006, p. 119). A partir de 1969, passou a ser catedrático de dogmática e história do dogma na
Universidade de Ratisbona, onde chegou a ser Vice-Reitor.
No Segundo Concílio do Vaticano (1962 – 1965), Ratzinger assistiu como peritus
(especialista em teologia) do Cardeal Joseph Frings de Colônia. Tornou-se, por isso,
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mundialmente conhecido como um dos mais influentes teólogos do Concílio Vaticano II. A
sua intensa atividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos ao serviço da
Conferência Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional. Fundou em 1972, junto
com os teólogos Hans Urs von Balthasar (1905-1988) e Henri De Lubac (1896-1992), a
revista Communio, para dar uma resposta positiva à crise teológica e cultural que despontou
após o Segundo Concílio do Vaticano. Em 25 de março de 1977 foi nomeado Arcebispo de
Munique e Frisinga pelo Papa Paulo VI. Em 1981 foi nomeado prefeito da Congregação para
a Doutrina da Fé. Decano do Colégio Cardinalício desde 2002, foi eleito Papa em abril de
2005, adotando o nome Bento XVI.

3.3. JESUS HISTÓRICO

Nesta primeira análise tomaremos um livro do final da década de 60 (1967) que traz
em seu bojo uma reflexão do cristianismo até então, com todo o vigor das ciências e dos
caminhos a serem tomados no pós Concílio Vaticano II. Nascido de palestras com o mesmo
nome, Introdução ao Cristianismo retrata bem a realidade de sua época e também a atual.
Num primeiro momento Joseph Ratzinger faz a exposição da precariedade dos
métodos empregados, para depois falar propriamente sobre Jesus Cristo. Não nega os métodos
das ciências, pelo contrário, os reafirma. No entanto, coloca a necessidade do emprego de meios
complementares. Expõe que o método científico, das ciências modernas e exatas, não é
completo para se chegar a verdade real precisamente porque muitas vezes deixa a verdade de
lado para tentar comprovar, através da repetibilidade, o que é “conhecido”. Ou seja, se
dispensa a descoberta do próprio ser, limitando-se ao “positivo”, ao que pode
ser comprovado. Em consequência, disso precisa pagar as vantagens de uma
exatidão impressionante com a renúncia à verdade que pode chegar a tal
ponto que, atrás das grades do mundo positivo, desaparecem o ser e a própria
verdade, de modo que fica cada vez mais impossível falar em ontologia e a
própria filosofia se recolhe, em grande parte, à fenomenologia que se
interessa apenas pelo que aparece (RATZINGER, 2012a, p. 146).
De modo semelhante expõe que o método histórico-crítico faz comprovação de fatos,
isto é, baseia-se em documentos para atestar o que foi verdade e o que não foi. Todavia,
“quantas vezes se esquece que a verdade plena da história foge à comprovação por
documentos, da mesma maneira que a verdade do ser se furta ao método experimental”
(RATZINGER, 2012a, p. 147). Assim,
chega-se a conclusão de que a ciência histórica no sentido estrito do termo
tanto descobre quanto encobre a história. É óbvio, portanto, que ela possa
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ver o ser humano Jesus, mas que será difícil para ela descobrir o seu ser
como Cristo, porque essa realidade, como verdade da história, não se deixa
enquadrar nos procedimentos comprobatórios daquilo que é apenas certo
(RATZINGER, 2012a, p. 147).
Depois de realizar esta breve constatação, nosso autor parte para o levantamento
histórico sobre Jesus, aqui chamamos de Old Quest e New Quest, e conclui que “não foi
totalmente em vão o processo de idas e vindas do espírito moderno entre Jesus e Cristo, cujas
etapas principais em nosso século tentei recapitular” (RATZINGER, 2012a, p. 151). Afirma
ainda que “Jesus só existe como o Cristo e o Cristo só existe em Jesus” (RATZINGER,
2012a, p. 151). Entretanto, ressalta a necessidade da fé:
precisamos dar um passo a frente, tentando, antes de qualquer tipo de
reconstituição que só pode resultar em figuras artificiais posteriores,
entender simplesmente o que diz a fé que não é reconstrução e sim presente,
que não é teoria e sim uma realidade da existência viva. Talvez devamos dar
mais crédito à presença da fé que perpassa os séculos do que a uma
reconstrução que procura o seu próprio caminho fora da realidade, porque,
em sua essência, essa fé nada mais foi do que a vontade de entender – de
entender quem e o que foi esse Jesus na verdade; no mínimo é necessário
tentar tomar conhecimento daquilo que essa fé tem a dizer (RATZINGER,
2012a, p. 151).
Mais a frente, confirmando uma mesma realidade em Jesus Cristo, assevera que o
título Cristo (Messias) e Jesus são um mesmo: “a pessoa é a função e a função é a pessoa.
Ambos estão ligados de forma inseparável. Não existe [...] um eu separado da obra – o eu é a
obra e a obra é o eu” (RATZINGER, 2012a, p. 152). E, a partir daqui, faz um entrelaçamento
da realidade de Jesus como Filho para evidenciar a sua “Teologia do Filho”: “a fé cristã não
se refere a ideias e sim a uma pessoa, a um eu, e esse eu é definido como palavra e Filho, ou
seja, como abertura total. Isto leva a uma consequência dupla [...] da fé no Cristo e [...] da fé
no Filho.” (RATZINGER, 2012a, p. 157-158). É assim “que a condição radical de Jesus como
Cristo postula a condição de Filho, e que a condição de Filho inclui a condição de Deus”
(RATZINGER, 2012a, p. 158). Dessa forma, o termo Filho pertence à “linguagem codificada
das parábolas, usada por Jesus na tradição dos profetas e dos mestres de sabedoria de Israel”
(RATZINGER, 2012a, p. 166). Mais do que isso, “é provável que a sua verdadeira origem
remonte à vida de oração de Jesus, pois forma uma unidade intrínseca com a sua nova
invocação de Deus: ‘Abba’” (RATZINGER, 2012a, p. 167).
Mas é precisamente nesta invocação de “abba-pai” que se manifesta, segundo
Ratzinger, a realidade filial e divina de Jesus:
ela se distingue da maneira de dirigir-se ao pai no Antigo Testamento pelo
fato de ser expressão de um relacionamento de intimidade; [...] o ser humano
não tinha o direito de tratar Deus com tanta intimidade. Conservando essa
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palavra em seu tom original, a cristandade primitiva quis mostrar que Jesus
rezava assim, que ele falava com Deus dessa maneira, expressando nessa
palavra uma nova intimidade com Deus que só cabia a ele usar. [...] Essa
invocação corresponde perfeitamente ao fato de Jesus mesmo se chamar de
filho (RATZINGER, 2012a, p. 167).
Jesus é o Filho porque é “expressão da relatividade total de sua existência, [...] sendo
apenas um ‘ser a partir de’ e um ‘ser para’; mas é justamente essa relatividade total que o faz
coincidir com o absoluto” (RATZINGER, 2012a, p. 168). “O título de ‘Filho’ se identifica
com as designações ‘a Palavra’ e o ‘Enviado’ [...] Jesus é a sua obra. [..] O seu ser é pura
atualidade ‘a partir de’ e ‘dirigido para’” (RATZINGER, 2012a, p. 168-170). Jesus só pode
ser o Filho porque está em relação com o Pai, “um Jesus sem Pai não tem nada, mas nada
mesmo, de comum com o Jesus histórico, com o Jesus do Novo Testamento” (RATZINGER,
2007, p. 87). No entendimento de nosso teólogo
a ideia de que Deus só pode ser conhecido como Pai de Jesus Cristo, mas
que assim é verdadeiramente acessível e que também Jesus só se torna
compreensível como “Filho”, já no Novo Testamento é radicalizada de tal
modo que a dependência do conhecimento de Deus da relação Pai-Jesus,
Pai-Filho não só é considerada uma forma do nosso conhecimento, um
acréscimo e algo exterior (ou até irrelevante) quanto a Deus, mas é tomada
como essencial para Deus mesmo. É realizada por ele e é inseparável dele,
não acendendo de fora para nós. É algo próprio Dele: Deus, de fato, existe na
relação Pai-Filho, ela lhe pertence essencialmente. Ele só pode ser
apreendido como relação (RATZINGER, 2007, p. 87-88).
Em Jesus de Nazaré, Bento XVI dá continuidade ao seu entendimento anterior: “ele vê
Jesus a partir da sua comunhão com o Pai, a qual é o centro autêntico da sua comunhão com o
Pai, sem a qual nada se pode compreender e a partir da qual Ele se torna presente para nós
hoje” (RATZINGER, 2012b, p. 11). No que tange ao método de pesquisa, mantém a sua
crítica à limitação do método histórico-crítico, mas o considera “irrenunciável a partir da
estrutura da fé cristã” (RATZINGER, 2012b, p. 13) e propõe, como método complementar, a
“exegese canônica”: “é uma dimensão essencial da explicação, que não está em contradição
com o método histórico-crítico, mas que de um modo orgânico o desenvolve e lhe permite
tornar-se autêntica teologia” (RATZINGER, 2012b, p. 15). Em resumo, “desenvolveu-se há
cerca de 30 anos na América, o projeto ‘exegese canônica’, cuja intenção consiste em ler os
textos individuais no conjunto da única Escritura, na qual todos os textos particulares
acendem a uma nova luz” (RATZINGER, 2012b, p. 14).
Desta maneira, Bento XVI “quis tentar representar o Jesus dos Evangelhos como o
Jesus real, como o ‘Jesus histórico’ no sentido autêntico” (RATZINGER, 2012b, p. 17).
Enfim, “tentei simplesmente, indo além da básica explicação histórico-crítica, aplicar os
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novos conhecimentos metodológicos, que nos permitem uma interpretação da Bíblia


autenticamente teológica, bem como interpelar a fé” (RATZINGER, 2012b, p. 19).

3.4. REINO DE DEUS

Ratzinger começa assim sua reflexão: “o conteúdo central do Evangelho diz: o Reino
de Deus está próximo. É colocada uma marca no tempo, algo de novo acontece. E é exigida
uma resposta do homem a esta oferta: conversão e fé” (RATZINGER, 2012b, p. 58). Porém,
“enquanto o eixo da pregação pré-pascal de Jesus é a mensagem do Reino de Deus, a
cristologia constitui o centro da pregação apostólica pós-pascal” (RATZINGER, 2012, p. 58).
Assim, nosso teólogo lança uma questão fundamental, qual seja, “a que diz respeito à relação
do Reino de Deus com Cristo” (RATZINGER, 2012b, p. 58).
Fazendo uma recapitulação histórica nos Padres da palavra “Reino”, nosso autor
elenca três dimensões: “Orígenes caracterizou Jesus como a autobasileia, isto é, como Reino
de Deus em pessoa. Jesus mesmo é o ‘Reino’; o Reino não é uma coisa, não é um espaço de
domínio como um reino do mundo. É pessoa: o Reino é Ele.” (RATZINGER, 2012b, p. 59).
Uma segunda acepção “designada como ‘idealista’, ou como designação mística, a qual vê o
Reino de Deus essencialmente situado na interioridade do homem” (RATZINGER, 2012, p.
60). E uma terceira dimensão, a “eclesiológica: o Reino de Deus e a Igreja são colocados de
um modo distinto um em relação ao outro e mais ou menos aproximados um do outro”
(RATZINGER, 2012b, p. 60).
Antes de aprofundar na mensagem de Jesus propriamente dito, Bento XVI faz uma
observação linguística:
a palavra hebraica que se encontra aqui subjacente – malkut – “é um nomen
actionis e designa – como também a palavra grega Basileia – a função de
soberania, a condição de senhor que era própria do rei” (Stuhlmacher I 67).
Não se trata, portanto, de um “Reino” iminente ou a constituir-se, mas sim
da realeza de Deus sobre o mundo, a qual de um modo novo se torna
acontecimento na história. [...] Jesus anuncia, à medida que fala do Reino de
Deus, simplesmente Deus e precisamente o Deus vivo, que é capaz de agir
de modo concreto no mundo e na história e que já está exatamente agora em
ação. [...] Neste sentido, a tradução “Reino de Deus” é insuficiente, pois
seria melhor se se falasse da condição senhorial de Deus ou da soberania de
Deus (RATZINGER, 2012b, p. 64-65).
Assim, o “anúncio da soberania de Deus, como toda mensagem de Jesus, radica no
Antigo Testamento, que Ele, no seu movimento progressivo desde os inícios em Abraão até a
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sua hora, lê como um todo, o qual [...] conduz diretamente a Jesus” (RATZINGER, 2012b, p.
65).
Numa reflexão da perícope de Lc 17, 20s conclui nosso teólogo que “hoje a crítica é
cada vez mais inclinada a pensar que Cristo, com essa palavra, se referia a si mesmo: Ele, que
está no meio de nós, é o Reino de Deus” (RATZINGER, 2012b, p. 68). De forma semelhante,
ultima sobre Lc 11,20: “não se trata simplesmente de presença física de Jesus, na qual estaria
o ‘Reino’, mas sim no seu agir que acontece no Espírito Santo. [..] Torna-se presente Nele e
por Ele, aqui e agora, o Reino de Deus” (RATZINGER, 2012b, p. 68).
Dessa maneira, Ratzinger afirma que “se impõe a resposta [...]: a nova proximidade do
Reino que Jesus fala e cuja proclamação constitui o elemento distintivo da sua mensagem –
esta nova proximidade consiste n’Ele mesmo” (RATZINGER, 2012b, p. 68). E prossegue:
com sua presença e sua ação, Deus irrompe como atuante aqui e agora na
história. Por isso é que agora é a plenitude do tempo (Mc 1, 15); por isso é
que agora, de um modo único, é tempo de conversão e da penitência, bem
como tempo da alegria, porque, em Jesus, Deus se aproxima de nós. N’Ele
Deus está agora em ação e é verdadeiramente Senhor – dominando
divinamente, isto é, não com o poder do mundo, mas dominando por meio
do amor que vai até “o fim” (Jo 13, 1), até a cruz. [...] É a partir daqui que
entendemos as afirmações sobre a pequenez e a condição escondida do
Reino; donde a representação fundamental da semente, que ainda nos vai
ocupar muitas vezes; donde também o convite à coragem para o seguimento,
que abandona tudo. Ele mesmo é o tesouro; a comunhão com Ele é a pérola
preciosa (RATZINGER, 2012b, p. 68).
Aqui enxergamos com clarividência a união da visão de Bento XVI sobre o Jesus
histórico (Jesus real) e o Reino de Deus como mensagem central de Jesus que é o anúncio
d’Ele mesmo, como modelo a ser seguido, como Caminho, Verdade e Vida (Jo 14, 6): “a sua
doutrina é, no fundo, ele próprio. Ele é em sua totalidade Filho, Palavra, Missão; a sua ação
está enraizada no fundo de seu ser e se identifica com ele” (RATZINGER, 2012a, p. 168-
169). E o “discurso sobre Deus é sempre central, mas precisamente porque Jesus mesmo – o
Filho – é Deus, então toda a sua pregação é mensagem do seu próprio mistério, a cristologia,
isto é, discurso acerca da presença de Deus na sua própria ação e no seu próprio ser”
(RATZINGER, 2012b, p. 70).
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CONCLUSÃO

Terminamos nosso trabalho com a certeza de que conseguimos esclarecer alguns


aspectos de nossa abordagem e, principalmente, alcançamos nosso objetivo que foi elucidar
qual é a visão de Bento XVI sobre o que é o Reino de Deus, mensagem principal de Jesus
(histórico).
Num primeiro momento, elencamos qual é a discrepância primordial apontada entre o
Jesus dos Evangelhos e o Cristo da fé, que se dá na mensagem transmitida: de um lado, o
reino de Deus; do outro, a cristologia. É interessante notar como esta aparente contradição foi
um dos motivos que deu início a toda uma investigação a respeito da pessoa do Galileu do
século primeiro. Para Jesus, só o reino de Deus “é absoluto, e faz com que se torne relativo
tudo o mais que não se identifica com ele” (Paulo VI. Encíclica Evangelii Nuntiandi, 8). Já
para a Igreja primitiva, Jesus é o centro de toda pregação, isto é, a cristologia, com foco no
Mistério Pascal, passa a ser a realidade vivida na pregação apostólica.
Deste modo, não há como falar de reino de Deus sem abordar sobre o Jesus histórico e
vice versa. Foi nessa perspectiva que aprofundamos nosso estudo. Aliás, demos um passo
além. Já está subjacente a implicação de que cada autor pensa no reino de Deus a partir de seu
pensamento sobre o Jesus histórico, mas isto é assunto para outro trabalho acadêmico.
Vimos, através da história, o desenvolvimento que o tema do Jesus histórico tomou.
As variantes e dualidades da utilização dos termos Jesus e Cristo, por vezes parecendo ser um
só, por vezes parecendo ser dois distintos. Observamos também as conclusões a que cada
época chegou. A partir daí, utilizando a metodologia da análise comparativa, visualizamos o
que alguns teólogos do século XX pensam ser o reino de Deus: Lohfink reconhece ser o reino
de Deus a escatologia da atualidade, o hoje, a atualidade transformadora; Kasper acredita no
reino de Deus abarcando a universalidade, historicidade e soteriologia da humanidade na
vivência do amor divino plenificado na pessoa de Jesus; Pagola, impregnado no imanente, vê
o reino de Deus como a restauração da justiça social; Theissen, da teologia protestante, afirma
ser o reino de Deus o estabelecimento divino de sua vontade ética; já Schnackenburg assevera
que o reino de Deus na pregação de Jesus está permeado pela escatologia, pelo seu caráter
soteriológico, religioso e universal.
Observando essas posições, podemos ver com mais clareza a posição de Bento XVI
sobre o tema. Como ele faz o entrelaçamento perfeito daquilo que é a realidade do Jesus
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(histórico) e do Cristo (da fé). Apresenta-nos, num primeiro momento, o Jesus Cristo, que só
pode ser entendido como o Filho do Pai. É sendo Filho, ser relacional e provindo do Pai, que
o Jesus histórico pode ser encontrado. Mais a frente, já no papado, ao escrever seu Jesus de
Nazaré, Ratzinger mantém sua cristologia bem fundamentada na teologia do Filho e trás
como novidade na análise do Jesus histórico a interpretação científica somada à exegese
canônica para alcançarmos aquilo que ele chama de o Jesus real, aquele que será o mestre no
amor e formador de discipulado na experiência de fé.
É, portanto, nesta linha que vai se revelar, no entendimento de Bento XVI, o que é o
reino de Deus: é o próprio e único Jesus Cristo. Assim, ele resolve não só a problemática que
deu origem a todo estudo sobre o Jesus histórico, mas também clarifica aquilo que é a sua
mensagem principal: Ele mesmo. A Igreja primitiva não alterou a mensagem de Jesus, como
aventado na história, mas deu prosseguimento aquilo que agora Ratzinger nos deixa claro:
Jesus fala do reino para anunciar a novidade de Deus que é Ele, o Deus-homem redentor e
salvador. A Igreja fala, por isso, de Jesus Cristo, o reino de Deus presente entre nós.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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