Você está na página 1de 5

SEMINÁRIO ADVENTISTA LATINO-AMERICANO DE TEOLOGIA

Disciplina: Temas Contemporâneos da Teologia Adventista


Docente: Adriani Milli Rodrigues
Discente: Tiago Dias Santos
Auto avaliação: 10

O Princípio Macro Hermenêutico Adventista

1. Introdução
Conta-se que certo boi, chamado Bob, vivia contente em todo momento,
enquanto todos reclamavam do capim seco e do feno sem cor. Tudo que se via à
volta era marrom ou acinzentado. A morte parecia certa. Bob, entretanto, era o único
que estava animado e com boa aparência, enquanto os outros reclamavam e
definhavam sem comer.
Qual a diferença entre Bob e os demais bois? O que o tornava diferente?
Quando ainda novo, Bob ganhou uns óculos com lentes verdes. Ele se afeiçoou aos
óculos de forma que não os abandonava. Assim, quando todos viam o capim seco
amarronzado, Bob o via sempre verde. Continuava feliz e se alimentava.
De semelhante modo, ao olharmos as Escrituras, somos influenciados pelas
lentes que utilizamos. A visão macro hermenêutica que possuímos determina a
significação do texto bíblico e a interpretação profética. Como adventistas, somos
convidados a abraçar a visão hermenêutica dos pioneiros, baseada na Doutrina do
Santuário e tendo como pano de fundo o Grande Conflito.

2. A Hermenêutica
A hermenêutica pode ser descrita como “ciência (princípios) e arte (tarefa) de
apurar o sentido do texto bíblico” 1, desta maneira é o método determinante da forma
como abordamos a Bíblia e conduzimos a interpretação de seus textos. A macro
hermenêutica ou “visão” que o indivíduo tem determina a forma como enxergará a
teologia bíblica, levando à prática. Então, se sua teologia for correta, sua prática
também será. O contrário também é verdadeiro.
Em nível macro, a hermenêutica rege nossa filosofia, isto é, a cosmovisão
pela qual enxergamos, determinamos significados e compreendemos o mundo. No

1 ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo, SP: Vida Nova, 1994.
nível meso, determina os conceitos e doutrinas. Assim, conduz a sistematização que
se faz do texto bíblico. Destarte, ao nível micro, a hermenêutica conduz o estudo
textual da bíblia, a exegese que se realiza.
Percebe-se que há um movimento do nível macro para o micro, passando
pelo meso. Este fluxo é natural e indutivo. Podemos ilustrá-lo da seguinte forma: se
tenho determinado que uma ovelha é roxa, naturalmente, então, ao ler um texto que
fale de ovelha, a terei como roxa. Assim, vê-se que há uma grande dificuldade nesta
análise, já que nossa cosmovisão pode determinar um significado diferente ao texto
sagrado.
Então, faz-se necessário fazer o movimento inverso de forma intencional:
tenho ovelha como sendo roxa, mas o texto parece indicar algo diferente, logo, devo
aceitar que minha pressuposição não é confiável. O texto (nível micro) deve alterar
nosso conceito (nível meso) para que haja uma alteração de cosmovisão (nível
macro). Esse processo deve sempre se repetir até que a nossa visão seja, dentro do
possível, puramente bíblica. Portanto, aceitamos a Bíblia como intérprete de si
mesma e fonte confiável de toda verdade.
Para Canale, a teologia produzida no nível macro hermenêutico – Teologia
Fundamental – é a base para a produção da teologia bíblica e sistemática. Logo,
tendo uma base sólida e uma teologia posterior bem construída, habilita o intérprete
e posteriormente a igreja, na prática adequada, isto é, conduz à teologia aplicada.
Entretanto, o inverso é perigoso. O pragmatismo religioso é extremamente danoso.
Faz a Bíblia se adequar a nossa prática quando nossa práxis ministerial deveria ser
escrava da Palavra. Dessa forma, a teologia deve guiar a estrutura da igreja, e a
estrutura da igreja, por sua vez, deve preservar o ensino teológico. Quando a
estrutura denominacional se torna tudo, o ministro se torna um agente em ações
diversas e se perde como teólogo, com autoridade bíblica.
Carson2 exemplifica de forma clara a importância do assunto aqui abordado:
“Se alguém cometer um erro na interpretação de umas das peças de
Shakespeare (...), é improvável que isso acarrete consequências eternas.
Mas não podemos aceitar facilmente uma complacência semelhante na
interpretação das Escrituras. Estamos lidando com os pensamentos de
Deus; somos obrigados a nos esforçar ao máximo para entendê-los
verdadeiramente e explica-los com clareza.”

2 CARSON, D. A. Os perigos da interpretação bíblica. 2. ed. São Paulo, SP: Vida Nova, 2007.
Assim, a Igreja Adventista do Sétimo Dia assume a responsabilidade de
apresentar a Bíblia e somente a Bíblia como a verdadeira Palavra de Deus, fonte de
fé e prática, tendo uma solene mensagem para o mundo.

3. Origem Histórica da Hermenêutica Adventista


Os pioneiros adventistas abandonaram suas igrejas não porque desejassem
fundar uma nova denominação religiosa. Desejavam estudar a Bíblia e encontrar a
verdade nela contida. Contudo, suas descobertas eram incompatíveis com a fé
anterior e, não aceitas em suas igrejas, obrigando-os a iniciar um novo movimento
de reforma a partir da Bíblia, e somente da Bíblia; um movimento de extrema
rejeição às crenças estabelecidas sem base bíblica – a tradição cristã.
Neste modelo trouxeram o ensino do sábado, do ministério de Cristo no
Santuário Celestial, da imortalidade condicional da alma e uma correta visão da
justificação pela fé e sua relação com o decálogo.
A doutrina do santuário se tornou a base macro hermenêutica adventista,
mediante a qual ligavam todos os ensinos bíblicos e compreendiam as profecias,
especialmente as profecias de Daniel. Desenvolveram ainda como pano de fundo o
cenário do grande conflito cósmico, no qual nosso planeta está envolvido, afetando
nossas vidas e modificando o plano original de Deus.
A identidade adventista se desenvolveu por meio deste método de
interpretação da Bíblia. Diferentemente da tradição cristã, seja protestante ou
Católica Romana, o método histórico-gramatical entende as Escrituras como sendo
um registro histórico fidedigno, consistindo em um relato descritivo e prescritivo. Não
se trata apenas de um registro histórico, muito menos mitológico / alegórico. Trata-
se, antes de tudo, da expressa vontade de Deus, Sua revelação ao ser humano.
Portanto, uma compreensão diferente da autoridade das Escrituras e de sua função
normativa conduz a falsas doutrinas e a uma deturpação da prática litúrgica e
ministerial.

4. Mudanças na Macro Hermenêutica Adventista


Os pioneiros adventistas começaram um estudo vigoroso da Bíblia tendo
como visão hermenêutica a Doutrina do Santuário, como já dito, e o total abandono
da tradição e dos conceitos extra bíblicos. Contudo, o desenvolvimento deste
sistema ficou incompleto. Entretanto, um legado foi deixado às gerações posteriores.
A tentativa de aproximação com o mundo evangélico / protestante, aliada a
entrada dos eruditos adventistas nos círculos acadêmicos, favoreceu o
enfraquecimento da visão hermenêutica que os torna distintos. Muitos começaram a
entender que eram praticamente semelhantes e, portanto, poderiam adotar materiais
e métodos de trabalho. Acontece aí a mudança no nível macro hermenêutico da
interpretação bíblica adventista.

5. Temas Controversos na Teologia Adventista


À medida que os eruditos adventistas adentraram às academias e buscaram
aceitação e posterior reconhecimento, foram confrontados com métodos críticos de
interpretação bíblica. Na tentativa de permanecer no princípio sola-tota-prima
scriptura, deram ênfase em seus estudos a disciplinas como arqueologia e
cronologia bíblica.
É notável que uma das principais mudanças na teologia adventista ocorreu na
adoção da compreensão protestante de justificação pela fé, a qual defende muitas
vezes uma visão determinista, onde Deus estabelece os que serão salvos ou os que
se perdem, quer por Sua presciência ou autoridade. Logo, qualquer ação humana
não influencia no processo ou muda o resultado. Destarte, se estabelece ainda a
justificação pela fé como sendo a compreensão da salvação de forma completa na
cruz. O ministério de Cristo no Santuário Celestial e seus desdobramentos não
possuem relevância. Esta mudança é bastante latente entre os adventistas
evangélicos e progressistas.
No meio dos adventistas históricos há a intenção de retorno às origens. O
lado positivo é a manutenção da doutrina do santuário. O negativo é o foco no
Espirito de Profecia em detrimento da Bíblia. Duas principais discussões surgem
nesta linha: a negação da doutrina da trindade, dita não ser vista entre os pioneiros
e declarada como sendo católica, desdobrando na negação da divindade e
pessoalidade do Espirito Santo e na má compreensão da natureza de Cristo.
Ademais, o segundo ponto negativo é o ensino do perfeccionismo. A ideia de
que o homem pode ser semelhante a Cristo e viver uma vida sem pecado, e que a
parousia está condicionada ao estado dos que serão salvos, os quais devem ser
encontrados com perfeito caráter.
Então, percebe-se claramente que toda distorção teológica tem como origem
a mudança do princípio hermenêutico adotado. Logo, é imprescindível à Igreja
Adventista do Sétimo Dia um retorno ao principio tota-sola-prima scriptura e ao
referencial macro hermenêutico da doutrina do santuário, adotando o método
gramático-histórico de interpretação.

6. Retorno ao Referencial Hermenêutico


Identificando-se como o Remanescente Escatológico da profecia bíblica,
solene responsabilidade repousa sobre a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Há a
necessidade urgente de abandono das tradições protestantes e de retorno a um
sistema teológico bíblico. Ser Sua Igreja visível implica em tornar-se um centro
teológico e uma agência missionária. Não há espaço para pragmatismo, destituindo
da Palavra o método e senso de missão. A Bíblia deve orientar a igreja e, somente a
Bíblia.
É preciso finalizar a obra iniciada pelos pioneiros. A missão foi impulsionada
pela teologia. Uma verdadeira compreensão da verdade leva imediatamente ao
cumprimento da comissão estabelecida por Jesus Cristo. A igreja precisa avançar na
proclamação. Precisa se estabelecer organizacionalmente. Deve crescer
numericamente. Mas, antes de tudo, precisa se firmar teologicamente, sem
esquecer seu papel, origem e missão.
Um verdadeiro retorno a visão macro hermenêutica adventista hoje não
implica apenas no abandono de tradições protestantes e de filosofias não bíblicas
como no passado. Hoje, implica até mesmo em mudar aquilo que nos tornamos ao
abandonar a forma adequada de estudo das Escrituras. O pragmatismo adventista.
Invertemos a ordem das coisas: fazemos o que parece dar certo ou produzir grandes
resultados, para depois justificar na Bíblia. Este caminho é nocivo. Prejudica a igreja
e a impede de cumprir cabalmente sua missão.

7. Conclusão
O referencial para compreensão da Bíblia por parte dos pioneiros foi a
Doutrina do Santuário, o pano de fundo do Grande Conflito, a interpretação
gramatico-histórica, juntamente com o abandono da tradição protestante e da
filosofia Católica Romana. A mudança de ênfase da igreja da teologia para a prática
levou ao abandono do estudo das Escrituras e eclipsou a revelação bíblica e sua
autoridade. É indubitável a possibilidade de retomar o caminho, reafirmar nossa
teologia, ser o remanescente e cumprir a missão.

Você também pode gostar