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Teologia Bíblica do Novo

Testamento
Perspectivas Sobre uma Teologia
Bíblica do Novo Testamento
Sumário
Perspectivas Sobre uma Teologia Bíblica do Novo
Testamento
Desenvolvimento do material Para Início de Conversa .................................................................................... 3
Marcio Simão de Vasconcellos Objetivos .......................................................................................................... 3
1. Perspectivas sobre uma Teologia Bíblica do
Novo Testamento ........................................................................................... 4
1ª Edição
Copyright © 2021, Afya.
1.1. Definindo Teologia Bíblica .................................................................. 6
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, 1.2. Teologia Bíblica e Teologia Sistemática:
transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico,
mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia
Relações e Tensões ................................................................................. 7
autorização, por escrito, da Afya. 1.3. Teologia e História: o Surgimento de uma Teologia Cristã ..... 8
Referências ......................................................................................................... 10
Para Início de Conversa Objetivos
Seja muito bem-vindo (a) à disciplina Teologia Bíblica do Novo ▪ Conceituar teologia bíblica, identificando os vínculos e tensões
Testamento! Neste capítulo, daremos nossos primeiros passos no estudo entre esta e a teologia sistemática, e a sua relação com a história do
das teologias que formam o conjunto literário que conhecemos como cristianismo;
Novo Testamento. Conceituaremos teologia bíblica e apresentaremos ▪ Compreender e explicar o conceito de uma teologia bíblica;
algumas reflexões sobre a relação que este tipo de perspectiva teológica ▪ Identificar corretamente as possíveis relações e os limites da teologia
mantém com a teologia sistemática. bíblica e da teologia sistemática;
Embora seja um jeito recente de fazer teologia, a teologia bíblica requer ▪ Compreender a relação entre prática teológica
um grande compromisso com a leitura e interpretação dos textos e a história.
bíblicos, de forma que as suas mensagens possam ser atualizadas
adequadamente para o nosso tempo. Ao percebermos a pluralidade
teológica presente no Novo Testamento, poderemos evitar o fato de
fazermos de nossas doutrinas teológicas, um critério absoluto para
julgarmos os outros. A teologia bíblica do Novo Testamento nos ajuda
a impedir que a intolerância seja característica de nossa vivência
eclesiástica e teológica.

Desejamos que estas reflexões auxiliem em sua prática pastoral e em


seu serviço ao mundo!

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1. Perspectivas sobre uma Teologia Bíblica do
Novo Testamento No decorrer da apostila, usaremos a sigla NT para identificar o Novo
Testamento.
Para quem observa superficialmente, o Novo Testamento parece um
conjunto literário e teológico coeso, bem estruturado e com uma única
vertente teológica. Contudo, uma análise mais aprofundada nos revela Talvez um exemplo ajude na compreensão do que foi dito até aqui. Na
uma realidade bem diferente. Nos diversos textos que compõem o história da formação do Novo Testamento, sabemos que o evangelho
seu conjunto literário (cartas, evangelhos, apocalipse), subsiste uma de Marcos foi escrito em Roma, especialmente destinado a cristãos
variedade de teologias que, muitas vezes, se contradizem mutuamente. gentios (não-judeus), enquanto o evangelho de Mateus foi escrito em
Kümmel (2003, p.29) nos diz que “se, portanto, perguntamos pela teologia um ambiente judaico, para cristãos oriundos do judaísmo. Ora, em
do Novo Testamento, e não da Bíblia como um todo, defrontamo-nos uma questão importante – a saber, as relações no casamento –, os
ao mesmo tempo com a questão da unidade desse Novo Testamento dois evangelhos apresentam uma leitura distinta. Em Mt 19.9, Jesus
e eventual pluralidade de vozes nele manifestas”. Isso se explica tanto afirma que “se alguém repudia sua mulher e se casa com outra, comete
pelas intencionalidades de cada texto do NT, como também pelas adultério”. Já o evangelho de Marcos acrescenta uma cláusula a esta
diferenças histórico-culturais dos homens e mulheres que receberam a questão: “Se alguém repudia sua mulher e se casa com outra, comete
fé em Jesus. Essa experiência de fé não ocorreu no vácuo ou de maneira adultério contra ela, e a mulher que repudia seu marido e se casa com
neutra. Ela sempre foi absorvida e (re)interpretada a partir da concretude outro comete adultério” (Mc 10.11-12). Não queremos entrar no mérito
da vida. Isso, aliás, revela uma característica da fé cristã: ela leva a sério o da discussão sobre o divórcio, mas apenas apontar as diferenças nas
chão da existência e só tem sentido se considerar todas as questões que narrativas que foram provocadas por contextos culturais específicos.
surgem. Dessa forma, cada contexto cultural interpretou à sua maneira a Miranda (2001, p.17) nos diz que:
experiência de Deus vivenciada por meio de Cristo.
‘‘ Oimpossibilidade
texto de Mateus não fala de um repúdio por parte da mulher porque era uma
cultural no contexto palestino. Como se acredita que Marcos
tenha escrito seu Evangelho em Roma, cuja cultura admitia que uma mulher se

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divorciasse legalmente de seu marido, ele interpreta as palavras de Jesus para
ajustá-las ao novo contexto. Com isto acrescenta as palavras que Jesus não disse,
mas poderia ter dito, caso as proferisse em Roma.
’’ Para muitos, pode parecer estranho afirmar a presença feminina na
escrita de textos bíblicos, contudo é possível que pelo menos um livro
Retornaremos a essa questão nesta unidade de aprendizagem, porém, do NT seja produção de uma mulher: para alguns exegetas, a Carta aos
antes de prosseguirmos, faremos uma pausa para refletirmos sobre o Hebreus foi escrita por Priscila, esposa de Áquila (cf. Rm 16.3). Conforme
conceito de revelação e de inspiração que, para os cristãos, caracterizam afirma o NT, Priscila é a líder da igreja que se reúne em sua casa.
os Ketubim. Por revelação, compreendemos a aproximação de Deus Voltaremos a esse tema da liderança feminina na igreja cristã primitiva
ao ser humano e à criação. Como veremos adiante, significa que Deus numa unidade posterior. Dentre os exegetas que defendem essa autoria,
deseja manter relacionamento com o mundo criado, e faz isso por meio podemos citar: A. Harnack; S. Grenz; Leonard Goppelt; Ruth Hoppin; R.
de mediações culturais. Já a inspiração faz referência ao Hermann; L. Belleville; Sandra Morais Ribeiro dos Santos. O luterano
fato do texto bíblico constituir um desses meios Milton Schwantes também reflete sobre esse tema.
pelos quais a revelação divina ocorre. Ora, é
preciso perceber que tanto a revelação como
a inspiração não são palavras mágicas nem Nesse sentido, necessitamos reconhecer que o discurso teológico, assim
conceitos que fornecem ao texto bíblico um
como ocorre em qualquer discurso, é limitado pelo condicionamento
caráter puramente divino. Pelo contrário, a
histórico-social, econômico, político e religioso do ambiente em que
revelação e a inspiração lidam com seres
surge. Esse ponto gera uma dupla percepção: do ponto de vista negativo,
humanos que produziram tais textos.
Deus não escreveu a Bíblia diretamente, observamos que nenhuma teologia pode ser completa em si mesma.
mas por meio de homens e mulheres Todas são reféns de uma limitação de discurso, fruto do condicionamento
que, tocados pela experiência com Cristo, cultural, que as identificam como produções humanas. De forma prosaica,
encarnaram a sua fé no meio em que Deus não faz teologia. São pessoas, cada uma em seu próprio contexto
viviam. Esse encontro entre experiência de cultural, que refletem teologicamente. No caso do cristianismo, essa
Deus e experiência do mundo é o que constitui reflexão parte da autoproclamação de Deus ao mundo (revelação), que é
o chão que sustenta toda a Escritura. recebida a partir de diferentes perspectivas que devem ser levadas a sério.

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Por outro lado, falando positivamente, essa relação dialogal entre de que diante do ser humano, não existe um Deus ofendido em seu
revelação e recepção é um dado teológico e foi a maneira que o próprio orgulho próprio, nem uma divindade irada que deveria ser aplacada
Deus escolheu para se autocomunicar ao mundo. Para a tradição por sacrifícios e liturgias, mas sim, um Deus-Amor que é capaz de
judaicocristã, a primeira palavra, o primeiro ato de amor e a primeira solidarizar-se com o sofrimento humano, que é pleno de compaixão
atitude de graça são sempre de Deus. Foi Ele quem soprou seu fôlego de e cuidado, que é Abá, “papaizinho” no linguajar de Jesus. Como bem
vida, sua ruah, sobre o ser humano recém-criado para que nele houvesse afirmou o Papa Francisco(2016), em um de seus livros mais recentes,
vida (cf. Gn 2.7). Deus é quem chama Abrão, guiando-o para um novo o nome de Deus é misericórdia. Estes temas, próprios de uma teologia
lugar, com o objetivo de abençoar todas as famílias da terra (cf. Gn 12.1-
bíblica do Novo Testamento, acompanharão toda a nossa reflexão no
3). Deus é quem viu a aflição e ouviu o clamor do seu povo escravizado
decorrer de nossos estudos.
no Egito, e desceu para libertá-lo (cf. Êx 3.7), sinalizando com tal atitude,
o seu desejo divino de efetuar libertação de toda e qualquer opressão
a que homens e mulheres foram e são submetidos na história. Os 1.1. Definindo Teologia Bíblica
exemplos se multiplicam ao longo do Antigo Testamento, ao ponto do
Em sua metodologia, uma teologia bíblica parte do texto bíblico para
profeta exclamar: “porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com
construir sua reflexão. A princípio, esta definição parece simplória demais,
ouvidos se percebeu, nem com olhos se viu Deus além de ti, que trabalha
contudo requer uma grande variedade de ferramentas – exegéticas,
para aquele que nele espera.” (Is 64.4).
históricas, literárias etc. – para a compreensão do texto bíblico, que é
Esse desejo de autocomunicar-se ao mundo encontra seu ápice na a fonte dessa maneira de fazer teologia. Para Goppelt (2002, p.15) a
encarnação do próprio Deus em Jesus de Nazaré. “Porque Deus amou teologia do Novo Testamento:
o mundo de tal maneira”, afirma o evangelho de João, “que deu o seu
Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha ‘‘ neotestamentária
É o cume do monte ao qual conduzem os difíceis caminhos da exegese
e do qual, olhando-se para trás, a vista os pode abranger. Essa
a vida eterna. Porque Deus enviou seu Filho ao mundo não para que
comparação evidencia que entre a exegese e a teologia do Novo Testamento
julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele.” (Jo 3.16- existe uma reciprocidade. A teologia neotestamentária não somente coleta os
17). A encarnação do Verbo é o anúncio, em som audível e cristalino, resultados da exegese, mas desenvolve um panorama, ou melhor, uma visão

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global, que, por seu turno, enriquece a exegese e, no fundo, a torna possível. O Dessa forma, o procedimento de uma teologia
estudo do Novo Testamento ocorre, tanto teológica como historicamente, sempre bíblica do NT consiste em partir do específico
a partir do detalhe em direção ao todo e do todo em direção ao detalhe.
’’ para o geral. Somente depois de elaborar uma
perspectiva sobre a teologia de determinado
O grande e principal desafio de uma teologia bíblica do Novo
escrito neotestamentário, é que se poderá
Testamento é “ouvir” as diferentes vozes teológicas que subsistem em realizar uma aproximação desse texto com os
cada livro bíblico. No caso da teologia bíblica do Novo Testamento, este demais escritos que compõem o Novo Testamento.
processo implica em analisar cuidadosamente os contextos específicos Nesse segundo momento, segue-se um procedimento
nos quais cada texto foi gerado, reconhecendo as temáticas teológicas comum à exegese bíblica, já citado por Jerônimo (século
nele presentes. Contudo, ao fazer isso, Kummel (2003, p.33) constatará IV d.C.): “a Bíblia é ela mesma seu próprio comentário”. Ou seja, após a
uma questão por vezes problemática: “no Novo Testamento existe uma compreensão da voz teológica própria do texto lido, busca-se perceber
como essa voz se harmoniza (ou não) com os demais textos bíblicos, em
pluralidade de vozes que, por vezes, se contrariam e que, em todo caso,
um processo de correlação de textos do NT.
se manifestam de maneiras tão diferentes que, sua mensagem não pode
ser ouvida em consonância sem que antes passe por um exame”. E ele
ainda acrescenta:
1.2. Teologia Bíblica e Teologia Sistemática: Relações e Tensões
Enquanto a Teologia Bíblica reflete um pronunciamento teológico
‘‘ Por essa razão a tarefa de uma Teologia do Novo Testamento não pode consistir
primeiramente em apresentar opiniões do Novo Testamento como um todo,
histórico específico (o do autor [israelita ou cristão] de determinado texto
em forma de um sumário. Caso assim procedêssemos, ver-nos-íamos forçados bíblico [do AT ou do NT]), a Teologia Sistemática reflete uma corrente
a transformar as concepções de cada escrito, ou grupos de escritos, numa teológica específica às tradições teológicas cristãs. Se a perspectiva for
concepção média, bem como sacrificar pensamentos divergentes das ideias bíblico-teológica, talvez seja mais interessante um esforço de Teologia
predominantes. Contudo, a tarefa de uma Teologia do Novo Testamento poderá Bíblica. Se a perspectiva for histórico-eclesiástica, a Teologia Sistemática,
consistir unicamente em permitir que cada escrito, ou grupo de escritos, manifeste ao lado da História da Teologia, pode contribuir para o esclarecimento
cada qual a sua voz, e somente então perguntar pelo que estes têm em comum de temas importantes da Teologia. Essas duas formas de fazer teologia
entre si, bem como constatar suas diferenças que não podem ser superadas.
’’ têm o seu lugar e a importância.

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1.3. Teologia e História: o Surgimento de uma Teologia Cristã
Vale ressaltar o grande risco à teologia e aos teólogos cristãos: o risco de Toda teologia tem profunda relação com seu próprio tempo histórico.
fazer de Deus um instrumento de opressão a discursos alheios que, por Dissociar a reflexão teológica das condições históricas, culturais,
serem diferentes, são taxados de heréticos ou até mesmo demoníacos. É
econômicas, sociais, políticas e religiosas na qual ela foi formulada,
preciso cuidado para não se produzir uma teologia distante do caráter do
amor que caracteriza Deus e seu reino. desfigura a própria teologia. Por isso, é fundamental compreendermos
Thielicke (2001, p.55) adverte sobre os riscos da teologia tornar-se os tempos históricos (aqueles que fizeram surgir as diferentes teologias
sagrada ou diabólica. A teologia pode: do Novo Testamento, e os que estão relacionados a nossa realidade
(...)ser uma fria camisa de ferro que nos esmaga e nos congela até contemporânea). Deixar de fazer isso implica em separar a reflexão
a morte. Pode ser também – para isto ela existe – a consciência teológica (teoria) da vida cotidiana (prática), o que causa prejuízos à vida
da congregação cristã, sua bússola, e o canto de louvor das ideias. e à própria fé em Jesus.
Qual das duas possibilidades se concretizará, depende do grau em
que há cristãos que ouvem e oram por trás do labor teológico… Em uma conferência realizada no Instituto FilosóficoTeológico
Franciscano, em Petrópolis, o Frei Olivier respondeu à pergunta sobre
como fazer teologia em nosso tempo. Isso tudo foi documentado na obra
E como atividade humana, Thielicke (2001, p.56) nos diz que a teologia de Libanio e Murad (1996, p.17):
sempre será ambivalente:
Sugeriram-me, entre outros, o tema “Como estudar teologia hoje?”. É esse tema que

‘‘ Pode ser Teologia sagrada ou Teologia diabólica. Depende das mãos e corações
envolvidos. E não é necessariamente o critério de ortodoxia versus heresia
gostaria de tomar, mudando-o um pouco. Não diria “Como estudar teologia hoje”,
mas “Como fazer teologia?”. Para mim, a diferença é muito importante. Quando se diz
que define com qual das duas estamos lidando. Não creio que Deus viva “estudar ou aprender teologia”, está-se, de certo modo, considerando que a teologia
neuroticamente procurando erros nas ideias teológicas. Aquele que concede é uma coisa fixa, morta; uma coisa que se pode pegar, que se pode conhecer, que se
perdão à vida do pecador é também certamente um Juiz generoso das reflexões pode adquirir como se adquire um quadro ou uma fortuna. É dizer que a teologia é
teológicas. Mesmo um teólogo ortodoxo pode estar espiritualmente morto,
um saber, que se pode, simplesmente, transmitir. Ora, teologia não é isto! A teologia
enquanto talvez o herege esgueira-se por atalhos proibidos e encontra as fontes
é uma coisa viva; uma coisa que escapa, que se movimenta, que avança.’
da vida...
’’
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Tempos atrás, quando eu era estudante como vocês, “estudando teologia”, muitos ameaças e mortes contra pessoas, só porque pensam de forma
professores me “ensinaram teologia”, isto é, expuseramme soluções completas. Deram- diferente de nós (cf. At 9.1). O fariseu descrito no evangelho de Mateus
me respostas a questões que eu não levantava. É muito importante compreender
(cf. Mt 23), às vezes, é nosso companheiro interior, e a única maneira de
que teologia não é isto. É mais ou menos como o catecismo. Não sei se no Brasil o
combatê-lo é desistir de uma reflexão teológica aguerrida, intolerante
catecismo é como na Europa: são apenas perguntas e respostas. “Quantas pessoas
há em Deus? Há três pessoas em Deus”. Isto não é uma pergunta! A pergunta não é e fechada ao diálogo. Essa perspectiva, já afirmada na disciplina de
verdadeira. A pergunta está aí unicamente para obter a resposta. Dão-se respostas, introdução ao Novo Testamento, precisa agora ser ressaltada caso
mas não se levantam verdadeiras perguntas. E isto não é fazer teologia. se deseje, de fato, apreender o que cada texto neotestamentário
apresenta de particular em sua visão teológica.
Nesse sentido, é necessário afirmar duas condições essenciais à prática
2. Isso não significa, por outro lado, que não há critérios para julgar
teológica cristã e à compreensão das variadas teologias que compõem o
teologias e espiritualidades. Em um mundo tão fartamente religioso
Novo Testamento:
como o nosso, no qual há abundância de espiritualidades, é necessário
1. Porque é experiência de Deus que ocorre de forma mediada por ter meios de analisar teologicamente perspectivas diversas, a fim
um contexto histórico-cultural específico, não se pode defender de preservar a identidade cristã. “Nem todo o que me diz ‘Senhor!
uma univocidade de discursos teológicos nas páginas do NT. Pelo Senhor!’ entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade
contrário: há uma pluralidade de teologias, eclesiologias, liturgias, do meu Pai que está nos céus”, é o que afirma Jesus no evangelho
escatologias etc. retratadas nos textos do NT. Sendo assim, não temos (Mt 7.21). Por isso, o critério para julgar as diferentes teologias não
uma doutrina “pura” ou até mesmo ortodoxa que justifique práticas é uma doutrina, mas sim uma Pessoa. “Eu sou o caminho, a Verdade
intolerantes contra qualquer grupo interno ou externo à fé em e a Vida”, disse Jesus (Jo 14.6). Então, isso significa afirmar que uma
Jesus. Defender dogmaticamente uma doutrina específica pode nos teologia bíblica do Novo Testamento se faz ao termos a vida de Jesus
conduzir ao mesmo jeito de ser farisaico, que foi abundantemente como bússola orientadora para a caminhada.
denunciado pelo Cristo, pois, em nome da “defesa da fé” (considerada
Neste capítulo vimos que a teologia bíblica do Novo Testamento
aqui como a absolutização de nossas próprias perspectivas pessoais
parte do particular para o geral na sua reflexão. Assim, o grande
sobre Deus), podemos acabar desejando o assassinato de mulheres
desafio desta proposta de reflexão teológica consiste em ouvir a voz
só para ter um motivo para acusar a Jesus (cf. Jo 8.1-6) ou respirando

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de cada texto do Novo Testamento, identificando suas preocupações
pastorais e teológicas, além de seus principais temas, relacionando Referências
estes escritos entre si. FRANCISCO. O nome de Deus é misericórdia: uma conversa com Andrea
Vimos também que cada discurso teológico presente no Novo Tornielli. São Paulo: Planeta, 2016.
Testamento é condicionado do ponto de vista histórico e cultural, o que, GOPPELT, L. A Teologia do Novo Testamento. 3 ed. São Paulo: Teológica,
por um lado, fornece uma limitação a este discurso, mas, por outro, traz à 2002.
tona o desejo divino de autocomunicar-se ao mundo por meio do que é
próprio do humano. KÜMMEL, W. G. Síntese teológica do Novo Testamento. 4 ed. São Paulo:
Teológica, 2003.
Por fim, analisamos a maneira como a reflexão teológica se relaciona
com a história. Esta relação fornece um caráter específico à produção LIBANIO, JB & MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas.
teológica, que deve ser considerado na análise dos textos do Novo São Paulo: Loyola, 1996.
Testamento. O critério máximo para julgarmos as diferentes teologias e MIRANDA, M. F. Inculturação da fé: uma abordagem teológica. São Paulo:
espiritualidades é o próprio Cristo, a Palavra de Deus encarnada. Loyola, 2001.

RIBEIRO, O. L. Teologia bíblica e teologia sistemática: diferenciações


e observações. Disponível em: http://www.ouviroevento.pro. br/
outraspublicacoes/teo_bib_e_teo_sist.htm . Acesso em: 14 jul 2016.

THIELICKE, H. Recomendações aos jovens teólogos e pastores. 2 ed. São


Paulo: Betânia, 2001.

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