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Querido Jeremy,

Quero começar com um pedido de desculpas. Tenho a certeza que quando tu estiveres a ler isto, eu já terei saído a
meio da noite com Crew. O pensamento de deixar-te sozinho na casa onde compartilhamos tantas memórias juntos
faz-me sofrer por ti. Tínhamos uma vida tão boa com os nossos filhos. Um com o outro. Mas nós somos Crônicos.
Devíamos saber que a nossa mágoa não terminaria com a morte de Harper. As nossas vidas eram perfeitas até que, de
alguma forma, mudámos para uma dimensão alternativa no dia em que a Chastin morreu. Por mais que eu tente
esquecer onde tudo começou a dar errado, fui amaldiçoada com esta mente que nunca se esquece de nada.
Eu estava a falar com a Amanda sobre as minhas preocupações pois não tinha certeza de qual ângulo tomar com o
novo livro. Devo escrever algo completamente diferente? Ou devo seguir a mesma fórmula de escrever do ponto de
vista do vilão que tornou o meu primeiro romance tão bem-sucedido?
Ela sugeriu que eu seguisse a mesma fórmula, mas também queria que eu arriscasse ainda mais com o segundo livro.
Eu disse-lhe que era difícil para mim fazer uma voz no meu romance soar autêntica quando não é assim que eu penso
na minha vida quotidiana.
Foi aí que ela me disse para tentar um exercício que aprendeu na pós-graduação chamado diário antagónico.
Ela disse que eu precisava entrar na mente de um personagem cruel, escrevendo entradas de diário da minha própria
vida... coisas que realmente aconteceram... mas fazer o meu diálogo interno na entrada do diário ser o oposto do que
eu realmente estava a pensar no momento. Parecia simples. Inofensivo.
Ajudou-me imenso, e é por isso que eu consegui criar personagens tão realistas e aterrorizantes nos meus romances. É
por isso que eles venderam, porque eu era boa nisso.
Quando terminei o meu terceiro romance, senti que tinha dominado a arte de escrever de um ponto de vista que não
era meu. Os exercícios ajudaram-me tanto que decidi combinar todas as entradas do meu diário numa autobiografia
que poderia ser usada para ensinar outros autores a dominar o seu ofício. Eu precisava juntar os capítulos com um
enredo geral para que a autobiografia fosse mais coesa, então eu fui além em cada cena para torná-la mais chocante.
Mais perturbadora.
Não consigo explicar-te a mente de um escritor, Jeremy. Especialmente a mente de um escritor que passou por mais
devastação do que a maioria dos escritores juntos. Nós somos capazes de separar a nossa realidade da ficção de tal
forma que parece que vivemos nos dois mundos, mas nunca nos dois mundos ao mesmo tempo. O meu mundo real
ficou tão escuro que eu não queria viver nele naquela noite. É por isso que fugi dela e passei a noite a escrever sobre
um mundo mais sombrio do que aquele em que vivia. Porque todas as vezes que eu trabalhava naquela autobiografia,
encontrava alívio ao fechar o computador. Encontrei alívio ao sair do meu escritório e poder fechar a porta para o mal
que eu criei. Eu precisava que a versão imaginária do meu mundo fosse mais sombria do que o meu mundo real. Caso
contrário, eu teria vontade de deixar os dois.
Como é que eu explicaria que cada palavra negativa que leste é mentira? Tu não acreditarias em mim se eu tentasse
negar aquele manuscrito, porque fui eu que o escrevi. Aquelas palavras eram minhas, por mais falsas que fossem.
Durante três dias fingi que ainda estava em coma quando alguém entrava no meu quarto. Médicos, enfermeiras, tu e o
Crew. Mas um dia eu fui descuidada e tu viste-me de olhos abertos ao entrar no quarto do hospital. Tu olhas-te para
mim e eu olhei de volta. Eu vi que tu estavas furioso por eu ter acordado. Como se tu quisesses te aproximar e
envolver os teus dedos em volta da minha garganta novamente.
Tu deste alguns passos na minha direção, mas eu decidi não seguir-te com os meus olhos porque a tua raiva
apavorava-me. Se eu fingisse não estar ciente do que estava a acontecer ao meu redor naquele momento, havia uma
chance de tu não tentares acabar com a minha vida novamente.
Eu não te culpo pelo que me fizeste. Tu foste um marido maravilhoso até não poderes ser mais. E tu foste o melhor pai
do mundo.
Amo-te. Mesmo ainda.
Verity

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