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MANUAL DE FORMAÇÃO

O REGIME DA PROVA E O ÂMBITO DE


APLICAÇÃO DA CONSTATAÇÃO DOS
FACTOS
Irene Portela

para a

Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução

SETEMBRO 2017
Índice
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 4
PARTE I - A TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO CIVIL ............................... 7
1. A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA PROVA ......................................................... 7
2. A NATUREZA PROCESSUAL CIVIL DA PROVA ..................................................... 11
2.1 O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO ..................................................................................... 11
2.1.1 A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO................................................................................... 12
2.1.2 A FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO................................................................................. 14
3. OS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO DIREITO À PROVA .................................. 15
3.1 O PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS......................................................... 15
3.2 O PRINCIPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL ..................................................................... 18
3.3 O PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO ...................................................................................... 18
3.4 O PRINCIPIO DA PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA PROVA ILÍCITA .................................. 20
3.5 O PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE.......................................................................... 20
3.6 O PRINCÍPIO DA B OA FÉ E O DEVER DE VERDADE DAS PARTES...................................... 21
4. A TIPOLOGIA DAS PROVAS NO DIREITO PORTUGUÊS ..................................... 22
4.1 A PROVA POR INSPEÇÃO JUDICIAL (ARTIGO 490º SEG.).................................................. 22
4.2 A PROVA POR VERIFICAÇÃO NÃO JUDICIAL QUALIFICADA (ARTIGO 494º CPC E SEGS.)
............................................................................................................................................. 24
4.3 A PROVA TESTEMUNHAL ................................................................................................ 26
4.4 A PROVA PERICIAL ......................................................................................................... 27
4.5 A PROVA POR DOCUMENTOS ........................................................................................... 29
4.6 A PROVA POR DECLARAÇÕES DAS PARTES ...................................................................... 29
4.7 PROVA POR CONFISSÃO DAS PARTES............................................................................... 37
4.8 A PROVA POR VERIFICAÇÃO NÃO JUDICIAL QUALIFICADA.............................................. 37
PARTE II - A ORIGEM DA CONSTATAÇÃO DOS FACTOS ...................................... 40
1. A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NA ORDEM JURÍDICA FRANCESA ............ 40
2. A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA .......... 42
3. O ÂMBITO DA APLICAÇÃO DA CONSTATAÇÃO DOS FACTOS ......................... 47
3.1 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO MEIO DE RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITIGIOS 48
3.2 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO MEIO DE PROVA JUDICIAL .................................... 49
3.3 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO GARANTIA DO CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS
CIVIS .................................................................................................................................... 52

2
3.4 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO GARANTIA DO CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS
COMERCIAIS......................................................................................................................... 55

3.5 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NO COMÉRCIO ELECTRÓNICO ......................................... 59


3.6 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NO ÂMBITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E NA
CONCORRENCIA DESLEAL .................................................................................................... 61

3.7 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NO ÂMBITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E NA

CONCORRÊNCIA DESLEAL .................................................................................................... 65

3.8 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NOS CYBER-CRIMES CUJA OFENSA SÃO OS DIREITOS DA
PERSONALIDADE .................................................................................................................. 67

PARTE III. HIPOTESES PRÁTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DA CONSTATAÇÃO DE


FACTO: .............................................................................................................................. 69

3
INTRODUÇÃO

Este Manual de Formação sobre o “Regime da aplicação da constatação dos factos” é um


trabalho que se destina a auxiliar e ilustrar a formação dos Solicitadores e dos Agentes de
Execução neste novo âmbito, de grade utilidade, pelos efeitos práticos esperados no
exercicio da profissão. Considerando, que o uso da constatação dos factos é um meio
probatório normal e que com o decurso do tempo ganhará foro de preferência, não é errado
prever que, por meio deste recurso, assistiremos a uma nova (re)forma de justiça. A prova
que resulta da constatação dos factos evita a litigiosidade judicial, e torna-se mais um
impulso para o recurso aos meios de Resolução Alternativa de Litigios, na medida em
que é um meio de prova aceite pelas partes, e portanto extra-judicialmente pode resolver-
se a questão. É um meio de promoção de confiança e de novas relações contratuais ou
negociais, de revitalização da economia. O uso desta ferramenta probatória serve para
constatar a existência ou não das pessoas, do estado das mesmas, dos factos e dos bens, no presente
ou para o futuro, reduzindo a insegurança jurídica. A adoção deste meio de prova permite a
aplicação e o uso de todo o tipo de suportes: tecnológicos/digitais/áudio/animação/forenses
às situações sob observação e objeto de constatação- cujo auto é lavrado pode ser
apresentado em juízo ou fora dele. Este meio de recolha da prova, e apesar da complexidade
da análise vertida no mesmo, permite de uma forma muito rápida chegar à descrição da
realidade. A constatação dos factos, considerando a sempre a livre apreciação do
magistrado, constitui um recurso importante para a produção de prova na medida em que
regista, de forma inalterável, para memória futura, situações ou factos concretos, existentes
no momento e no local em que foi produzida.
A constatação dos factos tem esta virtualidade de ser um meio de re(forma) ou de devolução
da saúde processual à justiça e aos tribunais tendo a potencialidade de renovar o sector
judiciário 1. Tem a virtualidade de, como fator de celeridade nos processos, fomentar o
acordo entre as partes por desinteresse numa contenda inútil. Como uma pré-fase para o
recurso aos meios de Resolução Alternativa de Litígios transforma o cenário das contendas
num potencial serviço administrativo para obtenção de certificados.

1
European Commission, Country Report Portugal 2016, Brussels, 26.2.2016 SWD (2016) 90 final. Um sistema
judicial eficiente continua a ser fundamental para tornar as empresas mais dinâmicas e atrair o Investimento
Direto Exterior, p.50 in http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/csr2016/cr2016_portugal_en.pdf consultado em
fevereiro de 2016.

4
Finalmente, a prova que resulta da constatação dos factos promove a celebração de
contratos civis e comerciais, garantindo o cumprimento pelas partes já que todos os factos,
valores ou bens envolvidos estão descritos e expressos através da sua representação digital
ou gráfica.
O fim da crise da justiça passa, não apenas por medidas expressas através “do registo tecno-
digital”, mas também, pela reconstrução da relação de confiança entre todos os agentes da
justiça e os clientes deste serviço público. Para que serve o direito à queixa se não tem
efeitos imediatos? Ou se os seus efeitos são tão dilatados no tempo, que as provas que
sustentam a queixa, se evanesceram? Como pode o serviço público da administração da
justiça agir em tempo útil se reconhecidamente se encontra saturado? é o bloqueio do
sistema jurídico, judicial e penal (por certo) 2. Um processo pode continuar “em trânsito”
durante 4 ou 5 anos... esta disfuncionalidade do sistema representa a entropia grave da
organização da justiça, quantificável em prejuízos económicos elevados 3.
O recurso à constatação dos factos é uma ferramenta ativa e uma solução para a recuperação
da segurança jurídica contra a asfixia do sistema. A celeridade na administração da Justiça
traduz-se em mais democracia, custas reduzidas, ao alcance dos cidadãos
independentemente da sua capacidade de pagar e aumento da resiliência perante os
confrontos.

2
Op. Cit. EUROPEAN COMMISSION, p. 53. Ver o relatório de 2016, em que estabelece uma relação direta entre
a eficiência da Justiça e o Investimento Direto Externo. A grande mudança em Portugal, relativamente ao número
dos processos resolvidos e aos processos pendentes dá-se com a aplicação da Lei 62/2013, ou seja com a
reorganização do sistema judiciário. “A eficiência do sistema de justiça de Portugal é baixa. A avaliação das
actividades dos tribunais, da utilização de ferramentas online e dos inquéritos aos utentes dos tribunais ou dos
profissionais do direito. As autoridades portuguesas estão a trabalhar no sentido de melhorar a gestão dos processos
judiciais através da recolha sistemática de estatísticas detalhadas sobre os fluxos de processos, a duração do
julgamento e a carga de trabalho dos juízes. Em particular, estão a fazer esforços para superar os problemas
operacionais surgidos nos últimos meses devido ao não funcionamento da base de dados central dos processos
judiciais (CITIUS) e à fraca qualidade da base de dados dos tribunais fiscais (SITAF). A prossecução deste trabalho
poderia contribuir para assegurar a existência de estatísticas judiciais atempadas e de boa qualidade, no que se
refere à duração dos procedimentos, ao prazo de resolução, ao número de processos pendentes nos tribunais civis
e comerciais, fiscais e administrativos.”
3
Vide GOUVEIA, A.F., SANTOS, S. & HERBER, C., The impact of structural reforms of the judicial system: a
survey, GPEARI – MFAP, 05/2016, pp.1-35. Neste estudo os Autores concentram-se em dois tipos de reformas:
as que melhoram a eficiência global do sistema, em termos de resultados quantitativos; E aquelas que visam
melhorar o regime de insolvência. Estas reformas têm impacto nos resultados economicos, em particular no que
se refere ao acesso ao financiamento e ao investimento. As reformas que aumentam o tamanho dos tribunais,
aumentam os gastos com tecnologias de informação e comunicação (TIC), melhoram a governação ou promovem
a educação e a formação têm um impacto positivo na eficiência judicial, o que, por sua vez, leva a prosperar. No
que diz respeito aos regimes de insolvência, há evidências de que um sistema mais eficiente está relacionado com
um menor custo com financiamento (revitalização de empresas) e uma maior quantidade e crédito mais longo na
economia e, consequentemente, com mais investimento, inovação e empreendedorismo. Esses resultados
empíricos destacam a relevância da promoção de reformas do sistema judicial, como forma de assegurar o
crescimento económico sustentado. In www.gpeari.min-financas.pt/.../artigo-05-2016-the-impact-of-
stru...consultado em dezembro de 2016.
5
O imperativo de tornar mais célere a justiça 4 é necessáriamente uma obrigatoriedade por
razões de igualdade e de democracia, além de permitir a renovação e incremento das
relações comerciais, emitindo sinais de confiança e de retoma na economia – chamando
novamente capitais e investimentos directos externos.

4
MEDEIROS, R., anotação ao art. 20º da CRP, in MIRANDA, J. e MEDEIROS, R. Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, 2005, Coimbra, Coimbra Editora, p. 194. “Estabelece o nº 4 do art. 20º da CRP que todos têm
direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante um processo
equitativo. Por força desta norma, o processo civil deve “ser um due process of law, o que exige que as partes
tenham um direito de defesa e sejam colocadas numa situação de paridade, podendo cada uma delas expor as suas
razões perante o tribunal em condições que a não desfavoreçam em confronto com a parte contrária.”

6
PARTE I - A TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO CIVIL
1. A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA PROVA

A palavra “prova” é etimologicamente uma palavra que deriva do latim “probatio” e do verbo
“probare”, que significa aquilo que (o conceito que) serve para a verificação de, para examinar
algo, para confirmar alguma coisa, para a demonstração em juízo da verdade de um facto ou da
versão desse facto5 – Ou seja, para estabelecer uma “verdade por verificação” ou uma
“verdade por demonstração”6.
A definição legal da prova está prevista no direito substantivo no artigo. 341º do Código
Civil. Este artigo define o conceito de “prova(s)”, de uma perspectiva funcional, determinando
para que serve dentro do processo: “As provas tê m por função a demonstração da realidade
dos factos”7. O regime da prova funciona plenamente relativamente à matéria de facto. As partes
têm o ónus de alegação, pelo que devem alegar factos que sustentam as suas pretensões e ainda
as partes têm um ónus da prova, ou seja, devem provar os factos que alegaram.
Os factos devem ser objeto de prova para serem reais no processo. Isto quer dizer, que os factos
enquanto tais, têm uma existência física, natural, independente daquela que é necessária para
fins processuais. No processo – para fins demonstrativos entre as partes – os factos devem ser
provados – só existem se forem objeto de prova (excepto alguns factos notórios...)
Deve ser feita a seguinte distinção semântica: a questão de facto é diferente da questão que
serve de prova: o facto é uma coisa e a prova é outra: o facto é uma categoria puramente
material ou natural e a prova constituída pelo facto é uma construção de direito. É essencial

5
FREITAS RANGEL, R. M., O Ónus da Prova em Processo Civil, Lisboa, 3ª Ed. Almedina, 2006- este Autor
apresenta a “prova”sob três sentidos: (1) Prova como actividade probatória, sentido que corresponde a prova como
o acto ou conjunto de actos que irão conduzir a entidade decisora a formar a sua convicção; (2) Prova como meio
de prova, assumindo-se a prova como meio, ou um facto que conduz a investigação a um esse resultado; (3) Prova
como resultado, que cria ou não a convicção da entidade decisora acerca da existência ou não de factos jurídico-
criminais. A prova não é uma actividade, nem um meio, mas antes um efeito destas duas, ou seja o resultado
probatório.
6
Cfr. www. lexico.pt consultado em setembro de 2016;

7
MOREIRA, R. Os Princípios estruturantes do Processo Civil Português e o Projeto de uma nova reforma do
ProcessoCivil, “reconheciam-se ao regime processual civil português princípios absoluta e incontornavelmente
estruturantes: Numa proposta que parece interessante, o professor Castro Mendes (Direito Processual Civil, I Vol,
ed. AAFDL, pgs. 181-228.) apontava cinco como os mais essenciais: dispositivo, contraditório, legalidade, tutela
provisória da aparência e submissão aos limites substantivos. Já o Prof. Manuel de Andrade (Noções Elementares
de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pgs. 373-393) apontava ainda outros: da auto-responsabilidade das
partes; igualdade das partes, preclusão; livre apreciação das provas; aquisição processual, imediação, concentração,
oralidade e identidade do juiz, economia processual, celeridade processual, salvaguarda dos interesses da parte
perante a inevitável demora do processo.
www.trp.pt/.../coloquiocpc_ruimoreira_osprincipiosestruturantesdoprocessocivilportu...consultado em setembro
de 2016.

7
uma explicação teórica, até porque o próprio código distingue factos que estão sujeitos à prova
de factos, que não requerem prova no processo. Ou seja, nem todos os factos carecem de prova,
só os factos controversos e que sejam relevantes para as partes. Excluímos, por isso, os factos
irrelevantes ou impertinentes para a decisão da causa e ainda os factos pacíficos entre as partes,
isto é, os factos alegados por uma das partes e não contestados pela contraparte. Fora do thema
probandum estão os factos notórios8 e os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude
do seu exercício das suas funções abrangidos pela força de caso julgado de uma decisão anterior
vinculativa para as mesmas partes, nos termos do art. 412º CPC9.
Regra geral, a prova recai sobre a matéria de facto, e nunca sobre a matéria de direito10 (salvo
o que est á previsto no artigo. 348.º do Código Civil11). As provas são produzidas ou trazidas
para análise dentro do processo com a função de demonstrar a verdade dos factos alegados
pelas partes, (o autor e réu), para a livre convicção do juiz, como prescreve o artigo. 341.º do
Código Civil.
O processo que envolve a interpretação da prova e a sua valoração no processo desenvolve-se
em três etapas: a primeira na produção da prova, a segunda em sede de instrução do processo
(arts. 411º e ss) em que o juiz acede aos instrumentos necessários para a descodificação e
interpretação das provas e a terceira para decidir sobre a veracidade ou falsidade das alegações
feitas pelas partes. A interpretação e valorização das provas resultam de um exercício
interpretativo interno e externo de modo a permitir uma “interpretação” dos factos e uma
“aplicação” do direito. Os art. 341º e 150º , ambos do Código Civil são claros quanto ao papel
das provas: «as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos». O juiz, para
decidir as questões de facto, valorará as provas – ou seja, decidirá as questões de facto – e de
forma livre. De seguida, irá aplicar as normas jurídicas resolvendo o litígio. A questão de facto

8
MENDES, J. de C., ob. cit., p. 724 e 725; SOUSA, Teixeira de, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa,
Lex, Lisboa, 1995, p. 205.
9
VAZ SERRA, J. Provas em BMJ, 110, º-61 e ss. São factos notórios os que pela sua evidência , são conhecidos
pelo juiz e por qualquer cidadão regularmente informado , mas não assumem ssa natureza as meras ilações ou
conclusões fáctico-jurídicas, designadamente a indivisibilidade de um prédio urbano (Ac. STJ. De 1.7.2004:
Proc.04B2285.dgsi.Net.
10 FREITAS, L. de, A Ação Declarativa Comum (À luz do Código de Processo Civil de 2013), 3a Edição, Coimbra
Editora, 2013, p. 205; A distinção entre uma questão de facto e uma questão de direito num processo jurisdicional,
reveste-se por vezes de grandes dificuldades. As questões de Direito, ou seja as Normas jurídicas não são objeto
de prova, a maior parte das vezes.
11
Artigo 348.º - (Direito consuetudinário, local, ou estrangeiro) - (1.) Àquele que invocar direito consuetudinário,
local, ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar,
oficiosamente, obter o respectivo conhecimento. (2.) O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal,
sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes
o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido
oposição. (3.) Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do
direito comum português.
8
reveste-se, portanto, de uma importância primordial no contexto do processo civil declarativo,
acarretando consigo uma essencialidade da instrução probatória12.
Em Portugal, o dever dos juízes fundamentarem as suas decisões encontra as suas raízes nas
Ordenações Manuelinas 13, no século XVI, Título L, do Livro III, mas começou por ser
exigido apenas quanto à aplicação da lei aos factos.
Segundo LOPES ROCHA14, a necessidade de motivar a decisão é uma das exigências do
processo equitativo, um dos Direitos do Homem consagrado no artigo 6.º, § 1, da Convenção
Europeia”. A motivação deve permitir ao destinatário da decisão e ao público em geral
compreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir aquela sentença. Fará a exposição
dos factos em que se baseou e a enumeração das normas legais que aplicou para decidir
naquele sentido, e além disso, só uma decisão suficientemente motivada permite de modo
eficaz o exercício do direito de recurso para um Tribunal Superior.
A fundamentação da decisão deve, pois, na expressão de PINTO de ALMEIDA15 permitir
o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória,
convencendo as partes e não apenas impondo. A decisão vale o que valerem os seus
fundamentos; a força obrigatória da sentença ou do despacho está na decisão, mas, deve apoiar-
se na justiça e os seus fundamentos destinam-se precisamente a convencer que a decisão é
justa.
É na Constituição da República Portuguesa que se encontra o dever de fundamentação das
decisões jurisdicionais, no artigo 205º CRP, devendo interpretar-se restritivamente a
referência às decisões de mero expediente16. Das sentenças dispõe que as decisões dos
Tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei (artigo 208.º, n.º 1).

12
Escreve BENTHAM, citado por MENDES, J. de C., Conceito de Prova em Processo Civil, 1961, Edições Ática,
p. 11: «A arte do processo não é essencialmente senão a arte de administrar as provas». Cita ainda MORTARA:
«a prova é o fim do processo, como a sentença o é da demanda que o inicia» (cfr. MENDES, J. de. C., ob. cit., p.
11).
13
Ordenações Manuelinas, TITULO L do Livro III, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l3ind.htm, com
acesso em novembro de 2016.
14
LOPES ROCHA, M. A., A Motivação da Sentença, Lisboa: Ministério da justiça. Gabinete de Documentação
e Direito Comparado (1998), www.ministeriopublico.pt/contato/gabinete-de- documentacao-e-direito-comparado
consultado em novembro de 2016, 95-114
15
PINTO DE ALMEIDA, F. M, Fundamentação da sentença cível, CEJ 2014 in
www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_fundamentacaosentencacivel.pdf com acesso em Novembro de 2016,
pp. 2 a 8.
16
O dever de fundamentação das sentenças só teve assento constitucional com a Revisão Constitucional de 1982,
com a Lei Constitucional nº1/82, de 30 de setembro), a qual introduziu no nº 1 do Artigo 210º a seguinte norma
“As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”. Acerca deste ponto
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição.
Coimbra: Coimbra Editora, 1993, pp 798-799, referem que o dever de fundamentar as decisões judiciais está
dependente da sua consagração na lei ordinária, mas que tal previsão não é totalmente discricionária, na medida
9
Reforçamos, no sentido de LOPES ROCHA, que a necessidade de motivar a decisão é uma
das exigê ncias do “processo equitativo”, cuja enunciação está no nº 4 do artigo 20º da CRP.
A fundamentação da sentença, assim como das decisões judiciais, têm assento constitucional
após a Revisão Constitucional de 1997 17, como se depreende do artigo.º 205º no 1 da CRP,
“as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma
prevista na lei”.
A fundamentação tem de ser clara, coerente, expressa e suficiente. Além disso, a
fundamentação deve ser adequada à importância e às circunstâncias da decisão 18, não
devendo ser o destinatário a adivinhar as razões e os factos em que a decisão assenta; a
motivação da decisão não pode ser obscura ou de difícil compreensão, nem deve aparecer
envolta em vícios lógicos; Não se trata de uma mera exigência formal, porque a
fundamentação tem uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social,
legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo – consubstanciando a
garantia do direito ao recurso19 e controlo da correção material e formal das decisões pelos
seus destinatários.20
Devemos, por conseguinte, concluir, que a fundamentação das decisões judiciais tem assento
na Lei Fundamental como garantia integrante do conceito de Estado de Direito Democrático,
cabendo à lei ordinária a promoção desta garantia através de normas que cumpram os
pressupostos da fundamentação: - “a fundamentação ou motivação fáctica dos atos decisórios
através da exposição concisa e completa dos motivos de facto bem como das razões de

em que o dever de fundamentação das decisões finais tomadas nos processos judiciais faz parte do próprio
conceito de “Estado de Direito Democrático” e do princípio da separação dos órgãos de soberania, nos termos
do artigo 2º e do artigo 288º, alinha j) da CRP. Em relação aos atos administrativos que se submetem às
decisões jurisdicionais veja-se o artigo 268º nº3 da CRP. Mais tarde, por força do artigo 129º da 4ª Revisão
Constitucional (Lei Constitucional 1/97 de 20 de setembro), houve uma reformulação da norma em causa
passando a ter a redação atual: a do nº 1 do artigo 205º da Constituição: “As decisões dos tribunais que não
sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O legislador Constituinte, ao adotar
esta nova redação, teve a intenção de alargar o âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de
fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral. As decisões dos
tribunais deixam de ser fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei” para serem “fundamentadas na
forma prevista na lei”. A alteração implica uma margem mais restrita de liberdade legislativa na conformação
concreta do dever de fundamentação. Todavia, a Constituição não determina as margens do dever de
fundamentação das decisões judiciais porque remete para a lei a definição do respectivo âmbito. O legislador
ordinário ao concretizar este “âmbito de conformação” não pode inutilizar o princípio da fundamentação. Veja
-se o Acórdão nº 301/94 do TC (Diário da República, 2ª Série de 29 de Agosto de 1994).

17
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, pp 208-209
18
MIRANDA, J. e MEDEIROS, R., CRP Anotada, Tomo III, pp 70-73.
19
Vide Ac. nº 55/85 do TC de 25.03. 1985, a necessidade de fundamentação prende-se diretamente com a
garantia do direito ao recurso e baseia-se na legitimação da decisão judicial.
20
Op. Cit. p.73
10
direito que justificam a decisão”21. A condição do gozo do direito da cidadania desdobra-se
num feixe de direitos, de entre os quais encontramos o direito a obter a explicação do
raciocínio do juiz na elaboração da sentença. Para além dessa compreensão, faz ainda parte
do exercício da cidadania a garantia de que a sentença será instrumentalmente objeto de
ponderação e de legitimação poderá ser submetida à apreciação de uma jurisdição superior pela
via do recurso. Esta dupla exigência representa a concretização do direito a um processo
equitativo nos termos do nº4 do artigo 20º da CRP, e ainda a efetiva realização de uma
garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º CRP).22

2. A NATUREZA PROCESSUAL CIVIL DA PROVA


Na lei, o artigo 154º do CPC, prevê o Dever de fundamentar a decisão, nº 1 – As decisões
proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo
são sempre fundamentadas. E o nº 2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos
fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho
interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de
manifesta simplicidade. Todavia se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a
sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da
fundamentação sumária do julgado, cfr. artigo 567º, nº 3, do CPC.

2.1 O Dever de Fundamentação


Em concreto, a sentença baseia-se na discussão da prova e o seu sentido ou conteúdo deve
ser fundamentado, isto é, a fundamentação consiste no conjunto das razões de facto e/ou de
direito em que assenta a decisão do Juiz; os motivos pelos quais se decide de determinada
forma. A prova dentro do processo civil é imprescindível para o exercício dos direitos. Para
TEIXEIRA DE SOUSA “a função da prova é a demonstração de uma afirmação de facto.
Como a verdade de qualquer afirmação depende da sua correspondência com a realidade (ou
seja, a sua corroboração ou falsificação pelos factos), a prova de uma afirmação de facto
pressupõe a formação da convicção do julgador sobre essa correspondência”.23,
Identificamos,

21
LOPES ROCHA, Op. Cit. 95-114.
22
Processo n.º 129-C/2001.C1 - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra in www.dgsi.pt/, consultado em
janeiro 2007.
23
TEIXEIRA DE SOUSA, M., As Partes, o Objecto e a Prova na Ação Declarativa, Lisboa: Lex, 1995, pp.
195 e 196.
11
2.1.1 A Fundamentação de Facto

A averiguação dos factos, as ocorrências concretas da vida real, o estado e a situação real
das pessoas e das coisas (como o sexo, a área de certo prédio ou se o mesmo confina
com outro prédio);
Os acontecimentos do foro interno da vida das pessoas (como a dor física, o sofrimento moral,
o conhecimento pela testemunha de determinado evento concreto ou a vontade psicológica
do testador);
As ocorrências hipotéticas (como saber se o condutor do veiculo teria ou não teria podido
travar num espaço livre e visível à sua frente se os travões tivessem sido corretamente
verificados e inspeccionados);
Os juízos periciais de facto (como saber qual a percentagem da diminuição da capacidade de
trabalho). Na fundamentação de facto, o artigo 5º do CPC determina o “Ónus de alegação
das partes e poderes de cognição do Tribunal”
1 – Á̀s partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que
se baseiam as excepções invocadas.
2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
- Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
- Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e
resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se
pronunciar;
- Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das
suas funções.
Importam os factos conclusivos que encerram um juízo ou conclusão e podem conter a decisão
da própria causa. É neste sentido que é essencial a preparação da base Instrutória quanto aos
temas da Prova (artigo 511º, n.º 1, do CPC).
O juiz, ao fixar a base instrutória, seleciona a matéria de facto relevante para a decisão da
causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se
controvertida.
Nos termos do artigo 596º, n.º 1, do CPC, proferido despacho saneador, quando a ação houver
de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar
os temas da prova. O julgamento da matéria de facto deverá ser feito em linguagem corrida,

12
mediante a narração completa dos factos (articulados pelas partes ou adquiridos na atividade
instrutória) com interesse para a decisão da causa.
Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os
que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas
dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a
sua convicção ; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo,
provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria
de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras
de experiê ncia. (A Análise Crítica da Prova, veja-se o artigo 607º do CPC.)
O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a
livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem
aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados,
quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. A valoração das provas pelo
juiz deve ser feita de forma livre e segundo a sua prudente convicção , ou seja, sem estar
condicionada por critérios legais pré-estabelecidos ou uma escala de hierarquização ou
vinculação. O juiz deverá dar como provado (ou não provado) um determinado facto se,
perante a prova produzida, se convenceu de que o mesmo ocorreu efetivamente ou não.
Ficando na dúvida, decidirá contra a parte que tinha o ónus de provar o facto em apreço (artigo
414º do CPC).
A convicção não poderá ter por base critérios arbitrários, irracionais ou ilógicos, exigindo-se
precisamente que os mesmos sejam racionais, lógicos, objectivos e assentes nas regras da
experiê ncia, de modo a que possam ser explicitáveis e compreensíveis (para o próprio
julgador e para terceiros) através da fundamentação da decisão .
É precisamente durante o momento da apreciação da prova de forma livre e segundo a sua
prudente convicção por parte do Juiz, que se levanta a questão da qualidade da prova. Há várias
regras a que o Juiz atende (veja-se o artigo 607º nº 5), na avaliação da prova, mas para elaborar
a sua sentença decide recorrendo à sua prudente convicção perante uma panóplia de várias
provas, ponderando o valor e o peso relativo de cada uma delas na descoberta da verdade
material. É importante abrir este parenthesis porque é significante o papel que a prova obtida
na constatação dos factos pode ter na reprodução da realidade em todas as suas dimensões de
forma objetiva captada através de uma câmara de vídeo, de uma câmara fotográfica, com
registo de som, altitude, densidade, temperatura, humidade, etc). A prova por constatação dos
factos é uma fonte de informação de elementos objetivos para o processo, facilitando muito a

13
tarefa do Juiz, que pode basear-se nesses elementos de facto observáveis, cientificamente
comprováveis, para apoiar o seu juízo.

2.1.2 A Fundamentação de direito


Relativamente à fundamentação de direito, veja-se o artigo 607º, nº 3, do CPC24, – Interpretação e
aplicação das normas jurídicas. E nos termos do artigo 5º, nº 3, do CPC – O juiz não está
sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de
direito.
Por outro lado, vejam-se os artigos 203º e 204º, nº 1, da CRP – “os Tribunais estão sujeitos à lei
e nos feitos submetidos a julgamento não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na
Constituição da República Portuguesa ou os princípios nela consignados”. E nos termos do
artigo do 4º do Código Civil – “ os Tribunais só podem resolver segundo a equidade quando
haja disposição legal que o permita, quando haja acordo das partes e a relação jurídica não
seja indisponível, e ainda quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à
equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória”.

24
Sobre o conteúdo da sentença, da sua estrutura, da fundamentação de facto, da análise crítica da prova e da
fundamentação de direito, vide HELENA CABRITA. A Fundamentação de facto e de Direito da Decisão Civel,
2015, ps. 31 a 250.
14
3. OS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO DIREITO À PROVA

Os princípios gerais do processo civil25são “princípios” e como tal devem ser entendidos, ou
seja – não podem ser considerados no mesmo plano das normas. O problema da sua
interpretação tem a ver com o facto de serem ferramentas determinantes na aplicação do
Direito, mas a “utilização ” e os limites da mesma não se encontram ainda bem definidos.
Existem à partida os princípios de natureza constitucional, que convivem lado a lado com
os princípios que derivam da lei ordinária e que constituem verdadeiros corolários exegéticos.
Cfr. Os artigos 20 e 32º da Constituição da República Portuguesa. Nessa medida, no seio do
estudo da prova, também encontramos diversos princípios que desempenham uma ― ”função
orientadora” na tentativa de encontrarmos a melhor solução dentro do tema da admissibilidade
da prova ilícita. Na verdade, o uso da prova deve ser orientado sob pena de se perder a
essência da causa e o sentido das coisas – todos conhecemos uma quantidade de palavras
que num contexto têm um significado e, noutro um significado completamente diferente. Não
obstante no dia a dia este uso das palavras não ter relevância nenhuma. Ora bem, para apurar
a verdade dos factos é necessário fazer esta interpretação de significado/significante na prática.

3.1 O Princípio da Livre Apreciação das provas


O princípio da livre apreciação das provas (artigo 607º nº 5 CPC) é um princípio estruturante
no que toca ao tema da prova, porque a sua aplicação reflete-se no valor e na eficácia da
prova, veja-se o nº 5 do artigo 607º, relativamente à elaboração da sentença: “O juiz aprecia
livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre
apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem
aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados,
quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
No direito moderno predomina a prova livre, em detrimento da prova legal, de forma que,
influenciado por essa corrente, o legislador consagra no CPC, o chamado sistema da prova
livre. Para ALBERTO DOS REIS26, “o princípio da livre apreciação das provas ou ―prova

25
FREITAS, J. L. de, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais, 2.ª Edição, Coimbra
Editora; GERALDES, A, S., A., Temas da Reforma do Processo Civil, I vol. 2.ª Edição, Almedina; VALLES,
E., Prática Processual Civil, 6.ª Edição, Almedina.
26
Designação citada por ALBERTO DOS REIS. O autor afirma que no direito medieval prevalecia o
princípio da prova legal. ALBERTO DOS REIS, J. Código de Processo Civil –Anotado Coimbra Editora,
15
livre não significa uma ―prova arbitrária ou irracional, mas antes uma ―prova apreciada
com inteira liberdade pelo julgador, sem obediê ncia a uma tabela ditada externamente, mas
em perfeita conformidade, (…), com as regras de experiê ncia e as leis que regulam a atividade
mental”.
O artigo 607.º n.º 5, ao determinar que ―o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua
prudente convicção acerca de cada facto – coloca aqui duas questões: - a liberdade do julgador
e por outro lado, sua a vinculação relativamente à valoração da prova.
ALBERTO DOS REIS27 afirma que no direito medieval prevalecia o princípio da prova
legal. A prova legal é aquela cujo valor, força ou extensão é determinado pela lei e que o juiz
tem de respeitar para decidir (artigos 358.º, n.º 1 e 368.º, do Código Civil.)
A prova legal como limite à valoração da prova. O nº 5 do Artigo 607.º proíbe usar a prova
de livre apreciação relativamente a factos que possam estar provados por outros meios, tendo
sido previamente valorados pelo legislador, que passa a distinguir claramente a prova legal
da prova de livre apreciação. BONIFÁCIO RAMOS28 refere “(...) consumou-se uma evolução
no sentido de a prova legal deixar de ser o elemento residual ou uma simples exceção em
face do abrangente ou preponderante modelo de livre apreciação da prova, ainda que na
modalidade de valoração racional, no sentido de assumir uma importância semelhante ou
equivalente a ele.”, passando a ser um verdadeiro limite para o juiz, quando se valoram
determinados meios, vedando a utilização da livre apreciação da prova.
ISABEL ALEXANDRE29 descreve a metodologia a seguir na livre apreciação das provas: “o
juiz, para formar o seu convencimento, deve guiar-se segundo a sua prudente convicção
e as regras de experiência, valorando os elementos da prova segundo critérios lógicos
e dando fundamentação legal à sua decisão”.
À livre apreciação da prova chega-se por argumento ao contrário: não havendo norma que
vincule o tribunal a um certo resultado dessa apreciação, o tribunal tem de ser livre na
apreciação do mesmo, uma vez que é este o princípio que vigora no nosso sistema jurídico 30.

Coimbra , 3ª Edição: 2012, ―A prova legal - aquela cujo valor, força ou extensão é determinado pela lei e que
o juiz tem de respeitar para decidir, ver os artigos 358.º, n.º 1 e 368.º, do Código Civil.
27
ALBERTO DOS REIS, Op. Cit. p.242 ss.
28
BONIFÁCIO RAMOS, J.L., O sistema misto da valoração da prova, O Direito, Ano 146.º - 2014, III,
Almedina, pp. 555-582, a pág. 582
29
ALEXANDRE, I. Provas ilícita em Processo Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1998 p. 46-47 e 102
30
LOPES CARVALHO, Op. Cit. p. 14
16
De facto, em matéria de prova, dispõe o artigo 607º, nº 5, do CPC, que, em princípio, “o
Tribunal...aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção
acerca de cada facto” (principio da prova livre) com ressalva das situações em que a lei
dispuser, diferentemente (princípio da prova legal).
O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por
confissão e por presunções judiciais) vigora no domínio da prova pericial (ou por arbitramento)
(artigo 389º, do Código Civil), da prova por inspecção (artigo 391º, do Código Civil) e da prova
por testemunhas (artigo 396º, do Código Civil). Neste âmbito a prova é apreciada pelo juiz
segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar
vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais.
Tal princípio situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é
por haver imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova
produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e
com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas
de experiência aplicáveis. 31
As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a
convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto, sendo
que, o que torna provado.
Mas prova livre não quer dizer prova arbitrária ou irracional. Quer antes dizer prova apreciada
com inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em
perfeita conformidade com as regras da experiência e as leis que regulam atividade mental do
julgador.
Temos para nós como duvidoso que o nosso sistema processual civil se oriente pelo princípio
da tipicidade dos meios de prova, no sentido de que em cada caso concreto só sejam
admissíveis os meios de prova que as normas substantivas e adjetivas correspondentes
preverem e já não outros meios de prova, apesar de estes se encontrem previstos para processos
ou procedimentos de outra natureza ou qualidade, e a sua produção não contenda com a ordem
pública, nem afete qualquer direito legítimo dos intervenientes ou de terceiros. 32
Como adiantamos anteriormente não restam dúvidas de que o Juiz deve apreciar livremente as
provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, fora do âmbito cuja prova a lei
já exija formalidades especiais ou prova determinada. Neste sentido, e apesar de o juiz ter uma

31
LOPES CARVALHO, Op. Cit. p. 14
32
ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado III, 2012, p. 247
17
esfera de ponderação de elementos contraditórios para hierarquizar, é confortável pensar que
através da prova por constatação dos factos poderá ser careada para o processo uma visão ampla
de toda a realidade fáctica, com informações técnicas, que podem ser determinantes para a
tomada de uma decisão justa.

3.2 O Principio da Aquisição Processual

O princípio da aquisição processual está previsto no artigo 413.º “Provas atendíveis”, “O


tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas no processo, porque é este
o acervo, independentemente de quem as forneceu, ainda que não tivesse o ónus de as produzir,
de que parte as produziu, vão no seu conjunto servir de base para que o julgador possa
proferir a decisão do mérito da causa33.
O legislador tenta exprimir o espírito que deve nortear o julgador na altura da resolução judicial
do conflito de interesses, e para isso, ― deve procurar saber se um facto controvertido pode
considerar-se, ou não provado, sem cuidar de quem foi o portador das mesmas. Em todo o
caso, como ressalva ALBERTO DOS REIS34, o importante ―é que os factos relevantes
estejam apurados, já que a tarefa do Juiz passa necessariamente por desvendar a verdade
material.

3.3 O Princípio do Inquisitório

O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão de tarefas, dominante em matéria


probatória, entre o juiz e as partes, e está previsto no artigo 411.º “Incumbe ao juiz realizar ou
ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade
e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”35. Após a
Reforma de 2013, o legislador separou os dois deveres processuais: dispondo, por um lado, o
poder de direção do processo no artigo 6.º, denominando-o agora de dever de gestão processual,
e consagrou o princípio do inquisitório de forma autónoma, no artigo 411.º. O princípio do

33
Ibidem
34
ALBERTO DOS REIS, …Op. Cit., 2012, p.273.
35
ALEXANDRE, I. Op. Cit. p. 46-47, Anteriormente, o princípio do inquisitório estava previsto no
CPC juntamente com o poder de direção do processo (artigo 265.º do CPC).
18
inquisitório atualmente exerce um papel destacado no processo civil português, funcionando
ao lado do princípio do dispositivo, configurando -se um sistema processual híbrido, que se
coaduna em torno de ambos os princípios, o que tem toda a pertinência já que se trata da
fase da instrução do processo, em que a recolha/entrega das provas são essenciais para o que
será o resultado do processo.
Por outro lado, os artigos 436.º, 452.º, 490.º n.º 1, 511.º, n.º 4, 526.º, n.º 1 e 601.º, n.º 1 são
também concretizações do princípio, ou decorrências por força da aplicação do princípio.
Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, oficiosamente, todas as diligências necessárias: a fim
de obter informações ou esclarecimento de factos provendo a produção de provas necessárias
ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe é lícito conhecer, ou seja, aqueles
trazidos pelas partes, nomeadamente os factos essenciais ( artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2). ALBERTO
DOS REIS36, afirma, ipsis verbis, que “o direito processual civil moderno substituiu ao tipo
de juiz inerte o tipo de juiz ativo, concedeu ao órgão jurisdicional poderes de iniciativa em
matéria de instrução do processo, poderes que têm sido sucessivamente alargados”.
O princípio do inquisitório atribui um verdadeiro poder-dever ao juiz de instrução, não como
poder absoluto, mas sim por via do qual constitui uma verdadeira prerrogativa intransferível
de indagação sobre o tema da prova. O princípio permite ao juiz procurar provas com o
objetivo de esclarecer os factos contraditórios. O princípio do inquisitório deve ser entendido
como um poder-dever limitado, devendo restringir-se na busca pelas provas dentro dos factos
alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao
apuramento da verdade. É assim o entendimento defendido pela lei, pela doutrina e
jurisprudência portuguesa37.
O princípio do inquisitório levanta a questão da imparcialidade do juiz, quanto a saber se a
mesma está em causa ou não, com o seu exercício. Todavia não parece que esteja em causa
esta imparcialidade do juiz no momento em que ele exerce o seu poder instrutório dentro do
processo, porque quando exerce esse poder-dever, o juiz não sabe à partida, a que parte aquela
prova aproveita.

36
Ibidem....p.273
37
Ibidem..p.273
19
3.4 O Principio da Proibição da Utilização da Prova Ilícita

A proibição da utilização da prova ilícita, reconhecida entre nós, e pela doutrina estrangeira,
como verdadeiro princípio, não teve a sua densidade dogmática desenvolvida no
sentido da aplicação ao processo civil. O mesmo não é verdade no que diz respeito ao processo
penal, desde logo no ordenamento português, na medida em que o legislador consagra
expressamente a proibição da valoração da prova ilícita no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição
da República Portuguesa. A aplicação no processo penal justifica-se porque é necessário
conceder garantias na fase de recolha de provas pelo juiz de instrução ou pelo Ministério
Público.

3.5 O Principio da Proporcionalidade


O princípio da proporcionalidade denominado “o princípio dos princípios”, tende a ser o grande
guia da utilização dos demais princípios, tendo uma aplicação transversal, incidindo em quase
todos os âmbitos do direito.
O princípio da proporcionalidade no seu sentido próprio, essencialmente, trata-se da indagação
acerca da adequação (proporção) de uma relação entre dois bens ou dois valores variáveis e
comparáveis. Dentro do tema probatório, o princípio assume notável relevância, e a sua
aplicação mais comum é enquanto instrumento de restrição de um direito fundamental:
consiste na avaliação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a sua restrição
e o bem juridicamente protegido que resulta, em consequência, ilegitimamente desprotegido.
A proporcionalidade permite que o julgador decida, para a resolução de certos litígios, quando
há colisão de direitos fundamentais, e deva proceder a um juízo com base no princípio da
proporcionalidade. De acordo com a regra de sua utilização, exige-se que o sacrifício de
um direito seja necessário para a solução do problema, e nesse exacto momento entra em cena
o critério da proporcionalidade. É necessário que seja proporcional em sentido estrito, ou
seja, que o ónus imposto ao sacrificado não se sobreponha ao benefício que se pretende obter
com a solução alcançada.
O princípio da proporcionalidade torna-se relevante no quadro da ponderação de valores
conflituantes, onde se devem avaliar os meios e os fins a atingir, e ao abrigo da proporção, o
Juiz consegue chegar a uma decisão flexível e adaptada ao caso em concreto: decidindo na
justa medida, com adequação material ou razoabilidade.

20
3.6 O princípio da Boa Fé e o Dever de Verdade das Partes
As partes agem em defesa dos seus próprios interesses dentro do processo, e acreditar no
contrário seria ignorar que ambas possuem posições opostas. No entanto, se por um lado elas
devem agir na proteção dos seus direitos, por outro, não devem esquecer a lealdade
processual e o dever de verdade, no seio do dever de cooperação, que pauta o bom
desenvolvimento e andamento da lide. Está em causa uma norma de conduta, ou uma cláusula
geral processual que impõe e proíbe condutas de forma a garantir situações jurídicas ativas e
passivas orient adas pela boa fé objectiva, a boa fé processual38.
O princípio da boa fé, agora previsto no artigo 8.º com a reforma processual civil, dispõe que:
“as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do
preceituado no artigo anterior”. O legislador refere-se ao princípio da cooperação disposto no
artigo 7.º. A remissão para o princípio da cooperação coloca a boa-fé como um verdadeiro e
essencial dever, orientador da atividade e do comportamento das partes perante o julgador e o
desenvolvimento do processo que deve ser conduzir com o respeito e lealdade mútua entre
as partes.

38
Cfr. Acórdão do STJ, cujo Relator é LOPES do REGO, no sumário “(1.) O conceito normativo de boa fé é
utilizado pelo legislador em dois sentidos distintos: no sentido de boa fé objectiva, enquanto norma de conduta,
ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efetivas soluções
reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos
Tribunais desta cláusula geral ; e no sentido de boa fé subjetiva ou psicológica, isto é, como consciência ou
convicção justificada de se adoptar um comportamento conforme ao direito e respectivas exigências éticas.
(2). Em litígio visando a efetivação da responsabilidade civil do tomador de seguro, originada pela prestação
culposa, aquando da participação de sinistro, de declarações inexatas - decisivas para apurar da cobertura
efetiva do risco - o que essencialmente releva é o plano da boa fé objectiva, sendo necessário determinar, por
preenchimento e densificação da referida cláusula geral, se o comportamento do recorrente consubstanciado nos
factos provados, viola ou não os ditames da boa fé objectiva, tal como devem ser concretizados no âmbito da
específica relação contractual” Acórdão do STJ2841/03.8tcsnt.l1.s1 at www.dgsi.pt/ consultado em dezembro de
2017 .

21
4. A TIPOLOGIA DAS PROVAS NO DIREITO PORTUGUÊS

O Código de Processo Civil regula o modo de produção dos meios de prova que o Código
Civil prevê, ou seja, a prova por confissão (artigo 421.º e seg.), a prova documental (artigo
423.º e Seg.), a prova pericial (artigo 467.º e Seg.), a prova por inspeção (artigo 490.º e
Seg.) e a prova testemunhal (artigo 495.º e Seg.), cuja natureza veremos já em seguida:

4.1 A Prova por inspeção judicial (artigo 490º Seg.)

A prova por inspeção judicial vem prevista no artigo 490.º do CPC “1 - O tribunal, sempre
que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, e com ressalva
da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, inspecionar coisas ou
pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo
deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a
entender necessária. (2) - Incumbe à parte que requerer a diligência fornecer ao tribunal os
meios adequados à sua realização, salvo se estiver isenta ou dispensada do pagamento de
custas”.
Segundo o artigo 390º do Código Civil “A prova por inspeção tem por fim a percepção
direta dos factos pelo Tribunal”. Nas palavras de ALBERTO DOS REIS39 “É uma espécie de
prova que confere ao julgador o contato direto com o lugar, a coisa ou a pessoa. É o
próprio juiz, quem realiza o exame, objetivando verificar as características e situações das
pessoas ou coisas. O juiz colhe, por si próprio, a prova, toca, por assim dizer, o facto a
provar”.
Não há qualquer intermediário (seja pessoa, documento, laudo dos peritos) entre o juiz e o facto
a provar, portanto pode constatar-se que existe inspeção judicial direta, porque “Através dela
(...) o tribunal confronta-se sem intermediário, com fontes de prova indiciária, pessoal ou
real (...) assim se esclarecendo sobre a realidade de factos duradoiros (...) que interessam
á decisão da causa”40.

39
ALBERTO DOS REIS, J.A., Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, 2012, p.306
40
FREITAS, L. de., MACHADO, M., PINTO, R. in “Código de Processo Civil Anotado” Vol. 2, 2001 p. 525.

22
A inspeção difere da perícia, como podemos comprovar:
• Na perícia, o juiz assume uma função meramente administrativa em que se limita a ordenar
o produção do “exame técnico” ou “peritagem”, determinando que os especialistas naquele
campo de estudo apresentem o relatório aos autos com as conclusões, “o laudo” que servirá
para motivar a sua decisão.
• Na inspeção, o juiz interfere na produção da prova, porque ele, pessoalmente inspeciona
coisas ou pessoas41 e extrai as suas conclusões pelas percepções obtidas diretamente através
da “identificação ” da prova, da sua “análise” ou da sua ”observação ”. Diretamente e
pessoalmente o juiz vai identificar a prova e determinar o resultado como obtido. Por exemplo,
(1) o juiz vai ao terreno observar a passagem carral que as partes dizem ter mais de vinte anos.
(2) O juiz vai ao imóvel objeto do desacordo e observa efetivamente se os quartos têm ou não
aquelas dimensões e se o imóvel está nas condições descritas. (3) o Juiz quer observar as
joias roubadas.

O Juiz recorre a este meio de prova deslocando-se ao local da questão depois de organizar os
temas de prova, na fase de decisão da matéria de facto, porque o que pretende é colher
elementos para a decisão a proferir na sentença sobre a mesma matéria de facto. De modo
secundário destina-se também a habilitar o juiz a organizar a enunciação dos temas de prova e
até a preparar a audiê ncia prévia 42.
A prova por inspeção, cfr. artigo 390º, tem o regime probatório material previsto no artigo
391º do Código Civil, “o resultado da inspeção é livremente apreciado pelo Tribunal”.
O julgador atribuirá ao resultado da inspeção o valor que na sua consciência ela deve.

41
CARVALHO LOPES, Op. Cit, p.14. Cfr. O artigo nº 492º..”ainda que se possa fazer acompanhar de técnico.”
O técnico é apenas um assessor técnico do juiz cuja função é apenas elucidar o juiz sobre o objeto e conteúdo
direto da observação do juiz, um técnico que explique a complexidade científica de certos factos, um assessor
com habilitações para o efeito. Todavia, como diz a Autora só a presença direta e pessoal do magistrado identifica
a prova como “inspeção judicial”. O técnico pode estar presente na inspeção judicial, seja por nomeação do
tribunal, seja a assistir os mandatários das partes nas questões de natureza técnica (artigo 50º do CPC)
42
CARVALHO LOPES, Op. Cit. p.14
23
4.2 A Prova por Verificação não Judicial Qualificada (artigo 494º CPC e Segs.)

Este meio de prova difere também das Inspeções judiciais. Trata-se de um meio de prova
completamente novo inserido no CPC implantado pela reforma de 2013. Ocorre quando seja
legalmente admissível a inspeção judicial, mas o juiz entenda que se não justifica, face à
natureza da matéria, a percepção direta dos factos pelo Tribunal e incumbe para o efeito
técnico ou pessoa qualificada para proceder aos atos de inspeção de coisas ou locais ou de
reconstituição de factos e elaborar relatório sobre as verificações efetuadas. Na verdade,
quando o juiz se desloca ao local da questão depois de organizar os temas de prova, na fase
de decisão da matéria de facto, o que pretende é recolher elementos para a decisão a proferir
na sentença sobre aquela matéria (artigo 607º nº 1 do CPC)43. Subsequentemente, o juiz poderá
organizar os temas que encontra relevantes para a enunciação da prova e a preparação da
audiência prévia.
Sendo o Tribunal a decidir da conveniência da inspeção ou tendo a mesma sido requerida, esta
pode realizar-se a todo o tempo enquanto não houver sentença sobre a matéria de facto (nos
termos do artigo 607º nº 4)44. Pode ser determinada em audiência e mesmo depois dela ao
abrigo do nº 1 do artigo 607º do CPC. As partes, sendo as requerentes da inspeção podem
indicar no seu requerimento os factos sobre que a diligência deve recair. Mas se o não fizerem
não ficam impedidas de no acto de inspeção apontarem os factos que pretendem ver
esclarecidos e com interesse para a decisão da causa (artigo 491º do CPC). Deve, porém, o
requerente da diligência no seu requerimento convencer o tribunal da necessidade ou
vantagem da inspeção, para que o seu requerimento não seja indeferido, por o requerente não
justificar devidamente o interesse da diligência.
A inspeção judicial é um ato judicial com carácter público. Por isso, podem assistir
quaisquer pessoas estranhas à intervenção da diligência, sem prejuízo de o tribunal o poder
impedir se a presença dessas pessoas for suscetivel de colocar em causa o fim da diligência.
Nesta diligência as partes podem estar presentes e intervir. Por esta razão devem ser
notificadas do dia e hora da inspeção e podem, por si ou através dos seus mandatários prestar
ao tribunal os esclarecimentos de que ele carecer, assim como chamar a atenção para os factos
que consideram de interesse para a resolução da causa.
E se o dono da coisa a examinar procurar obstar a que a inspeção se realize?

43
CARVALHO LOPES, Op. Cit. p. 14
44
ALBERTO DOS REIS, J., Op. Cit. p.306
24
• se o oponente for um terceiro será o mesmo condenado em multa, sem prejuízo da utilização
dos meios coercivos que foram possíveis;
• se o recusante for o requerente da diligência ou a parte contrária será a mesma condenada em
multa, sem prejuízo da utilização dos meios coercivos possíveis; além disso o tribunal
apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do
ónus da prova nos termos do artigo 344º nº 2 do Código Civil (artigo 417º nº 2 do CPC).
Incumbe à parte que requerer a diligê nciar fornecer ao Tribunal os meios adequados à sua
realização , salvo se estiver isenta ou dispensada do pagamento de custas – artigo 612º nº 2
do CPC.
Do ato da inspeção deve ser lavrado auto em que se registam todos os elementos út eis para o
exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem
juntas ao processo. Logo, o auto deverá recolher o maior nú mero possível de observações a
serem consignadas pelo juiz, até mesmo porque não podem ser desconsiderados alguns
factores de excepcional importância, sendo um deles o facto de que, para plena utilidade da
sentença, convém, que do auto lavrado conste tudo quanto for út il ao julgamento da causa,
não devendo o juiz inspetor poupar informações por ele extraídas ao tempo da diligê ncia.
Por outro lado porque sempre terá que ser considerado que os factos verificados também
precisam de ser cientificados às partes, para que possam concordar ou discordar com o auto e
com as conclusões judiciais. Acresce que deve ser considerada a possibilidade de ocorrer a
substituição do juiz que fez a inspeção por outro que julgará o processo, quer por sua promoção
ou outra circunstância qualquer. É certo que neste caso nada impede a realização de uma nova
diligê ncia, pelo novo juiz, se assim reputar importante e não se sentir suficientemente
esclarecido com o auto anteriormente lavrado.
Permitindo a lei a junção de fotografias ao auto estamos em crer que nada impede a
utilização de outras tecnologias (reproduções cinematográficas, registos fonográficos e outras
adequadas à natureza do facto a averiguar), para registo dos factos observados, pois é certo
que nem todos os factos são suscetíveis de registo através de fotografia. Esta junção pode não
só auxiliar o Juiz na altura do julgamento da causa a elaborar a reconstrução mental da
inspeção , como também servir de subsídio às partes para que possam reforçar suas alegações
baseadas nesses elementos. O auto também permite um melhor e mais efetivo controlo, no
que diz respeito à matéria de facto, se sobre ela vier a recair recurso.

25
Se o auto de inspeção judicial for omisso, é uma nulidade secundária que tem de ser arguida
pelas partes no próprio ato; não tendo sido arguida em devido tempo e não sendo de
conhecimento oficioso, a Relação está impedida de conhecer e declarar a nulidade45.
Também se o auto de inspeção omitiu “os elementos úteis” a que se refere o artigo 493º
do CPC foi cometida uma irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa. Tal
nulidade sujeita-se a prazo de arguição previsto nos artigos 198º e 199º do CPC46.
E são nulas as respostas à matéria de facto quando as mesmas se baseiam também em
inspeção ao local, cujo auto e respetivas perceções do tribunal são inexistentes no processo.47

4.3 A prova Testemunhal

A prova testemunhal (artigo 495.º e ss.) é um meio de prova e que tem como resultado o
depoimento testemunhal.
Capacidade para depor como testemunha:
“(1) - Têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que, não estando
interditos por anomalia psíquica, tiverem aptidão física e mental para depor sobre os factos
que constituam objeto da prova.
(2) - Incumbe ao juiz verificar a capacidade natural das pessoas arroladas como testemunhas,
com vista a avaliar da admissibilidade e da credibilidade do respetivo depoimento.”

O Novo CPC veio reduzir o número máximo de testemunhas de 20 para 10 (nº 1 do artigo
511º do CPC de 1961). Em contrapartida, admite-se que, atendendo à natureza e extensão dos
temas da prova, o juiz possa, por decisão irrecorrível, admitir a inquirição de testemunhas
para além do referido limite (n.º 4 do artigo 511º do CPC). Assim, posto que admitido
pelo juiz, inexiste em rigor um limite máximo de testemunhas.
A experiência ensinava que raramente eram efetivamente necessárias mais do que 10
testemunhas. Por outro lado, a prova testemunhal é, de longe, a que consome mais recursos
por parte do tribunal e a que gera mais atrasos no andamento dos pro cessos, pelo que –

45
Cfr. Acórdão nº 1548/10.4TBVCD.P1 do TRP, 03 de Julho de 2014 at dgsi.net consultado em
Dezembro de 2016
46
Cfr. Acordãos da R. P, proc. 0826753, dgsi.Net de 04.02.2010, e proc. 2156/04.4TBSTS.P1.dgsi.net;
Acórdão do STJ 19/04/2012. proc. 541/03.8 TBVVD.G1 Si e STJ 21.03.2013; proc. 660/07.1
TVLSB.L1.S1, at dgsi.net consultado em dezembro de 2016.
47
Cfr. Acórdão da RL. 31.01.2008; proc. nº 10800/2007-2, at dgsi.net consultado em dezembro 2016
26
pelo menos nos casos em que são arroladas muitas testemunhas - importa manter um
controlo sobre a sua efetiva necessidade e relevância (o que se consegue através da
necessidade de autorização para exceder as 10 testemunhas). Talvez até se devesse ter ido
mais longe e obrigar as partes a comunicar previamente a que matéria é que se pretende a
inquirição e a razão de ciência da testemunha. Num processo civil atual já não há justificação
para que as testemunhas possam constituir um factor surpresa numa audiência de julgamento.
Outra alteração tem a ver com a regra de que as testemunhas são a apresentar excepto se for
requerida a sua notificação (nº 2 do artigo 507º do CPC). Trata-se de uma alteração perigosa
porque inverte a regra há muito existente segundo a qual as testemunhas indicadas no rol
eram a notificar, salvo indicação em contrário.

4.4 A prova pericial

A prova pericial (artigo 467.º e ss.) origina um resultado, o relatório pericial (prova como
resultado).
(1) - A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz,
é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou,
quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz
de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo
do disposto no artigo seguinte.
(2) As partes são ouvidas sobre a nomeação do perito, podendo sugerir quem deve realizar a
diligência; havendo acordo das partes sobre a identidade do perito a designar, deve o juiz
nomeá-lo, salvo se fundadamente tiver razões para pôr em causa a sua idoneidade ou
competência.
(3) As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos
médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.
(4) As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento,
laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da
causa nem ligação com as partes.” Aliás, se as partes podem apresentar pareceres de
advogados, professores ou técnicos – sem qualquer limitação quanto à respectiva dimensão
– em qualquer estado do processo, mal se compreenderia que não pudessem desenvolver as
questões de direito da forma que entenderem mais conveniente.

27
No âmbito da atividade instrutória de processos emergentes de responsabilidade civil
médica, assume acrescida relevância a produção da prova pericial. A prova da responsabilidade
médica precisa de conhecimentos técnicos que poderão ser proporcionados, preferencialmente,
pela prova pericial48.
Ao perito incumbe a tarefa de informar o mais completamente sobre os factos, de explicar
bem a patologia implicada e a estratégia médica normalmente aplicada nesses casos, bem
como de pôr em evidência os pontos que permaneçam obscuros ou que são objecto de
controvérsia científica. Em causa está normalmente a valoração da atuação profissional de
colegas de profissão pelo que a realização deste tipo de laudo pericial constitui um dos atos
mais exigentes a praticar pelo perito. Espera-se do laudo objectividade e profundidade
técnica, tanto mais que o mesmo será dissecado pelas partes e Tribunal, sabido é que os
casos de responsabilidade médica são, em geral, resolvidos com base em prova pericial.
A força probatória emanada do laudo pericial reside:
• no fundamento científico das suas asserções;
• na consistência do juízo técnico emitido;
• na maior ou menor fundamentação e razão de ciência reveladas, devendo em princípio
prevalecer as conclusões periciais que se mostrem dotadas de uma superior explicação
racional.
Em geral, os peritos deverão realizar as seguintes funções:
a) valoração do erro médico, segundo o critério retor da atuação médica decorrente da lex
artis ad hoc, correspondendo esta a um conjunto de regras de conduta técnica e científica que
um médico competente e prudente tem de conhecer e usar corretamente, tendo em conta o
estado atual da ciência e a situação específica do doente;
b) valoração do dano causado;
c) valoração do nexo de causalidade.
Em sede de valoração do dever objectivo de cuidado, o laudo pericial terá que atentar em
todas as fases da atividade médica: anamnese; exame do paciente; diagnóstico; tratamento ou
terapia; execução/cirurgia; pós-operatório ou vigilância posterior do paciente.
A elaboração do diagnóstico será, provavelmente, uma das fases que suscita maiores
dificuldades de apreciação.

48
Cfr. PIRES de SOUSA, L. F, O Ónus da Prova na Responsabilidade Civil Médica. Questões
Processais Atinentes à tramitação deste Tipo de Ações (Competência, Instrução do Processo, Prova Pericial).
Texto publicado in www.academia.edu. Consultada em janeiro de 2017.
28
No que tange à valoração do nexo de causalidade, o artigo 563º do Código Civil consagrou a
teoria do nexo de causalidade na sua formulação negativa. Para que um facto seja causa de
um dano é necessário, antes de mais, no plano nat uralístico, que ele seja condição sem a qual
o dano não se teria verificado e, depois, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada
do dano49.

4.5 A prova por documentos

A prova por documentos, (artigo 423.º e ss.).

(1) Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser
apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
(2) Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados
até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em
multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

(3) Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja
apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja
apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Entende-se por documentos, CD, registo PDF, chip electrónico, fotografias, registo
fonográfico, cinematográfico (artigo 428.º).

4.6 A prova por declarações das partes

A prova por declarações de partes, o artigo 466.º do CPC: a nova figura da prova introduzida
pela reforma.

49
Cfr. O Acórdão do STJ 15.1.2002, CJ 2002 – I, p. 38, “de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida
em conta como causa de um dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo
concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou
cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano. Mas para que um facto deva
considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma
consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se assim que o julgador se coloque na situação concreta do
agente para emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas
circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria”. Neste sentido, ainda os Acórdãos
do STJ de 5.2.98, de 7.5.98, de 17.4.2007, Proc IV, p. 100.; Acórdão do TRC de 23.6.2009 todos em www.dgsi.net.
29
(1) - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação
de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham
conhecimento direto.
(2) - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias
adaptações, o estabelecido na secção anterior.
(3) - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem
confissão.
Assim, LEBRE DE FREITAS, se o depoimento de parte se manifestar incapaz de produzir
uma confissão, efeito para o qual foi funcionalmente previsto. então, este meio de prova não
poderá ser admitido a produzir outros efeitos50.

Também na opinião de ISABEL ALEXANDRE 51, o juiz pode requerer a qualquer das partes
a prestação de informações e esclarecimentos verbais ao tribunal, tal como impõe o princípio
da cooperação, artigos. 7.º, n.º 2 e 417.º, n.º 1. A utilização do depoimento de parte, não para
obter uma confissão por parte da mesma, mas para conseguir dela um testemunho. Esta é uma
forma tendente à livre valoração das declarações favoráveis do depoente, que permite a
observância dos princípios da livre apreciação das provas, da aquisição processual e da
descoberta da verdade ao abrigo do inquisitório.

A própria lei consagra limites à prova testemunhal e, como consequência, ao recurso às


presunções, nomeadamente no nº 1 e 2 do Artigo 364º e no nº 1 do artigo 393º, ambos do
Código Civil.
O legislador estabelece cinco situações que consubstanciam a inadmissibilidade da prova
testemunhal, nomeadamente:
a) a admissão ,
b) os documentos particulares,
c) os documentos autênticos,

50
Cfr. Acórdão do STJ de 16/10/2012, Processo n.º 8020/09.3T2SNT.L1.S1, in dgsi.pt, onde pode ler-se que “I
- O depoimento de parte é um meio processual (artigos 552º a 567º do CPC) destinado a provocar a confissão
judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a
parte contrária (artigo 352º do CC). (…) III - Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis,
não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de
parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de
provocar a confissão.”. Da mesma forma se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 15/11/2012,
Proc. nº 3027/10.0TBPRD-C.P1, in dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “Não é de admitir o depoimento de parte
sobre factos a ela favoráveis.”
51
ALEXANDRE, I. Provas Ilícitas em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1998
30
d) os atestados das Juntas de Freguesia,
e) a confissão .

Para além disso, o legislador estabelece mais dois limites,

f) as convenções contra o conteúdo dos documentos ou além deles e


g) a prova da simulação .
Passa-se a explicar cada uma delas:

a) A prova por admissão ,

A Admissão é considerada uma prova com grande força plena. Os factos apresentados por
uma das partes, quando não contestados são dados como provados, não podendo a parte
contrária, numa fase posterior, vir negá-los.

b) A prova por Documentos Particulares,

No que toca à prova por documento particular, o conceito é nos dados pelo artigo 363º nº 2
segunda parte, do Código Civil, que os define como todos os documentos que não são
autênticos, que são provenientes de particulares. Segundo o artigo 363º nº 3, estes documentos
apenas são considerados autenticados quando são confirmados pelas partes, perante uma
identidade autenticadora, como é o caso do notário, nos termos do Código de Notariado. Este
artigo atribui fé pú blica aos atos notarialmente praticados, no que toca à autenticidade e
reconhecimento dos documentos.
O artigo 35º do Código de Notariado consagra que todos os documentos que são lavrados
pelo notário ou em que este intervenha, podem ter três naturezas: autênticos, autenticados e
de reconhecimento notarial.
No que concerne aos documentos particulares, estes são autenticados quando são confirmados
pelas partes perante o notário, nos termos do artigo 35º nº 3, como também podem ter apenas
reconhecimento notarial, quando o notário apenas reconhece a letra e a assinatura constante
no documento particular, nos termos do artigo 35º nº 4.

31
Estes fazem prova plena da existência da declaração e vontade atribuída ao seu autor, desde
que o documento esteja reconhecido de forma expressa ou tácita, por força do disposto nos
artigos 374º e 376º do Código Civil.
No entanto apenas faz prova plena da existência de declarações, não abrangendo o conteúdo
das mesmas, consagrando o artigo 376º nº 2 que “Os factos compreendidos na declaração
consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante;
mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.”
Como vemos, a eficácia probatória plena atribuída por este artigo às declarações documentadas
limita-se á existência das mesmas, excluindo a exatidão e o seu conteúdo, ou seja, falta
demonstrar a veracidade dos factos materiais, sendo possível ao autor da declaração , a prova
da falsidade desses factos, recorrendo a outro meio de prova. Posto isto, embora prove a
existência das declarações, não prova a veracidade ou a falsidade das mesmas.
Um documento assinado entre duas partes, apenas tem força probatória quando é apresentado
pelo declaratário contra o próprio declarante.
Nos casos em que não se encontram reunidos todos os requisitos legais, a força probatória do
documento é analisada pelo tribunal, respeitando o princípio da livre apreciação da prova, ao
abrigo do artigo 366º do Código Civil. Mas nos casos em que os factos são desfavoráveis,
não sendo válidos para efeitos de confissão , assumem o valor de elemento probatório que
será apreciado pelo tribunal, respeitando o princípio da livre apreciação da prova, nos termos
do artigo 361º do Código Civil.
No entanto, a força probatória, mesmo sendo plena e qualificada, não tem força suficiente para
provar a veracidade de todas as declarações, nem de provar os vícios de vontade, o que resulta
da análise conjunta do artigo 359º n º1 e 2 e do artigo 376º n º2.
No que toca á vinculação das declarações ao autor, esta não é analisada no âmbito da força
probatória do documento, mas apenas através da eficácia atribuída á declaração , encontrando-
se a vinculação dependente da veracidade das declarações.
Para além disso, segundo o artigo 377º do Código Civil, caso os documentos particulares
sejam autenticados, assumem a mesma força probatória dos documentos autênticos, mas no
entanto quando a lei exija um documento autentico para comprovar a validade do ato, os
documentos particulares autenticados não o podem substituir.
Os documentos particulares fazem prova plena quando são autenticados por notário ou outra
entidade com competência para tal, pois ganham a força probatória dos documentos

32
autenticados, pelo que nos termos dos artigos 377º, 363º nº 3, 371º do Código Civil, fazem
prova plena de todos os factos que foram autenticados pela entidade competente.

c) A prova por Documentos Autênticos,

Ao abrigo do artigo 371º do Código Civil, estes documentos fazem prova plena de todos
os factos e das declarações resultantes das percepções da autoridade ou oficial pública, que
estes se referem.
LEBRE DE FREITAS52 acrescenta que, apenas nã o faz prova plena, no que concerne aos
factos que constituem objetos de tais declarações. Ora, no momento de preparação e realização
de uma escritura, o notário apenas consegue aferir a veracidade dos dados e declarações através
de documentos (que podem ser cadernetas prediais, certidões prediais, certidões civis) e, a
priori, parte do suposto que as declarações prestadas pelas partes são verdadeiras.
Como verificamos anteriormente, um documento apenas faz prova plena, quando não se coloca
em causa a sua autenticidade e genuinidade. O próprio artigo 372º do Código Civil, consagra
que a força probatória de um documento autêntico apenas pode ser refutada com o fundamento
de falsidade do mesmo 53 .
O Código Civil, no seu artigo 372º nº 2 acrescenta que “O documento é falso, quando nele se
atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto
que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável
qualquer ato que na realidade o não foi.”
A falsidade pode ser material como intelectual. A falsidade material consiste na divergência
entre as declarações ou factos prestados pelos intervenientes e a realidade do que realmente
aconteceu, podendo consistir numa adulteração do documento autêntico. A falsidade
intelectual consiste numa divergência entre o documento autêntico e a declaração no momento
da sua elaboração, e sem ter sido adulterado, embora o documento seja genuíno.
Embora o documento autêntico tenha força probatória plena, isto não significa que se
encontre abrangida a prova da veracidade das declarações contidas no mesmo, nem exclui
a existência de vícios de vontade54.

52
FREITAS, J. L. De. A falsidade no direito probatório: Contribuições para o Estudo da Prova
Documental. 2º Edição atualizadas. Coimbra: Livraria Almedina. 2013, pp. 37-38
64
FREITAS, J. L. De. ibidem pp. 39-40

54
Cfr. PIRES DE SOUSA, Op. Cit. 207-211, A força probatória da confissão apenas pode ser refutada com
prova em contrário, de que essa declaração e o facto nela, contido não seja verdadeiro, nos termos o artigo 357º
33
d) A prova através dos Atestados das Juntas de Freguesia,

As Juntas de Freguesia têm a competência de passar atestados, em nome das mesmas, mas
com a assinatura do seu presidente.55
A força probatória destes atestados encontra-se consagrada no artigo 371º do Código Civil,
por serem considerados documentos autênticos, fazendo prova plena dos factos neles
atestados.
Mas os atestados apenas terão força probatória plena se o emissor do mesmo declarar de forma
expressa o conhecimento direto e pessoal, pois desta forma, para todos os efeitos, os atestados
terão por base a perceção direta dos factos que os consubstanciam. 56

do Código Civil. A declaração presente no documento autên tico, desde que verdadeira, pode consistir numa
confissão extra judicial, ao abrigo do artigo 355º nº 4 do Código Civil.
55
Cfr. PIRES DE SOUSA, ibidem p. 211-212. Esta competên cia encontra-se consagrada pela Lei no 135/99
de 22 de Abril, com as alterações do decreto-lei 73/2014 de 13 de Maio, e pela Lei 75/2013 de 12 de Setembro,
com as alterações introduzidas pela lei 69/2015 de 16 de Julho. O artigo 16º alínea rr) da Lei 69/2015 de 16 de
Julho, consagra que é da competên cia material da Junta de freguesia a emissão de atestados. A lei 135/99 de 22
de Abril, é mais específica, consagrando que “Os atestados de residên cia, vida e situação económica dos
cidadãos, bem como os termos de identidade e justificação administrativa passados pelas juntas de freguesia, nos
termos das alíneas qq) e rr) do nº 1 do artigo 16º da Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro, devem ser emitidos desde
que qualquer dos membros do respectivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento directo
dos factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores
recenseados na freguesia ou ainda por outro meio legalmente admissível.”
56
O funcionário ao atendimento das pequenas Juntas de freguesia tem conhecimento das ocorrências...ou pelo
menos...das mais relevantes...óbitos/nascimentos/provas de vida/etc... e se não tem pede cópias de outros
documentos pessoais para atestar algumas situações que lhe são requeridas...mas não é difícil concluir que o
conteúdo do atestado carece de força probatória quanto à veracidade, falsidade, honestidade ou efeito das
declarações emitidas. Por exemplo, veja –se o sumário do Acórdão do STJ de 30-09-2003, proc. 1859/03,
SJ200403250003702, in www.dgsi.pt, “I - A força probatória material dos documentos autênticos restringe-
se, nos termos do artigo 371, nº1 do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou
oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e validade
das declarações prestadas perante essa mesma autoridade ou oficial público; (II) - Dois atestados emitidos pela
Junta de Freguesia da respectiva residência e uma certidão dos serviços de Finanças sobre a liquidação do seu
IRS nada provam, só por si, sobre a carente situação económica alegada pela autora, porquanto: um dos
atestados é omisso sobre a razão de ciência do que atesta; o outro atesta com base no que foi declarado pela
própria autora; a liquidação do IRS é calculada pelo que é declarado pelo próprio contribuinte”; ou o Acórdão
do TCAN, www.gde.mj.pt, de 09.06.2015, “1) – O atestado de residência é o meio de prova necessário e, em
princípio, suficiente da residência dos candidatos no concurso de atribuição de alvará de instalação de farmácias,
nos termos do n.º 10º da Portª 936/A/99, de 22 de Outubro. Mas, quando emitido com base em elementos
arquivados e declaração do interessado, não faz prova plena da residência (artº 371º/1, "in fine", do Cod. Civil),
ficando, nestes casos, sujeito à livre apreciação da entidade competente. (2) - Se houver contradição entre
o atestado de residência e outros elementos constantes do procedimento (vg. Cartão de Cidadão, Cartão de
Eleitor) fica seriamente abalada e, portanto, afastada a força probatória desse atestado.
34
Relativamente a esta questão, PIRES de SOUSA57 dá-nos o exemplo da união de facto, que
pode ser provada por declaração , desde que seja emitida pela própria Junta de freguesia
de residê ncia do casal. Este tipo de atestado apenas faz prova plena que o casal prestou
tais declarações, e não da veracidade do conteúdo das mesmas, ou seja se é mesmo verdadeira
a união de facto.

e) A Prova por Confissão

A confissão constitui outra situação jurídica que torna inadmissível a prova testemunhal, e
consequentemente a prova por presunção.
O conceito de confissão é nos dado pelo artigo 352º do Código Civil, sendo definida como
um “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e
favorece a parte contrária.”
Com a confissão , a parte favorecida não tem o ónus de provar o facto que foi confessado.
A confissão contém elementos fundamentais, e aparece sob variadas formas, produzindo
efeitos deferentes em função destas variáveis:
• deverá ser expressa ou tácita, devendo ser, regra geral, expressa mas podendo ser tácita nos
casos legalmente consagrados (se a parte que confessa é desfavorecida, favorece a parte
contrária).

57
PIRES de SOUSA, Op. Cit. p. 212 “a proteção das uniões de facto encontra-se consagrada na lei nº 7/2001
de 11 de Maio, com as alterações da lei nº 23/2010 de 30 de Agosto. Nos termos do artigo 2º-A nº2, do referido
diploma legal, a prova da união de facto pode ser feita por declaração emitida pela junta de freguesia competente,
ou seja de residên cia do casal, mas acompanhada com uma declaração sob o compromisso de honra, elaborada
e assinada por ambos, em que declaram a convivên cia conjunta a mais de dois anos, e pelas certidões de
nascimento de ambos. Sendo que, a prestação de falsas declarações podem ser punidas pela lei penal. No caso
de um processo judicial, o juiz pode duvidar do conteúdo da declaração emitida pela junta de freguesia a
declarar a união de facto, devido a provas contrárias a mesma, e exigir que seja feita prova através de outro
meio, como por exemplo o IRS conjunto, já que o artigo nº2-A nº1, consagra que a união de facto pode ser
provada por qualquer outro meio de prova, desde que seja admissível legalmente. Nas ações de simples
apreciação, o autor ao invocar o direito e pedir o reconhecimento do mesmo, tem o ónus de alegar e provar
todos os factos que constituem esse direito. Nas ações de simples apreciação negativa, não é da competên cia do
autor a alegação e prova da inexistên cia do direito em apreciação, mas cabe ao réu alegar e provar que esse
direito existe”. Ver também LOBO XAVIER, R. O “Estatuto Privado dos membros da união de facto” in
Scientia Iuridica
338: 281 – 314, 2015.

35
• indivisível, pelo que a parte favorecida deverá aceitar todos os factos confessados;
não pode aceitar uns factos e rejeitar outros, apenas provar que tais factos não são exatos (Cfr.
artigo 360º do Código Civil);
• irretratável já que uma vez emitida, não pode ser retirada, podendo apenas, em alguns casos,
ser revogada.
• Judicial, é que é realizada em juízo 58, independentemente das regras de competência do
tribunal e que seja num processo de jurisdição voluntária (vide artigo 355º do Código Civil)
Mas esta confissão apenas tem valor no processo em que é realizada e a que se refere.
• Extrajudicial, escrita ou oral. A confissão extrajudicial escrita pode ser realizada através de um
documento autêntico ou particular, desde que realizado perante a parte contrária ou um
terceiro. A confissão extrajudicial oral é realizada perante a parte contrária ou um terceiro
(artigo 335º do Código Civil).
• Simples, qualificada ou complexa – é uma classificação que se encontra na obra de PIRES de
SOUSA59, como abaixo reproduzimos:
• A confissão simples consiste naquela que ocorre um reconhecimento de um determinado
facto sem reservas, condições e qualquer outro facto que possa afetar o efeito a produzir
pelo facto confessado.
• A confissão qualificada é aquela que ocorre quando o reconhecimento de um facto acarreta
outra qualificação ou efeito jurídico.
• A confissão é complexa ocorre quando é reconhecido facto, mas este vem acompanhado por
outro que destrói o efeito a ser produzido pela confissão .
• A confissão tem força probatória plena. No entanto, nos termos do artigo 359º do Código
Civil, independentemente de ser judicial ou extrajudicial, a sua força probatória apenas pode
ser refutada, se for declarada anulada ou nula, por falta ou existência de vícios de vontade.
A ação de nulidade ou anulabilidade da declaração confessória pode ser proposta após o
trânsito em julgado da decisão , desde que o prazo do direito de anulação da declaração ,
ainda não tenha caducado Com a propositura da referida acção, ao pretendermos provar os

58
A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, ao abrigo do artigo 358º do Código
Civil, independentemente de ser ter sido realizado por advogado nos próprios articulados ou através de
requerimento, desde que tenha procuração forense com poderes especiais (confessar, transigir e desistir) ou da
confissão ter sido elaborada pela parte através de um requerimento ou ato judicial escrito. O juiz deverá aceitar e
colocar na sentença que tal facto é verdadeiro, confessado pela própria parte, excluindo esta questão da matéria
de factos, nos termos do artigo 659º nº3 do CPC. A parte que confessou não poderá negar os factos constantes
da confissão. Quanto à parte contrária, sendo esta beneficiada pela confissão, fica dispensada do ónus de provar a
veracidade do facto que foi confessado.
59
PIRES de SOUSA, Op. Cit. p. 213.
36
vícios presentes na confissão , podemos recorrer a qualquer meio de prova, inclusive à prova
testemunhal e presunções. 60

4.7 Prova por confissão das partes

A prova por confissão das partes é um meio de prova t ípico e nominado, regulado nos artigos
452.º a 465.º do CPC tendo lugar mediante requerimento da parte contrária ou a instâncias
oficiosas do juiz; servindo, em ambos os casos, o único propósito de obter uma confissão
em juízo, isto é, o reconhecimento da realidade das afirmações sobre factos havidos como
desfavoráveis ao próprio depoente e favoráveis à parte contrária. Urge, pois, que atentemos
aos artigos 352.º a 361.º do Código Civil, que estabelecem o regime substantivo da prova por
confissão – todavia não se confunde com o depoimento de parte. O depoimento de parte é
apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão.

4.8 A prova por verificação não judicial qualificada

A Verificação Não Judicial Qualificada foi enunciada pela primeira vez no CPC no artigo 494º:

(1)- “Sempre que seja legalmente admissível a inspeção judicial, mas o juiz entenda que se
não justifica, face à natureza da matéria, a percepção direta dos factos pelo tribunal, pode ser
incumbido técnico ou pessoa qualificada de proceder aos atos de inspeção de coisas ou locais
ou de reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório, aplicando-se, com as
necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores.
(2) - Sem prejuízo das atestações realizadas por autoridade ou oficial público, as verificações
não judiciais qualificadas são livremente apreciadas pelo tribunal.”
A introdução deste novo meio de prova visou, nos termos que ficaram consignados na
“Exposição de Motivos”, da Proposta de Lei n.º 113/XII, permitir que “sejam averiguados com
acrescida eficácia e fiabilidade factos que, não implicando o juízo científico que subjaz à prova
pericial, possam ser melhor fixados ou esclarecidos por entidade isenta e imparcial e

60
PIRES de SOUSA, L., F., Prova por Presunção no Direito Civil. 2ª Edição. Coimbra: Editora Almedina,
2013, p. 30. “Nas presunções legais, caso existam alguns factos conhecidos, a lei é que consagra quais os
factos desconhecidos e que serão considerados provados, sem existên cia de qualquer raciocínio ou sem ter
estabelecido claramente um nexo lógico”. Cfr. p. 57, este Autor analisa três tipos de raciocínio lógicos: o
raciocínio dedutivo, o raciocínio indutivo e o raciocínio abdutivo.
37
tecnicamente apetrechada (evitando o habitual recurso à falível prova testemunhal para a sua
determinação e dispensando as inspeções judiciais que não sejam proporcionais ao relevo e
natureza da matéria litigiosa)” (afigura-se-nos que o verdadeiro fundamento será o que consta
entre parentsis)”.
As verificações não judiciais qualificadas parecem autonomizar-se da inspeção judicial e da
prova pericial, em primeiro lugar, pela pessoa que as realiza: não se trata nem do tribunal nem
de um perito, mas de um técnico ou pessoa qualificada. E, na medida em que este técnico ou
pessoa qualificada realiza a própria diligência, não se limitando a acompanhar o tribunal,
também não se confunde com o técnico que intervém na inspeção judicial (previsto no artigo
492º do CPC).
As verificações não judiciais qualificadas distinguem-se da prova pericial no ponto em que, se
não for legalmente admissível a inspeção judicial, as verificações não judicial qualificadas não
podem ter lugar: portanto, o âmbito destas é menor do que o da perícia.
Em segundo lugar, o artigo 494º, n.º 1 CPC dá a entender que as partes não podem requerer
uma verificação não judicial qualificada: requerem, quanto muito, uma inspeção judicial, nos
termos do Artigo 490º, n.º 1, podendo o tribunal depois, se julgar que a inspeção judicial não
se justifica (ou melhor: justifica-se, mas não é o meio de prova mais conveniente), determinar,
em vez dela, uma verificação não judicial qualificada. Ou seja: a utilização deste meio de prova
é sempre da iniciativa do juiz.
Em terceiro lugar, o artigo 494º n.º 2, do CPC estabelece que o valor probatório das
verificações não judiciais qualificadas depende da pessoa que as realiza, na medida em que
alude à sua livre apreciação, “sem prejuízo das atestações realizadas por autoridade ou oficial
público”. Ou seja: o valor probatório deste meio de prova é variável em função de quem o
realiza.
Quais as atestações não submetidas ao princípio da livre apreciação da prova (e portanto com
valor de prova plena) que estão em causa neste preceito?
Ao que parece, apenas o podem estar as atestações que hajam sido reduzidas a escrito e que se
reconduzam ao conceito de documento autêntico do artigo 363, n.º 2, do Código Civil uma vez
que só a este, e não também a atestações não reduzidas a escrito, a lei civil confere valor de
prova plena (vide artigo 371º do Código Civil).
De todo o modo, o artigo 493º, relativo ao auto de inspeção e aplicável às verificações não
judiciais qualificadas por força do artigo 494 º, n.º 1, parte final, parece excluir a hipótese de a
atestação ser relatada de modo verbal perante o juiz: e o artigo 604º, n.º 3, relativo à produção

38
de prova em audiência, também não prevê a existência de um tal relato, nem sequer de
esclarecimentos verbais, da pessoa qualificada (apenas se prevê, no n.º 7 do mesmo artigo, a
audição de técnico que haja acompanhado o tribunal no decurso de inspeção judicial, nos termos
do artigo 492º).
Quando a atestação tenha sido feita pelo funcionário judicial que elabora o auto da verificação
não judicial qualificada, estar-se-á perante uma atestação constante de documento autêntico
(cfr. o conceito de auto constante do artigo 160º do CPC), pelo que a mesma não será livremente
apreciada: ou melhor, não será livremente apreciado o documento que a contém e apenas no
que diz respeito aos factos praticados ou presenciados pelo funcionário judicial (cfr. o artigo
371º do Código Civil).
Ora o regime das verificações não judiciais qualificadas alude apenas a um auto da diligência
(cfr. o artigo 493º, por remissão do artigo 494º, n.º 1 CPC), que é lavrado pela secretaria, o que
origina o problema de saber se a lei processual civil pretendeu conferir valor de prova plena a
uma atestação de um oficial público – o notário – que não consta de documento exarado pelo
próprio oficial público (assim derrogando o artigo 363º, n.º 2, do Código Civil), ou se
continua a exigir este documento para a atestação ter valor de prova plena.
Esta questão é explicada já na segunda parte de forma muito pormenorizada visto ser o âmago
da formação dos profissionais da OSAE.

39
PARTE II - A ORIGEM DA CONSTATAÇÃO DOS FACTOS

1. A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NA ORDEM JURÍDICA FRANCESA

Na segunda parte deste estudo, vamos apresentar o “Constatação dos factos” que resulta
directamente da importação do “Constat” - figura retirada da cultura jurídica francesa, que se
afigura naquele sistema judiciário, de extrema relevância em sede de produção de prova.
Como conceito, como processo e como meio de prova, a Constatação dos factos é um
instituto que estudamos ao pormenor, não para “copiar” dos franceses, não obstante
comungarmos da mesma família jurídica, o direito romano-germânico, mas para usarmos
dentro do nosso sistema com os limites ainda inerentes ao seu uso. No sentido de MOURA
VICENTE identificamos no Direito, como sistema regulador, os mesmos valores, as mesmas
questões fundamentais, as mesmas fontes, cuja realização passa pelos meios preferenciais
da resolução de litígios, pelos métodos da solução dos casos singulares através da exegese,
da interpretação e integração, do papel ativo dos Juristas. Falamos da partilha na construção
Direito que resulta da mesma matriz, porquanto se tratam das mesmas tradições jurídicas. Não
obstante, a família jurídica romano-germânica compreende diversos ramos, que correspondem
a outras tantas concretizações dessas ideias. Entre eles destacam-se os sistemas jurídicos de
matriz francesa (que compreendem, além do Direito francês, o belga, o espanhol e os dos
países sul-americanos de língua castelhana) e os de matriz germânica (em que radicam o
Direito alemão, o suíço e o austríaco). Quanto ao direito Português, o Direito Romano
vigorou em Portugal como Direito subsidiário até ao séc. XIX, e influenciou decisivamente o
Direito Privado. Todos concordamos que o método segundo o qual se resolvem os casos
concretos, é partir de regras gerais e abstratas. Todavia, tal como se pode ver do Código
Civil de 1966, a Ciência Jurídica portuguesa integrou os quadros do pensamento jurídico
germânico. No entanto, a existência de um Código Civil Francês, o Code de Napoleon
(1804), de um Bürgerliches Gesetzbuch (ou BGB) Código Civil da Alemanha só entraria em
vigor em 1900, e de um de um Código Civil português de 1966 (com 40 anos, previsivelmente
a rever) como edifícios legislativos sistémicos representativos da supremacia da lei como fonte
de direito, resulta da tradição romana. Depois desta pequena explicação para compreendermos
a proximidade entre os sistemas jurídicos francês e português, justifica-se plenamente este
interesse e a aplicação da constatação dos factos, como veremos mais à frente.

40
Do latim “constat” («é certo que»), é a terceira pessoa do tempo verbal “presente do
indicativo” do verbo constare, conjugado do modo impessoal. Do latim “constare” que quer
dizer («manter-se de pé, estar forte ou estar sólido»).
Em França, nos termos da Portaria n° 45-2592 do 2 de novembro de 1945 relativa ao estatuto
dos Huissiers Franceses, modificada pelo artigo 35º da Lei n°2006-728 de 23 de junho de
2006, “(...) podem ser requeridos pelo Tribunal para efetuarem constatações sobre actos
puramente materiais com total garantia de isenção, de forma completamente independente
sobre qualquer consequência, de facto ou direito, que daí possa advir para a ação; podem
igualmente proceder a constatações com a mesma natureza a pedido de particulares; num e
noutro caso, as constatações têm apenas valor de informação ”. Com a alteração introduzida
pela Lei Beteille, a Lei n° 2010-1609 do 23 de dezembro de 2010, as competências e as
funções dos Huissiers de Justice foram reforçadas e aumentadas, passando o constat a ser um
documento com força de documento público, e nos termos do Artigo 14º , a ter força legal
de meio de prova em Juízo e fora dele. Em França, o constat é um valioso método de
administração da prova à disposição do Huissier de Justice. O cliente pode solicitar ao Huissier
o denominado processo “procés verbal de constat”. Pode fazê- lo via internet, e para esse
efeito o cliente cria uma conta no site, por exemplo: “Constat-huissier.net” e encomenda ao
solicitador francês que este faça uma constatação dos factos relativa a uma determinada página
da internet (por exemplo) para que esta prova possa ser usada afim de reclamar um pedido de
indemnização por uso abusivo de uma marca ou de um logotipo registado. A fórmula do constat em
França resulta de processo verbal (procés-verbal) (uma queixa) e culmina com uma certidão
ou atestação com valor de prova que pode ser apresentada ou junta aos Autos pela parte que a
requereu ou a pedido do Juiz que solicitou aquele apoio técnico no exercício da função
jurisdicional.
Este Agente da justiça francês é dotado de fé pública, pelo que o certificado do que é atestado
pelo “huissier” tem fé pública e valor de prova plena.
Finalmente existem dois tipos de constat em França
- O constat amigável – em que o principal objetivo do técnico que o elabora é encontrar uma
solução de consenso/amigável, de forma a evitar ou prevenir a ação judicial – o que se
denomina de “constat amiable.”- [Constatação de factos amigável]
– O constat judicial: o que é pedido pelo Juiz no âmbito do processo que se encontra em litígio.-
[constatação de factos judicial ]

41
2. A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA

Perante todo o acervo dos meios de prova admitidos na ordem jurídica portuguesa, coloca-
se, finalmente, a questão de saber se a constatação dos factos tem aplicação prática e qual o
âmbito dessa aplicação.
Os fatores que determinam o cumprimento rígido do Dever da Gestão Processual61podem não
estar incompatibilizados com a constatação dos factos, justamente porque esta é um
instrumento ao serviço do reforço da confiança e da segurança jurídica, crucial para a
promoção da celeridade e simultaneamente da dissuasão/prevenção da litigância – importantes
fatores para o Dever da Gestão Processual, como veremos mais adiante.
Em primeiro lugar, deve descrever-se o que se entende por “constatação dos factos” – um
conjunto formado por dois componentes:
- (1) Um ficheiro sob qualquer formato que representa a realidade com extrema precisão:
contendo fotografias/vídeos/áudios/textos/ou registos de qualquer espécie: medições de
comprimento, área, de volume, de peso, de temperatura, de tempo, de velocidade, de aceleração,
de frequência, de rotação, de força, binário, do momento de inércia, de energia, de potência, de
consumo, de pressão, de densidade, de luminosidade, de radioactividade, de memória, de
velocidade de transmissão, de moeda, de ângulo, de medidas de impressão de centímetros -
Foot/Inch, de cálculos...
- (2) um resumo (ficheiro word/dox) com a descrição do que está contido no primeiro.
Uma descrição justificada, motivada de forma clara, precisa, com pormenor, explícita, suscinta
e exata. Exige capacidade de observação e de síntese, exercício de escrita, interpretação de
conceitos, conhecimentos da língua portuguesa, e competências de redação de textos. Uma
redação resumida sobre o primeiro que é um um auto do que foi observado de facto – e que fica
registado no ficheiro de suporte (jpeg. Pdf. Word. Dox. Html. PPtx....). Auto assinado e
registado pelo Agente de Execução/Solicitador que o “extraiu”.

61
Cfr. ISABEL ALEXANDRA, O dever de gestão processual do juiz na proposta de lei relativa ao novo CPC,
12/04/2013 in www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/.../Texto_intervencao_Isabel_Alexandre.pdf consultado em
Dezembro de 2016; O dever de gestão processual constitui um tema de abordagem difícil, na medida em que
parece expressar vários deveres que, ao menos no nosso direito, têm natureza distinta. A isto acresce a
circunstância de se tratar de figura relativamente recente entre nós – remonta apenas a 2006, ao Regime Processual
Experimental (RPE) – relativamente à qual ainda não pode haver muita experiên cia. Depois, é relativamente
estranha a sua introdução num sistema como o nosso em que a tramitação processual é complexa, assente num
modelo que comporta fases rígidas e muitas preclusões para as partes. De assinalar ainda que se trata de figura
importada de ordenamentos que têm pouco em comum com o português. Refiro-me ao direito inglês, depois das
Civil Procedure Rules de 1998, no qual a gestão processual se parece caracterizar nomeadamente pelos seguintes
poderes do juiz (cfr. Justiça económica em Portugal – O sistema judiciário: sistema processual, organização
judiciária e profissões forenses, 2012, pág. 75).
42
O legislador do Código do Processo Civil (reforma de 2013) abriu uma porta no sentido de
introduzir a constatação dos factos ao consagrar a figura da prova da inspeção não judicial
qualificada – Art. 494.º CPC.
A introdução deste novo meio de prova visou, nos termos que ficaram consignados na
“Exposição de Motivos”, da Proposta de Lei n.º 113/XII, permitir que “sejam averiguados com
acrescida eficácia e fiabilidade factos que, não implicando o juízo científico que subjaz à prova
pericial, possam ser melhor fixados ou esclarecidos por entidade isenta e imparcial e
tecnicamente apetrechada (evitando o habitual recurso à falível prova testemunhal para a sua
determinação e dispensando as inspeções judiciais que não sejam proporcionais ao relevo e
natureza da matéria litigiosa)”.
Já vimos que as provas por verificações não judiciais qualificadas (494º CPC) se
autonomizaram simultaneamente da inspeção judicial e da prova pericial.
Por um lado, não consistem numa prova por inspeção judicial porque não é o Tribunal que se
desloca ao local para fazer a reconstrução dos factos. Por outro lado, não é uma prova pericial
porque não é um perito em sentido “estricto” que faz um relatório sobre a questão em litígio.
Se dúvidas tivéssemos, o nº 1 do art. 601.º CPC, esclarece que “quando a matéria de facto
suscite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que
o tribunal não possua, pode o juiz designar pessoa competente que assista à audiência final e aí
preste os esclarecimentos necessários, bem como, em qualquer estado da causa, requisitar os
pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos” e o art. 492º nº 2 CPC,
conclui que “o técnico é nomeado no despacho que ordenar a diligência e deve comparecer na
audiência final”. É um técnico ou uma pessoa qualificada que realiza a diligência de
constatação, e depreende-se que também que o legislador não se referiu ao oficial de justiça.
“O tribunal, sempre que o julgue conveniente, e pode por sua iniciativa ou a requerimento das
partes, e com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana,
inspecionar coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à
decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição
dos factos, quando a entender necessária”(490.º nº1 CPC).
Tanto a prova por inspecção, nos termos do art. 390º do Código Civil, como a prova por pericia,
têm um objeto exclusivo: a percepção directa de factos pelo tribunal. A prova pericial, nos
termos do art. 388º do Código Civil, tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio
de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem,
ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial. O tribunal

43
pode determinar, que em vez da prova por inspecção judicial, seja mais conveniente proceder
a uma verificação não judicial qualificada. Será da iniciativa do juiz o impulso da utilização
deste meio de prova (490º, nº 1 CPC).
A designação do peritos que podem lavrar o Auto de constatação que constitui parte da prova
por Inspeção judicial não verificada 62, é “requerida por qualquer das partes ou determinada
oficiosamente pelo juiz, requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço
oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único
perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria
em causa” (nº1 do art. 467º ).
Em terceiro lugar, o artigo 494º n.º 2, do CPC estabelece que o valor probatório das verificações
não judiciais qualificadas depende da pessoa que as realiza, na medida em que alude à sua livre
apreciação, “sem prejuízo das atestações realizadas por autoridade ou oficial público”. Ou seja:
o valor probatório deste meio de prova é variável em função de quem o realiza. A força
probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigo 389.º do Código
Civil)63
Há também atestações não submetidas ao princípio da livre apreciação da prova (e portanto
com valor de prova plena) neste preceito. Ou seja, as atestações que hajam sido reduzidas a
escrito e que se reconduzam ao conceito de documento autêntico do art. 363º, n.º 2, do Código
Civil uma vez que só a este a lei civil confere valor de prova plena (vide art. 371º do Código
Civil). Quando a atestação tenha sido feita pelo funcionário judicial que elabora o auto da
verificação não judicial qualificada, estar-se-á perante uma atestação constante de documento
autêntico (cfr. o conceito de auto constante do artigo 160º do CPC), pelo que a mesma não será
livremente apreciada: ou melhor, não será livremente apreciado o documento que a contém e
apenas no que diz respeito aos factos praticados ou presenciados pelo funcionário judicial (art
371º do Código Civil).
O auto da verificação não judicial é qualificado por causa da pessoa que o lavra, e que é uma
pessoa com reconhecida idoneidade e competência (leia-se no sentido lato de

62
As verificações não judiciais qualificadas distinguem-se da prova pericial porque têm um âmbito de aplicação
mais restrito do que o da prova pericial, na medida em que quando a pericia não é admitida as verificações não
judicial qualificadas também não podem ser requeridas.
63
Vide Ac. TRL, de 15.09.2016 Tratando-se de cotejar as semelhanças e diferenças entre desenhos (elementos
figurativos), é essencial a prova pericial, potestativa ou oficiosa, sendo o respectivo relatório de apreciação livre,
nos termos do artigo 389.º do Código Civil.

44
“responsabilidade”, que não deve prestar juramento (arts 492º, 2 e 601º CPC), mas comparece
na audiência de julgamento (art. 492, nº2), e como tal, o que é declarado no Auto escrito (porque
não há registos na lei de que haja uma constatação dos factos escrita e uma constatação dos
factos oral (esta última não existe). Interpretando o valor probatório que é atribuído à
constatação dos factos pelo art 494.º do CPC, não podemos vê-lo como um meio de produção
antecipada de prova, pelo menos de jure constituto… é no entanto legítimo, em sede
interpretativa que distingamos de forma objetiva os vários actores ou agentes judiciários:
abordamos já a relação do juiz com a prova por inspeção judicial, a posição do perito no tribunal
e a sua qualificação técnica específica para esclarecer determinado facto ou conjunto de factos
ininteligíveis ao comum dos mortais. Passamos pelo oficial de justiça que pode acompanhar o
tribunal nas deslocações ao local para prestar assistência ao Juiz na reconstrução histórica dos
factos. Finalmente falamos várias vezes desta pessoa com “reconhecida idoneidade e
competência nas matérias em causa,” que acreditamos ser Agente de Execução ou o Solicitador
por várias razões: desde logo, é um profissional liberal com reconhecida idoneidade, cujo
comportamento deve reger-se diariamente por elevados padrões éticos e deontológicos que
dignificam a Ordem a que pertencem, e o próprio ministerium. Haverá sempre a tendência para
avaliar o valor probatório da constatação de factos em função do valor probatório testemunhal
de quem o elaborou. Não obstante, esta indissociabilidade do valor probatório entre o sujeito
e o objeto dilui-se até ser mínima porque baseada em registos multidimensionais, obtidos com
equipamentos tecnologicamente desenvolvidos representativos de características físicas,
químicas, biológicas e naturais invisíveis a olho nú da realidade. Na captação de registos através
de câmaras com sensores ou detectores de variações de algum factor poluidor ou algum
componente do solo, a opinião ou as memórias da pessoa que lavra a constatação dos factos
não releva em nada sobre a validade (leia-se credibilidade/fiabilidade) da prova. Nesta situação,
o valor probatório da constatação de facto está dissociada do valor probatório testemunhal de
quem o elaborou. Independente do seu autor terá muita força em juízo quando for apreciada
(ainda que livremente) porque desperta a sensação de “certeza/exactidão” perante os resultados
obtidos.
Tendo o Solicitador/Agente de Execução a competência legal para certificar atos de factos que
tenha verificado. É um documento autêntico, fazendo prova plena dos factos que são descritos
como tendo sido praticados por quem o elaborou, assim como dos factos por si percepcionados
– artigo 371.º do Código Civil . Sujeitando-a, tal como a inspeção judicial, à livre apreciação
do julgador, esta liberdade não será tão ampla quanto à primeira vista parece, quando se trate

45
de atestações realizadas por autoridade ou oficial público, que têm a força probatória plena
conferida pelo artigo 371.º do Código Civil.

Enquanto isso, a credibilidade da constatação dos factos passa pela observância de regras e
princípios de que se não pode prescindir para a obtenção da verdade e para a celeridade
processual:
- uma postura intelectual de total isenção;
- uma absoluta objectividade no registo dos factos – quem procede à constatação dos factos não
pode ceder à tentação de interpretar os factos, porque toda e qualquer interpretação tem ínsita
a subjectividade própria do intérprete;
- a conveniência em registar todos os elementos percepcionados, o maior número possível de
observações, que permitirão não só manter viva a memória como também permitir que seja
transmitida uma imagem quanto possível fiel da realidade fáctica observada;
- o recurso aos melhores meios técnicos disponíveis para efectuar aquele registo - a fotografia,
de vários ângulos, com o necessário enquadramento do local; as filmagens; a reconstituição em
3D; etc.
O esforço de credibilização, como meio de prova válido e fiável resulta do uso correto pelos
solicitadores e agentes de execução, que podem recorrer a esta ferramenta, dentro ou fora do
tribunal – em juízo ou fora dele.
Extrajudicialmente, a constatação de facto também é uma escolha aconselhável, perante os
outros meios de prova. Em qualquer situação, para efeitos de memória futura, ou não, poderá
ser lavrado uma constatação de factos e guardada com a garantia de que a prova se manterá
integra, original e acessível. A credibilidade da constatação de facto decorre do uso que dela se
fizer, no tribunal e fora dele.

46
3. O ÂMBITO DA APLICAÇÃO DA CONSTATAÇÃO DOS FACTOS

A constatação dos factos é mais do que polissemantica, é pluridimensional. A seguir propomos


a descoberta dos vários sentidos em que a constatação dos factos se desdobra no campo
material e jurídico.
A constatação dos factos supõe a descrição “dos factos”. Uma constatação é uma declaração
da existência de determinada(s) situação(ões). Esta “existência declarada” através da
declaração passa a ser uma reprodução da realidade. Não se trata de um mero enquadramento
da realidade como um vídeo de uso doméstico (colocado no youtube, no facebook, nas redes
sociais para ser comentado ao sabor dos impulsos subjetivos dos curiosos).
Quando se explica a figura da constatação dos factos, que antes de ser um meio de prova, é
uma operação material, que pode resultar (preferencialmente) do uso de instrumentos
operacionais tecnológicos com o objetivo de:
- Fixar ou assentar determinados factos/dimensões/colocação de marcos/áreas/rótulos;
- Explicar a existência de determinado facto natural “anómalo/defeituoso/estranho”;
- Explicar a inexistência/falta de determinado facto/ausência de manutenção/abandono;
- Explicar o estado atual, depois de ter sido sujeito a condições extremas de maus tratos;
- Assim como a realidade é feita de imponderáveis
A constatação dos factos supõe também que aquele que constata os factos perante os quais
existem dúvidas ou falta de certeza, seja, não apenas mero “observador”, mas um leitor da
realidade, que através do uso de recursos tecnológicos de medição, estabelece o seu sentido,
com rigor.
A leitura da realidade é toda ela composta de registos cujo conjunto conta uma história ou uma
situação que é relevante para determinada pessoa física ou jurídica e cujo levantamento –
descrição, conservação e atestação com certificação – pode fazer toda a diferença para quem
invoca um direito. Um momento da realidade pode ser captado através de uma fotografia, e a
imagem corresponde ao que existia naquela fração de segundo. Mas a realidade é muito mais
do que uma fotografia pode mostrar: aromas, temperaturas, altitudes, sons, sensações,
humidade, pressão atmosférica, profundidade, velocidade dos ventos, densidade, etc....tudo
pode ser mensurável e demonstrado – de tal forma que indícios que parecem anódinos podem
ser determinantes para explicar a causa de determinado facto defeituoso, ou que representa um
factor de risco.

47
3.1 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO MEIO DE RESOLUÇÃO ALTERNATIVA
DE LITIGIOS
As pessoas, inopinadamente, (e involuntariamente) podem ser vítimas situações impensáveis
(burlas ou enganos, falsas indicações, intenções mesquinhas, etc...) em que destino ou as
contingências das próprias dificuldades, as colocou. Pode afirmar-se que há vinte anos atrás a
vida era mais calma, ou menos exigente, porque a informação era omissa e havia um sentido
de mais compreensão pelo desconhecimento e maior grau de tolerância entre vizinhos, entre
colegas de trabalho, ou entre as partes envolvidas num acidente.
Em Portugal, o serviço da Justiça foi sempre um serviço caro: - antes de intentar uma ação em
Tribunal havia contas a fazer-se: a contratação do mandatário, a Unidade de Conta, as Custas
e o valor indemnizatório obtido em liquidação de sentença. Entre estas parcelas, se a
contabilidade fosse favorável, a decisão era no sentido do pleito, não obstante, durante a
pendência do processo, atendendo aos anos decorridos sem sentença, o mesmo acabava em
mero acordo....frustrando a Parte que acreditava na Justiça.
Mas o queremos sublinhar é a hesitação frequente, a paralisação mesmo, perante a necessidade
de ver um direito comprovado ou garantido e o custo que este serviço representa para a maior
parte dos cidadãos portugueses.
Obviamente, que perante uma certidão de que determinado facto existiu e cujo registo de
ocorrência pelas x horas do dia y, está descrita com a explicação das suas características físicas
e químicas: tem aquela configuração/cor/humidade/temperatura.
Uma vez estabelecido o registo fáctico da realidade – a constatação do facto que não foi
recolhido para os efeitos e propósitos ou finalidades do artigo 494º – acaba por na realidade ter
uma leitura semelhante a de um meio de prova - porque é utilizado para demonstrar como
prova de que efetivamente aquela realidade –situação fáctica tem aqueles contornos e tal é
facilmente comprovado por causa da utilização de uma câmara de raios infra-vermelhos que o
valor em graus da humidade foi possível saber que as paredes não foram devidamente isoladas.
Facilmente estes valores são objetivamente aceites pelos interessados e não faria sentido
prosseguir qualquer discussão. O litígio que seria presumivelmente um “litigio inter-partes”
representadas por vizinhos, deixa de ter “interesse” porque os fundamentos que deveriam ser
discutidos e apurados para a descoberta da verdade da causa e fazer-se justiça, já estão
clarificados e de nada serve recorrer judicialmente, quando não há nada para discutir.

48
A declaração por constatação dos factos tem o interesse de, quando requerida por uma das
partes ou por ambas, simplificar todas as questões pendentes ou que possam estar em dúvida,
porque o registo da realidade através dos meios tecnológicos e digitais não deixa margem para
outras interpretações. Hoje sabemos que o registo em vídeo é melhor do que mil palavras...em
poucos segundos a situação aparece completamente aos olhos e ouvidos de todos, permitindo
tirar as conclusões.
Um pleito pode ser evitado, acaba por ser um “não assunto” - a certeza de que tudo pode ser
resolvido, sem qualquer processo litigioso, torna este mecanismo ainda mais valioso porque
permite de facto poupar muito tempo e dinheiro. A pacificação das relações entre famílias e
vizinhos, na resolução de acidentes de viação com celeridade e certezas na atribuição das
responsabilidades.
A revelação da realidade com clareza e segurança devolve às pessoas a confiança para
argumentar sumariamente em sede de mediação ou de arbitragem, meios de resolução
alternativa de litígios, ou seja, extra- tribunais, pugnando pela celeridade, a simplicidade e o
baixo custo.
Este meio de constatação dos factos e que a qualquer momento pode ser usado como meio de
prova, também pode servir, não só para evitar, como também para prevenir um pleito, muitas
vezes longo, incerto e oneroso. Ninguém estará legitimado para intentar uma ação se ficar
registado em vídeo as declarações um pai de família, que antes de morrer deixa a sua última
vontade sobre o património e a forma como o deseja ver repartido entre os filhos...

3.2 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO MEIO DE PROVA

A constatação dos factos é hoje um meio de prova cuja janela o legislador abriu através do
artigo 494º. do CPC – independentemente do principio da livre apreciação da prova do Juiz. Os
meios de prova usados em Juízo são cada vez mais sofisticados, produzidos ou encontrados,
privilegiando os meios obtidos de forma técnica, ou mediante meios profissionais e
tecnológicos ou em ambiente de laboratório. São as “novas provas” que resultam do uso
exclusivo das tecnologias para a sua obtenção, tais como o DNA, a balística, as impressões
digitais, as experiências biológicas, as mensagens de texto, as SMS, as MMS, o IP, a assinatura
electrónica, os emails...
A interpretação destas provas é também um novo desafio colocado ao Juiz.

49
3.2.1 A constatação dos factos como prova na venda de coisas defeituosas

Nesta matéria aplica-se o regime legal da venda de coisas defeituosas vertido no Código Civil,
como se pode ver do acordão do STJ de 25/10/2012, Proc. nº 3362/05.TBVCT.G1.S164
“Decorre do disposto no art. 913.º do Código Civil que se a coisa objecto da venda sofrer de
vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as
qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, é
reconhecido ao comprador o direito à anulação do contrato – art. 905.º do Código Civil -, ou
à redução do preço – art. 911.º do Código Civil -, e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos
sofridos – arts. 908.º e 909.º do mesmo diploma legal”.
E continua o texto do mesmo Acórdão “Para além do direito à anulação por erro ou dolo, o
regime da venda de coisa defeituosa confere ainda ao comprador os direitos à reparação ou
substituição da coisa - art. 914.º do Código Civil -, à indemnização em caso de simples erro –
art. 915.º do Código Civil -, ao cumprimento coercivo ou à indemnização respectiva – art. 918.º
do Código Civil - e à garantia de bom funcionamento – art. 921.º do Código Civil. Os vários
meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do
Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-
se estruturados de forma sequencial e escalonada. 65

O regime aplicável ao não cumprimento das obrigações também se aplica ao facto de a coisa
se deteriorar, depois de vendida e antes de entregue, ou se a coisa adquirir vícios ou perder
qualidades, ou ainda se a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género
nos termos do artigo 918.º do Código Civil. Os defeitos da obra podem verificar-se muitos anos
depois da entrega da obra ao dono da mesma. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício
ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo. A denúncia deverá ser
feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
No caso de a coisa vendida ser um imóvel, os prazos referidos são, respectivamente, de um e
de cinco anos para a denunciar o defeito (artigo 916.º do Código Civil).

64
www.dgsi.pt/jstj.nsf/.../f642f20e11460d8f80257aa30048954b
65
Vide Acórdãos do STF: de 4/11/2004, Proc. nº 04B086; de 31/01/2012, Proc. nº 13/2002.L1.S1; de 24/05/2012, Proc. n.º
1288/08.4TBAGD.C1.S1, todos em www.dgsi.pt

50
Se a venda de coisas defeituosa se inserir numa relação de consumo, ou seja dentro de um
contrato de consumo, e encontramos a definição de consumidor no artigo 2º da Lei de defesa
do consumidor.66

Mas o que importa para efeitos deste estudo, é que o comprador, o consumidor deve demonstrar
que o produto, o objeto, a prestação não funciona, não corresponde ao pretendido pelo
comprador.
Por exemplo, em sede de constatação dos factos, a detecção de avarias ou de roturas nos
materiais ou produtos – principalmente se forem condutores de água ou de gás – deve ser
maximamente não invasiva para que as reparações sejam rápidas, seguras e pouco onerosas,
permitindo o funcionamento normal das instalações afectas a unidades de produção, de
indústria, de bombas, de motores, de sistemas de ar condicionados, de laboratórios, de hospitais,
de distribuição de materiais inflamáveis ou perigosos, de combustíveis, de telecomunicações
ou de serviços públicos cuja utilização deve ser mantida em segurança.
Com um detector de gás procede-se à deteção de fugas em tubagens enterradas aplicando gás
traçador. A técnica do gás traçador é um método experimentado e testado para localizar roturas.
Face às suas características é uma tecnologia não destrutiva para detetar avarias. Esta técnica
pode ser usada em redes de distribuição de gás e água, gasoductos de edifícios, sistemas de
aquecimento, cabos de comunicação pressurizados, linhas de alta tensão com gás e aterros
selados com dupla camada de membrana. É igualmente usado para testar a existência de fugas
em produtos industriais, tais como tubagens, bombas, blocos e perfis aerodinâmicos de motores.
A deteção de fugas de gás por gás marcador envolve a alimentação de uma mistura de 95% de
azoto (gás de transporte) e 5% de hidrogénio. O hidrogénio ao escapar pelo local da rotura é
detectado pelo sensor altamente sensível. A baixa quantidade de hidrogénio (apenas 5%)
significa que este método é seguro: o gás é incombustível de acordo com a norma ISO 10156,
graças à utilização de azoto como gás de transporte. Não sendo tóxico, a sua utilização é
permitida em redes de água potável, além de ser uma mistura não-corrosiva, é uma excelente
tecnologia não invasiva para detectar avarias.
Quanto à Termografia infravermelha é uma frequência eletromagnética emitida por um corpo
com intensidade proporcional à sua temperatura, e através do seu este método podemos analisar
a distribuição de calor num local específico desse mesmo corpo. A Termografia Infravermelha

66
A Lei de Defesa do Consumidor, Lei nº 47/2014 de 28 de julho que veio revogar a Lei nº 24/96, de 31 de Julho.

51
é a ciência de aquisição e análise de informações térmicas a partir de dispositivos de obtenção
de imagens térmicas. A câmera com termovisor, câmara termográfica, termocâmera é uma
câmera infravermelha ou câmera térmica de elevado desempenho, totalmente radiométrica, e é
ideal para a detecção de avarias em instalações eléctricas, equipamento electromecânico,
equipamento de processos e equipamento de AVAC/R, entre outros. Permite medir a
temperatura e dar uma imagem através dos raios infravermelhos bem definida do local exacto
da avaria.

3.3 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO GARANTIA DO CUMPRIMENTO DOS


CONTRATOS CIVIS

A constatação dos factos é um instrumento para garantir o cumprimento pontual, integral e de


boa fé pelas partes nos contratos civis. Referimo-nos a um amplo domínio de contratos cujas
obrigações contratuais podem ser previamente “garantidas”, senão cujo cumprimento
claramente acautelado pelas partes;
Considerando um vastíssimo acervo de contratos civis (sem exaustão – até porque vigora nos
contratos o principio da liberdade contratual. Relembramos aqui o principio vertido no artigo
405º do Código Civil “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente
o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir
nestes as cláusulas que lhes aprouver (nº1). As partes podem ainda reunir no mesmo contrato
regras de dois ou mais negócios67, total ou parcialmente regulados na lei (nº2).
A título de exemplo, e não de forma exaustiva, podemos indicar as seguintes figuras
contratuais civis68:

67
Limitações ao principio da liberdade contratual: Proibição de contratar com determinadas pessoas: a) Artigo nº
579.º a 876.º - venda de coisas litigiosas b) Artigo nº 877.º - Venda de pais para filhos c) Artigo nº 953 - Doação
a favor de pessoas abrangidas pelas indisponibilidades. Limitações ao principio da liberdade contratual: Limites à
fixação do conteúdo dos contratos a) Artigo nº 280 - Negócios quanto a ordem pública e aos costumes b) A
cláusulas típicas aprovadas pelo legislador; c) As cláusulas que resultem de tratados ou convenções internacionais
vigentes em Portugal; d) A contratos submetidos a normas de direito público; e) A actos do direito da família ou
do direito das sucessões; f) A cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. g) Cláusulas
contratuais gerais – DL 446/85 de 25 de Outubro (5ª versão - a mais recente (DL n.º 323/2001, de 17/12)).

68
MENEZES LEITÃO, L. – Direito das Obrigações III, Contratos em Especial, Almedina, Coimbra 2009, 6ª
Edição.

52
- Contrato de arrendamento sem fiador e com fiador; Contrato de abertura de crédito garantido
por hipoteca e o Contrato de cessão de créditos; Contrato de cessão de herança e o Contrato de
cessão de quinhão hereditário a título gratuito; o Contrato de compra e venda de quinhão
hereditário; O Contrato-promessa de cessão de posição contratual (Artigo 410º e 424º, ambos
do Código Civil) e o Contrato de cessão de posição contratual (Artigo 424º do Código Civil);
o Contrato de comodato e Contrato de comodato a termo certo; o Contrato-promessa de compra
e venda; o Contrato promessa de compra e venda (bem móvel) (Artigo 441º do Código Civil);
o Contrato de compra e venda (artigo 874º do Código Civil) a prestações (bem imóvel); o
Contrato de compra e venda a prestações (bem móvel)(Artigo 934º do Código Civil) ; o
Contrato de compra e venda com cláusula de preferência; o Contrato de compra e venda de bem
imóvel com empréstimo bancário garantido por hipoteca; o Contrato de compra e venda com
reserva de propriedade (Artigo 934º do Código Civil); o Contrato-promessa de compra e venda
e permuta como pagamento; o Contrato de compra e venda de prédio rústico para revenda; o
Contrato de compra e venda de usufruto; o Contrato de compra e venda em consignação; o
Contrato de constituição de direito de superfície; o Contrato de constituição de hipoteca (Artigo
688º do Código Civil); o Contrato de constituição de penhor; o Contrato de constituição de
propriedade horizontal; o Contrato de depósito; o Contrato de distrate de doação; o Contrato de
divisão; o Contrato de doação; o Contrato de doação com reserva de usufruto; o Contrato de
doação com reserva do direito de dispor e cláusulas modais; o Contrato de doação por conta da
legítima e com reserva de usufruto; o Contrato de doação por força da quota disponível e com
condição; O Contrato de fiança; O Contrato de garantias - penhor de coisa; O Contrato de mútuo
com garantia; O Contrato de mútuo gratuito; O Contrato de mútuo oneroso; O Contrato de
permuta; o Contrato de usufruto; o Contrato-promessa de partilha por divórcio; o Contrato-
promessa de permuta; o Contrato-promessa de venda de veículo automóvel; a Convenção
antenupcial; a Dação em cumprimento; a Declaração de consentimento de venda; a Dispensa
de colação; a Divisão de coisa comum; o Empréstimo bancário garantido por hipoteca;
Estatutos associativos; Estatutos de condomínio; a Renúncia ao usufruto; a Servidão; a
Constituição de servidão; a Constituição de propriedade horizontal; etc.

As partes anexam ao contrato, por mútuo acordo, ou unilateralmente, elementos demonstrativos


da constituição - que pode incluir a complexão e a composição dos “bens/ou a descrição das
“situações” em causa – das obrigações contratuais assumidas pelas partes. A constatação dos
factos é no essencial uma ferramenta prática para efetuar esse registo.

53
Podem juntar qualquer tipo de reprodução dessa realidade: vídeos, fotografias, áudios ou um
conjunto desses elementos, sob qualquer “forma ou espécie” no que diz respeito ao ficheiro
usado (jpg, jpeg, png, doc, pdf, gif, zip, rar, tar, html, swf, txt, xls, docx, xlsx, odt....) com a
garantia de que estes elementos complementares aos texto da minuta contratual vinculam as
partes ao cumprimento.
As partes poderão acompanhar o cumprimento do contrato - a que se referem as disposições
das vontades negociais e ou as obrigações negociais vinculadas, estão representadas e
efetivamente são o objeto/conteúdo das obrigações contratuais pontuais, integrais e de boa fé
contratual. A constatação dos factos pode ser um mecanismo de “verificação” do cumprimento
do contrato pelas partes, mas também pode ser um mecanismo de “avaliação” do cumprimento
para determinar a existência de responsabilidades contratuais mútuas previstas previamente,
mas que poderiam ser consideradas a final ou em liquidação de sentença, se tal fosse o caso.

A constatação dos factos participa para facilitar o cumprimento contratual pontual das
obrigações por um lado, concretizando o seu objeto. Por outro lado, relativamente ao
contratante de quem se espera um comportamento ativo, impendem obrigações de facere dentro
de limites muito claros e bem determinados, em que as obrigações exigíveis se inscrevem num
quadro real multidimensional que resultou do levantamento da constatação dos factos.

Por outro lado, a constatação de factos permite, perante a observação do “status quo ante”
verificar a quantidade, tipo, quantidade e montante dos danos provocados na e pela “coisa”, ou
se se tratar de uma obrigação, ou várias, o incumprimento da mesma, o defeito no cumprimento,
o prejuízo causado pelo incumprimento, o prejuízo pelo cumprimento defeituoso. A
constatação dos factos pode permitir esta “conclusão fáctica” com muita precisão demonstrando
com muita complexidade a razão, a causa e a quantidade e ou gravidade dos prejuízos sofridos.
Por outro lado, o rigor do conjunto de informações obtido através da constatação dos factos
permite fixar o quantum indemnizatório com muita acuidade, não apenas dos danos materiais
como também dos danos morais, dos danos emergentes e dos lucros cessantes.
A constatação dos factos serve também para registar um contrato civil para memória futura.

54
3.4 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS COMO GARANTIA DO CUMPRIMENTO DOS
CONTRATOS COMERCIAIS

A balança comercial portuguesa resulta da diferença entre exportações e importações


para bens e serviços efetuados pelo país. O comportamento das exportações, tanto de bens
como de serviços, tem sido um dos aspetos mais assinaláveis do processo de ajustamento da
economia portuguesa, propiciando uma marcada reorientação de recursos produtivos para
sectores mais expostos à concorrência internacional. As exportações de bens e serviços deverão
situar-se em 2019 cerca de 60 por cento acima do nível registado em 2008.69 Este aumento da
abertura ao exterior será acompanhado de um crescimento forte do investimento empresarial
ao longo do horizonte de projecção, que continuará a beneficiar da manutenção de condições
monetárias e financeiras acomodatícias e de perspetivas favoráveis quanto à evolução da
procura global. Por seu turno, o consumo privado – apesar de uma melhoria no mercado de
trabalho e de níveis de confiança elevados – manter-se-á condicionado pelo baixo crescimento
dos salários reais e pela necessidade de continuação do processo de redução do nível de
endividamento das famílias70. No período 2017-2019, o contributo das exportações para o
crescimento do PIB manter-se-á superior ao contributo da procura interna (líquidos dos
respetivos conteúdos importados). Neste contexto, a economia portuguesa deverá manter, ao
longo do horizonte de projeção, uma capacidade de financiamento face ao exterior, o que
constitui uma caraterística muito importante do processo de recuperação em curso. Esta
indicação é reforçada pela evolução positiva dos indicadores de investimento e exportações
referentes ao início de 2017, bem como pela manutenção de um elevado nível de confiança dos
agentes económicos, tanto no que se refere aos consumidores como à generalidade dos setores
produtivos da economia. Com efeito, em 2016, a atividade económica acelerou claramente do
primeiro para o segundo semestre do ano. A aceleração ao longo do ano traduziu inter alia (i)
a recuperação das exportações extracomunitárias, com destaque para Angola, (ii) a aceleração
das exportações intracomunitárias, nomeadamente para Espanha, (iii) a concretização de

69
BANCO DE PORTUGAL • Projeções para a economia portuguesa: 2017-2019, p.7

70
BANCO DE PORTUGAL, Projeções para a economia portuguesa: 2017-2019, p.7

55
decisões de investimento, num contexto de redução da incerteza sobre a evolução da economia
nacional, e (iv) a dissipação de alguns fatores de natureza temporária, nomeadamente
associados ao setor da construção.

A confiança dos investidores em Portugal passa medidas que permitem melhorar o acesso ao
financiamento, em que investimento deveria ser reforçado com reformas que melhoram o
ambiente de negócios, reduzindo os custos para as empresas e aumentando as expectativas de
rentabilidade do capital investido. Portugal já desenvolveu um conjunto impressionante de
reformas estruturais embora algumas não tenham sido implementadas na íntegra.

Para que os investidores estrangeiros estabeleçam compromissos comerciais e industriais em


Portugal, é fundamental que os contratos comerciais e os interesses económicos que estes visam
satisfazer, ganhem vitalidade e sejam animados pelo cumprimento, por valores de respeito pela
plena responsabilidade das partes em assumir as suas obrigações, porque esta é uma fonte
privilegiada para estabelecer a confiança para novos contratos se formalizem.
Os significativos atrasos judiciais registados em 1,35 milhões de processos, continuam, apesar
dos progressos já alcançados, em especial nos tribunais de primeira instância que lidam com a
execução de contratos. Os processos de natureza cível continuam a demorar mais de 500 dias a
serem decididos, o que é muito numa comparação internacional71. Um novo código de processo
civil conseguiu resolver algumas destas insuficiências ao atribuir uma maior independência
processual aos juízes, reduzindo o número de recursos e possibilitando a mediação e a resolução
extrajudicial em diferentes fases de um processo civil. Uma das reformas da justiça passa pela
utilização de tribunais especializados para reduzir a duração dos julgamentos. Portugal detêm
os tribunais especializados sem juízes especializados. Há uma margem para reduzir a margem
a duração dos julgamentos através de um aumento do número de tribunais do comércio
dotando-os de juízes especializados.

Por outro lado, a redução de encargos administrativos para as empresas reduz os custos e
aumenta a rentabilidade do capital investido – o novo programa Simplex+2016 que inclui um
único programa de procedimentos administrativos simplificados e uma única licença ambiental

71
INE 2015, Estatisticas da Economia Portuguesa in
https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE&xlang=pt com acesso em Agosto 2017
56
que consolida os 11 procedimentos em vigor. As grandes empresas são as que mais se debatem
com pesados requisitos de licenciamento.72

É neste quadro da actual conjuntura portuguesa que se inscreve a constatação dos factos e a
importância para o reforço da confiança e da segurança dos investidores estrangeiros e
nacionais. A economia depende destes factores e a sua retoma consistente também, desde que
haja garantias mediatas e imediatas para o exercício do comércio, da indústria e dos serviços
da construção.

Quanto aos contratos comerciais e aos actos de comercio, em particular podemos basear-nos no
artigo 2º do Código Comercial, que qualifica como actos de comercio “todos aqueles que se
acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações
dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio
acto não resultar”.

Quanto aos contratos de natureza comercial, podemos enumerar alguns, seguindo a


metodologia usada com os contratos civis:
Como contratos especiais de comércio conhecemos ao abrigo do Código Comercial, o mandato
(arts. 231 a 277), a Conta Corrente (arts. 344 a 350), as Operações de Bolsa (arts. 351 a 361),
as Operações de Banco (arts. 362 a 364), o Transporte (arts. 366 a 393), o Empréstimo (arts.
394 a 396), o Penhor (arts. 397 a 402), o Depósito (arts. 403 a 407), a Compra e Venda
comercial (arts. 463 a 476), o Reporte (arts. 477 a 479), o Escambo ou Troca (art. 480), o
Aluguer (arts. 481 e 482), a Transmissão e Reforma dos Títulos de Crédito (arts. 483 e 484). A
locação comercial, o empréstimo, a Associação em participação, o consórcio, a representação
e o mandato comerciais, o contrato de seguro, os contratos bancários, e o contrato de transporte,
o contrato de agência, o contrato de concessão comercial, o contrato de franquia (franchising),
o agrupamento complementar de empresas (ou ACE), a aquisição de títulos de crédito ou
negócios na bolsa (artigo 463º nº5 do CCom), são contratos que têm importância na vida
económica quer dos intervenientes diretos no contrato, quer de toda atividade e equilíbrio
financeiro do país.

72
OCDE, Estudos Económicos da OCDE: Portugal 2017, p.37-38

57
Tanto nas negociações preliminares (presumindo-se que existe uma fase prévia negocial) como
na fixação livre do conteúdo dos contratos a celebrar (artigo 405º nº 1 do Código Civil) ainda
que com clausulas diferentes das previstos na lei, ou incluindo nestes as cláusulas que as partes
entenderem por conveniente, devem as partes, e ponderando os respectivos interesses e os
meios de os prosseguir, assumir, com discernimento e liberdade, determinados requisitos73:
A. Requisitos subjectivos
Os contraentes tenham capacidade (capacidade de gozo e de exercicio (artigos 67.º e 122.º e ss
do Código Civil); A capacidade é um requisito de validade dos contratos.

B. Requisitos objectivos
O objecto seja possível- É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente
impossível, contrário à lei ou indeterminável (artigo 280.º do Código Civil)

C. Haja mútuo consenso - o acordo das vontades (artigo 232ºdo Código Civil).
O Principio do Consensualismo que se consubstancia no acordo de vontade para a perfeição do
contrato. (Artigos 217.º e 219.º do Código Civil).
Mas a celebração do contrato pode necessitar de um documento escrito ou da intervenção de
um notário, caso assim a Lei o imponha.

D. O Principio da boa-fé na formação dos contratos – artigo 227.º


O Principio da boa-fé na execução dos contratos – artigo 239.º
O Principio da boa-fé no cumprimento das obrigações contratuais – artigo 762.ºnº 2.

Exemplos no âmbito dos contratos comerciais: para certificar o estado de uma mercadoria que
acaba de sair de uma fábrica e que vai ser expedida para o estrangeiro. Para guardar um contrato
para memória futura, etc.

73
ENGRÁCIA ANTUNES, J. Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, págs. 406 e ss.

58
3.5 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NO COMÉRCIO ELECTRÓNICO

A constatação dos factos é uma forma de tornar as transações comerciais na internet mais
seguras para quem “tem medo”, ou acredita que fazer compras online envolve certos riscos para
a identidade pessoal e riscos patrimoniais de fraude patrimonial, através da clonagem de cartões
de crédito e de phishing, e ainda de smishing, de vishing, de spear-phishing que são formas
específicas de phishing.74
Hoje sabemos que a encriptação não é infalível e que os protocolos usados não são testados a
maior parte das vezes. Por outro lado, problemas como trocas de artigos, defeitos de artigos,
demora de entregas, insatisfação com as compras, publicidade enganosa, cobrança de taxas
indevidas, etc...são também ocorrências do E-Commerce.

O Comércio electrónico ou e-Commerce é um conceito aplicável a qualquer tipo de negócio ou


transacção comercial que implique a transferência de informação através da Internet (desde
sites de retalho destinado a consumidores, a sites de leilões, passando por comércio de bens e
serviços entre organizações)75.

Atualmente, o comércio electrónico, em Portugal, vale aproximadamente 49 mil milhões de


euros (31% do PIB segundo a ACEPI)76. Na Europa, estima-se que chegará aos 248 biliões, até
2017, o que significa um crescimento de 11%, ao ano. Entre os cidadãos portugueses, cerca de
um quarto compra online (2,5 milhões) e em 2017, os valores deverão rondar os 35% da
população (3,5 milhões). Com estes dados, percebe-se claramente o impacto que o E-
Commerce tem na rotina diária dos utilizadores, na geração de valor económico e na criação de
novos postos de trabalho. Entre os cidadãos portugueses, cerca de um quarto compra online
(2,5 milhões) e em 2017, os valores deverão rondar os 35% da população (3,5 milhões).

74
Sobre estes métodos utilizados para obter dados confidenciais de utilizadores. Do inglês “fishing” – pescar –
uma vez que estes grupos lançam o anzol e fazem-se passar por entidades geralmente conhecidas e credíveis, para
obter acesso a contas privadas vide em apropriação de dados https://www.internetsegura.pt/riscos-e-
prevencoes/phishing consultado em agosto de 2017.
75
http://www.acepi.pt/artigoDetalhe.php?idArtigo=92026 consultado em julho de 2017
76
http://www.acepi.pt/artigosTipoCategoria.php?idTipoCategoria=39 consultado em julho de 2017
59
Todavia, o nível de digitalização entre as empresas é muito variável, e se temos empresas off-
line cujo negócio está fora do mercado virtual designadas de brick-and-mortar, a conviver com
empresas virtuais pure–play organizations, cujo negócio é exclusivamente online. Entre os dois
casos extremos, existem as empresas click-and-mortar, que apesar de estarem presentes no
mercado digital, têm o seu foco de negócio no mercado tradicional.

Existem quatro tipos de E-Commerce: B2B, B2C, C2B e C2C, e cada tipo de relação comercial
usa uma abordagem de comunicação ou de marketing diferente 77:
Realizar as transações eletronicamente proporciona amplas vantagens competitivas sobre os
métodos tradicionais, porque o cliente pode comprar a qualquer hora, em qualquer local, a um
preço mais baixo do que na marca, tem mais escolha de produtos, mais informação e não tem
de se deslocar 78. Mas a sua compra deixa um registo – uma história pessoal que vai definindo
o perfil enquanto consumidor e traçando um retrato robot de alguém como o consumidor à
medida em que faz as suas compras online. O próprio site ajudará e sugerirá ao consumidor
produtos para comprar. Um consumidor de produtos online é muito cuidadoso ao escolher os
sites onde pode fazer as suas compras, e normalmente não muda as suas preferências, a não ser
que tenha ficado muito descontente, porque esta fidelização é uma forma de garantir a sua
segurança como utilizador/comprador: - já tem inscrição/registo online onde está o seu

77
Formas de E-Commerce: (1) O Business to Business (B2B) é uma relação de negócios estabelecida entre
empresas. Incluem-se fabricantes e lojas no caso de produtos físicos, empresas que vendem serviços digitais a
outras empresas como por exemplo o caso da General Electric. Os negócios B2B permitem transações simultâneas
entre clientes e/ou fornecedores. (2)- O Business to Consumer (B2C) já é uma relação comercial estabelecida entre
a organização/empresa e o cliente final. Neste caso as empresas online vendem serviços e produtos ao consumidor.
É o tipo de E-Commerce mais conhecido, como a Amazon, o Continente, por exemplo. (3)- O Consumer to
Business (C2B) existe no caso de um consumidor fornecer um produto ou serviço a uma empresa com a finalidade
de esta completar um processo de negócio ou ganhar vantagem competitiva. O consumidor tem de criar
determinado valor para uma empresa/organização que depois o remunera em função do resultado obtido. Esta
criação de valor ou de vantagem competitiva pode ocorrer através de várias formas: a)- Se o consumidor C2B
privilegia a afiliação, ou seja, o pagamento ao consumidor resulta do ganho de oportunidades reais de negócio
com a promoção da marca no blog, ou na rede de amigos da empresa (por ex: a Amazon tem este tipo de
programa); b)- Ou o C2B pode apostar na referenciação, em que a empresa paga ao consumidor se for ela for
indicada ou referenciada concretamente– por exemplo a startup de recrutamento portuguesa Jobbox.io que paga a
quem referenciar candidatos a emprego que venham a ser efetivamente contratados; c)- Ou ainda C2B que usa a
publicidade – em que o consumidor adiciona publicidade de produtos ou serviços no seu site ou blog e as marcas
pagam por cada impressão ou clique na publicidade da marca – o “Google Adsense” é o melhor exemplo deste
modelo, tendo simplificado o processo no qual os bloggers, ou donos de um site pessoal, são pagos pelos anúncios
clicados. (4)- O Consumer to Consumer (C2C) é um modelo de E-Commerce que consiste na negociação entre
dois consumidores, normalmente, estabelecida através de um site mediador, e podemos citar os exemplos do OLX,
ou do EBay.Vide in https://pt.eduke.me/tudo-o-que-precisa-saber-sobre-e-commerce/consultado em agosto de
2017.

78
https://www.ptcommerce.net/ecommerce/e-commerce-portugal-1.html consultado em agosto de 2017

60
histórico, pode usar o seu cartão de crédito para efetuar pagamentos utilizando um site de
pagamentos seguros como por exemplo o PayPal, o MBnet, o Moneybookers, o Paysafecard,
ou fazer uma transferência bancária. 79
A constatação de factos tem nesta área incerta um papel muito importante porque não basta
tirar um print para provar o que sucedeu. Não havendo outros meios de prova, nomeadamente,
prova testemunhal, para declarar que efetivamente a encomenda foi pedida e foi paga na sua
totalidade. Mas, entretanto, o vendedor que tinha confirmado a existência de, para constatar a
situação de incumprimento das obrigações negociais no âmbito da execução do contrato de E-
Commerce. 80 Quando se reclama de uma ação por parte de um vendedor, há logo muitas

3.6 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NO ÂMBITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL


E DA CONCORRÊNCIA DESLEAL

A propriedade industrial é essencial para o processo de desenvolvimento económico associado


ao desenvolvimento científico e tecnológico (I&D) ao crescimento sustentado e sustentável da
economia, inspirando e protegendo os resultados das actividades criativas e
inventivas. Constituindo um dos factores competitivos mais relevantes de uma economia
orientada pelo conhecimento, dirigida à inovação e assente em estratégias de marketing
diferenciadoras. A propriedade industrial assume-se, igualmente, como mecanismo regulador
da concorrência e garante da protecção do consumidor.81 A propriedade industrial82 é um dos
pilares das políticas macroeconómicas ou das estratégias empresariais, modernas e
competitivas, condicionadas por uma sociedade de informação e por uma economia
globalizada.
A protecção e a valorização dos Direitos de Propriedade Industrial83 são duas realidades
indissociáveis. As criações intelectuais podem ser objeto de um direito de propriedade – um
direito de propriedade industrial. Este direito permite assegurar o monopólio ou o uso exclusivo

79
https://www.cec.consumidor.pt/topicos1/comercio-eletronico/...internet/meios-de-pagamento.aspx

81
www.inpi.pt consultado em agosto de 2017

83
Enquanto a Propriedade Industrial tem por objeto a proteção das invenções, das criações estéticas (design) e
dos sinais usados para distinguir produtos e empresas no mercado, o Direito de Autor visa a proteção das obras
literárias e artísticas (incluindo as criações originais da literatura e das artes).
61
sobre uma determinada invenção, uma criação estética (design) ou um sinal usado para
distinguir produtos e empresas no mercado.
O Código da Propriedade Industrial (CPI)84 prevê diversos tipos criminais que consistem na
violação do exclusivo da propriedade industrial alheia. Assim para as patentes de invenção
(261.º), modelos ou desenhos industriais (263.º), marcas (264.º), recompensas (267.º-a) e nomes
e insígnias (268.º). Os logótipos, as denominações de origem e as indicações geográficas não
estão incluídos. Noutros tipos não há violação de direitos exclusivos, mas antes apenas uso
ilegal, seja por titular do direito (no caso das marcas), seja por actos de falsidade promocional.

As patentes, as marcas, os desenhos ou modelos e outras modalidades conferem direitos


exclusivos que se traduzem na possibilidade de impedir que um terceiro, sem consentimento
do titular explore um produto ou um processo objecto de patente; use uma marca igual ou
semelhante para os mesmos produtos ou afins; utilize o desenho ou modelo protegido 85.

Os programas informáticos não são patenteáveis, sendo considerados como obras intelectuais
próprias do direito de autor. Existe, contudo, uma exceção a esta exclusão: quando o objeto da
invenção não é apenas software, como tal. Isto significa que, quando um programa informático
serve como um meio para produzir um determinado efeito técnico que constitui o objeto final
da patente, considera-se que existe uma invenção que recorre a um computador (entendido este,
em sentido lato, como qualquer hardware) para materializar-se. Falamos então de invenções
implementadas por computador. Uma invenção implementada por computador é uma invenção
cuja aplicação envolve o uso de um computador, de uma rede informática ou de outro aparelho
programável, tendo a invenção uma ou mais características, realizadas total ou parcialmente
por meio de um programa de computador. Tal como acontece com todas as invenções, as

84
O novo Código da Propriedade Industrial, alterado a sétima vez pela Lei n.º 46/2011, de 24/06; teve a sua 6ª
versão com a Lei nº 56/2008 de 28/08. O Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, estava já em muitos aspectos
desactualizado. Podemos citar a transposição da Directiva n.º 98/44/CE, de 6 de Julho, relativa à protecção das
invenções biotecnológicas e a Directiva n.º 98/71/CE, de 13 de Outubro, relativa à protecção legal de desenhos e
modelos, e o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Industrial relacionados com o Comércio
(ADPIC), celebrado no âmbito da Organização Mundial do Comércio, da qual Portugal é Estado membro, de pleno
direito, desde Janeiro de 1996. Incorpora o Decreto-Lei n.º 106/99, de 31 de Março, que regulamenta e disciplina
o Regulamento n.º 1768/92/CE, de 18 de Junho, relativo à criação de um certificado complementar de protecção
para os medicamentos e o Regulamento n.º 1610/96/CE, de 23 de Julho, relativo à criação de um certificado
complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos, sem esquecer o alinhamento com as mais recentes
propostas da comissão sobre modelos de utilidade, in pthttp://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_main.php consultado em
agosto de 2017.

85
http://www.marcasepatentes.pt/index.php?section=459 consultado em agosto de 2017

62
invenções implementadas por computador só são patenteáveis se tiverem um carácter técnico,
forem novas, impliquem uma contribuição técnica inventiva ao estado da técnica e, além disso,
tiverem uma aplicação industrial86.

Os titulares dos direitos de propriedade industrial, uma vez registados, passam a dispor de
diversos meios para reagir contra a sua usurpação. O legislador previu no artigo 321º meios
legais para a protecção da patente (art. 101º nº1), do modelo de utilidade (art. 144º n.º1) e da
topografia de produtos semicondutores (art. 101 n.º 1 ex vi art.159º) contra quem fabricar os
artefactos ou produtos que forem objeto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de
produtos semicondutores. Proíbe-se a contrafacção dos artefactos ou produtos87. A contrafacção
é uma reprodução fraudulenta em prejuízo do titular do direito protegido. É o fabrico sem o
consentimento do titular que preenche o tipo legal de crime. Empregar ou aplicar os meios ou
processos que forem objeto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos
semicondutores, e para quem importar ou distribuir produtos obtidos por qualquer dos referidos
modos.
A contrafacção e a imitação são crimes nos termos do artigo 322º. A contrafacção é a
reprodução ou cópia servil de outra marca enquanto que a imitação traduz-se na cópia não
servil, a marca não é igual mas semelhante provocando confusão no consumidor. O uso
exclusivo conferido ao titular compreende o direito ao fabrico, à exploração e à distribuição
dos produtos.
A constatação dos factos será determinante para demonstrar sem margem de dúvida que um
produto, uma invenção nova, um modelo de utilidade ou topografia do produto semicondutor
estava à disposição dos clientes de uma superfície comercial que não tinha qualquer autorização
para vender ou expor o produto.
Nos termos do artigo 324º será punido quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos
contrafeitos. Este tipo legal de crime só é preenchido quando o agente sabe previamente ter
existido uma violação do direito ao exclusivo dos desenhos ou modelos. É condição essencial
a existência de um título de concessão outorgado pelo INPI. A ausência deste título determina
a inexistência de violação de um direito de propriedade industrial e consequentemente a
inexistência de crime. É punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120

86
www.inpi.pt consultado em agosto de 2017
87
Estão excluídas destas situações o uso dos produtos para fins próprios, para consumo próprio.

63
dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos
modos e nas condições referidas nos artigos 321.º a 323.º, com conhecimento dessa situação.
Pune-se aquele que vende, coloca em circulação ou oculta produtos provenientes da atividade
contrafactora. A acção de vender, o produto contrafeito, a acção de pôr em circulação no
circuito comercial, e aqui basta colocar em exposição para o público (alínea b) do artigo 324º),
ou a acção de ocultar, esconder os produtos contrafeitos.
Na Patente, no Modelo de Utilidade e na Topografia de Produtos Semicondutores, o que a
ordem jurídica protege é o uso exclusivo atribuído aos seus titulares e a confiança dos
consumidores na genuinidade e qualidade dos produtos.
O artigo 326º também prevê a situação de apropriação, de atribuição ilegítima de uma patente
ou modelo de utilidade, que pertence a outrem. Está em causa a forma ilícita como foi obtida a
patente ou o modelo de utilidade. Mais uma vez a constatação dos factos é a ferramenta cujo
uso deve ser privilegiado para a demonstração da falta de legitimidade na apropriação da
patente ou do modelo de utilidade. A falta de legitimidade pode ocorrer por vários motivos,
nomeadamente porque o titular do direito não é o inventor, ou porque a invenção foi conjunta
e o titular omitiu este facto, ficando com o benefício exclusivo deste direito. E ainda porque a
invenção foi feita durante a execução de um contrato de trabalho em que a actividade inventiva
estava prevista e o inventor sem dar conhecimento do facto à empresa com a qual mantém o
contrato de trabalho, regista na sua titularidade a invenção com o beneficio exclusivo.

Os crimes contra a propriedade industrial eram praticados através da reprodução de bens ou


produtos (marcas falsificadas...vendidas em feiras relativamente às quais as suas proprietárias
já não pretendem exercer judicialmente os seus direitos, porque entendem que até é uma forma
de chegarem ao público mais pobre). Os crimes mais graves são os que são praticados via online
que podem atingir milhões de euros e esses sim representam volumes de vendas volumosas e
causam prejuízos desastrosos às marcas porque efetivamente são crimes contra a propriedade
industrial (contrafação, falsificação de marca, produto, de substancia química, de principio
activo no caso dos medicamento e podem inclusivamente levar à morte de quem os consome
....). Atesta os factos da falsificação, Atesta os factos da oferta comercial falsa e enganadora;
os factos do crime costuma estar ligado com redes de lavagem de dinheiro e branqueamento de
capitais e movimentos terroristas como forma de se auto-sustentar e financiar, envolvendo
bancos e portanto outros crimes cujo âmbito é a internet: o cybersquatting, typosquatting, e os
vários tipos de phishing ou de roubos de identidade conhecidas.

64
Obviamente que os mecanismos de proteção previsto na Lei da Concorrência Desleal também
serão accionados, não numa vertente de atestação para efeitos de ilícito penal, mas como
constatação dos factos ligados à contrafacção ligada ao contrabando e à pirataria.

3.7 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NO ÂMBITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL


E NA CONCORRÊNCIA DESLEAL

Enquanto há direitos de propriedade intelectual88 que beneficiam de proteção penal como os


direitos sobre obras literárias e artísticas, as prestações conexas, os programas de computador,
as bases de dados criativas, as patentes, os modelos de utilidade, os modelos e desenhos
industriais, as marcas, as recompensas, os nomes e insígnias de estabelecimento, e os segredos
de comércio e indústria há outros que não, como o direito especial dos fabricantes de bases de
dados, os logotipos, as denominações de origem e indicações geográficas.
O uso ilegal do direito de propriedade intelectual, considerando a proibição de concorrência
desleal, pode resultar de atos de falsidade promocional por parte do titular do direito, como nos
casos de “contrabando da pirataria”.
Através da constatação dos factos vão constatar-se os defeitos materiais e formais encontrados
nos produtos contrafeitos; Atesta os factos encontrados em todos os suportes, online, off-line,
salvaguardando-os para servir como meio de prova. Hoje em dia este é um campo de actuação
em progresso porque como sabemos a vida na internet já não é a excepção, mas a regra.

O Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos tipifica dois ilícitos criminais principais, a
usurpação e a contrafacção (195.º e 197.º). Além disso, autonomiza um tipo relativo à violação
do direito moral (art. 198.º) e um outro relativo ao aproveitamento de obra contrafeita ou

88
Nota: Aqui estamos a considerar o conceito de Propriedade Intelectual em sentido amplo: propriedade
industrial mais direitos de autor e direitos conexos.
65
usurpada (art. 199.º). Ressalva-se neste caso também a aplicabilidade do regime de protecção
da concorrência desleal89.
Na questão do plágio online, fazer um Blog, fazer um site, fazer um ebook, fazer uma obra,
tudo isto são projetos que implicam recursos: as capturas “da atestação” podem ser realizadas
em sites diferentes. Por exemplo, se se pretende fazer constatar o plágio de uma página da
internet, deve-se pedir a constatação da página plagiada do site da internet e a constatação da
página que contém os elementos plagiados. O Auto conterá neste caso duas constatações.
Também pode ser usado para provar a boa fé do seu requerente: para documentar descobertas
de arquivamento com a finalidade de provar a antecipação da prova; as condições da venda; a
existência dos direitos de autor; A constatação dos factos no âmbito de um site de internet
realiza-se página a página consultada até chegar à raiz do problema – as páginas correspondem
à “captura do que o ecrã do computador apresenta” até chegar ao site em questão. No auto,
estará explicado de forma específica os vários passos seguidos para chegar à página a atestar e
finalmente a constatar. O procedimento criminal não depende de queixa do ofendido, excepto
se se tratar exclusivamente de violação do direito moral (atentados à integridade e à paternidade
do direito de autor) (art. 20.º). A edição (arts. 83.° a 106), a representação cénica (arts. 107.° a
120.°), pela recitação e execução (arts. 121.° a 123.°), pela produção de obra cinematográfica
(arts. 124.° a 140.°), a fixação fonográfica e videográfica (arts. 141.° a 148.°), a radiodifusão e
outras formas análogas de comunicação ao público (arts. 149.° a 156.°), a exposição e
reprodução de obras de artes plásticas, gráficas e aplicadas (arts. 157.° a 163.°), a tradução e
outras transformações (arts. 169.° a 172.°) e, ainda, as utilizações, se bem que integradas em
regimes especiais, de obra fotográfica (arts. 164.° a 168.°) e de jornais e outras publicações
periódicas (arts. 173.° a 175.°).90

89
Vide: Links seguintes: Sociedade Portuguesa de Autores, http://www.spautores.pt/, Education and ICT:
Copyrights and Intellectual Property Rights, http://www.en.eun.org/news/eun-ipr-report.html, Código do Direito
de Autor e Direitos Conexos, Associação Portuguesa de Editores e Livreiros;
http://www.apel.pt/legislacao/direitosdeautor.htm, Lei da Criminalidade Informática; Comissão Nacional de
Protecção de Dados, http://www.cnpd.pt/Leis/lei_10991.htm .

90
DIAS PEREIRA, A L O Código do Direito de Autor e a Internet, in www.digital-forum.net, Jurinet (2000),
Serviçosda Sociedade da Informação: Alguns Problemas Jurídicos do Comércio Electrónico na Internet, in
www.fd.unl.pt,Working Papers.

66
Na legislação avulsa portuguesa, protege-se a tradução, adaptação, arranjo e qualquer outra
alteração de um programa de computador e a reprodução dos respetivos resultados,
considerados obras derivadas, sem prejuízo dos direitos da pessoa que altere o programa de
computador, isto é, sem prejuízo de direitos de autor da obra derivada (transformada). No nosso
país, não é possível patentear os programas de computador, é possível que um determinado
programa de computador faça parte de uma patente ou modelo de utilidade, podendo gozar da
proteção que lhes poderia corresponder por aplicação de um regime jurídico de propriedade
industrial. Este tipo de invenções, que usam ou recorrem a um programa de computador, são
chamados de “invenções implementadas por computador”91

3.8 A CONSTATAÇÃO DOS FACTOS NOS CYBER-CRIMES CUJA OFENSA SÃO


DIREITOS DA PERSONALIDADE

Relativamente aos direitos da personalidade – direito ao nome, à honra, à intimidade e à imagem


– ao risco para a integridade moral (para a dignidade como ser humano em primeiro lugar, e
dignidade como pessoa social) que o internauta corre quando se regista nas redes sociais no
facebook, no twiter, no instagram....etc é enorme ou melhor, está fora do seu domínio, porque
este não imagina o que lhe pode acontecer a partir do momento em que se regista na internet.
Ao fazer o seu perfil, os seus dados deixaram de pertencer-lhe, assim como as suas fotografias.
Se pretender apagar os seus dados, não o irá conseguir de forma definitiva e não terá nenhuma
garantia de que entretanto os dados não foram transferidos para outro utilizador. Os meios legais
ao dispor são conhecidos e as fontes de responsabilidade também. As situações que se podem
colocar são inúmeras. Conceitos como segurança e privacidade passaram a ter contornos
incertos perante a facilidade com que a informação circula nas redes sociais ao dispor de
qualquer interessado. Vive-se na ilusão de dominar a vida privada e digital, sem cuidar dos
riscos a que se está exposto. É o preço que se deve pagar para estar em contacto com o mundo
à distância de um clic...(?)

91
http://www.inpi.pt, consultado em agosto de 2017
67
No mundo digital, os meios probatórios tradicionais são inoperantes, pelo que as autoridades
policiais e o tribunal de investigação criminal deve usar as cyber-tecnologias para entender o
cyber-crime e as novas tecnologias para fazer o seu trabalho. A constatação dos factos no acesso
ao facebook, no acesso ao twiter, ao Skype, a qualquer site, a qualquer IP, para determinar se
foi daquela conta e daquele IP que foi escrita aquela ofensa ao bom nome, à imagem, se foi
daquela fonte de publicação que saíram fotografias antes de serem publicadas noutros sites.
Colocar-se-ão questões sobre a legitimidade da “conta de email” da parte, sobre a assinatura
electrónica, sobre o IP do computador, sobre o tipo de informação e a sua fonte....
O Juiz pode livremente ponderar o valor desta prova – mas será difícil ficar com a convicção de
que este meio de prova é essencial para a descoberta da verdade? - além de mostrar as imagens
do site, mostra as horas, os minutos, o dia, ou seja o período durante o qual as fotografias
estiveram expostas, o número de pessoas que acederam ao site e visualizaram as fotografias,
permite inclusivamente seguir o rasto destes “voyeurs”- interessados através do IP, saber quem
levou as fotografias e para onde as levou, a quem as enviou e quantas vezes.
Recorrer à constatação dos factos nos casos de prática de crimes de difamação, ameaças,
chantagem, de roubo de identidade nos canais digitais que ofendem as pessoas e os seus bens:
os crimes praticados na internet contra a imagem, contra as crianças (pornografia infantil), o
bom nome, a vida privada e a familiar (a divulgação de fotografias, a divulgação de imagens
com informação privada...).
A constatação dos factos apresenta para as partes em litígio uma garantia de objetividade, de
neutralidade e de imparcialidade. A administração da prova, pelo tribunal, ou seja a pedido do
Juiz representa uma considerável evolução técnica que se coaduna com as mudanças
tecnológicas que a produção da prova tem registado nos últimos anos.
A constatação dos factos pode recair sobre vários sites da Internet, como no caso do plágio.
Pode também ser efetuado sobre um espaço privado, como numa caixa de correio, e neste caso
será o próprio proprietário que deverá requerer a constatação dos factos como no caso em que
há indícios de haver um ou vários crimes de difamação, em que interessa determinar
previamente o interesse da constatação dos factos e certificação dos elementos relevantes.

68
Parte III. HIPOTESES PRÁTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DA CONSTATAÇÃO DE
FACTO:

(1) O Senhor António herdou a quinta da Várzea constituída por um terreno rústico e um prédio
urbano, descritos, nas finanças sob dois artigos, o Artigo 100 e o Artigo 1388, mas ambos
omissos na conservatória do registo predial de Braga. Desinteressado de investir nos bens
deixados pelos seus pais falecidos há cinco anos e querendo investir num apartamento para
arrendar no Porto a turistas, resolve vender os bens. Acontece que as áreas dos mesmos,
tanto do prédio urbano, como do rústico, não parecem estar corretas – o que se nota a olho:
os metros quadrados inscritos nas certidões prediais das finanças, não têm nada a ver com a
realidade, porque só o terreno é três vezes maior do aquele que lá consta, e a casa tem mais
um andar, e uma garagem, duas casas de banho e três quartos.
Na constatação dos Factos constará a georeferenciação do perímetro dos imóveis das áreas
respectivas, em mapa, e os elementos integrantes dos imóveis com a rigorosa descrição de
todos dos elementos e características do imóvel e inclusivamente o seu valor patrimonial.
(2) O Senhor António é senhorio do Senhor RiCHY, britânico, natural de Oxford, tendo arrendado
o seu apartamento por 5 dias. O Senhor RiCHY veio ao Porto aliás a Gaia, na outra margem,
junto das Caves do Vinho do Porto, com a família, para provar da gastronomia portuguesa e
participar em concursos de Golf. O Senhor António mobilou o apartamento na margem de
Gaia, com móveis de bom gosto e colocou quadros a óleo da autoria da sua mulher, que é
uma pintora consagrada no mercado português da arte. Os quadros são únicos e estão
numerados porque já estiveram em exposição na Casa de Serralves. O motivo desta decoração
é poder cobrar uma renda mais elevada aos turistas estrangeiros, que se sentem privilegiados
de poder contemplar tão belas obras de arte.

69
A constatação dos factos abrangerá a existência de todos e cada um dos objetos existentes no
apartamento – a título de inventário - antes da entrada de cada arrendatário,
independentemente da duração do contrato de arrendamento.

(3) O Senhor António possui uma propriedade rústica em Pêraboa, uma localidade a doze
quilómetros da Covilhã, mas como tem sofrido de achaques de reumatismo que o têm deixado
quase paralisado dos membros inferiores, decidiu fazer uma parceria agrícola. Colocou
um anúncio no Jornal do Fundão e apareceu-lhe o Senhor Joaquim que se interessou em
partilhar a exploração da propriedade. O contratado foi: o Senhor Joaquim colheria o vinho e
o azeite e pagaria o lagar, e faria o vinho na adega da quinta. Teria direito a fazer a semeadura
em todo o resto do terreno durante o ano para seu sustento, usando a água do poço para a
rega. Mas deveria entregar ao Senhor António metade do vinho e metade do azeite obtidos,
além de um saco (daqueles que servem para transportar a semente da batata) com nozes
no dia de São Miguel, na casa do Senhor António.
Na constatação dos factos constatará a existência da totalidade do azeite e da totalidade do
vinho colhidos e da quantidade de quilos para obter um litro de cada produto no lagar e na
adega.

(4) O Senhor António tinha um prédio no centro de Braga que necessitava de algumas reparações.
Todavia, como a sua profissão de Professor de biologia em três escolas secundárias lhe
ocupava o tempo todo, não pensava muito nesse assunto. A mulher não se cansava de o avisar
acerca do perigo que podia ser se alguma telha se soltasse do telhado e viesse parar à rua
atingindo um transeunte. No passado mês, com a tempestade e as rajadas de vento a 100
quilómetros/hora, não só o telhado veio abaixo, como as traves mestras e as paredes ficaram
descobertas, tendo ficado uma enorme cratera no sitio do prédio.
Qual foi o espanto do Senhor António quando o vizinho lhe bateu à porta apresentando uma
constatação dos factos com a descrição dos vários prejuízos no seu prédio contíguo causados
nas paredes e dentro de casa pelas águas e pelos entulhos por causa do violento
desmoronamento do prédio devoluto do Senhor António.
(5) O Senhor António quer divorciar-se rapidamente mas para facilitar o processo e atendendo a
que não há filhos menores e não é necessário fazer nenhum acordo relativamente à regulação
do poder paternal, decide deixar já a casa de morada de família porque não suporta mais
viver com a mulher que tem ataques de histerismo e parte tudo o que encontra pela frente!

70
Sendo ele um homem pacífico fica profundamente alterado com o modo de ser da mulher
desde que esta sofreu um trauma num acidente de viação, e teve de fazer um tratamento
radical à base de cortisona que a fez engordar 20 quilos. Relativamente às partilhas é tudo
muito simples, excepto o recheio da casa, pelo que o Senhor António resolve pedir um Constat.
Na constatação dos factos a existência de todos os bens, a descrição dos mesmos de forma
individualizada para que seja possível a sua identificação em sede de partilhas, do estado de
conservação em que os mesmos se encontram prevendo que a sua mulher possa ter
destruído algum objeto seu (nomeadamente, as suas preciosas coleções de selos e de
borboletas).
(6) O Senhor António tem um café e à sexta feira à noite, para animar os cliente costuma
contratar um DG para colocar música na esplanada. Os clientes dançam e dão largas à boa
disposição consumindo o dobro de “minis”. O vizinho da frente, atrás da cortina, espreita,
cheio de raiva porque passam das 2 da manhã e o barulho é infernal e não há quem consiga
dormir com estes Holigans! É então que o vizinho resolve ligar para a GNR e relatar a
situação do café da frente! O vizinho tem a certeza absoluta de que o Senhor António não tem
licença para fazer barulho até àquela hora e com aquele som capaz de acordar a vizinhança
toda!
O Senhor António conhecendo o seu vizinho ja está preparado com a constatação dos factos que
atesta a que volume esteve o som na sexta feira para mostrar aos agentes da autoridade quando
lhe prestarem a visita. ..
(7) O Senhor António comprou um terreno em Afife, e mandou fazer em janeiro de 2015 uma
vivenda térrea com janelas panorâmicas e com piscina interior, com água salgada e ondas,
decorada com o fundo e as paredes com fauna e a flora marítima do caribe para as férias. O
empreiteiro, o Senhor Barata entregou-lhe a chave em agosto de 2016. Os filhos do senhor
António vieram todos do Brasil passar as férias a Portugal para a estreia da casa dos pais.
A casa cheia e animada todos os dias, o Senhor António andava muito animado, não fosse ....a
água de piscina não ser límpida...ser turva ao fim da tarde, apesar do tratamento,....e aparecer
muita arreia...não se sabe de onde.
O Senhor António intrigado ...quer saber de onde vem a areia...e já agora ...o que causa aquela
falta de transparência na água. O melhor é pedir uma verificação da situação por um técnico
que ateste o que se passa e identifique a causa do “problema”. Contratou o Solicitador Alberto
para fazer a constatação dos factos do estado das paredes da piscina, até porque sabe que a
seguir terá de convencer o seu empreiteiro a tapar umas fendas...

71
(8) Tendo havido uma trovoada e ventada tremenda no passado fim de semana, o outdoor com a
publicidade da Julia Roberts à Calcedónia com 4 metros por seis. Empenou completamente
e veio aterrar em cima da carrinha do Senhor António, que naquele dia estava estacionada
carregada com móveis antigos que tinha ido buscar à casa da mãe, a pedido desta, para
restaurar e para tentar revender por um bom preço no OLX, visto serem em folha de cerejeira
Dona Maria. Inclusivamente o Senhor António já tinha recebido uma proposta de compra da
mobília por parte do vendedor de móveis antigos de Braga, onde o Senhor António costume ir
procurar pelas vintage.
Haverá que atestar os danos provocados pelo painel caído na via, na carinha e na carga da
mesma. Chamaram o Solicitador para fazer a constatação dos factos do que se encontra na via.
(9) O Senhor António foi fazer compras ao Lidl da Figueira da Foz, mais precisamente em
Buarcos no Sábado de manhã, faz agora três semanas. Ia no seu Opel Astra Azul escuro
acabado de sair do Stand e queria comprar os chocolates e os calendários para pendurar na
árvore de Natal, para os netos...aos chegar ao parque de estacionamento...só ouviu... um género
de algo que se partiu...ficou preocupado, mas tentou avançar e o carro fazia resistência.
Saiu e apercebeu-se que meteu a roda do lado direito na fossa de esgotos porque a mesma
estava tapada com uma tampa partida que com a roda por cima dela, fez ricochete.
Deixou ficar o carro e telefonou ao amigo Bernardino para que ele viesse atestar o que se
tinha passado...afinal ele ia pedir contas do prejuízo do Lidl...que devia ter uma tampa
de esgoto do tamanho certo de forma a tapar o esgoto e não saltar cada vez que passasse um
carro. O Senhor António, partiu o eixo do Opel Astra novo e não se refez ainda do susto. Não
compreende porque é que o Lidl não colocou um triângulo ou barreiras e sinalética a avisar
que a tampa não estava em condições?! Atestar a inexistência ou a falta de uma determinada
sinalética, aviso, informação, etc. Bernardino é solicitador e atestou a situação ocorrida
naquele dia, tendo de imediato telefonado para o gerente da loja e resolvido o assunto.
(10) O Senhor António tem três armazéns para guardar importações e exportações
de roupa de grandes marca e outros acessórios de luxo a preços vantajosos – com
descontos. Os preços compensam porque apesar de os artigos serem autênticos não há
despesas com intermediários –lojistas/arrendamentos/despesas de representação e de
distribuição - além de que são comercializadas elevadas quantidades. O Senhor António
negoceia através de sites da Internet que têm uma clientela selecionada. Os empregados
Alice e Silvino encarregados de um dos armazéns, iniciaram vendas paralelas. Compraram um
lote de camisas Ralph Loren falsas que revenderam ao preço das verdadeiras, e as verdadeiras

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foram vendidas num site criado por eles, onde há algum tempo ja fazem transações de
alguns artigos do stock do Senhor António, que dizem ter vindo devolvido e estragado....
Depois de receber várias queixas de que andava a “vender gato por lebre”, o Senhor
António mandou atestar que todas as mercadorias dos armazéns para saber onde estavam
as faltas, as existências, e as “imitações”, além de pretender saber a origem das mesmas e a
quem tinham sido vendidas, para falar com os clientes enganados, ou para saber se existia
alguém que podia ter aproveitado do material contrafeito, tendo cometido um crime de
receptação. Para fazer esta constatação dos factos chamou o Solicitador .

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