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CURSO DIREITO
SÃO PAULO
2020
SÃO PAULO
2020
B797a
Braconi Neto, Emilio
A atual problemática jurídico-administrativa do sistema dualista de
investigação de acidentes aeronáuticos / Emilio Braconi Neto. –
2020.
97 f.
CDU: 347.823.37/.826
EMILIO BRACONI NETO
Banca Examinadora:
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In lawsuits arising from airplane accidents, the use of technical data extracted from
safety investigations as matter of judicial proof, without watching rules and precepts of
law, may lead into a worrisome practice, capable to affect, at same time, the judicial
activity and the air safety and accident prevention system effectiveness. This paper
proposes the analysis under such scenario, regarding the use of technical data from
air crashes safety investigations, unduly destined to the evidential instruction in
lawsuits based on aviation accidents cases, in addition to the respective list of side
effects that the practice starts in the scope of the public bodies involved. Regarding
the systematic law interpretation and dialogue of legal sources, it´s expected to
overcome the general difficulties imposed by the different normative sources, in such
a way as to identify the basic aspects that guide the various systems involved, in order
to find answers capable of making unambiguous the legal restrictions that limit the
scope of certain types of evidence in the judicial and administrative process. To this
end, the detachment of the complex thematic requires the mandatory transit through
the main principles of principle and teleology that inform the system of investigation
and prevention of aeronautical accidents, as well as its opposition to the general
dictates that guide the procedural and material systems. Focusing on relative
incompatibility of aeronautical investigations in face of the fundamental guarantees of
the law, it is intended, after all, to demonstrate in the light of due legal process: the
essential criteria for the fair entry of aeronautical sources to the restricted universe
evidential law; so that, once these steps are overcome, it remains evident that strict
observance of the legal criteria allows not only the admission of evidence to the bulge
of the lawsuit, but also the fair achievement of full judiciary service access, and unfair
judicial decisions prevention, in order to, in the other hand, to provide the increasing of
the of the judicial activity and air safety and accident prevention system effectiveness.
CF – Constituição Federal
MP – Ministério Público
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................1
CONCLUSÃO ............................................................................................................87
REFERÊNCIAS..........................................................................................................95
1
1 - INTRODUÇÃO
1
Com tal aperfeiçoamento, pode-se compreender e visualizar que o Brasil adotou, assim como os demais países
pactuantes da Convenção de Chicago, o modelo dualista de investigação de acidentes aeronáuticos: o sistema
policial - judiciário e o sistema de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos (SIPAER), este último
independente e neutro. BRASIL. CENIPA.ESTUDO PREPARATÓRIO Nº: 001/2017/CENIPA. Brasília, DF, 14 de mar.
2017. p. 06. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=648345511>
. Acesso em: 15: jul. 2020.
2
SIPAER – Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos: órgão subordinado ao Comando da
Aeronáutica. Tem a finalidade de planejar, orientar, coordenar, controlar e executar as atividades de investigação
e prevenção de acidentes aeronáuticos no Brasil. Disponível em: <https://www.decea.gov.br/
sirius/index.php/2011/06/14/sipaer-sistema-de-investigacao-e-prevencao-de-acidentes-aeronauticos>. Acesso
em: 26 mar. 2020.
3
3
A OACI é a agência especializada das Nações Unidas responsável pela promoção do desenvolvimento seguro e
ordenado da aviação civil mundial, por meio do estabelecimento de normas e regulamentos necessários para a
segurança, eficiência e regularidade aéreas, bem como para a proteção ambiental da aviação. Com sede em
Montreal, Canadá, a OACI é a principal organização governamental de aviação civil, sendo formada por 191
Estados-contratantes e representantes da indústria e de profissionais da aviação. Disponível em:
https://www.anac.gov.br/A_Anac/internacional/organismos-internacionais/organizacao-da-aviacao-civil-intern
acional-oaci> Acesso em: 01 de jul. de 2020.
4
Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN Nº5667/DF, por meio da qual o legitimado Ministério Público
Federal defende a inconstitucionalidade de parte dos dispositivos que versam sobre a investigação e acesso a
material procedente da investigação SIPAER. O tema será analisado em capítulo específico deste trabalho.
4
Dentre as suas disposições, o Anexo-13 orienta com que cada um dos Estados-
partes constitua em seus ordenamentos jurídicos internos, um sistema paralelo de
investigação de acidentes, que seja teleologicamente destinado exclusivamente aos
fins de prevenção. Tal orientação existe no sentido de que este sistema seja dotado
de órgãos autônomos e possua a exclusiva finalidade preventiva; atuando, assim, na
5
The History of ICAO and the Chicago Convention. ICAO. Disponível em: <https://www.icao.int/about-
icao/History/Pages/default.aspx> Acesso em: 06 jul. 2020.
6
ICAO. Annex 13. Disponível em: <https://www.icao.int/safety/airnavigation/AIG/Pages/Documents.aspx>
Acesso em: 05 jul. 2020.
5
elucidação dos fatores que deram azo à ocorrência de acidentes, sem perquirir sob
nenhum aspecto a culpabilidade de quem quer que esteja envolvido no caso.
7
Trata-se da Lei ordinária nº 12.970 de 2014, que alterou o Capítulo VI do Título III, art. 302 e revogou os arts.
89, 91 e 92 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), para dispor sobre as investigações do Sistema
de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - SIPAER e o acesso aos destroços de aeronave.
6
8
Encontra-se em trâmite no Supremo Tribunal Federal a ADI N.5667/DF, proposta no ano de 2017 e de relatoria
do Ministro Celso de Mello, a ADI versa sobre a arguição de inconstitucionalidade dos artigos 88-C, 88-D, 88-I, §
2o, 88-K, 88-N e 88-P inseridos na Lei 7.565/861986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), por meio da Lei 12.970,
de 8 de maio de 2014).
7
Esta tendência à leitura que é feita dos trabalhos dos órgãos de investigação,
sob tonalidade estritamente acusatória possui uma gama de efeitos colaterais que há
tempos vem chamando a atenção dos Estados-membros e a OACI, tendo-se
orientado os signatários da Convenção de Chicago, acerca da importância de, em
âmbito interno, buscar-se formas de mitigar os riscos inerentes ao uso inapropriado
do produto das investigações preventivas exercidas pela autoridade aeronáutica.
Muito embora esta vertente preventiva atue por meio de expedientes análogos
àqueles praticados pelos órgãos policiais de investigação criminal, a exemplo da
tomada de depoimentos de envolvidos e de testemunhas9, este é constituído de uma
sistemática complemente diversa da existente no inquérito policial de investigação e
do sistema de acusação penal, sendo o seu principal recurso a participação voluntária
e a confiança dos envolvidos que fornecem informações úteis à elucidação dos fatos
– sob plenas garantias de não deflagração de repercussão penal em nenhum aspecto.
9
Na investigação SIPAER, o termo “testemunha” é substituído por “entrevistado”. Assim como o ato, através do
qual são colhidas suas declarações, designa-se pelo termo entrevista.
10
Safety Culture. Air safety support international. Disponível em: < https://www.airsafety.aero/Safety-
Information-and-Reporting/Safety-Management-Systems/Safety-Culture.aspx> Acesso em: 15 jul. 2020.
10
O traço principal da cultura justa (just culture: não vinculação dos fatos
reportados à análises subjetivas visando a imputação de culpa), representa uma
importante garantia que consolida a cultura de segurança uma metodologia de
prevenção a riscos cujo aspecto subjetivo “animus”, goza de amplo nível de adesão
por parte de indivíduos, que em diferentes circunstancias. que vão desde um reporte
rotineiro de segurança até a participação voluntária em sede de uma eventual
investigação de acidentes aeronáuticos, colaboram amplamente com as atividades do
Sipaer.
Verifica-se que o CBA contém em seu bojo um leque de hipóteses que poderão
ser postas em prática em casos de acidentes aeronáuticos, e que, em comum, visam
direta e indiretamente à prevenção e segurança da aviação, seja pela via preventiva
ou repressiva, como é o caso da sanção administrativa ou judicial. Nesse aspecto, o
papel do Poder Judiciário não pode ser desprezado, sobretudo no âmbito da Justiça
Federal, detentora da competência para julgar grande parte dos casos envolvendo
acidentes aéreos, conforme obtempera Souza Brasil:
11
Em referência ao Seminário denominado “O papel do Poder Judiciário na segurança de voo” realizado nos dias
25 a 27 de abril de 2012, na Escola da Magistratura Federal da 5a Região – ESMAFE, em Recife-PE, com apoio dos
seguintes órgãos: Segundo Comando Aéreo Regional (II COMAR), Centro de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) e Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos (SERIPA II). Esses últimos integram o Sistema de Prevenção e Investigação de Acidentes
Aeronáuticos (SIPAER).
14
12
Embora existam distinções entre os termos, nada obsta o emprego de ambos em relação de sinonímia.
(HONORATO, Marcelo. Crimes Aeronáuticos. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p.7)
13
Aeronave cuja sustentação no ar provém principalmente de forças aerodinâmicas; são aeródinos: aviões,
planadores, helicópteros, autogiros, motoplanadores e ultraleves. Disponível em:
https://www2.anac.gov.br/anacpedia/por_ing/tr1250.htm Acesso em: 19 set. 2020.
14
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a
impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
15
questão. Tendo em vista que, em matéria de direito penal, é vedado alargar o alcance
de definições de termos presentes na lei, sob pena de quebra do princípio da tipicidade
penal, a interpretação adequada do termo requer com que o exegeta se socorra da
lei, que no caso o remeteria ao Código Brasileiro de Aeronáutica, ao seu art. 106 do
CBA15.
Partindo-se do princípio que a lei não contém palavras inúteis, quis o legislador
definir um aspecto técnico de crucial importância na classificação do que seja uma
aeronave sob estrito sentido legal. Outrossim, ao incorporar o termo reações
aerodinâmicas no texto normativo, foi opção do legislador restringir o objeto da tutela
penal do art. 261 do CP, somente às aeronaves aeródinas como os aviões de asas
fixas ou rotativas – a exemplo dos helicópteros ou autogiros (HOMA, 2009, p.2).
15Art. 106. Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no
espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.
16
CONSTITUCIONAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ACIDENTE AÉREO ENVOLVENDO BALÕES DE AR
QUENTE TRIPULADOS. INQUÉRITO POLICIAL. HOMICÍDIOS CULPOSOS E LESÕES CORPORAIS CULPOSAS.
DEFINIÇÃO JURÍDICA DE AERONAVE PARA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL.
INTELIGÊNCIA DO ART. 106 DA LEI N. 7.565/1986. CONFLITO CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO
JUÍZO SUSCITADO. 1. Conflito negativo de competência conhecido, porquanto se trata de incidente estabelecido
entre juízes vinculados a tribunais diversos, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição Federal. 2. A
jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "É da competência da Justiça Federal processar e julgar
delitos cometidos a bordo de aeronaves, nos termos do inciso IX do art. 109 da Constituição Federal. Devendo-
se ressaltar ser despiciendo se a aeronave encontra-se em solo ou sobrevoando." (CC 143.343/MS, Rel. Ministro
JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 30/11/2016). 3. O art. 106 da Lei n. 7.565/1986 estabelece que
aeronave é "todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante
reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas". 4. No caso em exame, contudo, ainda que de difícil
definição jurídica, o termo AERONAVE deve ser aquele adotado pela Lei n. 7. 565/1986 em seu art. 106, o que
de fato, afasta dessa conceituação "balões de ar quente tripulados". 5. Conflito conhecido para declarar a
competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Boituva/SP, o suscitado, para processamento e julgamento
de eventual ação decorrente do IPL que deu origem ao presente conflito.
(STJ - CC: 143400 SP 2015/0244056-4, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 24/04/2019, S3 -
TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/05/2019)
16
Posto isso, compete ressaltar que a exata definição de cada umas das espécies
de ocorrências aeronáuticas, decorre daquilo que foi convencionado no Anexo -13,
que ao serem recepcionadas em nosso ordenamento jurídico aeronáutico, foram
adaptadas a atos administrativos técnicos, dos quais são exemplos as Normas de
Sistema do Comando da Aeronáutica – NSCA 3-133/2017, que contém as exatas
definições padronizadas extraídas da redação do tratado internacional.
17
1.5.31 OCORRÊNCIA AERONÁUTICA: Qualquer evento envolvendo aeronave que poderá ser classificado como
acidente aeronáutico, incidente aeronáutico grave, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo, permitindo ao
SIPAER a adoção dos procedimentos pertinentes.
18
Art. 86. Compete ao Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos planejar, orientar,
coordenar, controlar e executar as atividades de investigação e de prevenção de acidentes Aeronáuticos.
18
19
1.5.4 ACIDENTE AERONÁUTICO: Toda ocorrência aeronáutica relacionada à operação de uma aeronave
tripulada, havida entre o momento em que uma pessoa nela embarca com a intenção de realizar um voo até o
momento em que todas as pessoas tenham dela desembarcado ou; no caso de uma aeronave não tripulada,
toda ocorrência havida entre o momento que a aeronave está pronta para se movimentar, com a intenção de
voo, até a sua parada total pelo término do voo, e seu sistema de propulsão tenha sido desligado e, durante os
quais, pelo menos uma das situações abaixo ocorra:
a) uma pessoa sofra lesão grave ou venha a falecer como resultado de:
- estar na aeronave;
- ter contato direto com qualquer parte da aeronave, incluindo aquelas que dela tenham se desprendido; ou
- ser submetida à exposição direta do sopro de hélice, de rotor ou de escapamento de jato, ou às suas
consequências.
[...]
b) a aeronave tenha falha estrutural ou dano que:
- afete a resistência estrutural, o seu desempenho ou as suas características de voo; ou - normalmente exija a
realização de grande reparo ou a substituição do componente afetado.
[...]
c) a aeronave seja considerada desaparecida ou esteja em local inacessível.
[...]
19
20
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a
impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
[...]
Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo
§ 1º - Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de
aeronave: (grifou-se)
20
visto que o termo “incidente aeronáutico” não engloba a destruição do aparelho, bem
como é desprovido de qualquer valor de antijuridicidade.
21
1.5.21 INCIDENTE AERONÁUTICO: Uma ocorrência aeronáutica, não classificada como um acidente, associada
à operação de uma aeronave, que afete ou possa afetar a segurança da operação.
22
1.5.22 INCIDENTE AERONÁUTICO GRAVE: Incidente aeronáutico envolvendo circunstâncias que indiquem que
houve elevado risco de acidente relacionado à operação de uma aeronave que, no caso de aeronave tripulada,
ocorre entre o momento em que uma pessoa nela embarca, com a intenção de realizar um voo, até o momento
em que todas as pessoas tenham dela desembarcado; ou, no caso de uma aeronave não tripulada, ocorre entre
o momento em que a aeronave está pronta para se movimentar, com a intenção de voo, até a sua parada total
pelo término do voo, e seu sistema de propulsão tenha sido desligado.
23
NSCA 3-13/2017, Seção 5.2.1: Serão investigados os incidentes aeronáuticos graves que envolvam aeronaves
com peso máximo de decolagem acima de 2.250 kg.
21
24
1.5.34 OCORRÊNCIA DE SOLO: Ocorrência, envolvendo aeronave no solo, da qual resulte dano à aeronave ou
lesão à pessoa(s), sendo o(s) fato(s) motivador(es) diretamente relacionado(s) aos serviços de rampa, aí incluídos
os de apoio e infraestrutura aeroportuários; e não tenha(m) tido qualquer contribuição da movimentação da
aeronave por meios próprios ou da operação de qualquer um de seus sistemas, não estando relacionado à
operação da aeronave.
25
Em alguns aeródromos é comum ocorrer a movimentação de aeronaves, fora de serviço, que poderão ser
deslocadas por meio de esforço humano ou utilizando-se veículos de reboque. A referida movimentação se dá
visando a reacomodação do aparelho em áreas de estacionamento ou locais destinados a inspeção/manutenção
e ocorre com os motores desligados.
26
ÁREA DE MOVIMENTO: Parte do aeródromo destinada ao pouso, decolagem e táxi de aeronaves e está
integrada pela área de manobras e os pátios. Conforme definição do termo constante da Instrução do Comando
da Aeronáutica – ICA 100-12 / 2016.
22
27
Seção 5.4.4 da NSCA 3-13 / 2017: 5.4.4. O CENIPA avocará para si a condição de organização encarregada da
investigação de uma ocorrência de solo, sempre que julgado do interesse do SIPAER.
28
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
23
29
Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
30
Art. 144 [...]
[...]
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado
em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da
União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
31
Art. 291. Toda vez que se verifique a ocorrência de infração prevista neste Código ou na legislação
complementar, a autoridade aeronáutica lavrará o respectivo auto, remetendo-o à autoridade ou ao órgão
competente para a apuração, julgamento ou providência administrativa cabível.
§ 1° Quando a infração constituir crime, a autoridade levará, imediatamente, o fato ao conhecimento da
autoridade policial ou judicial competente.
32Art. 88-D. Se, no curso de investigação Sipaer, forem encontrados indícios de crime, relacionados ou não à
cadeia de eventos do acidente, far-se-á a comunicação à autoridade policial competente.
24
As condutas delitivas as quais o código aviatório faz menção nos arts. 88-D e
289, inciso I, poderão se relacionar com a aviação de duas formas distintas, podendo
haver tipificação diretamente no Código Penal ou na legislação penal extravagante;
sendo que de acordo com o bem jurídico tutelado e os elementos objetivos do crime
em questão, a doutrina lhe atribuirá uma dúplice classificação, de modo a dividi-los
em crime aeronáutico improprio e crime aeronáutico próprio, conforme leciona
Honorato:
Por sua vez, o crime aeronáutico próprio é aquele cujos elementos objetivos
essenciais para tipificação da conduta efetivamente se aproximam daqueles
presentes nas espécies de ocorrências aeronáuticas previstas no Anexo-13 da OACI,
tendo recebido do legislador a tipificação no Código Penal (art. 261), e no Código
Penal Militar (art. 283). No crime aeronáutico próprio a segurança da aeronave e da
navegação aérea são os objetos diretamente passíveis de ofensa, sendo o bem
jurídico tutelado pela lei: a incolumidade pública.
Muito embora exista certa similitude entre elementos objetivos dos crimes
aeronáuticos próprios (arts. 261 do CP e 283 do CPM) e os elementos objetivos que
compõem as ocorrências aeronáuticas descritas na NSCA 3-13/2017, deve-se anotar
que para a lei penal, a existência do aspecto anímico dos agentes envolvidos em um
sinistro aeronáutico, cumpre um papel essencial para a tipificação de quaisquer dos
crimes tipificados na lei penal, razão pela qual a investigação judicial haverá de
obrigatoriamente perquirir os elementos subjetivos inerentes a cada uma das
condutas externadas pelo envolvidos no acidente aeronáutico.
33
Art. 88-E. Mediante pedido da autoridade policial ou judicial, a autoridade de investigação Sipaer colocará
especialistas à disposição para os exames necessários às diligências sobre o acidente aeronáutico com aeronave
civil, desde que:
I - não exista, no quadro de pessoal do órgão solicitante, técnico capacitado ou equipamento apropriado para os
exames requeridos;
II - a autoridade solicitante discrimine os exames a serem feitos;
III - exista, no quadro de pessoal da autoridade de investigação Sipaer, técnico capacitado e equipamento
apropriado para os exames requeridos;
IV - a entidade solicitante custeie todas as despesas decorrentes da solicitação.
Parágrafo único. O pessoal colocado à disposição pela autoridade de investigação Sipaer não poderá ter
participado da investigação Sipaer do mesmo acidente.
27
O CBA, por seu turno, em seu art.88-B 34 , abarca a estrita previsão nesse
sentido, onde quaisquer confusões subjetivas entre os diferentes elos da investigação
dualista de acidentes aeronáuticos haverão de mutuamente contaminar o produto de
todo um extenso trabalho, além de deflagrar uma série de efeitos na seara processual
cível e penal35, que impactarão no custo e economia processual – afora na eficácia e
credibilidade dos órgãos envolvidos no sistema.
34Art. 88-B. A investigação Sipaer de um determinado acidente, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo
deverá desenvolver-se de forma independente de quaisquer outras investigações sobre o mesmo evento, sendo
vedada a participação nestas de qualquer pessoa que esteja participando ou tenha participado da primeira.
35
Conforme inciso II do art. 279:
Art. 279. Não poderão ser peritos:
[...]
II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia;
28
36
Lei Federal 7.565 de 1986 - Art. 25. Constitui infra-estrutura aeronáutica o conjunto de órgãos, instalações ou
estruturas terrestres de apoio à navegação aérea, para promover-lhe a segurança, regularidade e eficiência,
compreendendo:
[...]
V - o sistema de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos (artigos 86 a 93);
[...]
37
É o conjunto de órgãos e instalações – tais como auxílios à navegação aérea, radares de vigilância, centros de
controle e torres de controle de aeródromo, estações de telecomunicações, recursos humanos, etc. – que tem
como objetivo proporcionar regularidade, segurança e eficiência do fluxo de tráfego nos aeroportos e no espaço
aéreo. Disponível em: <https://www.decea.gov.br/sirius/index.php/2011/06/14/sisceab-sistema-de-controle-
do-espaco-aereo-brasileiro/#:~:text=%E2%80%93%20Supervis%C3%A3o%20de%20fabrica%C3%A7%C3%A3o%
2C%20reparo%2C,de%20aux%C3%ADlio%20%C3%A0%20navega%C3%A7%C3%A3o%20a%C3%A9rea> Acesso
em 10 de jul. 2020.
38
Art. 8° Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o
desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando
com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade, competindo- lhe:
(...)
29
Art. 4º [...]
[...]
§ 3º A Anac poderá solicitar à autoridade de investigação Sipaer a
participação de seu representante nas ocorrências de seu interesse,
com vistas à prevenção de novas ocorrências aeronáuticas, vedada a
participação daquele representante para fins de imputação de
responsabilidade administrativa, civil ou penal. (Grifou-se)
XXI - regular e fiscalizar a infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, com exceção das atividades e
procedimentos relacionados com o sistema de controle do espaço aéreo e com o sistema de investigação e
prevenção de acidentes aeronáuticos; (grifo nosso)
30
39
Art. 1º [...]
31
A norma do art. 88-C do CBA, inserida por meio da Lei nº 12.970/14, é resultado
dos esforços da comunidade aeronáutica internacional que associada a uma intensa
pauta reivindicatória interna, por meio da qual a sociedade civil brasileira exigiu
mudanças, sobretudo de caráter preventivo e de investigação, conforme rememora o
órgão central do Sipaer, em estudo destinado ao Supremo Tribunal Federal, que
analisa uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público
Federal, que segue:
10. Entre os anos de 2006 e 2007, o Brasil foi assolado por duas
grandes tragédias aeronáuticas, envolvendo duas das maiores
companhias aéreas do país, as quais vitimaram centenas de cidadãos
e atingiram outras centenas de familiares dos vitimados.
11. Impulsionada pelos nefastos impactos dessas catástrofes, a
sociedade brasileira pôs em pauta um longo debate legislativo para o
melhoramento e aperfeiçoamento da atividade aérea no país,
inserindo-se, nesse contexto, a investigação de acidentes
aeronáuticos.
40
BRASIL. Comando da Aeronáutica. Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Relatório
final A-nº67/CENIPA/2009. Recomendações de Segurança. Disponível em: http://sistema.cenipa.aer.mil
.br/cenipa/paginas/relatorios/recomendacoes.php?numero_relatorio=A-067/C ENIPA/2009. Acesso em: 12 jul.
2020.
34
Para que se possa, porém, chegar a um patamar conclusivo acerca dos fatores
que resultaram em um acidente aeronáutico, diversos são os expedientes
investigativos que podem consistir desde a degravação de dispositivos de coleta de
dados de voo (FDR - Flight Data Recorder e CVR - Cockpit Voice Recorder), análises
e ensaios laboratoriais, até a oitiva de um incontável rol de pessoas cujas declarações
voluntárias poderão auxiliar positivamente na investigação.
Todavia, paira por sobre a investigação Sipaer uma ampla gama de interesses
corporativos e pessoais inerentes aos envolvidos em um acidente aéreo, indivíduos
estes cujas esferas jurídicas passam a orbitar preocupantemente os potenciais
desfechos de responsabilização cível, penal ou administrativa; desencadeando, por
vezes, ao longo de uma investigação, uma equivocada tendência à invocação das
máximas da ampla defesa e do contraditório, tratando-se, pois, de um contrassenso.
É certo que não se pode perder de vista que o direito à ampla defesa e ao
contraditório, por sua vez, afigura-se como uma das mais importantes e brilhantes
conquistas do estado democrático de direito, e decorrem de um super princípio cuja
norma encontra-se insculpida no inciso LV do art. 5º da CF/88, sendo a sua redação
objetivamente sucinta:
Art. 5º [...]
35
Nas lições de Grecco Filho (2014, p. 55 a 57) a ampla defesa consiste do direito
que o acusado possui de contraditar a acusação mediante prévio conhecimento de
todos os seus aspectos, ao passo que o contraditório se afigura como meio técnico
de efetivação da ampla defesa; sendo requisito, a luz da norma constitucional, a
presença de litígio ou acusação – o que não se subsome ao cenário existente por trás
da investigação administrativo-preventiva do Sipaer, haja vista de que nesta inexistem
imputações de qualquer espécie.
em uma ou mais provas; no entanto, repise-se: trata-se de ato vedado pela legislação
e fadado a sucumbir dada a flagrante ineficácia processual e ilicitude probatória.
41
Art. 88-I. São fontes Sipaer:
[...]
III - dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências;
[...]
§ 2º A fonte de informações de que trata o inciso III do caput e as análises e conclusões da investigação Sipaer
não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente
serão fornecidas mediante requisição judicial, observado o art. 88-K desta Lei.
37
A ótica que se extrai do art. 86-A do CBA, poderá, prima facie, induzir o
interprete indevidamente familiarizado com a investigação aeronáutica, a estabelecer
uma errônea conclusão de que o fato de se editar uma recomendação de segurança
e destiná-la a um órgão, empresa ou agente específico, no curso da investigação seja
uma indicação velada de culpa. Equívocos nesse sentido já ensejaram condenação
cível42 para além da responsabilidade do réu, e demanda ampla cautela, sobretudo
do poder judiciário naquilo que tange ao alcance probatório ao ser valorar esse
específico ato administrativo estritamente preventivo.
42
Vide Seção 6.1: Caso INFRAERO – Reponsabilidade Civil.
39
A ótica investigativa Sipaer, para que alcance sua máxima eficácia preventiva,
precisa estender o conceito de causa cronologicamente disposta, para assumir a
40
existência de possíveis fatores contribuintes, que deverão ser perseguidos sem que a
imposição de obstáculos de ordem subjetiva, espacial ou restritiva em matéria penal
que possa impor-lhe quaisquer óbices à ampla cognição dos fatos. Tal máxima é
recorrente na normativa aeronáutica, tal como preconizam o §1º do art. 88-A e o caput
do art. 88-H, ambos do CBA:
43 Assevera o Ministério Público Federal que a reserva de jurisdição em comento reputa-se eivada de
inconstitucionalidade, dado que o instituto da reserva de jurisdição não pode emanar do legislador
ordinário como é o caso da Lei. n. 12.970/2014. Vide: capítulo 8 desta monografia.
46
44
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
45
Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize,
por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
47
Repise-se que: mesmo nos casos em que o emprego das fontes permitidas
pelo CBA forem pleiteadas para fins probatórios de incriminação, o legislador
prescreveu a reserva de jurisdição e a oitiva do Sipaer quanto ao teor do material,
como forma de elidir quaisquer possibilidades de se carrear aos autos do processo
judicial provas que conservem o menor distanciamento das máximas protetivas
constitucionais, que possam induzir o órgão julgador à formação de seu livre
convencimento embasado em qualquer aspecto especulativo existente no teor da
prova que será apreciada.
Pode-se observar pela ementa da decisão acima, que durante o seu curso, a
investigação aeronáutica se desenvolve através de uma série de etapas, ao longo das
quais o manuseio interno de fontes e informações recobertas de sigilo impede o seu
livre acesso porquanto perdurar o procedimento. É, pois, somente ao seu término que
é editado o Relatório Final pelo órgão Sipaer competente, o qual reunirá o montante
de dados irrestritos pertinentes aos fins preventivos e cujo teor será ostensivo, e,
portanto, dotado de ampla publicidade.
49
46
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
47
Em contraponto à cultura de “não responsabilização” (no-blame culture), que pugna pelo exercício das boas
práticas corporativas de segurança, em geral, sem penalizar o erro humano. O princípio da confiança se instala
no exato sentido induzir a participação de todos ao processo, assegurando-os da não responsabilização individual
diante de falhas, mas tão somente da identificação e revisão do processo faltoso, bem como da orientação e
reciclagem dos agentes envolvidos. Conforme pode-se extrair da leitura do artigo disponível no sítio virtual
Wikipédia: https://en.wikipedia.org/wiki/Just_culture
53
Importante observar, porém, que a série de regras e princípios que hoje figuram
no bojo do código aviatório nacional, não se tratam de recentes inovações
engendradas pelo órgão internacional de aviação civil com o intuito de mitigar o
emprego enviesado de investigações aeronáuticas para os fins que não o estritamente
preventivos. Nesse sentido, há muito que a legislação brasileira, de modo esparso e
sedimentado, dispõe em meio às leis e normas infralegais de uma série de previsões
teleologicamente destinadas a restringir a empregabilidade das investigações de
acidentes aéreos.
perda total do equipamento, bem como lesões corporais leves aos ocupantes do
aparelho.
feito, de forma que a ela não será feita mais nenhuma referência
nesse voto.
HC 2005.01.034113-7/PA, Min Flávio Flores da Cunha Bierrenbach,
Pleno do STM, Data: 16/12/2005 (HONORATO, 2014, p.608, grifo do
autor).
como em uma série de outras distintas situações que englobam desde conflitos
positivos e negativos de competência judicial, até a investida de particulares no curso
de pleitos indenizatórios.
como aos dados produzidos por terceiros: análises técnicas de material e dados gerais
de engenharia; haja vista que tais dados não abarcam nenhuma valoração
especulativa realizadas no âmbito da investigação Sipaer, em observância aos
princípios da máxima eficácia preventiva.
Na ação penal proposta pelo Ministério Público Federal, o Parquet ventilou uma
série de argumentos embasados em hipóteses e cogitações extraídas do Relatório
Final do Cenipa; tendo, contudo, o órgão julgador, rigidamente afastado qualquer valor
probatório procedente das análises e conclusões extraídas do Relatório Final,
conforme é possível colher-se do respectivo trecho da sentença:
63
48
Deve ser acolhido, porém, o pedido formulado, no sentido de determinar-se ao CENIPA que seja dado à Polícia
Federal acesso às provas técnicas de engenharia e aos dados fáticos colhidos no âmbito da investigação da queda
da aeronave LET 410, da empresa NOAR Linhas Aéreas, que fazia o voo 4896, aí se incluído os arquivos
degravados, FDR e CVR (gravação de dados e de comunicação interna), análises de engenharia e laudos técnicos
de falha. (IP 0010878-51.2001.4.05.8300, Juíza Federal Flávia Tavares Dantas, JFPE, Data: 09/09/2011.)
49
Art. 88-I. São fontes Sipaer:
[...]
III - dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências;
[...]
§ 2º A fonte de informações de que trata o inciso III do caput e as análises e conclusões da investigação Sipaer
não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente
serão fornecidas mediante requisição judicial, observado o art. 88-K desta Lei.
65
Nesse sentido, Garapa de Carvalho (2012, p.41), avalia que o Judiciário não
pode simplesmente furtar-se à apreciação de inúmeros elementos colhidos na
investigação Sipaer, enquanto fonte amplamente dotada de informações fáticas, sob
pena de privar o Poder Judiciário de conhecer informações mais detalhadas sobre o
sinistro aeronáutico objeto de uma ação, o que em muitos casos só estarão presentes
no relatório final da investigação.
50
BRASIL. AC 200151010230156, Desembargador Federal SÉRGIO FELTRIN CORREA, TRF2 – SÉTIMA TURMA
ESPECIALIZADA, DJU – Data: 13/07/2009. Disponível em: <http://www.trf2.gov.br/iteor/RJ0108710
1/89/263022.rtf> . Acesso em: 19 jul. 2020.
67
51
Fenômeno decorrente da flutuação excessiva da aeronave sobre o eixo da pista, possivelmente induzido pelo
emprego de deficiente técnica de pilotagem e/ou ajuste/configuração inadequados de superfícies
estabilizadoras/hipersustentadoras e/ou incidência de excessivo vento de cauda durante o pouso. Consiste do
toque tardio do trem de pouso da aeronave sobre a pista, decorrente da flutuação excessiva, podendo
potencialmente contribuir para uma eventual ocorrência de excursão de pista.
52
BRASIL. Comando da Aeronáutica. Centro de Investigação e Prevenção a Acidentes Aéreos. Síntese final PT-
TEO/CENIPA//2001. Brasília, 2001. Disponível em: <http://sistema.cenipa.aer.mil.br/cenipa/paginas/relatorios
/rf/pt/RF_PTTEO_ACIDENTE_27_02_2000.pdf> Acesso em 08 jul. 2020.
53
Estação meteorológica de superfície: tem por finalidade efetuar observações meteorológicas à superfície para
fins aeronáuticos e, quando previsto, para fins sinóticos, registrar os dados das observações para fins
climatológicos e confeccionar informes meteorológicos para divulgação das referidas observações. Disponível
em: https://www2.anac.gov.br/anacpedia/sig_por/tr305.htm. Acesso em 18 set. 2020
68
Apesar de a condição física da superfície da pista de pouso não tenha sido fator
contribuinte para a ocorrência do acidente, o Cenipa emitiu recomendações de
segurança endereçadas à Infraero, unicamente para efeitos de máxima eficácia
preventiva, e não obstante tenha inserido no corpo daquela a expressa observação
de que a pista se encontrava efetivamente regular, o órgão julgador da causa valorou
a referida recomendação como prova em contrário senso, acatando que a ré tenha
atuado de modo negligente com a manutenção da pista do aeródromo, conforme se
extrai da decisão:
deu unicamente por força do princípio da máxima eficácia preventiva, não englobando
o gerenciamento de radiocomunicações, o rol de atribuições nominais da Infraero,
conforme dispões o art. 12 do CBA:
56
4. Em estreito contato com Infraero, realizar o levantamento dos aeródromos nos quais as informações de
vento informadas às aeronaves não estejam sendo obtidas de sensores localizados na superfície e próximos às
zonas de toque das pistas e, em paralelo, emitir alerta aos aeronavegantes.
71
57
Em contestação, a Infraero alegou ilegitimidade passiva, sustentando ser somente responsável pela infra-
estrutura aeroportuária, não abrangendo o sistema de proteção de vôo, responsabilidade da União, a qual
deveria ser citada na presente ação. No mérito, a empresa pública argumentou inexistir nexo de causalidade
entre suas ações ou omissões e o acidente. O pedido de citação da União foi indeferido em 11 de março de 2004
(fl. 166). Não foram interpostos recursos.
58
3. A Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Vôo deverá, no prazo de seis meses:
Em estreito contato com a Infraero, realizar o levantamento dos aeródromos nos quais as informações de vento
informadas às aeronaves não estejam sendo obtidas de sensores localizados na superfície e próximos às zonas
de toque das pistas e, em paralelo, emitir alerta aos aeronavegantes. (grifo nosso)
72
Durante a etapa de cruzeiro, que havia sido programado para ocorrer sob
regras de voo visual, o esquadrão se deparou com a presença de formações
meteorológicas ao longo da rota planejada, ocorrendo que, ao penetrar em uma
nuvem sob condições visuais restritas, duas das três aeronaves colidiram, sendo que
uma delas perdeu o controle, vindo a se precipitar contra o solo, causando a morte de
todos os seus ocupantes – dentre os quais: o cônjuge da autora da ação cível.
A análise da decisão exarada pelo TRF5, revela, prima facie, de sua simples
leitura, que o Tribunal acatou amplamente as conclusões emitidas acerca dos fatores
contribuintes59 presentes na investigação aeronáutica, para os quais o órgão julgador
imprimiu elevado valor probatório, muito embora consistissem de meras especulações
abstratas, cujo grau probabilístico causal e aspectos anímicos dos agentes envolvidos
são completamente estranhos; não obstante tais aspectos, extrai-se do voto do
Relator, prevalência os seguintes elementos:
59NSCA 3-13 /2017/ 1.5.19 FATOR CONTRIBUINTE Ação, omissão, evento, condição ou a combinação destes que,
se eliminados, evitados ou ausentes, poderiam ter reduzido a probabilidade de uma ocorrência aeronáutica, ou
mitigado a severidade das consequências da ocorrência aeronáutica. A identificação do fator contribuinte não
implica presunção de culpa ou responsabilidade civil ou criminal.
75
(...)
c. Fator Operacional
(1) Deficiente Instrução – Contribuiu
- Houve insuficiente nível de instrução da fase preparatória da
missão ao brifim;
- Contribuiu pelo baixo nível de treinamento dos pilotos alas em
vôo de formação, especialmente para vôo com mais de três
aeronaves... (grifo do autor)
(2) Deficiente Supervisão – Contribuiu
- Contribuiu pela não elaboração de um anexo de segurança de
vôo; e pelo planejamento de um deslocamento em um tipo de
formatura para qual os pilotos, tanto o líder quanto os alas, não
estavam suficientemente treinados; (grifo do autor)
(...)
(7) Deficiente Planejamento
De acordo com a análise meteorológica, poderiam ser
encontradas formações de nuvens. Mesmo sabendo do fato, o
vôo foi planejado para um nível VFR* (FL 095). (*vôo visual)
Caracterizado pelo preparo inadequado da missão; pelo
desconhecimento ou desconsideração aos preceitos básicos
para o vôo de formatura... (grifo do autor)
...
(9) Indisciplina de Vôo
Apesar de ter sido preenchido um plano de vôo visual, o líder
permitiu que sua esquadrilha ingressasse em condições IMC*,
contrariando as regras de tráfego aéreo. (*vôo por instrumentos)
(grifo do autor)
(10) Outros Aspectos Operacionais
- Deficiente Doutrina para o Vôo de Formatura
(a). o líder não seguiu os preceitos doutrinários para o vôo de
formatura;
(b). foi adotado uma configuração de esquadrilha (quatro
aeronaves) não prevista e não treinada em ambiente de elevada
demanda operacional;
(c). não cumprimento, em vôo do que foi previsto no brifim com
relação aos procedimentos em caso de mau tempo; (grifo do
autor)
A ação penal nos crimes aeronáuticos próprios, ou seja: aqueles em que perigo
concreto ou dano refletem diretamente sobre a aeronave ou a segurança da
aeronavegação, é de natureza pública e incondicionada, pertencendo ao Ministério
Público a respectiva titularidade persecutória penal, por força da disposição do inciso
I do art.129 da CF/8860, que delega ao Parquet a função privativa de promover a
respectiva ação penal pública.
60
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
78
61
Entremete, o que se coloca aqui é que o relatório do CENIPA não figura com meio de prova no processo penal,
exceto no que concerne à extração de dados fáticos ali expostos. Vales dizer, ele não consiste em prova pericial,
por quanto não é esta a sua natureza jurídica.
Daí porque o próprio CENIPA inicia o seu Relatório nº67/2009 com uma advertência, em destaque, na qual consta
(fls.4863):
Conforme a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, Artigo 86, compete ao Sistema de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – SIPAER – planejar, orientar, coordenar, controlar e executar as
atividades de investigação e de prevenção de acidentes aeronáuticos. A elaboração deste Relatório Final
foi conduzida com base em fatores contribuintes e hipóteses levantadas, sendo um documento técnico
que reflete o resultado obtido pelo SIPAER em relação às circunstâncias que contribuíram ou podem ter
contribuído para desencadear esta ocorrência.
Não é foco do mesmo quantificar o grau de contribuição dos fatores contribuintes, incluindo as variáveis
que condicionaram o desempenho humano, sejam elas individuais, psicossociais ou organizacionais que
interagiram propiciando o cenário favorável ao acidente. O objetivo exclusivo deste trabalho é
recomendar o estudo e o estabelecimento de providências de caráter preventivo, cuja decisão quanto
à pertinência em acatá-las será de responsabilidade exclusiva do Presidente, Diretor, Chefe ou o que
corresponder ao nível mais alto na hierarquia da organização para a qual estão sendo dirigidas. Este
relatório não recorre a quaisquer procedimentos de prova para apuração de responsabilidade civil ou
criminal; estando em conformidade com o item 3.1 do Anexo 13 da Convenção de Chicago, de 1944,
recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto nº 21.713, de 27 de agosto de
1946.
Conseqüentemente, o seu uso para qualquer propósito que não o de prevenção de futuros acidentes,
poderá induzir a interpretações e conclusões errôneas. (grifos do autor)
(AP 0008823-78.2007.403.6181, Juiz Federal Márcio Assad Guardia, JFSP, Data:30/04/2015, p.31)
[...]
Novamente ignorando a advertência de fls. 4863, o MPF utiliza uma hipótese lançada no Relatório CENIPA,
transcrevendo um trecho constante de fls. 54, denominando-o impropriamente de "conclusão" (item 65 dos
memoriais finais - fls. 6711). Segundo o Parquet "o CENIPA concluiu (sic) que a mudança do procedimento de
operação da aeronave com reversor desativado previsto na MEL/MMEL ocorrida em janeiro de 2007 não havia
sido comunicada aos pilotos".
Ora, não se identifica em uma linha sequer do supracitado relatório (fls. 4862/4983) o suporte fático de tal
"conclusão". E isso ocorre porque a finalidade do trabalho da investigação do CENIPA não é produção de prova,
consoante exaustivamente demonstrado no tópico 2.3 da presente sentença. (Ibid., p.68 – grifo do autor)
[...]
Com efeito, após o supracitado parágrafo, o MPF abandona qualquer descrição f ática e cinge-se a pinçar trechos
do Relatório do CENIPA, que batiza equivocadamente de "constatações", desprezando mais uma vez a
advertência de fls. 4863. (Ibid., p.82)
79
A ação, que se encontra em curso no Supremo Tribunal Federal, ainda não foi
julgada e tampouco teve os pedidos liminares apreciados pelo Ministro Relator,
encontrando-se, após o último ato realizado, sem nenhuma movimentação desde o
ano de 2018. O objetivo, porém, deste trabalho não recai sobre a análise
pormenorizada do respectivo tramite processual da ação, mas tão somente os pontos
relevantes da tese de inconstitucionalidade engendrada pelo legitimado constitucional
que a propôs, o Ministério Público Federal.
62 Crise que à época foi alcunhada de “Apagão Aéreo” pelos veículos de imprensa.
63
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria-Geral da República. Petição Inicial. Ato Nº 38.122/2017-
AsJConst/SAJ/PGR. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADIN nº 5667/DF. Brasília. 2017. Disponível em:
<http://apps.mpf.mp.br/aptusmpf/protected/download ?modulo=0&sistema=portal&id=23196707>. Acesso
em: 08 ago. 2020.
80
Na ação, o Parquet Federal ataca seis dispositivos inseridos no CBA por meio
da Lei nº 14.970/ 2014, tratando-se dos respectivos artigos: 88-C; 88-D; 88-I, §2º; 88-
K; 88-N e 88-P, de modo que, na tese apresentada ao Supremo Tribunal Federal, o
órgão ministerial pugna pela inconstitucionalidade dos artigos 88-I, §2º e 88-K, sendo
que para os demais dispositivos impugnados, o Ministério Público Federal requer com
que o Supremo Tribunal Federal estabeleça a estrita interpretação constitucional
conforme os ditames da Constituição Federal da República.
64
Art. 5º [...]
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
65
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
[...]
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e
documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
[...]
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos
de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe
vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
66
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
81
Defende, o MPF, que a norma do §2º do art. 88-I, impõe um entrave ilegítimo
ao obstar o acesso aos sujeitos do processo judicial e administrativo à dados do
sistema de informação de notificação voluntária de ocorrências e às análises e
conclusões de acidentes aéreos. Resultando tais vedações em flagrante colisão com
a proteção constitucional do devido processo legal, constante no art. 5º, LIV, da CF/88,
e seus consectários lógicos da ampla defesa e contraditório.
§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado
em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da
União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da
União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
82
Por seu turno, o art. 144 da CF/88 elenca os principais órgãos responsáveis
pela manutenção da segurança pública, sendo incumbidos de garantir a preservação
83
67
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria-Geral da República. Parecer Jurídico. Ato N.º 101/2017 –
SFCONST /PGR Sistema Único nº 337.403/2017. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADIN nº 5667/DF. Brasília.
2017. Disponível em: <http://apps.mpf.mp.br/aptusmpf/protected/down load?modulo=0&sistema=portal&id=
27642319> Acesso em: 08 ago. 2020
84
pericial, ato que ocorre sem contar com a presença de peritos criminais
independentes.
CONCLUSÃO
Não obstante a nova lei tenha logrado, até certo ponto, êxito, ao conferir maior
segurança ao sistema, a expectativa perante a vertente judicial da investigação e a
atividade acusatória estatal, demonstrou poucos resultados, deflagrando um quadro
de total irresignação do MPF, que passou a alegar a existência de inúmeras limitações
à sua atividade, e consequentemente insurgiu-se contra a Lei nº 14.970/14 através da
ADI 5.667/DF, que questiona a constitucionalidade da lei perante ao STF.
Nesse sentido, não se pode perder de vista, que a aviação civil experimentou
uma série de avanços tecnológicos além de uma considerável expansão em todo o
mundo, de modo que, desde que foi implementado pela OACI, até os dias atuais, o
modelo de investigação e prevenção de acidentes sofreu ao longo de sua existência
constante influência de fatores de agentes externos, procedentes, também, de um
cenário jurídico e socioeconômico extremamente dinâmico e instável.
O status quo do cenário aeronáutico nacional, que, por seu turno, também se
replica em outros países membros da OACI, adeptos do modelo dualista, não causa
perplexidade alguma, em que pese por se considerar a breve história da Convenção
de Chicago de 1944, que permite com que se avalie a atual problemática jurídico-
normativa como amplamente previsível e naturalmente reflexa, ante o recente
fenômeno geral de massificação do modal aeronáutico, e toda sua gama de
problemas imanentes à própria complexidade operacional e jurídica do sistema.
90
Foi inteiramente possível concluir com base nos julgamentos analisados, que
inexiste uma vedação integral quanto ao emprego da investigação aeronáutica no
processo judicial, sentido em que o CBA somente faz ressalva às análises e
conclusões finais do Sipaer, pois impregnadas de ilimitada subjetividade. No tocante
aos demais elementos fáticos e periciais, conduzidos por terceiros, o CBA somente
os condiciona a prévia oitiva do Sipaer – sem que isso constitua, de imediato, em
óbice de acesso à justiça ou à atividade acusatória estatal.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Justiça Federal/São Paulo (8ª Vara Federal Criminal – Seção Judiciária de
São Paulo). Ação Penal n. 0008823-78.2007.403.6181. Autor: Ministério Público
Federal Réu(S): Marco Aurélio Dos Santos De Miranda E Castro Alberto Fajerman
Denise Maria Ayres Abreu. Juiz Federal Márcio Assad Guardia, JFSP,
Data:30/04/2015
GRECCO, V. F.; ROSSI, J. D. Manual de Processo Penal. 8 ed. Ver., atual. E ampl.
São Paulo: Saraiva, 2010.
GOMES, L. F.; BIANCHINI, A. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120).
Salvador: Ed. JusPovm, 2015.
ICAO. Annex 13. Aircraft Accident and Incident Investigation. Disponível em:
<https://www.icao.int/safety/airnavigation/AIG/Pages/Documents.aspx>. Acesso em:
05 jul. 2020.
ICAO. The History of ICAO and the Chicago Convention. ICAO. Disponível em:
<https://www.icao.int/about-icao/History/Pages/default.aspx> Acesso em: 06 jul. 2020.