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COMPORTAMENTO CÍCLICO DE PAREDES DE FRONTAL

POMBALINO PROPOSTA DE MODELAÇÃO COM O


PROGRAMA 3MURI

Helena Meireles Ágata Mascarenhas Ana Simões Rita Bento


Investigadora Aluna Mestrado Investigadora Professora Catedrática
IST/CERIS IST IST/CERIS IST/CERIS
Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa
helenaalvesmeireles agata.mascarenhas ana.g.simoes rita.bento
@gmail.com @tecnico.ulisboa.pt @tecnico.ulisboa.pt @tecnico.ulisboa.pt

SUMÁRIO

O trabalho propõe um procedimento para a modelação de paredes frontais, características


dos edifícios Pombalinos, no programa 3Muri. Discute-se o procedimento desenvolvido que
tira partido de resultados experimentais em paredes de frontal obtidos em trabalhos anteriores
e apresenta-se a sua aplicação a um edifício Pombalino tipo, de forma a verificar a fiabilidade
da proposta de modelação.

Palavras-chave: Alvenaria, Frontal, Pombalino, 3Muri, Análise sísmica

1. INTRODUÇÃO

Os edifícios Pombalinos na baixa de Lisboa, datados do século XVIII, têm um valor patrimonial
reconhecido a nível nacional e internacional. Estes edifícios têm no seu interior uma complexa
estrutura em madeira tridimensional, altamente hiperestática, conhe
Pombalina, ligada à estrutura principal em alvenaria de pedra.
composta por paredes de frontal e pisos em madeira (Figura 1), que se assume contribuírem
favoravelmente para o comportamento sísmico global dos edifícios Pombalinos, quer ao nível
da resistência no próprio plano das paredes quer ao nível do travamento entre os vários
elementos, evitando o colapso para fora do plano das paredes de fachada [1-3].

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Figura 1. Paredes de frontal em edifícios Pombalinos [4]

A avaliação sísmica adequada dos edifícios Pombalinos, com paredes resistentes de pedra
ordinária no exterior, paredes de frontal e tabiques no interior e pisos de madeira (com
comportamento flexível no plano) exige o recurso a análises não lineares [5]. Para tal, é
necessário modelar esses elementos em programas de cálculo auxiliares utilizados pelos
gabinetes de projeto. Um dos programas utilizados para a avaliação sísmica de edifícios
existentes em alvenaria é o programa 3Muri [6] (versão comercial do Tremuri [7]). O programa
foi desenvolvido especificamente para avaliar a resposta de um edifício através de métodos
de análise não linear, baseados no uso de macro-elementos [7], tendo como vantagem a
simulação não linear do comportamento de corte e flexão dos elementos estruturais. Contudo,
não existe, na versão comercial, um macro-elemento representativo do comportamento das
paredes de frontal (à exceção do macro-elemento desenvolvido na versão de investigação do
programa Tremuri [7] no trabalho de doutoramento de Meireles [8]). Assim, surgiu a
necessidade de propor uma solução para modelar paredes de frontal (nomeadamente como
uma parede de alvenaria equivalente), tendo em conta as ferramentas disponíveis no
programa 3Muri [6], e tirando partido dos resultados experimentais efetuados em paredes de
frontal em trabalhos anteriores.

Assim, neste artigo apresenta-se o trabalho experimental desenvolvido no Laboratório de


Estruturas e Resistência de Materiais (LERM) do IST [8], onde foi estudado o comportamento
cíclico de uma configuração de paredes de frontal: tipo C2x2 (frontal com 2 cruzes de Santo
André em altura e comprimento). Com os ensaios efetuados, obtiveram-se como resultado as
curvas de capacidade deste tipo de frontal (estudo analítico), representativas das paredes de
frontal existentes. Definiram-se adicionalmente as curvas de capacidade para outras
configurações de paredes de frontal, nomeadamente C2x3, C2x4, C3x2, C3x3, C3x4, e para
paredes de frontal localizadas em pisos elevados (de modo a contabilizar outras condições
de carregamento). Estas curvas de capacidade foram definidas a partir dos resultados da
configuração do frontal tipo C2x2 ensaiado e do tipo de colapso observado.

Expõe-se o procedimento desenvolvido e proposto para modelar as paredes de frontal dos


edifícios Pombalinos, com diferentes configurações estruturais e níveis de cargas axiais, na
versão comercial do programa 3Muri [6], por se tratar de um programa de cálculo específico
para a avaliação e reforço sísmico de edifícios com estrutura de alvenaria (ou mista alvenaria
betão armado). Por fim, procedeu-se à modelação de um edifício tipo Pombalino com as
paredes de alvenaria equivalentes a simular as paredes frontais. O edifício foi analisado
anteriormente por Meireles [8] mas considerando as paredes frontais modeladas com um

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macro-elemento na versão de investigação Tremuri [7]. Os resultados obtidos foram
comparados de forma a verificar a fiabilidade da nova proposta de modelação de paredes de
frontal no programa 3Muri [6].

2. CARACTERIZAÇÃO CÍCLICA DAS PAREDES DE FRONTAL - ESTUDO


EXPERIMENTAL E ANALÍTICO

A configuração ensaiada no LERM para a caraterização cíclica de paredes de frontal


(configuração C2x2) está representada na Figura 2. Foram efetuados três ensaios, nos quais
foi considerada uma carga vertical de 30 kN/m ao longo da parede, para simular uma parede
localizada no piso 1 de um edifício de 5 pisos [9].

Figura 2. Parede de frontal C2x2: ensaio cíclico no LERM (esquerda) e características


geométricas da parede ensaiada [dimensões em metros] (direita) [9]

O modelo histerético, que descreve o comportamento cíclico das paredes frontais, é baseado
numa abordagem fenomenológica que tem como objetivo reproduzir a resposta das paredes
sob cargas monotónicas ou cíclicas [8, 9]. O comportamento histerético das paredes de frontal
exibe grande não-linearidade e ductilidade. O modelo é constituído duma série de funções
lineares e exponenciais e calibrado com um total de 9 parâmetros, de modo a definir a
resposta não-linear histerética da parede (Figura 3, esquerda).

Figura 3. Modelo histerético experimental (esquerda) e sobreposição das curvas histeréticas


experimentais e analíticas (direita) [9]

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A curva de capacidade (envelope) da parede (força em função do deslocamento no topo da
parede) é determinada por uma função exponencial e uma função linear e é definida por 6
parâmetros (Equação 1).

(1)

Em que F0 e r1 são dois parâmetros da curva exponencial (Figura 3, esquerda), K0


corresponde à rigidez inicial, r2 o parâmetro da curva linear, Fu representa a força máxima, u
o deslocamento último da curva exponencial (associado a Fu) e ult o deslocamento último da
curva linear. Estes parâmetros foram calibrados de acordo com os resultados experimentais.
Após a definição das leis histeréticas analíticas (9 parâmetros), fez-se a comparação com as
curvas experimentais e obtiveram-se resultados bastante satisfatórios (Figura 3, direita). De
seguida, foi desenvolvido um modelo numérico da parede frontal no programa SAP2000 [10],
de modo a obter um modelo estrutural válido para prever o comportamento da parede em
regime elástico (i.e. rigidez inicial K0) Figura 4. Neste modelo foi adotado o seguinte: (i) as
diagonais só funcionam sob compressão; (ii) a alvenaria de enchimento é modelada com
elementos de casca (a verde na Figura 4); (iii) os nós são rotulados; (iv) elementos rígidos
para ligar os elementos de casca da alvenaria às diagonais, de forma a simular a espessura
das diagonais (a vermelho na Figura 4); (v) molas nos apoios de modo a simular o movimento
de corpo rígido (rocking); (vi) as cargas verticais V1, V2, V3 são as usadas no ensaio
experimental.

Figura 4. Modelo numérico para estimar a rigidez inicial das paredes de frontal [dimensões em
metros] [8]

Uma vez calibrada a rigidez inicial K0 para a configuração ensaiada C2x2, estimou-se a rigidez
inicial para as outras configurações, nomeadamente C2x3, C2x4, C3x2, C3x3 e C3x4 (número
de cruzes de Santo André em altura x comprimento), por se tratarem de configurações de
paredes de frontal representativas de edifícios existentes (Figura 5). As rigidezes iniciais
obtidas (K0,numérico) são as apresentadas no Quadro 1.

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Figura 5. Configurações das paredes de frontal estudadas [dimensões em metros] [8]

Quadro 1. Rigidez inicial das configurações estudadas de paredes de frontal estudadas [8]

K0,numérico
Configuração
[kN/mm]
C2x2 6,4

C2x3 15,8

C2x4 33,3

C3x2 2,9

C3x3 6,8

C3x4 13,6

Além da rigidez, é necessário estimar a resistência ou carga de colapso da parede de frontal


(Fu). Esta resistência está associada ao colapso por encurvadura da diagonal mais solicitada,
já que foi este o modo de rotura nos ensaios realizados. O modelo desenvolvido tem as
seguintes propriedades: (i) treliça simples com molas equivalentes como apresentado na
Figura 4; (ii) nós rotulados; (iii) apenas se contabiliza a contribuição das diagonais sob
compressão e não sob tração; (iv) não se contabiliza a contribuição da alvenaria de
enchimento pois, no ponto de resistência máxima, esta está extensamente desligada da treliça
de madeira e está fendilhada.

O Quadro 2 apresenta os resultados obtidos para a diagonal mais solicitada para a


configuração ensaiada C2x2. O valor de Fu foi determinado nos ensaios experimentais, sendo
o valor máximo (resistência máxima) obtido a partir das curvas monotónicas envolventes. O
valor de Fvertical está associado ao carregamento de 30 kN/m ao longo da parede (para simular
uma parede localizada no piso 1 de um edifício de 5 pisos). O fator Fu e o fator Fv representam
os esforços axiais unitários para cargas verticais e horizontais, respetivamente (ver Figura 6).

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Assim, pode concluir-se que a diagonal colapsa por encurvadura para um esforço axial de
49,09 kN.

Quadro 2. Esforços na diagonal mais solicitada para a configuração C2x2

Fvertical Fator Fv Fu Fator Fu Fdiagonal


Configuração
[kN] [-] [kN] [-] [kN]
C2x2 76,8 -0,11 50,8 -0,81 -49,09

Figura 6: Modelo analítico adotado para a estimativa da carga de colapso (esquerda), esforços
axiais para um total unitário de cargas verticais fator Fv (meio) esforços axiais para um total
unitário de cargas horizontais fator Fu (direita).

Para as restantes configurações não se sabe o valor de Fu, obtido em ensaios apenas para a
configuração C2x2. Contudo, assumindo que o colapso da parede é devido à encurvadura da
diagonal mais solicitada, o mesmo raciocínio é aplicável para as restantes configurações de
parede de frontal. O Quadro 3 mostra os valores obtidos.

Quadro 3. Cálculo de Fu para as restantes configurações de parede de frontal

Fvertical Fator Fv Fdiagonal Fator Fu Fu


Configuração
[kN] [-] [kN] [-] [kN]

C2x3 115,2 -0,093 -49,09 -0,53 72,41

C2x4 153,6 -0,062 -49,09 -0,44 89,92

C3x2 76,8 -0,093 -49,09 -0,84 49,94

C3x3 115,2 -0,081 -49,09 -0,58 68,55

C3x4 153,6 -0,056 -49,09 -0,45 89,97

De acordo com o Quadro 3, as configurações de parede de frontal com a maior resistência


são as C2x4 e C3x4 (Fu u = 49,94 kN).

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Uma vez obtidas as rigidezes e resistências, calculam-se de seguida, as curvas de
capacidade. Assume-se como pressupostos o seguinte: (i) a rigidez inicial K0 é definida pelos
modelos numéricos desenvolvidos no programa SAP2000 e varia com a configuração
(K0,numérico no Quadro 1); (ii) a resistência máxima Fu é devido ao colapso por encurvadura da
diagonal mais solicitada e varia com a configuração e com o piso onde a parede de frontal se
localiza no edifício; (iii) F0/Fu e r1 são contantes obtidas da configuração ensaiada (C2x2), com
exceção da configuração C3x2 que tem um r1 diferente; (iv) Fult (correspondente ao colapso
da parede de frontal) corresponde a 80% da resistência máxima (0,8xFu) e o deslocamento
relativo último (driftult) corresponde a 3,5% (que é o valor experimental obtido para a
configuração C2x2 ensaiada e se considera igual para as restantes configurações de parede
de frontal).

O Quadro 4 apresenta os resultados obtidos para K0, Fu e Fult para as diferentes configurações
localizadas no piso 1 de um edifício de alvenaria.

Quadro 4. Valores de K0, Fu e Fult piso 1

K0 Fu Fult
Configuração
[kN/mm] [kN] [kN]
C2x2 6,4 50,8 40,64

C2x3 15,8 72,41 57,93

C2x4 33,3 90,0 72,0

C3x2 2,9 49,94 39,95

C3x3 6,8 68,55 54,84

C3x4 13,6 89,97 71,98

As curvas de capacidade (força em função do deslocamento no topo da parede) resultantes


são apresentadas graficamente na Figura 7.

Figura 7. Curvas de capacidade para as várias configurações de parede de frontal piso 1

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3. MODELAÇÃO DAS PAREDES DE FRONTAL A PARTIR DE UMA PAREDE DE
ALVENARIA EQUIVALENTE NO 3MURI

3.1 Modelação de paredes de alvenaria


Para a modelação de edifícios de alvenaria, segundo uma modelação por macro-elementos,
as paredes de alvenaria (divididas em nembos elementos verticais e lintéis elementos
horizontais em paredes com aberturas), são idealizados como elementos viga não-linear
com plasticidade concentrada (Figura 8, esquerda), de forma a descrever o comportamento
não-linear à flexão e/ou ao corte.

Vu
K0 bilinear

Flex o Mu Corte Vu

Figura 8. Elemento tipo viga não-linear com plasticidade concentrada (esquerda) e modelos de
resistência dos painéis de alvenaria no plano [11] (direita)

A observação de danos em paredes de alvenaria tem mostrado que um painel de alvenaria


submetido a carregamento no seu plano pode ter dois tipos de comportamento típico:
comportamento à flexão (painel sujeito a derrubamento rocking ou a esmagamento) e
comportamento ao corte, com a ocorrência de fendilhação diagonal (o painel geralmente
desenvolve fendas no seu centro, que depois se propagam na direção dos cantos) ou
deslizamento. Na Figura 8 (direita) estão apresentados os modos de rotura típicos dos painéis
de alvenaria, no seu plano, assim como as expressões correspondentes para definir os
valores resistentes (Vu).
Neste trabalho são usadas as Equações 2 e 3 para definir os valores resistentes Vu
(aproximado a um comportamento bilinear) correspondente aos modos de rotura à flexão e
ao corte por fendilhação diagonal, respetivamente:

(2)

(3)

Onde N representa o esforço axial, 0 a resistência ao corte da alvenaria, fm a resistência


média à compressão da alvenaria, L a largura do painel de alvenaria (identificada como D na
Figura 8); H0 a distância entre a secção em que é atingida a capacidade de flexão e o ponto

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de inflexão, t a espessura do painel de alvenaria e b o rácio entre a altura da parede H e L,
com .

3.2 Proposta de modelação das paredes de frontal


Propõe-se modelar as paredes de frontal, para as configurações mais frequentes em edifícios
Pombalinos, no programa 3Muri [6] por manipulação das propriedades de uma parede de
alvenaria equivalente e admitindo que as paredes de frontal podem estar localizadas no piso
1, 2 ou 3. Descreve-se de seguida o procedimento de modelação proposto.
A primeira abordagem começou com a configuração de parede de frontal C2x2 no piso 1.
Sabendo que o comportamento não-linear da parede é definido por uma curva bilinear (Figura
8, esquerda) definiram-se os passos seguintes: (i) bilinearizar a curva de capacidade (Figura
9) e obter K0,bilinear (rigidez da curva bilinear) e Vu (resistência bilinear); (ii) modelar no programa
3Muri [6] uma parede de alvenaria com as mesmas dimensões que a configuração de parede
de frontal C2x2: altura H=2,55 m; largura L=2,55 m; espessura t=0,12 m; (iii) manipular o valor
do módulo de elasticidade (E) de forma a obter uma parede de alvenaria com rigidez bilinear
(K0,bilinear) equivalente à curva de capacidade bilinearizada da parede de frontal; (iv) manipular
a resistência ao corte ( 0) ou a resistência média à compressão (fm) de forma a obter uma
parede de alvenaria com resistência bilinear Vu equivalente à curva de capacidade
bilinearizada da parede de frontal; (v) o esforço axial N para o cálculo de Vu corresponde às
cargas verticais consideradas no ensaio experimental associado ao carregamento de 30 kN/m
ao longo da parede para simular uma parede localizada no piso 1 de um edifício de 5 pisos.
O peso volúmico da parede de alvenaria é tido como nulo, mas o peso próprio da parede de
frontal é contabilizado na carga vertical aplicada.

A bilinearização da curva de capacidade (Figura 9, esquerda) é definida por equivalência de


áreas entre curvas e fixando o troço elástico linear a partir do ponto inicial da curva
correspondente a 70% da força máxima. Com a bilinearização da curva de capacidade para
a configuração de parede de frontal C2x2 no piso 1 determinou-se: K0,bilinear = 2845 kN/m e
Vu,bilinear = 46,55 kN.

Figura 9. Bilinearização da curva de capacidade para a configuração C2x2 (esquerda) e modelo


com paredes de alvenaria equivalente no programa 3Muri [3] (direita)

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Para testar a modelação das paredes de alvenaria equivalentes às paredes de frontal no
programa 3Muri [6], definiu-se um modelo com quatro paredes de alvenaria iguais e com um
piso rígido (Figura 9, direita). Fez-se a análise estática não-linear numa direção e dividiu-se a
curva de capacidade resultante por 2, para obter o resultado para cada uma das paredes na
direção analisada, e procedeu-se à bilinearização da curva.

Seguidamente, conhecendo-se K0,bilinear estimou-se o valor do módulo de elasticidade E tendo


em conta que a rigidez K de uma parede com diferentes condições de fronteira é definida
pelas equações seguintes:
(i) parede bi encastrada:

(4)

(ii) parede tipo consola:

(5)

(iii) condição intermédia, entre parede bi-encastrada e parede em consola:

(6)

Em que, H é a altura da parede, L o comprimento, t a espessura, = 0,5 é a condição para


alvenaria fendilhada e E o módulo de elasticidade da alvenaria. De notar que a fórmula
adotada no programa 3Muri [6] corresponde à condição intermédia (iii). Neste sentido, os
valores de E foram estimados com esta fórmula e de seguida introduzidos no modelo da
parede de alvenaria equivalente. Como o K é diretamente proporcional a E (e só depende da
geometria da parede), uma regra de proporcionalidade é suficiente para encontrar o valor do
módulo de elasticidade E para a rigidez bilinear K pretendida.
Nesta fase, falta atingir o valor de Vu,bilinear. Para isso é importante estudar os modos de colapso
das paredes de alvenaria considerados no programa 3Muri [6]. Como referido, as paredes de
alvenaria podem colapsar por flexão ou por corte (Equações 2 e 3). Os valores de Vu,flexão e
Vu,corte, em função de fm e 0, são apresentados na Figura 10 para a parede de alvenaria
equivalente à parede de frontal C2x2 no piso 1 (N=76,8 kN).

Figura 10. Interação Vu e fm flexão (esquerda) e interação Vu e 0 corte (direita)

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Como se pode verificar, para atingir um valor Vu,bilinear de 46,55 kN, a parede de alvenaria
equivalente deverá ter um modo de rotura por corte e não por flexão (fazendo variar fm não é
possível atingir o valor de Vu,bilinear pretendido). Fazendo variar 0 entre 20 e 400 kN/m2 obtém-
se um intervalo de possíveis valores para Vu que vão desde os 28 kN aos 218 kN. Sendo
assim, e dado que as paredes de alvenaria equivalentes modeladas têm tendência a colapsar
por flexão (resultado da geometria e do valor de N considerado), optou-se por adicionar uma
armadura vertical de forma a condicionar o colapso da parede de alvenaria equivalente por
corte. A armadura vertical (Ac) é modelada como uma armadura simétrica em ambos os
extremos da parede e localizada a uma distância Dc, assumida como 0,10 m, dos extremos
(Figura 11). Estimou-se, desta forma, o valor de 0 até se atingir o valor de Vu,bilinear pretendido.
Os resultados obtidos para a configuração de parede de frontal C2x2 são apresentados na
primeira linha do Quadro 5.

Figura 11. Armadura de reforço vertical [6]

Quadro 5. Valores obtidos para o K0 bilinear e Vu bilinear para os pisos 1, 2 e 3

Piso 1 Piso 2 Piso 3

K0 bilinear Vu bilinear K0 bilinear Vu bilinear K0 bilinear Vu bilinear


Configuração
[kN/mm] [kN] [kN/mm] [kN] [kN/mm] [kN]

C2x2 2,84 46,55 2,84 50,14 2,84 53,44

C2x3 7,01 65,80 7,02 72,08 7,01 78,39

C2x4 14,69 81,06 14,68 87,98 14,78 94,34

C3x2 1,42 46,50 1,42 49,32 1,42 52,05

C3x3 3,02 62,77 3,02 67,82 3,02 73,09

C3x4 6,04 81,79 6,04 87,58 6,04 93,38

Repetiu-se o procedimento para as restantes configurações de paredes de frontal


consideradas e para cada valor de N associado ao piso 1, 2 e 3. Para o efeito, foi necessário
usar as curvas de capacidade definidas para o piso 1 para as diferentes configurações (Figura
7) e obter novas curvas de capacidade associadas a paredes localizadas nos pisos 2 e 3.

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Como já foi referido anteriormente, para o piso 1 as paredes de frontal têm um carregamento
vertical ao longo da parede de 30 kN/m, para o piso 2 de 20 kN/m e para o piso 3 de 10 kN/m.
O Quadro 6 mostra os resultados obtidos para os pisos 2 e 3 e a Figura 12 as curvas de
capacidade correspondentes.

Quadro 6. Valores de K0, Fu e Fult para os pisos 2 e 3

Piso 2 Piso 3
Configuração K0 Fu Fult K0 Fu Fult
[kN/mm] [kN] [kN] [kN/mm] [kN] [kN]
C2x2 6,4 54,4 43,5 6,4 57,9 46,3

C2x3 15,8 79,2 63,4 15,8 85,9 68,7

C2x4 33,3 97,2 77,8 33,3 104,4 83,5

C3x2 2,9 52,8 42,2 2,9 55,6 44,5

C3x3 6,8 74,0 59,2 6,8 79,3 63,4

C3x4 13,6 96,4 77,1 13,6 102,7 82,2

Figura 12. Curvas de capacidade para as várias configurações de parede frontal piso 2
(esquerda) e piso 3 (direita)

A bilinearização de todas as curvas, para todas as configurações e para todos os pisos,


conduziu aos valores de K0,bilinear e Vu,bilinear apresentados no Quadro 5.

No Quadro 7 estão apresentadas as propriedades propostas para definir as paredes de


alvenaria equivalentes no programa 3Muri [6], reforçadas com armadura vertical, para modelar
as diferentes configurações de paredes de frontal localizadas nos diferentes pisos de um
edifício de alvenaria. Os valores a introduzir, como utilizador do programa estão definidos a
negrito no Quadro 7.
Resumindo, para cada configuração, deve modelar-se os frontais como uma parede de
alvenaria equivalente reforçada com armadura vertical, com:

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Uma espessura t=0,12 m e as restantes dimensões (H e L) aproximadamente iguais
às indicadas na 2ª coluna do Quadro 7;
Os valores E e 0 como indicados nas colunas 4ª e 7ª do Quadro 7, respetivamente.
O valor de fm não condiciona o comportamento da parede reforçada, e por isso sugere-
se assumir um valor de, por exemplo, 6 MPa (6000 kN/m2);
Considerar, em cada extremidade da parede, armadura vertical de área Ac (coluna 8ª)
a uma distância de 0,10 m da extremidade da parede;
Adotar um valor de deslocamento relativo entre pisos normalizado (drift) de 3,5% para
o corte e flexão.

Quadro 7. Propriedades propostas para modelar paredes de frontal no programa 3Muri [6]

h/L/t K0,bilinear E N Vu,bilinear 0 Ac Dc


Configuração
[m] [kN/m] [MPa] [kN] [kN] [kN/m2] [cm2] [cm]
2,55 Piso 1 76,8 46,6 70,8
C2x2 2,55 2842 252 Piso 2 51,0 50,14 100,0 2,32 10
0,12 Piso 3 25,5 53,44 100,0
2,55 Piso 1 114,8 65,8 62,5
C2x3 3,825 7007 339 Piso 2 76,5 72,08 83,5 2,00 10
0,12 Piso 3 38,3 78,39 109,0
2,55 Piso 1 153,6 81,06 56,0
C2x4 5,1 14685 492 Piso 2 102,4 87,98 72,0 1,67 10
0,12 Piso 3 51,2 94,34 98,0
3,825 Piso 1 76,8 46,5 133,0
C3x2 2,55 1418 265 Piso 2 51,0 50,77 160,0 3,38 10
0,12 Piso 3 25,5 52,05 170,0
3,825 Piso 1 114,8 62,77 58,0
C3x3 3,825 3022 270 Piso 2 76,5 67,82 85,0 2,81 10
0,12 Piso 3 38,3 73,09 105,0
3,825 Piso 1 153,6 81,79 55,0
C3x4 5,1 6036 345 Piso 2 102,4 87,58 75,0 2,48 10
0,12 Piso 3 51,2 93,38 100,0

De notar que as configurações de paredes de frontal encontradas nos edifícios Pombalinos,


dos pisos 1 ao 3, são as C3xx. As configurações C2xx não são tão usuais nos pisos
intermédios, mas encontram-se com alguma frequência nos sótãos. De qualquer modo o
Quadro 7 apresenta os valores também para as configurações C2xx.

4. VERIFICAÇÃO DA FIABILIDADE DA PROPOSTA DE MODELAÇÃO DE


PAREDES DE FRONTAL

Procedeu-se à modelação de um edifício Pombalino tipo no programa 3Muri [6] com as


paredes de alvenaria equivalentes a simular as paredes de frontal (Figura 13). Este modelo
foi comparado com o modelo desenvolvido por Meireles [8] em que as paredes de frontal
foram modeladas com um macro-elemento especificamente desenvolvido para o efeito na
versão de investigação Tremuri [7].

Os resultados obtidos em termos de curvas de capacidade global (pushover) estão


representados na Figura 14. Nesta figura comparam-se as curvas para as duas direções
principais (X, na direção das fachadas e Y, segundo as empenas) e para os dois modelos de

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cálculo (3Muri, com a proposta de modelação dos frontais, e o Tremuri, designado como valor
de referência, ref). Com os resultados obtidos é possível concluir que ambos os modelos são
comparáveis em termos de rigidez e resistência. No entanto, o modelo 3Muri apresenta
sempre valores inferiores em termos de rigidez e resistência e, por isso, o deslocamento
objetivo provocado para uma determinada ação sísmica é sempre superior. Por outro lado, os
valores em termos de capacidade de deformação última não são comparáveis, obtendo-se
valores muito inferiores no modelo 3Muri. Apesar das inúmeras diferenças existentes entre as
duas versões usadas nos dois modelos, é possível concluir que a proposta de modelação dos
frontais, conduz a resultados comparáveis em termos de rigidez e resistência, e sempre do
lado da segurança.

Figura 13. Modelo tridimensional do edifício Pombalino tipo definido no 3Muri (esquerda) e
modelação das paredes num piso elevado (direita)

Figura 14: Comparação das curvas de capacidade global do edifício Pombalino tipo.

1272 Lisboa | LNEC | 9-11 novembro 2022


5. COMENTÁRIOS FINAIS

O trabalho apresentado neste artigo surgiu da necessidade de propor uma solução para
modelar paredes de frontal, características dos edifícios Pombalinos, tendo em conta as
ferramentas disponíveis no programa 3Muri, e tirando partido dos resultados experimentais
efetuados em paredes de frontal em trabalhos anteriores.
O estudo desenvolvido permitiu concluir que a solução mais adequada consiste em modelar
as paredes de alvenaria equivalentes no programa 3Muri, reforçadas com armadura vertical.
O procedimento é proposto no fim da seção 3.2 e os valores a definir para diferentes
configurações de paredes de frontal, localizadas em diferentes pisos, estão definidos a negrito
no Quadro 7.
Para validar o procedimento proposto compararam-se as curvas de capacidade globais de um
edifício Pombalino tipo obtidas com a versão de investigação Tremuri, onde as paredes de
frontal foram modeladas através de um macro-elemento especificamente desenvolvido para
o efeito, com as curvas determinadas no 3Muri, onde as paredes de frontal foram modeladas
através de paredes de alvenaria equivalentes. Os resultados indicam, para este edifício
estudado, que o procedimento de modelação proposto conduz a resultados, em termos de
verificação de segurança, do lado da segurança.

REFERÊNCIAS

[1] Gonçalves, A. M.; Candeias, P.; Guerreiro, L.; Ferreira, J. G.; Campos Costa, A.
International Journal of Architectural Heritage, 2019,
Vol. 13(2), p. 298-313, doi: 10.1080/15583058.2018.1436727.

[2]
em Cruz, H.; Saporiti Machado, J.; Campos Costa, A.; Xavier Candeias, P.; Ruggieri, N.; Manuel
Catarino, J. (eds) Historical Earthquake-Resistant Timber Framing in the Mediterranean Area.
Lecture Notes in Civil Engineering, 2016, Vol 1. Springer, Cham. Doi: 10.1007/978-3-319-39492-
3_14.

[3] Teixeira, M.
Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa.

[4] Building Conservation Technology (https://www.conservationtech.com/index.html)

[5] NP EN 1998-3: Eurocódigo 8 - Projecto de Estruturas para resistência aos sismos. Parte 3:
Avaliação e reabilitação de edifícios, 2017, Instituto Português da Qualidade, European Committee
for Standardization (CEN).

[6] S.T.A. DATA. Srl. 3Muri Program: Seismic analyses of 3d masonry buildings. User Manual version
13.5.0.0. (disponível em www.stadata.com).

[7] Lagomarsino, S.; Penna, A.; Galasco, A.; Cattari, S. TREMURI program: An equivalent frame
model for the nonlinear seismic analysis of masonry buildingsem Engineering Structures, 2013,
Vol56, p. 1787-1799. Doi:10.1016/j.engstruct.2013.08.002.

[8] Meireles, H. Seismic Vulnerability of Pombalino Buildings, 2012, Tese de Doutoramento em


Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa.

[9] Meireles, H.; Bento, R.; Cattari, S.; Lagomarsino, S.


em Bulletin of Earthquake Engineering, 2012, Vol. 10(5), p. 1481-1502. Doi:
10.1007/s10518-012-9360-0.

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