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CORPO-MEMÓRIA E A POÉTICA DA RESISTÊNCIA

CORPO-MEMÓRIA E A POÉTICA DA RESISTÊNCIA:


APONTAMENTOS SOBRE LITERATURA E
PERFORMANCE NA AMÉRICA LATINA

Frederico Fernandes CNPq/UEL

“dime cómo imaginas el mundo y te diré en qué orden


te incluyes, a qué sentido perteneces” (Severo Sarduy).

Corpo: tecido de membros, embrião do espírito, envoltura da


alma. O corpo está sendo entendido não como aquilo que tenho ou o
que sou, mas como um acontecimento, um devir. O corpo é o debate
com o mundo.
Existe uma condição latino-americana? Não estou ousando,
com tal pergunta, enquadrar o horizonte problemático e heterogê-
neo que constitui a entidade América Latina ao longo de sua his-
tória. Desejo permanecer numa viva temporalidade dos aconteci-
mentos. Para isso, a questão introdutória exibe suas filigranas pelas
quais rastreio algumas possíveis iluminações que a responderão:
qual(is) acontecimento(s) afirma(m) a possibilidade de existência
de tal condição nos dias atuais? A partir de que práticas e regimes
do fazer se organiza um território latino da ação? Como o corpo
franqueia os sinais vitais dessa condição?
Algumas pistas para as perguntas acima foram dadas pela
análise do processo histórico de formação latino-americana e po-
dem ser encontradas no paradigma “história da conquista”. As for-
ças desse discurso implicam, grosso modo, uma polarização entre
“dominação” – força arbitrária e violenta que leva à destruição do
corpo – e, de modo oposto, “resistência”. Resistir é mais que uma
força contrária ao movimento de agressão e destruição de corpos
e tradições. Ecoada em vozes afro-indígenas, a resistência é encar-

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nada em diferentes poéticas de carnavais nos países latino-ameri- Para pensar no caso brasileiro, o que haveria de comum en-
canos, como a diablada de Oruru, na Bolívia; o maracatu da Zona tre Canudos (1896-1897), Carandiru (1992), Candelária (1993), El-
da Mata pernambucana, no Brasil; a festa de Barranquilham, na dorado dos Carajás (1996), Guarani-Kaiowá (2016)? Nada além da
Colômbia e suas inúmeras práticas religiosas, culinárias, artesãs arbitrariedade remanescente da “conquista da América”, nada além
decorrentes da união entre o negro e o índio para enfrentar os “se- de fotografias de corpos esfrangalhados e empilhados, nada além
nhores de terra” que os escravizavam. A poética das festas, incomo- de uma ferida aberta na história, nada além de um gosto amargo,
damente ajustadas ao adjetivo de “populares”, não deixa de colocar persistente, denunciando o estado de violência e destruição sempre
o corpo como o gesto de uma lembrança de revoluções, guerras e em latência. O corpo morto dos massacres é a presença apavorante
revoltas. A resistência não se localiza no eixo estagnado de uma tra- da falta de reação dos sobreviventes. Pavor que vai sendo ressignifi-
dição, mas na performance do corpo pela sobrevivência. O corpo cado na prática cotidiana, em meio a uma memória filtrando o tran-
anuncia uma presença, por isso sua destruição deve ser evitada, se. Num mundo inebriado pelo seu poder de força, diametralmente
como no relato Krenac do funeral de um velho índio cuja carne foi oposto à sua incapacidade de diálogo, todos, latino-americanos ou
secando, sua face murchando, mas seus olhos continuaram vivos, não, são alçados à condição de sobreviventes.
com a promessa de olhar por seu povo, “Daí sua força e resistência”
(ALMEIDA, 2009, p.68). Enquanto presença corporal, o sentido de O sentido de resistência na América Latina coincide menos
resistir expande-se para além da semântica conflitiva da luta, pois com a utopia de preservação de algo no tempo, do que com uma
consistirá, sobremaneira, na negociação de práticas e na imposição pulsão de sobrevivência diante das agressões sofridas. A resistên-
de subjetividades. cia denuncia a estratégia de um corpo em meio aos acontecimentos.
Resistência: fluxo vital de um corpo num eixo de possibilidades. Pen-
Desde o massacre de astecas em Tóxcatl (1521) e de incas sar a América Latina por uma de suas chaves mais distintas impli-
em Cajarmaca (1532), o ato revolucionário da resistência assume ca refletir sobre um corpo em constante ressignificação no debate
ideologias e posicionamentos heterogêneos na América Latina, po- com o mundo, um corpo-memória que por meio da linguagem ar-
dendo em certos casos, e paradoxalmente, ser inspirado por pen- tística recupera os acontecimentos nos quais formas de opressão e
samentos originados no seio da mesma cultura ora opressora98. Os estratégias de resistência passam a ser evidenciadas. A base sobre a
massacres não são uma exclusividade latino-americana, eles alcan- qual se assenta o conceito de resistência é a do corpo-memória que
çam dos territórios mais ricos aos mais pobres, dos mais estáveis pode ser traduzido em um ato, ou seja, uma forma de agir sobre o
politicamente aos em conflitos civis. Os massacres são dotados de mundo. A partir da identificação e análise do ato, busco demonstrar
diferentes faces ideológicas e ocorrem numa intensidade propor- como a condição latino-americana tanto organiza uma territoriali-
cional à violência que geram. Seu corolário é a sobreposição de in- dade neobarroca, como também institui um jogo profanador.
justiças que vão se aliando aos eventos, construindo um hiato de
reflexão, no qual se sobressaem interesses de indivíduos em detri- A acepção de “corpo-memória” não tem a pretensão de dar
mento do anseio coletivo. O massacre esvazia a construção de um conta do amplo conceito de memória em suas várias mídias ou
projeto comum e aprisiona a vítima no sonho de seus opressores. práticas – sociais, psicanalíticas, políticas, etc. Memória está sendo
tomada como o momento de ação de uma força do passado sobre
o presente que ressignifica um acontecimento. Nessa perspectiva,
98 Para ficar com alguns exemplos, cito o liberalismo de Tupàc Amaru II no século XVIII, a memória será apreendida em razão da investigação de sua fun-
ou o zapatismo mexicano do século XIX, ou as FARC de inspiração marxista-leninista,
ambas dos anos de 1960.

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ção numa dada ordem de acontecimentos. E parece-me que é dessa ças reichianas. A irradiação da violência da conquista da América,
forma que os teóricos da performance vão lidar com ela. Para Paul reproduzida nas iminentes ameaças de aniquilação de corpos, tam-
Zumthor (1989), por exemplo, a memória possui uma dupla fun- bém deixa seus traumas, atualizados, mediante o estímulo mnemô-
ção: ela tanto é coletiva – repositório de sabedoria de um grupo nico, nas artes produzidas de um território latino-americano criado
ou comunidade – como individual, na medida em que o sujeito a ad hoc. Tais traumas são evidentes como marcas de identidade de
transforma e a atualiza quando em performance. Corpo, na chave corpos, e para percebê-los é necessário perscrutar o movimento do
em que se apresenta, corresponde à materialidade pela qual a me- corpo, atentar para as emoções que, além das palavras, vão rom-
mória desempenhará seu potencial criativo, preparando-o para o per suas couraças de defesa. As autoimagens de mutilação de Frida
debate com mundo. Kahlo sinalizam para o mais contundente exemplo de como as cou-
raças, ao serem postas em evidência ou ao se romperem, modificam
Há aqui uma diferença entre o corpo-memória e a memória a percepção de um sujeito diante dos acontecimentos do mundo.99
do corpo – no sentido em que Wilhelm Reich (1897-1957) e seus
caudatários da bioenergética, biossíntese e outras práticas de so- Os ensaios de Severo Sarduy, reunidos em Escrito sobre um
materapia a tomam –, apesar de haver entre elas uma correlação. corpo (1979), focam nessa emanação energética de corpos pulsan-
Em linhas gerais, o corpo, segundo Reich (1995), é um organismo tes, tendo a literatura e as artes visuais como fulcros do debate. A
vivo que tem seus próprios modos de expressar seu movimento em principal lição de Sarduy, para o momento, é que o corpo assinala
função da psique de cada sujeito. É no acesso ao sentimento pro- um trajeto em direção ao outro (1979, p. 134). E é aí, também, que
fundo desse organismo vivo, no qual a palavra cala, que o corpo ocorre a grande virada da memória do corpo para o corpo-memó-
irá reviver o trauma. O corpo, como Reich o descreve, cria couraças ria, pedra angular para a percepção de uma latinidade americana
capazes de reter o fluxo energético e biológico de modo a proteger em trânsito, isto é, em constante construção e ressignificação. O
o sujeito do mundo externo e interno. A couraça, quando em pro- corpo-memória está em direção ao outro. Essa virada é senão o mo-
cesso terapêutico e, ao sofrer intervenção pelo toque, faz aflorar a mento de um corpo em performance.
lembrança do sentimento ou trauma do sujeito. Enquanto a memó-
ria corporal é o jogo de signos, de uma linguagem verbal obliterada Encontro, no artigo de Bert States, elementos que ajudam a
e de um corpo que diz no debate com o mundo; o corpo-memória pensar o conceito de performance. Segundo ele, a performance é um
está pressupondo condições presenciais capazes de engendrar esse termo como cultura, cujo problema limite é que o agente que a defi-
debate – em suas motivações sociais, históricas, geográficas ou de ne também a engendra. A armadilha vocabular é acionada toda vez
estados psicológicos – pelo estímulo à reação corporal. O corpo- que o movimento gerador do conceito de performance não conduz
-memória, o qual persigo nesse ensaio, pressupõe o entendimento a outra coisa a não ser uma performance em si, colocando o agente
da atuação corpórea num determinado evento. Por atuação corpó- da busca no papel de performer. Essa volta em círculos, que lembra
rea estou me referindo ao modo como o corpo quer se fazer visível o estranhamento de um cachorro atrás da própria cauda, evidencia
e às estratégias empregadas para ele se fazer percebido, obtendo
99 Vem-me à mente a imagem que Frida Kahlo pinta após o acidente, o qual deixou vários
ou não algum êxito. traumas em seu corpo. Essa imagem pode ser acessada no seguinte link: http://www.
museofridakahlo.org.mx/esp/1/frida-kahlo/obras/obras-en-otros-museos#/images/12. A
É certo que pensar um corpo ou o movimento de corpos num biografia da pintora conta que a mãe instalou um espelho no teto para que ela pudesse
território latino-americano não leva a me desvencilhar das coura- ter uma perspectiva de cima para baixo, quando em recuperação em seu leito.

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o fato de que a performance identifica um padrão de comportamen- uma memória que se adapta a variados contextos formarão os prin-
to, ou como ele denomina: um restored behavior. A performance é, cipais elementos da retórica performática do corpo-memória. O
desse modo, o enquadramento (framing) de um tipo de comporta- corpo, fonte de estratégias e planos de ação, qualifica o gesto de uma
mento empírico do ser humano, que propicia uma restauração. Ou condição latina. Assim, identifico uma dependência mútua entre os
como State mesmo afirma: “Put simply: something is always restored conceitos de corpo-memória, performance e território. É nessa rela-
in performance, even if the restoration comes through a simple fram- ção que se coloca uma possibilidade de compreender o latino-ame-
ing device” (STATES, 2001). ricano contemporâneo, bem como os vetores de força que acionam
sua condição.
O grande salto de States está em não confundir “restaurado”
com “replicado”, uma vez que padrão não significa, necessariamen-
te, repetição. A performance qualifica-se, então, como a restaura-
ção de um comportamento que age no limite daquilo que se encon- PRESSUPOSTO PARA AS RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E
tra controlado ou compreendido. Por exemplo, as vaias recebidas PERFORMANCE
pelos dadaístas no Cabaré Voltaire são a reação da incompreensão A tese de Milman Parry, defendida no final dos anos 1920,
do público em relação à apresentação, mas essa reação, por ser a sobre a produção e a circulação oral dos poemas homéricos, tor-
expectativa dos poetas, está sob o “controle” dos performers. Desse nou-se a principal coluna de sustentação dos oral studies, de grande
modo, o controle e a compreensão abre para variadas possibili- repercussão no século XX, sobretudo no modo como ecoou em tra-
dades de performance, o que levou States a descrevê-la como um balhos de Albert Lord, Walter Ong, Eric Havelock, Ruth Finnegan e
ato de criação contínuo, conduzindo a uma intermitente produção Paul Zumthor. Para eles, o principal enfoque consistia em descons-
de padrões. Ou como ele próprio afirma: “All perception, all mem- truir a supremacia do texto escrito sobre o oral, demonstrando as
ory, is creative, which is to say adapted to the specifications of the especificidades e a riqueza da construção poética circulada pela
organism, and performative art-making (of all kinds) is one of the voz. Os oral studies acabaram por colocar em evidência o papel da
extensions of this principle into the collective life of the community” performance na produção de significados do texto, juntando à aná-
(STATES, 2001, p. 19). lise da linguagem verbal o gesto, a voz, a interação com o público,
Como intento demonstrar com o teorema acima, a latini- o figurino, a musicalidade e outros elementos de plasticidade da
dade americana é uma forma performática, um jeito transitório apresentação. A performance foi entendida como o momento de
de ser e estar no mundo, constituída num território de fronteiras atualização do texto e, por isso, o exercício principal dos estudiosos
movediças. Ela é um limiar, não uma barreira. É uma marca de da poesia oral não omitiu e, pelo contrário, reforçou a ideia da pre-
entrada para outro lugar: território de fronteiras instáveis, mas existência da performance em relação à literatura.100
que, como todo território, diria num outro contexto Roberto Es-
posito (2010, p.14), reúne características ambientais, linguísticas, 100 Veja, nesse sentido, nas primeiras páginas de A letra e a voz, o desabafo de Paul
tonais que remetem a uma modalidade específica e inconfundível Zumthor: “Doze ou quinze gerações de intelectuais formados à europeia, escravizados
pelas técnicas escriturais e pela ideologia que elas secretam, haviam perdido a facul-
de produção de um pensamento. dade de dissociar da ideia de poesia a de escritura. O ‘resto’, marginalizado, caía em
descrédito: carimbado ‘popular’ em oposição a ‘erudito’, ‘letrado’, tirado (fazem-no ainda
Tanto o fluxo vital de um corpo que resiste ao aniquilamen- hoje em dia) de um desses termos compostos que mal dissimulam um julgamento de
to, como as opções de comportamentos e a capacidade criativa de valor, ‘infra’, ‘paraliteratura’ ou seus equivalentes em outras línguas. Mesmo em 1960-5,

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Paralelo aos estudos de expressões poéticas orais que tive- mance seus primeiros sopros de vida, os críticos oralistas voltados
ram significativo desenvolvimento na interpretação e ampliação para o contexto latino-americanos enfatizam que, ao interno do
dos textos orais investigados no último quarto do século passado, texto literário, a performance pode simbolizar os trânsitos entre a
uma perspectiva – empenhada na análise e interpretação da ficcio- cultura oral e escrita. As análises dos escritores acima sinalizam,
nalização da cultura oral na obra literária – abria-se ao debate das de modo bastante contundente, para o movimento de resistência
relações entre literatura e performance. Os estudos sobre a oralida- como uma assimilação da cultura letrada, em que transcorre a re-
de ofereceram modelos para pensar questões culturais que foram descoberta da tradição latino-americana. Nesse sentido, o grande
tratadas na América Latina por vários críticos e teóricos da litera- salto dos críticos latino-americanos em relação aos folcloristas foi
tura: Cornejo Polar (2000), Angel Rama (2008), Martin Lienhard compreender a oralidade para além do argumento preservacionis-
(1990; 1995) e Carlos Pacheco (1992), para citar alguns. E, de fato, ta e de tutor da tradição oral. A flama libertária da poesia será oxi-
esse círculo de autores pode ser bastante ampliado com investiga- genada, desse modo, pela voz, compreendida em sua dinâmica. A
ções voltadas para a problematização de sistemas literários espe- literatura bordará os limites de um território latino-americano por
cíficos com base na poesia indígena ou na desconstrução da língua meio da ficcionalização de sujeitos em suas comarcas orais. Nas pa-
e aproximação com o oral efetuado pelas vanguardas poéticas101. lavras de Angel Rama:
Mutatis mutandis, os autores referenciados debruçaram-se sobre
as tensões entre a cultura oral e a escrita na América Latina e a
maneira como a supremacia da escrita ditou as bases para o siste- [...] la construcción de formas artísticas desarrolladas a
ma literário de muitas nações. Não à parte, demonstraram como partir de la tradición cultural interior de América Lati-
na, esas forjadas por las comunidades enclaustradas en
escritores consagrados como o peruano José María Arguedas, o pa-
sus ricas regiones, al recibir el impacto de una civiliza-
raguaio Augusto Roa Bastos, o mexicano Juan Rulfo e o brasileiro ción que tiende a cancelarlas y contra la cual se levanta
Guimarães Rosa, entre outros, pensaram as tensões entre o oral e o el escritor, no para negarla vanamente, sino para uti-
escrito na formação da identidade e das relações de poder ao inter- lizarla al servicio de un redescubrimiento y reanima-
no de suas próprias obras. ción del legado cultural que recibió desde la infancia y
cuya supervivencia quiere asegurar. En una época de
A premissa da preexistência da performance em relação à li- cosmopolitismo algo pueril, se trata de demostrar que
teratura leva a pensá-las, literatura e performance, como produtos es posible una alta invención artística a partir de los
distintos e correlatos. Enquanto os críticos oralistas caudatários de humildes materiales de la propia tradición y que ésta
Parry argumentam que o cânone literário ocidental tem na perfor- no provee de asuntos más o menos pintorescos, sino de
elaboradas técnicas, sagaces estructuraciones artísti-
ao menos na França, prejudicava gravemente o prestígio de um texto do (suponhamos) cas que traducen cabalmente el imaginario de los pue-
século XII a possibilidade de provar-se que seu modo de existência havia sido principal- blos latinoamericanos que a lo largo de los siglos han
mente oral. De tal texto admirado, tido por ‘obra-prima’, um preconceito muito forte im- elaborado radiantes culturas. (RAMA apud PACHECO,
pedia a maioria dos leitores eruditos de admitir que tivesse podido não haver sido nunca
1992, p. 59)
escrito e, na intenção do autor, não haver sido oferecido somente à leitura” (1993, p. 8).
101 Sobre as problematizações do sistema literário indígena na América Latina, indico como
referências: Adolfo Colombres (1997, 1995), Maria Inês de Almeida (2009); Gonzalo Es-
pino Relucé (2010). A respeito do problema da performance e da oralidade nas vanguar- A crítica latino-americana qualifica a literatura como instru-
das latinas, Jorge Schwartz (1995), Viviana Gelado (2006).
mento de resistência, num movimento de apropriação da letra, até

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então símbolo opressor da conquista, para transformá-la num ato: o pectos [...] as obras literárias criam ideias, conceitos, que colocam
gesto da sobrevivência de uma tradição. Desponta aí uma terceira via em campo” (CULLER, 1999, p. 97). Nesse sentido, a elocução literá-
da intricada relação literatura e performance: o fato de o texto literá- ria, ao ser performativa, é produtora de uma realidade histórica so-
rio configurar-se per se como um ato performativo. Jonathan Culler cial, ajuda a conceber a literatura como ato ou conhecimento. Isso
discorreu sobre essa relação didaticamente no capítulo “Linguagem é dado como um problema teórico literário de grande pertinência,
Performativa”, de sua Teoria Literária: uma introdução. Apresento, de na medida em que dimensiona o literário impresso numa escala
forma bastante resumida, algumas de suas principais observações. performativa, isto é, trata da ação de um tipo de linguagem especí-
fica, a literária, sobre o mundo. Mais uma vez retomando Culler: “A
Para tratar da elocução literária como performance, Culler noção de literatura como performativa contribui para uma defesa
fundamenta sua teoria no pensamento de John L. Austin sobre a da literatura: a literatura não é uma pseudodeclaração frívola mas
linguagem performativa, segundo o qual a linguagem realiza a ação assume seu lugar entre os atos de linguagem que transformam o
que designa e, por isso, não apenas constata como também age no mundo, criando as coisas que nomeiam” (idem).
mundo. Para tanto, são citados exemplos de verbos como “declaro,
aceito, prometo”, que na primeira pessoa do indicativo realizam a Na esteira desse raciocínio, a performatividade inscreve a li-
ação daquilo que designam. Ou seja, ao dizer “declaro que fulano e teratura como um ato: “ela cria aquela realidade que é a obra, e suas
sicrana são marido e mulher”, de fato tal declaração realiza aquilo sentenças realizam algo em particular naquela obra” (Idem, p.105).
que diz. Por isso, são sentenças performativas. Elas se diferenciam Em outras palavras, ao torná-la ato, a performatividade permite ler
de outras sentenças como “O casamento se realizou na igreja mais a literatura como um território produtor de ideias e pensamentos,
bela da cidade” que constata algo, sendo denominadas constativas. crivado de atitudes práticas que revelam uma potência de ação so-
Mas Culler objeta que as sentenças constativas podem, também, bre as pessoas e a sociedade. E entender a literatura como ato im-
estar pressupondo uma performatividade na medida em que re- plica também uma mudança de percepção crítica sobre o texto, pois
alizam o ato de afirmar aquilo que referem. Volto ao exemplo do categorias políticas e de identidades passam ser mais bem eviden-
casamento na “igreja mais bela da cidade”, o fato de enunciar que a ciadas, descritas e analisadas.
igreja é “a mais bela” cria um fato que pode ser tomado como uma
verdade e, desse modo, irá realizar algo no mundo: tornar uma igre- Transpondo para o caso latino-americano, a literatura lati-
ja em específico o parâmetro de beleza em relação às demais. De no-americana implicará um ato, podendo ser abordada com base
certa maneira, foi por meio de sentenças constativas que os nazis- na noção de obra performativa. As relações entre literatura e per-
tas imputaram aos judeus o modelo de uma raça inferior, ao produ- formance aqui tratadas não são excludentes, pois as tensões entre
zir um discurso que os desqualificava como seres humanos, a ponto cultura oral e escrita presentes nas obras de diversos escritores
de serem isolados em guetos e, depois, muitos deles, exterminados latino-americanos podem também estar pressupondo uma perfor-
em campos de concentração. A linguagem constativa também pode matividade da elocução literária. Isso implica repensar quem são
realizar, de modo indireto, algo no mundo. os sujeitos detentores da cultura oral, quais estratégias eles empre-
gam para terem voz na sociedade e se afirmarem como sujeitos po-
A crítica literária tem se atentado tanto para o que a lingua- líticos, como fortificam suas crenças e de que modo a escrita poten-
gem literária faz quanto para o que ela diz, pois “A elocução literária cializa a performance e a voz como forma de resistência, por meio
também cria o estado de coisas ao qual se refere, em diversos as- da ficcionalização de um território.

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Se os críticos latino-americanos chegaram ao resultado de nuo questionamento da ficção e da verdade, em que a experiência
que a literatura ficcionaliza a cultura oral, é importante pensar que é considerada a verdadeira criação, já que as palavras não conse-
a performatividade literária também realiza um pensamento oral guem traduzi-la. O corpo como elemento de significação é a tônica
no mundo real. A ideia de simulacro dá lugar à própria voz, uma voz da narrativa.
imprensa, é claro, mas que permite ao sujeito viver a subjetividade
da sua oralidade. Um exemplo disso são os livros de autores índios Logo no início do primeiro capítulo, os dois escritores se
que protagonizam a autoria das lendas e mitos veiculados pela tra- reconhecem num congresso de literatura latino-americana em
dição oral de suas nações. É a performance sendo transformada em Nova York. O diálogo entre eles versa sobre a ansiedade do escri-
performatividade, a letra sendo potencializada em ato. tor diante do bloqueio criativo, chegando num momento no qual
Roberta aconselha:
Uma outra questão a ser observada sobre os oral studies
latino-americano é que, ao focarem nas tensões entre as culturas
oral e escrita, eles acabaram por situar o corpo nas adjacências da - Não se preocupe, tranquilizou-o em vez disso. Não se
performance, dando maior importância e significado à voz. No cor- preocupe diretamente com o romance, escreva com o
po, as estratégias de sobrevivência se fazem tão significativas como corpo. Ele é o único que pode ter um vestígio de ver-
nas tensões entre voz e letra. Ao enunciar a presença de um corpo dade.
em performance, a obra literária aclarará um modo de existir e um - Não sei o que você está querendo me dizer com isso.
comportamento social. O corpo, conforme será mais bem abordado
adiante na análise sobre o romance de Luiza Valenzuela e sobre o - Bom. Eu também não sei, mas sinto, escreva com o
corpo, estou lhe dizendo. O segredo é res, non verba.
inca Atahualpa, revela mecanismos de dissimulação e profanação a
Quer dizer, restaurar, restabelecer, revirar. Está vendo,
partir do contato com a força opressora. É no contato com o outro as palavras nos guiam. [...] Somos todos putas da lin-
que o corpo realiza seu potencial criativo e, muito por conta disso, guagem: trabalhamos para ela, lhe damos comida, nos
não foi inteiramente desprezado pela crítica literária e culturalista humilhamos por sua culpa e nos vangloriamos dela.
do século passado. E depois disso tudo? Ela pede mais. Sempre vai pe-
dir mais, e mais fundo. [...] Ca-ra-lho. Por isso eu digo:
com o corpo, porque isso de se enfiar até o fundo sem
fundo não pode ser feito só com a cabecinha. Peço
CORPO E PERFORMANCE NUM TERRITÓRIO NEOBARROCO desculpa por toda analogia, metáfora ou associação
Em Romance negro com argentinos, a escritora argenti- ou alegoria que sua mente suja possa estar maqui-
nando neste instante. Ou sem desculpa alguma, pois
na Luisa Valenzuela adentra uma zona de subjetivação do corpo,
é disso que se trata, afinal de contas. (VALENZUELA,
transpondo-o para um território específico: o Neobarroco latino-a- 2001, p. 16)
mericano. O enredo trata de dois escritores argentinos residentes
em Nova York, Augustín Palant e Roberta Aguilar, que, ao mergulha-
rem no submundo artístico da cidade, problematizam processos de
Analogia, metáfora, associação, alegoria ou tudo o que uma
criação literária por meio da experiência do corpo como anteces-
mente suja possa maquinar diz respeito à diferença entre o texto e
sora da concretude escrita. O romance é caracterizado pelo contí-
o ato, isto é, a representação por um lado, e o agir sobre o mundo,

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por outro. Ocorre um jogo de inversões, em que o ato precede o tex- Haroldo de Campos (1929-2003) denunciou seu sequestro na his-
to, já que o corpo será a origem da ficção, mas também está sendo tória literária. O fator diferencial de Sarduy é, como afirma o crí-
enunciado pela própria condição ficcional do romance. A narrativa tico argentino, pesquisador do Neobarroco, Valentín Díaz (2010),
se desenvolve nesse jogo rebuscado de uma ficção que problemati- que ele produz uma “torção metodológica”, modificando o alcance
za o próprio fazer ficcional. O corpo em seu atributo res – não por do Barroco em relação aos processos da confirmação da ideia de
acaso um significado em latim para corpo – diz respeito à existên- moderno, daí o prefixo “neo”. Neobarroco coloca-se, ainda segundo
cia concreta, material, física, do agir sobre o mundo. Não obstan- Díaz, como uma máquina interpretativa e de imaginação de si e do
te, o res pode ser lido como prefixo indicador de repetição e, desse mundo. Nesse ponto se aloja o fator diferencial da leitura Sarduy
modo, fonte de analogias. O res – matéria e ação duplicadora – alça da literatura: as imagens do corpo deixam de ser vistas pela mera
à posição de restaurador de uma experiência elíptica, sob a forma representação para protagonizarem um ato. É um tipo de torção es-
de um passado aleatório e constelar que a todo momento intervém pelhada que ocorre no romance de Valenzuela, uma vez que o cor-
sobre o presente, provocando com isso uma mudança de ordem nos po precisa ir ao encontro do outro, no debate com o mundo, como
acontecimentos.Quer como existência em ato, quer como uma ór- forma de realização do ato criativo ficcional. Em ambos os casos, a
bita na qual o passado atravessa o presente, o corpo no romance literatura passa a ser entendida como a encenação de uma condição
de Valenzuela se subsome num corpo-memória.Aqui a definição de latino-americana, na medida em que o corpo-memória do persona-
Neobarroco de Severo Sarduy102 exibe a planta da maquinaria ca- gem faz o trânsito do ato para a elocução literária.
paz de explicar o rearranjo corporal operado na obra de Valenzuela.
A lógica analítica de Sarduy é regulada por um rearranjo es-
O corpo, no olhar analítico do poeta cubano, reinventa-se por paço-temporal, no qual as imagens do corpo são interpretadas a
um sistema de analogias, na medida em que estabelece uma nova partir de uma casualidade anacrônica e pela ausência de hierarquia
arqueologia do moderno. Em vez de postular uma estética ou uma de valores entre modelo e cópia. O Neobarroco, a seu ver, possibilita
poética latino-americana, Sarduy cria um método analítico, calca- o entendimento do corpo como a presença de similaridades num
do na experiência do descentramento, denominado “Neobarroco”. descontínuo, na medida em que uma analogia entre dois objetos
Como ele irá definir: “Neobarroco: reflexo necessariamente pulve- distintos é interposta. O corolário disso é que a condição latino-a-
rizado de um saber que sabe que já não está ‘docemente’ fechado mericana é dada em meio a uma isomorfia não contígua. Tal con-
sobre si mesmo. Arte da dessacralização e da discussão” (SARDUY, dição pode ser identificada seja nas semelhanças entre o Barroco
1979, p. 79). europeu de um Churriguera comparado a um Aleijadinho, seja nas
semelhanças entre a poesia de Luis de Gôngora e Lezama Lima. So-
Boa parte da inteligência latino-americana irá identificar no bre isso, assevera Sarduy:
Barroco um contexto analítico pelo qual a estética e a identidade
literária são problematizadas. Lezama Lima (1910-1976) e Alejo
Carpentier (1904-1980), por exemplo, o definiram ora como uma A exclamação infalível que suscita toda capela de
era imaginária, ora como uma vocação natural latino-americana. Churriguera ou do Aleijadinho, toda estrofe de Gôn-
gora ou de Lezama, todo ato barroco, quer pertença
102 O conceito de Neobarroco foi trabalhado por Severo Sarduy entre os anos de 1960-70, à pintura ou à confeitaria: “Quanto trabalho!”, implica
quando despontava o pensamento francês pós-estruturalista, no qual o ponto de vista um mal dissimulado adjetivo: Quanto trabalho per-
latino-americano irá se integrar ao nascente debate.
dido!, quanto jogo e desperdício, quanto esforço sem
funcionalidade. (SARDUY, 1979, p.77)

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Literatura e outras artes na América Latina CORPO-MEMÓRIA E A POÉTICA DA RESISTÊNCIA

Na análise da literatura latino-americana, Sarduy dará seu A condição latino-americana ocorre, no caso em tela, pela
grande salto, ao propor um esquema operatório que, além de ex- subsunção da ideia de centralidade a uma zona desorbitada. A des-
plicitar mecanismos de artificialização e paródia na representação crição do espaço, onde o corpo de Augustín habilitará o ato, não
do corpo, atenta para o movimento circular de imagens, positivan- por acaso, torna análoga Nova York, centro de decisões do “impé-
do a simulação e a conectividade. Esse é o movimento operado rio” contemporâneo, a metrópoles latino-americanas, como Buenos
pelo protagonista de Romance negro com argentinos, que em solo Aires. A experiência de Augustín leva a compreender o território
estrangeiro estabelece conexões, simulando a realidade na ficção latino-americano com fronteiras elásticas e permeáveis, sendo ca-
e vice-versa. O romance é um jogo em que as fronteiras do real e paz de projetar-se em várias espacialidades, para além inclusive da
do imaginado se diluem, bem como as fronteiras geopolíticas. Em dimensão continental latino-americana. O corpo-memória torna-se
seu negativo, o trânsito do corpo de Augustín Palant por Nova York a base do mecanismo dessa projeção, pois permite ao sujeito a me-
revela as isomorfias do ambiente latino-americano, aniquilando a diação com o mundo e a vivência de subjetividades por meio de
noção centro x periferia. Paralelo a isso, as conexões do corpo com práticas simulatórias e conectivas. Em termos práticos, haverá uma
o mundo, do corpo em direção ao outro, aprofundam a alternância América Latina constituída por pensamentos e similaridades espa-
de autor para personagem, criando uma atmosfera em que as iden- ço-temporais em múltiplas zonas neobarrocas do planeta.
tidades se dispersam num jogo de simulações.
O trânsito do personagem pelas ruas do submundo nova-
A simulação é a grande fonte de estratégia do romance em -iorquino refletirá o comportamento de um corpo-memória, na me-
discussão, porque por ela são definidos comportamentos em meio dida em que reviverá a experiência latino-americana num território
a opções de conectividade de um corpo pelas ruas de Nova York. Um análogo, num país estrangeiro. A passagem do romance ilustra bem
corpo em plena invenção. Valentín Díaz (2010, p. 53) atenta para o esse sentimento:
fato de que o travesti será o modelo fundamental da maquinaria
neobarroca de Sarduy, pois é a figura que excede o sentido estético,
conduzindo a performance do corpo à concretização de um ato ple- Deste lado ou do outro, pensou, a imundície é a mes-
no. Em outras palavras, a linguagem corporal do travesti, uma vez ma, sempre os mesmos grandes sacos de plástico
preto, empilhados, cheios de desperdício, e no meu
colocada em campo, faz e age sobre o mundo. O trânsito de gênero,
país em tempos militares os sacos teriam em vez dis-
operado pela simulação do corpo, resulta numa performance res- so restos de, melhor pensar em outra coisa, armar o
ponsável por colocar em jogo um regime de subjetivação. Augustín, sorriso de segurança e indiferença, mostrar-se bem
como no caso do travesti, leva a simulação ao limite da realidade, alerta sem se mostrar alarmado, caminhar decidido
uma vez que vida e arte encontram-se torcidas num mesmo fio, e entre essas vozes que lhe oferecem drogas aspiráveis,
as possibilidades de imaginação de si e do mundo passam a ser ex- absorvíveis, injetáveis, que lhe oferecem mulheres,
pressas pelo corpo. O corpo refletirá, por conta disso, a singularida- homens, adolescentes, crianças e lhe dizem aceita-
de de uma experiência numa sucessão de eventos. Será um corpo mos cartão de crédito, qualquer coisa, e ele avança
pela miséria humana fingindo não ouvir, porque essa
em performance, atualizando o passado num presente, por meio de
é a forma de comunicação nesses estratos, uns falam
isomorfias corrosivas da noção de centro-periferia. Um corpo com ao vento ou gritam ao vento com desaforados gritos
a potência para (re)significar o mundo. de louco, detalhando as tentações ou os nomes poé-
ticos da heroína que lembram paraísos tropicais nos

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Literatura e outras artes na América Latina CORPO-MEMÓRIA E A POÉTICA DA RESISTÊNCIA

ouvidos dos desesperados que se arrastam de longe, POR DETRÁS DO VÉU DE ATAHUALPA
respondendo ao chamado daqueles que gritam, mas
nunca jamais olham nos olhos, nunca os que vendem
são eles, nem os que compram são os que compram, e
assim Augustín desliza – deslizou – por essa região do en esta cámara, a veces el eco precede a la voz
desatino sentindo-se intocado. (Idem, 20-21) (Severo Sarduy).

Em seu ensaio Heterogeneidad y contradicción en la litera-


Escrever uma história com o corpo significa romper a auto- tura andina(2000), Cornejo Polar reconta, a partir da leitura de
mação do cotidiano e extrair sentido da palavra em cada ação do cronistas do século XVI, o encontro entre o Sapa Inca Atahualpae
dia a dia. A escrita do corpo pressupõeo exercício da subjetivação o frei Vicente Valverde. O episódio em discussão não é apenas uma
na relação com o outro. Ela implica uma transformação radical da denúncia das várias formas de opressão do colonizador frente ao
maneira como os papéis sociais são assimilados e desempenhados. colonizado, mas também é uma metonímia das relações poéticas
Desmascara a realidade, revelando o grande “teatro da vida”. Por que irão se estabelecer em todas as colônias americanas. As pará-
último, mas não menos importante, demonstra que todos são per- frases e as apropriações que Polar faz dos cronistas, com base, prin-
sonagens de uma obra em porvir, em plena elaboração, cuja recusa cipalmente, em uma edição de Raúl Porras Barrenechea, remontam
do papel implica numa tomada de consciência sobre a maneira de ao dia 16 de novembro de 1532. Ao vislumbrar a salvação cristã e
o sujeito desempenhar seus vários papéis – social, étnico, político, a amizade imperial a Atahualpa, o frei propôs ao imperador que
profissional, etc. – no mundo. renegasse suas crenças e deuses e que se submetesse ao jugo do
rei Dom Carlos (1500-1558). Os cronistas narram que o imperador
O romance de Valenzuela caracteriza a construção da iden-
inca pediu ao frei provas sobre a onipotência divina que ouvia e o
tidade do sujeito na relação com o mundo. Por ser relacional, a
mesmo lhe respondeu que a verdade estava escrita, entregando-lhe
identidade perpetuaum jogo de apropriações e sobreposições es-
a Bíblia. A cena a seguir merece uma citação: “Atahualpa teve difi-
paço-temporais. São essas simulações que confundem arte e vida
culdade em abri-la, a olhou detidamente, procurou ouvi-la – ante
e apagam as noções de centro e periferia, moldando a ficção na ex-
seu silêncio – atirou-a ao chão” (POLAR, 2000, p. 287-288). A rea-
periência da vida real. O corpo-memóriadimensiona o espaço de
ção de Atahualpa foi tomada pelo frei Valverde como um evidente
ação para um território neobarroco. Não é mais a América Latina,
ultraje à religiosidade cristã e, por conseguinte, ao reino da Espa-
não é mais Nova York. Agora irrompe uma zona desorbitada em que
nha, que camuflava seus interesses pela busca do ouro sob o argu-
as imagens de variadas temporalidades, espacialidades e culturas
mento da conversão dos gentios. Os relatos não deixam entrever
constituirão um momento e marcarão uma forma de o corpo se
com clareza a dimensão da resposta dos incas aos ataques, mas a
apresentar no debate com o mundo. Ao fazer contato com a memó-
morte de centenas deles que faziam parte do séquito de Atahualpa
ria inconsciente do corpo, o sujeito impõe um espaço de construção
não deixa dúvidas de ter havido em Cajamarca, centro político, reli-
de pensamento e ação sobre o mundo, aberta a infinita de conexões.
gioso e econômico do império Inca, um massacre.
Além da evidente turbulência que perpassa esse encontro –
entre sociedades e culturas –, cuja violência se reproduz ainda nos

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vários massacres noticiados na impressa nos dias de hoje, a crítica do sagrado cujo gesto concreto do Sapa de atirá-la ao chão faz dele
literária latino-americana não se furta a tomar o episódio como um um herege aos olhos do frei.
confronto entre a cultura escrita e letrada.103 Atahualpa simboliza o
oral/dominado, para quem o livro não poderia ser compreendido O que estou apontando é que, se no dia do massacre a pola-
como uma voz da verdade, pois não emitia som algum. O frei Valver- ridade consistia numa disputa do sagrado cristão e deuses incas, a
de é interpretado como o letrado/dominador, para quem as escritu- leitura culturalista irá pender para a sobrevalorização da polarida-
ras sagradas eram uma forma de representação legítima da voz divi- de escrita/oral, tomando-a como um dos principais componentes
na. A polaridade do encontro é marcada pela nítida oposição entre da resistência latino-americana. Com isso, a reação corporal como
letra e voz, transformando a última num amplo abrigo de culturas estratégia de sobrevivência tem sido pouco levada em conta. A aná-
marginalizadas e sujeitos excluídos do mundo americano. Ainda na lise de Polar da re-encenação do massacre de Cajamarca, em festas
perspectiva dos culturalistas latino-americanos, o encontro entre as populares do Peru, detecta a importância da voz como confronta-
culturasoral e escritaterá como desdobramentoa dominação do pen- dora do registro escrito, ou seja, da performance como espaço de
samento escrito sobre o oral. Como corolário, ao longo dos últimos significação e resistência por meio de uma reinvenção do aconteci-
40 anos, a crítica literária não poupou esforços para repensar a ideia mento. Em suas palavras:
de sistema literário que incorporasse outras linguagens, enquanto a
literatura acolhia e emancipava vozes de sujeitos, por meio, sobretu-
do, da valorização do testemunho e da experiência. Sem dúvida, na memória que anima a comparsa, a
história de Cajamarca não é a das crônicas, mas tam-
No entanto, aproximando as lentes do episódio de Cajamar- pouco é uma história enclausurada: na música, nas
ca, a dicotomia letrado/poder x oral/dominado merece ser relati- canções, nos movimentos da longa festa coletiva que
recorda a tragédia de Cajamarca o final é ainda im-
vizada, ao levar em conta os papéis dos sujeitos que a protagoni-
previsível. Talvez tudo se reduza a um fato ao mesmo
zaram no acontecimento do massacre. Francisco Pizarro era anal- tempo simples e complexo: cantar, dançar a história
fabeto, como deveriam ser inúmeros soldados sob seu comando. não é o mesmo que escrevê-la. (POLAR, 2000, p.289)
Não há, propriamente, uma luta entre letrados e não letrados, já
que a lógica simbólica da conquista de uma cultura escrita sobre a
oral era operada ao interno da própria força dos conquistadores. A
O crítico peruano não deixa dúvida de que Cajamarca é mais
simbologia da escrita como opressora opera ao externo do aconte-
que um acontecimento histórico dado pelos registros dos cronis-
cimento, exercendo um domínio indireto sobre incas, mas também
tas do século XVI. Parece-me óbvio que a ação do frei Valverde em
sobre inúmeros soldados espanhóis. Isso seguramente modifica o
apresentar a Bíblia no lugar, por exemplo, da cruz reforçou a ideia
paradigma inca/oral em oposição aos espanhóis/letrados. O epi-
de dominação de uma cultura escrita sobre a oral. Mas também o
centro da tensão localizava-se nas forças do sagrado, no embate
fato de muitos soldados serem oprimidos pela escrita revela a po-
entre os deuses incas e o cristianismo católico europeu. A escrita,
tência para aproximação e trocas culturais no âmbito da oralidade
nesse caso a Bíblia, corresponde “à palavra de Deus”, manifestação
entre grupos. Podem estar aí as raízes daquilo que viria a ser deno-
minado como uma cultura oral miscigenada. A festa não é apenas o
103 O episódio é descrito tanto por Cornejo Polar (2000) no referido ensaio, como por Carlos lugar simbólico do inca, mas de sujeitos oprimidos, o que equivale
Pacheco em sua La comarca Oral (1992).

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a pensá-la como território de expressão de uma cultura de resis- dica, que não é mais que uma paródia da função de reprodução,
tência formada tanto por descendentes europeus, como africanos, uma transgressão do útil, do diálogo ‘natural’ dos corpos” (SARDUY,
mestiços e até mesmo indígenas. Na festa, o corpo-memória de su- 1979, p. 78). A prática de um corpo capaz de preencher o vazio da
jeitos que encenam, cantam e dançam o massacre pode reviver, por morte com fusões, intercâmbios ou espelhamentos conectará a des-
meio da performance, o trauma da destruição de corpos. E isso não truição de corpos dos incas em Cajamarca com a contínua violência
mais faz deles incas, nem refunda com a encenação a ordem política do presente.
do antigo império e, muito menos, os torna europeus. A memória
da morte do imperador, após vários meses de cativeiro, o vivifica a Os adereços apresentados no desfile podem ser lidos como a
cada atualização, em sua potência criativa responsável por aderi-la sobreposição de injustiças ao longo da história e cumprem a função
a uma conjuntura de resistência simbólica em trânsito contínuo. de dirigir os olhos para um determinado ponto, conforme sugere a
etimologia da palavra adereço: ad directiare. O ponto que o adereço
As festas, os ritos, as canções tornam-se signos pelos quais chama atenção é para o gesto da injustiça, transmitido na perfor-
a memória do massacre irá ser projetada. Um vídeo no Youtube,104 mance por meio da sucessão de blocos de foliões alegorizados de
que exibe fotos de um desfile de carnaval de 2016, ajuda na compo- soldados incas e espanhóis.
sição de uma vaga ideia das performances sobre as quais Polar fez
referências em seu ensaio. Os temas das fantasias são os mais varia- Há em muitos deles um traço distintivo, são dotados de um
dos: fanfarrões, fadas, toureiros, bandas musicais, a caravela de Co- estilo que remonta aos wak’a105sagrados, os quais, grosso modo,
lombo, mas também haverá representações de índios carregando a constituem-se por totens, tabuletas, signos que evidenciam uma
imagens do deus Viracocha ou com mantos e coroas alegorizando a territorialidade do sagrado povoada pelo panteão divino inca. Mas
vestimenta de um Sapa, alternadas com um coletivo de jovens em- o uso carnavalesco esgarça a fibra do sagrado a ponto de rompê-la.
punhando lanças e escudos, vestindo roupas que lembram arma- Daí, sobressaem, no adereço, a ocupação vertical e horizontal da
duras de soldados de Pizarro. Corpos, numa proliferação de signos praça pública, o volume desproporcional, as texturas diversas que
em blocos, embalados pelas coplas de carnaval com ritmos andinos, combinam algodão, pluma, couro e sintéticos variados, as cores vi-
exibem alegria e vigor. A festa torna-se uma memória, que, por meio çosas com toques de dourado ou prata remetendo ao deus sol e ao
da performance, projeta um corpo-memória, no qual a história da deus lua. O adereço age pelo impacto.
conquista é relida pelo gesto do desfile, pela musicalidade viva e O especialista em arte pré-colombiana, Adam Herring, ob-
carnavalesca da festa e, principalmente, pelo adereço da fantasia. serva que os diversos relatos da comitiva de Pizarro sobre o pri-
O adereço exala a condição latina dos corpos em desfile. É meiro encontro com Atahualpa, antes do dia do massacre, teve uma
uma singular manifestação da “ética do desperdício”, da qual trata profunda ligação com o adereço. A comitiva de Pizarro, após ter
Severo Sarudy. O regime do fazer do adereço contrai num mesmo sido levada por um intricado labirinto arquitetônico, que conduzia
signo a lembrança da destruição de corpos e o jogo lúdico erótico. a uma pequena câmera mal iluminada, deparou-se com o impera-
Nas palavras do poeta cubano: “Jogo, perda, desperdício e prazer: dor inca sentado entre duas mulheres que o cobriam com um véu
isto é, erotismo enquanto atividade que é sempre puramente lú- para que não o vissem diretamente. A cena chama atenção para um
tipo de enquadramento que apresenta conexões com a arquitetura

104 In: https://www.youtube.com/watch?v=g31-00PZYBw. Acesso em: 05 set. 2016. 105 A grafia também pode ser “huaca”.

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da cidade inca e, pensando no interior do ambiente, havia nichos de e Atahualpa significa, segundo Herring, o “principal e primeiro” ou
alvenaria nas paredes e em edificações onde as imagens de deuses o “mais importante dos incas” – exibe a superioridade e a divinda-
se sobressaíam. A performance de Atahualpa o centralizava num de estendidas simbolicamente a seu povo. Como um significante, a
tipo de nicho, tendo ao fundo uma porta trapezoidal e à frente o performance constitui-se como um arranjo, que guia a perspectiva,
véu translúcido suspenso por duas mulheres, dando a sensação bi- induzindo o olhar do espectador.
dimensional da figura do imperador. A performance, ainda do ponto
de vista de Herring, operava um aparato ideológico que identificava O estranhamento aliado à curiosidade em ver a face do im-
e articulava Atahualpa como uma divindade. Nas palavras do pró- perador pode ser situado como o efeito mais imediato provocado
prio Herring, o corpo de Atahualpa: nos espanhóis da performance do cerimonial inca. E tal reação per-
mite afirmar que, se no plano simbólico, ela não surtiu o efeito es-
perado, no nível da estrutura, o enquadramento foi funcional, pois
de fato atraiu o olhar dos espanhóis. Nesse sentido, os adereços
[...] was an arbitrary point where his universality was
deployed, framed, and shown to be evident. If his person do carnaval de Cajamarca, passados bem mais de 400 anos, ainda
embodied a point of concentrated power, his presence apresentam uma eficácia semelhante, na medida em o wak’a recebe
also refused containment within fixed coordinates. Ata- o mesmo olhar de estranhamento, impactando o olhar de seu es-
wallpa’s bodily presence occupied one among so many pectador, sem que a esfera do sagrado seja penetrada.
echoing, mirror-image extensions of his being. Atawall-
pa was an imperial order everywhere visually evident O uso do adereço em estilo wak’a dos carnavais das ruas da
but nowhere fixed, and so all comprehending. Atawall- Cajamarca contemporânea, que na ordem simbólica inca poderia
pa’s person offered the defining vantage from which an ser considerado uma séria profanação dos deuses, possibilita aos
array of echoing solipsism was organized. (HERRING, corpos travestidos a afirmação de suas subjetividades. Essa afirma-
2015, p. 71) ção decorre de duas constatações: primeira de que o adereço não
é um padrão, permitindo a cada um o uso criativo em um modo
diverso; segunda, de que é no ambiente de multiplicidades e relei-
A performance e o corpo no mundo inca, representada na turas que as identificações têm chances maiores de serem bem-su-
figura do soberano, compreende um complexo conjunto de signos cedidas. E parece-me que é por aí, de fato, que os adereços querem
que conectam poder, religião, arquitetura, arte, agricultura, econo- chamar o olhar de seus expectadores. Por meio das individualida-
mia e produção de saber de um modo geral. A apresentação ensaia- des é que surgem as conexões para a formação duma grande rede
da do Sapa Inca Atahualpa pode ser lida como uma tentativa frus- afetiva entre os foliões, dando à festa a prerrogativa da unidade,
trada de envolver os inimigos espanhóis numa esfera do sagrado mesmo que de duração efêmera, na qual uma latinidade passa a ser
e de demonstração de poder que, definitivamente, eles não conse- vivenciada e compartilhada pelo grupo.
guiram perceber. Isso reforça ainda mais a ideia do jogo do sagrado
daquele momento. O corpo coberto pelo adereço deixa rastros de um mecanis-
mo profanador, operando ao interno da condição latina: não é mais o
Era operado por meio do enquadramento, do véu translúci- wak’a inca, nem, tampouco, a ordem cristã católica vigente, mas um
do e do ambiente onde se dava o cerimonial, um tipo de exercício território onde os discursos, as instituições, a arquitetura, as leis,
metonímico do wak’a, no qual o corpo em destaque do imperador– símbolos e imagens têm seu efeito suspendido para que o sujeito

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imponha um outro uso da imagem de Viracocha. Profanar, segundo ESPOSITO, R. Pensiero vivente: origine e attualità della filosofia italiana. Turim:
Giorgio Agamben, significa fazer novo uso das coisas, “brincar com Einaudi, 2010.
elas”, restituindo-as “ao livre uso dos homens” (2007, p. 65-75). O GELADO, Viviana. Poéticas da transgressão. Vanguarda e cultura popular nos
ato de profanar consiste, assim, não apenas numa prerrogativa reli- anos 20 na América Latina. Rio de Janeiro/São Carlos: 7 Letras/EdUFSCAR, 2006.
giosa, mas na restituição de tudo aquilo que foi separado da esfera
HERRING, Adam. Art and Vision in the Inca Empire: Andeans and Europeans at
de uso comum. Trata-se da neutralização de um dispositivo, dan-
Cajamarca. Nova York: Cambridge University Press, 2015.
do aos estados corpóreos um possível uso diferente. A profanação
latino-americana atua, como um sistema de cultura, com códigos LIENHARD, Martin. La voz y su huella: Estructura y conflicto etnico-social en
simultâneos e opostos: o do conquistador e do conquistado. America Latina (1492-1988). La Habana: Casa de las Americas, 1990.

A lógica da disputa do sagrado entre os espanhóis e os incas LIENHARD, Martin. La percepción de las prácticas “textuales” ameríndias: apun-
revela uma das estratégias mais sagazes da condição latino-ameri- tes para um debate interdisciplinario. In: PIZARRO, Ana (Org.). América Latina:
palavra, literatura e cultura. V. 3. São Paulo/Campinas: Memorial da América La-
cana: a sua competência para o exercício do ato profanador. Logo, tina/Ed. UNICAMP, 1995.
o sentido da resistência pela cultura oral, aferido pela crítica lati-
no-americana, pode ser expandido para a observação de um corpo PACHECO, Carlos. La comarca oral. Caracas: Ediciones La Casa de Bello, 1992.
que se deifica por detrás de um véu e, com isso, turva a limpidez POLAR, Antonio Cornejo. O condor voa. Literatura e Cultura Latino-Americanas.
da imagem cartesiana do divino europeia. Resistir consiste numa Tradução de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: EdUFMG, 2000.
apropriação do véu, em seu sentido de adereço, restituindo-o ao
espírito inca, sob a forma de uma grande festa popular. RAMA, Angel. Transculturación narrativa en America Latina. 2a ed. Buenos Aires:
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